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1- A justiça administrativa foi defendida pela sua finalidade,como o conjunto das garantias dos
particulares contra as atuações ilegítimas da administração que ofendessem os seus direitos
ou interesses.
2- A existência de litígios judiciais de que os particulares estão ausentes: litígios que surgem
nas relações entre os entes administrativos- cada vez mais prováveis em virtude da
complexidade organizativa, designadamente da pluralidade de administração resultante dos
processos de descentralização ou desconcentração personalizada, de delegação de funções, de
privatização formal e de reconhecimento de situações de independência-orgânica = a até
litígios inter-orgânicos, dentro da mesma pessoa coletiva, e inter-orgânicos, quando estão em
causa direitos dos membros de órgãos colegiais.
Ao definir o âmbito da justiça administrativa, a constituição opta por uma fórmula substancial,
e não finalística, referindo-se ao "julgamento de todas as acções e recursos que tenham por
objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas" ( art.212 n3).
Valerá porventura como base normativa para a afirmação de que a protecção efectiva dos
direitos dos administrados constitui o núcleo essencial ou, pelo menos, o domínio típico da
justiça administrativa.
Por outro lado, a justiça administrativa implica a existência de um " serviço público" de justiça,
sendo, por isso, objecto normativo de duas disciplinas: do " direito judiciário administrativo",
no que respeita à organização dos tribunais; do " direito processual administrativo ", no que
toca às relações processuais e ao regime geral do funcionamento da jurisdição.
De facto, a opção atual por um modelo processual de justiça administrativa há-de referir-se ao
contexto resultante da evolução referida, visto que, todos hoje aceitam: a)que o processo
administrativo, é, na sua essência, um processo jurisdicional e, por isso, um litígio entre partes
– designadamente, ninguém, sustenta, que o processo seja a continuação do procedimento
administrativo que gerou o ato , ou que o particular recorrente tenha aí uma mera posição de
facto subordinada; b) que a administração tem o dever de executar as sentenças dos tribunais
– já que não aceita que a Administração tenha liberdade para cumprir ou não a sentença;
c)que os modelos organizativos administrativistas estão ultrapassados - ninguém defende que
o poder de decisão em matéria de contencioso administrativo deve caber em última instância
a órgãos políticos, ainda que supremos , ou a órgãos administrativos, ainda que
independentes, ou sequer a tribunais especiais, com menos garantias de independência face à
Administração. Por isso, a grande diferença que continua a existir entre os modelos é a do
ponto de partida para a construção do sistema, isto é, da função central da justiça
administrativa, conforme se vise, primacialmente, a defesa da legalidade ou juridicidade
administrativa, ou se pretenda, principalmente, assegurar a proteção dos direitos dos
particulares.
A história do contencioso administrativo revela, porém, que há que ter em conta ainda dois
tipos de modelos mistos: D)o modelo administrativista mitigado, em que a decisão sobre as
questões contenciosas cabe a órgãos superiores da administração ativa, mas implica um
procedimento jurisdicionalizado com a intervenção consultiva obrigatória de um órgão
administrativo independente , cujo parecer era, ou não, homologado por aqueles órgãos; E) o
modelo judicialista mitigado, quando as sentenças dos tribunais (especializados ou mesmo
comuns), apesar da competência decisória destes, não tem força executiva fortemente
limitada perante a Administração.
Pode dizer-se contudo, que os modelos administrativos, puros ou mitigados, já não existem
atualmente e que a generalidade dos países adotou modelos organizativos judicialistas-
mesmo em França, onde em função do prestígio fundador do Conseil d´État, ainda subsiste
(embora só ao nível supremo) um modelo de justiça delegada, este aproxima-se fortemente na
prática do modelo judicialista de tribunais especializados. Desde a 2ª metade do século XX, em
face das transformações acima referenciadas, tornou-se inquestionável, a jurisdicionalização
plena do contencioso administrativo, embora, isso não signifique uma homogeneização dos
sistemas, já que as tradições nacionais continuam a marcar as soluções estabelecidas.
