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APP-SINDICATO 1

2 APP-SINDICATO
APP-SINDICATO 3

Programa de Formação da
APP-Sindicato / UFPR
Caderno II - 2010

Capitalismo, Estado e
Desigualdade: Impactos
na Política Educacional
4 APP-SINDICATO

Expediente
APP-SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO PÚBLICA DO PARANÁ
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Fone: (41) 3026-9822 - Fax: (41) 3222-5261
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DIREÇÃO ESTADUAL
Presidência
Marlei Fernandes de Carvalho
Secretaria Geral Secretaria de Imprensa e Divulgação
Mariah Seni Vasconcelos Silva Luiz Carlos Paixão da Rocha
Secretaria de Finanças Secretaria de Sindicalizados
Miguel Angel Alvarenga Baez Maria Madalena Ames
Secretaria de Administração e Patrimônio Secretaria de Assuntos Jurídicos
Clotilde Santos Vasconcelos Áurea de Brito Santana
Secretaria de Organização Secretaria de Política Sindical
José Ricardo Corrêa José Rodrigues Lemos
Secretaria de Aposentados Secretaria de Políticas Sociais
Tomiko Kiyoku Falleiros Silvana Prestes de Araujo
Secretaria de Municipais Secretaria de Funcionários
Edilson Aparecido de Paula José Valdivino de Moraes
Secretaria Educacional Secretaria de Gênero e Igualdade Racial
Janeslei Aparecida Albuquerque Lirani Maria Franco da Cruz
Secretaria de Formação Político-Sindical Secretaria de Saúde e Previdência
Isabel Catarina Zöllner Idemar Vanderlei Beki

Coordenação
Isabel Catarina Zöllner/APP-Sindicato, Taís Moura Tavares/UFPR e Andréa Caldas/UFPR

GT Estadual de Formação
Marlei Fernandes de Carvalho, Maria Madalena Ames, Isabel Catarina Zöllner, Janeslei Aparecida Al-
buquerque, Miguel Angel Alvarenga Baez, Lirani Maria Franco da Cruz, Solange Ferreira dos Santos, Giselle
Christina Corrêa, Edmilson Feliciano Leite, Rosani Moreira, Valdirene de Souza, Vanessa Reinchenbach e
Tomiko Kiyoku Falleiros.

Imagem da capa: Cândido Portinari

Programação Visual
Projeto Gráfico: W3OL Comunicação - (41) 3029-0289 - www.w3ol.com.br
Gráfica: WL impressões - Tiragem: 2.300 mil exemplares
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Índice

Apresentação ......................................................................................................................................................7
Privatização do público, destituição da fala e anulação da
política: o totalitarismo neoliberal ..............................................................................................................4
Qual a relação entre desigualdade social e
desigualdade educacional? ........................................................................................................................ 27
Tabela Resultados do Desempenho em Leitura ................................................................................ 28
Tabela Resultados do Desempenho em Matemática ....................................................................... 29
Tabela Ensino Fundamental Regular - Brasil.......................................................................................... 30
Educação e exclusão na América Latina:
Exclusão por condição socioeconômica ............................................................................................... 32
Tabela Ensino Fundamental Regular - Paraná ..................................................................................... 38
Glossário das Tabelas e Mapas:................................................................................................................... 40
Anexos ................................................................................................................................................................ 41
I - Juventude, Violência e Vulnerabilidade Social na América Latina:
Desafios para Políticas Públicas ................................................................................................................................42
II - Biografia Cândido Portinari ...................................................................................................................................91
III - Roteiro do curso para turmas regionais ...........................................................................................................93
Poema...................................................................................................................................................................................95
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O Bicho
Manoel Bandeira
(Rio, 27 de dezembro de 1947)

Vi ontem um bicho

Na imundice do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa;

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.


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Apresentação
“O mercado produz desigualdade tão naturalmente
como os combustíveis fósseis produzem a poluição do ar.”
Eric Hobsbawn

Companheiras e Companheiros,

O programa de formação da APP-Sindicato em conjunto com a UFPR, nesta segunda


etapa, busca não apenas aprofundar conhecimentos sobre conteúdos políticos, sociais e
históricos, mas, também, possibilitar que os/as professores/as e os/as funcionários/as das
escolas públicas do Paraná tenham uma visão mais crítica da realidade, das relações sociais,
do mundo em que vivem. Os/as educadores/as precisam se perceber como sujeitos da
história, capazes de compreender a realidade e contribuir para sua transformação no dia a
dia.

Por isso, é com grande satisfação que apresentamos o nosso segundo caderno “Ca-
pitalismo, Estado e Desigualdade: Impactos na Política Educacional”. Este caderno servirá
de apoio às atividades desenvolvidas tanto na turma estadual quanto nas turmas regionais.

Após termos estudado e refletido sobre o processo da consciência e o método dia-


lético, vamos dar continuidade aos nossos estudos abordando temas como a formação da
sociedade brasileira, a função do Estado e as relações entre condições socioeconômicas e
condições educacionais. Além desses temas, o caderno traz indicadores de qualidade de
vida, concentração de renda e indicadores educacionais do mundo, da América Latina, do
Brasil e do Paraná.

Não podemos também deixar de chamar a atenção para as imagens que ilustram
o caderno. Na obra de Portinari – Retirantes (1944), que escolhemos para a capa, o pintor
queria não somente retratar uma situação, queria também denunciar as desigualdades so-
ciais tão acentuadas naquele período histórico. As fotos, nas palavras da professora Tais
Tavares, “servem para lembrarmos do porquê de tudo que estamos fazendo e que devemos
investir nosso tempo no que é fundamental: o destino das crianças do mundo todo!”

Desejamos que as leituras, os estudos e os debates feitos nesta etapa contribuam


para transformações nas nossas vidas, como educadores/as que somos, na perspectiva de
uma sociedade justa e igualitária.

Secretaria de Formação Política Sindical


APP-Sindicato
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Privatização do público,
destituição da fala e anulação da
política: o totalitarismo neoliberal

O texto do Professor Francisco de Oliveira, que vere-


mos a seguir, nos possibilita o entendimento das condições
concretas da formação da sociedade brasileira, resultante
de um neoliberalismo como um Frankenstein construído de
pedaços de social-democratas. Para isso o autor faz a uma
reflexão consistente e crítica explicitando as raízes e as con-
sequências de se viver numa sociedade onde o mercado,
Escola Ásia mundial, se pretende autoregulador e um estado funda-
mentado na acumulação e concentração de capital levando
a perda da centralização do trabalho e as transformações in-
ternas e externas da classe trabalhadora. Numa dinâmica de
privatização do público, anulação da política, do dissenso,
do desentendimento, violência, contradições, sob a alega-
ção de um o sistema do Estado do Bem-Estar.

Um texto e um debate de suma importância para um


curso que pretende a apropriação e o entendimento destas
Escola privada - Brasil
categorias e formas de análise, fundamentais para entender
as origens das desigualdades em que vivemos no intuito de
buscarmos permanentemente a superação e a transforma-
ção desta sociedade.
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Privatização do público, desti-


tuição da fala e anulação da polí-
tica: o totalitarismo neoliberal
OLIVEIRA, Francisco de. Os sentidos da democracia: políticas do dissenso e a hegemonia global. Orgs.
Francisco de Oliveira e Maria Célia Paoli. Brasília: Editora Vozes, 1999, p. 55-81.

1. Adágio: Para o sol que se põe em toda parte

O movimento neoliberal, entendido no sentido lato, talvez não esteja enganan-


do quando prega a volta ao indivíduo, ao reino do privado e ao consequente desman-
telamento da institucionalidade contemporânea que se forjou se não sob o signo do
coletivo, pelo menos sob o signo da segurança, ao invés do signo do contrato mercan-
til. Tudo isto foi o trânsito desde a Revolução Francesa, com o Código Napoleônico, até
o Estado do Bem-Estar; que se universalizou mesmo para os países da periferia do ca-
pitalismo, sob formas de simulacros, bem ou mal acabadas, seja do contrato mercantil,
seja do Estado do Bem-Estar. Já a redução da volta ao indivíduo com a prevalência
exclusiva do mercado como a única instituição reguladora, auto-reguladora tanto da
alocação dos recursos econômicos como das relações sociais e da sociabilidade em
sentido geral, é mais problemática, posto que o mercado enquanto instituição nada
tem de uma mera soma, de um mero agregado de vontades individuais, embora este
seja o pressuposto da teoria neoclássica, que assim faz a passagem do micro para o
macro, da microeconomia para a macroeconomia, das decisões individuais para a so-
ciabilidade geral. Mas permanece sob suspeita essa passagem e, portanto o entendi-
mento do mercado como uma instituição de regulação autoconstituída.
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Se a redução ao indivíduo permanece no


terreno meramente ideológico, ainda que se
constitua hodiernamente como a expressão ide-
ológica “par excellence” do movimento neolibe-
ral, a redução ao privado - que não é a mesma
coisa que o indivíduo - assenta-se noutras raízes,
sociologicamente distintas, das quais é possível
pesquisar seus fundamentos no próprio proces-
so da acumulação de capital e de sua concentra-
ção e centralização. Ao lado dos processos da ins- Escola África

titucionalização do Estado do Bem-Estar.


tivo), isto é, as profundas modificações na classe
Na interpretação original da constituição da operária. Mas o primeiro fenômeno diz respeito às
esfera pública, que remonta a Hegel e é retomada burguesias e no que adiante chamarei seu proces-
modernamente por Habermas, esta aparece como so de intensa subjetivação da acumulação de ca-
a constituição de um espaço de sujeitos privados pital, da concentração e da centralização, cujo em-
que assim se demarcam em relação ao Estado; em blema e paradigma é a globalização, que expressa
linguagem de Marx, a esfera pública de sujeitos a privatização do público, ou, ideologicamente,
privados é o lugar da concorrência entre os ca- uma experiência subjetiva de desnecessidade,
pitais, que inclui o mercado de força de trabalho. aparente, do público. Todo o discurso sobre as
Mas trata-se de uma esfera pública burguesa. Uma multinacionais, que ultrapassam e tornam obsole-
redefinição da esfera pública burguesa para uma tos os Estados Nacionais, são formas expressivas
esfera pública não burguesa - não chega a ser an- dessa subjetivação de uma experiência que, con-
tiburguesa - processou-se com o Estado do Bem- traditoriamente, foi alavancada (feíssima palavra)
Estar, onde os sujeitos privados, ou a concorrência justamente pelo Estado de Bem-Estar.
intercapitalista, e neste caso também o mercado
de força de trabalho, passam a ser regulados de Do outro lado da equação, um processo pareci-
fora, isto é, por uma racionalidade que Habermas do também atuou, ainda que com outros resultados.
chamaria de “administrativa”, ainda que seu supor- Ao lado das transformações na própria classe traba-
te material seja o conflito de interesses, ou a luta lhadora, suas transformações internas (composição,
de classes, em sentido marxiano mais rigoroso. especialização, sexo e gênero, composição etária,
ocupações e profissões etc.), que na verdade expres-
A experiência social de mais de sessenta sam suas transformações externas, vale dizer, suas
anos do Estado do Bem-Estar, se considerarmos relações com o capital, a posição na estrutura de clas-
a Grande Depressão de 29 como o marco da uni- ses, o menor conteúdo de trabalho vivo em cada áto-
versalização de medidas de bem-estar, produziu o mo de valor agregado, o que se transforma em uma
processo de sua “naturalização”, vale dizer, no sen- cadente quantidade operária, sua visibilidade, sua
tido habermasiano de esgotamento das energias auto-identificação, o Estado do Bem-Estar produziu
utópicas. Na base dessa “naturalização” estão dois uma espécie de “naturalização” administrativa das
fenômenos extremamente importantes, ao pri- conquistas e dos direitos que, ao tornarem-se prati-
meiro dos quais a literatura não dá nenhuma im- camente universais, liberaram-se, num processo bas-
portância, e ao segundo dos quais já se dedicou tante conhecido do ponto de vista de sua produção
bastante papel e que se tem chamado a perda de conceitual e também histórica, de sua base mate-
centralização do trabalho (Offe, como representa- rial, vale dizer, das próprias classes trabalhadoras.
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A “administrabilização” do Estado do Bem-Estar


é a produção do consenso que, para Rancière, produz
exatamente a anulação da política, posto que esta
“... a que rompe a configuração sensível na qual se de-
finem as parcelas e as partes ou sua ausência a partir
de um pressuposto que por definição não tem cabi-
mento ali: a de uma parcela dos sem parcela”1.

2. Largo: A formação da sociedade no


Escola Finlândia Brasil

O passo para, de novo com Habermas, esgotar as A formação da sociedade brasileira, se a re-
energias utópicas, como o abandono da militân- constituirmos pela interpretação de seus intelec-
cia sindical e até mesmo da simples adesão ao tuais” demiúrgicos”, a partir de Gilberto Freyre, Caio
sindicato, expressa-se nas baixas taxas de sindi- Prado Jr., Sérgio Buarque de Hollanda, Machado de
calização. Assis, Celso Furtado e Florestan Fernandes, é um
processo complexo de violência, proibição da fala,
Todo esse processo é a privatização do público. mais modernamente privatização do público, in-
Mais que as privatizações das empresas estatais, que terpretado por alguns com a categoria de patrimo-
apenas em dois países, Inglaterra e França, revesti- nialismo, revolução pelo alto, e incompatibilidade
ram-se de conteúdos explicitamente ideológicos da radical entre dominação burguesa e democracia;
luta de classes, no sentido de que as empresas esta- em resumo, de anulação da política, do dissenso,
tais eram os bastiões de importantes setores da clas- do desentendimento, na interpretação de Rancière.
se operária que fundou e viabilizou o próprio Estado
do Bem-Estar, enquanto que na grande maioria dos É óbvio que sua base estrutural constituiu-se
outros países as privatizações tiveram sentidos mui com o escravismo, o qual resume todo o anterior.
pragmáticos, a subjetivação descrita é uma privatiza- Particularmente Freyre põe as cores fortes na vio-
ção da esfera pública, sua dissolução, a apropriação lência sexual como apropriação do corpo e anu-
privada dos conteúdos do público e sua redução, de lação do outro, na proibição dos cultos africanos
novo, a interesses privados. Não é por outra razão que como proibição da fala, no rigor dos castigos como
as medidas de privatização, de dissolução da esfera proibição da reivindicação. Sérgio Buarque com o
pública, de destituição de direitos, de desregulamen- “homem cordial” insiste quase nas mesmas teclas: a
tação, por parte das burguesias e dos governos, en- astúcia da intimidade cordial é o horror das distân-
contram resistência social que não se transforma em cias que é o signo do não reconhecimento da alte-
alternativa política. É que essa subjetivação é comum ridade, das distintas proibições que anularam toda
aos dois lados da contenda, embora com sentidos de possibilidade de uma experiência subjetiva liberal.
classe bem diversos, o que a resistência social, sobre-
tudo contra as medidas típicas do Estado do Bem- Caio Prado Jr. explicará a trama estrutural
Estar (seguro-desemprego, seguridade em geral, dessa anulação, que não decorrerá de um caráter
aposentadoria etc.) tem mostrado na Europa, apesar qualquer ibérico - o exagero, talvez de Sérgio Bu-
de que sua passagem para a política se vê dificultada
justamente porque a ruptura da relação de conflito
1 RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento. Trad. de Ângela
é uma anulação da política, nos termos de Rancière.
Leite Lopes, São Paulo, Ed. 34, 1996, p.42.
APP-SINDICATO 13

arque - mas das determinações advindas da simul- marcha do Movimento dos Sem-Terra sobre Brasí-
taneidade entre a colônia como coetânea do capi- lia recupera, notavelmente, o espaço da política),
talismo mercantil e o escravismo como a marca de acurralam o sistema de dominação de classe, com
sua defasagem. o que a burguesia reage sempre sob a forma de
ditaduras.
Machado de Assis, na leitura de Roberto
Schwarz, desvela como a desfaçatez de classe se A história brasileira, desde a Revolução de
faz linguagem, retórica, antecipando notavel- 30, mostra que no espaço de 60 anos é possível
mente a “démarche” de Sérgio Buarque. Embora o contar duas ditaduras, a de Vargas entre 1930 e
registro teórico com que Schwarz interpreta Ma- 1945 e a que se seguiu ao golpe militar de 64, até
chado seja do campo marxista, é notável como 1984, perfazendo 35 anos de ditadura em 60 anos
dessa interpretação emergem Brás Cubas e Dons de história da mudança da dominação de classe.
Casmurros que podem ser lidos no registro do Mais, se se contar, além dos golpes que resultaram
“homem cordial”. em ditaduras, as tentativas de golpes falhados,
chega-se à média de um golpe ou tentativa para
Celso Furtado, em Formação econômica do cada três anos, desde 30 até 90. A hipótese de Flo-
Brasil, desvenda, sob o mesmo prisma do Marx restan, que recolhe toda a força da interpretação
de O 18 Brumário, uma revolução passiva que, anterior, que vem de Gilberto até ele, parece en-
sem embargo, mudou radicalmente os termos da contrar nos fatos da história brasileira uma dramá-
dominação de classes, mantendo, entretanto, as tica e triste confirmação.
antigas classes dominantes como aliadas de se-
gundo plano: uma operação semilampedusiana. Todo o esforço de democratização, de cria-
Toda essa riqueza de interpretação deságua em ção de uma esfera pública, de fazer política, enfim,
Florestan Fernandes, em A revolução burguesa, no Brasil, decorreu, quase por inteiro, da ação das
cuja hipótese mais radical é a da já quase impossi- classes dominadas. Política no sentido em que a
bilidade de que a dominação burguesa se revista definiu Rancière, já citado: a da reivindicação da
das formas revolucionárias, tendo em vista, agora, parcela dos que não têm parcela, a da reivindica-
por sua vez, o esgotamento de suas energias utó- ção da fala, que é, portanto, dissenso em relação
picas - Florestan não era um habermasiano, quem aos que têm direito às parcelas, que é, portanto,
tampouco havia chegado, à época de A revolução desentendimento em relação a como se reparte o
burguesa, a tais conclusões. todo, entre os que têm parcelas ou partes do todo
e os que não têm nada.
O que ele quis dizer é que em não havendo
rompido nunca com as bases do poder latifun- Larga seria a reconstituição desse processo,
diário, de um lado, e, de outro, em cedendo sua com a desvantagem de que, embora os grandes
primazia ao imperialismo internacional, a bur- clássicos brasileiros tenham posto o acento na vio-
guesia nacional havia realizado a passagem para lência da negação do outro, do corpo do outro, da
a dominação econômica de classe sem qualquer fala do outro, da parcela dos sem parcela, dos do-
ruptura revolucionária. Mais que isto, as transfor- minados, a recuperação da história dos domina-
mações que o capitalismo introduz na estrutura dos é muito recente. Tomaremos, pois, como pon-
de relações sociais, sobretudo a emergência de to de partida, brevemente, desde os anos trinta, e
um proletariado independente, a libertação do desde a tentativa de constituição dos partidos de
campesinato dos laços de dependência e da servi- classe, como movimentos das classes dominadas
dão (escrevo no momento - abril de 97 - em que a que abriram a política brasileira, ou, mais exata-
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mente, realizaram a façanha de fazer política. Partido Comunista do Brasil, que havia conseguido
quase 10% da votação na eleição presidencial de
É notável e reconhecido na literatura que 45, foi posto na ilegalidade. Aqui não se trata de sa-
tanto as sociedades de ajuda mútua organizadas ber qual o caráter do Partido Comunista do Brasil:
pelo operariado quanto os próprios sindicatos, trata-se de uma operação de anulação do dissenso,
anarquistas, anarco-sindicalistas, socialistas e pos- de silenciamento de algo que exatamente não obe-
teriormente comunistas, foram anulados e trans- decia aos cânones geométricos da distribuição das
formados pela ditadura de Vargas nos Institutos parcelas. E é inegável, qualquer que seja a avaliação
de Previdência e nos sindicatos tutelados. Essa a respeito da própria “polícia” do Partido Comunista
grande operação de silêncio, de roubo da fala, que do Brasil (há uma literatura a respeito cada dia mais
se sintetiza na busca da “harmonia social”, é bem o volumosa), que ele recolhia sua maioria de votos da
signo da anulação da política. Quando os fatores da classe operária das cidades mais industrializadas.
vitória aliada na Segunda Guerra Mundial intervie-
ram na correlação interna de forças políticas (ou de O varguismo ressurge nas eleições de 1950.
forças de polícia, no sentido que lhe atribui Ranciè- Mas o processo do varguismo, em que ele busca
re), derrubando Vargas, as classes dominadas am- apoiar-se no novo operariado urbano, que no pe-
pliaram o espaço de sua fala e o Partido Comunis- ríodo anterior ele havia simplesmente silenciado,
ta do Brasil (que tinha essa denominação, àquela começa a inverter os termos do problema. Em ou-
época), chegou a ter uma bancada considerável na tras palavras, o varguismo é redefinido a partir da
Câmara de Deputados, elegeu Prestes com a maior nova relação de forças estabelecida no seu inte-
votação para o Senado - maior que a do próprio rior, entre os velhos propósitos de cooptação, que
Vargas - tinha importantes bancadas em várias As- é o nome sociológico da anulação, e as necessida-
sembléias Estaduais e em muitas Câmaras de Vere- des de abrir o espaço para a iniciativa dos sindica-
adores de importantes cidades, como Rio, Santos tos, impostas para que o próprio varguismo possa,
e Recife, tinham quase a metade das cadeiras. Em agora, sobreviver ao confronto com a nova direita
muitas cidades operárias o Partido Comunista do liberal “ma non tropo” (UDN), de base sobretudo
Brasil chegou a ser majoritário nas respectivas Câ- urbana, e as velhas bases latifundiárias, represen-
maras de Vereadores. Em 1947, sob pressão norte- tadas no antigo PSD. Isto é, a operação de abertu-
americana, já inaugurada a Guerra Fria pelo famoso ra do varguismo é uma operação política da classe
discurso de Churchill, a que responderam as clas- trabalhadora, embora a interpretação sociológica
ses dominantes e as Forças Armadas brasileiras, o e de ciência política no Brasil insista no velho re-
frão, que toma ares de paradigma, de que o var-
guismo era a expressão de caudilhismo urbano.

