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75"

1.1 – Delimitação do objeto:


Gostaria de iniciar afirmando que este é um trabalho de história, mais especificamente de
história literária, e que, portanto, não tem como objetivo último discutir a adequação precisa de
diagnósticos psiquiátricos. Dito isto, devo ressaltar que, bem como o diagnóstico psicanalítico é
encarado como uma verdade provisória, uma hipótese de trabalho, assim também encaro a questão
da melancolia nos contos que analisaremos. É-nos importante, mais do que a precisão médica, a
análise e a compreensão de como e por que contos da primeira metade do século XIX trazem à
discussão esse tema. De outra forma, nos interessa saber como a melancolia é figurada nesses
contos do século XIX, nominalmente, Wakefield, de Nathaniel Hawthorne, The Man of the Crowd,
de Edgar Allan Poe, e Bartleby, the Scrivener, de Herman Melville. Para que possamos discutir
essas figurações da melancolias, é fundamental que conheçamos os contos, uma vez que são eles
o nosso ponto de partida, nos fornecendo os elementos necessários para especular, e também nosso
ponto de chegada, uma vez que a análise que aqui arriscamos visa contribuir para uma
interpretação dos mesmos.
Em Wakefield, somos apresentados pelo narrador à incomum notícia de um velho jornal
que relata o afastamento por vinte anos de um marido de sua esposa, amigos e lar. O narrador nos
informa que tudo o que sabemos é que o homem saiu de casa sob o pretexto de viajar a trabalho,
alocou-se em uma residência na rua ao lado de seu lar, e permaneceu sem dar notícias a ninguém
por todos esses anos, até que, de maneira igualmente súbita e sem maiores explicações, tornou a
entrar pela porta que havia saído anos antes. Pela estranheza do caso, que não é apenas um marido
abandonando sua esposa, mas um distanciamento de sua própria vida, por um longo período, o
narrador nos convida ao exercício intelectual de imaginarmos o que haveria ocorrido com o Sr.
Wakefield – forma pela qual o narrador resolve chamar o personagem de tal desventura (odisseia, Commented [Office1]: Muito interessante a ideia de
Odisseia, que, segundo François Hartog é a narrativa do
talvez?), uma vez que não sabemos seu nome – com o objetivo de que entendamos o que leva uma retorno. Isso implica uma separação de Ulisses com ele
mesmo, pois em um momento da epopeia ele ouve o aedo
pessoa a tomar tal decisão, a de banir a si mesmo do convívio social. O narrador aposta, ainda, que Demódoco cantar suas aventuras na guerra de Tróia, como
se estivesse morto. Ele é ao mesmo tempo um homem do
o exercício de preencher imaginativamente esse intervalo entre a saída e o retorno de Wakefield passado, cujos feitos são cantados pelo poeta e um homem
do futuro, que ouve o canto do poeta. O retorno de Ulisses,
poderá nos proporcionar um entendimento mais amplo e uma lição para a vida1. Ao iniciar o segundo Hartog, é um reencontro do si consigo mesmo.
Uma separação semelhante do eu consigo mesmo acontece
exercício especulativo, o narrador nos assegura de que somos livres para criar a personalidade de
com Wakefield, que busca observar sua vida de fora.
Podemos pensar sobre isso para o primeiro capítulo.