De facto, não podemos esquecer, por um lado, que a finalidade da justiça administrativa, há-
de ser assegurar a juridicidade da atividade administrativa e que esta não se reduz à proteção
jurídica dos direitos e interesses dos particulares que se dirigem aos tribunais, inclui também,
senão principalmente, a garantia da prossecução do interesse público e de diversos interesses
comunitários, bem como interesses individuais de outros particulares. Além de que, sendo a
atuação administrativa muitas vezes favorável aos particulares, há que acautelar o interesse
público contra a concessão de vantagens ilegais ou ilegítimas, designadamente quando
resultem de conluio entre os titulares dos órgãos e os interessados. Por outro lado, tem de
reconhecer-se que, mesmo do ponto de vista dos direitos e interesses dos privados, o modelo
objetivista também apresenta alguns aspetos vantajosos, até porque a consideração da
administração como poder não é apenas fonte de potenciais privilégios, significa igualmente a
existência de especiais deveres ou limitações que resultam em favor dos administrados, numa
perspetiva ferroviária da história, que o objetivismo pertence ao passado, e que o subjetivismo
representa o futuro: a necessidade de asseverar os direitos individuais contra a Administração
não pode fazer esquecer as realidades atuais da extensa difusão de utilidades e da intensa
intercomunicação de solidariedades, que geram situações de grande complexidade de
interesses, públicos e privados, e apontam para uma nova legalidade social exigindo, uma
reação efetiva contra normas lesivas do interesse público, bem como mecanismos
institucionais, coletivos e comunitários para a sua realização. Por isso mesmo, nos países do
modelo alemão, sempre existiu e se nota hoje, a vários propósitos alguma pressão no sentido
da acentuação das dimensões objetivistas do sistema.
Apesar de a constituição pôr acento tónico na garantia dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos administrados, limitando a própria garantia do recurso de anulação aos
titulares dessas posições jurídicas subjetivas, tal não deve ser interpretado como imposição
constitucional de um modelo estritamente subjetivista de justiça administrativa. A constituição
quis estabelecer as garantias dos administrados – com a intenção de assegurar uma proteção
plena perante a administração dos seus direitos e interesses legalmente protegidos- mas não
pretendeu impor um modelo processual determinado. A concretização desse modelo compete
ao legislador que, no uso da sua liberdade constitutiva, pode optar entre diversas fórmulas de
instituição da justiça administrativa, desde que respeite o quadro constitucionalmente
estabelecido- concretamente o modelo organizatório judicialista e a proteção efetiva dos
direitos dos administrados. O art268º da CRP, até pelo seu lugar sistemático, não pretende
estabelecer uma regulamentação global da justiça administrativa, mas apenas definir as
garantias dos administrados mas as suas relações com a administração - em especial, o
princípio da justiciabilidade dos atos de administração, assegurado por um direito fundamental
específico de acesso aos tribunais administrativos,num direito a um procedimento.
Não é concebível que o art268º contenha uma proibição ao legislador de alargar os meios da
justiça administrativa ao controlo da juridicidade das atuações da Administração, para defesa
da legalidade e do interesse público, mesmo que não estejam em causa, direitos dos
administrados: por um lado, a intenção é perfeitamente legítima, se não necessária, em face
do art266º, que erige o interesse público como finalidade primeira da Administração Pública;
por outro lado, um tal alargamento impõe-se sempre para as relações interadministrativas ,
tendo em conta que a Constituição atribui à ordem judicial administrativa a competência para
julgar a generalidade das questões de direito administrativo. Por fim, como é obvio que a
constituição não assume uma intenção densificadora e, ao consagrar o direito dos
administrados a uma proteção judicial efetiva , não pretende regular em pormenor o processo
administrativo, pois que deixa inequivocamente ao legislador um espaço importante para
conformação de aspetos fundamentais do regime do contencioso, como por exemplo, o objeto
e o prazo da ação de impugnação de atos, bem como, em geral, os poderes e deveres do juiz,
do M.P. , das partes e demais intervenientes no processo, os pressupostos e a estruturação
processual dos meios principais e cautelares, os efeitos e o processo de execução das
sentenças.