O suicídio de Vargas é um golpe dirigido,


sobretudo a esse processo; que o velho estadista
o entendeu, ainda que parcialmente, prova-o seu
gesto extremo, geralmente interpretado apenas
como a recusa em entregar o poder aos seus ve-
lhos inimigos; outras razões, de foro íntimo, não
cabem nessa explicação, mas fica claro que, se elas
existiam, o detonador foi a tentativa dos grupos
dominantes em reduzir, novamente, o próprio Var-
gas a apenas um caudilho que cooptava massas;
Escola China
APP-SINDICATO 15

neste sentido, ainda que perigoso, ele era contro-


lável. Já como parceiro, ainda que em nível supe-
rior, dos sindicatos, ele ameaçava a “polícia” (polí-
tica) brasileira, entendida em termos de Rancière.

O golpe de 1964 tem todas as característi-


cas, de forma extremamente forte, de uma total
anulação do dissenso, do desentendimento, da
política. Como aliás, qualquer ditadura. A busca
do consenso imposto - que em termos gramscia-
nos pode parecer uma contradição - mostrava que
a política elaborada pelas classes dominadas havia
abalado até as raízes consenso “policial”.

As reformas de base, a grande bandeira uni-


ficada dos anos cinquenta e sessenta, que se am- Escola Peru
plifica extraordinariamente na década do golpe,
significavam o questionamento da repartição da no sentido de criar a política no Brasil. E isto dese-
riqueza, unificando também categorias diversas quilibrou profundamente a própria relação entre
de trabalhadores urbanos, classes médias antigas as classes dominantes, que viram ameaçada sua
e novas, profissionais de novas ocupações, agora possibilidade de fazer política “policial”, tanto no
autonomizados e, em geral, tendo invertido sua sentido rancieriano, quanto no sentido literal. O
velha relação com o populismo. O grande deba- elo mais fraco da cadeia, nos termos de Lênin, ha-
te sobre a educação colocou num novo patamar a via se revelado do lado dos latifundiários, e a cres-
questão da escola pública, da produção científica cente autonomia do campesinato e dos trabalha-
e tecnológica, o papel dos cientistas e intelectuais dores rurais ameaçava todo o esquema do poder.
que, nessa nova relação, tornavam-se “intelectuais
Para não esquecer nada, nas Forças Armadas
orgânicos” da política, sem que estivessem neces-
os praças de pré, desde soldados até sargentos,
sariamente ligados a partidos políticos.
reivindicaram o voto, isto é, a fala, desestruturan-
Mas talvez a amplificação mais notável da do a hierarquia, isto é, a ordem em que as partes
política tenha ocorrido mesmo no lado do campe- do bolo eram divididas. A política consistiu nisso:
sinato e dos trabalhadores rurais. As Ligas Campo- o desafio à hierarquia e a reivindicação do voto
nesas, menos pelo seu real poder de fogo, medi- punham por terra o papel policial em sentido lite-
do do ponto de vista de travar uma luta armada ral que as Forças Armadas desempenham na “polí-
com os latifundiários - quando ela ingressou por cia” das classes dominantes.
essa via seu verdadeiro potencial revolucionário
O golpe de Estado de 1964 e toda sua du-
se exauriu -, deram a fala, o discurso, capaz de rei-
ração não foram senão o esforço desesperado de
vindicar a reforma agrária e de des-subordinar o
anular a construção política que as classes domi-
campesinato, após longos séculos, da posição de
nadas haviam realizado no Brasil, pelo menos des-
mero apêndice da velha classe dominante latifun-
de os anos trinta. Tortura, morte, exílio, cassação
diária. O movimento pelo sindicalismo rural, que
de direitos, tudo era como uma sinistra repetição
conflitava em objetivos imediatos com as Ligas
da apropriação dos corpos e do seu silenciamen-
Camponesas, entretanto confluía com as mesmas
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de, ao enfrentar diretamente os grandes grupos


econômicos, obrigando-os a acordos salariais,
evitando, assim, a tutela do Ministério do Traba-
lho que permanecia meramente formal. Criando
comitês de luta contra a carestia, na década de
setenta, deslocando a luta do terreno da reivindi-
cação salarial para o terreno das políticas públicas,
através dos movimentos populares, criando mi-
lhares de comitês pela anistia e pela constituinte,
as classes dominadas reinventaram a política e
novamente encurralaram as forças dominantes,
que, à falta de capacidade para se autodirigirem,
haviam deixado, desde o golpe de 64, a tarefa diri-
gente nas mãos das Forças Armadas. Como à crise
de hegemonia, nunca resolvida, somou-se uma
crise de previsibilidade, as Forças Armadas viram,
de repente, fugir a terra de sob seus pés. Reapare-
Escola Brasil ceu, então, em lugar do consenso imposto, o con-
senso “policial”, isto é, democrático.
to, do seu vilipendiamento, da saga gilbertiana.
Sindicatos mais que tutelados passaram a admi- Nessa passagem, o movimento popular
nistrações diretamente nomeadas pelo Ministério prosseguiu na ofensiva, até a Constituinte de
do Trabalho, além, é claro, da regulação adminis- 1988, a chamada “cidadã”, por Ulysses Guimarães.
trativa dos conflitos e da fixação, igualmente por Toda a reivindicação anterior ganhou foros de di-
via administrativa, dos salários, seus pisos e, por reito, na letra da Carta Maior. O direito ao trabalho,
consequência, seus tetos, e a própria formação do o direito à auto-organização (os assalariados já ha-
mercado de força de trabalho. Uma sinistra produ- viam criado esse direito, ao criarem as centrais sin-
ção de mercadorias sem equivalente, sem a ilusão dicais, proibidas legalmente até então), o direito à
da liberdade, que Friedrich Pollock já havia qualifi- saúde, o direito à educação, o direito da criança e
cado, nos anos trinta, como o sinal mais caracterís- do adolescente, o direito à terra, o direito ao habe-
tico do fascismo. E uma anulação da possibilidade as-corpus (a talvez mais antiga negação do corpo
da reivindicação da parcela dos que não têm par- na formação da sociedade brasileira), o direito ao
cela, tanto na produção quanto na distribuição do habeas-data (talvez a outra mais antiga negação,
produto social. a da fala, a do discurso), o direito a uma velhice
digna e respeitada, enfim, todas as reivindicações
Penosamente, na brecha das próprias con- que significam política como o processo mediante
tradições da expansão capitalista poderosamente o qual se põe em xeque a repartição da riqueza
ajudada por esse quase fascismo, as classes sociais apenas entre os que são proprietários, ganhou
dominadas voltaram a reconstruir a política. Pon- uma forma, talvez a mais acabada que as condi-
do por terra e inviabilizando a política salarial do ções históricas permitiam.
governo e, com isso, sua capacidade de previsão
e de aglutinação do novo e poderoso bloco bur- Além disso, convém não esquecer, em 1989,
guês, recuperando suas entidades antes sob inter- outra vez, talvez mais radicalmente que em 1964,
venção e, engenhosamente, encontrando formas exatamente como desenvolvimento da política
APP-SINDICATO 17

das classes dominadas, o regime político e o pró- 3. Prestíssimo: para o ocaso brasiliano
prio sistema social sofreram um terremoto que,
na escala Richter de medição de abalos, talvez Esse processo desenvolve-se, agora, de for-
tenha chegado perto dos 7 (o máximo da esca- ma plena e acabada, sob a égide da presidência
la Richter parece ser 8), quando o candidato da de Fernando Henrique Cardoso. Vale a pena ten-
esquerda chegou a quase 50% dos votos no se- tar entendê-lo sociologicamente, para buscar a
gundo turno das eleições presidenciais, contra raiz real de como a política “policial” tenta anular
Fernando Collor de Mello. e destruir a política construída pelas classes domi-
nadas.
As classes dominantes e o sistema como
um todo entregaram-se totalmente ao seu “sal- De qualquer modo, o intenso processo de
acumulação alavancado (outra vez essa feíssima
vador”, apesar de que ele era um “outsider”, um
palavra) pelo regime militar mudou as relações
messiânico, e, como se revelou depois, desprepa-
e a hierarquia entre as classes dominantes, suas
rado para costurar forças tão disparatadas, além
distintas expressões, suas frações agrárias, indus-
de invadir santuários da corrupção instalados
triais, financeiras e de serviços2, sua origem entre
na trama dos negócios entre sistema privado de
capital nacional, internacional e estatal produtivo,
empresas, o sistema estatal produtivo e Estado
suas antigas fraturas regionais, a importância dos
“condotiere” que se dessangrava. Um sequestro
ramos e setores, desde a antiga prevalência têxtil-
de ativos financeiros que só encontrou paralelos
alimentar à atual químico-petroquímico-metal-
na crise de Weimar, sob Hjalmar Schacht, não tão mecânico e particularmente automotivo, seus
estranhamente o subsequente intocável ministro graus de concentração, oligopólio e monopólio.
das finanças do nazismo, foi aplaudido por todas Esse intenso processo, articulado financeiramen-
as forças burguesas como o preço a pagar para te pelo Estado como um capital financeiro geral,
salvar-se de Lula e seus “sequazes petistas-comu- e, na maior parte dos casos, como capital estatal
no-nacionalistas”. O jornal A Folha de S. Paulo pu- produtivo - isto é, o papel do Estado subsidiando
blicou um editorial intitulado “Custe o que cus- a formação de capital e, ao mesmo tempo, através
tar” e viu, dias depois, que esse custo traduziu-se das empresas estatais, constituindo a nova rede
em invasão de seus escritórios e devassamento de relações industriais - na crise da dívida externa
de sua contabilidade. Nem assim o jornal mudou, dos anos oitenta, terminou convertendo a refe-
imediatamente, de posição. rida dívida em dívida interna pública, com o que
esgotou o papel de “condotiere” do Estado na ex-
O que as classes dominantes e o sistema pansão capitalista. O Estado “falido”, uma expres-
dominante em geral conferiram a Collor foi a são imprópria que a mídia tratou de divulgar, dava
transformação de seu mandato, conquistado na conta desse esgotamento.
eleição com os votos populares contra um Esta-
do que se desfazia e que ele simbolizou nos po- A crise interna do Estado colocou os holofo-
bres funcionários como “marajás”, em um manda- tes sobre a despesa pública e converteu as despe-
to destrutivo da política construída pelas classes sas sociais públicas no bode expiatório da falência
dominadas - a esse processo eu chamei de a fal-
sificação da ira, título do livro em que tratei de in-
terpretar a metamorfose entre o Collor vingador 2 OLIVEIRA et alii. “Quanto melhor, melhor: o acordo das
de marajás e o Collor destruidor das organiza- montadoras”, in: Novos estudos CEBRAP, n° 36, julho/1993; e OLI-
VEIRA, F. e COMIN, Alexandre, “Os anéis de Mercúrio”, relatório de
ções populares. pesquisa ao CNPq, 1995.
18 APP-SINDICATO

do Estado “condotiere”, quando na verdade isto rência, somente se sustenta como uma extensão
se deveu à dívida interna pública e ao serviço da do privado. O processo real é o inverso: a riqueza
dívida externa da simultaneidade das duas crises, pública, em forma de fundo, sustenta a reprodu-
com a incapacidade clássica das burguesias em tibilidade do valor da riqueza, do capital privado.
abrirem-se para a política, o que significa dizer Esta é a forma moderna de sustentação da crise do
que a resolução de seus impasses não conseguia capital, pois anteriormente, como nos mostrou a
ser arbitrada, abriu o passo a que a solução bur- Grande Depressão de trinta, assim como todas as
guesa viesse, uma vez mais, de fora para dentro, grandes crises anteriores, o capital simplesmente
agora na forma da globalização. Dito de outro se desvalorizava.
modo, a solução da inflação, que nada é mais que
o conflito distributivo pela mais valia, foi resolvido A esse processo objetivo corresponde uma
pela abertura comercial, isto é, pela competição subjetivação da experiência burguesa no Brasil de
internacional que abocanhava partes crescentes hoje que é radicalmente antipública, no sentido
da mais-valia produzida internamente. Com o que da esfera pública não burguesa ou cidadã, como
estabilizaram-se os preços, mas ao preço - é boa prefere Habermas, no sentido de uma experiência
a redundância - de uma permanente injeção de de transcendência dos próprios âmbitos de classe.
capitais especulativos que, ao mesmo tempo que
cobre a brecha comercial, atua sustentando uma Essa falsa consciência de desnecessidade do
moeda fictícia, que é o público decorre da aparência de empréstimo de
real. dinheiro das em-
presas ao Estado,
A introdução de critérios micro via títulos da dívida
Esse intenso
processo levou a uma na racionalidade estatal a trans- pública mobiliária
subjetivação perigosa interna, de um lado,
forma, subliminarmente, em da herança da dita-
por parte das burgue-
sias, que é isto a que se uma racionalidade privada. dura militar em que
chama a privatização, a política “policial”
de que a privatização era tão-somente
das empresas estatais é apenas a forma mais apa- a repartição do produto social entre os proprie-
rente. Do que se trata é de algo mais radical, que tários, mediada por uma burocracia, elevada por
é a privatização do público, sem a correspondente alguns áulicos, entre os quais “et pour cause” o
publicização do privado que foi a contrapartida, atual Ministro da Reforma do Estado e da Admi-
ou a contradição, que construiu o sistema do Esta- nistração, à categoria de “tecnocratas” (um pasti-
do do Bem-Estar3. che do John Kenneth Galbraith de O novo Estado
industrial) que não representava a razão do Estado
A privatização do público é uma falsa cons- ou do público, mas como a própria expressão áu-
ciência de desnecessidade do público. Ela se obje- lica ideologizou querendo neutralizar, era apenas
tiva pela chamada falência do Estado, pelo meca- a expressão técnica daquela repartição, excluídos
nismo da dívida pública interna, onde as formas os que não eram proprietários, do conflito pela re-
aparentes são as de que o privado, as burguesias ferida repartição.
emprestam ao Estado: logo, o Estado, nessa apa-
Essa aparência levou a uma outra experiên-
cia, que é a da constante troca de posições no Es-
3 RANGEON, F. L’Ideologie de L’Intéret General. Paris, Eco- tado e na empresa privada: ministros e altos esca-
nomica, 1986.
APP-SINDICATO 19

Tal é mesmo o sentido das privatizações


“stricto sensu”. Não parece haver razão para a
existência de uma forma diferente de empresa,
precisamente de uma empresa que representas-
se aquele universal abstrato, a “comunidade ilusó-
ria”, que pudesse assegurar as condições gerais da
concorrência intercapitalista. Em parte porque as
próprias empresas estatais foram convertidas pela
ditadura em simulacros de empresas privadas, e
nessa condição operam pela mesma “rationale”:
em parte porque as burguesias consideram que
o domínio de classe que já lograram torna desne-
cessário que uma parte do sistema mova-se por
“leis” distintas das que movem o sistema privado,
vale dizer, uma formação diferente da taxa de lu-
Escola Brasil
cro, uma relação com o Estado e com as próprias
empresas privadas de outra qualidade, vale dizer,
lões que são retirados das empresas, que voltam
nos termos de Polanyi, que as empresas estatais
às mesmas tão logo deixam os cargos e funções
representem a politização necessária do merca-
estatais e/ou governamentais, numa promiscui-
do, a correção da produção de mercadorias pelas
dade de que não há notícia mesmo em países de
mercadorias, como diria Sraffa.
forte tradição liberal. Essa promiscuidade como
que atuou no sentido de borrar, subjetivamente,
Na experiência cotidiana, de há muito as
as barreiras e fronteiras entre o público e o pri-
burguesias e seus altos correlatos, as altas classes
vado, ou mais radicalmente, atua no sentido de
médias e todos os que Reich e Lasch chamaram
que tudo é privado: as pessoas funcionam como
de “analistas simbólicos”, já não têm nenhuma ex-
persona, não apenas em razão de um trânsito que
periência de transcenderem seus limites de classe,
baralha os papéis, mas porque a racionalidade das
a experiência de convivência com outras classes
decisões é fundamentalmente privada. A intro-
sociais. Seus cotidianos são extremamente fecha-
dução de critérios micro na racionalidade estatal
dos, cerrados, claustrofóbicos, homogêneos. Uma
a transforma, subliminarmente, em uma raciona-
breve descrição servirá para mostrar que esse co-
lidade privada. De par com o método de custos/
tidiano foi forjando uma subjetividade a qual se
benefícios passa-se, como mestre Weber ensinou,
aparenta com as outras já descritas, formando o
da razão substantiva para a razão instrumental: há
“homem privado” contemporâneo, que é a base
uma ruptura para um outro paradigma, que passa
social sobre a qual se sustenta o neoliberalismo;
a presidir as decisões do Estado. Assiste-se como
que no final de contas é sua expressão.
que a uma regressão do universal abstrato como
processo que cria o Estado como “comunidade No Brasil, e provavelmente em todos os ou-
ilusória” para o mero chão de interesses privados tros, o grande burguês e seus correlatos têm um
que, já agora, não se universalizam, já não têm, cotidiano totalmente fechado em seu próprio cír-
aparentemente, a necessidade de liberarem-se de culo. Em casa, é cercado de criados, cujo estatuto
sua forma de interesses privados, tal o nível da do- de empregados assalariados foi realmente rebai-
minação, ou sobretudo da experiência subjetiva xado para o de servos; não por acaso, várias perso-
vivida pela burguesia. nalidades políticas, nos USA, tiveram seus nomes
20 APP-SINDICATO