1
“Trusting that there will be a pervading spirit and a moral, even should we fail to find them, done up neatly, and
condensed into the final sentence”. HAWTHORNE, Nathaniel. The celestial railroads and other stories. P.67
Wakefield, uma vez que nada temos de concreto, exceto o próprio caso. Dessa maneira, nosso
anfitrião nos apresenta um Wakefield absolutamente medíocre, a última pessoa que seus
conhecidos diriam ser capaz de fazer algo memorável; um marido constante; um sujeito capaz de
produzir reflexões intelectuais, mas se detinha em reflexões inférteis; um sujeito sem imaginação,
em seu sentido mais amplo; enfim, um sujeito terrivelmente comum. Hawthorne imagina que a
esposa, Sr.ª Wakefield, o conhecesse melhor, sabendo de suas especificidades, como um silencioso
egoísmo, uma peculiar vaidade, uma disposição para criar – que dificilmente produzia algo melhor
que mistérios mesquinhos, os quais não valia a pena revelar. Este é o sujeito que Hawthorne nos
propõe ser capaz de realizar tal feito: um homem medíocre, movido por sua mórbida vaidade,
incapaz de sequer planejar satisfatoriamente os passos e objetivos de sua empreitada.
Outro conto de nosso interesse é o de Edgar Allan Poe, The man of the Crowd. O conto se
inicia com um preâmbulo sobre os mistérios imperscrutáveis da vida, fazendo alusão a um livro
germânico que, segundo Poe, não se permite ser lido. No conto, o narrador é uma pessoa que se
recuperava de um longo período doente, dizendo sentir-se, portanto, especialmente animado, “num
daqueles estados de espírito que são exatamente o oposto do ennui”2. Já no começo do conto,
portanto, somos apresentados à ideia de Ennui, isto é, de tédio, esgotamento, monotonia, ainda que
se esteja afirmando o exato oposto desse estado. Nosso narrador afirma que, neste estado, gozava
de uma capacidade especial para ler, em breves instantes de observação, a longa história de vida
daqueles que passavam à rua. O narrador, que põe-se a observar os transeuntes, passa a descrevê-
los e classificá-los, organizando as pessoas por suas atividades profissionais e as respectivas vestes,
os gestos e trejeitos, as expressões que carregavam nos rostos. O observador-narrador classifica a
todos que vê – e são praticamente incontáveis os passantes – com extrema facilidade, afirmando
que nenhum deles lhe desperta interesse particular. Eis que surge em seu campo de visão o
semblante de um velho decrépito, que regularia entre sessenta e cinco e setenta anos de idade,
semblante este que “de imediato, se impôs fortemente”3 à atenção por sua expressão
idiossincrática. Sua expressão, ressalta, teria sido a melhor representação pictórica para o demônio
imaginado por Retzsch, em seus quadros, imaginando que mesmo o artista preferiria a expressão
deste estranho transeunte à sua própria obra. Ao tentar decifrar tal figura, o observador é tomado
por sentimentos confusos e paradoxais: lhe ocorria “ideias de vasto poder mental, de cautela, de

2
POE, Edgar Allan. Histórias extraordinárias. São Paulo: Companhia das letras, 2008, p. 258.
3
Ibid, p, 262-263
indigência, de avareza, de frieza, de malícia, de ardor sanguinário, de triunfo, de jovialidade, de
excessivo terror, de intenso e supremo desespero.” Ao mesmo tempo, sentia-se “singularmente
exaltado, surpreendido, fascinado”4. Diferentemente do que ocorrera ao observar os demais
pedestres, portanto, o narrador é tomado por um impulso de seguir este velho decrépito, sobre o
qual nada conseguia saber naquela rápida observação. Desejava desvendar este mistério que se
impunha. Inicia-se, assim, a perseguição.
Ao se empenhar na perseguição, o narrador tem uma nova oportunidade para observar
aquele que despertara seu interesse. Novamente, ao observar o velho, aprofunda-se a sensação de
paradoxo, na medida em que percebe que suas roupas são sujas e esfarrapadas, mas apresentam
fina textura; veste-se com um Roquelaure de segunda mão, e traz dentro dele um diamante e uma
adaga. O velho era um mistério ambulante, mistério este ao qual a curiosidade do narrador era
incapaz de resistir. Soma-se ao mistério, ou ainda, torna-se o próprio mistério o fato de que o
comportamento desse sujeito inexplicavelmente se alterava quando este se aproximava de
multidões: o ritmo do andar, sua respiração, tudo nele se acalmava quando se via rodeado por
pessoas, e, quando seu entorno se esvaziava, voltava a andar, acelerado, em direção à região mais
movimentada. A perseguição persiste por horas a fio, pelos mais diversos recantos da populosa
capital inglesa, até que nosso narrador-perseguidor-observador dá-se por satisfeito, resignado,
convencido de que nada mais conseguirá descobrir sobre aquele misterioso homem que vagava
incansavelmente por Londres, buscando por multidões. Conclui o conto, portanto, afirmando que
a manutenção desse mistério talvez seja mesmo uma dádiva divina, uma vez que “aquilo que não
se permite ser lido” talvez seja melhor que seja mantido dessa forma.
Por fim, o último conto a ser analisado neste trabalho é Bartleby, the scrivener. Esse é o
único conto que se passa em solo americano, nos arredores de Wall Street. A história se passa em
um escritório de um advogado, nosso narrador, que tem como funcionários inicialmente dois
escrivães, Turkey, um inglês baixinho e obeso, que regulava idade com o advogado – em torno de
sessenta anos – muito polido e eficiente às manhãs, mas que perdia o controle após o almoço, e
Nippers, um jovem escrivão, de uns vinte e cinco anos, que, segundo o advogado, sofria de
ambição e má digestão. Esta última fazia com que seu humor pela manhã ficasse péssimo, em
contraste com Turkey. Havia ainda Ginger Nut, um rapaz de doze anos, filho de um carroceiro que
desejava para seu filho um futuro melhor do que tivera, razão pela qual enviou o menino para o

