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“Para quem vai trabalhar na feira... essa educação está boa demais”: a política
educacional na sustentação da divisão de classes
Selma Borghi Venco*
Reginaldo Fernando Carneiro**
Resumo
O artigo tem como escopo debater a política educacional brasileira contextualizada em sua história recente e,
focalizando, mais especificamente as formas de padronização da educação, particularmente a Base Nacional
Curricular Comum (BNCC). A hipótese que orientou o estudo, de caráter documental, centra-se na perspectiva
que o projeto neoliberal persegue as demandas internacionais voltadas à lógica da mensuração de resultados e
padronização mundial da educação, sendo a BNCC ferramenta fulcral nessa edificação. Constata-se que nessa
perspectiva o Brasil opta, seguindo sua tradição, por uma educação submissa aos países centrais e permanece se
inscrevendo subalternamente na divisão internacional do trabalho.
Palavras-chave: Política educacional; Base Nacional Comum Curricular; Padronização da educação.
“For those who will work at the street market ... this education is so good ": the educational policy in
support of the social classes’division
Abstract
The article argues the Brazilian educational policy contextualized in its recent history and, focusing more
specifically the forms of standardization of education, particularly the National Curricular Common Base. The
hypothesis that guided the study, as a documental research, is that the neoliberal project pursues the international
demands, intended for the logic of the measurement of results and global standardization of education, and
BNCC is a pivotal tool in this construction. It is noted that in this perspective Brazil opts, according to its
tradition, for a submissive education to the central countries and continues subscribing itself subalternly in the
international division of labor.
Keywords: Educational policy; National Common Curricular Base; Standardization.
mercado de trabalho. No Estado Novo, a educação das quais passamos a destacar certos aspectos.
básica organizou-se em ramos profissionais Sincronização de movimentos: racionalidade e
assingelando os conteúdos propedêuticos, com padronização
vistas a dar sustentação ao processo de
industrialização em curso. A política monetária adotada no Acordo
Não obstante, às elites havia outra educação Bretton Woods (1944) estabelecia paridade do dólar
distante da formação profissionalizante e, aqui ao ouro. Os excessos – de ordens diversas, mas em
compreendida como formada para ocupar níveis particular a elevada emissão de dólares –, praticados
elevados da pirâmide social. A mesma matriz pelos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã
persiste no governo Juscelino Kubitschek (1956- levaram o conjunto de países participantes do
1961) destacando que a educação deveria “produzir Acordo a romper com a referida equivalência e
competências técnicas para o emprego, de forma a descerraram uma crise econômica de alta amplitude
agregar valor aos recursos humanos no mercado” nos anos 1970. Essa situação, somada às questões
(FONSECA, 2009, p. 158). O vocabulário concernentes ao embargo do fornecimento de
empregado, oriundo da economia, indica a adesão à petróleo aos Estados Unidos e outros países centrais
teoria do capital humano, que compreende a escola na economia, levou ao acúmulo de importantes
como produtora de instrução e seu respectivo valor déficits nas décadas seguintes.
econômico (SCHULTZ, 1973). A crise, nesse período, é estrutural. Segundo
O formulador da teoria, Theodore Schultz Santos (2001), nessa fase do capitalismo a
(1902-1998) aponta para a relação entre os respectiva sustentação do sistema se dá pelo
investimentos realizados em educação e saúde como despotismo do dinheiro e da informação, que
fator para o crescimento econômico e aumento da conduzem ao pensamento único.
produtividade individual, considerando, de um lado, A globalização propalada como integradora,
o aspecto quantitativo referente ao total de anos de responsável pela transposição de barreiras e pela
estudo das populações investigadas, mas redução de tempo e espaço, buscou ocultar, de fato,
desprezando as diferenciações qualitativas da oferta o que produzia: aumento da pobreza resultante dos
e, sobretudo as situações de desigualdade social. altos índices de desemprego:
Tal perspectiva teórica, compreende-se, é
intrínseca a um dos valores que sustentam o A perversidade sistêmica que está na raiz dessa
capitalismo: o individualismo. Isso porque concebe evolução negativa da humanidade tem relação
o indivíduo como responsável pelo investimento em com a adesão desenfreada aos comportamentos
si mesmo. competitivos que atualmente caracterizam as
ações hegemônicas. Todas essas mazelas são
A nítida inspiração em Adam Smith que, em
direta ou indiretamente imputáveis ao presente
1776 (1993, p. 63), ressaltava a incumbência processo de globalização (SANTOS, 2001, p.
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Sobre os autores
Selma Borghi Venco: Socióloga, mestre e doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas, com
ênfase em trabalho e educação. Realizou dois pós-doutorados:IFCH, no departamento de sociologia; e
Laboratoire Genre, Travail et Mobilités, Univeristé Paris X. Atualmente é docente na Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Departamento de Políticas, Administração e Sistemas
Educacionais (DEPASE) e pesquisadora associada do Centre de Recherches Sociologiques et Politiques de Paris
(CRESPPA). É vice-líder do Grupo de Estudos e em Política Educacional (GREPPE) e participa de duas linhas
de pesquisa: Política educacional e Trabalho e Educação. O trabalho docente na educação básica é foco de
pesquisa desde 2010 e atualmente desenvolve pesquisa sobre a pesquisa educacional no Brasil e França e os
desdobramentos para o trabalho docente.
Reginaldo Fernando Carneiro: Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar e
licenciado em Matemática também por essa instituição. Atualmente é professor da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF – e dos Programa de Pós-Graduação em Educação e em Educação
Matemática do qual é vice-coordenador. Coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática –
GREPEM – da UFJF e é pesquisador do GEM da UFSCar. É membro da Diretoria Nacional Executiva da
Sociedade Brasileira de Educação Matemática – SBEM – gestão 2016-2019. Tem como interesse de pesquisa a
formação de professores que ensinam matemática.