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TEORIA DO
ESQUEMA EMOCIONAL
Capítulo 1
A CONSTRUÇÃO
SOCIAL DA EMOÇÃO
Imagine o seguinte. Ned está namorando Brenda há três meses, e para ele isso
tem sido como andar numa montanha-russa. As discussões são seguidas por in-
tensa intimidade sexual e, então, por indiferença por parte de Brenda e suas quei-
xas de ambivalência. Ele agora recebeu uma mensagem de texto da namorada di-
zendo que o relacionamento está acabado e que ela não quer mais comunicação
com ele. Ned está perplexo, já que esta parece ser uma forma insensível de termi-
nar um relacionamento, e sua primeira resposta é de raiva. À medida que pensa
mais sobre isso durante o dia, ele começa a se sentir ansioso e a se preocupar com
a possibilidade de ficar sozinho para sempre. Então fica triste, se sentindo vazio
e confuso. Ele também percebe momentos em que se sente melhor – até mesmo
aliviado porque o relacionamento acabou –, mas logo se pergunta se não estará se
enganando e se suas emoções irão voltar a inundá-lo com sofrimento. Ned acha
que deveria ter somente um sentimento, não toda essa gama. Ele não consegue
compreender por que seus sentimentos são tão fortes, já que ficou com Brenda
por “apenas” três meses. Afunda em seus sentimentos negativos, sentado sozinho
em seu apartamento, bebendo e se empanturrando com porcarias. Ned começa a
achar que, se não se livrar desses sentimentos, vai enlouquecer; recorda de como
sua tia teve que ir para o hospital quando ele era criança. Com vergonha de con-
tar a seu amigo, Bill, sobre a profundidade dos seus sentimentos, ele se isola e não
quer ser um fardo para ninguém. “O que há de errado comigo?”, ele pensa en-
quanto se serve de mais uísque. “Algum dia eu vou me sentir melhor?”
A apenas algumas quadras de distância na cidade, Michael está passando
por uma relação similar do tipo montanha-russa com Karen, de quem ele aca-
ba de receber uma mensagem de texto dizendo que o relacionamento acabou.
Michael está irritado com a insensibilidade de Karen, e suas emoções duran-
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lar isto?” ou “Eu vou ficar louco?”. Essas interpretações, às quais me refiro como
“teorias da emoção”, são o conteúdo central dos “esquemas emocionais” – ou
seja, crenças sobre nossas próprias emoções e as dos outros, e como essas emo-
ções podem ser reguladas. Refiro-me à teoria do esquema emocional como um
modelo social-cognitivo porque as emoções são fenômenos pessoais e também
sociais que são interpretados por nós e pelos outros; como tal, mudanças nas
interpretações (nossas e dos outros) resultarão em mudanças na intensidade e
desregulação emocional.
Neste capítulo, examino brevemente como a emoção e a racionalidade
têm sido vistas na tradição filosófica ocidental e como as ideias ocidentais sobre
as emoções e as exibições emocionais se modificaram nos últimos cem anos, su-
gerindo que a “construção da emoção” tem estado em fluxo contínuo. Também
discuto como os modelos atuais de previsão afetiva sugerem que as teorias “de
senso comum” da emoção podem ter impacto na tomada de decisão e na ex-
periência atual da emoção. O que importa não é apenas a nossa experiência da
emoção, mas também nossas interpretações da experiência e o que acreditamos
que acontecerá a partir disso.
Primazia do racional
Em A República, Platão usa a metáfora do cocheiro que tenta controlar dois ca-
valos – um que é obediente e outro que é difícil de controlar. O filósofo encarava
as emoções como impedimentos ao pensamento racional e produtivo e à ação
— e, portanto, como desvios da busca da virtude. Platão (1991) descreve o im-
pacto inicial dos eventos que provocam emoção como “a vibração da alma”. Se
pensarmos na progressão de uma resposta racional aos eventos, o primeiro mo-
vimento pode começar com um abalo ou “vibração da alma”. Os movimentos
posteriores envolvem recuar e observar o que está acontecendo; depois, consi-
derar a virtude que é relevante (p. ex., “coragem”) e, então, considerar as ações e
os pensamentos que podem levar a uma resposta virtuosa. Como veremos mais
adiante, o modelo de esquema emocional reconhece que a primeira resposta a
determinada emoção pode ser caracterizada por uma sensação de “perturba-
ção” ou “surpresa”. Esse processo provavelmente também reflete processos au-
tomáticos ou inconscientes (Bargh & Morsella, 2008; LeDoux, 2007) – isto é, “a
vibração da alma” de Platão. No entanto, os indivíduos também podem recuar
e avaliar o que está acontecendo no momento, quais são suas opções, como isso
está relacionado a objetivos valorizados e como suas emoções podem aumentar
ou diminuir dependendo das suas interpretações e do que eles fazem. Aristóte-
les via a virtude como o traço de caráter e a prática que representam a “média”
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Primazia da emoção
Embora racionalidade e lógica tenham sempre constituído uma influência im-
portante na filosofia (e na cultura ocidental em geral), a emoção sempre foi uma
contrapartida, servindo a uma função dialética através da história. A ênfase de
Platão no pensamento lógico e racional estava em contraste com a grande tradi-
ção da tragédia grega. Na verdade, As Bacantes, de Eurípedes (1920), represen-
tavam a visão trágica de que, se ignorarmos o deus (Dionísio ou Baco) que reú
ne seguidores na música, dança e um senso de total abandono, então, ironica-
mente, nos defrontaremos com a completa destruição na loucura. O indivíduo
ignora a emoção por seu próprio risco. O modelo de esquema emocional su-
gere que o objetivo não é “sentir-se bem”, mas a capacidade de sentir tudo. Não
existe “self” superior ou inferior nesse modelo; em vez disso, todas as emoções
estão incluídas no “self”. Tal modelo defende a inclusão das emoções – mesmo
emoções “depreciadas”, como raiva, ressentimento, ciúme e inveja – e a aceita-
ção dessas emoções como parte da complexidade da natureza humana.