4
Ibid., P. 263
escritório do advogado a fim de que aprendesse a profissão. Não cabia a Ginger Nut transcrever
os contratos, como aos demais funcionários, mas de resto fazia tudo: busca e envio de documentos,
comprar e trazer comida para os demais funcionários, enfim toda sorte de trabalhos. Ginger Nut
até mesmo dispunha de uma mesa, porém esta, nos conta o advogado, raramente era usada pelo
menino. Esse é o ambiente de trabalho para o qual Bartleby é contratado. O advogado nos conta
que necessitava de mais ajuda com a cópia dos contratos porque havia assumido recentemente o
cargo de Oficial do Registro Público em Nova York – cargo esse que, segundo o próprio advogado,
havia sido extinto já no momento da narração, fato que causava revolta ao advogado. Esse novo
cargo aumentou substancialmente o volume de contratos tratados pelo escritório, o que justificava
a contratação de um novo escrivão. Já a primeira percepção, que naquele momento pareceu
vantajosa ao advogado, é de que Bartleby era um jovem inerte, “palidamente correto,
lamentavelmente respeitável, incuravelmente desamparado”5.
Introduzido Bartleby, o advogado passa a nos contar sobre a relação do escrivão com o
trabalho. Nos é dito que ele trabalha incessantemente, noite e dia, sem sequer parar para almoçar.
O advogado confessa, inclusive, que fosse Bartleby mais animado com seu trabalho, ele vibraria
com o volume de produção, mas Bartleby trabalhava de maneira extremamente mecânica. No
terceiro dia de trabalho, porém, começam as excentricidades do escrivão, que fazem enigma no
advogado: Bartleby se recusa a ler seu texto, processo que ajudava a acelerar a conferência dos
textos copiados por eles. A partir desse momento, acompanhamos uma degeneração da relação de
Bartleby com o trabalho, e a completa apatia em relação a seus colegas. Bartleby se recusa
repetidas vezes a atender ao pedido de seu chefe, sempre com sua marca registrada “I would prefer
not to”. Essa estrutura de resposta se repete ao longo de todo o conto, seja quando o advogado o
convoca para exercer suas tarefas, seja quando tenta conversar com seu funcionário, para tentar
entender o que se passa com ele. Também aqui nos deparamos com a impossibilidade de desfazer
o mistério em torno do personagem. Já no começo do conto, o advogado nos afirma que pouco
sabe sobre esta figura a qual ele se dedicará a falar sobre, e que não há material suficiente sobre
Bartleby para sustentar uma biografia completa, e, portanto, ele representa uma grande perda para
a literatura. O conto termina com o narrador nos confidenciando um boato que havia chegado a
ele sobre o passado de Bartleby. Havia ele trabalhado anteriormente no setor de letras cartas mortas Commented [Office2]: Na verdade são cartas mortas, não
letras mortas.
de um escritório em Washington. O narrador se choca com tal natureza do trabalho, ao que diz

