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Cidade, patrimônio, herança e inclusão

Em busca de novos instrumentos

Nadia Somekh

Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.211/6825


Galeria Metrópole, 1959/1960. Arquitetos Gian Carlo Gasperini e Salvador Candia
Foto Rafael Schimidt [Fotoarquitetura]

As cidades contemporâneas vêm passando por transformações que podem ser elencadas
apontando a necessidade de ampliar a importância da proteção do patrimônio cultural,
bem como dos espaços públicos, garantindo identidade e democracia urbana. As cidades
brasileiras vêm sendo produzidas em um modelo urbano sem urbanidade. O binômio
demolição/construção resultou em uma verticalização que destruiu o patrimônio da
cidade. As transformações recentes da indústria e a reestruturação produtiva
trouxeram para as nossas cidades a convivência de velhos e novos problemas. Esta
reestruturação deixou áreas, bem equipadas, vazias, ampliando o processo de
expansão e consequente dilapidação dos recursos naturais. Por outro lado
desigualdades sociais persistem principalmente na questão habitacional.
Nesse sentido, entendemos que construção de cidade significa atacar velhos e novos
problemas: ampliar a oferta habitacional de diversas faixas de renda, reduzindo a
gentrificação, (re)estabelecendo uma mobilidade que atenda a redução do aquecimento
do planeta e produzir espaços públicos de qualidade com preservação do patrimônio
histórico, reforçando núcleos identitários e cidadãos globalizados.

Em síntese podemos apontar a chamada globalização e/ou reestruturação produtiva,


que esvazia espaços industriais, portos, orlas ferroviárias e centros históricos,
a novas tecnologias conectando o mundo, o divórcio de política e do poder e a
dissolução de vínculos. A obsolescência produzida pelo capitalismo, fez com que
haja a necessidade de regeneração de tecidos urbanos bem localizados, muitas vezes
de forma espontânea, ou seja a mediação de um projeto.

Entendemos também que a proteção do patrimônio deve ser tratada dentro da questão
urbana. Nos anos 70, o patrimônio histórico foi tratado pelo órgão de planejamento
e, ao longo da sua atuação, foi se fragmentando e se desarticulando da questão
urbana. Dentro desse quadro, como então formular uma política de preservação do
patrimônio cultural levando em conta o desenvolvimento sustentável? Como construir
cidade a partir do patrimônio?

Essas transformações funcionais demandam novas formas de proteção do patrimônio


cultural e histórico. Como se dá a materialização do espaçourbano e como é
apropriado? Como conferir qualidade e inclusão?
O conceito de cidade compacta é defendido por Richard Rogers (1) e foi estabelecido
no Plano Diretor Estratégico – PDE de São Paulo. Consiste em fazer habitar e
concentrar população otimizando os investimentos realizados e reduz o avanço da
cidade sobre zonas com recursos naturais a serem preservados. O limite da cidade
compacta é a urbanidade, aqui entendida como possibilidade de boa convivência
através de espaços públicos democráticos e pré-existências norteadores de memória
e identidade.

A cidade compacta requer um sistema de transporte compatível e inclusivo. O


automóvel e o ônibus são elementos que não contribuem com a constituição de uma
cidade compacta. A cidade compacta pode reduzir a dilapidação dos recursos naturais
e promover a redução do uso do automóvel.

O que debateremos neste trabalho é a utilização do conceito patrimônio ambiental


urbano como elemento de construção de uma cidade democrática, participativa com
urbanidade. Para tanto apontamos alguns instrumentos inovadores tais como a Jornada
do Patrimônio e a Fábrica de Restauro como possibilidades de democratização da
herança urbana.

Estruturamos o trabalho em três partes: uma primeira discute o conceito de


patrimônio ambiental urbano, como recorte teórico para a discussão de projetos
urbanos com inclusão social. A segunda aponta a Jornada do Patrimônio como
instrumento de sensibilização social; e a terceira, a Fábrica de Restauro,
mobilização para a construção de ações de transformação/proteção participativos.