Enunciamos a seguir alguns dos aspetos mais relevantes da Reforma, que como se verifica, é
significativamente alterado num sentido subjetivista, próximo do modelo alemão, embora com
a manutenção ou introdução de algumas notas claramente objetivistas: A)no âmbito da justiça
administrativa, atribui-se aos tribunais administrativos, nos termos constitucionais, a
competência para administrar a justiça “nos litígios emergentes das relações jurídicas
administrativas “e concretiza-se exemplificativamente esse âmbito em termos positivos e
negativos (art1º e 4º do ETAF). A tendência é para a ampliação do âmbito tradicional,
designadamente no que respeita aos contratos que envolvam a aplicação de direito público e
sobretudo à responsabilidade civil não apenas por atos praticados no exercício da função
administrativa mas também por atos das funções legislativas e jurisdicional. B) consagra-se o
Princípio da tutela jurisdicional efetiva, incluindo a, tutela cautelar, afirmando-se que
compreende “o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com
força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo , bem como a
possibilidade de a fazer executar e de obter as providencias cautelares, antecipatórias ou
conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão (art2º . nº1 do CPTA). E
elencam-se mesmo, para que não haja dúvidas sobre a plena jurisdição, os diversos conteúdos
das pretensões possíveis junto dos tribunais e os correspondentes poderes do juiz, incluindo
pretensões e poderes declarativos, constitutivos, condenatórios, intimativos, preventivos e
executivos, em especial perante a Administração (art2º, nº2). Destas pretensões destacam-se
as que não eram anteriormente admitidas , designadamente, a condenação à pratica de ato
administrativo devido, a condenação à não emissão de atos administrativos, a intimação para
adoção ou abstenção de comportamentos administrativos, a condenação ao cumprimento de
deveres de prestação e ao restabelecimento de direitos ou interesses violados por atos
administrativos e a declaração da ilegalidade por omissão de regulamentos bem como a
resolução de litígios entre privados e entre órgãos da mesma pessoa coletiva pública; C)
altera-se radicalmente a definição dos meios processuais principais , criando duas formas
processuais, a ação administrativa comum e a especial: I) o recurso de anulação deixa de ser
considerado o meio normal do contencioso administrativo, perde mesmo o seu nome
simbólico de recurso, chama-se agora “impugnação de atos”, deixa de ser utilizado contra
omissões e em principio, contra indeferimentos ; juntamente com a condenação à prática de
ato devido e a declaração da ilegalidade de normas ou da respetiva omissão, passa a constituir
um dos pedidos a formular na ação administrativa especial (art46º do CPTA). II) A ação para o
reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos deixa de constituir um meio
autónomo e desdobrada em pedidos declarativos e condenatórios, integra, juntamente com as
ações tradicionais, a ação administrativa comum (art37º do CPTA). D) admite-se com grande
amplitude a cumulação de pedidos, em função da mesma relação jurídica ou da mesma
matéria de facto ou de direito (art4º do CPTA), por exemplo, dos pedidos de anulação de ato
administrativo ou de condenação à prática de atos com os de restabelecimento da situação
hipotética atual, do pedido de anulação de ato, com o do reconhecimento de uma situação
jurídica subjetiva ou com o de anulação de contrato subsequente, bem como de vários pedidos
com a condenação da Administração na reparação de danos (art4º, nº2, e 47º do CPTA); E) no
que respeita à tramitação das ações administrativas especiais, estabelecem-se regras
uniformes (art35º, nº2 e 78º e seguintes do CPTA), embora com particularidades relativas à
impugnação de atos (arts50º e ss), à condenação à prática de atos devidos (artigos 66º e
seguintes), e aos processos relativos a normas (artigos 72º e ss), para além de se
estabelecerem processos principais urgentes, em que se reúnem impugnações e intimações
urgentes (artigos 97º e ss). F) mantém-se um conceito muito vasto de legitimidade para a
impugnação de atos, incluindo o M.P. e os titulares de interesse direto na anulação do ato, e
até se alarga a pessoas coletivas e aos órgãos administrativos, bem como, no âmbito da ação
popular, a qualquer cidadão e a titulares de interesses difusos, incluindo as autarquias (artigos
55º e 9º, nº2 do CPTA). G) continua a reconhecer-se um papel processual relevante ao M.P.
para a fiscalização da legalidade, mas sobretudo no que respeita ao poder geral de iniciativa,
mas também, embora limitado à defesa de valores comunitários, o poder de dar parecer sobre
o mérito e o de invocação de novos vícios, apesar de se lhe terem retirado alguns dos seus
poderes processuais, limitando a intervenção na fase instrutória e suprimindo s vista final e a
participação na sessão de julgamento (art58º, 62º, 73º, 77º, 77º-A, 85º, 104º nº2º, 146º, 152º
e 155º do CPTA). H)consagra-se o principio da igualdade de armas entre o recorrente e a
Administração no sentido da consagração de um verdadeiro “processo de partes” incluindo o
pagamento de custas pela Administração (art189º nº1 do CPTA) e a possibilidade da sua
condenação por litigância de má fé (art6º), além de se eliminarem as restrições gerais à prova
testemunhal; I)alarga-se substancialmente, a proteção cautelar dos administrados, que
abrange quaisquer providências, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas
a assegurar a utilidade da sentença, e cuja adoção passa a ter em conta razões de justiça
material e a depender da ponderação dos interesses públicos e privados, em jogo (art112º e ss
do CPTA); J) a par do alargamento dos poderes do juiz, regula-se o processo executivo no
sentido do aperfeiçoamento das garantias dos particulares e da legalidade contra a inexecução
ilegítima de sentenças administrativas, reforçando a garantia da efetividade das decisões
judiciais, por exemplo, através da emissão de sentenças substitutivas e da previsão de sanções
pecuniárias compulsórias (art157º e ss do CPTA).