5
MELVILLE, Herman. Bartleby, o escrivão: uma história de Wall Street. São Paulo, Cossac-naif, 2005, p.7.
parecer soar como homens mortos. Letras mortas e homens mortos, destinados a serem descartados
por um sujeito como Bartleby, que, “por sua natureza e infortúnio” era propenso à solidão. O
impacto de tal trabalho, o de queimar cartas mortas, o de se desfazer de cartas investidas de
esperança por aqueles que a escreveram, pode ser devastador a todos, como o narrador termina por
dizer.
Finalmente, gostaria de retomar aqui a proposição de Hawthorne, ao nos convidar ao
exercício imaginativo sobre a vida do Sr. Wakefield, pois imagino que nosso trabalho seja análogo.
Se no conto somos provocados a imaginar criativamente o que haveria acontecido nos longos vinte
anos, com a aposta de que poderemos obter uma compreensão mais ampla e tirar desse exercício
uma lição para a vida, acredito que também nós devamos nos impor o desafio de imaginar, criar,
propor uma relação entre esses contos, a priori desconectados, no sentido de que possamos, ao
final, interpretar cada um deles e todos, ao mesmo tempo, enredando-os de maneira que
consigamos, também nós, aprender algo ao fim desse exercício intelectual. Acredito que, de
alguma forma, é esse o trabalho do historiador, evidenciado aqui na ficção.

1.2 Discussão bibliográfica:


Dois conceitos são primordialmente caros para o desenvolvimento do nosso trabalho, e
são, a meu ver, também fundamentais na construção dos próprios contos. São eles a melancolia e
as grandes cidades modernas.
O tema da melancolia está longe de ser novidade, seja abordado pela medicina, seja pela
filosofia. As tentativas de ora compreendê-la, ora curá-la remontam discussões que vêm do século
V a.C. Essas discussões, por sua vez, também já são amplamente conhecidas. Luiz Costa Lima,
em seu livro Melancolia, reforça a validade – ou antes, a importância – de se refazer esse caminho,
ainda que já batido, ao se desfazer rapidamente do que chama de um “argumento duvidoso” de
Jackie Pigeaud, que diz: “Quem quer que reflita sobre a melancolia sabe ou deve saber que não
será original.”6. Dessa forma, ciente de que ao mesmo tempo que não serei original, que não trarei
novos significados para o estudo da melancolia, não me furto de fazer uma discussão, ainda que
breve, sobre o conceito. Apostarei, porém, em uma tentativa de ser original ao menos na forma de
expor essa discussão, trazendo algo como o caminho percorrido no decorrer da pesquisa, que
certamente apontará as lacunas desta.

6
LIMA, Luiz Costa. Melancolia: literatura. P.16.
Gostaria, portanto, de começar a falar sobre melancolia a partir de hoje, para tentar de
alguma forma compartilhar com o leitor a trajetória da descoberta de o que é, e principalmente, o
que não é a melancolia.
Nas últimas décadas acompanhamos um abandono dessa antiga nomeação, uma
substituição da melancolia por sua versão atual, a depressão. Em uma sociedade na qual os
discursos médico e científico caminham lado a lado, fenômenos como a melancolia, que ensejavam
estudos das mais diversas áreas do saber, tornaram-se objeto exclusivo da retórica médico-
científica. Com isso, cria-se um apagamento da longa trajetória da discussão sobre a própria
natureza do objeto estudado, em favor de uma interpretação dominante que considera a depressão
como um transtorno. Portanto, quando pela primeira vez eu me deparei com o termo melancolia,
entendi imediatamente que se tratava de um sinônimo de depressão. Contudo, ao chegar à
melancolia pelos três contos, que mais precisamente constitui o objeto a ser analisado nessa
pesquisa, percebi uma clara distância em relação à noção de depressão, que dominava meu
imaginário inicialmente.
Reconheci, então, a necessidade de entender o que mais poderia ser a melancolia, se
entendê-la como sinônimo de depressão, em seu sentido contemporâneo, não dava conta das
questões suscitadas pela leitura dos contos. Engajei-me, dessa forma, em um salto temporal e fui
conhecer as considerações aristotélicas, ou melhor, incialmente a ele atribuídas, presentes no
“Problema XXX, I”, cujo subtítulo é “O homem de gênio e a melancolia”. Logo em seu começo,
o pseudo-Aristóteles nos propõe uma pergunta que, por si só, já desestabiliza a concepção
contemporânea de melancolia:
Por que razão todos os que foram homens de exceção [excepcionais] no que concerne à
filosofia, à ciência do Estado, à poesia ou às artes, são manifestamente melancólicos, e
alguns a ponto de serem tomados por males dos quais a bile negra é a origem, como
contam, entre os relatos relativos aos heróis, os que são consagrados a Hércules? 7
Muito embora a passagem afirme que todos os homens excepcionais eram melancólicos, e não o
inverso, essa afirmação nos abre a possibilidade para pensar os melancólicos associados a feitos
extraordinários. Mas a segunda parte da pergunta é particularmente intrigante. Nela fica patente a
existência de duas condições diferentes: a melancolia e a melancolia agravada pelos “males da bile
negra”. Ainda que eu não soubesse o que exatamente era a bile negra, o Problema XXX explicitava