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ceis. Escolha, liberdade, arrependimento e até mesmo medo são encarados como
componentes essenciais da vida neste modelo, e essas “realidades” não podem
ser simplesmente eliminadas por análises do custo-benefício, racionalização ou
pragmatismo. Embora a avaliação racional seja importante, toda negociação en-
volve um custo. E os custos com frequência são desagradáveis e difíceis.
Esta breve revisão não faz justiça à visão dicotomizada da emoção e racio-
nalidade na cultura ocidental (e, é claro, não trata da importância desses fato-
res em outras culturas). Como sugeriu Nussbaum (2001), cada “esfera” – a ra-
cional e a emocional – tem seu valor, e cada uma informa a outra. O modelo do
esquema emocional reconhece que as emoções e a racionalidade estão frequen-
temente numa luta entre si – em uma tensão dialética quanto ao que irá influen-
ciar a escolha. Contudo, ambas são essenciais.
tiva”, que se refere à predição de que uma emoção será mais extremamente ne-
gativa ou positiva do que acaba sendo (Wilson & Gilbert, 2003).
Pesquisas sobre previsões afetivas sugerem inúmeros vieses ou heurísti-
cas que levam à predição exagerada de respostas emocionais. Um desses fato-
res é o “focalismo” – ou seja, a tendência a focar em uma única característica
do evento, em vez de considerar também todas as outras que poderiam miti-
gar a resposta emocional ao evento (Kahneman, Krueger, Sckade, Schwarz, &
Stone, 2996; Wilson, Wheatley, Meyers, Gilbert, & Axsom, 2000). Por exemplo,
alguns indivíduos podem acreditar que ao se mudar de um ambiente frio e nu-
blado, como Minnesota, para a ensolarada Califórnia, vão se sentir imensamen-
te felizes por muitos anos. Entretanto, descobrem que, após um breve período
se sentindo melhor, sua felicidade volta ao mesmo nível que existia no primei-
ro Estado. Isso acontece porque eles estão focados em um único fator (luz do
sol), ignorando outros aspectos importantes, como suas relações primárias e
seu ambiente de trabalho.
Outra característica central da previsão afetiva é o “viés do impacto”, o qual
se refere à tendência a superestimar os efeitos emocionais dos eventos (Gilbert,
Driver-Linn, & Wilson, 2002). Isto é, o indivíduo pode prever que um aconteci-
mento positivo levará a um afeto positivo duradouro, enquanto um evento ne-
gativo levará a um afeto negativo duradouro. Por exemplo, um indivíduo pode
prever que um rompimento em um relacionamento levará a sentimentos ne-
gativos eternos, mas acreditar que o início de um relacionamento levará a sen-
tir-se infinitamente fantástico. Uma dimensão da predição de uma emoção é
quanto tempo ela irá durar – o “efeito de durabilidade”. Wilson e Gilbert (2003)
acabam de incluir o efeito da durabilidade no viés do impacto. Esse efeito refle-
te a crença de que uma emoção continuará por um longo tempo.