Conceito de patrimônio ambiental urbano


Meu primeiro encontro com o conceito se deu a partir do curso realizado na FAU USP
em 1978 com o mesmo nome. Para Ulpiano Bezerra de Meneses, “Patrimônio ambiental
urbano é um sistema de objetos, socialmente apropriados, percebidos como capazes
de alimentar representações de um ambiente urbano” (2). A sua seleção é determinada
pela sua carga de significação dotada de potencial legitimador, integrador e,
portanto transformador. É necessário ampliar a significação social.
O projeto de futuro de uma cidade deve incorporar “o código de interaçãoque
efetivamente organiza as relações sociais daqueles objetos que fornecem
ingredientes para as imagens da cidade” (3).
Para Eduardo Yázigi (4), o patrimônio ambiental urbano é constituído de conjuntos
arquitetônicos urbanísticos e demais elementos urbanos tendo a inclusão social como
exigência crescente. Para o autor o conceito está em constante transformação e
“deve se configurar como o ser e o porvir”. Retoma a assertiva de Pier Luigi
Cervelati: a preservação do Patrimônio Ambiental não pode existir fora da
preservação social (5). A ideia de monumento e conceito de Patrimônio tout court é
uma ideia construída pela Unesco que deve ser superada, e transformada em “herança”
daquilo que buscamos transmitir às gerações futuras (6).
A superação do conceito de monumento para edifícios e conjuntos de importância
histórica se dá através da Carta de Veneza, de 1964, e é incorporada no Brasil pela
criação do Condephaat em 1968. A Declaração de Amsterdã, de 1975, propõe a
conservação e reabilitação de núcleos urbanos articulada e integrada ao processo
de planejamento urbano. Esses dois documentos tem como projeto ícone a cidade de
Bolonha que ainda coloca a participação e a inclusão social no cerne do seu conceito
de preservação.
A Carta de Nairobi, de 1976, aponta recomendações para a preservação contemporânea
de áreas históricas, apontando a limitação da musealização do patrimônio edificado.
“O documento ainda define ambiente como cenário, seja natural ou criado pelo homem,
que influencia a maneira pela qual as áreas históricas são percebidas ou são ligadas
espacialmente por fatores sociais, econômicos e culturais. As áreas históricas,
objeto do documento, devem ser consideradas como uma totalidade coerente, em que o
equilíbrio depende da inter-relação dos componentes principais, as atividades
humanas, os edifícios, a organização espacial e os arredores” (7).
Dentro desse quadro não se poderia entender a preservação do patrimônio ambiental
urbano fora do planejamento das cidades. Não foi o que se observou no Brasil em
São Paulo. Nabil Bonduki aponta como um dos problemas do balanço da experiência do
BID Monumenta no Brasil a desarticulação dos projetos com a Política Urbana (8).

Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses vai além dessa perspectiva integradora: propõe
que o Ministério ou as Secretarias de Cultura deveriam se responsabilizar não só
pela administração de instituições de eventos “culturais, mas sobretudo na
identificação da dimensão cultural em todas as políticas públicas de um governo”
(9).

No caso de São Paulo a ação municipal de preservação teve sua origem em 1974 na
Coordenadoria Geral de Planejamento – Cogep, entidade instalada originalmente no
gabinete do prefeito, com a lista de bens culturais a serem protegidos solicitados
aos professores Benedito Lima de Toledo e Carlos Lemos, posteriormente incorporada
ao zoneamento a partir da definição das zonas especiais Z8-200 (10). A criação em
São Paulo do Departamento de Patrimônio Histórico – DPH e do Conselho Municipal de
Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental – Conpresp representou
uma fragmentação nesse processo de revisão urbanística que agora começa a ser
retomada.

Tentativas de integração ocorreram antes da constituição do conselho quando da


instituição do Inventário Geral de Patrimônio Ambiental Urbano – Igepac que buscava
incorporação do conceito patrimônio ambiental urbano desenvolvido a partir do curso
da FAU das experiências de Bolonha e recomendações das cartas patrimoniais.

Uma avaliação crítica a respeito dos instrumentos de preservação no nível municipal,


bem como de uma revisão histórica dessas ações aponta a necessidade de busca de
instrumentos financeiros complementares a identificação e tombamento para efetivar
a proteção dos bens preservados.
Entendemos que projetos urbanos podem trazer recursos para a preservação do
patrimônio ambiental urbano desde que sejam constituídos coletivamente. Para isso
elegemos os trabalhos que apontaram caminhos nessa direção.

Grandes projetos urbanos são marca nas cidades contemporâneas e podem considerar
ou não preexistências que se fundamentam na história e na memória urbana. Mas, na
esteira dos movimentos de retomada do espaço público ao redor do mundo, a
transformação urbana pode incorporar as múltiplas formas de apropriação cidadã.

Projetos urbanos podem transformar a cidade contemporânea; a sensibilização e a


construção de cidadania situam o patrimônio como base para um projeto de futuro.