mas seus prebostes dos “recursos humanos”. As


diversas estratégias que a sociologia chama de
cooptação, que incluem todas as modalidades
das chamadas “japonesas”, não são outra coisa
senão a tentativa de quebrar a representativi-
dade sindical e deslocar o eixo da negociação
para o terreno micro do interesse de cada um,
onde a possibilidade da fala como recurso dis-
Escola Brasil cursivo para a reivindicação é completamente
anulada. Dá-se como contrapartida prêmios
“queimados” para ocuparem posições no governo individuais, que reforçam a exclusão da fala (v.
democrata de Clinton porque não pagavam pre- Cibele Rizek4).
vidência social para seus empregados; eles eram
clandestinos. Isto ocorre no Brasil também entre À noite, para completar, o empresário
as mais graduadas personalidades; ali não há di- “moderninho” completa seu dia entre uma noi-
álogo nem a fala do outro. Ao sair para o traba- tada, ao estilo Olacyr Moraes, gastando virtu-
lho, o faz cercado da maior segurança: carros de osamente aquilo que vitorianamente poupou,
segurança o seguem, à frente e atrás, e muitos ou participa das grandes celebrações de hoje
mesmo já se locomovem dentro da cidade de he- do mundo burguês, das quais ele é inclusive
licópteros. Ao chegarem ao trabalho, a recepção patrocinador: algumas das grandes sessões da
se dá por elevadores privados, em prédios “inte- ópera, dos patronos do Municipal, do Mozar-
ligentes”, e o máximo de contato com membros teum, da Sociedade de Cultura Artística, alguns
de outra classe social se dá com as secretárias e até são presidentes da fundação da Bienal de
com os serventes que servem café e bebidas, nas Artes Plásticas, ou simplesmente, na maio-
reuniões. A relação com as secretárias é cada vez ria dos casos, está fora do país, divertindo-se
mais tecnificada, sendo substituído o contato hu- “comme il faut”. Em todos os casos, os mesmos
mano pelos faxes, internets, intercomunicadores, poderosos esquemas de segurança o seguem,
e o velho e bom telefone. A secretária é, já, um ser esquadrinhando cada metro de terreno que
meramente virtual. pisam ou por onde passam, evitando, a qual-
quer custo, qualquer contato com qualquer ser
O cotidiano de um empresário passa-se sem- extraterrenal, vale dizer, de outra classe social.
pre nesse “circuito fechado”, de seu gabinete para Raros deles exibem ainda uma antiga vocação
reuniões com outros em empresários em ambien- altruísta, cuidando de instituições privadas de
tes semelhantes. Muito raramente defrontam-se, assistência pública, como Antônio Ermírio de
por exemplo, com representações de trabalha- Morais, mas mesmo aí o público é privado, pos-
dores: se esse fato era mais comum na década de to que é apenas constituído pelos pacientes e
70, hoje ele é raríssimo: não apenas os assesso- estes, desde uma velha nomeação que data dos
res os substituem, como a dinâmica do conflito, fins da Idade Média, já são destituídos da fala e
por estratégia da burguesia, está transitando do da reivindicação, como os loucos (Michel Fou-
sindicato para o chão de fábrica, do coletivo de cault, L’Histoire de la Folie dans I’Âge Classique).
trabalhadores de uma categoria para pequenos
coletivos de trabalhadores de cada empresa, de
cada fábrica e de cada seção de fábrica, onde não 4 RIZEK, C. e MELLO E SILVA, Leonardo. Relatório do Proje-
é o patronato, com suas caras oficiais, que está lá, to “Trabalho e qualificação no Complexo Químico paulista”, julho
1996, mimeo.
APP-SINDICATO 21

Uma das passagens possíveis durante o dia é A crise do Estado, vista do ângulo de sua
o deslocamento para algum escritório do Estado. impotência para deter, realmente, o monopólio
Ali, sobretudo nos mais altos escalões, o sentido da violência legal, é uma consequência, objetiva-
de uma experiência que é apenas privada, que se mente, de sua dilapidação financeira, e, subjeti-
passa apenas entre homogêneos, se reproduz: a vamente, da falsa consciência da desnecessidade
fala é igual, os objetivos são iguais, anulam-se as do público pelas burguesias e seus afiliados. En-
diferenças entre Estado e Sociedade, entre Esta- cerrando-se claustrofobicamente em seu mundo,
do e Mercado e finalmente entre o governo e as cercado de seguranças privados por toda parte,
empresas; mais frequentemente, quem estava na as burguesias desinteressaram-se da polícia, em
empresa ontem, pode estar no Estado hoje, e vi- sentido literal, como elemento ostensivo do mo-
ce-versa. Tome-se o atual ministério do Presidente nopólio da violência pelo Estado. O estado de
Cardoso: nunca houve, em ministério algum, uma guerra civil larvar, e, em alguns casos, aberta, não
taxa tão alta de empresários. E, reciprocamente, é senão uma consequência dessa dupla determi-
nunca houve uma taxa tão alta de ex-altas figuras nação. Como resultado, a própria polícia “pública”
do primeiro e segundo escalão que tenham dei- privatizou-se no pior sentido: de um lado, a cor-
xado o governo e se instalado confortavelmente rupção instalou-se para não mais sair, como cor-
num banco ou numa alta consultoria empresa- relato da grande corrupção burguesa - nos dias
rial ou ido diretamente para a alta direção de um da ditadura, os grandes corpos de repressão eram
grande grupo econômico-financeiro. alugados pelas grandes organizações para ofere-
cerem “proteção”, no melhor sentido mafioso. Essa
Essa experiência subjetiva, ao lado da objeti- experiência, em que policiais experimentaram re-
vidade - que é sempre uma exteriorização, lembre- lações com a alta burguesia, e experimentaram a
mo-nos da velha lição dos Manuscritos econômico- aquisição de altas rendas, espraiou-se para todos
filósoficos, Marx e Engels, sim senhor - da falência os níveis policiais: da corrupção com o tráfico de
do Estado, constitui a pedra de toque da privatiza- drogas e os banqueiros do jogo de bicho, às em-
ção do público. Este aparece como desnecessário. presas de proteção e de transporte de valores, que
E uma reforma do Estado que o faça parecer-se são quase todas de propriedade de policiais, até
com essa objetividade subjetivada, vale dizer, com os hotéis de alta rotatividade, a alta cúpula das
a empresa privada e com a experiência burguesa polícias, civil e militar, trata, hoje, sobretudo, de
cotidiana, constitui a reificação quase necessária negócios privados. De outro lado, os baixos esca-
desse movimento. Não à toa, o Ministro da Refor- lões tratam os conflitos privados entre os cidadãos
ma do Estado e da Administração é o que encarna como uma coisa dela, como um negócio privado,
melhor essa proposta reducionista: o Estado deve como se os conflitos privados entre cidadãos, que
ter a mesma “rationale” da empresa privada; deve acontecem em qualquer parte do mundo, fossem
retrair seus efetivos quando a crise o ordena; deve conflitos com a polícia. O absenteísmo burguês
aplicar os mesmos critérios aos negócios (licitação que tornou o Estado impotente e roubou-lhe o
de bens públicos, p. ex.), que uma empresa priva- monopólio legal da violência criou o monstro de
da. Desnecessário dizer que o referido ministro uma polícia oficial que age como se estivesse tra-
provém não apenas da empresa privada, mas da tando de negócios privados: mata, tortura, extor-
tradição norte-americana de indiferença entre a que, cobra proteção, no pressuposto, quase sem-
função pública e a função privada e mais: provém pre confirmado, de que o absenteísmo burguês a
do núcleo emblemático desse novo paradigma torna imune e impune. Tal é o outro sentido trági-
que é a organização de “marketing”. co da privatização do público operado no Brasil.
22 APP-SINDICATO

Enquanto isso, as classes dominadas ten-


tam, por todos os meios, construir a política, fazer
política. Uma das formas mais exemplares a esse
respeito foi construída pela experiência da câma-
ra setorial da indústria automotiva, cujo processo
está descrito, primeiramente sob a forma de hipó-
tese, em Oliveira et alii5, e analisado por Cardoso
e Comin6 além de mais alguns textos. Resumin-
do, na ausência de política industrial para o ramo
Escola Brasil
automotivo, trabalhadores metalúrgicos e empre-
sários das montadoras de automóveis e das au-
Além disso, nas condições concretas do ab- topeças reuniram-se numa câmara setorial, cujo
senteísmo burguês, da falsa consciência da desne- propósito original havia sido, simplesmente, o de
cessidade do público, de sua privatização, da im- regular preços. Depois de uma severa crise, que
potência do Estado, e da política de estabilidade atingia os trabalhadores, que experimentaram,
monetária, que sacrifica o social no altar de uma pela primeira vez, o fechamento de uma montado-
falsa moeda, a guerra civil implantou-se no meio ra no Brasil - depois das primeiras, como Renault,
das classes pobres. Estudos do IPEA, apresenta- Kaiser e Chrysler que no início dos anos sessenta
dos na última reunião anual da ABEP, já indicavam retiraram-se do Brasil, vendendo suas plantas para
que assassinatos, suicídios e acidentes de trânsito algumas das atuais - e as empresas, que experi-
apareciam como 70% das “causa mortis” na faixa mentaram sérios reveses em suas taxas de lucro,
etária masculina dos 15 aos 24 anos, nas capitais o que aconteceu também com os produtores de
brasileiras, justamente quando o jovem entra no autopeças, os três atores principais modificaram
mercado de trabalho; um estranho mecanismo os termos da câmara setorial para compromissos
malthusiano! Estudos recentes, patrocinados pelo de aumento da produção, renovação tecnológica,
Programa de Aprimoramento das Informações de garantia de emprego e de salários, política de ex-
Mortalidade-Pro-Aim, publicados na Folha de S. portação, e uma série bem longa de uma agenda
Paulo no domingo, 20 de abril de 97, esclareciam de discussões e de objetivos que constituía uma
parte do enigma: são operários braçais, não qua- verdadeira revolução nas relações capital-traba-
lificados, 32% deles morreram, em 1995, antes de lho no Brasil. A União entrou com uma redução no
completarem 25 anos, que estão se matando uns IPI e os Estados da União com reduções do ICMS,
aos outros. O homicídio é, aliás, também a princi- o que possibilitou pelo conhecido mecanismo
pal “causa mortis” em quatro (incluindo-se os bra- da elasticidade - preço da demanda, uma rápida,
çais) dos sete grupos ocupacionais pesquisados. sustentada e notável recuperação de seus níveis
e, consequentemente, dos níveis da produção. Há
Não se trata de um fenômeno criado no go- toda uma literatura, representada principalmente
verno FHC, posto que ele decorre do largo pro-
cesso que tentamos descrever, mas sem dúvida a
ideologia oficial, a desmoralização dos trabalha- 5 OLIVEIRA et alii. “Quanto melhor, melhor”, in: Novos estu-
dores, de funcionários públicos, a desmoralização dos, Cebrap, julho/1993.
da própria função pública, o apontar tudo que é 6 CARDOSO, Adalberto e COMIN, Alvaro. “Câmaras Seto-
riais, modernização produtiva e democratização das relações capi-
público como inimigo de cada indivíduo tem uma tal-trabalho. A experiência do setor automobilístico no Brasil”, in:
carga simbólica mortífera, que amplificou extraor- CASTRO, Nadya (org.). A máquina e o equilibrista. São Paulo, Paz e
Terra, 1995; ARBIX, Glauco. Uma aposta no futuro: Os primeiros anos
dinariamente a tragédia que já ocorria. da Câmara Setorial. São Paulo, Scritta, 1996.
APP-SINDICATO 23

por Armando Boito e Ricardo Antunes, do lado da


esquerda e por Gustavo Franco, “enfant gaté” do
presidente FHC do lado da direita, que acusou e
acusa ainda o acordo de “corporativista”.

Em resumo, o acordo, que enquanto vida


teve revelou-se notável sob todos os pontos de
vista, de repente entrou em declínio, desde que
Fernando Henrique Cardoso assumiu a pasta da
Fazenda, ainda no Governo Itamar Franco, sendo
Escola Paquistão
que o presidente era ostensivamente a favor do
acordo. Cardoso começou a boicotá-lo sistemati- gica difícil imediatamente de ser adotado por ou-
camente e, a partir do exercício da presidência, o tros setores7 em termos de regulação (no sentido
boicote transformou-se simplesmente em liquida- atribuído pela escola francesa da regulação, Boyer,
ção do acordo. Aglietta, Lipietz e outros), mas que poderia obrigar
a uma política macro em cujo epicentro o acordo
Não é nenhum mistério essa liquidação. O agisse como paradigma. O acordo não se prestava
acordo não interessava ao governo FHC em pri- à não-disciplina dos preços, ou ao simples exercí-
meiro lugar e acima de tudo porque ele constituía cio do poder de oligopólio das montadoras e das
um recurso político, uma criação política de uma principais empresas de autopeças, ou a deixar-se
importante categoria de trabalhadores, central na influenciar pela abertura comercial.
luta de classes no Brasil, na organização da princi-
pal central do trabalho, a CUT. Isto se parece com De outro lado, não interessava a FHC os li-
voluntarismo, mas por trás dessa aparência está o mites que o acordo impunha para a entrada de
fato de que a permanência do acordo obrigaria a outras montadoras, que era sua grande arma para
uma permanente negociação e, portanto, à nega- seu projeto de crescimento e para garantia de en-
ção de que, em termos de Rancière, o bolo já está trada dos dólares necessários para manter a po-
repartido entre os proprietários. O que os sectá- lítica de abertura que faz a permanente ameaça
rios de esquerda inclusive não conseguem ver é aos preços e mantém a estabilidade monetária. Há
que essa forma de política, mais que a aparência várias razões objetivas pelas quais o acordo não
revolucionária que a antiga atitude da CUT tinha, poderia, nunca, caber no perfil do governo FHC.
e que eles nostalgiam, punha em xeque a divisão Resta responder por que as montadoras e empre-
do bolo, punha em xeque a propriedade, pois a in- sas de autopeças aderiram à câmara, para depois
trodução da tecnologia, a dispensa de trabalhado- entrar em acordo com o governo, retirando a via-
res, teriam que passar pelo crivo do sindicato. Em bilidade ao pactado com os trabalhadores.
outras palavras, o investimento dos proprietários
teria que passar pelo crivo dos trabalhadores. Teria A primeira parte da resposta é que, nas con-
sido um nível que apenas a social-democracia em dições de alta inflação, as empresas, que vinham
seus melhores momentos e talvez apenas na Sué- apresentando sérios prejuízos8 não tinham outros
cia e na Alemanha da co-gestão tenha alcançado.

Em termos do projeto de governo de FHC, 7 MELLO E SILVA, Leonardo. A generalização difícil. Tese de
o acordo seria uma permanente pedra no sapato, Doutoramento. São Paulo, FFLCH-USP, Departamento de Sociolo-
gia, 1997.
inclusive porque ele teria uma qualidade pedagó-
8 COMIN, Alexandre. “Crise e concentração: Quem é quem
24 APP-SINDICATO

parceiros para tentarem sair da situação senão os


imediatamente interessados, isto é, os trabalha-
dores da categoria de metalúrgicos. Toda uma his-
tória anterior do próprio conflito entre eles havia
mostrado aos dirigentes dessas empresas (v. en-
trevista de Luis Adelar Scheuer, diretor da Merce-
des-Benz e então presidente da ANFAVEA, sobre
Vicente Paulo da Silva, então presidente dos me-
talúrgicos de São Bernardo, na revista VEJA) que
as representações dos trabalhadores com as quais
lidavam tinham alta credibilidade nas suas cate- Escola Irã
gorias e em vários setores da sociedade. Mesmo
em sendo filiais de montadoras de grande porte chamado ‘’Acordo das Montadoras”, nome pelo
no setor mundializado do automóvel - o que não qual ficou conhecida a Câmara Setorial do Ramo
era o caso da maior parte das indústrias de au- Automotivo.
topeças - parece ser que as matrizes estavam se
desinteressando das filiais brasileiras, de que o fe- No momento em que o governo FHC, des-
chamento da fábrica de motores da Ford em São de o lançamento do Plano Real, ainda no governo
Bernardo do Campo foi um dos sinais mais eviden- Itamar, firmava sua condição de aglutinador dos
tes. A associação Volskwagen-Ford vinha se reve- interesses burgueses e amalgamador dos diver-
lando problemática para ambas, mas as direções sos grupos políticos, desde o centro para a direita,
centrais pareciam não tomar nenhuma diretriz as montadoras retiraram também seu interesse
que as tirasse do atoleiro; os carros fabricados no do acordo automotivo. Já não havia necessidade
Brasil tinham, em média, um atraso relativo de 10 dos trabalhadores, segundo o novo estado da luta
a 14 anos em relação aos que suas montadoras de classes e a hegemonia que o governo lograva,
matrizes lançavam em seus mercados originais, e dia a dia, sobre as várias frações burguesas e sua
o grande competidor, o Japão, parecia não se in- capacidade de amalgamar interesses e clivagens
teressar pelo mercado brasileiro, figurando aqui, tão diversas. Prosseguir com o acordo seria deixar
desde os anos setenta, com uma minúscula mon- crescer uma caixa de ressonância e de dissenso,
tagem de utilitários Toyota. Apenas a Fiat escapa- num ambiente já apaziguado, segundo indicava
va do quadro geral de estagnação, fazendo da filial toda a ambiência da política “policial” brasileira.
brasileira seu principal empreendimento fora da
Itália e inscrevendo-a, definitivamente, na sua es- O episódio do boicote e do estrangulamento
tratégia mundial. Por isso, a Fiat havia passado de da câmara setorial do setor automotivo revela até
última colocada no “ranking” das montadoras no que ponto esvaziou-se propositalmente a esfera
Brasil para o segundo lugar, logo atrás da Volkswa- pública que poderia regular os conflitos através
gen. E, não por acaso, a Fiat sempre foi contra o da publicização do dissenso, através da operação
dialética da privatização do público - que consis-
tia nos impostos que eram reduzidos para que o
acordo funcionasse - e na publicização do priva-
na indústria de São Paulo”, in: Novos estudos, Cebrap, n° 39, ju-
lho/1994; BELLO, Carlos Alberto. “Queda da taxa de lucro e confli- do, isto é, na própria publicização do dissenso e
tos distributivos na indústria de São Paulo nos anos 80”, in: CEBRAP no fato de que os critérios do investimento, do lu-
– Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Relatório parcial da
pesquisa – Democracia e Poder Econômico: A Legislação Antitruste cro e suas margens, da reestruturação produtiva
Brasileira diante dos processos de concordatas e centralização de e do emprego das novas tecnologias, da defesa
capitais à escala mundial, São Paulo, 1996.
APP-SINDICATO 25

do nível do emprego e da renda dos trabalhado-


res, passavam a ser discutidos e acordados publi-
camente. Isto é, as classes sociais transitavam de
seus invólucros privados para sua forma pública, o
que leva a maioria da sociologia ingênua a pensar
que já não há mais classes sociais.

