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Nº 43/2018
Porteiro ou guardião?
O Supremo Tribunal Federal
em face aos direitos humanos
MAIO DE 2018
Referências bibliográficas 48
Antonio Escrivão Filho | PORTEIRO OU GUARDIÃO? O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS
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Assim que, se não parece possível afirmar a dos direitos humanos, o fato é que, sem ig-
existência de um regime democrático sem di- norar a sua importância na criação de con-
reitos fundamentalmente referidos à cidada- dições históricas de proteção de direitos, o
nia – ou seja, às garantias de dignidade, bem reconhecimento institucional de direitos não
estar social e participação ativa na vida políti- constitui uma instância absoluta, algo que
ca da sociedade – não soaria lógico conceber se realiza em si mesmo, quando desprovido
um regime de direitos sem identificar que, ou desacompanhado de garantias como uma
por detrás da sua conquista, traduzida em base econômica, uma rede de solidariedade
reconhecimento jurídico-institucional, estão social e um ambiente cultural orientado para
os sujeitos que irromperam a história, supe- o reconhecimento e compromisso com a efe-
rando violências, exploração e opressões co- tivação de direitos.
tidianas para, a cada novo momento, a cada
nova emergência em luta social, afirmar no- Em sentido complementar às dimensões so-
vos direitos anunciados, como diríamos com ciais trazidas pelo jusfilósofo espanhol, de
José Geraldo de Sousa Júnior (2016), como pouco ou nada adianta o reconhecimento
expressão da legítima organização social da jurídico-normativo de novos direitos, se ele
liberdade. não for acompanhado por uma equivalente
e muitas vezes drástica transformação dos ór-
Em toda a sua complexidade filosófica, no gãos estatais, institucionalmente desenhados
ambiente político a fórmula histórica reve- e politicamente delegados para o exercício
la-se em simplicidade: novos sujeitos anun- das funções de proteção, defesa e efetivação
ciam novos direitos e novas instituições vol- de direitos.
tadas para a sua garantia e efetivação. Assim
se fez a dimensão formal da Constituição de Em outras palavras, a positivação de direitos
1988, em seu extenso rol de direitos e ga- e até mesmo de direitos humanos desfaz-se
rantias fundamentais, mas tal não foi a sorte em encantos e ilusões imobilizantes se, de um
da disputa em torno do desenho e da orga- lado, não conta com um processo social de
nização institucional do poder. Como relata tomada de consciência, reivindicação e mo-
Roberto Gargarella (2011), no ambiente de bilização instituinte e, de outro, não encontra
transição latino-americana para regimes de uma institucionalidade concebida, organiza-
enunciado democrático, as forças progres- da e culturalmente comprometida com a pro-
sistas investiram suas energias na garantia teção e efetivação destes direitos. De pouco
de direitos fundamentais, mas a organização ou nada adianta novos direitos, se a institu-
institucional do poder continuou, nas consti- cionalidade responsável pela sua implemen-
tuintes, hegemonizada pelo conjunto de for- tação (executivo), regulação (legislativo) e
ças liberais-conservadoras. aplicação (judiciário) não os acompanhar no
processo histórico de mudança política.
Ocorre que o reconhecimento constitucio-
nal de direitos, reivindicados na rua, pouco Tratando-se de sociedades saídas de regimes
ou nada garante no cotidiano da vida social, autoritários e que, portanto, buscam supe-
sobretudo em uma sociedade fundada sobre rar um ambiente político e institucional de
relações de poder orientadas por intensos ve- violações sistemáticas de direitos humanos,
tores de raça, gênero e classe. Como afirma os estudos de justiça de transição apontam
Herrera Flores (2009) desde a teoria crítica para um conjunto de iniciativas, pilares ou
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processos que, histórica e por isso concreta- No Brasil, a temática das reformas institucio-
mente em cada sociedade, devem ser imple- nais no sistema de justiça ganha interessante
mentados para que a violência política seja e preocupante relevo, ao se observar, de um
superada por uma cultura social, política e lado, que a atual Lei Orgânica da Magistra-
institucional de direitos humanos. Dentre tura Nacional (Loman – LC nº 35/1979)
estas cinco iniciativas sistematizadas por remonta ainda à legalidade autoritária que,
Ruti Tatel (2003), como a reconstrução da segundo Antony Pereira (2010), se caracte-
memória, o julgamento e responsabilização rizou como o elemento distintivo do regime
dos culpados e a reparação das vítimas e suas militar brasileiro, preocupado em produzir
comunidades, neste momento nos interessa um ambiente de legalidade, orientado para
uma, especialmente referida ao debate sobre a afirmação de normalidade democrática no
a justiça, qual seja, a implementação de re- funcionamento das instituições políticas do
formas institucionais. país, em especial o poder judiciário1.
Como afirmamos com Fernando Antunes De outro lado, e aqui ingressamos no objeto
(2017), à noção de reforma das instituições deste trabalho, chama especial atenção a re-
vincula-se, dentre outros aspectos, um ca- lação estabelecida entre o Supremo Tribunal
ráter de responsabilização, seja institucional Federal e a Assembleia Nacional Constituin-
ou pessoal, conhecida como depuração, pu- te2, já no ato da sua convocação, passando
rificação ou saneamento administrativo. A pelo período de seus trabalhos e, finalmen-
depuração constitui uma das medidas recor- te, no ato de sua promulgação. Convocada
rentemente ligadas ao processo de reformas pela Emenda Constitucional n. º 26 de 1985,
institucionais, constituindo a identificação e anunciavam-se ali os contornos que o regi-
exoneração dos indivíduos que perpetraram me militar imprimiria à ANC, no sentido do
violações a partir de seus cargos ou funções bloqueio à hipótese de ruptura com a ordem
públicas. Nesse sentido, observam-se, na então vigente, arquitetura que seria então re-
história, diferentes graus de intensidade na forçada por uma sensível e sugestiva questão
utilização desse mecanismo, talvez sendo a institucional inserida no texto da convocação:
Alemanha Oriental, como descreve Alexan- a indicação de que no ato de sua instalação,
dra Brito (2009), a que tenha atingido maior
representatividade nesta perspectiva, chegan- 1. Não seria demasiado ressaltar que é a Loman que delimita,
ainda hoje, a estrutura que organiza uma gigantesca máquina
do ao número de cerca de 500 mil pessoas, institucional de 278.500 servidores, 14.900 juízes, 2.380 desem-
aproximadamente 3% da população, removi- bargadores, e 75 ministros de tribunais superiores (CNJ, 2014).
das de suas funções públicas após o nazismo. 2. Como apontam José Gomes da Silva (1989) e Paulo Bo-
navides (1991), o contraditório fato do Congresso Nacional
ter se convertido, a partir de uma Emenda Constitucional, em
Com um distintivo potencial em relação às um misto de Parlamento e Assembleia Constituinte no ano de
outras dimensões da justiça de transição, as 1987 – em detrimento, portanto, de uma convocação originá-
ria que proporcionasse o rompimento com a ordem constitu-
reformas institucionais causam um impac- cional anterior – confere à Constituinte de 1987-1988 um dú-
to direto tanto na recomposição como na bio e controlado caráter de Congresso Constituinte, com uma
projeção de direitos humanos em uma so- série de consequências, dentre as quais se destacam, de um lado,
o caráter de continuidade institucional, e de outro, segundo
ciedade, recebendo especial atenção àquelas Diana Kapiszewski (2011), o caráter excessivamente abrangen-
direcionadas para dois núcleos essenciais dos te e detalhista da Constituição, uma característica de Congres-
sos Constituintes, experiências que tendem a produzir textos
regimes autoritários: o sistema de justiça e a extensos (dada à fragmentação das forças internas), nas quais
segurança pública. o legislador-constituinte acaba por confundir as duas funções.
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a ANC seria presidida pelo presidente do Su- E desse modo desenvolveram-se os trabalhos
premo Tribunal Federal. da Constituinte, sob intensa e interessada
atuação dos ministros do Supremo Tribunal
Naquela ocasião, o ministro Moreira Alves, Federal, sobretudo quando a pauta enverga-
nomeado pelo general Ernesto Geisel, profe- va, em temas da maior intensidade política,
re um discurso afirmando que a ANC selava para um sentido distinto daquele orientado
uma transição sem ruptura constitucional, via pela ala conservadora, sob o patriarcal olhar
conciliação, de modo a encerrar um período dos militares. Como afirmam Koerner e Frei-
revolucionário3. Na mensagem trazida nas tas (2013, p. 148), “nos momentos críticos,
entrelinhas da EC nº 26/1985 e verbalizada os conservadores mobilizaram o STF como
pelo ministro naquele momento, cabia ao recurso estratégico, o qual foi invocado nos
STF fiscalizar os trabalhos da Constituinte e
principais conflitos: a respeito das relações
não o contrário. Atribuía-se ao Tribunal, por
entre a Constituinte e os poderes constituí-
essa lógica, uma condição superior ao pró-
dos; das regras internas da ANC e da duração
prio poder constituinte, ente que encarna,
do mandato do presidente Sarney”.
na teoria moderna, o referencial primeiro e
fundamental de toda a organização do poder
Neste contexto, com o encerramento dos tra-
estatal: a soberania popular.
balhos da Assembleia Constituinte ficaria se-
Desse modo, o regime delegava ao STF o lada a condição assumida pelo STF na nova
poder de cogitar sobre a recepção dos traba- ordem constitucional. Naquela celebrada tar-
lhos da ANC e não à ANC – como haveria de de 05 de Outubro de 1988, no ato de sua
de se cogitar em relação a um órgão sobe- promulgação, Ulysses Guimarães finalmente
rano, como o poder constituinte – o poder entregava a guarda da ansiada Constituição,
de romper com a ordem vigente e dissolver nos termos do seu artigo 1025, a um Supre-
uma Corte Constitucional atrelada aos valo- mo Tribunal Federal composto, dentre as suas
res jurídicos, políticos e culturais da ordem onze cadeiras, por nove ministros indicados
anterior4. por ditadores do regime militar6.
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sentido sobre os horizontes e limites da inter- No sentido desta segunda tendência, emer-
dependência entre os Poderes, bem como da gem como objeto da presente análise as Pro-
sua relação com a sociedade, a agentes políti- postas de Emenda Constitucional, que bus-
cos do regime anterior? O que isso representa cam imprimir alterações no desenho político
para o cenário de reivindicação de direitos e, de seleção das/os ministros do STF, em um
por via de consequência, para a refuncionali- total de doze PECs em tramitação na Câma-
zação política e reeducação da cultura institu- ra dos Deputados e dez no Senado Federal.
cional de justiça no país? Teria algum impacto O que este conjunto de propostas busca al-
na afirmação dos novos direitos incipiente- terar, o que permanece intacto, mas merece-
mente conquistados? ria ser objeto de alteração e quais alterações
deveriam ser realizadas a partir de um ponto
Tais questões nos provocam a refletir com o de vista da democratização do STF e de uma
conjunto da sociedade sobre o desenho po- perspectiva dos direitos humanos, é o que se
lítico-institucional da justiça brasileira, com pretende apresentar nestas linhas que seguem.
enfoque em uma amostra qualificada para
este debate, qual seja, os elementos que con- Desde uma perspectiva analítica, como será pos-
formam o processo de seleção e composição sível observar, as propostas revelam – ao passo
do Supremo Tribunal Federal. que ocultam – a preocupação com a expansão
do protagonismo do STF, a partir do regime
Avistando-se um emblemático trintenário da de enunciado democrático, sobre a organiza-
Constituição de 1988 e digerindo um golpe ção, delimitação e controle do campo político
parlamentar, essencialmente forjado sobre no âmbito do Estado e da sociedade brasileira.
uma campanha judicial e midiática de cri-
minalização seletiva da agenda e de agentes Campo político aqui entendido como a esfera
políticos da esquerda brasileira7 – o que sob legítima do exercício do poder de deliberação
outro enfoque pode ser compreendido como sobre as regras de organização do Estado, sua
a celebração dos trinta anos da Constituição interação com a economia e com a sociedade,
em um cenário de expansão do protagonis- bem como as regras de controle e convívio
mo judicial sobre (i) o conteúdo da agenda social e a regulamentação do acesso aos bens
política, (ii) os limites procedimentais do seu essenciais à vida boa, digna e ao bem-estar so-
exercício, (iii) a delimitação e controle dos cial. Desse modo, expressa-se a dialética entre
sentidos axiomáticos e financeiros da sua exe- política e direito em nossa sociedade, na qual
cução e, no limite, (iv) o controle seletivo de a política se apresenta como o campo cons-
quem pode se candidatar no processo eleito- titutivo e instituinte do direito e o direito
ral – ganha relevo não apenas o debate sobre como o campo regulatório e ora emancipa-
os contornos políticos assumidos pela justiça, tório da política. Uma relação, portanto, de
como também as respostas que a política pro- implicação reflexiva, muito distinta do mito
jeta sobre o sistema judicial. da autonomia do direito em meio às relações
de poder.
7. Sem ignorar a necessidade do combate à corrupção e, muito
menos, confundir sua prática com um justiçamento judicial, Neste sentido, em seu estudo sobre o papel
situado acima das garantias processuais, alimentado pelo fre- do STF pós Constituição de 1988, Diana
nesi da corrida pelos cinco minutos de fama do próximo herói
estampado em cadeia nacional. Kapiszewski (2010) demonstra que a fluidez
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centual anual de juros financeiros, s regras da constitui justamente uma de suas fraquezas
previdência e direito de greve de servidores político-institucionais, ao lado de sua baixa
públicos, limites do controle de constitucio- capacidade de imprimir executoriedade a de-
nalidade, privatização de empresas estatais e cisões que demandem reforma ou mobiliza-
campos de exploração de petróleo, sistema ção institucional e social, o que, por via de
tributário e, posteriormente, nos anos 2000, consequência, confere à corte uma postura tí-
política de desarmamento, anistia política mida ou omissa no que diz respeito a deman-
a militares, liberdade de imprensa, células- das desta natureza – notadamente referidas
-tronco, aborto de feto-anencefálico, união ao sistema penitenciário, violência policial e
homoafetiva, ações afirmativas para ingresso direitos econômicos, sociais e culturais, como
nas universidades públicas e, depois, em con- a obrigatoriedade da consulta prévia e infor-
cursos públicos, condicionantes à demarcação mada a comunidades impactadas por grandes
de territórios indígenas e regulamentação da obras e programas de governo, por exemplo,
titulação de territórios quilombolas, anulação nos termos da Convenção nº 169 da OIT – a
de decretos presidenciais de desapropriação fim de evitar produzir decisões que não serão
para fins de reforma agrária, afastamento, implementadas e, desse modo, trincar a ima-
medidas cautelares e prisão (em flagrante ou gem e o poder institucional da corte.
não) de deputados federais e senadores, impe-
dimento de nomeação de Ministros de Esta- O fato é que menos exposto que suas mi-
do, impeachment da Presidenta da Repúbli- nistras e ministros e menos notório que suas
ca, impeachment de governadores estaduais, decisões, é o processo de deliberação sobre
financiamento empresarial de campanhas quem irá ocupar as cadeiras da Corte de jus-
políticas, ensino religioso na rede pública de tiça mais importante do país, talvez da Amé-
educação, alcance da presunção de inocência, rica Latina. A esta altura, a questão acerca
para mencionar apenas alguns temas de altís- de a quem compete a função constitucional
sima intensidade política em que o STF pro- de selecionar, indicar e nomear os membros
feriu a controversa “última palavra”, desde o do STF talvez seja menos importante que
advento da Constituição de 1988. o problema sobre quem efetivamente o faz.