Jornada do Patrimônio, um instrumento de sensibilização social


Em dezembro de 2015, a cidade de São Paulo teve sua primeira Jornada do Patrimônio.
O evento buscou sensibilizar os cidadãos para sua herança material e imaterial
compartilhada, entendida como base para a elaboração de uma identidade comum e
parte de um processo de construção coletiva da cidade.

A jornada paulistana se inspirou na jornada francesa, criada em 1984 pelo Ministério


da Cultura da França com o nome “Jornada de Portas Abertas dos Monumentos
Históricos”. Uma experiência bem sucedida que se espalhou e levou, em 1991, o
Conselho da Europa a oficializar as “Jornadas Europeias do Patrimônio”. Hoje,
cinquenta países do continente participam desse evento. A partir de 2000, o nome
foi adotado também pela jornada francesa, concretizando um único grande evento que
ocorre em diversos lugares simultaneamente.

Na França, a estratégia foi adotar um tema geral anual, desenvolvido na capital e


nas outras cidades, constituindo-se em um momento privilegiado para a população
visitar espaços usualmente fechados ao público e conhecer ações de valorização de
edifícios patrimoniais, tanto públicos quanto privados. Dentre os temas definidos
destacamos: “Patrimônio e Literatura” (1996), “Patrimônio, Festas e Jogos” (1997),
“Patrimônio do Século 20” (2000), “Ofícios do Patrimônio” (2007) e “Patrimônio do
Século 21” (2015).

Segundo o Ministério da Cultura francês, o sucesso do evento se deve à grande


diversidade do patrimônio proposto aos visitantes: são abertas à visitação obras
puras da arquitetura civil ou religiosa, há testemunhos das atividades industriais
e agrícolas, parques e jardins, sítios arqueológicos, objetos, patrimônio
literário, imaterial, além de oficinas de atividades infantis nos espaços. As
crianças aprendem a moldar ornamentos, escrever ou decifrar documentos históricos
a partir de visitas aos arquivos gerais, entre outras atividades.

Na versão paulistana, introduzimos uma inovação a partir da experiência, na


Secretaria Municipal de Cultura, da Virada Cultural, evento anual que dura um final
de semana e tem diversas atividades artísticas gratuitas para a população. Ao
trazer apresentações artísticas para a Jornada, foi possível atrair um público mais
diverso ao patrimônio, além de celebrar o patrimônio imaterial que se expressa
nessas manifestações artísticas locais.

Toda a programação de samba, como a apresentação do Tobias da Velha Guarda da


Escola de Samba Vai-Vai na Vila Itororó (construída no começo do século 20, como
uma solução de moradia coletiva), destaca a importância e a peculiaridade do samba
paulistano, que foi registrado como patrimônio imaterial da cidade em 2013. Entre
outras atrações do samba em imóveis patrimoniais, tivemos Samba da Vela, a roda de
samba mais antiga ainda em vigor na cidade (na Biblioteca Prestes Maia, de 1965,
em frente ao antigo Mercado de Santo Amaro), entre outras atrações desse tipo.
O poeta paulistano Mário de Andrade, um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna
e precursor da ideia da cultura popular como patrimônio, também foi homenageado no
evento. No hall de Theatro Municipal (inaugurado em 1911) tivemos a apresentação
de “Bach a Bachianas”, com Mário de Andrade interpretado pelo ator Pascoal da
Conceição acompanhado de Rosana Lancelotti ao piano forte. Em frente ao edifício
da prefeitura, Marília Vargas cantou marchinhas imperiais recolhidas por Mário de
Andrade.

Xis, SNJ, Z’África Brasil, Lurdez da Luz, Rashid, Dexter e Thaide em apresentação no
Theatro Municipal
Foto divulgação
Dentro da ideia da ampliação e democratização do conceito de patrimônio, a Jornada
trouxe apresentações ligadas ao hip hop, movimento que já é reconhecido
popularmente como uma manifestação emblemática da cultura paulistana. E como
exemplo da programação relativa às religiões de matriz africana, a Casa Sertanista
– casa de taipa do século 17 – recebeu a Cia. Treme Terra, que fez uma intervenção
de música, dança e performance chamada “Macumba Jam”.
Para valorizar as 22 companhias de teatro que, assim como o samba, foram registradas
como patrimônio imaterial paulistano, a Jornada teve a apresentação de 26 peças
dessas companhias durante o final de semana em edifícios de valor histórico e
patrimonial, como o Teatro Municipal, a Casa do Povo (espaço de sociabilidade
fundado por judeus migrantes do Leste Europeu e que serviu como local de resistência
à Ditadura), Solar da Marquesa (raro exemplar de residência urbana do século 18) e
o Tribunal de Justiça de São Paulo.
Esses são apenas alguns exemplos da programação, que também teve uma parte especial
para crianças. Foram mais de noventa espetáculos, peças, oficinas em edifícios ou
locais históricos. Alguns desses edifícios abertos ao público pela primeira vez,
como a casa de Vilanova Artigas no Campo Belo, da família do arquiteto, e a casa
de Nhonhô Magalhães, propriedade do Shopping Pátio Higienópolis, no bairro de mesmo
nome.