A revisão de 2015: a revisão do CPTA e do ETAF, aprovada pelo Decreto-Lei 2015, no uso da
autorização conferida pela Lei n100/2015 de 19 de Agosto, a partir de um anteprojeto posto à
discussão pública em 2014, não trouxe alterações ao modelo desenhado em 2002, tal como
descrito nos seus aspetos essenciais, a não ser como já fomos dizendo, quanto ao
desaparecimento da distinção entre ação administrativa comum e especial, passando todos os
processos principais não urgentes a tramitarem sob uma única forma de ação, que
corresponde no essencial ao da anterior ação administrativa especial. Houve modificações
significativas mas que visaram aperfeiçoar processualmente o modelo, das quais destacamos
algumas; alargamento da jurisdição administrativa ao julgamento de contraordenações em
matéria urbanística; acolhimento de novidades trazidas pelo novo Código de Processo Civil na
tramitação da nova ação administrativa , embora sem deixar de ter em conta as
especificidades próprias de alguns processos do contencioso administrativo; criação de um
novo processo urgente, visando dar uma resposta célere, pela concentração num único
processo, às pretensões dos participantes em “procedimentos de massa”, designadamente de
provas e concursos de pessoal; transposição, no domínio do contencioso pré-contratual , das
diretivas-recursos europeias, associando um efeito suspensivo automático à impugnação de
atos de adjudicação; clarificação dos requisitos gerais do regime da impugnabilidade dos atos
administrativos, designadamente quanto aos atos confirmativos e aos ineficazes e quanto aos
prazos de impugnação dos atos anuláveis; consagração do funcionamento dos tribunais
administrativos de circulo somente com juiz singular, exceto nas situações de julgamento
alargado legalmente previstas, entre muitas outras- alterações das quais se irá dando conta
nos locais próprios.
Esta questão sobre o que se entende por “relação jurídica administrativa” devia ser resolvida
expressamente pelo legislador. Mas na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que
será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de
“relação jurídica administrativa” no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito
administrativo” com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que
intervém a administração- sobretudo na medida em que se considere, como defendemos, que
esta definição substancial se refere apenas ao âmbito nuclear ou de principio da jurisdição
administrativa, não excluindo soluções justificadas de alargamento ou de compressão da
respetiva competência por parte do legislador. Têm de se considerar relações jurídicas públicas
(seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um do
sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de
um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente
definido.
Não se pode esquecer, porém, que o direito administrativo aparece frequentemente associado
à utilização de entidades e de meios de direito privado pela administração, dando lugar na
prática a uma aplicação miscigenada do direito público e do direito privado, de modo que
poderá considerar-se substancialmente incluído na justiça administrativa o conhecimento de
certos aspetos de direito público de uma atuação administrativa desenvolvida ao abrigo do
direito provado- como acontecerá, por exemplo, no contencioso relativo à formação de
contratos de direito privado, celebrados pela administração, quando ela siga um procedimento
“pré-contratual” de direito público. Por outro lado, é legítima a atração para os tribunais
administrativos da resolução global de litígios, alargada aos aspetos de direito privado, seja
para prevenir dúvidas, seja para evitar a duplicidade de processos, independentemente da
manutenção de uma diferença de regimes jurídicos aplicáveis.
Note-se que ao contrário do que acontecia na lei anterior, o novo ETAF, deixou de excluir
expressamente da jurisdição administrativa “as questões de direito privado, ainda que
qualquer das partes seja uma pessoa de direito público”. No entanto, apesar de conter uma
clausula de definição positiva do âmbito da justiça administrativa, também não optou por
incluir essas questões, o que significará que elas estarão excluídas por natureza, sem prejuízo
de haver uma atribuição expressa aos tribunais administrativos do julgamento de
determinados litígios de direito privado.
Remete-se assim, para uma distinção substancial entre as funções do Estado, remissão que
tende a ser absoluta no que respeita aos atos políticos, mas não e tao só relativa no que se
refere aos atos legislativos. Quanto aos atos políticos ou da função politica, o seu carater não-
administrativo resultará de serem atos de 1º grau, praticados por órgãos supremos, em
execução direta da constituição e destinados à prossecução direta de interesses fundamentais
da comunidade politica- por exemplo, atos auxiliares de direito constitucional, atos
diplomáticos, atos de defesa nacional, atos de graça.