De fato, o modelo de nomeação que aí está,
Nestes termos, existe consenso sobre a no- delineado no artigo 101 da Constituição em
toriedade assumida pelo STF e, mais recen- um processo tridimensional, que inicia com
temente, pelas suas ministras e ministros a indicação da Presidência da República, pas-
perante a opinião pública e as instituições po- sa pela sabatina e deliberação pelo Senado e
líticas, expandindo o seu escopo de atuação retorna para a nomeação presidencial9, re-
e influência para um campo situado muito monta à Constituição da República Velha, de
além da repercussão de suas decisões sobre o 1891, notoriamente inspirado na experiência
sistema de justiça.
9. Constituição Federal de 1988, “Art. 101. O Supremo Tri-
bunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre
Para Daniel Brinks (2010), por sinal, a bai- cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco
xa influência das decisões do STF sobre o anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Pa-
rágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão
próprio sistema de justiça, ou seja, a baixa nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a
densidade vinculante de seus precedentes, escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”.
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estadunidense forjada a partir da sua indepen- Passados dois regimes autoritários e seis Cons-
dência10, fundada sobre um sistema de parla- tituições, o modelo constitucional de nomea-
mentar bipartidário, que tem impacto direto ção (de jure) para os cargos da Suprema Corte
no processo de escolha das cadeiras da Corte. continua o mesmo. Mas seria possível afirmar
que o mesmo ocorre com o processo político
De lá para cá, o Brasil já se debateu com dois de nomeação (de facto)? O modo como Var-
golpes de estado (o terceiro e o quarto, para gas e Figueiredo nomearam seus ministros,
ser cronologicamente fiel à nossa história polí- responde ao mesmo processo político das no-
tica), alternando regimes autoritários e emer- meações realizadas por FHC e Lula?
gências democráticas. O Congresso foi dissol-
A pergunta pode soar retórica, mas a obvieda-
vido, reestabelecido, controlado e reativado.
de da resposta implica em dois questionamen-
O Senado comportou membros biônicos. O
tos que orientam esta análise, motivados pela
sistema partidário foi descartado, encartado,
agenda política de justiça desenvolvida pela
constrangido ao bipartidarismo, reaberto em
JusDh, a partir de dois referenciais coordena-
pluripartidarismo, para finalmente consoli-
dos: um princípio material de democratiza-
dar-se em fragmentação. Somente o modelo
ção da justiça, e um princípio metodológico
de nomeação da Suprema Corte jamais foi
de cidadania ativa, fundado na organização,
alterado, nem mesmo com o atual regime de participação e controle social, como expres-
enunciado democrático11. sões de uma democracia cotidianamente exer-
cida pela soberania popular.
10. Constitution of the United States (1787). SECTION 2.
[… The President] 2 He shall have Power, by and with the Ad-
vice and Consent of the Senate, to make Treaties, provided two Neste sentido, eis os questionamentos que
thirds of the Senators present concur; and he shall nominate, delineiam o presente projeto:
and by and with the Advice and Consent of the Senate, shall
appoint Ambassadors, other public Ministers and Consuls,
Judges of the supreme Court […]. i) Se o desenho constitucional se mantém
11. A designação de regime de enunciado democrático vem apesar de profundas mudanças políticas e
sendo utilizada desde a parceria com o professor José Geral-
do de Sousa Júnior (2016), para ressaltar o caráter incompleto
constitucionais, o que realmente importa, ou
e em constante construção do projeto democrático em nossa seja, quais são os fatores reais de poder – para
sociedade, reiteradamente abalado e não raro golpeado, ainda
que através de formas históricas distintas, seja como demonstra
nossa história constitucional – vale lembrar que já a Consti- e a respectiva Constituição de 1937. Reorganizadas as forças
tuição do Império do Brasil (1824), primeira Constituição do sociais, observa-se talvez a primeira emergência democrática
país, foi fruto de um golpe aplicado por Dom Pedro I na As- no âmbito do Estado brasileiro, dando fruto à Constituição de
sembleia Constituinte de 1823, resultando em um remendo de 1946. Com o ascenso da classe trabalhadora, o relativo deslo-
Constituição liberal, inspirada nos ideais republicanos da inde- camento da ocupação de espaços políticos e a respectiva agenda
pendência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa, anco- de reformas de base no governo Goulart, o Brasil presencia,
rada no princípio da igualdade formal e separação dos poderes, em 1964, o seu quarto golpe de estado, protagonizado por um
porém política e institucionalmente fundada sobre um Poder movimento civil-militar que iria, imediatamente, dar início à
Moderador. Passadas pouco mais de seis décadas, não foi dife- decretação de atos institucionais, que sustam dispositivos da
rente a sorte do regime imperial, golpeado por militares, que Constituição e os Poderes da República, para então produzir a
se investiram no governo da República dos Estados Unidos do sua própria Constituição, no ano de 1967. Se não foram per-
Brasil. Sucedidos por um regime civil já influenciado pelas lutas didas as contas, chegamos à sexta constituição do Brasil, que
camponesas e sindicais, o constitucionalismo social expressa-se seria ainda celebradamente superada, em 1988, pela denomi-
na Constituição de 1934, a exemplo de seu art. 113, alínea 17, nada Constituição Cidadã, dando ensejo a um novo período de
quando afirma que o direito de propriedade “não será exercido enunciado democrático. Passados quase trinta anos de sua pro-
contra o interesse social ou coletivo”. Sob o argumento de sua mulgação, no entanto, o país observa um novo golpe no regime
inaplicabilidade, aliado à sempre constante ameaça comunista, de governo, impedindo o prosseguimento do governo de Dilma
a Constituição foi golpeada pelo próprio Presidente da Repú- Rousseff por um juízo político que, à revelia da Constituição, se
blica, dando início ao Estado Novo, a famigerada Era Vargas, consolidou por uma fórmula judicial e parlamentar.
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fazer uma alusão a Ferdinand Lassale – que As autoras desenvolvem a análise sobre duas
são mobilizados e determinam o processo de categorias centrais, as noções de “antecipação
nomeação de ministros do STF? presidencial” e “domínio presidencial”, bus-
ii) De outro lado, se o desenho constitucional cando identificar em quais casos o presidente
se mantém em profundas mudanças políticas (o recorte temporal vai de José Sarney ao go-
e constitucionais, quais os resultados que tal verno Lula) realiza indicações antecipadamen-
modelo produz? te mediadas e filtradas por um informal poder
iii) Por fim, se este desenho político-institu- de veto da própria Corte, e pela correlação de
cional se mantém em uma instável, ora auto- forças do Senado – que detém a competência
ritária ora democrática história política, quais constitucional de aprovação e, a contrário sen-
medidas efetivamente apontariam para um su, de veto sobre a indicação presidencial – e
processo de democratização do STF e do sis- em que medida realiza indicações de sua esfera
tema judicial? de preferência, assumindo os riscos, desgastes e
ônus políticos da indicação12.
Para avançar na compreensão sobre tais ele-
mentos, cumpre-nos atentarmos para a re- Desde um roteiro cronológico, as autoras
lação entre o desenho formal de nomeação observam que as nomeações de José Sarney
(1985-1989) se caracterizaram por indica-
(de jure) e a arquitetura política da escolha
ções próximas ao presidente, antes e depois
(de facto).
da Constituição, sendo quatro nomeações de
Nomeação de jure e escolha de membros do governo e uma nomeação de um
juiz maranhense de carreira que, por seu tur-
facto: a arquitetura política das
no, era amigo pessoal do presidente. Em um
indicações para o STF
cenário de transição, portanto, caracteriza-
ram-se nomeações de “domínio presidencial”.
A relação entre a previsão constitucional e
a prática política de seleção de candidaturas Já o governo Fernando Collor (1990-1992)
para o STF é fenômeno pouco debatido no adotou a estratégia de nomeações oriundas do
Brasil, certamente como reflexo da cuidadosa judiciário, indicando inicialmente dois juízes
invisibilidade na qual o processo se desenvol- de carreira: Carlos Velloso e Ilmar Galvão.
ve, sobretudo no último período, de governo Adotou a prática de solicitar ao Superior Tri-
petista. Talvez o estudo mais minucioso sobre bunal de Justiça (STJ) e ao Tribunal Superior
o assunto tenha sido publicado por Mariana do Trabalho (TST) que elaborassem listas de
Llanos e Leany Lemos (2013), no qual as au-
toras examinam as nomeações realizadas no
12. Como anunciam as autoras: “In the following pages we
período democrático, para então identificar, show that concerning relations with the Senate in regard to ju-
a partir do desenho institucional, delimitado dicial appointments, presidential anticipation prevails over pre-
pelo artigo 101 da Constituição, quais fatores sidential dominance. We argue that presidents succeed because
they invest a great deal of effort before Senate intervention. At
políticos são levados em conta nos processos the moment of selection – which can begin months before a
de indicação e nomeação e qual o resultado vacancy opens – opinions are collected and potential candida-
tes are tested in the political and juridical communities. As a
produzido no que se refere ao perfil das pes- consequence, presidents’ first choices are often ruled out due
soas que são alçadas ao Tribunal e, portanto, to lack of consensus, and nominees represent a middle ground
between presidential preferences and those of the other actors
quais as suas implicações para a cultura insti- formally and informally involved in the process” (Llanos e Le-
tucional da Corte. mos, 2013, p. 78).
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indicação. O inusitado, neste sentido, é que maiores entidades de juristas do país: a Or-
na última ocasião o STJ apresentou lista com dem dos Advogados do Brasil (OAB) e a As-
todos os seus ministros, ao passo em que o sociação de Magistrados Brasileiros (AMB).
TST fez apenas uma indicação, Marco Auré-
lio de Mello, primo do Presidente da Repú- Do que se infere das categorias analíticas
blica e, ainda hoje, ministro da Corte. propostas pelas autoras, portanto, Fernando
Henrique optou por nomeações estratégicas
Mas, conforme apontam Llanos e Lemos da sua área de domínio, uma delas de gran-
(2013), outra nomeação de Collor causou de influência jurídica e política e, por isso, de
ainda mais críticas na imprensa, a de Francis- consenso no Senado (Nelson Jobim), outra
co Rezek, que havia sido indicado pelo Gene- pautada na questão de gênero e desse modo
ral João Figueiredo no ano de 1983, mas em apoiada – a rejeição, na ocasião, teria vindo
1990 retirou-se do Tribunal para assumir o dos ministros do STJ, alegando que a hierar-
ministério das Relações Exteriores do Gover- quia jurisdicional deveria ter sido respeitada,
no Collor, retornando, então, ao STF no ano nomeando-se alguém daquele Tribunal Su-
de 1992, por indicação do mesmo presidente. perior – e, finalmente, uma tão controversa
Itamar Franco realizou apenas uma indicação, quanto estratégica indicação no sentido do
de Maurício Correa, jurista e político de trân- seu projeto político, de Gilmar Mendes, assu-
sito nacional à época. mindo assim os riscos e ônus político perante
o Supremo e o Senado Federal.
Se o General Figueiredo havia realizado nove
indicações, José Sarney cinco, Fernando Col- Em um plano geral, Llanos e Lemos (2013)
lor quatro e Itamar Franco apenas uma, em apontam que, no período democrático, fo-
seus oito anos de governo Fernando Henrique ram realizadas 22 indicações para o STF, sen-
Cardoso teve a oportunidade de realizar ape- do nove delas categorizadas como “indicações
nas três estratégicas indicações: Nelson Jobim presidenciais”, ou seja, realizadas no âmbito
(1997), influente político e então Ministro da esfera de domínio da presidência. Confor-
da Justiça de FHC; Gilmar Mendes (2001), me as autoras, “uma curiosidade é que oito
controverso Advogado-Geral da União do das nove ‘indicações presidenciais’ foram no-
mesmo governo; e Ellen Gracie (2002), de- meadas no período pré-Lula, o que significa
sembargadora e juíza federal de carreira, in- que o presidente que indicou o maior número
dicada como a primeira mulher a compor o de ministros do STF era o qual os candidatos
Supremo Tribunal Federal. eram comparativamente menos próximos a
ele. [...] De modo complementar, os candida-
A partir de indicadores como a análise dos tos do presidente Lula receberam críticas mais
jornais de grande circulação da época, o tem- suaves e eram comumente elogiados pela mí-
po decorrente entre a indicação e a aprovação dia” (2013, p. 88 – tradução livre).
pelo Senado e o número de votos contrários
à nomeação, Llanos e Lemos (2013) afirmam Qual a avaliação, desse modo, da postura
que o nome de Gilmar Mendes figura na série assumida por Lula? Porque ele teria adota-
histórica analisada (1985-2010) como a in- do essa espécie de cultura política de realizar
dicação que angariou maior rejeição, sendo, indicações, que estariam distantes da sua es-
inclusive, a única ocasião em que se observou fera de preferência, com exceção da também
manifestações públicas contrárias das duas criticada (a exemplo de Gilmar Mendes), no
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Ainda conforme esta análise, as indicações Rousseff – Llanos e Lemos (2013) analisam
presidenciais do governo Lula teriam se no- que cresceu a disputa e, portanto, a pressão da
tabilizado pelo amplo apoio midiático e par- base aliada sobre as vagas e, do mesmo modo,
lamentar, destacando-se neste cenário a figura um posicionamento da própria Corte, no sen-
do seu primeiro Ministro da Justiça, Márcio tido de garantir que o seu perfil institucional
Thomaz Bastos, na intermediação e delimi- (conservador) não se visse estruturalmente aba-
tação da sua cultura de indicações, o que, no lado ou alterado por um número tão elevado
entanto, teria se distanciado do âmbito de de indicações de um mesmo presidente.