7
ARISTOTELES. O homem de gênio e a melancolia: o problema XXX,I. Trad. Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Lacerda
Editores, 1998, p.81.
a existência de gradações, níveis diferentes de melancolia, bem como os efeitos da melancolia
associados à psique, e não exclusivamente o corpo.
Hipócrates (460 a.C.-377), por outro lado, na tentativa de compreender a natureza
fisiológica do homem, propõe que o corpo é composto por quatro substâncias que, de acordo com
seu estado de equilíbrio – ou a falta dele –, resultariam em saúde ou doenças. Saúde e doença,
segundo os preceitos hipocráticos, poderiam ser percebidas por suas manifestações no corpo, assim
como também as soluções para o desequilíbrio dessas substâncias no corpo consistia em expelir,
literalmente, líquidos associados a cada uma delas. Essas quatro substâncias, a saber, eram o
sangue, a fleugma, a bile amarela e a bile negra. Ainda sobre a tradição hipocrática, temos a
contribuição de Stanley W. Jackson, como destacado por Costa Lima:

Embora não haja uma exposição sistemática nos escritos hipocráticos, referências
dispersas sugerem que a melancolia era uma condição entre várias doenças chamadas
melancólicas; que a bílis negra era o fator principal que provocava tais doenças; que o
outono era a estação particular em que as pessoas corriam o risco dos efeitos deste humor;
que a bílis negra era de natureza viscosa e associada às propriedades da frieza e secura; e
que tal sintoma, junto com seus distúrbios mentais, era por certo o resultado de o cérebro
estar afetado.[Grifo nosso]8

Esse trecho nos forneceu importantes pistas sobre a permanência de algumas características das
definições de melancolia até os dias de escrita dos contos. Em Wakefield, Hawthorne imagina que
o marido teria saído de casa em uma tarde do outono. Também em O Homem da Multidão essa Formatted: Font: Italic

referência aparece: toda a trama se dá ao longo dos dias do outono londrino. A frieza e a secura
também são características que se repetem frequentemente nos contos. Os personagens em torno
dos quais as histórias se desenvolvem – Bartleby, Wakefield e o Homem da Multidão – apresentam
essas características marcadamente, contribuindo com o nosso entendimento de que essa tradição
de interpretação da melancolia deixou marcas.
Para além das permanências, há, porém, características muito específicas aos contos que
não poderiam ser antecipadas Aristóteles ou Hipócrates, e que são fundamentais para que
possamos imaginar uma melancolia a partir dos contos. Os cenários nos quais os três contos são
ambientados são próprios de uma sociedade moderna: a cidade grande. Podemos pensar, inclusive,
que de alguma maneira as cidades – Londres para os contos de Poe e Hawthorne, e Nova York
para Bartleby – compõem aspectos indispensáveis para o desenvolvimento dos personagens.