Quanto aos atos da função legislativa, não havendo uma reserva material ou funcional de
regulamento, nada impede o legislador de estabelecer regimes jurídicos pormenorizados ,
tendo de considerar-se como atos legislativos- e portanto, subtraídos à jurisdição
administrativa- quaisquer disposições gerais e abstratas editadas sob forma de diploma
legislativo, ainda que tenham caráter regulamentar e portanto pertençam materialmente à
função administrativa. Já o mesmo não acontece com os atos administrativos, que podem ser
impugnados, perante os tribunais administrativos independentemente da sua forma, mesmo
que constem de um diploma legislativo. Contudo, dado que não estão proibidas as leis-
medida, o problema dos limites da jurisdição administrativa passa aqui pela distinção
substancial entre as funções estaduais- concretamente pela distinção entre “ato
administrativo” e “lei-medida”. Obviamente, que em função do critério material, também não
pertencem à justiça administrativa os litígios relativos à atividade desenvolvida no exercício da
função jurisdicional. Apesar de a delimitação ser aqui em regra mais fácil, dado que esta
função é constitucionalmente reservada em exclusivo aos juízes, encontramos zonas de
fronteira, seja no que respeita à atividade administrativa desenvolvida pelos tribunais, seja
quanto à prática, pela administração de atos quase judiciais- decisões de aplicação de coimas,
de resolução de litígios, ou de fixação de indemnizações, por exemplo. Note-se porém que,
como veremos melhor, o ETAF, ao contrário do que acontecia antes de 2002, atribui aos
tribunais administrativos a competência para conhecer litígios relativos à responsabilidade civil
extracontratual pelo danos causados no exercício da função politica, legislativa e jurisdicional-
o que deve ser interpretado como mais um alargamento da jurisdição administrativa a
matérias que substancialmente não são administrativas.
Como o conceito substancial de ato administrativo inclui logicamente uma nota orgânica, põe-
se a questão de saber se o domínio da justiça administrativa abrange, ou não, as questões
suscitadas no âmbito das relações substanciais de direito administrativo, quando nelas
intervenham órgãos ou entidades que não integram a Administração em sentido organizatório.
Deve entender-se a partir do art212º, n3 da CRP, que as questões relativas a qualquer
atividade pública em matéria administrativa, mesmo que proveniente de entidades não
administrativas, integram substancialmente a justiça administrativa, sem prejuízo de a lei as
poder atribuir a outra ordem judicial. A questão estará hoje mais esclarecida, tendo em conta
que o CPA adotou uma definição substancial de ato administrativo (art148º), que abrange
quaisquer decisões no exercício de poderes jurídico-administrativos. O conceito de
administração em sentido organizatório levanta problemas em zonas de fronteira, mas tende a
abranger todas as entidades, mesmo sob forma privada, que desempenham atividades
administrativas de interesse publico sob direção pública- note-se que a lei portuguesa
equipara expressamente as empresas públicas a entidades administrativas para efeitos de
sujeição à jurisdição administrativa dos litígios respeitantes ao exercício de poderes de
autoridade. Também para efeitos de responsabilidade civil, o regime aprovado pela Lei
nº67/2007 determina que as disposições que regulam a responsabilidade por danos
decorrentes do exercício da função administrativa são aplicáveis à responsabilidade civil de
pessoas coletivas de direito privado por ações ou omissões que adotem no exercício de
prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito
administrativo (art1º, nº5). E na mesma linha, o próprio CPTA, ap definir atos impugnatórios
faz atualmente referência às decisões de autoridades não integradas na administração publica
e entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos (art51º, nº1).
São diversos os tipos de relações jurídicas administrativas que podem ser objeto de várias
classificações doutrinais. Importa hoje sublinhar, que as relações jurídicas, as que ligam os
particulares à Administração, são cada vez menos frequentemente relações simples ou
bipolares, em que há apenas dois sujeitos ou dois polos de interesse (um ativo, outro passivo),
multiplicando-se as relações complexas ou multipolares, em que se confrontam mais de dois
sujeitos com interesses distintos e muitas vezes contrários- esta realidade, bem visível por
exemplo no âmbito da atividade concursal, prolifera atualmente em matéria urbanística e de
ordenamento do território ou de regulação económica, e nem sempre é totalmente captada
pela perspetiva da atividade, mesmo através da nova figura do “ato administrativo com efeitos
em relação a terceiros” ou “ato administrativo de duplo efeito”.
i)as posições jurídicas substantivas implicam sempre uma intenção normativa de proteção
efetiva de um bem jurídico, próprio de determinado particular, seja em 1ª linha se já em 2ª
linha, em complemento de um interesse público primacial. A intencionalidade, o conteúdo
objetivo favorável e o grau de efetividade hão-de resultar da interpretação da norma de
direito substantivo que regula a relação jurídica, devendo presumir-se a intenção protetora
quando uma norma de direito objetivo seja necessária ou adequada ao favorecimento de
determinados interesses particulares. II) os interesses simples ou de facto representam
vantagens genéricas para os administrados ou então específicas de pessoas determinadas ,
mas que encaradas do ponto de vista da norma reguladora, são vantagens ocasionais ou
puramente reflexas relativamente ao interesse público- mesmo que se trate de interesses
diferenciados cujos titulares gozem, face à lei processual, de legitimidade impugnatória, por se
encontrarem numa situação que lhes confira interesse direto e pessoal na anulação de um ato
administrativo.
