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Resumo
Os estudiosos da psicologia econômica estão em dificuldade. O sistema afetivo e
vêm tentando estabelecer a relação entre o a solidariedade econômica no âmbito da
consumo e o comportamento. Compreen- família influenciam de forma significativa
der as emoções que as pessoas experien- na tomada de decisão.
ciam e as influências, na hora de consumir,
ou de postergar o consumo torna-se funda- Palavras-chave: Envelhecimento Humano.
mental quando se analisa a tomada de de- Psicologia Econômica. Crédito Consignado.
cisão. O crédito consignado tem sido uma Endividamento.
modalidade de empréstimo muito utiliza-
da pelos idosos e, se por um lado sinaliza
acesso fácil, por outro implica em endivi-
damento. O objetivo do artigo é verificar os Introdução
motivos que levam o aposentado a tomar
o crédito consignado. O estudo descritivo É crescente o número de aposentados
tem abordagem qualitativa e apresenta a da previdência social no Brasil que recor-
análise de conteúdo resultante de 12 entre- re ao empréstimo consignado1. O crédito,
vistas realizadas com idosos aposentados que mais tarde foi chamado de crédito
que haviam tomado crédito consignado no consignado, é muito utilizado, principal-
município de Não-Me-Toque (RS). Conclui
mente pelos aposentados e pensionistas
que os aposentados pesquisados tem incor-
porado a possibilidade de tomar o crédito do Instituto Nacional do Seguro Social
consignado como uma escolha cotidiana e (INSS), como destacam Rodrigues et
declaram ser autônomos na decisão, ainda al. (2005). O valor tomado é descontado
que na maior parte das vezes assumam o diretamente do benefício previdenciário
endividamento para auxiliar familiares que
*
Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade de Passo Fundo. Endereço: Rua Pedro Augustin nº
220, Não-Me-Toque (RS) - CEP 99470-000 E-mail: bruna_o_s@hotmail.com.
**
Economista. Mestre em Economia (Ufrgs). Doutora em Teoria Econômica (USP). Professora titular da
Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis (Feac) e docente permanente do Programa
de Pós-Graduação em Envelhecimento Humano (ppgEH), Universidade de Passo Fundo (UPF). E-mail:
moretto@upf.br.
http://dx.doi.org/10.5335/rbceh.2014.3978
Recebido em: 19/05/2014. Aprovado em: 01/08/2014
e não deverá ultrapassar 30,0% do valor marano e Pasinato (2004) destacam que
do benefício total. Os autores observam para os formuladores de políticas sociais
que várias pesquisas foram realizadas, predominam tanto aspectos relacionados
visando mapear as motivações dos em- com a condição em determinada idade de
préstimos e apontaram que a finalidade sua vida quanto em algum ponto do ciclo
dos recursos advindos de empréstimos de vida social.
consignados seria o pagamento de dí- A velhice, fase em que grande parte
vidas, contraídas com juros mais ele- dos aposentados está incluída, como des-
vados, e para o consumo. Porém, como tacam Almeida, Mochel e Oliveira (2011),
qualquer modalidade de crédito, alertam deve ser estudada e compreendida, consi-
os autores, o crédito consignado pode derando a sua multidimensionalidade e
gerar o endividamento, resultando em a forma que essas pessoas convivem com
efeitos adversos, inclusive risco moral2. mudanças físicas, cognitivas, de papéis
No caso do aposentado ou pensionista, sociais e familiares, de perdas e ganhos,
como não existe rescisão de contrato, o no ambiente sociocultural onde ela é
valor possui melhor retorno por parte vivenciada. É justamente nessa fase de
das instituições financeiras. O apelo ao perda de autonomia, na qual a família,
aposentado, normalmente pessoa idosa, principalmente os filhos, passa a ter
tem sido rotineiro nos correspondentes um papel fundamental nas decisões re-
bancários em geral. lacionadas ao idoso. Saad (2004, p. 170)
Ainda que a alusão aos aposentados afirma que, enquanto ocorre uma inten-
não implique necessariamente tratar de sificação do processo de envelhecimento
pessoa idosa, observa-se uma aproxima- populacional, confirma-se que no Brasil
ção da condição de aposentado às pessoas existe um contexto de medidas limita-
com mais de 60 anos de idade. Schneider tivas à transferência de ajuda de filhos
e Irigaray (2008) afirmam que, ainda adultos a pais idosos, instalando-se uma
que os estudiosos da área classifiquem situação de dependência do idoso em
os indivíduos em três categorias de ido- relação à família que começa a tornar-se
sos, idosos jovens (65-74 anos), idosos motivo de especial preocupação.