suas preferências políticas, sobretudo nas in-
dicações de Cezar Peluso (2003) e Menezes Vale lembrar, neste sentido, que o governo
Direito (2007), intercaladas por nomeações do PT se estendeu por mais seis anos com os
estratégicas, como a nomeação de Joaquim dois mandatos de Dilma Rousseff, realizando,
Barbosa (2003, primeira indicação de um ne- ainda, outras cinco nomeações ao STF, de iní-
gro na história do STF), e de candidatos mais cio pautadas por uma lógica de indicação de
próximos à sua preferência, como Ayres Brit- magistradas/os de carreira alocados em Tribu-
to (2003) e Dias Toffoli (2009), então Advo- nais Superiores, Luiz Fux (STJ), Rosa Weber
gado-Geral da União, sua oitava, última, mais (TST) e Teori Zawascki (STJ) – o que coinci-
controversa e “presidencial” indicação. de com a intensificação do protagonismo e da
pressão política realizada por associações de
Destes fatores, é possível observar algumas magistrados sobre as indicações presidenciais,
implicações entre as nomeações de FHC e direta e indiretamente, via parlamentares – e
Lula. A primeira delas é a dimensão ideoló- em seguida por dois renomados acadêmicos
gica. Na medida em que o primeiro se situa e advogados com posicionamentos jurídicos
à centro-direita no cenário político brasilei- até então progressistas no campo do direito
ro, suas indicações, ainda que mediadas pela constitucional e civil: Luís Roberto Barroso
coalização governista, possuíam proximidade (2013) e Edson Fachin (2015).
com o próprio perfil conservador da Corte e,
por isso, tendiam ao campo do “domínio pre- Chama a atenção ainda, nas indicações de
sidencial”. Neste cenário, mesmo diante de Dilma, de um lado o fato de que sua última
desgaste político, o presidente realizou a sua indicação, Edson Fachin, ser justamente o
indicação mais estratégica, garantindo uma jurista que, de todas as treze indicações dos
personalidade intelectualmente sólida, posi- governos petistas, possuía um histórico e per-
cionada e orientada pelo seu projeto político fil distinto daquele consolidado na Corte, em
no âmbito da Corte, em especial a nomeação função da sua longínqua aproximação com
do ministro Gilmar Mendes. movimentos sociais de luta pela terra, cons-
tituindo uma indicação de risco e desgas-
Outro elemento diferenciador pode ser iden- te político para a Presidenta. De fato, tal se
tificado na dimensão quantitativa das nomea- verificou por ocasião da sabatina na CCJ, na
ções, ou seja, no número de vagas preenchidas medida em que os senadores da oposição se-
pelos presidentes individualmente. Na medida guraram por duas horas o início da audiência,
em que foram se projetando as oito vagas a se- com Fachin já presente na antessala do ple-
rem indicadas por Lula – sem ignorar que ele nário da CCJ, sob alegação de que ele havia
relegou, ainda, uma vaga aberta em sua gestão acumulado cargo público incompatível com
para ser preenchida pela sua sucessora, Dilma a advocacia, um artifício para criar um fato
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Antonio Escrivão Filho | PORTEIRO OU GUARDIÃO? O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS
político a fim de aumentar a instabilidade que e José Antonio Peres Gediel, além da nota
o governo enfrentava no Congresso Nacional. elaborada pela Terra de Direitos, organização
atuante no caso Sétimo Garibaldi na CIDH/
De fato, a indicação do perfil de Fachin cha- OEA, que assim se manifestou na ocasião: “a
ma a atenção por ter sido reivindicada por Terra de Direitos repudia de forma contun-
entidades sociais e movimentos ao longo de dente, por irresponsável, qualquer suposição
todo o período dos governos petistas, e ter de que o combate a violações de direitos hu-
sido consolidada justamente no momento em manos, incluindo atentados à vida de ativis-
que o governo petista atravessava a sua maior tas, exija a flexibilização, de outro lado, de
crise política com o Parlamento, a qual cul- direitos e garantias fundamentais sacramen-
minaria menos de um ano depois no golpe tados na Constituição” (2018).
parlamentar impedindo a Presidenta de se-
guir no mandato. De outro lado, as indicações de Dilma foram
marcadas, ainda, pela manobra parlamentar
Vale notar que o debate em torno da indica- para a aprovação relâmpago da denominada
ção de Fachin ganhou ainda maior relevância PEC da Bengala (EC nº 88/2015), emenda
e polêmica por ocasião do julgamento do ha- constitucional que elevou a idade de aposen-
beas corpus referente à prisão, antes do trânsi- tadoria compulsória de ministras/os do STF
to em julgado, do ex-presidente Lula. Como de 70 para 75 anos, com vistas a evitar que
relator da Lava Jato, Fachin foi o primeiro a Dilma Rousseff pudesse realizar outras cinco
votar e conduzir a denegação da ordem de indicações para o Supremo15. A par da moti-
habeas corpus, fazendo polêmico uso do refe- vação de ocasião para a alteração de um meca-
rencial analítico da teoria crítica dos direitos nismo de tamanha centralidade no cenário de
humanos e das condenações do Brasil perante expansão política da justiça brasileira, a ques-
a Corte Interamericana de Direitos Huma- tão da PEC da Bengala traz à tona, enfim, o
nos, como o caso Sétimo Garibaldi x Brasil, a debate sobre as outras 22 PECs que tramitam
fim de angariar alguma legitimidade perante no Congresso Nacional, com o objetivo de al-
o campo progressista, em face da violação da
teração da fórmula de jure de indicação e, por
presunção de inocência sob o fundamento do
via de consequência, da arquitetura política
clamor social.
da escolha de facto, para o STF.
É certo, de outro lado, que a estratégia do
É o que se analisa a seguir. Antes, no entanto,
ministro acabou por causar reação contrária
parece pertinente uma contextualização his-
de juristas citados por ele com este propósito,
tórico-conceitual sobre as tendências políticas
como José Geraldo de Sousa Júnior e Antonio
de justiça, que levaram ao cenário onde este
Escrivão Filho, conforme se observa em ma-
conjunto de propostas legislativas se instalou.
téria do jornal “O Brasil de Fato” (2018)14,
para exigir que o Estado garanta e efetive os direitos humanos,
14. Na ocasião, contestamos o argumento do ministro Fachin
notadamente os econômicos, sociais e culturais, ao passo que
de que, através do conceito de exigibilidade de direitos huma-
ao Estado cumpre o dever de corresponder a estas demandas
nos – por ele utilizado no voto através de nosso trabalho com
formuladas e reivindicadas pela sociedade organizada.
José Geraldo de Sousa Júnior (2016) e também em pesquisa
da Terra de Direitos com José Antonio Peres Gediel e Leandro 15. Estavam previstas as aposentadorias de Celso de Mello, Mar-
Gorsdorf (2012) – a sociedade exige que o Estado assuma uma co Aurélio de Mello, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Teori
postura punitivista a ponto de violar a presunção da inocên- Zavascki, este último que veio a falecer em 17.01.2017 em um
cia. Em sentido bastante diverso, alegamos naquelas ocasiões acidente aéreo, sendo sucedido na ocasião por Alexandre de Mo-
que a noção de exigibilidade confere à sociedade a legitimidade raes, então Ministro da Justiça, indicado por Michael Temer.
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Antonio Escrivão Filho | PORTEIRO OU GUARDIÃO? O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS
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Antonio Escrivão Filho | PORTEIRO OU GUARDIÃO? O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS
Para a vertente sociológica, os fenômenos de que a via judicial parecia provocar sobre a mo-
emergência social e expansão judicial não se bilização social e em especial seus advogados.
dissociam do processo histórico de desenvolvi- Nas palavras de Scott Cummings (2016, p.
mento sociopolítico da sociedade, como obser- 21), a “ideia do liberalismo jurídico [legal libe-
va Boaventura de Sousa Santos (2009) ao de- ralism] era explicitamente fundada sobre uma
nominá-lo, então, pela noção de expansão do premissa de aliança entre advogadas/os ativistas
protagonismo judicial. Como assevera o por- e cortes ativistas, ambos essenciais – trabalhan-
tuguês, a politização do sistema de garantias do em conjunto – para atingir ‘reformas sociais
judiciais “ocurrió com mayor probabilidad en específicas’, almejadas pelos progressistas” (tra-
países donde los movimientos sociales por la dução livre, destaques no original)22.
conquista de los derechos eran más fuertes, ya
fuera en términos de implementación social, Sob o risco de que tenhamos passado ao largo
ya en términos de eficácia en la conducción de ou incompreendido a literatura brasileira sobre
la agenda política” (2009, p. 91). o tema, nos parece que o processo de expan-
são judicial no Brasil talvez tenha percorrido
Neste sentido, se o modelo clássico desta caminho distinto daquele identificado pelo
análise, para Santos e boa parte da literatura ambiente do ‘legal liberalism’. Assim, o que
sociojurídica20, é identificado na correlação desta menção ao referencial histórico e analí-
entre a ascensão do movimento negro esta- tico dos Estados Unidos nos parece relevante
dunidense na década de 1950, o New Deal e compreender é a sua distinção em relação ao
a chamada “Corte Warren”21, no Brasil e na caso brasileiro, no qual a expansão judicial se
América Latina, esse fenômeno é identificado desenvolve em um processo histórico bastante
com a conquista dos regimes de enunciado distinto de um modelo de aliança progressista
democrático do último quarto do século XX. entre advogados de causas sociais, tribunais e
agentes políticos imbuídos da implementação
A par de distinções temporais, o que nos pare- de políticas de bem-estar social.
ce significativo aqui é a compreensão de que,
no referido modelo estadunidense, a expansão Em sentido contrário, o fenômeno aponta
política do judiciário estava intimamente liga- para um modelo de expansão judicial herméti-
da à sua interação com o sistema político e a ca, constituída entre fortalecimento político e
sociedade civil, a ponto de Stuart Scheingold isolamento institucional. Uma expansão que se
(2004 [1974]) desenvolver, em sua análise so- consolida sob a lógica de controle estritamente
bre a condição política da luta por direitos (po- interno23, constituído a partir de uma concep-
litics of rights), a noção de ‘mito dos direitos’
(mith of rights) para designar o encantamento 22. No original de Cummings (2016, p. 21): “The idea of legal
liberalism was therefore explicitly premised on an alliance of
20. Cf. neste sentido McCann e Dudas (2006), Sarat e Schein- activist lawyers and activist courts, both of which were essen-
gold (2006), e Cummings (2016). tial – working in concert – to achieve ‘specific social reforms’
21. Expressão formulada em referência ao período em que o valued by progressives”.
juiz Earl Warren foi presidente da Suprema Corte dos Estados 23. Vale notar que esta afirmação se sustenta mesmo em face
Unidos (1953-1969), representando uma virada na jurispru- da criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Con-
dência daquela Corte no que se refere aos direitos civis e polí- selho Nacional de Ministério Público (CNMP) com a Emenda
ticos e controle de constitucionalidade, notadamente a partir Constitucional 45/2004, uma vez que a própria fórmula cons-
do apoio e da composição política forjada no âmbito da Corte titucional destes órgãos os situa no interior e não ao lado do
e de todo o judiciário federal pela coalizão em torno do deno- poder judiciário e do ministério público, sem mencionar, por
minado “New Deal” do Partido Democrata (Democratic Party’s evidência, o caráter hegemonicamente interno de sua compo-
New Deal Coalition), como observa Michael McCann (2006). sição, onde nove dos quinze membros do CNJ, por exemplo,
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Antonio Escrivão Filho | PORTEIRO OU GUARDIÃO? O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS
ção de freios e contrapesos endógenos, conce- Assim também alerta Élida Lauris (2015, p.
bidos em uma espécie de oposição beligerante 11), ao afirmar que “os tribunais interagem
entre sistema de justiça, sistema político e or- num processo dinâmico com outros órgãos
ganização social, na qual ao primeiro se atribui do governo, submetendo-se igualmente à
o controle, ao segundo a patologia e à terceira a pressão externa de ideias, ideologias e políti-
ausência no processo de expansão judicial. cas, o que significa dizer que não basta com-
preender a ideologia que compromete a ação
Mas quais fatores poderiam explicar este de- individual de juízes sem entender o fluxo de
senvolvimento distintivo da função judicial interação ideológica entre tribunais e acade-
no Brasil, o que a nosso ver amplifica na mes- mia, mídia, grupos sociais organizados e ou-
ma medida da sua expansão política, o pro- tras instituições políticas”.
blema do mito dos direitos? Parece sugestivo,
neste sentido, reivindicar aquele olhar sobre a Retornamos, assim, ao ponto de inflexão en-
instabilidade política da sociedade brasileira. tre a relação reflexivamente dialética entre
política e direito. Não parece difícil identi-
Como observa Boaventura (2009, p. 116), ficar assim, o modo como a cultura política
a cultura jurídica constitui o conjunto de do regime militar impactou a cultura jurídica
orientações sobre valores e interesses que for- e judicial brasileira, o que viria a demandar
jam um padrão de atitudes frente ao direito respectivas alterações políticas na instituição
e “las instituciones del Estado que producen, com o advento do regime de enunciado de-
aplican, garantizan o violan el derecho y los mocrático e a Constituição de 1988.
derechos. [...] En ese sentido la cultura jurí-
dica siempre es una cultura jurídico-política y A título de breve investigação acerca do im-
no puede ser compreendida plenamente fuera pacto do período ditatorial sobre o desenho
del ámbito más amplio de la cultura política”. político da justiça e a cultura judicial, vale
observar as disposições estabelecidas nos dois
são integrantes das diversas instâncias do próprio poder judiciá- Atos Institucionais emblemáticos para a ins-
rio. Vale notar, ainda, que mesmo as duas cadeiras destinadas à
sociedade passam ao largo de qualquer participação social em tauração e consolidação do regime de violên-
seu processo de preenchimento, uma vez que a competência cia política, a saber, o AI-124 e o AI-5, nos
constitucional foi delegada para o Congresso Nacional e, nunca
foi sequer convocada qualquer audiência, chamada ou consul-
ta pública para o seu preenchimento, como anota Erika Lula 24. Ato Institucional n.º 1, de 9 de abril de 1964: Art. 7º -
de Medeiros (2014, p. 5) no V Caderno de Justiça, Direitos Ficam suspensas, por seis (6) meses, as garantias constitucio-
Humanos e Participação Social da Articulação Justiça e Direi- nais ou legais de vitaliciedade e estabilidade. § 1º - Mediante
tos Humanos (JusDh): “A previsão dessas duas vagas deveria investigação sumária, no prazo fixado neste artigo, os titulares
revelar-se como instrumento de abertura de diálogo com a dessas garantias poderão ser demitidos ou dispensados [...] me-
sociedade civil, como possibilidade de implementação de me- diante atos do Comando Supremo da Revolução até a posse
canismos de participação social no Conselho e oportunidade do Presidente da República e, depois da sua posse, por decreto
(ainda que mínima) de romper com o encastelamento em que presidencial [...]; desde que tenham tentado contra a segurança
se encontram os “operadores do Direito” e viabilizar a voz de do País, o regime democrático e a probidade da administração
tantos setores que cotidianamente atuam com a garantia de di- pública, sem prejuízo das sanções penais a que estejam sujei-
reitos humanos perante a justiça. Porém, o que se observa é tos. [...] § 4º - O controle jurisdicional desses atos limitar-se-á
quase o oposto disso. Não se tem notícia de nenhum esforço ao exame de formalidades extrínsecas, vedada a apreciação dos
de convocar ou envolver a sociedade na escolha desses dois no- fatos que o motivaram, bem como da sua conveniência ou
mes. Nenhuma chamada de candidaturas ou audiência pública, oportunidade. [...] Art. 10 - No interesse da paz e da honra
nenhuma consulta prévia ou debate acerca de critérios de re- nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, os Co-
presentatividade. Para além da falta de participação social na mandantes-em-Chefe, que editam o presente Ato, poderão sus-
escolha e indicação dos nomes, não há mecanismos de audiên- pender os direitos políticos pelo prazo de dez (10) anos e cassar
cias públicas para pautar a atuação desses conselheiros, após sua mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída
escolha. Que sociedade, então, eles têm representado? ”. a apreciação judicial desses atos.