Por outro lado, dentro do conjunto das posições jurídicas substantivas, há uma certa variedade
típica e não-categorial em face da continuidade gradativa das figuras do “direito subjetivo” e
do “interesse legalmente protegido”. Assim temos: I) direitos subjetivos: a) direitos
transitivos ou de natureza obrigacional, sobretudo no contexto de uma administração social,
que é em grande medida uma “administração de prestações”- pense-se, por exemplo, nos
direitos sociais como os direitos às prestações da segurança social ou aos subsídios para o
exercício de atividades económicas ou de interesse social ou cultural, mas também nos direitos
a prestações decorrentes do dever estadual de proteção efetiva dos direitos, liberdades e
garantias dos particulares . b) direitos intransitivos ou absolutos: a que correspondem, do lado
da administração pública, deveres gerais de abstenção e de respeito: desde logo as liberdades
e determinados direitos fundamentais dos cidadãos, relativamente aos quais a constituição
impõe a abstenção pública, que ganham relevância ao nível administrativo através da
conceção das normas constitucionais que os consagram como direito imediatamente aplicável;
depois os direitos públicos reais, como por exemplo os direitos de uso normal do domínio
público estabelecidos por lei; c) direitos potestativos: que são poderes unilaterais, de provocar
inelutavelmente a constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas aos quais
corresponde uma sujeição do lado passivo, como por exemplo o direito ao voto, o direito de
aceitar ou renunciar a mandato público, bem como os direitos de iniciativa de procedimento
ou de ação administrativa. II) direitos limitados : há graus de densidade normativa, que se
repercutem em graus de efetividade; a) existem de facto direitos condicionados que não
gozam de uma tutela plena: i)sejam os direitos condicionados em sentido estrito-
designadamente os direitos atribuídos por atos administrativos, mas sujeitos a condição
suspensiva ou a uma atuação procedimental integrativa da eficácia; ii) sejam os direitos
enfraquecidos que podem, por força da lei ou por força de ato administrativo com base na lei,
ser sacrificados através do exercício legítimo de poderes da autoridade administrativa- por
exemplo, o direito de propriedade face ao poder de expropriação ou ao poder de
planeamento, o próprio direito do funcionário ao vencimento face ao poder disciplinar de
suspensão, os direitos de utilização excecional do domínio público, perante os poderes de
gestão dominial, os direitos do concessionário face ao poder de resgate da concessão, o direito
do destinatário de ato favorável sujeito a reserva ou condição resolutiva. Iii) sejam os direitos
comprimidos, que são direitos limitados por lei em termos de necessitarem de uma
intervenção administrativa, unilateral ou contratual, que permita o seu exercício- por exemplo
direitos ou liberdades dos particulares que dependam de autorização administrativa, como a
liberdade de exercício da profissão que dependa da inscrição numa ordem profissional, ou a
liberdade de circulação automóvel dependente da obtenção da carta de condução ou para a
saída para o estrangeiro, da emissão de passaporte. Iv) sejam os direitos incompletos, que,
sendo mais que expetativas jurídicas, resultam da vinculação material de decisões
interlocutórias em procedimentos complexos, por exemplo os direitos ao licenciamento
resultantes da aprovação do projeto de arquitetura no procedimento de licenciamento de
obras particulares.