Fica-se, então, apenas com a privatização do


público. Que nessa operação necessariamente se
desfaz e torna-se meramente privado, particular,
sem transcendência. O que a destruição do públi- Escola Índia

co opera em relação às classes dominadas, como


por essa razão que o Movimento dos Sem Terra é
o exemplo da câmara setorial do setor automotivo
hoje o único que faz política no Brasil e, se aceitar
nos mostra, é a destruição de sua política, o roubo
as armadilhas do governo, rapidamente cairá em
da fala, sua exclusão do discurso reivindicativo e,
descrédito.
no limite, sua destruição como classe; seu retro-
cesso ao estado de mercadoria, que é o objetivo
A arma da desmoralização da fala, do discur-
neoliberal.
so, tem sido uma das tônicas mais presentes no
governo FHC. Sua arrogância em nomear como
Essa operação de destruição da fala, do dis-
ignorantes, atrasados, burros, neobobos, todos
curso que reivindica, que interpela o outro, para
os que se opõem a seus métodos, não tem outro
substituí-Ia pelo eterno “você me entendeu” de
objetivo: a anulação da fala e, através dela, a des-
Rancière, que significa que o outro não entendeu
truição da política, a fabricação de um consenso
e não pode entender, tem sido sistemática no go-
imposto, ao modo das ditaduras. Ele já obteve
verno FHC. Ao destruir os recursos políticos que
esse resultado, em parte, com os principais sin-
uma categoria como a dos metalúrgicos havia
dicatos de trabalhadores, que já não conseguem
criado, é quase como destruí-la como classe, como
veicular seus discursos; ele já reduziu ao silêncio
já se afirmou: daí por diante, a operação do confli-
uma importante parcela de trabalhadores: bas-
to, do dissenso, fica cada dia mais dificultada, pela
ta dizer que os funcionários públicos federais há
desmoralização daquele que foi destituído do dis-
dois anos não recebem nenhum reajuste e neste
curso. Ele não pode mais avançar e já não pode
ano da graça de 1997 o assunto sequer foi pau-
recuar, sob pena de sua ação perder toda eficácia,
tado por nenhum veículo de mídia! Sem embar-
porque a reivindicação da parcela que ele reivin-
go da repetição “ad nauseam” da inexistência de
dicou - a possibilidade de intervir nos próprios
inflação, nestes dois anos, os salários dos funcio-
negócios da burguesia e de co-dirigir uma polí-
nários públicos experimentaram uma corrosão
tica de Estado - não tem o mesmo estatuto que
de pelo menos 40%, o que significa que seu po-
a simples reivindicação do salário. Instala-se uma
der de compra foi reduzido a quase metade! Isto
desmoralização da categoria, que se alastra como
é a anulação da fala reivindicante da maneira mais
epidemia para quase todas as categorias de traba-
avassaladora que a história brasileira, mesmo sen-
lhadores. Dela só escapam aquelas cuja reivindica-
do tão anuladora, não conhecia desde há muito
ção é de outra natureza, melhor dizendo, de outra
tempo. Neste sentido, Fernando Henrique Cardo-
materialidade e que, por isso mesmo, constitui-se
so retomou o mote de Collor dos funcionários pú-
também em política desafiadora da geometria da
blicos como “marajás”, os expõe todos os dias ao
distribuição da riqueza entre os proprietários. É
26 APP-SINDICATO

noção de exclusão de certos falantes9, a presença


do Presidente legitima a própria mídia na sua fun-
ção de exclusão dos falantes e na sua Substituição
da política. Não é por outra razão que a política
“policial” brasileira está se tornando cada vez mais
“norte-americana”. E ninguém utiliza mais a mídia
como metamídia que o governo FHC: através dela,
ele desqualifica a oposição e os exclui do discurso
público.

Neste quadro, a violência que campeia na


sociedade brasileira e, sobretudo, a violência que
Escola Alemanha
é produzida pelos próprios aparelhos de Estado
opróbrio, numa operação de mistificação de alto não é senão uma pálida sombra da exclusão da
risco, para esconder a realidade de seu orçamento fala e da privatização do público, e, no seu rastro,
de governo comprometido até a medula com os da anulação da política. Mesmo quando parece
serviços da dívida para sustentar a enxurrada de partir da “sociedade civil” a vigilância que cobra
dólares que ancora a estabilidade monetária. do Estado sua função, como no caso recente da
chacina no município de Diadema, o olho era o da
Não é, pois, sem sentido que a política “po- mídia, o que significava dizer, ao mesmo tempo, a
licial” tenha se convertido numa operação de efemeridade, sua substituição pela próxima notí-
“merchandising” por excelência. Reduzida, por cia, o deslocamento das responsabilidades do Es-
um lado, à relação Executivo-Legislativo, em que tado para uma suposta “sociedade civil” e a morte
ela não desborda os termos do acordo entre pro- da política, pois esse deslocamento somente pro-
prietários - tanto no sentido material quanto no duz indignação, mas não produz política.
sentido simbólico - excluindo-se os que não são,
de que é prova definitiva o definhamento das vá- Rolf Kuntz chamou, em artigo para a Revista
rias organizações criadas nas três últimas décadas USP , o neoliberalismo de integrismo, fundamen-
10

como formas de fazer política pelas classes po- talismo. Nas condições concretas da sociedade
pulares - os movimentos sociais, tão famosos em brasileira - para não arriscar-me além do meu ter-
certa época e tão adulados por certa sociologia de ritório - o neoliberalismo, como um Frankenstein
ocasião - substituídas outra vez pelo assistencialis- construído de pedaços de social-democratas, an-
mo castrador do programa Comunidade Solidária, tigos e novos oligarcas do Nordeste, populistas de
o governo resume-se a repetir o eterno tema da direita, trânsfugas de esquerda, numa articulação
estabilidade monetária, que é, a rigor, sua única presidida pelo “príncipe dos sociólogos”, passa por
realização. uma estranha metamorfose: sua face real é a do
totalitarismo.
A constante presença do Presidente na
mídia é em si mesma, uma metamídia. Além de
que, em tradução livre, “a estrutura comunicativa
de nossa sociedade revela a não atualização de
uma série de falas que remete, necessariamente, à 9 MATA, Maria Cristina. “La exclusión del habla”, Buenos Ai-
res, mimeo, 1997.
10 KUNTZ, Rolf. “O neoliberalismo é um integrismo”. Revista
USP, São Paulo, mar-maio/1993, p. 54-61.
APP-SINDICATO 27

Qual a relação entre


desigualdade social e
desigualdade educacional?

É imprescindível, ao analisarmos a política educacional, os projetos de


sociedade e educação e o dia a dia das escolas, considerarmos os efeitos do
atual estágio do capitalismo sobre as condições de vida e de formação huma-
na. Na medida em que concentra renda e privatiza a apropriação da riqueza
social, o efeito mais perverso é o da desigualdade social.
Qual a relação entre desigualdade social e desigualdade educacional?
A discussão sobre essa relação é o tema e objetivo da disponibilização do
material que segue.
Primeiramente, apresentamos mapas e tabelas que mostram os indi-
cadores de qualidade de vida e concentração de renda e os indicadores edu-
cacionais. A descrição desses indicadores está no sumário. Apresenta-se um
panorama da questão no mundo e no Brasil.
Em seguida, apresentamos uma entrevista com o Professor José Mar-
Escola Africa celino Rezende Pinto, realizada pela Campaña Latinoamericana por el Dere-
cho a la Educación, cuja leitura permite:
t BQSPGVOEBS B BOÈMJTF TPCSF BT DPOTFRVFODJBT EB EFTJHVBMEBEF OB
distribuição de renda no acesso e desempenho escolar;
t RVFTUJPOBSSFMBÎÜFTMJOFBSFTFNFDÉOJDBT QPSFYFNQMP RVFBFEV-
cação de um país implica imediatamente em aumento da riqueza ou, ao con-
trário, que em países em que há pobreza é impossível o acesso à escola;
t SFøFUJSTPCSFPRVFGB[FSEJBOUFEBFYDMVTÍPFEVDBDJPOBMQSPWPDBEB
pelas condições socioeconômicas.
Por fim, apresentamos dados da situação educacional do Paraná e de
alguns municípios, a título de exemplo. O objetivo é exercitar a reflexão so-
bre a relação entre condições socioeconômicas e condições educacionais e
Escola Japão democratização da escola.

Gisele Adriana Maciel Pereira - Pedagoga e Mestranda em Educação: Política Educacional - UFPR
Taís Moura Tavares - Doutora em Educação - UFPR
28 APP-SINDICATO

Resultados do Desempenho em Leitura


2000 2003 2006

Mapa indicando Índice de Educação(2007)


APP-SINDICATO 29

Resultados do Desempenho em Matemática


2000 2003 2006

Mapa indicando o IDH (2009)

Mapa por igualdade de riqueza (2009)


30 APP-SINDICATO
Mapa Brasil Educação(2005) Mapa Brasil Renda (2005) Mapa Brasil IDH Estados (2005)
APP-SINDICATO
31

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/IDH_dos_Estados_Brasileiros
32 APP-SINDICATO

Educação e exclusão na
América Latina:
Exclusão por condição
socioeconômica
Entrevista: José Marcelino Rezende Pinto1

Existe um consenso de que a desigualdade de condições socioe-


conômicas é um fator central para explicar diferenças na trajetória
escolar de alunos e alunas. De que maneira a realidade socioeco-
nômica dos alunos e alunos se expressa nos sistemas educacionais
da América Latina?

O acesso e permanência no sistema educacional tende a reproduzir


as disparidades existentes no acesso e distribuição da renda, da terra e
do trabalho. Sendo a desigualdade na distribuição de renda a caracterís-
tica mais marcante dos países da América Latina, não é de se estranhar
que o mesmo ocorra com o acesso à educação. Dos 177 países listados
pela ONU em seu Relatório do Desenvolvimento Humano (2006), os pa-
íses da América Latina e Caribe (AL&C) só apresentam uma distribuição

1 José Marcelino Rezende Pinto é professor associado da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, mestre e doutor em Educação pela Unicamp, com pós-
doutorado pela Universidade de Stanford, Estados Unidos.
Publicado em: http://www.campanaderechoeducacion.org/downloads/cond_socio_economica.pdf
APP-SINDICATO 33

de renda melhor que alguns países do conti- é tanto o acesso, mas sim a grande disparida-
nente africano recém-saídos de guerras civis de no padrão de qualidade entre as escolas
sangrentas. Por outro lado, dos 50 países com frequentadas pelas crianças das famílias mais
melhor IDH do mundo só três (Estados Uni- pobres e aqueles frequentadas pelas crianças
dos, Hong Kong e Singapura) apresentam um da elite, as quais, em geral, estão matricula-
índice de Gini superior a 40. Na AL&C somente das em escolas privadas, cujos valores das
a Jamaica apresenta um valor abaixo de 40 e anuidades cobradas é de cerca de 4 a 5 ve-
cerca de 80% de seus países apresentam índi- zes o valor anual gasto com os alunos da rede
ces superiores a 50. pública. Mesmo no
Da associação en- sistema público há
tre um baixo valor uma grande dife-
de renda per capita rença nas condições
(o país com melhor de oferta de ensino
renda per capita (anos de experiên-
do continente ain- cia e nível de for-
da apresenta um mação dos profes-
valor que é a me- sores, presença de
tade da média dos biblioteca e labora-
países da OCDE) e tórios nas escolas
uma péssima dis- etc) entre as escolas
tribuição de renda, Escola Agentina situadas nos bairros
resulta uma pro- de classe média e
porção sem prece- aquelas situadas na
dentes de pessoas vivendo abaixo da linha periferia das cidades e, principalmente, na
de pobreza. Dados do mesmo Relatório do zona rural. O resultado deste processo é que
Desenvolvimento Humano indicam que na a taxa de conclusão da escolaridade obriga-
metade dos países da região um quarto da tória é muito baixa nestas regiões e o grau de
população vive com menos de US$ 2 por dia, aprendizagem mesmo dos alunos que a con-
que é considerada a linha de pobreza pelo cluem é claramente insatisfatório, seja qual
Banco Mundial. Esta proporção chega a ina- for o critério de avaliação a ser utilizado.
ceitáveis 4/5 da população em países como
Haiti e Nicarágua.
Quais são as consequências desse pro-
O resultado natural deste processo é o !""#$%&!$'!()!$*$!+ ,&-.$#&$)-/ &,'*.$"#-
pequeno acesso à escola, em especial na edu- bremaneira a trajetória de alunos e alunas
cação infantil, para as crianças das famílias em condições socioeconômicas menos
mais pobres, que seriam aquelas que mais se favoráveis?
beneficiariam com esta escolarização. A mes-
O resultado destes processos é que há
ma restrição de acesso para os mais pobres se
uma tendência em se reproduzir os meca-
apresenta na educação superior. No caso da
nismos de desigualdades no continente, nos
educação obrigatória, o problema central não
quais as crianças vindas de condições socioe-
34 APP-SINDICATO

conômicas desfavoráveis tendem a ter maior


dificuldade no acesso, permanência e conclu-
são da escolarização com aprendizagem efe-
tiva e acabam tendo como única perspectiva
as profissões com baixo nível de qualificação
e remuneração, principalmente o sub-em-
prego, ou as alternativas econômicas ofereci-
Escola Angola
das pela criminalidade (em especial o tráfico
de drogas). O grave disso tudo é que, nesta
situação, o sistema educacional tende a atu- ção entre escolarização e produtividade e
ar como um fator que legitima as desigual- entre essa e salário, não há dúvida que mais
dades sociais dos países da região. Alega-se anos de estudo implicam em maior renda. A
que todos têm acesso ao sistema escolar e questão, contudo, é mais complexa, no meu
que são neutros e justos os mecanismos de entendimento. Não há uma relação direta en-
acesso aos níveis superiores de ensino, con- tre produtividade e salários, os quais depen-
siderados ambos – a escolaridade e o diplo- dem de fatores como o grau de organização
ma universitário – como fatores que abrem dos trabalhadores, o desenvolvimento de um
portas, embora não necessariamente, para os eventual Estado de Bem Estar Social etc. Não
empregos de melhor remuneração. é produtividade o fato de um executivo no
Brasil ganhar o mesmo que um executivo no
Japão enquanto um trabalhador de linha de
Crê-se que a educação é determinante produção ganha cerca de cinco vezes menos.
para a superação da situação de pobreza São fatores de natureza política, associados à
em que vive grande parte da população história de cada país. Assim, se é inegável que
da América Latina. Por outro lado, a si- a ampliação da escolaridade da população de
tuação de pobreza limita as possibilida- um país através de uma escola de qualidade
des de se ter êxito na trajetória escolar. tem um impacto evidente na produtividade
Qual é, de fato, a relação entre educação dos trabalhadores e no potencial de riqueza
e pobreza? Que políticas públicas deve- social a ser produzida, a educação, por si só,
riam ser implementadas para superar os não garante esse aumento da riqueza social
limites impostos pelas condições socioe- e menos ainda uma melhor distribuição da
conômicas dos estudantes em suas traje- riqueza. Se são evidentes os impactos posi-
tórias escolares? tivos de uma educação de qualidade sobre
a economia de um país, é inegável que se,
Creio que aqui estamos diante do para-
simultaneamente, não acontecerem políti-
doxo sobre o que vem primeiro, o ovo ou a
cas estruturais que envolvam a distribuição
galinha? Ou seja: é a maior escolaridade que
de ativos (como a reforma agrária, o crédito
permite que as pessoas tenham maiores ren-
a baixo custo), fortalecimento dos sindicatos
das ou o fato de ter uma renda maior é que
com o controle sobre os lucros gerados no
permite avançar mais na escolaridade? Para
âmbito das grandes corporações, a maior es-
aqueles que acreditam na tese da Teoria do
colaridade dos trabalhadores é tão somente
Capital Humano de que existe uma correla-
APP-SINDICATO 35

um mecanismo para aumentar estes mesmo


lucros (através de maior extração de mais va-
lia relativa).

Há algum caso concreto que gosta-


ria de destacar?

Creio que Cuba e os países do chama-


do “socialismo real” são um bom exemplo de
Escola Irã
que mais educação, por si só, não é um fator
produtor de riqueza. O Brasil também é um
exemplo interessante: nos últimos 30 anos, ocia escolar das crianças (como o “Bolsa-escola”
país apresentou um aumento significativo no no Brasil) mostram-se extremamente eficazes
acesso e permanência na escola, mas a distri-
em garantir o acesso e a permanência destas
buição de renda praticamente não se alterou crianças. Há estudos apontando também que
neste período e ainda é uma das piores do estas crianças que, muitas vezes, eram vistas
mundo. como um ônus pelas famílias, passam a ser
valorizadas, valorizando-se de mesma forma
Um estudo realizado em 2006 por a sua escolarização. Sabemos que nas famí-
Katarina Tomasevski, relatora especial lias pobres das zonas rurais, uma criança era
das Nações Unidas para o Direito à Edu- vista muitas vezes como um braço a mais na
cação entre 1998 e 2004, aponta que ainda lavoura, visão obviamente equivocada uma
se cobra inscrições, mensalidades ou ou- vez que o jovem que deixa a escola e vai tra-
tras taxas em diversos países da Améri- balhar tem grande chance de ser o adulto
ca Latina e que na Colômbia não existe desempregado de amanhã. Ao se valorizar
&0*$ ,!1-",*23#$ %&!$ */.0!$ *$ 1.*'&-)*)!$ economicamente a frequência da criança à
do ensino obrigatório. Quais são as con- escola, esta visão tende a ter sua legitimidade
sequências da não-gratuidade em muitos questionada.
países do continente?

As consequências são claras: para uma Existe algum tipo de legislação nacional,
família que vive na pobreza ou na indigência, regional ou internacional que busque en-
tão somente a renda sacrificada por seus fi- frentar a problemática da exclusão por
lhos quando vão à escola, sem nem conside- condição socioeconômica? Se sim, como
rar as taxas escolares “voluntárias” – os custos fazer para que estas leis sejam mais efe-
dos uniformes escolares (muitas vezes obri- tivas?
gatórios), ou o material escolar que muitas
vezes não é assegurado de forma gratuita Do ponto de vista internacional, exis-
– são motivos objetivos para não matricular tem tentativas, seja de taxar o capital espe-
seus filhos ou para retirá-los da escola. Em culativo, seja de perdoar a dívida externa dos
sentido oposto, políticas de transferência de países mais pobres, ou de eventualmente
renda às famílias pobres associada à frequên- transformar o pagamento de parte da dívida
36 APP-SINDICATO

externa dos países pobres em investimentos os professores dos alunos que se saem
em educação. Nos países da região, também bem nas ditas provas e também nas po-
se percebe a ocorrência de políticas compen- líticas de seleção de alunos. Quais são
satórias (na linha do imposto de renda nega- as principais consequências de iniciati-
tivo, com transferência de recursos públicos vas como estas, sabendo que existem es-
para famílias mais pobres). O grande proble- colas que concentram alunos em condi-
ma destas políticas é que elas se assemelham ções socioeconômicas mais vantajosas e
ao ato de “enxugar gelo”, um trabalho de Sí- que tendem a obter melhores resultados
sifo. Isto ocorre porque a própria lógica do neste tipo de prova?
desenvolvimento do capitalismo em todo o
mundo, em especial na sua vertente neolibe- Os efeitos destas políticas já são conhe-
ral e com a incorporação da China no merca- cidos: aumento das desigualdades; aban-
do mundial como grande fornecedor de bens dono por parte dos professores mais quali-
de consumo a baixo custo, tende a gerar, dia ficados e com mais experiência das escolas
após dia, mais exclusão ou mais inclusão per- onde estudam as crianças de famílias mais
versa. Um exemplo deste processo no Brasil: pobres; o abandono destas escolas também
não obstante, nas últimas décadas, milhares por parte daquelas famílias que possuem
de famílias tenham sido assentadas em de- um pouco mais de capital econômico e cul-
corrência dos programas de reforma agrária, tural. A experiência chilena em larga escala
o estímulo dado pelo governo ao agronegó- do sistema de Voucher mostra quão dano-
cio no setor de soja e, mais recentemente, sa é esta lógica de premiar os “bons”, que
de cana de açúcar para produzir etanol, faz tem como corolário natural punir os “maus”.
com que milhares de famílias tenham que Quem são os “maus”? As crianças que tiram
vender suas propriedades agrícolas, pois não baixas notas nos testes, ou seja, as crianças
possuem escala de produção para concorrer das famílias pobres. Transforma-se a escola
com os novos latifúndios que tomam conta em um tribunal e alega-se que seria injusto
do país, contribuindo para a concentração pagar o mesmo para um professor que dá
da propriedade fundiária e para o desmata- uma boa aula e para outro que dá uma aula
mento das regiões de fronteira agrícola. Para ruim; ou deixar alunos que não se esforçam
tornar mais efetivas as políticas que buscam atrapalhar os alunos que se esforçam. Ora,
reduzir a pobreza e as desigualdades socioe- injusta é a existência de professores que
conômicas, é fundamental um maior controle não ensinam (e eles existem sim, porque o
do mercado por parte do Estado e um maior baixo salário afasta da escola pública pro-
controle do Estado por parte da sociedade. fissionais de qualidade na quantidade que
ela necessita). Injusta é uma escola que
não consegue fazer com que a maioria das
Na América Latina, registramos um crianças e jovens que passam por ela apren-
número crescente de países adotando dam. Como a experiência dos EUA e da Eu-
iniciativas que incluem provas estan- ropa mostram, as políticas de focalização
dardizadas usadas em premiações para são ineficazes. Deve-se visar uma escola de
escolas com melhor desempenho, para qualidade para todos.
APP-SINDICATO 37