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Antonio Escrivão Filho | PORTEIRO OU GUARDIÃO? O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS
termos da análise por nós empreendida junto Como se pode inferir, os Atos Institucionais
com Sousa Júnior (2016). redefiniram o desenho político da função ju-
dicial no Brasil, forjando uma cultura judicial
Ao manter o funcionamento do poder legis- historicamente desinteressada e violentamen-
lativo e judiciário, com o AI-1 e os seguintes te desacostumada a se pronunciar sobre as
(em um número total de 17 Atos Institucio- questões políticas em sua relação com as lutas
nais até o ano de 1969), inicia-se um intenso sociais. Desse modo, tal isolamento jurisdi-
processo de controle e depuração institucio- cional viria a aprofundar o distanciamento e
nal, suspendendo a vitaliciedade de juízes, aversão da cultura jurídica, no ambiente ins-
cassando mandatos políticos e demitindo titucional de justiça, em relação às lutas so-
profissionais, que não estivessem alinhados ciais e violações de direitos, produzindo uma
aos intuitos do regime ditatorial, sem men- cultura judicial ora alienada, ora coagida e
cionar, no que tange à competência jurisdi- ora condescendente com o regime autoritá-
cional, a exclusão destes atos de governo da rio – como observa José Carlos da Silva Filho
apreciação judicial. (2011) – o que sugere alguma preocupação
sobre a experiência histórica da cultura jurí-
Notório, neste sentido, foi o controle das ins- dica na atualidade.
tituições políticas operado pelo Ato Institu-
cional nº 5 (13.12.1968), inclusive sobre o Vale notar, como mencionado acima, que
Poder Judiciário, prevendo poderes para os as regras de organização, gestão e discipli-
militares decretarem a suspensão da vitalicie- na vigentes ainda hoje no poder judiciário
dade de magistrados (art. 6º) – dando ensejo brasileiro emanam de uma Lei Orgânica da
ao afastamento de três Ministros do Supremo Magistratura Nacional (LOMAN - Lei Com-
Tribunal Federal25 – e a exclusão dos atos de plementar n.º 35 de 14 de março de 1979),
governo da esfera de apreciação judicial (art. promulgada em pleno regime autoritário,
5º, §2º, e art. 11), o que seria agravado pela que regulamenta uma verticalizada estrutura
suspensão do habeas corpus para crimes polí- do poder no interior da institucionalidade de
justiça, em uma lógica na qual as cúpulas dos
ticos, contra a segurança nacional, a ordem
tribunais funcionam como mediação entre o
econômica e a economia popular (art. 10)26.
controle político exercido, então, pelo poder
executivo e toda a complexa estrutura de jus-
25. Como aponta o relatório final da CNV (2014, p. 19), em
decorrência deste famigerado Ato Institucional, “o Judiciário
tiça do país, produzindo reflexos diretos sobre
não tardou a ser atingido. Em janeiro de 1969, três ministros do a cultura judicial, na medida, por exemplo,
Supremo Tribunal Federal, Victor Nunes Leal, Hermes Lima e da gestão não apenas orçamentária – defi-
Evandro Lins e Silva, foram aposentados compulsoriamente”, o
que acabou por provocar a demissão voluntária de outros dois nindo prioridades e programas de formação
ministros da Corte. Note-se que o autor de “Coronelismo, en- e eventos para magistradas/os e funcionárias/
xada e voto” havia sido nomeado por Juscelino Kubitschek em
1960, ao passo que Evandro Lins e Silva e Hermes Lima foram
os, bem como alocação de recursos em varas
as duas únicas indicações do presidente deposto João Goulart, especializadas agrárias – como também na
ambas no ano de 1963. gestão da seletividade de ingresso e progres-
26. Ato Institucional n.º 5, de 13 de dezembro de 1968: “Art.
são na carreira, notadamente contribuindo,
10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de cri-
mes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica por exemplo, para uma blindagem institu-
e social e a economia popular. Art. 11 - Excluem-se de qualquer cional traduzida na produção de ausências
apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este
Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os
étnico-raciais no exercício da função judicial,
respectivos efeitos”. como pôde ser observado desde o censo do
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culturais – tais avanços seriam inócuos diante agora submetidos ao abrigo judicial, poten-
de uma institucionalidade ainda controlada cializados sob a condição de direitos funda-
por uma perspectiva conservadora29. mentais – notadamente aqueles referidos à
relação entre Estado e sociedade, seja em uma
Assim, frutos de mobilizações sociais, as cons- perspectiva de não intervenção ou de presta-
tituições da América Latina em transição fo- ção estatal.
ram caracterizadas pela abrangência normati-
va, incorporando e anunciando um amplo rol No que concerne ao STF, especificamente,
de direitos e garantias fundamentais necessá- como apresentado acima, tal cenário conso-
rios para a superação dos regimes autoritários. lida-se, ainda, na medida da ampliação da
De outro lado, porém, a conquista da amplia- competência da jurisdição constitucional e
ção de direitos fundamentais não foi acompa- a intensa provocação dos atores políticos, no
nhada da transformação das estruturas e ins- sentido de testar e buscar delimitar o novo
tituições da organização política do Estado, contorno político da relação entre os pode-
notadamente o poder legislativo, executivo e, res, conferindo ampla legitimidade e poder
em especial, o judiciário, que viriam mediar a político para o STF neste ambiente de defini-
execução, regulamentação e aplicação daque- ção dos rumos da democracia na nova ordem
les novos direitos trazidos para a essência do constitucional.
regime político e constitucional30.
Não parece difícil compreender como esta
Neste quadro dicotômico entre ampliação de súbita sobrecarga política sobre uma estrutu-
direitos fundamentais e manutenção das es- ra destreinada a participar democraticamen-
truturas de poder, foi a função judicial que te da deliberação sobre conflitos de elevada
intensidade política, econômica e social, ge-
saiu fortalecida, expandindo seu poder de
raria um curto-circuito institucional, na me-
atuação, tanto com a retomada do controle
dida da fórmula que alia expansão política e
judicial sobre os atos legislativos e de gover-
blindagem institucional e em oposição à sua
no como com a expansão política dos direitos
abertura democrática ao diálogo nos termos
29. Na análise empírica de Koerner e Freitas (2013, p. 180):
da participação e controle social.
“No final do processo constituinte, os ministros atuaram como
opinantes constitucionais, uma parte deles aliada a conserva- Uma fórmula que nos remete novamente à
dores que faziam prognósticos apocalípticos sobre os efeitos da
nova Constituição e que estariam na linha de frente das refor-
experiência clássica de desenvolvimento so-
mas neoliberais nos anos seguintes. Outros ministros adotaram ciopolítico da função judicial estaduniden-
um otimismo moderado e os demais, uma atitude discreta. Mas se31. Como vimos, o processo histórico de
concordavam com os conservadores sobre a não aplicação de
algumas disposições constitucionais substantivas. No momento expansão política da justiça estadunidense
que antecede a promulgação da Constituição, o STF coordena firmou-se em meio a um processo de emer-
sua ação com os dirigentes dos tribunais sobre a forma de inter-
pretar os dispositivos polêmicos, como o mandado de injunção
gência social que, por seu turno, era acom-
e o habeas data, limitando a sua eficácia imediata”. panhado pelo que McCann (2006) chama de
30. Como observa Gargarella (2014, p. 362): “Por un lado, coalização política em torno do New Deal,
las Constituciones americanas mantienen una organización del
poder concentrada, con escasa atención a los órganos delibera-
junto ao poder legislativo e executivo fede-
tivos, y poca apertura efectiva – mas allá de las declamaciones
– a la participación popular. Por outro lado, las declaraciones de 31. Vale notar que a experiência estadunidense aparece aqui
derechos se extienden, con el passo de los años, pero con poca como referencial histórico, usualmente associado ao tema, não
apoyatura institucional destinada a su realización”. assumindo, portanto, enfoque metodológico-comparativo.
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ral32. Como se observa da análise de McCann A questão que se coloca, portanto, é que a
(2006) e Santos (2009), essa coalizão política expansão da presença e intervenção judicial
em torno do New Deal provocou uma mu- na política se equipara à sua interlocução
dança estrutural na sociedade estadunidense com os agentes públicos e, de um modo es-
e um consequente impacto político sobre o pecial, com a sociedade. Em outras palavras,
judiciário, em especial o federal, que passou o modelo clássico estadunidense sugere que
a ser acionado pela população com vistas ao à expansão política do poder judicial corres-
acesso e garantia de direitos recém incorpo- ponda uma interação política da justiça, sem
rados por um complexo e, às vezes, contradi- ignorar, neste sentido, a medida em que esta
tório conjunto legislativo e administrativo de interação se expressa em diálogo, participação
normas jurídicas. e controle social.
O que interessa notar aqui, através desta bre- Como se observa, a atribuição deste trinômio
ve referência, é que o judiciário federal não democrático ao sistema de justiça parece cons-
estava dissociado nem se distanciava do mo- tituir algo mais polêmico por aqui, no bojo
mento político, de tal modo que a expansão cultural de experiências históricas extremas: de
quantitativa e qualitativa de seu poder de um lado o dramático controle político na ex-
intervenção política e social – notadamente periência autoritária, do outro uma confortável
julgando o acesso a políticas públicas e atos blindagem política, econômica e social adqui-
administrativos de governo – foi acompa- rida com o ingresso meritocrático nas carreiras
nhado por uma decidida postura política de judiciais a partir do regime democrático.
preencher os cargos judiciários, seja em âm-
bito federal seja na Suprema Corte, por juízes Vale notar, a título de ilustração, que se nos
de alinhamento progressista aos movimentos Estados Unidos os juízes federais são nomea-
sociais (civil rights) e ao New Deal33. dos pelo Presidente da República dentre os
quadros da advocacia, os juízes estaduais são
32. Como afirma McCann (2006, p. 43), ao analisar este pro- eleitos, no âmbito local, pelo sufrágio univer-
cesso sob a ótica da advocacia dos movimentos envolvidos: sal. Longe de avaliar a eficácia judicial de um
“Accordingly, under the New Deal coalition that dominated
American electoral politics from the early 1930s until the late
ou outro modelo, o que se busca refletir é so-
1960s/early 1970s, the Executive branch was frequently an in- bre o caráter de abertura à interação e controle
dispensable resource for left cause lawyers”. social que os modelos apresentam, desde uma
33. Nas palavras de McCann (2006, p. 45): “The New Deal
programs increased the workload of lower federal judges, who
perspectiva dos três vetores analíticos apon-
were asked to interpret (often purposively) ambiguous Con- tados por Santos (2009) para uma investiga-
gressional legislation and administrative guidelines. Congress ção sobre o desenvolvimento sociopolítico
accommodated this litigation by creating new judgeships, with
the size of lower federal bench increasing by over 25 percent to da função judicial: capacidade institucional,
252 lifetime positions during Franklin Roosevelt’s presidency independência política e legitimidade social.
alone. […] And presidents have increasingly envisioned vacant
judgeships as opportunities to entrench their policy agendas.
[…] The federal bench was by the mid-1960s thus guided by Como dissemos com Sousa Júnior (2016),
a vision of ‘rights-based constitutionalism’. This constitutional no contexto da passagem para o novo regi-
vision led judges to be at once deferential to legislatures when
dealing with matters of economic regulation and planning and
me constitucional, foram conquistadas, pela
highly skeptical of those same legislatures when they acted on
the rights and liberties of minorities. ties for left cause lawyers and their clients. Indeed, the Supreme
The unique mix of judicial restraint and activism associated Court’s opinions in the areas of equal protection, religious li-
with the federal bench’s rights-based constitutionalism – a so- berty, and criminal procedure set off a judicially initiated ‘rights
-called ‘double standard’ – created unprecedented opportuni- revolution’.