b)por sua vez há ainda “direitos prima facie”, isto é, posições subjetivas públicas em que estão
em causa diretamente e em primeira linha interesses próprios de particulares individualizados
, mas cujo conteúdo não esta perfeitamente determinado na lei, dependendo para se
tornarem definitivos e exercitáveis, de uma concretização ou densificação por parte da
autoridade administrativa. III)interesses legalmente protegidos: na fronteira entre interesse
legitimo por um lado e interesse simples ou de facto, por outro, operou-se uma evolução que
favoreceu a ampliação do conjunto das posições jurídicas substantivas: a)interesses
decorrentes da juridificação do poder discricionário- designadamente a necessidade de a
Administração atuar em conformidade com princípios gerais, como o da imparcialidade, de
igualdade, da justiça, da proporcionalidade, da racionalidade, da boa-fé e da proteção da
confiança legítima; b) interesses que se tornam relevantes no quadro das relações jurídicas
poligonais ou multilaterais- os particulares que não são destinatários diretos dos atos podem
ter um interesse no cumprimento, por parte da administração, das próprias normas legais que
indiretamente protegem os seus interesses- quer esses interesses sejam convergentes ou
divergentes relativamente aos interesses dos destinatários dos atos. C)interesses semi-
diferenciados, como por exemplo, os “interesses coletivos”- enquanto interesses de
associações na defesa de interesses gerais dos associados- e os “interesses locais gerais”
enquanto interesses da generalidade dos residentes numa determinada circunscrição
relativamente ao bens do domínio público (art68º nº1 e nº2, alínea b) e 186º, nº1, alínea b));
d) “interesses difusos” (constituição art60º, 66º, 78º; cpa artigos 68º, nº2 e 186º), embora
estes muitas vezes acabem por revelar como direitos individualizados ou de entidades
coletivas, quando não são vistos exclusivamente como direitos procedimentais; e) interesses
de “baixa normatividade”, decorrentes de certas formas de regulação administrativa (diretivas,
standards, recomendações, etc), que têm uma relevância jurídica limitada (soft law), em
grande medida em função do principio da proteção da confiança legitima, conferindo em regra
meros direitos a indemnização, bem como expetativas jurídicas e interesses de facto que
quando sejam afetados de forma especial e anormal pela atividade administrativa, podem dar
lugar a uma compensação “indemnização”) pelo sacrifício em função do principio da igualdade
perante os encargos públicos.
Seja qual for a sua génese, os tribunais arbitrais constituem nos termos do art209º, nº2 da
Constituição, categorias reconhecidas de tribunais , que exercem a função jurisdicional, ainda
que não sejam órgãos de soberania e os juízes-árbitros sejam cidadãos- configuram por isso,
uma situação constitucionalmente prevista de exercício de poderes públicos por privados. O
CPTA acrescenta, que quando decidam sobre questões de legalidade, os “árbitros decidem
estritamente sobre o direito constituído
Em resumo, a interpretação mais razoável do preceito constitucional parece ser a de que visa
apenas consagrar os tribunais administrativos como os tribunais comuns em matéria
administrativa. Foi essa a interpretação que esteve na base da Reforma legislativa de 2002,
que redefiniu o âmbito da jurisdição administrativa em termos que não coincidem
inteiramente com a definição substancial da justiça administrativa determinada pela
Constituição.
São atribuídas pela CRP à jurisdição constitucional, por exemplo, determinadas competências
relativas a matéria administrativa, seja no que respeita a questões eleitorais, seja sobretudo
no que concerne à fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas administrativas: i)
julgar certos processos em questões eleitorais comuns, incluindo as impugnações de atos
administrativos praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por órgãos da
administração eleitoral- art223º, nº2 alínea c), da constituição e o art8º da Lei do Tribunal
Constitucional (Lei nº28/82 de 15 de Novembro, alterado, entre outras, pela Lei orgânica
nº85/89, de 7 de setembro); ii) declarar com força obrigatória geral a inconstitucionalidade ou
a ilegalidade de normas administrativas com fundamento em violação direta da Constituição
ou de estatutos regionais –art281º, nº1 alíneas a),c) e d) da CRP e o art72º, nº2 do CPTA. B)
também não cabe na justiça administrativa a resolução de questões da legalidade financeira da
atuação administrativa, tal como decorre das contas dos entes públicos: o julgamento das
contas das entidades públicas cabe, por determinação constitucional, ao Tribunal de Contas,
ainda que nos termos da lei respetiva- art214 CRP. C) está também constitucionalmente
atribuído, ainda que de forma global e indireta, pelo art8ºm nº3, o conjunto de questões de
direito administrativo que pertencem à jurisdição de tribunais internacionais, em especial ao
tribunal de justiça e ao tribunal geral da união europeia, no âmbito da aplicação do direito da
união europeia- quer se trate de questões prejudiciais, relativas à interpretação das normas
comunitárias, quer se trate de questões julgadas a título principal, designadamente no âmbito
das relações diretas entre a administração comunitária e entidades ou empresas nacionais.
D)por fim, pode considerar-se que a previsão da existência de tribunais arbitrais também
constitui de algum modo uma compressão constitucional da reserva judicial dos tribunais
administrativos, cuja concretização é feita pelo legislador ordinário (desde logo, no CPTA) ao
definir as matérias administrativas suscetíveis de ser cometidas, em primeira instância, à
juridição arbitral.