Que recomendações você faria aos de US$ 1.500 a US$ 2.000 por aluno por ano.
Estados latino-americanos para supera- Entendo que investimentos maciços em edu-
rem a exclusão educacional provocada cação tendem a produzir um efeito virtuoso
pelas condições socioeconômicas? na economia uma vez que os gastos públicos
com educação envolvem basicamente gastos
Reformas estruturais associadas a polí- com pessoal e repercutem em todos os seto-
ticas compensatórias de curto e médio pra- res econômicos (bens de consumo e serviços,
zo, enquanto as primeiras não produzirem construção civil, bens duráveis etc). Portanto,
seus resultados. Talvez a política de maior a injeção de recursos que hoje são usados
impacto na distribuição de renda e traba- basicamente em pagamento dos serviços da
lho e de menor custo do ponto de vista do dívida e despesas militares já permitiria mais
financiamento público ainda seja a reforma que dobrar os recursos atualmente aplicados
agrária. É evidente que, na atual fase do ca- em educação, produzindo uma combinação
pitalismo, uma política de reforma agrária virtuosa entre distribuição de ativos e educa-
não pode estar centrada apenas na formação ção. Além disto, entendo que uma rede de es-
de pequenos camponeses proprietários, de colas técnicas de massa, associadas a institui-
pequenos capitalistas, mas sim centrada em ções de educação superior e espalhadas nas
um padrão de uso e ocupação do solo ten- diferentes regiões do continente, teriam um
do como referência as experiências exitosas papel extremamente dinâmico quanto à for-
de economia solidária e de autogestão que mação profissional. Guardadas as variações
têm acontecido em vários países do conti- regionais, esta foi a receita seguida com su-
nente. Associada a uma política de reforma cesso pelas nações hoje consideradas desen-
agrária, dotar os países de escolas nas quais volvidas. Creio que não temos que reinventar
sejam garantidos padrões mínimos de qua- a roda, mas com certeza ainda temos que in-
lidade de ensino. Entendemos que um valor ventar uma escola pública de qualidade para
mínimo para garantir essa qualidade na AL, o conjunto da população.
para o ensino primário, deveria ser da ordem

Fonte: Relatório do Desenvolvimento Humano da ONU 2006


38
Tabela Ensino Fundamental Regular - Paraná
APP-SINDICATO
Mapa Paraná Educação - 2000 Mapa Paraná IDH - 2000
APP-SINDICATO
39
40 APP-SINDICATO

Glossário das
Tabelas e Mapas:

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) foi criado pelo Inep (Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) em 2007 e representa a reunião num só indicador
de dois conceitos para a qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações.
O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias
de desempenho nas avaliações do Inep, o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) – para as
unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil – para os municípios. 

O Coeficiente de Gini é uma medida utilizada para calcular a desigualdade de distribuição de


renda mas pode ser usada para qualquer distribuição. Ele consiste em um número entre 0 e 1, onde 0
corresponde à completa igualdade de renda (onde todos têm a mesma renda) e 1 corresponde à com-
pleta desigualdade (onde uma pessoa tem toda a renda, e as demais nada têm). O índice de Gini é o
coeficiente expresso em pontos percentuais (é igual ao coeficiente multiplicado por 100).

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida comparativa que engloba três di-
mensões: riqueza, educação e expectativa de vida ao nascer. É uma maneira padronizada de avaliação
e medida do bem-estar de uma população. O índice varia de zero (nenhum desenvolvimento humano)
até 1 (desenvolvimento humano total), sendo os países classificados deste modo:

tRVBOEPP*%)EFVNQBÓTFTUÈFOUSFF  ÏDPOTJEFSBEPCBJYPoQBÓTEFEFTFOWPMWJNFOUP


baixo (subdesenvolvido);

tRVBOEPP*%)EFVNQBÓTFTUÈFOUSF F  ÏDPOTJEFSBEPNÏEJPoQBÓTEFEFTFOWPMWJ-


mento médio (em desenvolvimento);

tRVBOEPP*%)EFVNQBÓTFTUÈFOUSF F  ÏDPOTJEFSBEPFMFWBEPoQBÓTEFEFTFOWPMWJ-


mento alto (em desenvolvimento);

tRVBOEPP*%)EFVNQBÓTFTUÈFOUSF F ÏDPOTJEFSBEPNVJUPFMFWBEPoQBÓTEFEFTFOWPM-


vimento muito alto (desenvolvido);

tBNFEJEBNBJTDPNVNEBQPCSF[BÏPíndice de incidência da pobreza, o qual constitui a pro-


porção de pobres na população total.
APP-SINDICATO 41

Anexos

I - Juventude, Violência e Vulnerabili-


dade Social na América Latina:
4!"*/#"$5*.*$6#,7'- *"$689,- *"$
Edição UNESCO Brasil.

::$;$<-#1.*/*$=>()-)#$6#.'-(*.-

III - Roteiro do curso para


turmas regionais

Escola Africa

Escola Finlândia
42 APP-SINDICATO

Edições UNESCO BRASIL

Juventude, Violência e
Vulnerabilidade Social
na América Latina:
Desafios para Políticas Públicas.

Miriam Abramovay
Mary Garcia Castro
Leonardo de Castro Pinheiro
Fabiano de Sousa Lima
Cláudia da Costa Martinelli

1
APP-SINDICATO 43

Edições UNESCO BRASIL

Juventude, Violência e
Vulnerabilidade Social
na América Latina:
Desafios para Políticas Públicas.

Miriam Abramovay - Consultora - BID


Mary Garcia Castro - Pesquisadora - UNESCO
Leonardo de Castro Pinheiro - Assistente de pesquisa - UNESCO
Fabiano de Sousa Lima - Assistente de pesquisa - UNESCO
Cláudia da Costa Martinelli - Assistente de pesquisa - UNESCO
44 APP-SINDICATO

Conselho Editorial
Jorge Werthein
Maria Dulce Almeida Borges
Célio da Cunha

Comitê para a Área de Ciências Sociais e Desenvolvimento Social


Julio Jacobo Waiselfisz
Marlova Jovchelovitch
Carlos Alberto Vieira
Maria das Graças Rua

Revisão: Reinaldo Lima


Assistente Editorial: Larissa Vieira Leite
Projeto Gráfico: Edson Fogaça

© UNESCO, 2002

Abramovay, Miriam
Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina:
desafios para políticas públicas / Miriam Abramovay et alii. – Brasília :
UNESCO, BID, 2002.
192 p.

1. Juventude – Problemas Sociais -América Latina 2. Juventude e


Violência – América Latina 3. Juventure e Políticas Públicas – América Latina
I. UNESCO III. Título.
CDD 305.23

Division of Women, Youth and Special Strategies


Youth Coordination Unit/UNESCO - Paris

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura


Representação no Brasil
SAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6,
Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar.
70070-914 - Brasília - DF - Brasil
T.4  

B*?  


 
E-mail: UHBRZ@unesco.org
APP-SINDICATO 45

Sumário

Agradecimentos ................................................................................................................................................46

Apresentação ..................................................................................................................................................... 47

Abstract.................................................................................................................................................................49

Introdução ...........................................................................................................................................................50

1. Violência e Vulnerabilidade: literatura e conceitos ...........................................................................51


1.1. Explorando a literatura sobre violência.............................................................................................51
1.2. Algo sobre violência e Brasil na literatura recente ........................................................................54
1.3. A abordagem analítica da vulnerabilidade social .........................................................................57

2. A situação da juventude latino-americana .........................................................................................59


2.1. A Vulnerabilidade social através dos dados.....................................................................................59
2.1.1. Pobreza e Demografia..........................................................................................................................60
2.1.2. Educação ...................................................................................................................................................62
2.1.3. Trabalho.....................................................................................................................................................67
2.1.4. Saúde sexual e reprodutiva ................................................................................................................71
2.1.5. Lazer ...........................................................................................................................................................72
2.2 . A vulnerabilidade social e o fomento da violência juvenil........................................................73
2.3. A violência na América Latina, com especial referência aos jovens .......................................75

3. O combate da vulnerabilidade social por intermédio do aumento


do capital social .................................................................................................................................................78
3.1. A importância do capital social no combate à
vulnerabilidade social e à violência ............................................................................................................78
3.2. Desenvolvendo políticas públicas de combate à
vulnerabilidade social e à violência juvenil .............................................................................................80

4. Recomendações ............................................................................................................................................83
Referências bibliográficas ..............................................................................................................................86
Lista de Siglas..................................................................................................................................................... 89
Lista de Tabelas ................................................................................................................................................. 89
Lista de Quadros ................................................................................................................................................90
Nota sobre os autores ......................................................................................................................................90
46 APP-SINDICATO

Agradecimentos
A Matias Spektor por suas contribuições e críticas ao trabalho.
A Lorena Vilarins, Diana Barbosa e Danielle Valverde pela colaboração.
A Soraya Almeida pela leitura criteriosa do trabalho.
APP-SINDICATO 47

APRESENTAÇÃO

Entre os diversos problemas e questões cruciais que continuam a desafiar


as políticas de desenvolvimento social na América Latina, seguramente uma das
mais importantes é a da juventude. O expressivo contingente de jovens existentes
no conjunto geral da população, somado ao aumento da violência e da pobreza
e ao declínio das oportunidades de trabalho, estão deixando a juventude latino-
americana sem perspectivas para o futuro, sobretudo o segmento de jovens
que está sendo vítima de situações sociais precárias e aquém das necessidades
mínimas para garantir uma participação ativa no processo de conquista da
cidadania.

Em decorrência desse quadro, alguns organismos e agências


internacionais, entre eles o BID e a UNESCO, colocaram o desafio da juventude
em suas agendas prioritárias de ações. Como desdobramento dessa postura,
inúmeros estudos, pesquisas e debates têm sido promovidos com o objetivo de
aprofundar a reflexão e encontrar alternativas viáveis que possam subsidiar as
políticas sociais dos países do continente. O processo conjugado de pesquisas
e de debates interdisciplinares é indispensável na medida em que permite
verticalizar a abordagem e abrir caminhos para projetos de intervenção de
repercussão coletiva. Os recursos são limitados e não se pode mais caminhar ao
meio de incertezas que caracterizam políticas improvisadas, desarticuladas e de
efeitos meramente sazonais. Há a necessidade de um enfoque multidimensional
devido à multiplicidade de fatores que interagem “formando complexas redes
causais”.

O presente estudo sustenta que a violência sofrida pelos jovens possui


fortes vínculos com a vulnerabilidade social em que se encontra a juventude
nos países latino-americanos, dificultando por conseguinte o seu acesso às
estruturas de oportunidades disponíveis nos campos da saúde, educação,
48 APP-SINDICATO

trabalho, lazer e cultura. O contingente de jovens em situação de vulnerabilidade, “aliada às turbulentas


condições socioeconômicas de muitos países latino-americanos ocasiona uma grande tensão entre os
jovens que agrava diretamente os processos de integração social e, em algumas situações, fomenta o
aumento da violência e da criminalidade”. Em consequência, delineiam-se cenários críticos difíceis de
serem enfrentados por políticas de efeito parcial.

Disso decorre a necessidade de, por um lado, definir políticas para a juventude no contexto
interativo das políticas globais de desenvolvimento e, por outro, fortalecer o capital social e cultural do
jovem por intermédio de projetos ou políticas que viabilizem a sua inserção no conjunto dos esforços
de cada país para superar e remover os entraves existentes. Torna-se necessário também um trabalho
de efetiva sensibilização da sociedade e de seus recursos, objetivando a internalização de valores que
deixam evidente que a juventude de hoje assumirá a liderança do continente no dia de amanhã e do
que for feito hoje em prol de uma efetiva valorização do protagonismo juvenil, dependerá doravante,
sob muitos aspectos, a direção das tendências que se delinearão nas próximas décadas.

Em outras palavras, é preciso investir na juventude, combatendo a vulnerabilidade social pelo


aumento do capital social e cultural que poderá proporcionar a substituição do clima de descrença
reinante por um sentimento de confiança no futuro. As políticas assistencialistas da década de 80
revelaram-se inoperantes. Superá-las por alternativas mais consistentes torna-se necessário e urgente.
Elas cometeram o erro, como afirma um trabalho da CEPAL, de não valorizar a participação dos jovens.
Essa participação é indispensável para a conquista da autonomia. O jovem de hoje já não aceita mais a
condição de expectador passivo.

O estudo que ora temos a oportunidade de apresentar aos dirigentes e analistas de políticas
sociais ainda ressalta que a promoção de políticas públicas a partir deste novo enfoque não constitui
uma tarefa simples. Combater a violência juvenil pelo lado da vulnerabilidade social requer mudança de
percepção dos formuladores de políticas no que diz respeito ao papel das políticas sociais na construção
de uma sociedade mais justa e solidária. De acordo com Bernardo Kliksberg, é preciso superar os mitos e
as falácias do desenvolvimento que impedem o advento de alternativas que tornem possível um efetivo
combate às desigualdades sociais.

Waldemar F. Wirsig Jorge Werthein


Representante do Banco Interamericano Diretor da UNESCO no Brasil
de Desenvolvimento no Brasil
APP-SINDICATO 49

ABSTRACT

This study analyses the situation of young individuals in Latin America and the
Caribbean observing the main sources of vulnerability that these actors are submitted.
It’s main objective is to comprehend how violence and vulnerability are linked and why
the youths are the main affected group in the region. Secondary data were collected
from international organisms to present the major aspects of social vulnerability and
how the youths deal with it. In addition to this, this article shows some solutions to
the problem like the enhancement of social capital and recommendations for public
policies concerning the youth and the struggle against violence.
50 APP-SINDICATO

Introdução

A violência é, cada vez mais, um fenômeno social que atinge governos e populações,
tanto global quanto localmente, no público e no privado, estando seu conceito em constante
mutação, uma vez que várias atitudes e comportamentos passaram a ser considerados como
formas de violência.

Devido à generalização do fenômeno da violência não existem mais grupos sociais


protegidos, diferentemente de outros momentos, ainda que alguns tenham mais condições
de buscar proteção institucional e individual. Isto é, a violência não mais se restringe a
determinados nichos sociais, raciais, econômicos e/ou geográficos, entretanto, como se
pretende demonstrar, considerando-se modalidades de violência, ela pode se acentuar por
gênero, idade, etnia e classe social, independentemente se como vítimas ou como agentes.

Este texto sustenta que a violência sofrida e praticada pelos jovens possui fortes
vínculos com a condição de vulnerabilidade social em que se encontram nos países latino-
americanos. A vulnerabilidade social é tratada aqui como o resultado negativo da relação
entre a disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos1 dos atores, sejam eles
indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas, culturais
que provêm do Estado, do mercado e da sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades
ou desvantagens para o desempenho e mobilidade social dos atores (Vignoli, 2001; Filgueira,
2001)1.

Para justificar a dificuldade dos jovens em acessar as estruturas de oportunidades,


apresenta-se um conjunto de dados secundários sobre a educação, saúde, cultura, lazer e
trabalho, insumos fundamentais para o desenvolvimento dos recursos materiais e simbólicos.
Esses dados apontam para a existência de deficiências no acesso dos jovens a esses bens e
serviços, o que colabora com a manutenção da situação de vulnerabilidade social.

A situação de vulnerabilidade aliada às turbulentas condições socioeconômicas de


muitos países latino-americanos ocasiona uma grande tensão entre os jovens que agrava
diretamente os processos de integração social e, em algumas situações, fomenta o aumento da
violência e da criminalidade. Ressalta-se que a violência, embora, em muitos casos, associada
à pobreza, não é sua consequência direta, mas sim da forma como as desigualdades sociais,
a negação do direito ao acesso a bens e equipamentos de lazer, esporte e cultura operam
nas especificidades da cada grupo social desencadeando comportamentos violentos. Nesse
sentido, mesmo com avanços de indicadores socioeconômicos na América Latina – como,