8
COSTA LIMA, Luiz. P.18. Formatted: Portuguese (Brazil)
O sociólogo alemão Georg Simmel (1858-1918), em sua famosa conferência no âmbito da
Exposição das Cidades, em Dresden, 1903, intitulada “As grandes cidades e a vida do espírito”,
nos apresenta um minuciosa diagnóstico da vida dos sujeitos nessas cidades que, ao longo do
século XIX, encheram-se. Nesta conferência, Simmel avalia o surgimento de novas angústias
próprias a essa vida, na qual tornou-se impossível manter relações afetivas com as pessoas que nos
cercam, uma vez que, ao contrário da vida em pequenas cidades do interior, ou a vida no campo,
a vida na cidade faz com que convivamos com centenas de pessoas, que cruzemos com milhares
de pessoas em apenas um dia. Simmel nos lembra, porém, que se essa inundação de pessoas ao
nosso redor causa um fechamento em si, um isolamento do mundo, ele também traz a dimensão
da independência, uma vez que em uma vida na qual as pessoas se conhecem, mantém relações
mais próximas, há também mais controle e menos possibilidade de mudanças. O mesmo podemos
perceber no mundo do trabalho, que com sua divisão apontada pela revolução industrial contribuiu
para uma especialização infinita, em detrimento de ofícios mais generalistas e comumente
familiares.
O ponto de Simmel, e é o que fundamentalmente nos interessa, é que essas novas vivências
proporcionadas pelo surgimento das cidades grandes impõem novos desafios ao seu habitante, que
só superarão esses desafios, ou melhor, só podem buscar a sobrevivência articulando esses novos
elementos, e não mais pautados em uma experiência anterior, passada pela tradição:
Se o século XVIII pode clamar pela libertação de todos os vínculos que resultaram
historicamente no estado e na religião, na moral e na economia, para que com isso a
natureza originalmente boa, e que é a mesma em todos os homens, pudesse se desenvolver
sem empecilhos; se o século XIX reivindicou, ao lado da mera liberdade, a particularidade
humana e de suas realizações, dadas pela divisão do trabalho, que torna o singular
incomparável e o mais indispensável possível, mas com isso o atrela mais estreitamente
à complementação por todos os outros; se Nietzsche vê a condição para o pleno
desenvolvimento dos indivíduos na luta mais brutal dos singulares, ou o socialismo,
precisamente na manutenção do nível mais baixo de toda concorrência [...], a resposta
precisa ser buscada na equalização promovida por tais formações entre os conteúdos
individuais e supra-individuais da vida, nas adaptações da personalidade, mediante as
quais ela se conforma com as potências que lhe são exteriores.9
Para pensarmos nos personagens dos contos, propõe-se aqui que cada um deles está justamente
nessa busca pela equalização, pela adaptação às potências, ou aos desafios impostos pelo seu
tempo.