É essa definição realiza-se no plano legal, a par de normas que visam caracterizar o conteúdo
da cláusula geral estabelecida pela constituição, são de destacar, por outro lado, os preceitos
que implicam a diminuição, por subtracção, do âmbito da jurisdição administrativa, e, em
contrapartida, outros que produzem a sua aplicação, por atribuição aos tribunais
administrativos do julgamento de questão que, não lhes caberia substancialmente conhecer.
O ETAF começa por reafirmar, no art.1, a cláusula geral estabelecida na constituição p, que
define a competência dos tribunais administrativos de um ponto de vista substancial,
referindo-a aos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.
Uma enumeração positiva é uma enumeração negativa, que referem os litígios cuja solução
compete ou não compete aos tribunais administrativos, circunstâncias que compete eliminar
algumas dúvidas e determinar com mais exactidão o âmbito da respectiva jurisdição.
Tal não significa, que não subsistam problemas quanto a esse âmbito, seja porque as
enumerações são exemplificativas, seja porque, sendo impossível, uma identificação de todos
os litígios ou até a sua classificação exaustiva, utilizam conceitos que carecem de precisão, seja
ainda porque não prejudicam a existência de legislação especial divergente.
2.1.1 - a generalidade das alíneas do n1 do art.4 - com excepção da parte das alíneas f) e g),
relativas a matéria de contrato e de responsabilidade civil- visa apenas a concretização positiva
do conceito de " Litígios emergentes das relações jurídicas administrativas", não levantando
problemas de maior.
O conteúdo as alíneas deve entender-se, por regra, delimitando em função da cláusula geral
do n1 : a partir de 2015 ficou expressamente afirmado, quanto à tutela de direitos
fundamentais referida na alínea a), que só cabe aos tribunais administrativos no âmbito das
relações jurídicas de direito administrativo, e quanto às relações jurídicas inter-administrativas
apontadas na alínea k), que abrangem tão só aquelas que se desenvolverem sob a égide do
direito administrativo. A preocupação legal de delimitação do âmbito da jurisdição através da
referência aos " poderes administrativos" e ao regime de "direito público" naquelas alíneas
que possam abranger atos jurídicos praticados por sujeitos privados, por exemplo, a alínea d),
sobre a fiscalização de legalidade de normas e atos jurídicos, e a alínea h), em matéria de
responsabilidade civil extracontratual.
Com alínea a), relativa a tutela de direitos fundamentais que antigamente se considerava exigir
a intervenção da jurisdição comum, para ser de máximo alcance. E mesmo que se diga da
alínea k), relativamente às violações cometidas por entidades públicas valores e bens
constitucionalmente protegidos, por acção ou omissão.
A) quanto aos contratos, esse alargamento é evidente na alínea e), em que se confere aos
tribunais administrativos competência para julgar litígios que tenham por objecto de validade
de atos pré-contratuais e a interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou
de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre a contratação
pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes.
B1) a alínea f) atribui expressamente aos tribunais administrativos o julgamento das questões
relativas à responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público,
incluindo pelos danos resultantes do exercício das funções políticas, legislativa e jurisdicional.
Não há quaisquer dúvidas sobre o carácter aditivo deste segmento do preceito, que avulta
ainda mais quando comparado do a lei anterior de 2002, que excluía expressamente o
respectivo julgamento da jurisdição administrativa, bem como com a exclusão, que se
mantém, do conhecimento da impugnaçãodos atos políticos e legislativos ( al.a) do n3).
Nota-se que a referencia à função jurisdicional só é, aditiva no que respeita à apreciação pelos
tribunais administrativos das acções de responsabilidade por erro judiciário cometido por
tribunais administrativos, pois que a responsabilidade pelos danos resultantes do
funcionamento ilícito da administração da justiça, sobretudo na medida em que esteja em
causa a ofensa ao direito a uma decisão em prazo razoável, envolve a resolução de questões
de direito administrativo, tal como acontece na alínea C), que inclui litígios relativos à validade
dos atos em matéria administrativa dos tribunais, mesmo dos judiciais.
E, não há qualquer razão para duvidar de que os tribunais administrativos passaram a ser
componentes para conhecer da responsabilidade das pessoas coletivas públicas por atos de
gestão privada, mesmo que o regime aplicável seja o estabelecido.
Esgrimir-se com o elemento histórico e com a comparação com a alínea h), que limita o
conhecimento pelos tribunais administrativos das acções de responsabilidade de sujeitos
privados - entre os quais parecem estar incluídos os " entes privados administrativos" e os
privados que exercem poderes públicos, designadamente os concessionários - em função de
aplicabilidade do regime substantivo específico da responsabilidade de direito público.