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É neste ponto que o regime de enunciado de- na judicial – como notadamente a criação do
mocrático se traduz em freios e contrapesos Superior Tribunal de Justiça, reorganização
para, inspirando-se em Isaac Newton, pre- judiciária dos Tribunais Regionais Federais –
nunciar que “a toda força empreendida sobre seja de acesso à justiça, como a constitucio-
um objeto, corresponderá uma reação, em nalização das defensorias públicas e juizados
sentido oposto, de mesmo valor e direção”. A especiais, bem como a discutível fórmula de
primeira iniciativa do sistema político, neste varas agrárias itinerantes estaduais.
sentido, foi o empreendimento da famige-
rada reforma do judiciário, promulgada via Em termos da ampliação da esfera de atuação
Emenda Constitucional n. º 45, em dezem- e, portanto, de poder, a Constituição esten-
bro de 2004. deu, como vimos, os poderes de atuação do
STF na medida da própria extensão do tex-
As análises sobre a conhecida EC 45 possuem to constitucional e dos poderes de controle
abordagens distintas. Ao menos dois con- de constitucionalidade a ele conferidos e por
sensos, no entanto, parecem emergir: de um ele alargados. Em um mesmo e intenso sen-
lado, a forte influência do Banco Mundial e, tido foi a ampliação dos poderes conferidos
de outro, a oposição pública da magistratura ao ministério público, a ponto de desenvolver
brasileira. É certo que o grau de influência de neste período uma cultura institucional de
cada um destes vetores sobre a reforma varia hiper-tutela judicial da sociedade, por vezes,
conforme a análise. Outro fator relevante, foi à revelia e quase sempre ausente de consulta,
a intensa mobilização do próprio STF para diálogo ou construção em conjunto com as
delimitar os limites da EC 45, após a sua suas forças e entidades organizadas, como pa-
aprovação pelo Congresso, algo semelhante recem apontar as análises de Rogério Arantes
ao que se passou com a própria promulgação (1999) e o que teria dificultado ou ao menos
da Constituição em 198835. mitigado a própria presença e aproximação
entre a sociedade civil organizada e o siste-
Como antecedente histórico vale reivindicar ma de justiça, como abordam Oscar Vilhena
as próprias discussões Constituintes sobre o
(2008), não raro voltando-se o ministério pú-
tema. É certo que uma série de reformas ins-
blico contra estas organizações, como apon-
titucionais foram operadas no âmbito do sis-
tam Leandro Scalabrin (2008), Luciano Da
tema de justiça por ocasião da ANC, em duas
Ros (2009)36 e Rodriguez (coord. 2013), so-
direções: redefinição de competências jurisdi-
cionais orientadas seja por uma lógica de roti- 36. Como conclui Luciano Da Ros (2009), ao refletir sobre
tópicos para uma agenda de pesquisa acerca da interação entre
35. Nos primeiros seis meses de vigência da EC 45, foram in- o Ministério Público e a sociedade organizada: “Pode-se pensar
tentadas nada menos que onze ações diretas de inconstitucio- no Ministério Público e em seus agentes menos como represen-
nalidade contra o seu texto, versando desde a própria criação tantes judiciais de interesses da sociedade civil, mas também
do CNJ (proposta pela AMB) e procedimentos de indicação como atores políticos que atuam de acordo com suas próprias
ao CNMP, passando pela alteração da regra sobre o dissídio vontades e visões de mundo, a despeito daquelas eventualmente
coletivo na justiça do trabalho e culminando no instituto do In- existentes nos movimentos sociais e grupos de interesses. Isto
cidente de Deslocamento de Competência e federalização dos permite pensar que a instituição pode inclusive atuar em con-
crimes contra os direitos humanos. São elas: ADIn n.º 3.367 trariedade a segmentos da sociedade civil. Um exemplo perti-
(9.12.2004); ADIn n.º 3.392 (20.1.2005); ADIn n.º 3.395 nente e atual neste sentido fica por conta da Ação Civil Pública
(25.1.2005); ADIn n.º 3.423 (4.3.2005); ADIn n.º 3.431 movida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do
(10.3.2005); ADIn n.º 3.432 (14.3.2005); ADIn n.º 3.472 Sul contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(19.4.2005); ADIn n.º 3.486 (5.5.2005); ADIn n.º 3.493 em que pede a dissolução do movimento sob a alegação de que
(11.5.2005); ADIn n.º 3.520 (10.6.2005); ADIn n.º 3.529 este atentaria contra a ordem pública” (Da Ros, 2009, p. 49).
(28.6.2005). Vale notar que Da Ros identifica ainda dois outros posiciona-
25
Antonio Escrivão Filho | PORTEIRO OU GUARDIÃO? O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS
bretudo tratando de questões sobre conflitos Modelo contrário ao observado no Brasil. Por
agrários envolvendo o Movimento dos Traba- aqui, a Loman (1979) vincula a gestão po-
lhadores Rurais Sem Terra. lítico-administrativa e disciplinar à presidên-
cia dos tribunais de segunda instância, o que,
De modo complementar, as tendências de de um lado, estabelece um sistema de gestão
fortalecimento político do sistema judicial administrativa politicamente vinculado à
assumiram uma tendência de blindagem ago- prestação jurisdicional – como se observa na
nal – na expressão de Gargarella (2013) – de competência exclusiva da presidência destes
modo que, por ocasião da Constituinte, fo- tribunais para proferir decisão de suspensão
ram barradas as propostas de um Conselho da de liminares proferidas contra o poder públi-
Magistratura que, a exemplo de países como co e na relação orçamentária estabelecida com
Espanha e Itália, pudessem atuar como uma o governo e poder legislativo, como retratado
instância político-administrativa e disciplinar por Luciana Zaffalon (2017) – e, de outro
paralela aos tribunais. Para Nuno Garoupa lado, estabelece um blindado e submerso sis-
e Tom Ginsburg (2010), tais conselhos pro- tema de controle interno, à distância do de-
porcionam uma gestão de ingresso (seleção), bate e interação social.
político-administrativa (do orçamento, v.g.) e
disciplinar (correcional) mais isenta, desinte- Por ocasião da Constituinte, portanto, a pro-
ressada e politicamente dissociada do exercí- posta de reforma orientada para uma abertura
cio jurisdicional. político-institucional do sistema de justiça foi
barrada, levando a um fortalecimento político
mentos analíticos sobre o fenômeno de expansão política do que viria a ser questionado na década seguin-
Ministério Público. O segundo aponta para um caráter emi-
nentemente positivo desta expansão, atribuída pelo autor aos te, para enfim receber uma resposta política
trabalhos de Luiz Werneck Vianna, a partir da noção de que no ano de 2004. Não sem intensa e pública
é a própria sociedade civil organizada em movimentos sociais
quem aciona e assim potencializa as funções do Ministério Pú-
oposição da magistratura organizada, através
blico que, desse modo, age em coordenação com as demandas de suas associações representativas que, no en-
postas pela sociedade. O terceiro posicionamento, indicado por tanto, conforme relata Glória Bonelli (2008)
Da Ros como intermediário e menos normativo (pró ou con-
tra), pugna por maiores estudos empíricos sobre o tema, postura a partir do caso paulista, em alguma medida
atribuída aos estudos de Débora Maciel e Andrei Koerner. No aderiram ao discurso de reforma como uma
sentido desta terceira corrente poderíamos inserir, também, a
pesquisa coordenada por José Rodrigo Rodriguez (2013) sobre
oportunidade para reorganizar a correlação
a advocacia de interesse público no Brasil, uma vez que, apesar de forças no interior dos tribunais.
de em um modo geral incorporar entidades da sociedade civil e
Ministério Público em uma mesma chave analítica (advocacia
de interesse público), ressalta em diversos pontos as críticas
Já para Hugo Mello Filho (2003), a reforma
advindas da sociedade civil em relação ao Ministério Público, foi intensamente influenciada pelas propos-
em especial na temática ligada aos conflitos territoriais. Talvez tas e ingerência do Banco Mundial (1996 e
um quarto posicionamento, ainda, cronologicamente pioneiro
no âmbito deste conjunto de análises, seria o livro de Antônio 2003), em especial através de dois documen-
Alberto Machado e Marcelo Goulart (1992), dois promotores tos técnicos direcionados primeiro para uma
de justiça do Estado de São Paulo que, na virada constitucional,
defenderam uma análise e posicionamento institucional
agenda de reformas judiciais para a América
alinhado ao movimento do direito alternativo e em diálogo Latina e, a posteriori, para o caso brasileiro.
com os movimentos sociais. Vale ressaltar, neste sentido, as Conforme abordamos por ocasião do volu-
valorosas exceções individuais e experiências institucionais
orientadas para a proteção e efetivação dos direitos humanos, me II da série “Justiça e Direitos Humanos”
das quais o caso mais proeminente parece ser o da Procuradoria (2015), nos parece possível realizar um check-
Federal dos Direitos do Cidadão, no âmbito da Subprocurado-
ria Geral da República, no quadro institucional do ministério
-list dos frutos extraídos da EC 45 em relação
público federal. às propostas do Banco Mundial, notadamen-
26
Antonio Escrivão Filho | PORTEIRO OU GUARDIÃO? O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS
te no que diz respeito às preocupações com oitava indicação de Lula, que ainda teria à
a produção de uma justiça padronizada em sua disposição, até o fim do mandato no ano
nível nacional e voltada para uma maior pre- seguinte, a vaga decorrente da aposentadoria
visibilidade dos seus resultados, como forma de Eros Grau. Assim, o ano de 2009 suscitou
de garantir segurança jurídica para o inves- o debate acerca da quantidade de ministros
timento internacional. Emergem deste pro- indicadas/os por Lula e a sua potencial e abs-
cesso as súmulas vinculantes37 e os Conselhos trata ingerência sobre a cultura institucional
Nacionais de Justiça e do Ministério Público, da Corte. Não bastasse isso, para a vaga de
órgãos internos do sistema de justiça, com Menezes Direito foi indicado, ainda naquele
uma tímida e mitigada lógica de participa- ano, Dias Toffoli, a indicação mais controver-
ção social – haja vista, como se aludiu acima, sa de Lula, que acabou deixando, no ano se-
que não se tem notícia de qualquer abertura guinte, a indicação para a vaga de Eros Grau
ou convocação de participação social para o para a sua sucessora, Dilma Rousseff.
preenchimento das “cadeiras da sociedade”,
via nomeação pelo Congresso Nacional. O ano de 2015 marcou o início do segundo
mandato de Dilma Rousseff na Presidência,
Sem força política para ingressar na agenda da já começando sob intensa fragmentação polí-
EC 45, as propostas de alteração do processo tica e ataque econômico-empresarial e social.
de indicação e composição do STF seguiram O governo ingressou em um declínio tenden-
uma tramitação marginal ao longo de toda a cial e constante, perdendo apoio e aliados no
década de 2000, emergindo no ano de 2017, Congresso Nacional, sob comando de um de-
em meio a um (in)tenso debate sobre as rela- safeto político, o então Presidente da Câma-
ções de interdependência entre o Supremo e o ra dos Deputados e hoje deputado cassado,
Congresso Nacional. Neste sentido, observa-se Eduardo Cunha, o que culminaria no mês de
em tramitação nas das duas Casas Legislativas dezembro com a tramitação de um contro-
22 PECs propostas entre os anos de 2001 e verso procedimento de impeachment, sem
2015, que têm por objeto variadas alterações fundamento legal, e o consequente golpe par-
nos componentes políticos de seleção, compo- lamentar destituindo Dilma do governo, em
sição e permanência nas cadeiras do STF. abril do ano seguinte. Àquela altura, Dilma já
havia realizado cinco indicações e, como vi-
No âmbito da Câmara dos Deputados, verifi- mos, teria ainda até o final do mandato outras
cam-se doze projetos propostos entre os anos cinco a realizar, dando ensejo à retomada do
de 2001 e 2015, com destaques para os anos debate sobre o STF e advento à aprovação da
de 2009 e 2015, com quatro e três proposi- PEC da Bengala, naquele mesmo ano.
ções respectivamente.
Entre 2001 e 2005, foram apresentadas na
Vale lembrar que, em abril de 2009, o minis- Câmara três propostas, a primeira, a PEC
tro Menezes Direito se afastou do STF por 473/2001, inserindo de modo pioneiro o
motivos de saúde, vindo a falecer em setem- Congresso Nacional dentre as instituições que
bro do mesmo ano. Desse modo, desde o seu deveriam incorporar o poder de indicação, di-
afastamento projetou-se a perspectiva de uma vidindo as vagas do Supremo com a Presidên-
cia da República. Já com a PEC 366/2002,
37. Vale notar que a absoluta maioria das súmulas vinculantes
do STF foram editadas na gestão de Gilmar Mendes na presi-
tal poder deveria ser completamente desloca-
dência do Tribunal. do para o sistema de justiça, de modo que as
27
Antonio Escrivão Filho | PORTEIRO OU GUARDIÃO? O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS
vagas fossem divididas entre as indicações do recebimento de currículos, de modo que o mais
poder judiciário, ministério público e OAB, votado, ao final de dois escrutínios, deva ser no-
com o poder de escolha delegado ao próprio meado pela Presidência da República. Por fim,
STF. Já no ano de 2005, a PEC 484 voltaria a a PEC 434/2009 prevê que a nomeação seja
deslocar o poder de indicação e escolha agora, realizada pela Presidência, a partir de lista for-
exclusivamente, para o Congresso Nacional, mulada pelo STF, garantidas as vagas destinadas
inserindo de modo pioneiro um sistema de à magistratura de carreira e a PEC 441/2009
impedimentos (restrição ex ante) e alterando propõe um mecanismo automático que alça-
a quarentena (restrição ex post), inserida pela ria o decano do STJ às vagas abertas no STF.
EC 45/2004.
No ano de 2015, a PEC 55 não propõe qual-
No ano de 2009, observa-se o advento da quer inovação em relação às anteriores, con-
primeira proposta em que se faz referência centrando-se na instituição de mandato, ao
à participação, no processo de indicação, de passo que a PEC 90/2015 também reafirma o
instituições que estejam situadas para além do mandato, sem recondução, instituindo uma
sistema político e de justiça, ainda que através pensão ao final do respectivo período. A PEC
de uma mediação institucional bastante restri- 95/2015 mantém esse sistema, mas retoman-
ta, para não dizer oligárquica. Neste sentido, do a ideia da divisão das vagas e, portanto,
a PEC 342/2009, proposta por Flávio Dino do poder de indicação e escolha entre a Pre-
(PC do B/MA), ex-juiz federal, previa que as sidência da República, o Congresso e o STF,
vagas fossem divididas entre a Presidência da reservando vagas em sua composição para os
República, o Congresso Nacional e o STF, a egressos do poder judiciário.
partir de listas de indicação formuladas por
uma comissão de juristas composta por mem- No ano de 2015, ainda, no ambiente de in-
bros do poder judiciário, ministério público, tensas disputas e ataques que pouco insinua-
OAB e faculdades de direito, que possuíssem
programas de doutorado em direito com mais do Tribunal Superior do Trabalho; o mais antigo Desembarga-
dor de cada Tribunal de Justiça e um Juiz de Direito de cada
de dez anos de funcionamento. Instituía, ain- Estado e DF, indicado pela Associação dos Magistrados; cinco
da, de modo pioneiro e, dali para frente mar- Juízes Federais mais antigos de cada Tribunal Regional Federal
e seis Juízes Federais de cada região; o juiz mais antigo de cada
cante nas propostas que a sucederam, o insti- Tribunal Regional do Trabalho de cada região; 21 membros do
tuto do mandato, sem recondução, alterando Ministério Público da União, indicados pelos Subprocuradores
também os requisitos da quarentena. da República; um membro do Ministério Público Estadual de
cada Estado e do DF, indicado pela associação da entidade; um
advogado representando a seccional de cada Estado eleito pela
Já a PEC 393/2009 previa a instituição de um maioria dos conselheiros da Ordem dos Advogados do Brasil
Conselho Eleitoral composto por centenas de em cada Estado da Federação; 24 cidadãos de notável saber
jurídico indicados: doze pela Câmara dos Deputados e doze
juristas advindos de todas as instituições judi- pelo Senado Federal; doze cidadãos de notável saber jurídico e
ciais e indicados pelo Poder Executivo e Le- reputação ilibada indicados pelo Presidente da República; um
cidadão de notável saber jurídico e reputação ilibada indicado
gislativo da União e todos os Estados da Fe- pelas Assembleias Estaduais de cada Estado e do DF; um cida-
deração38. O Conselho deliberará mediante o dão de notável saber jurídico indicado por cada Governador de
Estado e do DF. O Conselho Eleitoral será presidido pelo Pre-
sidente do STF e, na ausência ou impedimento deste, pelo mi-
38. Conforme o texto da PEC 393/2009: “Os ministros do nistro mais antigo do Tribunal. Os candidatos que preencham
STF serão nomeados pelo Presidente da República após esco- os requisitos para ocupar o cargo de ministro do STF definidos
lha realizada pelo Conselho Eleitoral, que se comporá de: cinco no caput do art. 101, deverão se habilitar às vagas, perante a
ministros mais antigos do STF; cinco ministros mais antigos Presidência do Conselho, mediante o envio dos respectivos cur-
do Superior Tribunal de Justiça; cinco ministros mais antigos rículos que serão encaminhados a todos os conselheiros”.