Casa do arquiteto, São Paulo, 1949, arquiteto Vilanova Artigas


Foto Nelson Kon
Também valorizaram o patrimônio material e imaterial os cerca de setenta roteiros
concentrados no fim de semana da Jornada, grande parte deles atividades que já
ocorrem esporadicamente de forma fragmentada, como o roteiro “Território da
paisagem e da cultura de Perus”, proposto pelo movimento de preservação do bairro
que nasceu com uma indústria de cimento, hoje tombada. Entre os passeios conduzidos
especialmente para a Jornada, podemos destacar o “Roteiro de arquitetura moderna”
do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB, que ajudou a promover a arquitetura
moderna como um dos mais relevantes patrimônios paulistanos, mas pouco reconhecido
como tal pela população.
Edifícios Esther e Arthur Nogueira, São Paulo, 1934/1938. Arquitetos Álvaro Vital Brazil
e Adhemar Marinho
Foto Rafael Schimidt [Fotoarquitetura]
Houve ainda mais de cinquenta palestras, que atraíram um público relativamente
menor e que deverá ter uma curadoria neste ano. Em 2015, a premissa foi a de
abertura de um grande chamamento público para todas as modalidades – imóveis,
roteiros, palestras, oficinas e apresentações –, incluindo todos que não fugissem
ao tema do patrimônio. Como resultado, mais de quatrocentos eventos ocorreram
simultaneamente na cidade em cerca de 140 imóveis e locais históricos. A versão de
2016, com menos recursos para apresentações artísticas, teve igual sucesso. A lei
n. 16.546, de 21 de setembro de 2016, definiu em seu artigo primeiro a Jornada do
Patrimônio como evento a ocorrer nos terceiros sábado e domingo do mês de agosto
de cada ano” (11).

Fábrica de Restauro como inovação de projeto urbano


O conceito de Patrimônio ambiental urbano, as cartas patrimoniais propondo a
democratização do Patrimônio histórico, envolvendo as comunidades herdeiras, bem
como a efetiva salvaguarda da nova herança cultural prevê a criação de instrumentos
inovadores.

A salvaguarda do Patrimônio histórico compõe-se de três partes distintas: a


identificação, o tombamento e a efetiva preservação/conservação. No caso de São
Paulo observamos historicamente desde a sua criação uma quantidade expressiva de
levantamentos e inventários, com eventual tombamento, mas com instrumentos
limitados para uma efetiva recuperação. Observamos ainda que, quando há o restauro
e recuperação do bem tombado, não há um acompanhamento de conservação, tão pouco
do impacto social, econômico e ambiental da ação de conservação.

No caso de São Paulo a primeira ação municipal surgiu em 1974, com a lista de bens
culturais 28-200, elaborada pelos professores Carlos Lemos e Benedito Lima de
Toledo encomendadas pela Cogep do Município de São Paulo. Com a criação do DPH em
1975 e do Conpresp em 1985, o Município de São Paulo pode tombar de forma
desvinculada da legislação de planejamento. A identificação e o tombamento focam
as recuperações características da ação patrimonial paulistana. Hoje existem 3559
bens tombados e identificados, mas poucos efetivamente conservados e protegidos.

Escadaria do Bexiga
Foto Abilio Guerra
O Bairro do Bexiga, tradicionalmente excluído de planos e projetos urbanos, por
ser composto por operários, pobres, negros, italianos e anarquistas, teve seu
casario, pelas mesmas razões de exclusão, preservado da febre imobiliária de São
Paulo no século 20.

A principal intervenção no bairro rasgou seu quadro construído dividindo o bairro


em duas partes, separadas por vias expressas durante os anos autoritários de
implementação do PD77 eminentemente rodoviarista.
Os planos diretores posteriores de 1991, 2002 e 2014 previam altas densidades e
poucos instrumentos efetivos para a conservação do bairro, que ao longo do século
20 foi se deteriorando.