velhos (75 a 84 anos) e idosos mais velhos Os filhos são os primeiros para quem
(mais de 85 anos), o envelhecimento os idosos pedem auxílio para lhe darem
não é determinado apenas pelo aspecto suporte, mas quando esses não podem
cronológico, mas resulta de experiências ajudá-los, por diferentes motivos, os ido-
passadas, do modo como os indivíduos vi- sos acabam buscando ajuda com amigos e
vem, se são capazes de gerirem a própria vizinhos. Percebe-se que a questão finan-
vida no presente e de suas expectativas ceira está ligada à saúde e à aposentado-
futuras. Portanto, prevê a integração ria e, mesmo sendo uma renda limitada, é
entre as vivências pessoais e o contexto ela quem garante o mínimo de autonomia
social e cultural, envolvendo natural- (LIMA; SILVA; GALHARDONI, 2008).
mente diferentes aspectos, cronológicos, Argumentam que, no caso brasileiro,
biológicos, psicológicos e culturais. Ca- os idosos, ao invés de contarem com os
benefícios das redes de apoio, são cada As escolhas individuais são subje-
vez mais importantes nos domicílios que tivas, influenciadas por características
reúnem três ou mais gerações, sendo res- pessoais e pela experiência passada.
ponsáveis pela manutenção das despesas Qualquer indivíduo, em sua fase de
e pelo suporte para gerações mais jovens. criança, adolescente ou adulto, é afetado,
A família que acolhe o idoso, como argu- como qualquer ser humano, por fatores
mentam Camarano et al. (2004b, p 152), ligados ao seu sistema psicológico: com
também usufrui de sua aposentadoria, ou o idoso não é diferente. Os estudiosos
seja, quando o idoso introduz sua renda da psicologia econômica3 vêm tentando
no ambiente familiar onde está inserido, estabelecer a relação entre o consumo
há um aumento no orçamento da família e o comportamento. Compreender as
que está associado ao crescimento da par- emoções que as pessoas experienciam na
ticipação do benefício social na sua renda. hora de consumir, ou de postergar o con-
Ao falar sobre a família, Camarano, sumo torna-se fundamental quando se
Kanso e Mello (2004a) afirmam que analisa o processo de tomada de decisão.
essa pode ser considerada uma das ins- Como defende Katona, um dos pioneiros
tituições mais importantes e eficientes da psicologia econômica, “o consumidor
em relação ao bem-estar do indivíduo é um ser humano influenciado pela sua
e, também, à distribuição de recursos experiência passada. Suas normas so-
entre os seus membros. Para as autoras, cioculturais, atitudes, e hábitos, assim
a família serve como base e, na mesma como o seu pertencimento a grupos,
lógica das relações entre o mercado e os todos influenciam suas decisões” (1976,
indivíduos, atua por meio da interme- p. 218, tradução nossa). Ao tratar do
diação de recursos, ou das relações entre que o autor denomina “família moderna”
o Estado e o indivíduo, redistribuindo como atributo para consumidor, Katona
renda direta e indiretamente. destaca que a tomada de decisão é nor-
Pode-se deduzir que uma maior malmente uma questão familiar, na qual
atenção deve ser oferecida aos idosos, os membros importam, assim como os
não somente no ambiente familiar, mas estágios do ciclo de vida e renda, o que
também por parte das instituições de define a quantidade de bens comprados
crédito e a sociedade em geral. No que e a adequação dos meios disponíveis
diz respeito à preocupação com o bem- para prover as necessidades de despesas.