1 Filgueira (2001; 8) apresenta como alguns exemplos desses recursos o capital financeiro, o capital humano, a experiência de trabalho, o nível
educacional, a composição e os recursos familiares, o capital social, a participação em redes e o capital físico.
APP-SINDICATO 51

por exemplo, ilustra o Índice de Desenvolvimento Além dessa introdução, este texto apresen-
Humano (IDH), elaborado pelo PNUD– os níveis ta outras quatro seções. A primeira é dedicada a
de violência na região vêm aumentando (CEPAL, uma breve revisão de literatura sobre os conceitos
1998). de violência e vulnerabilidade social, com o intui-
to de definir os conceitos que serão utilizados na
Assumindo que os recursos à disposição do defesa do argumento do texto. A segunda seção é
Estado e do mercado são insuficientes para, so- dedicada à apresentação de dados socioeconômi-
zinhos, promoverem a superação da vulnerabi- cos de alguns países latino-americanos que cola-
lidade e de suas conseqüências, em particular a boram para a defesa do argumento que relaciona
violência, advoga-se o fortalecimento do capital a violência juvenil latino-americana com a situa-
social intergrupal, através do aumento da partici- ção de vulnerabili dade.
pação e valorização das formas de organização e
expressão do jovem, como estratégia de ação para A seção seguinte aborda o conceito de ca-
envolver a sociedade e seus recursos na busca de pital social e sua viabilidade como estratégia de
soluções para o problema. combate à vulnerabilidade, dedicando- se em
seguida a esclarecer os desafios existentes para
Experiências que priorizam a participação a adoção dessa estratégia. Por último, a quarta
dos jovens como protagonistas do seu proces- seção apresenta algumas recomendações para a
so de desenvolvimento vêem demonstrando ser elaboração de ações voltadas ao combate da vul-
alternativas eficientes para superar a vulnerabili- nerabilidade e violência juvenil.
dade desses atores, tirando-os do ambiente de
incerteza e insegurança (Castro et al, 2001). Cap-
tar e disseminar a expressão dos jovens, concreti- 1. Violência e Vulnerabilidade: Litera-
zando suas potencialidades juvenis e permitindo tura e Conceitos
que eles contribuam para a problematização de
seu cotidiano é a pedra angular do sucesso desses 1.1 Explorando a Literatura sobre Violência
programas. Além disso, a valorização das formas
de expressão tipicamente juvenis, tais como o rap Não é simples a tarefa de definir a violência.
e o grafite, colabora para que, tanto os próprios jo- Conceitos de violências têm sido propostos para
vens quanto o resto da sociedade, reconheçam es- falar de muitas práticas, hábitos e disciplinas, de
ses atores como capazes de contribuir e construir tal modo que todo comportamento social poderia
soluções pacíficas para os conflitos sociais. ser visto como violento, inclusive o baseado nas
práticas educativas, tais como na idéia de violên-
Para a implementação de uma linha de po- cia simbólica proposta por Pierre Bourdieu (2001).
líticas públicas que sirvam para o fortalecimento Para esse autor, a violência simbólica se realiza
do capital social, o texto reconhece a necessidade sem que seja percebida como violência, inclusive
de uma mudança na percepção dos formuladores por quem é por ela vitimizada, pois se insere em
de políticas públicas sobre o desenho e a impor- tramas de relações de poder naturalizadas.
tância das políticas sociais. Além disso, é preciso
também estabelecer a clara necessidade de inte- Em que pesem as dificuldades em definir a
ração entre o que deve e pode ser desempenhado violência, sendo comum a formulação de concei-
pelo Estado, pelo mercado e pela sociedade para tos ad hoc,ou seja, mais apropriados ao lugar, ao
a superação da vulnerabilidade social. tempo histórico que se examina, a literatura, a se-
guir apresentada, aponta uma tendência de con-
52 APP-SINDICATO

ceituar a violência de forma mais abrangente do como o vandalismo. Para o autor, essa modalidade
que relacioná-la com atos que imputam danos físi- foge ao significado estrito de violência, já que não
cos a pessoas ou grupos de pessoas. Chauí (1999: caracteriza a violação da integridade da pessoa.
3-5), por exemplo, define violência como:
Uma terceira concepção tem por foco a
“(...) 1) tudo o que age usando a força para ir idéia de autoridade, que possui forte conteúdo
contra a natureza de alguém (é desnaturar);
2) todo ato de força contra a espontaneidade, subjetivo e, segundo o autor, encontrasse na moda:
a vontade e a liberdade de alguém (é coagir, trata-se da chamada violência moral ou violência
constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato simbólica. Chesnais sustenta que “falar de violência
de transgressão contra o que alguém ou uma
sociedade define como justo e como direito. neste sentido é um abuso de linguagem, próprio
Conseqüentemente, violência é um ato de a certos intelectuais ocidentais, excessivamente
brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíqui- bem instalados na vida para conhecer o mundo
co contra alguém e caracteriza relações inter-
subjetivas e sociais definidas pela opressão e obscuro da miséria e do crime” (idem: 13).
intimidação, pelo medo e o terror (...).”
O autor sustenta que somente a primeira
A noção de violência é, por princípio, concepção tem por base uma definição
ambígua. Não existe uma única percepção do etimologicamente correta, encontra amparo nos
que seja violência, mas multiplicidade de atos códigos penais e nas perspectivas profissionais
violentos, cujas significações devem ser analisadas – médicas e policiais, por exemplo – quanto
a partir das normas, das condições e dos contextos ao fenômeno. Assim, a violência física é que
sociais, variando de um período histórico a outro. significaria efetivamente a agressão contra as
pessoas, já que ameaça o que elas têm de mais
A violência é um dos eternos problemas precioso: a vida, a saúde, a liberdade (ibidem: 14).
da teoria social e da prática política. Na história da
humanidade, tem-se revelado em manifestações É comum chegar-se a conceitos ad hoc, ou
individuais ou coletivas. Chesnais (1981) apresenta seja, mais apropriados ao lugar, ao tempo histórico
as múltiplas formas de violência registradas que se examina. De fato, é tênue o consenso
em diferentes épocas e sociedades, privada e sobre o que é violência, o que já traduz sua força,
coletivamente. Neste sentido, chama a atenção segundo Arblaster (1996: 803-805), em verbete
para o fato de que existem várias concepções sobre o termo no Dicionário do Pensamento Social
de violência, as quais devem ser hierarquizadas do Século XX:
segundo o seu custo social. Para o autor, o
“O termo é potente demais para que [um con-
referente empírico do núcleo desse conceito é
senso] seja possível. Não obstante, um enten-
a violência física – inclusive a violência sexual – dimento do termo ditado pelo senso comum
que pode resultar em danos irreparáveis à vida é, grosso modo, que a violência classifica qual-
quer agressão física contra seres humanos,
dos indivíduos e, conseqüentemente, exige a
cometida com a intenção de lhes causar dano,
reparação da sociedade mediante a intervenção dor ou sofrimento. Agressões consideradas,
do Estado. com freqüência, atos de violência. E é comum
falar-se também de violência contra certa ca-
tegoria de coisas, sobretudo a propriedade
A segunda concepção abrangeria a privada.”
violência econômica, que se refere somente aos
prejuízos causados ao patrimônio, à propriedade, A intenção de ferir, ofender, deliberadamente
especialmente aqueles resultantes de atos de atingir negativamente o outro seria um constituinte
delinqüência e criminalidade contra os bens, de violência, mas não o suficiente para sua
APP-SINDICATO 53

caracterização, segundo referências que mais se gumas pessoas com outras, então a distinção
entre violência e outras formas coercitivas de
ateriam ao corpo normativo legal como parâmetro
infligir danos, dor e morte fica enevoada. Uma
do que seria considerado como violência. política que deliberada ou conscientemen-
Arblaster (op.cit.) lembra que o Oxford English te conduza à morte de pessoas pela fome ou
doença pode ser qualificada de violenta. Essa
Dictionary definiria violência como o uso ilegítimo
é uma razão por que slogans como ‘pobre-
da força, o que pode ter como perspectiva tanto o za é violência’ ou ‘exploração é violência’ não
plano do legal como da moral, o que mais uma vez constituem meras hipérboles” (Arblaster, 1996:
803).
questiona as fronteiras entre referências coletivas
e objetivas, e o sentido, o subjetivado, o percebido
Na busca por definições mais finas, alguns
como violência.
autores disputam a relação entre o conceito
O destaque dado à agressão física é de violência, o de força e o de ser a violência
também questionado por muitos, considerando necessariamente um regime de excepcionalidade,
tanto outras formas de relações agressivas quanto tanto quando o nível de analise é o Estado, como
à mecanização e industrialização da violência, grupos sociais e indivíduos.
como as que se dão em larga escala, por exemplo,
Discute-se que na contra corrente, por
as guerras modernas. A referência a violações de
não violência poder-se-ia apelar para a correlação
propriedade também é disputada como definidor
de forças, ou o reconhecimento de simetrias
de violência, através da história (Thompson in
para resolver conflitos e se obter negociações.
Bourdon e Borricaud, 1982)2.
Assim, segundo Bourdon e Borricauld (1982:
Outro constituinte questionado atualmen- 613), “a renuncia à violência não resulta de uma
te é a violência como um ato individualizado, conversão, mas de uma aprendizagem, que parte
pautado por psicopatias, dirigido contra outro ou do reconhecimento de uma relação de forças que
outros, infligindo a essas vítimas sofrimento, dor se impõe às duas partes (...) sem ‘perder a face’ ”.
e morte. Considerar que muitos agressores não se
Por outro lado, a depender do tipo de
sentem culpados ou responsáveis por suas ações,
sociedade como as de regimes totalitários, a
que são treinados ou socializados, quer de forma
violência se constituiria em norma legítima pela
intencional ou por modos de vida, para serem
imposição do poder de administrá-la não pelo
violentos desloca a ação preventiva para o campo
consentimento3.
das relações sociais coletivizadas, focalizando-se
não somente indivíduos, mas grupos, comunidades
Além de constituintes, o debate conceitual
e organizações.
diverge na escolha de taxonomias diversas.
Bourdon e Bourricaud (1982), por exemplo,
Outros autores desenrolam tal raciocínio,
recorrendo a uma resenha de produções sobre
pelo qual a intenção não define necessariamente
violência na sociologia, identifica suas concepções:
os agressores, para referir-se a estruturas de
uma, anômica e outra, estratégica. A violência
violência, o que se confunde com situações de
relacionada à anomia, seria elaborada resgatando
coerção social:

“Se a violência não envolve necessariamente


uma agressão física no confronto direto de Al-
3 “[Nos Estados totalitários] há uma tendência muito forte entre os indiví-
duos de se identificarem com as figuras dos líderes [segundo as teorias psicológicas
de liderança de Lebon/Freud]. É possível que a maioria da população fique vulnerável
à influência de símbolos propagados pela figura do líder, em quem uma confiança
exagerada é mantida, a despeito das políticas punitivas impostas.” (Giddens, 2001: 317)
2 Ver Peralva, 2000, entre outros
54 APP-SINDICATO

herança durkheiniana, com variantes: se a agressões, incivilidades, hostilidades


e intolerâncias. Ainda que, em perspectiva
“Falaremos aqui em anomia em sentido muito
ética geral ou dos sentimentos da vítima, tais
amplo, para caracterizar a situação em que o
sistema normativo perdeu todo ou parte de fenômenos possam reverberar como violações de
seu rigor e de sua eficácia. Os direitos e as obri- direitos, há que cuidar, principalmente quando se
gações deixam de ser efetivamente sanciona-
lida com crianças e jovens, dos limites conceituais,
dos porque as pessoas não sabem mais a que
estão obrigadas, não reconhecem mais a legi- já que no plano de recomendações e políticas é
timidade das obrigações a que estão subme- importante conceituar bem o tema (Chesnais in
tidas ou porque não sabem a quem recorrer
Debarbieux, 1996).
para fazer valer seus próprios direitos quando
estes são violados. A violência-anomia resul-
ta da proliferação das relações agressivas nos 1.2. Algo sobre Violência e Brasil na
setores desregrados da sociedade” (Bourdon e Literatura Recente
Borricaud, 1982: 607).

Na literatura sobre o Brasil a associação


Segundo esses autores, os trabalhos
entre violência de macrodinâmicas sociais, assim
que seguem tal orientação se voltariam para
como a reflexão sobre o papel do Estado, faz parte
situações coletivas de dispersão de interesses
de uma herança comum no campo das ciências
cunhados por antagonismos que levariam
sociais. Pobreza, desemprego4, crises econômicas,
até a dissolução da própria coletividade —
desigualdades sociais e democracia são algumas
exemplificando para agrupamentos micro
das referências macroestruturais mais debatidas,
organizados, de bandos relacionados a ações
mas com abordagens diferenciadas.
negativas; como os trabalhos clássicos sobre
gangues de Thrasher (Thrasher, 1927). Mesquita Neto et al. (2001) observam que
as análises que se centralizam na dinâmica da
Entre as criticas às ambigüidades no uso
economia política seriam mais bem sucedidas
do modelo violência-anomia, destaca-se a que
quando o nível analítico é o institucional, deixando
questiona a legitimidade das normas que se
a desejar se o foco são conflitos interpessoais,
têm como referência do desejável ou da base de
em particular os que se dão entre pessoas de
representações, ou quem falaria em nome de todo
uma mesma classe ou grupo social, o que mais
o povo, ressaltando Bourdon e Borricauld que o
ressaltaria uma perspectiva social.
totalitarismo seria a “forma mais complexa de
violência exercida pela sociedade contra os seus Peralva (2000) bem ilustra tal perspectiva.
membros” ou por “representantes” da norma. Em recente trabalho, debatendo a literatura sobre
violência no Brasil, critica a associação entre
Estar-se-ia tratando de violência
pobreza, desigualdades de renda e violência,
estratégica como o fim de manutenção da norma
como insuficiente no plano explicativo, mas
sem a construção do consentimento por opção
reconhecendo a “geografia das mortes violentas
consciente, mas por conformismo, sendo tal
nas periferias pobres e não nos bairros ricos” (op
estado de passividade uma elaboração parte da
cit: 81)5.
violência estratégica. Na violência estratégica
entraria o modelo Mertoniano sobre meios e fins,
sendo os fins em si privilegiados. 4 Mesquita Neto et al, 2001: 29, citam como alinhados ao que se referem
como perspectiva econômica na abordagem sobre violência (Maricato, 1995; Oliven,
1980 e Weffort, 1980).
O conceito de violência muitas vezes 5 “Mapas de criminalidade mostram que as mais altas taxas de homicídio
é usado de forma indiscriminada para referir- são registradas na periferia das grandes cidades e regiões metropolitanas, onde os
problemas de pobreza, desemprego e falta de habitação e serviços básicos, incluindo
APP-SINDICATO 55

De fato, se não suficiente, se faz necessário “O Brasil oferece o paradoxo de estar hoje ao
mesmo tempo no que poderia ser o melhor
reconhecer no horizonte de condicionantes
dos mundos e também no pior: o país é hoje
da violência, a modelagem da pobreza e das a décima maior economia mundial com um
desigualdades sociais no país. Produto Interno Bruto (PIB) de 414, 1 bilhões
de dólares, em 1991... As mortes violentas são
a terceira causa de morte no município [de
Segundo Pinheiro (1996), haveria uma São Paulo]. Periferização e favelização ocor-
violência de caráter endêmico relacionada rem num profundo contexto de desigualda-
a assimetrias sociais que se traduzem em des entre ricos e pobres... A décima economia
industrial do mundo convive com a segunda
autoritarismos de várias ordens como o pior distribuição de renda em todo o mundo:
subdesenvolvimento territorializado (ex: das a racio dos 20% mais ricos para os 20% mais
populações no Norte e no Nordeste e de áreas pobres entre 1980 e 1991, era de 32,1%.” (Pi-
nheiro 1996: 22-24).
urbanas e rurais nas demais regiões); impunidade,
corrupção; abusos das forças policiais,
Vários autores (e.g., Zaluar 1994; Pinheiro
principalmente contra os pobres e os não-brancos;
1996; Soares, 1996) frisam que os dados sobre
as violações dos direitos das pessoas presas-
desigualdades sociais não embasam imobilismo
pobres; discriminação racial. No entanto, o autor
ou pessimismo quanto ao possível, ou seja, não
reconhece como traço contemporâneo, no Brasil,
podem impedir que se invista, em especial o
maior preocupação das autoridades em relação à
Estado, quanto a políticas públicas para lidar com
importância de “fazer respeitar tanto o estado de
violência, mas que inclusive para uma mobilização
direito como as normas de direitos internacional
da sociedade civil contra violências há que superar
dos direitos humanos, apesar de muito restar por
tais restrições, incompatíveis com uma cidadania
ser feito.” (Pinheiro, 1996: 9)
plena (Pinheiro, 1996).
Peralva (2000) organiza seu livro em torno
É comum a insistência em que há que ter
do que denomina o “paradoxo brasileiro”, ou seja,
reformas institucionais, promovidas pelo governo
o aumento dos “crimes de sangue” entre 1980 e
em seus distintos níveis, como no aparato de
1997, período de investimento na construção da
justiça e segurança, ainda que se reconheça que,
democracia pós-ditadura militar. Naquele período
principalmente na década de 1990, o Estado e a
também haveria crescido o acesso a armas de
mídia se voltaram para questões como o trabalho
fogo, a presença do narcotráfico, em particular nas
escravo, a violência contra crianças e adolescentes,
zonas de pobreza de muitas áreas urbanas no país e
o aumento no número de meninos e meninas em
as crises da economia. Note-se que Pinheiro (1996:
situação de rua, a prostituição infantil, a tortura, a
17) também recorre ao termo “paradoxo” para o
discriminação racial, e por conta de gênero, e que
caso do Brasil, mas no sentido de coexistirem “uma
tais esforços associam- se a uma maior advocacia
definição estrita das garantias constitucionais e
por direitos humanos em distintos campos pela
uma cidadania fraca” — todos frisam a fragilidade
sociedade civil. Em Dimenstein (1996), o registro
da consolidação da cidadania no país e como tal
de casos de extermínio, prisões, conflitos de terra,
estado arriscaria a democracia:
trabalho escravo, massacre de índios e violências
contra a mulher, noticiados amplamente,
ocorridos na última metade da década de 90
saúde, educação, transporte, comunicações, segurança e justiça são particularmente e que, na sua maioria, contou com denúncia e
agudos. É também nessas áreas onde, apesar da transição para a democracia na dé-
cada de 1980, graves violações de direitos humanos continuam a ocorrer, incluindo acompanhamento por parte de entidades da
execuções sumarias, tortura e detenções arbitrárias pela polícia e por grupos legados
à segurança privada e ao crime organizado (Pinheiro, 2000 e Cárdia 2000)” (Mesquita sociedade civil e organizada.
Neto, 2001: 27)
56 APP-SINDICATO

A tese sobre democracia, cidadania respeitada e respeitável” (Peralva 2000: 187).


incompleta e violência é desdobrada por Peralva
(2000) considerando novas configurações que Os paradoxos da democracia são
singularizariam um cenário que potencializaria operacionalizados com outras nuances por
violências nos centros urbanos brasileiros na virada Mesquita Neto et al (2001; 34), que resgatando de
do século, como: 1) o aumento do acesso a armas cada perspectiva – econômica, política e social –
– aspecto frisado por vários entrevistados em dimensões pró-violências, ressalta a questão da
distintas pesquisas, em áreas de pobreza (Peralva governabilidade, considerando que:
2000; Zaluar 1999, Castro et al 2001, Abramovay
“O crescimento do crime e da violência resul-
et al 1999 e UNESCO 2001); 2) a juvenilização da ta não apenas da pobreza e da desigualdade
criminalidade; 3) a maior visibilidade e também a social, da falta ou má qualidade dos serviços
reação da violência policial, em particular contra de segurança e da disseminação de armas e
drogas. Resulta também da incerteza política
jovens em bairros periféricos; 4) ampliação do e dos conflitos institucionais não resolvidos
mercado de drogas e poder de fogo do crime durante a transição para a democracia, e enfra-
organizado, em especial do narcotráfico em quecem o impacto das ações para aperfeiçoar
os serviços de segurança e justiça.”
diversos centros urbanos; e 5) cultura individualista
e por consumo — “individualismo de massa” –
Por outro lado, insistem alguns autores
que derivaria em expectativas não satisfeitas,
que haveria também que aprofundar a discussão
potencializando violências.
sobre valores, cultura de violência versus cultura da
vida ou cultura de paz (Castro et al, 2001;UNESCO,
Peralva (2000) defende que a confluência de
2001), cultura legal ou das leis (Vieira, 2001) e
dinâmicas, como as mencionadas, condicionaria
outras formas de estar e se sentir na vida (Peralva,
sentimento/angústia de morte próxima e condutas
2000).
de risco, que mais ressoam entre os jovens de
bairros urbanos periféricos.
Vieira (2001) cerca o debate sobre violência
e valores, advogando o resgate da importância da
Quanto à criminalidade que vitimiza e
lei, o que se conseguiria mais aproximando texto
envolve os jovens, no caso de centros urbanos
e contexto, ou seja, o escrito jurídico de normas de
metropolitanos, é comum destacar-se a influência
convivência, ética quanto ao direito da alteridade,
do narcotráfico (Zaluar 1999 e 2001), organizado
o que resgata o princípio mediterrâneo pelo
segundo leis de mercado, mas sem o amparo
respeito ao outro, insistindo na reciprocidade – e
da lei, ou seja, com lucros relacionados a sua
ai o dever não só dos cidadãos, mas do Estado de
ilegalidade. “Nesse contexto, quaisquer conflitos e
respeitar tal lei.
disputas são resolvidos pela violência, o que afeta
de modo decisivo as taxas de homicídio” (Zaluar,
Para uma sociedade pacificada (expressão
1994 cit in Sapori e Wanderley, 2001: 71).
in Vieira, op.cit) haveria que recusar os guetos e os
apartheid sociais, ou seja, que todos se sentissem
Como outros autores citados, Peralva (2000)
parte de uma cultura comum, partilhando normas
insiste também sobre a necessidade de se refletir
e valores, ainda que se conserve o pluralismo e as
sobre o papel do Estado quanto à legitimidade
diferenças não pautadas em desigualdades sociais
no controle da violência e a participação das
– “o racismo, a pobreza o não-acesso à educação e
populações de baixa renda e da sociedade civil
a bens essenciais à dignidade humana são formas
no jogo democrático, além da importância de
que facilitam a percepção do outro como inferior”
reformas na polícia e na justiça – “ter uma policia
(Vieira, 2001: 81).
APP-SINDICATO 57