28
Antonio Escrivão Filho | PORTEIRO OU GUARDIÃO? O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS
vam harmonia entre os poderes, como sugere o ção, aliado a uma fórmula de quarentena que
artigo 2º do texto constitucional, o Presidente tornaria os egressos do Tribunal inelegíveis e
da Câmara, Eduardo Cunha, criou uma Co- impedidos de exercer a advocacia pelo prazo
missão Especial destinada a proferir parecer à de dois anos. Se for egresso de qualquer cargo
nova PEC 473-A/2001, que apensou ao seu efetivo na administração pública, no entanto,
texto todas as outras PECs mencionadas39, de- terá direito de regresso ao cargo.
legando a relatoria ao deputado Osmar Serra-
glio (PMDB/PR), que em seu parecer propõe, Desde o ano de 2016, o parecer de Osmar
enfim, um modelo no qual as vagas do STF Serraglio aguarda aprovação na Comissão Es-
sejam preenchidas por juristas entre 45 e 65 pecial, amortecido com a cassação do man-
anos ( na atualidade, a Constituição prevê a dato de Eduardo Cunha e o impedimento de
idade mínima de 35 anos), sendo divididas, Dilma Rousseff, que imprimiu uma virada
rotativamente, quatro para a Presidência da drástica na agenda legislativa do país, primei-
República, quatro de modo alternado para a ro decidida a apear a Presidenta do cargo a
Câmara e Senado e três para o STF. despeito da existência ou não de fundamento
jurídico e, depois, dedicada às agendas de re-
A Presidência possuiria poder de livre indica- tirada de direitos sociais trazidas à baila por
ção, submetida à aprovação do Senado. As va- Michael Temer.
gas da Câmara e Senado seriam decididas por
maioria simples, a partir de listas formuladas, Em uma perspectiva consolidada, apresen-
alternadamente, pelo ministério público e ta-se no Quadro 1 o quadro geral das PECs
OAB. As vagas do STF seriam por ele esco- apensadas ao parecer de Osmar Serraglio (pá-
lhidas a partir de listas formuladas, alternada- gina seguinte).
mente, pelos Tribunais Superiores, Tribunais
Regionais Federais e Tribunais Regionais do No âmbito do Senado Federal um cenário
Trabalho, e Tribunais de Justiça. semelhante pode ser observado, com alguma
diferença na dimensão temporal. De fato, na-
Em seu relatório, Serraglio propõe, ainda, quela Casa foram observadas a existência de
impedimentos ex ante atrelados às indicações dez PECs versadas sobre o tema aqui analisa-
realizadas pela Presidência, que não poderiam, do, porém distribuídas em um lapso temporal
nos dois anos anteriores, ter exercido mandato mais recente: duas nos anos de 2012 e 2013
eletivo, ocupado os cargos de Ministro de Esta- cada, três no ano de 2014, e cinco no movi-
do, Procurador-Geral da República, Defensor mentado e atípico ano de 2015.
Público-Geral da União e Advogado-Geral da
União, ou exercido a função de presidente de O ano de 2012 é inaugurado com a PEC 44,
partido político. Além disso, a proposta prevê que propõe deslocar da Presidência da Repú-
um mandato de doze anos, vedada a recondu- blica para o Senado Federal o poder de esco-
lha de ministras/os do STF, a partir de listas
39. O relatório de Serraglio (2015) assim se refere ao conjun- formuladas, alternadamente, pela Presidência
to das PECs: “Face ao exposto, voto pela admissibilidade das da República, Câmara dos Deputados, CNJ,
Emendas n.ºs 01, 02 e 03; aprovação das Propostas de Emenda
à Constituição n.ºs 473-A de 2001; 484 de 2005; 342 de 2009;
CNMP e OAB, instituindo, ainda, impedi-
434 de 2009 e das Emendas n.ºs 02 e 03, na forma do substitu- mentos ex ante para as candidaturas. Já a PEC
tivo ora apresentado; e pela rejeição das Propostas de Emenda 58/2012 viria propor apenas a instituição de
à Constituição n.ºs 566 de 2002; 393 de 2009 e 441 de 2009 e
da Emenda n.º 01”. mandato.
29
Antonio Escrivão Filho | PORTEIRO OU GUARDIÃO? O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS
PEC
X X X
366/2002
PEC
X X X
484/2005
PEC Comissão Comissão Comissão X
342/2009 X X X Juristas Juristas Juristas
Sem X
recondução
PEC X
393/2009 CONSELHO ELEITORAL Candidatos X Sem X
recondução
PEC
434/2009 X Lista X X X
PEC X
441/2009 Decano STJ
PEC
55/2015 X X
PEC X
90/2015 X Sem Pensão
recondução
PEC X
95/2015 X X X X X Sem Pensão
recondução
Câmara X
PEC 473- X X X Lista Lista X Sem X
A/2001 recondução
Total/10 6 4 4 5 2 2 4 5 6
No ano seguinte, a PEC 03/2013 viria res- reiras da magistratura, ministério público e
tringir o poder de escolha da Presidência da advocacia. Nos termos da PEC 46/2014, de
República, na medida em que sua deliberação outro lado, a Presidência da República perde
ficaria adstrita a listas formuladas pelo poder seus poderes de participação no processo de
judiciário, ministério público e OAB, insti- indicação e escolha, transferindo-o ao Con-
tuindo também impedimentos ex ante e man- gresso Nacional, a partir de listas formuladas
dato. Já a PEC 50/2013 mantém essa fórmula pelo STF e Tribunais Superiores. O modelo é
de indicação por listas, porém dividindo a es- repetido na PEC 55/2014, porém conferindo
colha entre Presidência da República e Con- à Presidência o poder de veto sobre a escolha
gresso Nacional. do Congresso.
Em 2014, a PEC 03 viria propor que a Pre- No ano de 2015, é observada a entrada de
sidência teria o poder de escolha vinculado um novo elemento na pauta. Em função da
a listas elaboradas pelo Congresso Nacional, demora de cerca de oito meses para a indi-
delimitando-se as vagas na Corte entre as car- cação de Luiz Edson Fachin para a vaga de
30
Antonio Escrivão Filho | PORTEIRO OU GUARDIÃO? O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS
Joaquim Barbosa – que havia antecipado sua Diante disso, a/o Presidente da República
aposentadoria em função das conhecidas do- deve comunicar a sua escolha ao Senado em
res nas costas – as PECs 17/2015, 35/2015 e até um mês, para que este então proceda à
46/2015 e 59/2015 inserem no debate uma aprovação por maioria absoluta. Por fim, a
espécie de dever de celeridade da Presidência proposta institui um mandato de dez anos,
para exercer o poder de indicação, sob pena sem recondução e uma quarentena de cinco
de crime de responsabilidade (PEC 59/2015) anos para exercício de cargo eletivo.
ou da mesma ser realizada pelo Senado Fede-
ral. Para além disso, a PEC 35/2015 previa A proposta apresentada pela Senadora Ana
ainda que a escolha da Presidência ficaria ads- Amélia restou dormente na CCJ entre setem-
trita a listas formuladas pelo sistema de justi- bro de 2015 e fevereiro de 2017, quando a
ça, retomando na Casa, ainda, o debate sobre temática voltou à tona, e a referida propos-
mandato e quarentena. Já a PEC 52/2015, ta à pauta da Comissão mais importante da
Casa, em função da morte do ministro Teori
enfim, de um modo inusitado, propõe que
Zavascki, no mês de janeiro de 2017. Assim,
as vagas para o STF sejam preenchidas por
ainda no mês de julho do mesmo ano, a pro-
meio de concurso público de provas e títulos,
posta foi aprovada na CCJ e imediatamente
instituindo também mandato para os novos
encaminhada ao Plenário da Casa, onde no
concurseiros.
mês de setembro foi realizada a leitura do pa-
recer, liberando-o, assim, para a votação em
A exemplo do ocorrido na Câmara dos De-
primeiro turno.
putados, no ano de 2015, a Presidência da
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) Desse modo, o Quadro 2, na página 34, apre-
do Senado designou, depois de três anos da senta um quadro geral das referidas PECs no
propositura da PEC 44-A/2012, a relatoria Senado Federal.
da matéria à Senadora Ana Amélia (PP/RS),
que no mesmo ano elaborou uma proposta Desse modo, observando o quadro geral de
compilando todas as PECs acima descritas. proposições nas duas Casas Legislativas, seria
possível extrair o seguinte quadro comparati-
Nestes termos, a escolha seria realizada pela vo de proposições temáticas:
Presidência da República, a partir de lista
tríplice elaborada no prazo de até um mês a Quadro comparativo:
contar do surgimento da vaga, por um co- Proposições temáticas
9
legiado composto pelos Presidentes do STF, 8
STJ, TST, STM, TSE, além da/o Procurador- 7
6
-Geral da República e da/o Defensor Público- 5
-Geral Federal (sic), completado, enfim, pe- 4
3
la/o Presidente do Conselho Federal da OAB.
2
A PEC prevê, ainda, a vedação (ex ante) da 1
indicação de quem tenha ocupado mandato 0
to
ato
a
ção
ção
ão
nte
cis
nd
ica
si
im
po
De
are
Ma
Ind
pe
Qu
Co
Im
31
Antonio Escrivão Filho | PORTEIRO OU GUARDIÃO? O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS
Impedi-
PEC Presidência Congresso STF Judiciário MP/OAB Sociedade Mandato Quarentena
mento
PEC MP/OAB
Lista Senado*X CNJ Lista X
44/2012 Lista
X
PEC
X Sem recon-
58/2012
dução
PEC
X Lista Lista Lista X X
03/2013
PEC
X X Lista Lista Lista
50/2013
PEC
X Lista Vagas Vagas
03/2014
PEC
X Lista Lista
46/2014
PEC
Veto X Lista Lista
55/2014
PEC X Inércia
X
17/2015 Senado
X
PEC X Inércia
X Lista Lista Lista Sem recon- X
35/2015 Senado
dução
PEC X Inércia
X
46/2015 Senado
PEC
Concurso Público X
52/2015
PEC X
59/2015 Crime Resp.
X
PEC 44- Senado
X Lista Lista Lista X Sem X
A/2012 Aprovação
recondução
Total/12 10 8 6 8 6 0 2 4 2
Nestes termos, verifica-se que a categoria que ções do sistema de justiça, preocupação mais
sofre maior número de propostas de altera- presente na Câmara dos Deputados que no
ção em ambas as Casas diz respeito ao poder Senado, o que sugere, por sua vez, uma maior
presidencial de livre indicação (de jure) de eficácia do lobby das associações das carreiras
candidaturas, sendo atacado em dezesseis das da magistratura e ministério público sobre as/
vinte e duas propostas analisadas, com oito os deputados. Se há outra categoria que pare-
propostas em cada uma das Casas. No mes- ce captar a adesão de deputados e senadores
mo sentido, observa-se uma certa simetria no é a instituição de mandatos para a Corte, ao
que diz respeito à intenção de alteração das passo que a questão da quarentena, que ganha
instituições que deliberam sobre a aprovação, relevo na medida da instituição de mandato,
o que já não ocorre com a temática referente apresenta maior relevância na Câmara que no
à reserva de vagas da Corte para as institui- Senado.
32
Antonio Escrivão Filho | PORTEIRO OU GUARDIÃO? O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS
Assim, de um modo geral, seria possível talvez todas apensadas no ano de 2015, à PEC 473-
identificar duas tendências que poderiam, em A/2001 e à PEC 44-A/2012 na Câmara e Se-
um eventual cruzamento de propostas na me- nado, respectivamente, verifica-se que nenhu-
dida do processo legislativo, produzir algum ma delas, até o momento, foi ainda aprovada
consenso entre as duas Casas: de um lado, em primeiro turno na sua respectiva Casa de
discussões que busquem alterar a forma de proposição, sendo no Senado onde o processo
indicação, retirando a exclusividade da prer- se encontra em estágio mais avançado, à espe-
rogativa da Presidência da República e deste ra da votação em primeiro turno no Plenário.
modo distribuindo competências de escolha
para o Congresso e o STF, de outro lado, a Em paralelo, observou-se que as proposições
instituição de mandatos, alterando o atual analisadas e respectivas movimentações res-
modelo de vitaliciedade. pondem a uma lógica estritamente conjuntu-
ral, ocasiões de momento, em contraposição
A esta altura interessa relacionar as propostas a processos estruturais de discussão, como ve-
ao processo legislativo. Nos termos do artigo rificado com a EC 45, ainda que ela própria
60 da Constituição de 198840, a tramitação de seja alvo de considerações semelhantes. Neste
Emendas Constitucionais deve seguir um rito sentido, não parece possível avaliar ou pro-
especial. Nos termos do inciso I do referido jetar um cronograma de tramitação para as
artigo, para que seja admitida a tramitação de PECs em questão, ao passo que, em sentido
uma proposta, é necessária a adesão de no mí- contrário, seria possível cogitar a retomada de
nimo um terço dos membros da Câmara dos sua tramitação nos momentos em que novas
Deputados ou do Senado. Admite-se, ainda, vagas sejam abertas no Tribunal41, o que a
a propositura pela/o Presidente da República princípio, a contar pela lógica da aposenta-
(inciso II), ou “de mais da metade das Assem- doria compulsória aos 75 anos, aconteceria
bleias Legislativas das unidades da Federação, no mês de novembro do ano de 2020, com
manifestando-se, cada uma delas, pela maio- a aposentadoria do ministro Celso de Mello,
ria relativa de seus membros” (inciso III). seguido no mês de julho do ano seguinte por
Marco Aurélio de Mello.
Nos termos do § 2º do mesmo artigo 60, “§
2º A proposta será discutida e votada em cada As propostas consolidadas em cada uma das
Casa do Congresso Nacional, em dois tur- Casas, estão expressas no quadro comparativo
nos, considerando-se aprovada se obtiver, em na página seguinte (Quadro 3).
ambos, três quintos dos votos dos respectivos
membros”. Analisando o conjunto das vinte e Assim, como é possível observar no Quadro
duas propostas em tramitação no Congresso, 3, a partir da comparação entre as temáticas
alteradas, verificam-se algumas semelhanças
40. Constituição de 1988. “Art. 60. A Constituição poderá ser
emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos
membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; 41. Essa é a opinião da própria Senadora Ana Amélia, que
II - do Presidente da República; III - de mais da metade das As- em seu voto afirma “Quanto ao mérito, o tema é oportuno
sembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestan- e de discussão recorrente no Congresso Nacional. Geralmente
do-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. ocasionado pela nomeação de um novo membro da Suprema
[...] § 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Corte, esse debate ressurge com força em relação à necessidade
Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada uma nova norma constitucional acerca desse processo. Prova
se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos disso são as inúmeras propostas que tramitam nas duas Casas
membros. [...]”. em relação ao tema” (Senado Federal, 2015, p. 8).