O instrumento da Transferência do Potencial Construtivo – TPC, de 2002, e sua


adequação Transferência do Direito de Construção – TDC, de 2014, trouxeram a
possibilidade de monitorar os valores transferidos para os bens tombados, porém
com pouca atividade no bairro do Bexiga.

Em 1992, o concurso de ideias encabeçado pela Empresa Municipal de Urbanização –


Emurb, hoje SP Urbanismo, que pretendia a construção coletiva de um projeto urbano,
resultou efetivamente no tombamento do bairro em 2002, a partir do Igepac
empreendido pelo DPH.

Com uma perspectiva de adensamento previsto pelo plano Diretor 2014 e pela lei de
zoneamento de 2015, e tendo como realidade física um tecido social forte e um
quadro construído em processo de deterioração física, foi formulado o instrumento
inovador denominado Fábrica de Restauro do Bexiga. A ideia é estabelecer um modelo
que possa ser replicado em conjuntos urbanos e também constituir-se experiência
piloto para dar origem a uma empresa pública SP Restauro.

A Fábrica de Restauro, experimentalmente formulada para o bairro tombado do Bexiga,


constitui-se de uma mobilização social que permita construir coletivamente a
recuperação física e social do bairro, sem perspectivas de gentrificação. Será isto
possível? Será possível, também, abrigar um bairro tombado em adensamento
compatível com o tecido histórico preservado pela exclusão?

Enquanto estivemos à frente do DPH, para iniciar essa mobilização propusemos


reuniões com possíveis parceiros. Chamamos os diversos grupos sociais atuantes no
Bexiga – Rede Paulista de Educação Patrimonial (Repep), Casa de Dona Yayá (Centro
de Preservação Cultural da Universidade de São Paulo – CPC USP), Bexiga Viva e duas
associações de proprietários de bens tombados, entidades que muitas vezes atuam de
forma conflitante e que não apresentaram representatividade consistente.

Além disso mobilizamos a Associação de Empresas de Restauro – Asseer, consultores


envolvidos na TDC e ainda a Agência São Paulo de Desenvolvimento – Adesampa, voltada
para o estímulo de micro e pequenas empresas, startups e laboratórios de coworking.

Após reuniões parciais, reunimos todos os parceiros em uma oficina de organização.


A partir dos debates e das apresentações de experiência como da Vila Itororó, do
processo participativo de restauro, do Escritório Modelo-Mosaico Mackenzie, da
ocupação habitacional de interesse social e do Plano Regional da Sé realizado pela
Secretaria Municipal do Desenvolvimento Urbano – SMDU, estabelecemos três grandes
grupos de trabalho.
Vila Itororó
Foto Nelson Kon
O primeiro grupo, denominado “Formação/capacitação do pedreiro ao restaurador”, se
desdobrou na perspectiva de desenvolver cursos de manutenção e zeladoria
especializados em acompanhamento de bens que quando restaurados demandem um olhar
e saberes específicos. Essa iniciativa contou com a participação da Asseer em
conjunto com a Adesampa.
O debate do projeto vinculado ao patrimônio histórico foi liderado pelo grupo de
pesquisa do professor Julio Katinsky, que desde 2016 passou a organizar seminários
sistemáticos na FAU USP e que neste ano de 2017 passaram a ser documentados para
constituir uma produção acumulada de conhecimento.

Voltado para a obtenção de recursos, o grupo 2 de se dividiu em dois subgrupos: o


denominado TDC coletivo, onde foram calculados transferências previstas para
conjunto de propriedades e proprietários no sentido de se potencializar possíveis
recursos advindos do instrumento previsto no PDE 2014; o segundo, sem nome
específico e sem grande adesão, preocupou-se com outras formas de obtenção de
recursos, como lei Rouanet, lei Mendonça etc.

O grupo 3, denominado Participação/Coletivismo, previa a articulação de grupos


sociais e proprietários bem como a Asseer para formular projetos coletivos de
restauro e participação da comunidade na recuperação de bens culturais tombados ou
não.

As atividades foram paralisadas na mudança de gestão, mas também começou uma


mobilização piloto na Vila Maria Zélia, cujo grupo de moradores presente nas
oficinas demandava continuidade ao processo já em andamento de recaracterização
participativa liderado pelo DPH através da professora Simone Scifoni em parceria
pelo Condephaat e grupos de moradores. Esperamos a retomada dessa mobilização com
o apoio do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB-SP.