Uma leitura sugerida pelo texto de Vieira que resultam em prejuízo deliberado à integridade
(2001) seria a de que mais que as desigualdades da vida humana. Essa categoria envolve todas
sociais em si, a forma como se canaliza o as modalidades de homicídios (assassinatos,
descontentamento com as desigualdades, chacinas, genocídio, crimes de guerra, suicídios,
impunidades quanto a violações de direitos acidentes de trânsito e massacres de civis). A
e o arbítrio no uso das leis, associar-se-ia com violência indireta envolve todos os tipos de ação
sentidos de violência, ainda que não diretamente coercitiva ou agressiva que implique prejuízo
racionalizados dessa forma. Ou seja, ao se psicológico ou emocional. Por fim, a violência
sentir desrespeitado legalmente, ou sem leis de simbólica abrange relações de poder interpessoais
baliza – em anomia – os indivíduos assumiriam ou institucionais que cerceiam a livre ação,
comportamentos de desrespeito em relação aos pensamento e consciência dos indivíduos.
outros, ameaçando-se a ética do convívio social,
ainda que não identifiquem causas estruturais Como dito anteriormente, apesar do fato
para tal comportamento. de a violência não estar mais limitada a estratos
sociais, econômicos, raciais ou geográficos,
Assim a violência tem sido concebida levantamentos estatísticos demonstram que ela
como um fenômeno multifacetado, que não atinge com maior intensidade a grupos específicos
somente atinge a integridade física, mas também como, por exemplo, os jovens do sexo masculino.
as integridades psíquicas, emocionais e simbólicas Uma explicação dessa incidência está ligada à
de indivíduos ou grupos nas diversas esferas questão da vulnerabilidade social. Antes, porém,
sociais, seja no espaço público, seja no espaço de entrar no mérito da relação vulnerabilidade
privado. Passa ser concebida “de modo a social-violência, cabe observar a trajetória e os
principais aspectos deste rico referencial teórico.
incluir e a nomear como violência acontecimentos
que passavam anteriormente por práticas
costumeiras de regulamentação das relações 1.3. A Abordagem Analítica da Vulnerabilida-
sociais” (Porto, 1997 in Waiselfisz, 1998a:146), de Social
como a violência intrafamiliar, contra a mulher ou
as crianças e a violência simbólica contra grupos, Apesar do uso histórico do termo
categorias sociais ou etnias. vulnerabilidade em diversos estudos sociais6, as
aproximações analíticas à vulnerabilidade social
A percepção da complexidade da violência datam apenas dos últimos anos, período em que
é acompanhada pela necessidade de diferenciar se levou a cabo maior reflexão a respeito das
suas diversas formas que podem ser imputadas limitações dos estudos sobre a pobreza e sobre
às pessoas, a fim de buscar entender suas causas os escassos resultados das políticas associadas
peculiares e orientar a busca de soluções para a eles na América Latina. Tais enfoques da
combatê-las. Análises e pesquisas recentes pobreza – apesar de servirem à identificação dos
produzidas pela UNESCO (Castro et al, 2001; setores mais desprovidos da população a serem
Abramovay et al, 1999; Barreira 1999 e Minayo et atendidos pelas políticas sociais – não deram
al, 1999) vêm utilizando as definições de violência conta das complexas raízes desse fenômeno, já
direta, indireta e simbólica para identificar que se baseavam apenas no uso de indicadores de
diferentes expressões do fenômeno.

A violência direta se refere aos atos físicos 6 Ver, entre outros autores sobre vulnerabilidade social, Moser, 1996 e 1997
e 1998; CEPAL, 2000a; Filgueiras 2001; Busso, 2001 e Vignoli 2001
58 APP-SINDICATO

renda ou carências que delimitam a insatisfação a vulnerabilidade social como o resultado


de necessidades básicas. negativo da relação entre a disponibilidade
dos recursos materiais ou simbólicos dos
Os primeiros trabalhos ancorados na atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o
perspectiva da vulnerabilidade social foram acesso à estrutura de oportunidades sociais,
desenvolvidos, motivados pela preocupação de econômicas, culturais que provêem do Estado,
abordar de forma mais integral e completa não do mercado e da sociedade. Esse resultado se
somente o fenômeno da pobreza, mas também traduz em debilidades ou desvantagens para
as diversas modalidades de desvantagem o desempenho e mobilidade social dos atores
social. Tais obras se destinaram a observar (Vignoli, 2001; Filgueira, 2001).
os riscos de mobilidade social descendente
e as configurações vulneráveis que não se Este enfoque faz referência a três
restringiam àqueles situados abaixo da linha elementos essenciais à conformação de
de pobreza, mas a toda população em geral. situações de vulnerabilidade de indivíduos,
Dessa maneira, partiam do reconhecimento do famílias ou comunidades: recursos materiais
fenômeno do bem-estar social de uma maneira ou simbólicos, também chamados de ativos
dinâmica, bem como das múltiplas causas e (Filgueira, 2001), as estruturas de oportunidades
dimensões associadas a esse processo. dadas pelo mercado, Estado e sociedade e as
estratégias de uso dos ativos.
Na América Latina, a abordagem analítica
da vulnerabilidade social se torna sistemática O primeiro elemento diz respeito à
somente a partir dos trabalhos de Caroline posse ou controle de recursos materiais ou
Moser e seu grupo do Banco Mundial, os simbólicos que permitem aos diversos atores se
quais sintetizam o chamado asset/vulnerability desenvolver em sociedade. O segundo, se refere
framework. Em sua pesquisa sobre estratégias às estruturas de oportunidades que provêem
de redução da pobreza urbana (1998), além do mercado, do Estado e da sociedade. Elas
de destacar o caráter dinâmico desse enfoque, se vinculam em níveis de bem-estar, aos quais
Moser ressalta a importância dos ativos das se pode ascender em um determinado tempo
famílias – não se referindo apenas à renda ou e território, podendo propiciar o uso mais
posse de bens materiais – os quais influenciariam eficiente dos recursos ou prover de novos ativos
seu grau de vulnerabilidade social, sua renda ou ainda recuperar aqueles esgotados. Por fim,
e sua capacidade de responder a crises; o que o terceiro elemento refere-se a estratégias
do ponto de vista da formulação de políticas quanto ao uso que esses atores fazem de seu
constituiu uma inovação. conjunto de ativos com vistas a fazer frente às
mudanças estruturais de um dado contexto
Seguidos aos trabalhos iniciais de social.
Moser, uma geração de estudiosos na América
Latina vem colaborando com a construção No que tange à interação desses três
teórica e operacionalização metodológica componentes da vulnerabilidade social, Busso
do enfoque da vulnerabilidade social, o (2001: 14) coloca:
qual, por ser recente, ainda se encontra em
“A mobilização de ativos se realiza tanto como
formação. Como mencionado na introdução,
estratégias adaptativas, defensivas ou ofen-
este trabalho se apoiará no complexo discurso sivas a mudanças no conjunto de oportu-
conceitual e analítico o que tem situado nidades, e têm como finalidade fortalecer a
APP-SINDICATO 59

quantidade, qualidade e diversidade de ativos 2. A Situação da Juventude Latino-


disponíveis para acender de forma distinta e
mais satisfatória ao conjunto de oportunida- Americana
des que brinda o entorno.”

Vale notar que a vulnerabilidade 2.1 A Vulnerabilidade Social Através dos Da-
assim compreendida traduz a situação em dos
que o conjunto de características, recursos e
habilidades inerentes a um dado grupo social se Como já foi dito, a violência, tendo os
revelam insuficientes, inadequados ou difíceis jovens como vítimas ou agentes, está intimamente
para lidar com o sistema de oportunidades ligada a condição de vulnerabilidade social destes
oferecido pela sociedade, de forma a ascender indivíduos. Atualmente, esses atores sofrem um
a maiores níveis de bem-estar ou diminuir risco de exclusão social sem precedentes devido
probabilidades de deteriorização das condições a um conjunto de desequilíbrios provenientes
de vida de determinados atores sociais (Vignoli, do mercado, Estado e sociedade que tendem a
2001). Esta situação pode se manifestar, em um concentrar a pobreza entre os membros desse
plano estrutural, por uma elevada propensão grupo e distanciá-los do “curso central” do sistema
à mobilidade descendente desses atores e, no social. (Vignoli, 2001). Outro aspecto perverso
plano mais subjetivo, pelo desenvolvimento da vulnerabilidade é a escassa disponibilidade
dos sentimentos de incerteza e insegurança de recursos materiais ou simbólicos a indivíduos
entre eles. ou grupos excluídos da sociedade. O não-acesso
a determinados insumos (educação, trabalho,
Um aspecto importante dessa definição saúde, lazer e cultura) diminui as chances de
decorre da sua utilidade para compreender aquisição e aperfeiçoamento desses recursos que
como e por que diferentes atores sociais se são fundamentais para que os jovens aproveitem
mostram mais suscetíveis a processos que as oportunidades oferecidas pelo Estado, mercado
atentam contra sua possibilidade de ascender e sociedade para ascender socialmente.
a maiores níveis de bem-estar. Ela permite
analisar o caso de grupos sociais, aos quais Assim, esta seção apresentará dados
são atribuídas grandes potencialidades, estatísticos coletados por organismos
ativos valorizados em um dado contexto internacionais na América Latina que apontam
de estruturas de oportunidades, mas que, para o agravamento da vulnerabilidade dos jovens
contraditoriamente, permanecem reclusos a na região e os impactos resultantes no incremento
um cenário de inseguranças, instabilidades e da violência.
marginalidade.
A preocupação da análise é oferecer um
Nesse sentido, o enfoque de painel sobre os jovens da América Latina, assim
vulnerabilidade social constitui ferramenta sendo, aspectos peculiares dos países analisados
válida para compreender a situação dos jovens, não orientaram a preocupação central deste
especialmente aqueles de camadas populares, artigo. Os dados apresentados foram reunidos e
e da sua relação com a violência já que, apesar selecionados a partir de pesquisas desenvolvidas
de atualmente serem considerados os atores por diversos órgãos e organismos internacionais
chaves do desenvolvimento, as estatísticas envolvidos com a América Latina, entre eles:
apresentam uma realidade muito menos UNESCO, UNAIDS, CEPAL, CELADE, OMS e OPS.
festejada. Procurou-se utilizar, na medida do possível,
60 APP-SINDICATO

sempre os dados mais atualizados disponíveis, Segundo alguns autores (Moser, 1999;
porém, apesar do esforço, alguns apresentam Filgueira, 2001), o conceito de vulnerabilidade
uma defasagem de 5 a 7 anos. é uma ferramenta eficaz para analisar a situação
dos excluídos socialmente na América Latina,
Uma vez que a análise partiu de dados pois é capaz de compreender amplamente
secundários, foi necessário trabalhar com dados as vicissitudes e idiossincrasias existentes na
agregados que nem sempre coincidiam em sua realidade dos pobres que vão além dos atributos
forma e dimensão, assim deve-se ater às diferenças de renda.
que essa agregação diferenciada pode suscitar.
Neste sentido o conceito de vulnerabilidade
De modo geral, percebe-se: ao tratar da insegurança, incerteza e exposição a
riscos provocados por eventos socioeconômicos
t"DSFTDFOUFJODBQBDJEBEFEPNFSDBEPEFUSBCBMIP ou ao não-acesso a insumos estratégicos apresenta
em absorver indivíduos pouco qualificados ou uma visão integral sobre as condições de vida
com pouca experiência, como é o caso dos jovens. dos pobres, ao mesmo tempo que considera a
disponibilidade de recursos e estratégias para que
t "T EJöDVMEBEFT FOGSFOUBEBT QFMPT HPWFSOPT estes indivíduos enfrentem as dificuldades que
na América Latina em reformar os sistemas lhes afetam.
educacionais para que acompanhem as mudanças
da sociedade e incorporem as novas aptidões e Segundo dados da CEPAL, ao final dos anos 90,
habilidades requeridas. a pobreza na América Latina afetava a 35% dos
domicílios enquanto a indigência ou a pobreza
t"TUFOEÐODJBTOPRVBESPDVMUVSBMDPOUFNQPSÉOFP  extrema alcançava a 14% (CEPAL, 2000b). Essas
por um lado estimulam a sexualidade precoce e estatísticas, se comparadas com outras séries
por outro incentivam as resistências em educar, históricas da mesma instituição, mostram que
sensibilizar e oferecer os meios para evitar que tal os índices de pobreza apresentaram uma ligeira
atividade favoreça a gravidez não planejada e o diminuição na região nos últimos anos. Porém
contágio de doenças sexualmente transmissíveis deve-se ressaltar que apesar desta relativa melhora
-incluindo a AIDS. (Vignoli, 2001). a pobreza ainda permanece um dos principais
problemas que afetam as populações dos países
2.1.1 Pobreza e Democracia latino-americanos.

A vulnerabilidade apresenta-se como um A tabela ao lado revela-se ilustrativa para se


elemento distintivo da realidade social ao final apreender a gravidade do panorama social da
dos anos 90 na América Latina. Isto se deve ao fato região. A maior parte dos países possui altos
de que as condições de pobreza e concentração índices de domicílios em situação de pobreza.
de renda, próprias dos países subdesenvolvidos, Em países como Honduras, Nicarágua e Equador
geram um aumento da insegurança e, portanto, registram-se mais de 50% das residências situadas
da vulnerabilidade para um grande número em zonas urbanas abaixo da linha de pobreza.
de indivíduos das classes baixas e médias, Neles ainda são elevados os índices de domicílios
pois, estão expostos a riscos (ex: violência) e classificados como abaixo da linha de pobreza
dificuldades (ex: desemprego), principalmente crônica ou indigência.
nas zonas urbanas (Pizzaro, 2001).
Neste contexto, preocupa o fato de que
APP-SINDICATO 61

Tabela 1 – Domicílio em situação de pobreza e indigência por


países da América Latina e Caribe, (%).

Domicílios abaixo Domicílios abaixo


da linha de pobreza (%) da linha de indigência (%)
País Ano Total País Zona Urbana Total País Zona urbana
Argentina 1997 - 13 - 3
Bolívia 1997 - 44 - 16
Brasil 1996 29 25 11 8
Chile 1996 20 19 5 4
Colômbia 1997 45 39 20 15
Costa Rica 1997 20 17 7 5
Equador 1997 - 50 - 19
Honduras 1997 74 67 48 35
México 1996 43 38 16 10
Nicarágua 1997 - 66 - 36
Panamá 1997 27 25 10 9
Paraguai 1996 - 40 - 13
Peru 1997 37 25 18 7
Uruguai 1997 - 6 - 1
Venezuela 1997 42 - 17 -
Fonte: CEPAL, Panorama Social de América Latina.1998.

os jovens compõem um grupo particular de demográfica desse grupo. Conforme informações


indivíduos vulneráveis à situação de pobreza na da CEPAL/CELADE, durante a segunda metade do
região. Conforme recentes estudos empreendidos século XX, e com grandes variações entre os países
por organismos internacionais7 boa parte dos – derivadas da heterogeneidade da transição
jovens da América Latina e Caribe está submetida demográfica – a proporção de jovens de 15 a 29
a um risco de exclusão social sem precedentes. anos dentro da população total chegou ao seu
Comparada às médias nacionais de outros máximo (28,5%) em 1990.
estratos da população, a pobreza entre os jovens,
especialmente entre os adolescentes de 16 a 19 Madeira, referindo-se a esse ritmo de
anos de idade, revela-se superior. Segundo os crescimento da população de 15 a 24 anos no caso
dados da CELADE8, existe uma relação inversa específico do Brasil, observou a pertinência de se
entre a idade e o nível de pobreza, onde quanto destacar, no panorama demográfico, uma “onda
menor a idade, maior a incidência da pobreza e jovem”, chamando a atenção para o fato de que
vice-versa. estaríamos “vivendo um pico abrupto no número
de adolescentes, cuja média gira em torno de 17
Cabe ressaltar que esses dados sobre anos” (Madeira, 1998: 431). Segundo dados do
a concentração da pobreza entre a população Censo Demográfico 2000 do IBGE a população de
jovem latino-americana preocupam não apenas jovens entre 15 a 24 anos no Brasil é composta por
por superarem a média de outros estratos mais de 34 milhões de pessoas. (IBGE, 2001).
populacionais, mas também pela envergadura
O crescimento da população jovem
latino-americana pode ser observado tanto em
números relativos (ao total da população) quanto
7 Realizados pela Banco Mundial, BID, CEPAL, PNUD e UNESCO
em números absolutos no gráfico abaixo. Nele
8 CEPAL. Panorama Social da América Latina. 1998.
62 APP-SINDICATO

se projeta para o ano de 2005 uma população americana é a educação. Ela é considerada o
de 102.347.048 jovens de 15 a 24 anos na principal instrumento para a elevação dos níveis
América Latina e no Caribe. Com relação a essa de capital humano e para promover o bem-estar
onda jovem latino-americana, deve-se ressaltar de jovens e adolescentes. Além disso, a interação
que tais tendências demográficas remetem a que surge nas escolas também acumula capital
desafios imperiosos no que tange à incorporação social, já que ali se constroem relações sociais,
dos jovens de forma produtiva no mercado de redes de amigos e contatos. Neste sentido, a
trabalho, bem como sua participação política, educação em conjunto com a família constitui um
cultural e social. Assim, é preciso observar até que dos espaços tradicionais de socialização entre os
ponto esses jovens têm conseguido incorporar jovens.
os ativos essenciais ao seu desempenho presente
e futuro na sociedade e os principais obstáculos Segundo Pizarro (Pizarro, 2001:14), ao
encontrados no seu contexto econômico, políticofinal dos anos 90 na América Latina somente
a educação tradicional não mais assegurava
e social da América Latina, que os têm atraído para
situações de vulnerabilidade. o fortalecimento do capital humano e por
conseqüência novas oportunidades. Segundo o
autor, novas instituições e
Gráfico 1 - Estimativa e projeção populacional, por ano, para políticas típicas do padrão
jovens de 15 a 24 anos de idade, na América Latina e Caribe, de desenvolvimento vigente
1995-2005. na região favoreceram a
ampliação da educação
privada e, por outro lado,
deterioraram a educação
pública provocando um
aumento da vulnerabilidade
dos estudantes de estratos
médios e baixos da sociedade
-mais usuais nesta rede de
ensino.

Pizarro argumenta que


é uma característica própria
da educação a segmentação
dos estudantes segundo seu
Fonte: CELADE. Estudos populacionais, 1998. nível de renda, ou seja, as
crianças e jovens de famílias
com rendas superiores
usualmente estudam na rede particular que
2.1.2 Educação oferece uma melhor infra-estrutura e qualidade
de ensino. Já as famílias mais pobres só podem
Por se tratar de um componente chave
ter acesso a estabelecimentos públicos, onde,
para a qualidade de vida da população juvenil,
em alguns casos, é evidente a precariedade das
uma primeira dimensão a ser analisada de modo
instalações e a deteriorização acadêmica. Assim,
a compreender a situação da juventude latino-
dadas às novas exigências do mercado de trabalho
APP-SINDICATO 63

e à diferença de qualidade entre a educação governamentais na região.


pública e privada, percebe-se que os jovens piores
situados na escala de distribuição de riquezas Um primeiro progresso pode ser
estão mais vulneráveis. observado na oferta da educação básica, ou
alfabetização. Conforme a tabela abaixo, a maioria
Por outro lado, na América Latina, os dados dos países já atingiu mais de 90% de alfabetizados
referentes a este setor registram avanços no que entre a população de 15 a 24 anos. Vale notar
tange ao aumento no número de matrículas que, se contrastadas a taxa de alfabetização
e nas taxas de escolarização, de modo geral. jovem e a posição do país segundo o Índice de
Porém, como já foi dito, o número absoluto de Desenvolvimento Humano, os países com os
jovens também cresceu nesses países e, apesar da maiores IDHs são aqueles onde quase 100% da
melhora nos indicadores, a situação da educação população de 15 a 24 anos foi alfabetizada.
jovem ainda requer cuidados das autoridades
Tabela 2 - Taxa de alfabetização da juventude de jovens entre
15 e 24 anos, por países da América Latina, segundo indicadores
agregados de educação, 1999.