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PEC Presidência Congresso STF Judiciário MP/OAB Sociedade Impedi mento Mandato Quarentena
Câmara
Lista
PEC 473- 4 Vagas 4 Vagas 3 Vagas Lista STF 2 anos 12 anos 2 anos
Congresso
A/2001
Senado
Senado
PEC 44- Escolha Lista 4 anos 10 anos 5 anos
Aprovação
A/2012
de conteúdo que talvez poderiam apontar de advocacia (Câmara) ou cinco anos para o
para tendências de aprovação, em um even- exercício de cargo eletivo (Senado), manten-
tual momento de entrecruzamento da discus- do-se, assim, a quarentena de três anos para a
são nas duas Casas. Aqui, novamente, parece advocacia, instituída pela EC 45.
ser o caso de alterações que indiquem a reti-
rada do poder de exclusividade (de jure) de Outro consenso que chama atenção nas pro-
indicação de candidaturas pela Presidência da postas consolidadas nas duas casas, é a com-
República, ainda que as propostas divirjam pleta ausência da hipótese de participação so-
sobre o modo como esta alteração reorgani- cial no processo de escolha das/os ministros
zaria tal poder, dado que na Câmara cogita-se do STF, o que dá ensejo a um campo de dis-
a distribuição rotativa da escolha na medida cussão sobre quais elementos estão ausentes
da divisão das vagas do Supremo entre os três nas propostas, mas deveriam integrar o deba-
Poderes da República, ao passo que, no Sena- te, desde um paradigma de democratização
do, o modelo de jure de escolha seria alterado da justiça, fundado na participação social e
apenas no que diz respeito ao poder de indi- compromisso com os direitos humanos.
cação da Presidência da República, que ficaria
adstrito a uma lista formulada por uma co- Referenciais empíricos da análise:
missão de juristas formada pelas cúpulas das as PECs 473-A/2001 (Câmara) e
instituições do sistema de justiça. 44/2012 (Senado) e
as experiências internacionais
Um consenso talvez mais anunciado seria a
instituição de impedimentos ex ante – hoje Percorrido até aqui um caminho dialético in-
inexistentes na Constituição – orbitando em troduzido e incialmente desenvolvido desde
torno da vedação a pessoas que tenham exer- uma abordagem analítica sobre a temática
cido presidência de partido, cargos eletivos dos mecanismos de jure e o processo de fac-
ou de governo, ou ocupado a Procuradoria- to de escolha para as ministras/os do STF,
-Geral da União em um lapso temporal de passando pela dimensão histórico conceitual
dois a quatro anos anteriores à indicação. No da expansão política da justiça brasileira no
mesmo sentido parece apontar a instituição regime de enunciado democrático, para en-
de mandato e quarentena, variando, a prin- tão encontrar as PECs que dão momento à
cípio, apenas o tempo de permanência na discussão, a título de considerações finais
Corte, entre dez e doze anos sem recondução cumpre empreender uma tradução analítica
nas propostas do Senado e da Câmara, res- das referidas PECs, para então, discutindo as
pectivamente, ao passo que a quarentena se- duas proposições de consolidação na Câmara
ria de dois anos de inelegibilidade e exercício e no Senado, aliado à abordagem panorâmica
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para então concluir que o processo de esco- leiro (de jure), nos termos das análises empíri-
lha de ministras/os para o Supremo “deve ser cas sobre este processo, trazidas por Llanos e
diferenciado da investidura dos magistrados Lemos (2013), Kapiszewski (2010) e outros.
da jurisdição ordinária, por se tratar de uma A despeito disso, em tom de conclusão, o re-
Corte de natureza jurídico-política que decide latório indica que a solução – algo mágica,
questões relativas à proteção dos direitos fun- dada a ausência de qualquer elemento em-
damentais; ao controle de constitucionalidade; pírico ou mesmo fático trazido ao relatório
ao equilíbrio entre os poderes e entes federati- – seria distribuir as vagas do Tribunal entre
vos; e à garantia da repartição de competências os três Poderes da República, com a partici-
constitucionais” (2015, p. 14)43. pação do Ministério Público e OAB, desenho
de jure que “tornará o processo seletivo mais
Ao passar da análise teórico-conceitual para democrático e menos suscetível de indicações
o caso brasileiro, no entanto, o relatório des- equivocadas, evitando-se a excessiva politiza-
cola-se da extensa construção conceitual, para ção de uma escolha, que deve ser eminente-
agarrar-se a um único argumento recortado mente técnica”45.
de José Afonso da Silva, para quem o modelo
brasileiro seria visto com censuras ao dar pre- Como se observa, o relatório se contradiz ao
dominância ao Poder Executivo na escolha. afirmar teoricamente a condição jurídico-polí-
Assim, o parecer agarra-se sobre essa afirmação tica do Tribunal, para então concluir que a es-
como uma premissa, sem maior esforço ou colha deve ser eminentemente “técnica”. Mais
lastro argumentativo, fático ou empírico, des- grave que isso, é verificar a completa descone-
locando-se da teoria para a opinião de que o xão entre a delimitação conceitual, a realidade
atual modelo desequilibra a democracia brasi- (fática ou empírica) do processo de indicação
leira, sem explicitar porque esse argumento se- no Brasil e a conclusão, com ares de alteração
ria efetivamente condizente com a realidade.44 da Constituição, sobre o objeto da PEC.
Vale notar, neste sentido, que o relatório abs- Como vimos, nas análises trazidas acima, o
trai o fato de que a escolha passa pelo crivo do atual modelo de jure de indicação para o STF
Senado Federal, elemento essencial de checks não se caracteriza, em sua arquitetura política
and balances do modelo constitucional brasi- de escolha de facto, por uma excessiva politi-
zação das indicações, justamente em função
43. “Nesse contexto, o processo de escolha dos membros das
supremas cortes e dos tribunais constitucionais deve ser dife-
da inserção (e fragmentação política) do Se-
renciado da investidura dos magistrados da jurisdição ordiná- nado Federal, conforme demonstram Llanos
ria, por se tratar de uma Corte de natureza jurídico-política que e Lemos (2013), Kapiszewski (2010) e Daniel
decide questões relativas à proteção dos direitos fundamentais;
ao controle de constitucionalidade; ao equilíbrio entre os po- Brinks (2010). Em sentido contrário, em es-
deres e entes federativos; e à garantia da repartição de compe- tudo comparativo das Cortes Constitucionais
tências constitucionais” (Câmara dos Deputados, 2015, p. 14).
44. “O formato político brasileiro permite uma peculiar e in-
desejada ligação com o chefe do Poder Executivo que compro- 45. “A indicação dos ministros pelo chefe do Executivo, pelo
mete a autonomia do Supremo Tribunal Federal. A nosso ver, o Judiciário, pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados
modelo tradicional brasileiro de escolha dos ministros deve ser proporciona um balanceamento entre os poderes na designação
revisto radicalmente. Dessa forma, algumas alterações na com- dos membros do Tribunal. Além da participação dos três pode-
posição, na forma de investidura, no tempo de permanência e res, a presença do Ministério Público e Ordem dos Advogados
nos impedimentos dos membros do STF são absolutamente in- do Brasil tornará o processo seletivo mais democrático e menos
dispensáveis para preservação de sua legitimidade e ampliação suscetível de indicações equivocadas, evitando-se a excessiva
de sua independência e imparcialidade” (Câmara dos Deputa- politização de uma escolha que deve ser eminentemente técni-
dos, 2015, p. 15). ca” (Câmara dos Deputados, 2015, p. 15).
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na América Latina, Ríos-Figueroa (2010) ca- pública” (2015, p. 09), o que incorreria em
tegoriza o STF como um tribunal forte no violação à impessoalidade, o que afronta a in-
que tange aos mecanismos de jure (ex ante e terdependência e harmonia entre os poderes
ex post) de independência, ao passo que as da União46. Assim como Osmar Serraglio, no
escolhas do período democrático se caracte- entanto, não há no texto uma fundamenta-
rizaram, em sua maioria, por indicações cau- ção teórica, nem menos empírica ou factual,
telosamente fundadas no argumento técnico, que busque justificar tal argumento que, por
produzindo uma Corte de jaez centrista e seu turno, parece algo inusitado, pois abstrai
conservadora, o que se apresentou como con- a instituição Presidência da República, para
senso para as/os especialistas analisados. atribuir ao cargo o caráter de pessoalidade.
De fato, o caráter de intensa participação e efe- Se o voto apresenta um argumento, que indi-
tiva influência de senadores no processo de es- que a necessidade de alteração da fórmula de
colha foi empiricamente verificado em ao me- escolha, ele se assenta sobre o fato do Poder Ju-
nos treze de vinte e duas indicações, analisadas diciário estar exposto na mídia. De fato, a se-
entre 1989 e 2010 por Llanos e Lemos (2013), nadora afirma que a reestruturação do modelo
às quais poderíamos somar, ainda, todas as cin- seria fruto dessa exposição, “de forma a acom-
co indicações de Dilma Rousseff (três minis- panhar as mudanças sociais e culturais advin-
tras/os de Tribunais Superiores, vale lembrar) e das da cidadania brasileira” (2015, p. 09)47.
excetuar a indicação por Michael Temer de seu Sob risco de realmente não estarmos com-
Ministro da Justiça, organicamente ligado ao preendendo o argumento exarado no voto em
PSDB do Estado de São Paulo, no qual ocupa- análise, não foi possível identificar a relação de
va o cargo de Secretário de Justiça e Segurança causa e efeito entre a exposição do judiciário e
Pública, conforme a tradicional aliança entre a necessidade de alteração do processo de esco-
ministério público e governo estadual, relatada lha de ministras/os para a Corte. O argumento
por Luciana Zaffallon (2017). apresenta-se, assim, deveras ilógico, algo como
um exercício retórico ausente de conteúdo.
Voto da Senadora Ana Amélia
PEC 44/2012 Assim, em face do realmente grande número
Senado Federal de proposições postas à sua análise, a senado-
A Senadora Ana Amélia apresenta um voto
mais objetivo, orientado por uma lógica de 46. Afirma a Senadora: “A Constituição Federal de 1988 consa-
compilação de proposições, buscando aderir gra o princípio da tripartição dos Poderes em seu art. 2º: “São
ou refutá-las. Neste sentido, parece voltar-se poderes da União independentes e harmônicos entre si, o Le-
gislativo, o Executivo e o Judiciário”. Por si só, esse princípio
para o interior do debate no Senado, pouco deveria nortear a atuação isenta e impessoal dos Poderes da Re-
preocupada com a fundamentação ou a pro- pública. Não obstante, é sabido que há dificuldade, na prática,
dução de um argumento sobre a necessidade de garantir à sociedade que a impessoalidade ocorra, sobretudo
quando se fala da forma de indicação dos Ministros do STF,
de alteração constitucional. feita hoje de forma discricionária pelo Presidente da República”
(2015, p. 09).
Neste sentido, a senadora também assume a 47. Assim expressa a senadora: “O Poder Judiciário está hoje
tão ou mais exposto à mídia quanto os demais Poderes da Re-
necessidade de alteração da fórmula de es- pública. Como fruto dessa exposição, que – destaque-se – é
colha como uma premissa, afirmando que salutar e consagra o princípio da publicidade, é razoável que
no modelo atual a indicação é “feita hoje de se pense numa reestruturação desse modelo, de forma a acom-
panhar as mudanças sociais e culturais advindas da cidadania
forma discricionária pelo Presidente da Re- brasileira” (2015, p. 09).
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lei. No que diz respeito à composição da Cor- dense, que se apresenta como a fórmula ju-
te Constitucional, prioriza-se a equidade de rídica adotada no Brasil, como vimos, desde
gênero, ao passo que são vedadas indicações a Constituição de 1891. Já no modelo cana-
de pessoas pertencentes a partidos ou movi- dense observa-se uma inciativa de chamada
mentos políticos nos dez anos anteriores à in- de candidaturas, sendo o processo de escolha
dicação. Por fim, o cargo é exercido por um conduzido e efetivado pelo Primeiro-Minis-
mandato de nove anos. tro, reservando-se assentos na Corte para a
região francófona de Quebec, e apresentando
O modelo argentino também parece interes- um modelo de vitaliciedade.
sante, sobretudo pelo referencial trazido pelas
organizações da sociedade civil, em especial o A África do Sul apresenta um modelo de
Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS) indicação realizado por uma comissão com-
que, nos anos de 2002, iniciou uma campa- posta por juristas e políticos, ao passo que
nha de pressão pela democratização da justiça, a escolha é realizada pela Presidência da Re-
conquistando nos governos Kirchner a expedi- pública, que, por seu turno, tem poderes de
ção do Decreto Presidencial nº 222/2003, no destituição das ministras/os da Corte. O país
qual o Presidente da República regulamentou apresenta, ainda, impedimentos ex ante, não
e limitou os seus poderes de indicação de can- podendo ser indicadas/os membros do gover-
didaturas, que seguia a lógica constitucional no ou Parlamento. O exercício do cargo de
semelhante à brasileira, inclusive com a previ- ministra/o pode variar de quinze a vinte e um
são de vitaliciedade no cargo. Nestes termos, anos, ao passo que, uma vez cumprida a mis-
o Decreto prevê a chamada de candidaturas, são constitucional, a hipótese de exercício da
que podem ser submetidas a consulta pública. advocacia deve ser expressamente autorizada
De modo complementar, prevê-se ainda que pelo Ministro da Justiça.
as candidaturas devem cumprir um requisito
de compromisso com os direitos humanos, No tradicional regime inglês, a indicação é
buscando imprimir à Corte Constitucional realizada por uma comissão composta pela
uma composição com equidade regional e de cúpula das instituições do sistema de justiça
gênero. O modelo do Decreto Presidencial nº da Grã-Bretanha e um leigo. A comissão é
222/2003 vem sendo reivindicado pela JusDh presidida pelo Presidente do Tribunal Consti-
e outras entidades de direitos humanos como a tucional e decide a partir da consulta aos pri-
Associação de Juízes para a Democracia (AJD) meiros-ministros do reino. Observa-se ainda,
para a sociedade brasileira, tendo sido o Exe- no modelo inglês, a busca pela equidade de
cutivo e Legislativo alvo de campanhas e in- gênero e a vitaliciedade como parâmetro tem-
cidência política desde o ano de 2011, sem, poral de exercício do cargo.
no entanto, que o governo Dilma Rousseff
demonstrasse abertura à pauta. Já no parlamentarismo alemão, a indicação é
dirigida por uma comissão formada pelo Mi-
Já o modelo constitucional mexicano é com- nistro da Justiça, membros do Tribunal Cons-
pletamente inspirado no modelo estaduni- titucional e das associações de juristas, que
dense, a exemplo do Brasil, de modo que não emitem parecer sobre candidaturas a serem
se possa delimitar maiores novidades na sua submetidas ao Parlamento, que escolhe as
experiência de jure, o mesmo podendo ser ministras/os observando uma lógica de com-
estendido, portanto, ao modelo estaduni- posição que garanta a presença da academia e
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3 anos para
Brasil Presidência Senado Vitalício exercício
advocacia
Organizações
Sociedade Civil Equidade Étnica
Bolívia Popular 6 anos
Nações e Gênero
Indígenas
Executivo Partido ou
Comissão
Legislativo Equidade Movimento 9 sem
Equador Impugnação
Transparência e Gênero Político recondução
Cidadã
Controle Social (10 anos)
Candidaturas Equidade
Argentina e Consulta Presidência Gênero, Vitalício
Pública Regional, DHs
Primeiro- Primeiro-
Canadá Quebec Vitalício
-Ministro -Ministro
Parlamento ou
África do Sul Comissão Presidência 15 a 21 anos Vedação
Governo
Comissão
Comissão
Consultados Equidade de
Inglaterra Juristas e Vitalício
Primeiros Gênero
1 leigo
Ministros
Associações
Ministro da Academia e 12 anos sem
Alemanha Parlamento Aposentadoria
Justiça judiciário recondução
Trib. Const.