-estar, como argumentam Ceshin, Al- Esses fatores são avaliados também em
quati e Ximenes (2012, p.2), “resultados relação à tomada de crédito.
de pesquisas apontam que, tanto para O município de Não-Me-Toque,
os homens como as mulheres, para viver localizado no estado do Rio Grande do
com qualidade o idoso precisa, além de Sul, tem uma população de 15.936 mil
ter saúde, participar das atividades de habitantes (IBGE, 2011). Desses, 2.255
lazer e ter boas condições financeiras”. (14,1%) tem mais de 60 anos de idade.
Portanto, a dimensão financeira é deter- Com a ampliação do acesso ao crédito
minante da qualidade de vida dos idosos. por meio do empréstimo consignado,
visto anteriormente, essa realidade vai são crianças e os pais receberiam essa
ao encontro das constatações aponta- ajuda nas idades mais avançadas. Na
das por Camarano et al. (2004b), que maioria dos relatos, os aposentados
chamam a atenção para o papel das informam nunca terem precisado pe-
famílias extensas ou estendidas5. Essas dir ajuda aos filhos. Em poucos casos,
podem incluir, além dos filhos, os netos eles comentam que os filhos que mora-
ou outros parentes próximos, como pode vam na mesma residência contribuíam
ser observado pela fala dos entrevistados parcialmente para o sustento.
sobre sua unidade familiar. Camarano, Kanso e Mello (2004a,
Uma aposentada relata sentir-se p. 65) ressaltam que a importância de
sozinha, mesmo morando com o filho. se analisar o rendimento dos idosos está
Outra aposentada informa que mora no no fato de esse representar uma parce-
mesmo terreno em que a neta construiu la importante de sua renda: em torno
uma casa e, pelo relato, pode-se perceber de 37,1% da renda dos homens idosos,
que ela sentia-se segura pelo fato de a como apontam as autoras, a qual, por
neta residir no mesmo espaço físico. Out- sua vez, tem um significado importante
ra divide a casa com a filha, entretanto, na renda das famílias em que estão in-
destaca que há uma separação física seridos. Cabe destacar, nesses termos, a
no ambiente. Uma das entrevistadas importância da solidariedade familiar,
mora com dois filhos maiores de idade tanto afetiva quanto financeira, que
na mesma casa e com uma neta, e, pela constitui a base das relações familiares.
entrevista, percebe-se que ela não se sen- Como descrevem Oliveira e Silva (2012),
te incomodada com isso, pelo contrário, identifica-se a solidariedade afetiva nas
demonstra gostar da situação. Um dos atividades do cotidiano, citam-se o levar
aposentados relata que o neto prefere e buscar os netos na escola, o levar ao mé-
morar em sua casa antes que na casa do dico e o auxílio nas tarefas domésticas;
próprio pai, que é ao lado da casa dele. já a solidariedade financeira pode ser
Nesse caso, o aposentado assume nitida- notada pelo pagamento de estudos, pela
mente o papel de pai para o seu neto. Os quitação de contas domésticas (água, luz,
aposentados que moram somente com a telefone, condomínio, supermercado) e
esposa são três. Outro entrevistado co- pelos empréstimos em dinheiro.
menta que cuida das netas, que moram Pelo que foi relatado nas entrevistas,
com ele ao invés de morar com os pais, os aposentados sentem-se empoderados,
ou seja, esses idosos que já criaram seus tanto por não precisarem da ajuda dos
filhos agora criam os netos. filhos, quanto por poderem prestar ajuda
As falas sugerem que o aposenta- a eles, corroborando para a presença de
do está vinculado à família e valoriza solidariedade financeira entre os mem-
a presença dos filhos e netos. Essas bros da família. Muitos entrevistados
situações podem ser avaliadas em ter- alegam que nunca pediram ajuda, mas
mos da hipótese da compensação pa- comentam que acreditam que, caso fosse
rental (SAAD, 2004, p. 172): os pais necessário, os filhos ajudariam.
prestam auxílio aos filhos quando eles
Between reason and emotion: making Os nomes que marcam a historia da psicologia
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