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Ruy Laurenti 1
M. Helena P. de Mello-Jorge 1
Sabina Léa Davidson Gotlieb 1
1 Departamento de Abstract The maternal mortality rate is a highly sensitive indicator for the health level of both
Epidemiologia,
women and the general population in a given geographical area. There is extensive variability
Faculdade de Saúde Pública,
Universidade de São Paulo. among different countries, and rates are high in underdeveloped or developing areas, as in
Av. Dr. Arnaldo 715, Brazil. Health authorities from various countries have launched programs aimed at reducing
São Paulo, SP
maternal deaths and have thus needed to estimate the actual rates to allow for a proper assess-
01246-904, Brasil.
ment and to control the programs’ progress. However, there are many obstacles and difficulties in
obtaining the real values of these measures, mainly because of incomplete data. The aim of this
paper is to present some of the proposed methodologies for estimating maternal mortality rates
and to call attention to the limits and biases of these methods. Based on the Brazilian case, the
article also recommends an improvement in the quality and coverage of the Civil Registry, the of-
ficial source of data on births and deaths.
Key words Maternal Mortality; Measurement; Health Indicators
Devido à existência desses programas e à quatro e dez e, no máximo, 12 a 15 por cem mil
aplicação de recursos, às vezes grandes, para nascidos vivos. Nas áreas subdesenvolvidas,
sua execução, os países e as agências inter- esses valores excedem, em muito, esses núme-
nacionais, como, principalmente, OMS, OPS, ros, atingindo, geralmente, níveis de oitenta a
UNICEF e Banco Mundial, têm necessidade de cem, no mínimo, por cem mil nascidos vivos. É
avaliar ou monitorar o andamento dos mes- de se notar que, em alguns países africanos,
mos. Essa avaliação baseia-se, principalmente, como Angola, Burundi, República Centro-Afri-
no nível da mortalidade materna. O conheci- cana e Moçambique, podem chegar a quatro-
mento dessas medidas nos países em desen- centas, quinhentas ou mais mortes por cem
volvimento não é fácil de ser alcançado, visto mil nascidos vivos ( WHO/UNICEF, 1996). No
que, geralmente, existe sub-registro de óbitos Brasil, nas décadas de 80 e 90, o valor médio
ou, mesmo não havendo sub-registro ou esse estimado situa-se acima de cem e, segundo al-
sendo desprezível, os médicos não informam guns, entre 150 e duzentos por cem mil nasci-
corretamente as causas maternas nos atesta- dos vivos, embora a razão calculada com os da-
dos de óbito, o que vai redundar em uma sube- dos provenientes dos sistemas oficiais de infor-
numeração das mortes por essas causas. Acres- mação – sem correção – seja de 54,8 por cem
ce o problema com o número de nascidos vi- mil nascidos vivos, em 1996 (MS, 1998).
vos colocado no denominador, cuja informa-
ção nem sempre é correta. Tal fato fez com que A exatidão das medidas das taxas
se desenvolvessem vários métodos alternativos ou razões de mortalidade materna
para a mensuração da mortalidade materna. A
intenção deste trabalho é apresentá-los e dis- A taxa (coeficiente ou razão) de mortalidade
cuti-los. materna pode ser considerada como um dos in-
dicadores menos exatos, quando comparada
àqueles referentes à mortalidade por grupos de
Mortes e mortalidade maternas: causas de morte (cardiovasculares, infecciosas,
definições e medidas neoplasias etc.), fato que tem sido verificado no
país por vários estudos (Laurenti et al., 1990;
A OMS, por meio da Classificação Internacio- Massachs, 1995; Albuquerque et al., 1997).
nal de Doenças, define morte materna como “a Puffer & Griffith (1967), já em 1962/1964,
morte de uma mulher durante a gestação ou mostraram que em dez áreas urbanas da Amé-
dentro de um período de 42 dias após o término rica Latina, a maioria das quais capitais de paí-
da gestação, independente da duração ou da lo- ses, a taxa de mortalidade materna oficial era
calização da gravidez, devida a qualquer causa inexata, sendo inferior à que ocorria na reali-
relacionada com ou agravada pela gravidez ou dade.
por medidas em relação a ela, porém não devi- Mesmo em países onde o registro de mor-
da a causas acidentais ou incidentais”(OMS, tes tem grande ou total cobertura, existe subin-
1994:143). formação das mortes maternas (Smith et al.,
A taxa ou coeficiente de mortalidade ma- 1984; Royston & Lopez, 1987; Turnbull et al.,
terna é o indicador utilizado para se conhecer 1989; Bouvier-Colle et al., 1991), fato que se de-
o nível da morte materna. É calculado pela re- ve à declaração inexata da causa nos atestados
lação entre o número de mortes de mulheres de óbito.
por causas ligadas à gravidez, parto e puerpé-
rio (no numerador) e o número de nascidos vi- Metodologias alternativas para cálculo
vos (no denominador). A rigor, como conceitua da mortalidade materna
a própria OMS, o termo taxa, embora inexato
no seu contexto, visto que na realidade é uma Tendo-se em vista a necessidade de se conhe-
razão, vem sendo conservado, para fins de cer não somente a informação pontual das
comparabilidade em séries históricas. Do pon- mensurações como também a tendência das
to de vista metodológico, seria taxa se, no de- mesmas e reconhecer as deficiências quantita-
nominador, fossem colocados não somente o tivas e qualitativas de informações sobre mor-
total de nascidos vivos mas também todas as talidade materna nos países subdesenvolvidos,
perdas fetais, refletindo, esse valor, uma esti- foram propostos alguns métodos que não utili-
mativa do número total de gestantes. zam o registro civil para estimar seus valores.