Congresso e Congresso (10)
e Tribunal 9 anos sem
Portugal Tribunal Juízes e juristas
Constitucional recondução
Constitucional (3)
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De um modo geral, enfim, observa-se que às portas da lei, responde impassível: “é pos-
as experiências internacionais variam, como sível, mas agora não”.
não poderia deixar de ser, na medida de di-
ferentes desenhos político-constitucionais Como vimos, a literatura nacional e interna-
e, assim, apresentam diferentes desenhos de cional sobre o tema indica que, de um lado,
jure de escolha, cuja variação responde a uma o modelo de jure brasileiro, fundado sobre a
lógica de vinculação entre sistema político e indicação presidencial e aprovação pelo Sena-
sistema judicial. do, aliado à vitaliciedade e remota hipótese
de impedimento, produziu a partir de 1988,
Assim, as experiências europeias distinguem- conforme Ríos-Figueroa (2010), uma Corte
-se pelo envolvimento ora do próprio Tribu- política e institucionalmente forte em suas
nal Constitucional, ora do Parlamento, ao bases de independência judicial.
passo que o restante das experiências, com
forte influência do modelo estadunidense, Uma Corte politicamente forte e de grande
encontram no Poder Executivo o pivô do pro- influência sobre o sistema político brasilei-
cesso de escolha, com notável distinção para ro, mas tímida e conservadora na promoção,
o caso argentino, cujo vontade política da proteção e efetivação de direitos fundamen-
Presidência, impulsionado pela organização e tais. Um perfil judicial forjado, conforme
mobilização social, resultou na autolimitação afirmam Kapiszewski (2010) e Brinks (2010),
regulatória dos poderes de indicação da Pre- justamente a partir da fragmentação do sis-
sidência, ao passo que as experiências inova- tema político que, desde o papel político de
doras de Equador e Bolívia, inseridas no que facto desempenhado pelo Senado no desenho
vem sendo denominado de novo constitucio- de jure do processo de escolha, produz histo-
nalismo latino-americano, como analisamos ricamente uma Corte centrista, como carac-
com Sousa Júnior (2016), inauguram meca- terística espelhada dos governos de coalizão.
nismos de participação direta da soberania
popular sobre o processo de jure de escolha Neste sentido, Llanos e Lemos (2013) apro-
de membros das suas Cortes Constitucionais. fundam a análise sobre os processos de es-
colha de ministras/os no período de 1989 a
Considerações finais: 2010, reafirmando empiricamente a tese da
o que as PECs não dizem e potente e determinante influência política do
a agenda da democratização da Senado federal, antecipando a indicação pre-
justiça em face dos sidencial na medida da correlação de forças da
direitos humanos coalização governista no Congresso.
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elemento essencial para a compreensão dessa so para os direitos humanos expressados pelas
expansão, no entanto, é a ausência e negação lutas por dignidade e liberdade.
de um referencial de participação e controle
social sobre a condição política da justiça, o A esta altura, o quadro das PECs fica mais
que assume caráter especial para o STF. Isso evidente: toma-se a necessidade de mudança
as PECs não dizem. como uma premissa, fundada na afirmação
de que o modelo atual não garante a autono-
De fato, da análise de suas justificativas obser- mia e independência do STF. É exatamente
varam-se diferentes premissas sobre a necessi- o contrário do que indicam todas as análises
dade de mudança, mas nenhuma delas anco- nacionais e internacionais – ao menos as mais
rada em qualquer fundamentação sobre esta influentes – trazidas ao texto.
necessidade. Em sentido contrário, tais análi-
ses indicam ora a necessidade de democratizar De fato, o que salta à evidência é que o pro-
a escolha, dividindo o poder indicação presi- blema da justiça brasileira, com o STF in-
dencial com o Congresso e STF, ignorando, cluso, não é de falta ou fragilidade de me-
assim, as análises empíricas conceitualmente canismos jurídicos e políticos de autonomia
estruturadas, que apontam a potente influên- e independência. Isso talvez seja o que lhes
cia do Congresso e chegam a mencionar uma sobra e, como aponta a tendência das institui-
espécie de poder de veto dos ministros do ções que acumulam poder sem o contrapeso
STF no processo de antecipação presidencial correspondente, neste caso, em especial, sem
da indicação. qualquer referencial de legitimidade, partici-
pação e controle social, o destino é a adesão a
Em sentido paralelo, outra premissa é funda- uma cultura autoritária.
da na hipótese de que a indicação presiden-
cial se expresse em pessoalidade política, o Daí porque parece existir um referencial que
que novamente não se sustenta, uma vez que clama por mudança no modelo de indicação
as análises indicam uma maior tendência de para o STF, mas cujo fundamento é a necessi-
indicações antecipadas pelo Senado, em opo- dade de consertar o perfil e a cultura judicial
sição às indicações fundadas na preferência da Corte com vistas à sua orientação e com-
presidencial. De fato, neste modelo analítico, promisso com a efetivação dos direitos huma-
o processo de escolha é mais caracterizado nos, sobretudo os de matriz econômica, so-
por uma escolha (in)tensamente fragmenta- cial e cultural, extremamente marginalizados
da entre as forças que compõem o governo e mitigados na agenda e na cultura judicial do
e oposição, que pela expressão da opinião ou Tribunal.
vontade pessoal da Presidência.
Ocorre que o sistema político, que aí esteve e
De outro lado, se as premissas da necessida- aí está, não parece possuir condições de admi-
de de mudança apontadas pelas PECs não se tir o referencial de participação e controle so-
sustentam na realidade, em momento algum cial sobre a agenda política de justiça, o que se
se verificou ali um argumento da necessida- percebeu ao longo dos últimos sete anos, ao
de de mudança para a produção de um STF menos desde que a JusDh reivindica a aber-
mais orientado para a efetivação dos direitos tura e transparência no processo de indicação
humanos, muito menos com um compromis- presidencial, para a aproximação e apropria-
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caráter estratégico da pauta, ora afastando-a no Japão, por exemplo, mecanismo este pró-
estrategicamente da participação da socieda- ximo à “retention election” estadunidense, uti-
de organizada. lizado na eleição de juízes estaduais e mem-
bros das Cortes Estaduais, modelo defendido
Assim, parece que o momento histórico rei- pela American Bar Association (2008)48.
vindica uma plataforma mais drástica e es-
trutural, uma agenda de horizonte utópico Assim, a hipótese de participação e democra-
apta a nos fazer caminhar para um STF real- cia direta na seleção de ministras/os da Corte
mente fundado sobre a soberania popular e deve ser necessariamente mediada por uma
compromissado com a efetivação dos direi- proposta de reforma do sistema político, ins-
tos humanos. tituindo-se uma cultura de democracia parti-
cipativa para todo o sistema político e, então,
Neste sentido, parece pertinente aprofundar também para o sistema judicial.
o debate sobre a hipótese de alçar o STF à
condição de Corte exclusivamente Constitu- Enquanto isso não ocorre, talvez seria interes-
cional. Se tal medida permitiria, de um lado, sante avançarmos ao menos para um sistema
desafogar a agenda da Corte, aliviando sua de composição de comissões para a formula-
rotina judicial e transferindo-a ao STJ, por ção de listas, ou mesmo a destinação de uma
exemplo, de outro lado, o caráter restritiva- cota na composição da Corte para uma/um
mente constitucional de sua agenda realçaria candidato indicado pela sociedade.
o seu caráter por excelência político – uma
vez que afasta de sua apreciação questões jurí- Assim, poderia ser aventada a hipótese, des-
dicas de caráter tradicionalmente técnico – de de a regulamentação via Decreto Presiden-
controle de constitucionalidade, por exem- cial, de uma comissão na qual fosse prevista
plo, o que, por via de consequência, realça- a participação da sociedade civil organizada
ria a condição política da sua função, assim na deliberação sobre candidaturas, ou mesmo
permitindo um debate mais franco e aberto com a Presidência da República delegando ao
sobre a necessidade de referenciais de parti- Conselho Nacional de Direitos Humanos a
cipação social no processo de escolha, como
expressão direta da soberania popular. 48. Vale notar que no debate sobre a composição do sistema
judicial americano, simplesmente não se verifica qualquer ex-
periência de concurso público para o ingresso na magistratura
Se é certo que, neste sentido, a Bolívia inau- e promotoria, ao passo que todo o sistema de seleção da ma-
gistratura e das cortes estaduais responde a diferentes modelos
gurou o primeiro modelo de sufrágio uni- diretamente fundados em um necessário referencial de legiti-
versal para uma Corte Constitucional que se midade social do exercício da função judicial: 1) eleição direta
tem notícia, parece difícil considerar que no partidária ou não partidária (contested elections); 2) nomeação
legislativa ou executiva direta (executive ou legislative appoint-
sistema político brasileiro tal seja o modelo a ment); 3) indicação de lista por comissão de juristas, leigos e/ou
ser imediatamente reivindicado. Mas é certo, partidos (merit selection), e nomeação legislativa ou executiva;
4) indicação de lista por comissão mista de juristas e leigos,
de outro lado, que mecanismos de participa- seguida pela nomeação pelo governador e 5) referendo popular
ção direta também são observados na seleção como confirmação dos modelos de seleção anteriores (reten-
tion election). Cf. neste sentido ABA (2008) e Menton (2011).
de membros de Cortes Constitucionais em Como fica evidente, a discussão sobre a condição política da
outros países, como a impugnação cidadã no função judicial e a consequente necessidade de legitimidade,
Equador e a existência do Conselho Eleitoral participação e controle social na seleção e na política de justiça
assume dimensões ancoradas sobre o mito da neutralidade e da
no Peru e o referendo de revogação utilizado autonomia do direito sobre as relações de poder.
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competência para compor uma comissão de mesmo, de uma advocacia de elite, corporati-
seleção de candidaturas a serem apresentadas va e fisiocrata na sua própria medida.
à Presidência, ou no limite delegando ao Con-
selho a escolha rotativa de vagas na Corte. Ademais, cumpre ressaltar que parece perti-
nente a instituição de mandato para o Tribu-
Tal modelagem, com a participação do nal. De um lado, dado o poder que o cargo
CNDH, por exemplo, constituído nos ter- representa e vem acumulando, não parecendo
mos da Lei nº 12.986/2014, além de insti- razoável ser ocupado por mais de vinte anos
tuir uma tendência de afirmação e prioridade por uma mesma pessoa, como usualmen-
dos direitos humanos como referencial de in- te acontece. Assim, conforme a tipologia de
dicação, confere, ao mesmo tempo, alguma Ríos-Figueroa (2010) sobre a independência
institucionalidade e legitimidade social aos de Cortes Constitucionais, o mandato da/o
processos de escolha, na medida de sua com- ministro deve ser suficientemente superior ao
posição mista entre membros da sociedade mandato do agente político que efetua a es-
civil e órgãos públicos, inclusive do sistema colha. Parece pertinente, no mesmo sentido,
de justiça. ser vedada a hipótese de recondução, a fim de
que a/o ministro não ingresse em uma lógica
Neste mesmo sentido, para além de Decre- de campanha política pela recondução.
to Presidencial, a proposta de inscrição do
CNDH pode e deve ser inserida, inclusive, Por fim, as hipóteses de quarentena e remo-
nas PECs aqui analisadas, seja para compor o ção do cargo. É certo que a questão da qua-
rol de entidades legitimadas a formular a lista rentena ganha relevância com a instituição de
para escolha pelo Congresso Nacional, como mandato, haja vista que a rotatividade será
na PEC 473-A/2001 da Câmara dos Depu- maior. Assim, a quarentena de três anos para
tados, seja na comissão de cúpula de juristas, atuação na advocacia atualmente verificada
legitimada pela PEC 44-A/2012 do Senado, poderia ser estendida para cinco anos, para
para formular as listas endereçadas para a es- afastar o peso do prestígio do cargo sobre a
colha pela Presidência da República. própria atividade judicial. A observar a rela-
ção estabelecida entre o governo do Estado de
Sobre os mecanismos de impedimento ex São Paulo e o sistema de justiça, como aponta
ante, parece pertinente a vedação ao exercício Luciana Zaffalon (2018), parece pertinente
de cargo eletivo ao tempo da indicação, bem para estender a necessidade de tal quarentena,
como de Ministro de Estado e Procuradoria- quer para o exercício de cargo eletivo, quer
-Geral da República. Mais relevante que os para cargos de governo.
impedimentos, no entanto, parecem ser as
medidas afirmativas que imprimam efetiva No tangente à remoção, o modelo atual re-
diversificação de escolhas, fugindo ao perfil lega o instituto à representação de impeach-
liberal conservador e centrista apontado na ment perante o Senado Federal, o que certa-
literatura, notadamente um perfil de Minis- mente garante estabilidade e independência
tros do STJ e advogados de grandes bancas de para os membros da Corte, mas de outro lado
advocacia. Neste sentido, resta evidente que o não produz qualquer referencial de controle
Conselho Federal da OAB se apresenta neste da função, de tal modo que o modelo deveria
processo como órgão de representação de si ser aprimorado talvez com a possibilidade de
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A Fundação Friedrich Ebert é uma instituição alemã sem fins lucrativos, fundada em 1925. Leva o
nome de Friedrich Ebert, primeiro presidente democraticamente eleito da Alemanha, e está com-
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sua atuação são a consolidação e o aprofundamento da democracia, o fomento de uma economia
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