Considerações finais
Ações de sensibilização como a Jornada do Patrimônio, com seus roteiros ancorados
no território, a celebração dos patrimônios imateriais, a visitação a edifícios, a
vivência do centro e da memória que ele guarda de uma vida de fato urbana, fazem
parte desse processo de projetação e despertar da consciência para além do véu do
espetáculo, por meio do qual a mercadoria passa a ocupar a vida social de forma
total (12).

A aposta é que a sensibilização para o patrimônio e a participação no espaço


público, mediada pela construção coletiva de projetos urbanos, possam romper com
essa falta de lógica e com o desconhecimento do desejo.Nesse sentido a experiência
iniciante da Fábrica de Restauro é uma aposta na construção de ações coletivas que
em conjunto promovam projetos urbanos com inclusão social (13).

notas
NA – Texto apresentado na Sessão temática “Patrimônio ambiental urbano” do IV Enanparq
– Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo,
Porto Alegre, 25 a 29 de julho de 2016.

1
ROGERS, Richard; GUMUCHDJIAN, Philip. Cidades para um pequeno planeta. Barcelona,
Gustavo Gili, 2001.
2
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Patrimônio ambiental urbano: do lugar comum ao lugar
de todos. CJ Arquitetura, São Paulo, v. 5, 1978, p. 18-20.
3
Idem, ibidem.

4
YÁZIGI, Eduardo. Patrimônio ambiental urbano: refazendo um conceito para o planejamento
urbano. Simpósio de Geografia Urbana da Universidade de São Paulo, 2001.
5
Cf. MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Op. cit.

6
BIASE, Alessia de. Hériter de la Ville: Pour une Anthropologie de la Transformation
Urbaine. Paris, Donner Lieu, 2014.
7
LUSTOZA, Regina E. Patrimônio ambiental urbano: revendo conceitos. 9º Seminário Docomomo
Brasil – interdisciplinaridade, experiências em documentação e preservação do patrimônio
recente. Brasília, Docomomo, 2011.
8
BONDUKI, Nabil. Intervenções urbanas na recuperação de centros históricos.Brasília,
Iphan, 2012.
9
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. A cidade com bem cultural – áreas envoltórias e
outros dilemas, equívocos e alcance na preservação do patrimônio ambiental urbano. In
MORI, Victor Hugo; SOUZA, Marise Campos de; BASTOS, Rossano Lopes; GALLO, Haroldo
(Orgs.). Patrimônio: atualizando o debate. São Paulo, Iphan, 2006, p. 33-76.
10
SOMEKH, Nadia. Patrimônio cultural em São Paulo: resgate do contemporâneo? Arquitextos,
São Paulo, ano 16, n. 185.08, Vitruvius, out. 2015
<www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.185/5795>. Da mesma autora, ver:
SOMEKH, Nadia (Org.). Preservando o patrimônio histórico: um manual para gestores
municipais. São Paulo, CAU-SP/MackPesquisa/DPH, 2015; SOMEKH, Nadia; CORREA,
Vanessa. Transformação urbana e patrimônio cultural: sensibilização e projeto de futuro
em São Paulo. Diálogos França/Brasil IV, Salvador, 2016; SOMEKH, Nadia. Patrimônio
ambiental urbano, urbanidade e construção de cidade. IV Enanparq, Porto Alegre, 2016.
11
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Lei nº 16.546, 21 set. 2016
<http://documentacao.camara.sp.gov.br/iah/fulltext/leis/L16546.pdf>.
12
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto, 2015.
13. O presente artigo conta ainda com a seguinte bibliografia de apoio: ARENDT, Hannah. A
condição humana. 11a edição revisada. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2010;
ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e destino. São Paulo, Ática, 2001; BAUMAN, Zygmunt. A
cultura no mundo líquido moderno. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2013; BAUMAN,
Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005; LEFEBVRE,
Henri. O direito à cidade. São Paulo, Centauro, 2001; MOSTAFAVI, Mohsen; DOHERTY,
Gareth. Porque um urbanismo ecológico? Porque agora? Urbanismo Ecológico. Barcelona,
Harvard University Graduate School of Design/Gustavo Gili, 2014; SANTOS, Milton. Espaço
e método. São Paulo, Nobel, 1988.
sobre a autora
Nadia Somekh é professora emérita da Universidade Presbiteriana Mackenzie, foi
Presidente do Conpresp e diretora do DPH (2013-2016).

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