Freqüentemente, a indagação refere-se a Dois desses métodos vêm sendo propostos por
quais os valores que representariam as taxas agências internacionais já citadas (OPS/OMS,
normal e baixa? Nos países ou regiões desen- 1990a).
volvidos sócio-economicamente, variam entre
tação do Sistema de Informação sobre Nasci- Outro método utilizado para a mensuração
dos Vivos (SINASC) do Ministério da Saúde, das mortes maternas consiste na identificação
desde 1990, vem propiciando maior cobertura de todas as mortes de mulheres em idade re-
desses eventos, inclusive fornecendo melhores produtiva, fazendo, para cada caso, entrevista
informações relativas às variáveis de caráter domiciliária e com o médico que assinou a de-
epidemiológico (Mello-Jorge et al., 1992). claração de óbito, bem como consulta aos
Deve ser ressaltado que, ainda do ponto de prontuários hospitalares, relatórios de necrop-
vista quantitativo, a introdução, pelo Ministério sia etc. Essa metodologia foi idealizada por
da Saúde, a partir de 1997, de mais uma via na Puffer & Griffith (1967) e, embora não específi-
Declaração de Óbito permite que os óbitos hos- ca para mortes maternas, foi capaz de mostrar,
pitalares sejam conhecidos pelo Sistema de In- em estudo realizado em cidades das Américas
formação de Mortalidade, independentemente e Inglaterra, já em 1962/1964, o quanto essas
do registro civil. A título de esclarecimento, es- causas eram subenumeradas, embora, em mui-
ta via deve permanecer no hospital, sendo dali tas dessas áreas, o registro de mortes pudesse
retirada periodicamente pelos órgãos de esta- ser considerado bom e completo. Este método
tística dos serviços de saúde, que passam, en- foi anteriormente citado como RAMOS.
tão, a poder contabilizá-las antes mesmo que o No Brasil, várias investigações utilizando
registro seja feito, conforme já salientado. essa metodologia foram realizadas. Trabalho
O que tem sido verificado é que, embora se conduzido por Laurenti et al. (1990) mostrou
possa admitir ter o Sistema de Mortalidade do que, na cidade de São Paulo, enquanto as taxas
Ministério da Saúde cobertura aceitável, no oficiais evidenciavam valores de 43 a 46 por
sentido de se aproximar, ao menos em quanti- cem mil nascidos vivos, os dados após a pes-
dade, do seu valor real, a sua qualidade, algu- quisa deixavam claro que a mortalidade mater-
mas vezes, deixa a desejar. na correspondia a aproximadamente o dobro,
Muitas vezes, a avaliação da real magnitude conduzindo a um fator de correção pratica-
da mortalidade materna não pode ser feita, mente igual a 2,0. No Rio Grande do Sul, estu-
bem como há dificuldades em medir seus re- do da Secretaria da Saúde mostrou também
sultados, mesmo com os programas já implan- que há subinformação e que a taxa corrigida é
tados e em funcionamento. da ordem de oitenta por cem mil nascidos vi-
Quando o médico declara, no atestado de vos (Secretaria do Estado da Saúde do Meio
óbito, uma causa materna, não há dúvida de Ambiente do Rio Grande do Sul, 1995).
que se tem, na realidade, esse tipo de morte, Por outro lado, é importante a menção de
pois, diferentemente do que ocorre com outros que foi a partir dos trabalhos de Laurenti
diagnósticos, dificilmente esse profissional fa- (1993), Laurenti & Ferreira (1995) e Laurenti et
rá menção a uma causa materna se essa não ti- al. (1990) que o Ministério da Saúde incluiu,
ver se verificado. entre as variáveis da declaração de óbito, soli-
Existem óbitos femininos em que é decla- citação de informação relativa ao fato de a mu-
rada, no atestado, uma só causa, causa essa ge- lher estar grávida no momento da morte ou ter
ralmente terminal e que sugere fortemente re- estado grávida nos doze meses que precede-
ferir-se a complicações de causas maternas, ram o evento fatal (pergunta a ser feita em to-
como, por exemplo, septicemia, embolia, em- dos os casos de óbitos de mulheres em idade
bolia pulmonar, hemorragia, choque hemorrá- fértil). O objetivo dessa variável era o de poder
gico, crise convulsiva, peritonite. Podem tam- completar a informação relativa à morte ma-
bém ser considerados como indicativos de terna, na medida em que era subsídio impor-
mortes maternas os atestados que apresentam tante quando uma causa presumível de morte
mais de uma causa, mas, nos quais, aquela se- materna era declarada.
lecionada como básica é uma das anterior-
mente citadas, como por exemplo, septicemia
levando a broncopneumonia, hemorragia le- Considerações finais
vando a choque hemorrágico ou peritonite le-
vando a choque. É importante salientar que é fato incontestável
Esses casos enumerados anteriormente po- que, mesmo nos países desenvolvidos, tem si-
dem ser entendidos como mortes maternas do usado um fator de correção para compen-
presumíveis, e, no cálculo da mortalidade ma- sar a má declaração da causa materna no ates-
terna, consideram-se como taxas de nível mí- tado de óbito, conforme já referido (Bouvier-
nimo aquelas que levam em conta somente as Colle et al., 1991). Por outro lado, somente a
mortes maternas declaradas e de nível máxi- utilização de métodos indiretos para a mensu-
mo, as declaradas acrescidas das presumíveis. ração das taxas ou razões de mortalidade ma-
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