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Sérgio Cardozo
Rodrigo Sá Leitão de Abreu Pinto (Turno: Tarde)
Por mais que tenhamos insistido no passo além dado por Aristóteles, ainda
estaríamos muito próximo dos regimes propostos por Platão. Como insistia
alguém como Werner Jaeger, Aristóteles pareceria nunca ter se livrado
totalmente dos seus vinte anos como membro da Academia de Platão. Fazendo
coro à G.E.L. Owen, que sempre criticava tal posição de Jaeger, Wolf nos
lembraria que é cedo demais para postular esta paridade. Para além do suposto
convencionalismo do primeiro critério, é o segundo critério posto por
Aristóteles que constitui a dimensão fundamental de sua originalidade. Para
além da pergunta “quem governa?”, é preciso indagar: “qual a finalidade da
comunidade política e da forma específica de poder que lhe corresponde ?”. As
respostas estão vinculadas a existência de regimes “que visam a vantagem
comum” ou que “visam apenas o interesse dos governantes ”. Esta dualidade
traça uma linha demarcatória entre os regimes verdadeiramente políticos, uma
vez que realizam a essência da cidade (isto é, visar a felicidade dos seus
membros), e os falsos regimes políticos (vocacionados ao despotismo). Esta
entificação entre “verdadeiro” e “falso” indica, sobretudo, uma avaliação que é
efetuada pelo segundo critério. Enquanto o primeiro (número dos governantes)
não executa esta decantação, o segundo realiza a partir do critério da justiça:
os regimes verdadeiros são “formas retas segundo o justo no sentido absoluto”.
Deste modo, a justiça depende menos da maneira pela qual o poder é
distribuído do que do fim com vistas ao qual ele é exercicido (no melhor dos
casos: o interesse geral). Como reconheceu Wolf: “a “justiça absoluta” de um
regime não depende do primeiro critério (da resposta à pergunta: “quem
governa?”), mas do segundo (da resposta à pergunta: “com vistas a quem, ou a
quê, se governa?”).”
Wolf costuma sublinhar este ponto pois, uma vez que perseveremos nele
enquanto a peculiaridade maior do pensamento políticos de Arisóteles, é
possível afirmar que “a política aristótelicas é “democrata”, bem como o
pensamento da democracia aristotélica, independentemente daquilo que o
próprio Aristóteles (o aluno de Platão e o mestre de Alexandre) pudesse pensar
a respeito.” No fundo, Wolf compreende aquilo que Kant certa vez enunciara:
“Não raro acontece, tanto na conversa corrente como em escritos,
compreender-se um autor, pelo confronto dos pensamentos que expressou
sobre seu objeto, melhor do que ele mesmo se entendeu, isto porque não
determinou suficientemente o seu conceito e, assim, por vezes, falou ou até
pensou contra sua própria intenção.” Neste sentido, vergar o texto aristótelico
significa voltâ-lo contra o seu próprio autor. Contorcê-lo até o ponto em que ele
revela sua força insurrecta “independente daquilo que o próprio Aristóteles
pudesse pensar a respeito.”