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489-SP
Determinada concessionária pratica serviços públicos de captação, adução e distribuição
de água, bem como coleta, tratamento e disposição de esgoto sanitário em todo o território
do município X. Em razão de exercer essas duas atividades, cobra dois preços: um para o
consumo de água; outro, pelo serviço de coleta de esgoto. Os munícipes estão contestando
judicialmente a exigência de remuneração pelo serviço de coleta de esgoto, baseados no
argumento de que referido serviço deveria ser exigido como “taxa”. Pergunta-se:
1
“Se a ordem jurídica obriga a utilização de determinado serviço, não permitindo o atendimento da respectiva
necessidade por outro meio, então é justo que a remuneração correspondente, cobrada pelo Poder Público, sofra
as limitações próprias de tributo”. (Hugo de Brito Machado, “in” Regime Tributário da Venda de Água, Rev. Juríd.
da Procuradoria-Geral da Fazenda Estadual/Minas Gerais, n. 05, p. 11).
Processual Civil e Civil. Serviços públicos de fornecimento de água e esgoto.
Natureza do “preço público”. Competência da eg. Primeira Seção (1ª e 2ª
Turma). IUJ julgado na Corte Especial, em 5.5.2004. Prescrição vintenária.
Art. 177 do Código Civil de 1916. Precedentes do STJ e STF. - Os serviços
públicos de fornecimento de água e esgoto, essenciais à cidadania, se
caracterizam pela facultatividade e não pela compulsoriedade, prestado
diretamente pelo Estado ou por terceiro, mediante concessão, submetendo-se
à fiscalização, princípios e regras condicionadores impostos pelo ente
público, e por isso remunerados por tarifas ou preços públicos, regendo-se
pelas normas de direito privado. - Competência da Primeira Seção do STJ. -
A prescrição da ação para cobrança de preços públicos rege-se pelo art. 177,
caput, do Código Civil de 1916, sendo, portanto, vintenária. - Precedentes do
STJ. - Recurso especial conhecido, mas desprovido.2
2
STJ – RESP 149.654-SP, Relator: Min. Francisco Peçanha Martins, 2ª Turma, Data de Julgamento: 06/09/2005,
Data de Publicação: DJ 17/10/2005.
3
STJ – ERESP 690.609-RS, Relatora: Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, Data do Julgamento: 26/03/2008,
Data da Publicação: DJ 07/04/2008.
4
Paulsen, Leandro. Curso de direito tributário completo – 8.ed. – São Paulo: Saraiva, 2017, pág. 37
compulsória e, portanto, é tributo (taxa). Entretanto, tendo em vista que o STF decidiu que a
exação tem natureza de tarifa ou preço público, pois o serviço público prestado é por
concessionária e facultativo, o STJ mudou de posicionamento, adotando o mesmo do STF.
d) Há alguma diferença se este valor for arrecadado pelo poder público e o serviço for
realizado por concessionário?
Sendo o serviço público prestado diretamente pelo Poder Público, perceba que haverá
ainda mais um argumento em favor da definição do valor despendido como taxa: altera-se,
5
STJ - REsp: 818649 MS 2006/0028656-0, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento:
06/04/2006, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 02.05.2006 p. 273
definitivamente, o sujeito ativo da relação, estabelecendo-se verdadeiro vinculo jurídico
tributário. Neste sentido, enquanto prestador direto do serviço de coleta de esgoto ou
distribuição de água seja o Poder Público, a figura do usuário altera-se definitivamente para de
contribuinte e o vínculo contratual estabelecido entre ambos abandona a esfera das relações
privadas - relação de consumo – adentrando na seara pública, enquanto verdadeiro liame
tributário.
Neste caso o esgoto, sendo coletado por concessionária, ante a faculdade de sua
prestação – embora na prática seja compulsoriedade -, torna-se ainda mais nítida a formação da
relação jurídica não tributária entre os munícipes, a concessionária e a municipalidade, razão
pela qual os valores pagos devem ser rotulados como tarifa ou preço público, submetidos ao
código civil.