9
SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito(1903). Mana, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 577-591, Out.
2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
93132005000200010&lng=en&nrm=iso
Nesse mesmo espírito do diagnóstico de Simmel, podemos lembrar aqui do filosofo alemão
Walter Benjamin. Em seu ensaio “Sobre alguns motivos na obra de Baudelaire”, Benjamin
identifica em Baudelaire a mesma busca pela adaptação da qual Simmel nos falou. Para ele, porém,
o homem das grandes cidades é, em regra, incapaz de lidar com essa equalização. Benjamin
constrói seu argumento pensando na oposição entre as categorias de experiência e vivência. A
experiência, para ele, era fruto da tradição, estava associada a uma dimensão involuntária –
aproxima à formulação de Proust de memória involuntária –, enquanto que a vivência é o resultado
de uma vida protegida por um consciente que filtra os estímulos – choques – aos quais são
submetidas as pessoas que vivem em cidades grandes. Esses estímulos vão desde trombadas e
tropeços nas ruas tumultuosas, até a liberdade absoluta da qual nos fala Simmel – aqui, porém,
enfatizando-se o aspecto desesperador que essa liberdade traz. Experiência e vivência, nesse
sentido, concorrem, disputam o mesmo espaço, e ao passo em que aumenta-se os estímulos na
sociedade, a possibilidade de uma vida pautada em trocas e produção de experiências se restringe.
Dessa forma, a vida moderna nas cidades grandes é por excelência o domínio da consciência. Ao
investigar como pôde o autor de as flores do mal ter sucesso ao escrever poemas líricos para um
público incapaz de se conectar com experiências, incapaz de sentir, uma vez que protegido pela
consciência, Benjamin conclui que Baudelaire, ao transformar a vivência da cidade grande em
experiência, sacrifica sua aura, isto é, abraça, ainda que resignadamente, a vivência dos choques
para poder criar a partir dela. Benjamin destaca que Baudelaire dedicou toda sua força para tentar
atingir seu objetivo, que ele propõe ser “criar um modelo” que pudesse informar os poetas futuros.
Benjamin encerra, porém, afirmando que Baudelaire
Fixou o preço pelo qual se pode adquirir a sensação da modernidade: a destruição da aura
na vivência do choque. A convivência com essa destruição saiu-lhe cara. Mas é a lei de
sua poesia, que paira no céu do Segundo Império como ‘um astro sem atmosfera’
Portanto, o preço pago por Baudelaire para produzir experiência nesse ambiente impróprio parece
análogo ao que Benjamin falara antes, em Experiência e Pobreza, que a partir da destruição do
que havia, a partir de uma tábula rasa, só aí pode se constituir novas experiências. Debruçando-
nos sobre os personagens dos contos, assim, nosso objetivo é entender como esse ambiente
moderno das grandes cidades, figuradas nos contos, afeta seus personagens, como essas relações
entre indivíduos nessas sociedades marcadas pela divisão do trabalho e a especialização que
decorre desta, pela liberdade do indivíduo e sua consequente solidão, pela profusão de estímulos
e a necessária proteção contra os mesmos estímulos, que inviabilizam a experiência, como esses
três personagens – Wakefield, Bartleby e o homem da multidão – lidam com esse mundo. A
melancolia que nos interessa analisar, nesse sentido, é uma melancolia marcada por esses conflitos
que, como dissemos, não poderiam jamais terem sido antecipados pela tradição.

2- Objetivos:
 Analisar a figuração da melancolia em Wakefield, Bartleby e O Homem da Multidão;
o Ivesstigar a historicidade da figuração da melancolia, nos três contos, buscando
estabelecer seu lugar em uma história do conceito de melancolia;
o Compreender qual é o papel da melancolia na estrutura dos contos.
3- Hipóteses:
 A figuração da melancolia nos contos de Hawthorne, Poe e Melville aparece não apenas
como um fenômeno puramente individual, mas também como sintoma de uma conjuntura
histórico social específica. Ela está relacionada a um tipo de individualismo, que se
desenvolve nas sociedades ocidentais modernas, a partir dos séculos XVIII e XIX, e é
caracterizado simultaneamente pela construção de uma sociabilidade de tipo impessoal e
pela extrema solidão do indivíduo
o A figuração da melancolia nos contos é profundamente marcada pelo crescimento
da população nas grandes cidades modernas, o que confere à melancolia novas
dimensões de sofrimento, como a perda do sujeito de si mesmo, de seu desejo;
o A presença da melancolia nos contos é central para a sustentação de uma crítica ao
crescimento das grandes cidades da sociedade moderna, é uma sinalização dos
novos riscos aos quais os sujeitos dessa sociedade estão expostos. Commented [Office3]: Precisamos tornar essa hipótese
mais específica. Mas deixa assim por enquanto e volta a ela
4- Perspectivas teórico-metodológicas: depois de trabalhar os contos.
5- Fontes
HAWTHORNE, Nathaniel. Wakefield. In: The celestial railroads and other stories. New York:
New American Library, 2006, p. 66-76.
MELVILLE, Herman. Bartleby, o escrivão. Uma história de Wall Street. São Paulo: Cosac
Naify, 2005, 48pp.
POE, Edgar Allan. O homem da multidão. In: Histórias extraordinárias. São Paulo: Companhia
das Letras, 2008, p. 258-267
6- Referências bibliográficas:
ARISTOTELES. O homem de gênio e a melancolia: o problema XXX,I. Trad. Alexei Bueno.
Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1998
BENJAMIN, Walter. Baudelaire e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.
LIMA, Luiz Costa. Melancolia: literatura. São Paulo: Editora Unesp, 2017
SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito(1903). Mana, Rio de Janeiro, v. 11, n.
2, p. 577-591, Out. 2005. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
93132005000200010&lng=en&nrm=iso

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