Outro fator que afeta a previsão afetiva é a “negligência imune” – isto é, a
tendência a ignorar a própria capacidade de lidar com eventos negativos. Por
exemplo, Gilbert e colegas (2002) constataram que os participantes faziam pre-
visões exageradas quanto à duração do afeto negativo após seis situações hipo-
téticas: o rompimento de um relacionamento romântico, o fracasso em conse-
guir um mandato, uma derrota eleitoral, feedback negativo da personalidade, o
relato da morte de uma criança e a rejeição de um empregador potencial. De
acordo com Wilson e Gilbert (2005), tais indivíduos frequentemente ignoram
ou subestimam sua capacidade de enfrentamento; eles não reconhecem os efei-
tos poderosos de estratégias de enfrentamento como a “redução da dissonân-
cia, raciocínio motivado, atribuições que servem ao seu interesse, autoafirma-
ção e ilusões positivas”, as quais mitigam os efeitos dos “eventos vitais negativos”
(Gilbert, Pinel, Wilson, Blumberg, & Wheatley, 1998, p. 619). Por exemplo, de-
pois do rompimento com a namorada, um homem pode reduzir o impacto ne-
gativo do evento alegando que está melhor sem ela (redução da dissonância),
encontrar atribuições negativas sobre a ex-parceira (raciocínio motivado), ver
a si mesmo como altamente desejável agora que está solteiro (atribuições que
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PLANO DO LIVRO
Este capítulo mostrou como a teoria evolucionária, a construção social e os con-
textos histórico e cultural podem influenciar as crenças, as estratégias e a aceita-
bilidade de várias emoções. Os dois próximos capítulos descrevem as considera-
ções essenciais na condução da terapia focada no esquema emocional (Cap. 2) e
o modelo geral de esquemas emocionais (Cap. 3). A Parte II (Caps. 4 e 5) exami-
na a avaliação inicial e a socialização do modelo. A Parte III revisa os esquemas
emocionais e como abordá-los. O Capítulo 6 descreve crenças problemáticas so-
bre validação, sua origem e formas de abordar essas crenças na terapia. O Capítu-
lo 7 examina estratégias para modificar vários tipos de esquemas emocionais es-
pecíficos: aqueles que envolvem as dimensões de compreensibilidade, duração,
controle, culpa/vergonha e aceitação. O Capítulo 8 discute a inevitabilidade da
ambivalência, examinando como o perfeccionismo emocional e a intolerância à
incerteza dificultam que alguns indivíduos convivam com sentimentos contradi-
tórios. O Capítulo 9, capítulo final da Parte III, examina como o modelo do es-
quema emocional associa emoções desconfortáveis aos valores e às virtudes que
podem ajudar os indivíduos a tolerar os desafios necessários para uma vida com
mais sentido. Na Parte IV do livro, “Emoções e Relações Sociais”, foquei um capí-
tulo no ciúme (Cap. 10) e outro na inveja (Cap. 11), uma vez que essas emoções
se tornaram tão problemáticas que as pessoas matam a si e aos outros por elas. Eu
poderia ter discutido várias outras emoções (como humilhação, culpa, ressenti-
mento ou raiva), porém ciúme e inveja frequentemente incluem essas outras – e,
devido à sua natureza social e suposta relevância evolutiva e cultural, elas pare-
cem mais apropriadas para este modelo. Os dois últimos capítulos (12 e 13) exa-
minam como os esquemas emocionais podem ser relevantes para as relações de
casal e para a relação terapêutica, respectivamente.
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RESUMO
Emoção e regulação emocional ganharam maior importância na psicologia du-
rante a última década com os avanços na neurociência da emoção, dos mode-
los cognitivos, da terapia comportamental dialética, da terapia de aceitação e
compromisso, da terapia focada na emoção, da terapia de mentalização e de
outras abordagens que variam desde a terapia cognitivo-comportamental até
a terapia psicodinâmica. Neste capítulo, apresentei a ideia de que um compo-
nente do processo de experimentar uma emoção é a interpretação e avaliação
desse sentimento, junto com o uso de estratégias adaptativas ou desadaptativas
para sua regulação. Faço referência a esses conceitos e processos como “esque-
mas emocionais”. Nas tradições filosóficas e culturais ocidentais, sempre hou-
ve uma contínua dicotomização de emoção e racionalidade – com alguns ar-
gumentando que a primeira interfere na ação deliberativa, racional e virtuosa e
outros vendo a emoção como uma fonte de significado e conexão interpessoal.
Durante os últimos cem anos, os conceitos ocidentais e as estratégias recomen-
dadas para enfrentamento da emoção se modificaram substancialmente, com
algumas emoções, como ciúme e coragem, perdendo seu “status”. Por fim, apre-
sentei a ideia de que a psicologia social da emoção e escolha pode ajudar a lan-
çar luz sobre algumas das fontes de viés nas interpretações do sentimento e na
predição da emoção futura. O restante deste livro examina como diferenças in-
dividuais nos esquemas emocionais podem explicar a psicopatologia, a esqui-
va, a desconformidade e outros comportamentos problemáticos; além disso, ex-
plora como auxiliar os indivíduos na compreensão e modificação desses esque-
mas emocionais pode aprofundar suas experiências de terapia e levá-los a con-
frontar as difíceis experiências necessárias para o crescimento. No próximo ca-
pítulo, descrevo algumas das principais premissas da terapia focada no esque-
ma emocional.