Resposta:
Em primeiro lugar, há de se ressaltar no que consiste a outorga onerosa (ou direito de construir).
Trata-se de instituto jurídico estatuído nos arts, 28 a 31 do Estatuto da Cidade, que consiste em
autorização administrativa engendrada pelo Poder Público Municipal (haja vista ser atribuição
da Municipalidade as diretrizes urbanísticas de desenvolvimento, na forma do art. 182, CF) para
se edificar solos artificiais acima de coeficiente básico estatuído pelo plano diretor, mediante
contrapartida financeira paga ao ente municipal6. Referido coeficiente, portanto, previsto no
plano diretor municipal, institui “limite” ao uso do direito de propriedade (que não se apresenta
como direito absoluto), haja vista que a edificação de solo deve respeitar a parametrização
máxima estabelecida. Trata-se de medida cuja finalidade é “limitar e redirecionar o
adensamento do solo urbano”.
6
DIAS, Gilka da Mata. Cidade Sustentável – Fundamentos legais, política urbana, meio ambiente e saneamento
básico. Natal: Ed. do autor, 2009. p. 255.
Como se sabe, o tributo é “toda prestação pecuniária compulsória”, estabelecido no
art. 3º do CTN. Significa dizer que, como bem elucida Paulo de Barros Carvalho, o
“comportamento obrigatório de uma prestação em dinheiro, afastando-se, de plano, qualquer
cogitação inerente às prestações voluntárias (que receberiam o influxo de outro modal – o
‘permitido’)”7.
concessionário de serviço público (ou da obra pública) explora o serviço (ou a obra
pública) mediante tarifas que cobra diretamente dos usuários, sendo daí que extrai,
basicamente, a remuneração que lhe corresponde. Isto não exclui a possibilidade de
que sejam também previstas outras fontes de recursos para compor- lhe a remuneração
[...] A tarifa será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada
pelas regras de revisão previstas na lei, no edital e no contrato (art. 9º).
7
Curso de direito tributário, 23ªed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 57.
8
STF - RE 387047/SC. Pleno. Rel. Min. Eros Grau. DJe em 02/05/2008.
9
Curso de Direito Administrativo, 27ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 734-735.
Com efeito, a tarifa decorre de uma relação contratual, estabelecida entre o Poder
Público e aquele que explora o serviço delegado (essencial e privativo). Por assim dizer, não
há, também, que se confundir com a outorga onerosa. Em que pese o uso do serviço público
ofertado também constituir faculdade do usuário, veja que o sujeito ativo dessa relação não é a
Municipalidade, credora dos valores que forem pagos em razão do direito de construir.
Dessa forma, o sujeito ativo, titular do preço público, também é o particular, a mesma
razão que o afasta da delimitação quanto à natureza jurídica da outorga onerosa que se tratou
em relação à tarifa.
O ônus, por fim, consiste em um encargo que pode ser exigido de um sujeito jurídico
no interesse do outro, contudo, este outro não está autorizado a impor à parte a ele vinculada,
coativamente, o seu cumprimento. O descumprimento do ônus, dessa forma, não acarreta
coação ou indenização caso não prestado, razão pela qual o sujeito deve contentar-se em
suportar a perda de uma melhor posição jurídica ou qualquer outra desvantagem jurídica10.
10
GRAUS, Eros. Nota sobre a distinção entre obrigação, dever e ônus. Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, n. 77, jan./dez. 1982, p. 181-182. Ainda, segundo o autor: “O ordenamento jurídico
não impõe o cumprimento da Obligenheit como um dever, categoricamente, mas apenas hipoteticamente. Quando
a pessoa vincula pela Obliegenheit deseja evitar a desvantagem, deve cumprir a prestação que àquela corresponde;
se não desejar cumpri-la, tem de se conformar com um a certa desvantagem jurídica, sem que ninguém possa
porém censurá-lo por ter ele se conduzido contra a lei”.