Alfabetização Jovem

Posicão IDH País Taxa (% de 15-24 anos) 1999


América Latina e Caribe 93.8
Alto desenvolvimento humano
34 Argentina 98.5
37 Uruguai 99.3
39 Chile 98.7
41 Costa Rica 98.3
Médio desenvolvimento humano
51 México 96.8
52 Panamá 96.7
61 Venezuela 97.8
62 Colômbia 96.8
69 Brasil(*) 92.3
73 Peru 96.6
80 Paraguai 96.9
84 Equador 96.9
86 República Dominicana 90.7
95 El Salvador 88.0
104 Bolívia 95.6
106 Nicarágua 73.4
107 Honduras 82.9
108 Guatemala 78.9
Baixo desarrollo humano
134 Haiti 79.3
(*) De 1995 para 1999, o percentual de crianças de 7 a 14 anos de idade fora da escola decresceu de 9,8% para 4,3%. Esse indicador, em 1989, situa-
va-se em 16,2%. A comparação entre os resultados regionais revelou que, de 1995 para 1999, essa proporção recuou de 6,4% para 3,3% no Sudeste, que é
detentor do maior grau de escolarização, e de 15,0% para 5,9% no Nordeste, que, apesar da expressiva melhoria, continuou no outro extremo.
A taxa de escolarização das meninas ainda supera a dos meninos. Em quatro anos, no grupo de 7 a 14 anos de idade, o percentual de meninos fora
da escola declinou de 10,7% para 4,7%, enquanto o de meninas diminuiu de 8,8% para 3,9%.
Em decorrência de a taxa de escolarização feminina permanecer mais elevada, o nível de instrução das mulheres manteve-se em patamar nitida-
mente mais alto que o dos homens. Em 1999, a proporção de mulheres com pelo menos o segundo grau concluído situou-se 2,9 pontos percentuais acima
da referente à população masculina. Entretanto a disparidade entre o nível de instrução dos dois gêneros é muito mais acentuada na população ocupada,
pois o interesse feminino em ingressar no mercado de trabalho tende a aumentar com a elevação do seu nível educacional. Em quatro anos, a proporção
de pessoas com pelo menos o segundo grau concluído subiu de 17,3% para 21,2%, na população ocupada masculina, e de 24,9% para 30,4%, na feminina.
(IBGE, 2001).
Fonte: PNUD, 2000.
64 APP-SINDICATO

No que se refere ao ensino primário ou é de 5,8 anos. A taxa líquida de escolarização,


fundamental9, dados da UNESCO apontam-no isto é, a relação entre o número total de alunos
como o maior subsetor de qualquer sistema matriculados e o total de indivíduos na mesma
educacional no mundo, isto é, dentre todos os faixa de idade, apresenta algumas flutuações entre
setores educacionais, o primário ou fundamental os países da América Latina. Argentina, Bolívia e
é aquele que possui o maior número de alunos México apresentam taxa de escolarização de 100%
matriculados. Além disto, desde a conferência para ambos os sexos, ou seja, nesses países todos
Educação para Todos realizada em 1990 na os indivíduos em idade escolar (primária) estão
Tailândia, tem-se registrado um crescimento matriculados na escola. Os piores resultados são
considerável no número absoluto de matrículas. encontrados em El Salvador (81%) e na Nicarágua
(80%) de jovens escolarizados.
Cabe observar, na tabela abaixo, a média
simples de duração da educação primária ou Tabela 310 - Educação primária ou fundamen-
fundamental nos países da América Latina tal (ISCED111), por países da América Lati-
na, segundo duração e taxas de escolarização,
1998

Tabela 310 - Educação primária ou fundamental (ISCED111), por países


da América Latina, segundo duração e taxas de escolarização, 1998.

NK:<kH>G:GHL )sF>KH /:Q:EoJNB=:


=>F:MKo<NE:L=>>L<HE:KBS:lkH
Educacação pKBFhKB:  /otal Homem (NEA>K
ou fundamental
K@>GMBG:       
HEoOB:    :   
K:LBE       
ABE>       
HEHF;B:     
HLM:-B<:      
N;:       
E.:EO:=HK      
JN:=HK       
(mQB<H       
)B<:Kh@N:;      
+:K:@N:B      
+>KN       
->I HFBGB<:G:       
0KN@N:B      
V>G>SN>E:<       
::=HLBG<HFIE>MHLW;:=HLK>?>K>F L>:H:GH=>W<:=HLK>?>Kem-se ao ano de 1999.
!HGM>0) .* ':MBGF>KB<::G=:KB;;>:G->@BHG:E->IHKM 

*:NF>GMHGHGsF>KH=>F:MKo<NE:LM:F;mFL>@NBN:<HF
10 Notas relativas à tabela 3
I:GA:=H => NF: >E>O:lkH  >F Fm=B:  GHL :GHL Duração => BGLMKNlkH
da educação primária=:
ou fundamental: número de anos da edu-
9 CNO>GMN=> E:MBGH :F>KB<:G:  LL> =:=Hpaís,
. A expressão educação fundamental é utilizada pela UNES- memK>E>O:GM> 
1996.
IHBL =>O> L>
cação primária ou fundamental, segundo o sistema de educação vigente em cada
CO desde 1946, data da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Porém esta
expressão atualmenteM>K >F OBLM:
esta caindo em desusoJN>
sendo H :<sFNEH
substituída => :GHL
pela expressão edu- => BGLMKNlkH 
Taxa líquida>GMK> HNMKHL
de escolarização:A taxa líquida de escolarização é igual ao
cação primária ou fundamental. Neste sentido, a educação primária ou fundamental número total de alunos escolarizados no nível de ensino em idade oficial, dividido pela
:NF>GM::IHLLB;BEB=:=>=>NF:BGM>@K:lkHLH<B:EF:BLLpEB=: )H
deve ser entendida como a educação que facilitaria a alfabetização e a aquisição de população do grupo de idade que corresponde oficialmente a esse nível.
>GM:GMH mG><>LLhKBH<:NM>E::HL><HGLB=>K:K>LL>L=:=HLChJN>
capacidades, conhecimentos e valores fundamentais necessários para a participação
efetiva na sociedade. 11 ISCED 1 corresponde à educação primária ou fundamental (ou primeiro
LkHIHN<HLHLI:oL>LJN>:IK>L>GM:FIHK<>GM:@>GLK>E>O:GM>L=> estágio da educação básica).
CHO>GL>=N<:=HLIHKHNF:BL:GHL *LF:BHK>LI>K<>GMN:BL=>
:GHL => BGLMKNlkH LkH >G<HGMK:=HL G: K@>GMBG:>GHABE>>HL
APP-SINDICATO 65

O aumento no número de matrículas de escolarização na América Latina também


também seguiu acompanhado de uma elevação, aumentou de 45% para 53% entre 1980 e 1990.
em média, nos anos de instrução da juventude
“A educação secundária e superior deixaram
latino-americana. Esse dado é relevante, pois
de ser – no transcurso de poucas décadas –
deve-se ter em vista que o acúmulo de anos de instâncias elitistas de formação e socialização
instrução, entre outros, aumenta a possibilidade juvenil e se transformaram em espaços aber-
tos a contingentes muito mais amplos e hete-
de uma integração social mais sólida. No entanto,
rogêneos de jovens que apostavam melhorar
é necessário cautela ao se considerar esses dados substancialmente seus níveis de bem-estar e
já que são poucos os países que apresentam status socioeconômico.” (CEPAL, 2000b:129).

Tabela 4 - População urbana de 15 a 24 anos, por países da América


Latina, segundo número de anos de instrução, 1996-1997.

Anos de instrução

Anos 0a5 6a8 9 a 11 12 ou +

Argentina 1997 3 35 30 32
Brasil (a) 1996 35 33 27 5
Colombia 1997 15 25 47 13
Costa Rica 1997 7 35 40 18
Chile 1996 3 19 37 41
El Salvador 1997 16 24 34 26
Honduras 1997 16 48 20 16
México 1996 5 17 58 21
Nicaragua 1997 17 39 35 9
Panamá 1997 6 33 35 26
Paraguai 1996 11 36 28 25
Rep. Dominicana 1997 20 30 27 22
Uruguai 1997 3 38 33 26
Venezuela 1997 10 36 41 14
Fonte: CEPAL. Panorama social de América Latina, 1998. Santiago, 1999, quadro 24 do anexo
estatístico. Publicação das Nações Unidas.

porcentagens relevantes de jovens educados por Na tabela a seguir é possível comparar as


12 ou mais anos. Os maiores percentuais de anos taxas líquidas de escolarização secundária dos
de instrução são encontrados na Argentina e no diversos países. Segundo os dados, os maiores
Chile e os menores no Brasil e Nicarágua. No caso percentuais são encontrados em Cuba (75%),
do Brasil, a tabela mostra que a educação privilegia Argentina (74%) e Chile (70%) e as piores taxas
o ensino primário ou fundamental, pois 68% da na Nicarágua (39%), Paraguai (42%) e El Salvador
população pesquisada concentra-se dentro da (43%). Comparando-se os dados das tabelas 4 e 5
faixa entre 0 a 8 anos de educação. percebe-se que existe um afunilamento no acesso
a níveis mais elevados de instrução, ou seja, da
No que tange ao ensino secundário, dados população total em idade escolar apenas uma
recentes da CEPAL indicam que a taxa bruta parcela efetivamente ingressa no ensino superior.
66 APP-SINDICATO

Tabela 512 - Educação secundária (ISCED13 2 e 3), por países da


América Latina, segundo duração e taxas de escolarização, 1998.

Duracão do ensino Número Taxa bruta de matrículas


secundário geral de matrículas (%) 1998
(em anos)

1° Ciclo 2º Ciclo 1998 Total Homem Mulher


Argentina 3 3 3.555.848 74 71 76
Bolívia 2 4 823.432 (a) 68 70 66
Brasil 2 3 14.404.835 50 46 55
Chile 2 4 1.334.239 70 69 72
Colômbia 4 4 3.549.368 57 - -
Costa Rica 3 2 212.945 44 42 47
Cuba 3 3 739.980 75 71 79
El Salvador 3 3 401.545 43 - -
Equador 3 3 903.569 46 45 47
México 3 3 8.721.726 56 56 56
Nicarágua(b) 3 2 317.468 (c) 39 35 42
Paraguai 3 3 367.567 42 41 43
Peru 3 2 2.212.033 61 62 61
TabelaUruguai
512 - Educação
3 3secundária (IS-
275.090 66 56 76
Venezuela(d) 3 2 1.522.225 50 46 55
CED13 2 e 3), por países da América La-
tina, segundo duração
(a) Dados e (b)
incompletos; taxas
Dados de escolari-
referem-se ao ano de 1999; (c) Incluindo ISCED nível 2 educação
vocacional e educação vocacional privada; (d) Dados referem-se ao ano de 1999
zação, 1998.
Fonte:UNESCO, Latin America and Caribbean Regional Report. 2001.

Não obstante a relevância da educação O processo de massificação do ensino


para o desenvolvimento individual e da levado a cabo em toda a região, por um lado,
sociedade e os progressos registrados na região conforme registrado anteriormente, se prestou à
da América Latina e Caribe, algumas barreiras elevação dos níveis educacionais da população
têm dificultado o acesso a uma educação formal jovem.
completa e de qualidade a jovens e adolescentes,
comprometendo sua capacidade de mobilidade Porém, muitas vezes, o aumento na
social e a de gerações seguintes. A vulnerabilidade oferta de vagas para o ensino público não foi
dos jovens neste sentido surge, principalmente, devidamente acompanhado por um controle da
da baixa qualidade do ensino público, da qualidade da educação que se oferecia. Como
resultado, passou a ser ineficiente diante da nova
segmentação educacional e de problemas que
realidade, provocando um aumento crescente
concorrem para diminuir a procura de jovens por
nos níveis de repetência e também nas avaliações
este serviço básico.
negativas sobre os conhecimentos adquiridos.

Além disso, e em estrita relação com


12 Notas relativas à tabela 5:
Duração do ensino secundário geral: primeiro e segundo ciclos: número o problema da qualidade do ensino, está o
de anos de estudo no ensino secundário segundo o sistema educativo vigente em
cada país em 1996.
problema da segmentação socioeconômica das
Taxa líquida de escolarização: A taxa líquida de escolarização é igual ao
número total de alunos escolarizados no nível de ensino em idade oficial, dividido pela
escolas. As escolas, cada vez mais, se dirigem a
população do grupo de idade que corresponde oficialmente a este nível. públicos específicos, distintos por sua classe social,
limitando a interação entre diferentes. Neste
13 ISCED 2 corresponde à educação secundária inferior (ou segundo estágio
da educação básica) e ISCED 3 corresponde a educação secundária superior sentido, a acumulação de capital social passa a
APP-SINDICATO 67

operar em círculos mais restritos, favorecendo o de instabilidade nos empregos, crescimento da


isolamento de jovens e a exclusão ainda mais. informalidade e escassa abertura de novos postos
de trabalho.
Por fim, também relacionada a esses
problemas, encontra-se uma preocupação dos Assim, podemos afirmar que o trabalho é
jovens estudantes, referente a uma outra dimensão um dos insumos mais categóricos com os quais
crucial de sua vida o trabalho. Em geral, a principal contam os indivíduos de classes médias e baixas.
inquietação dos jovens sobre a educação remete à
questão da perda da importância do ensino formal De acordo com estudo da CEPAL, baseado
para sua inserção no mercado de trabalho: “Eu me na tipologia desenvolvida por Filgueira e Fuentes14
pergunto: pra que o segundo grau? E tenho que (CEPALb, 2000: 116), a equação estudo e trabalho
trabalhar não é? Não vejo bem a necessidade de se realiza de forma diversificada entre os jovens,
um segundo grau para ganhar dinheiro. Pedem como se ilustra no quadro seguinte:
mais é experiência.” (Castro et al, 2001:
505). Quadro 1: Jovens latino-americanos segundo situação de educação e trabalho

WF:BHKB:=HLCHO>GL=>::GHL :<BF:=:EBGA:
Assim, na América Latina, LMN=:F =>IH;K>S:Lp>LMN=:
>GkHMK:;:EA:F W)HK:LBE:I>G:L=HLCHO>GL=>::GHL :;:BQH
muitos têm abandonado os estudos, =:EBGA:=>IH;K>S: >LMN=:F
ou ainda, nem chegam a iniciá-los: W GMK>HLCHO>GL=>::GHL G:Fm=B:=:FmKB<:
':MBG: F>GHL=>:I>G:L>LMN=:F
aproximadamente 700.000 jovens
não chegaram a ser alfabetizados, W+:K:HLCHO>GL=HL>QHF:L<NEBGH>IH;K>L 
FHK:=HK>L=>SHG:LKNK:BL :IHK<>GM:@>FO:KB:
são poucos os países que apresentam TK:;:EA:F
>GMK>>
>GkH>LMN=:F
porcentagens relevantes de jovens WLIHK<>GM:@>GL=HLCHO>GLJN>LpMK:;:EA:F
:NF>GM:F<HF:B=:=>
educados por 12 ou mais anos e
W LL:<:M>@HKB::IK>L>GM:FH=>EHLK:<BHG:BL
em outros persistem baixos índices ;:LM:GM>L=B?>K>G<B:=HL
de escolarização primária – como TK:;:EA:F W GMK>>=HLCHO>GLFHK:=HK>L=>SHG:L
>>LMN=:F NK;:G:LGHABE> HEqF;B:>(mQB<H
República Dominicana – e secundária, W GMK>:=HLCHO>GLFHK:=HK>L=>SHG:L
como é o caso de El Salvador, Venezuela NK;:G:L=HK:LBE HEoOB:>HLM:-B<:
e Paraguai. W GMK>:=:LFNEA>K>LCHO>GLG:LSHG:L
)kHMK:;:EA:F NK;:G:LIH;K>L>>GMK>>G:LSHG:L
G>F>LMN=:F KNK:BLIH;K>L
BLHE:=HL W+:K:HLAHF>GL >GMK>>=HL:;:BQH=:EBGA:
2.1.3 Trabalho =>IH;K>S:>>GMK>>>GMK>HLGkH IH;K>L

!HGM> +' %NO>GMN=> +HINE:lkH>>L>GOHEOBF>GMHG:FmKB<:':MBG:>GH:KB;> 


Muitos estudantes abandonam
os estudos para trabalhar, ): ;NL<: => BG<HKIHK:lkH :H F>K<:=H => MK:;:EAH G:
FmKB<: ':MBG:  CHO>GL > :=HE>L<>GM>L =>I:K:F L> M:F;mF <HF
comprometendo, por muitas vezes, seu processo
HNMKHL IKH;E>F:L JN> <HG<HKK>F I:K: ONEG>K:;BEBSh EHL  +HK NF
de formação e capacitação profissional. Assim,
E:=H >M:F;mFK>E:<BHG:=Hj=>L>KlkH>L<HE:K FNBMHLK>E:M:FH
percebe-se uma defasagem do ensino formal I:K:=HQH =: >QB@nG<B: => >QI>KBnG<B: IKmOB: I:K: NF: IKBF>BK:
14 Percebe-se que a educação e o trabalho são dimensões fundamentais
frente às novas exigências de habilidades H<NI:lkH 
e para+HK HNMKH  NF:dosO>S
o desenvolvimento H<NI:G=H
jovens como membrosNF IHLMHda=>
produtivos MK:;:EAH
sociedade. Figuei-
@K:G=> <HGMBG@>GM> OBO>G<B:um
ra e Ffuentes desenvolveram =B?B<NE=:=>L => onde
quadro de referência =BO>KL:L G:MNK>S:L
é possível posicionar os
conhecimentos, e isso tem constituído inequívoca jovens segundo quatro situações típicas associadas a educação e trabalho. Segundo
=>KBO:=:L L>C:=>LN:;:BQ:JN:EB?B<:lkH L>C:=>L>N;:BQH@K:N=>
os autores, a primeira situação corresponde ao jovem que estuda e não trabalha. Es-
fonte de vulnerabilidade. :KMB<NE:lkHIHEoMB<:<HFI:K:=H:H=>L>NL<HE>@:L:=NEMHL
ses jovens podem ser caracterizados como vivenciando uma situação típica de De-
pendência econômica e residencial em relação aos seus pais.Tal combinação é mais
0F:K><>GM>I>LJNBL:K>:EBS:=:G:<B=:=>=H-BH=>%:G>BKH
comum entre os jovens não-pobres e solteiros que moram junto com os familiares.
A vulnerabilidade atinge os trabalhadores
;K:FHO:R
Ainda>M :E   
segundo os autores,K>LL:EM: : @K:G=>
os jovens nessa combinação=B?B<NE=:=>
desempenham o JN> HL
papel social
de “adolescentes típicos”.A combinação inversa, jovens que só trabalham e não estu-
em diversas dimensões, ou seja, dado às referidas dam (abandono do sistema escolar), corresponde à configuração de “papéis adultos”.
Já os jovens que trabalham e estudam vivenciam uma situação de transição entre a
novas exigências do mercado, e heterogeneidade vida jovem tradicional e a vida adulta. Figueiras e Fuentes caracterizam este grupo
da produção contribuem para que este grupo como jovens “transitórios”. Por fim, a última categoria compreende os jovens que não
trabalham nem estudam. Os autores definem esses jovens como “isolados”, uma vez
enfrente maiores dificuldades baseadas na falta que, do ponto de vista dos papéis sociais, eles perderam posições estruturais do mun-
do juvenil sem adquiri-las no mundo adulto.
68 APP-SINDICATO

Na busca de incorporação ao mercado de comparado ao de seus colegas adultos.


trabalho na América Latina, jovens e adolescentes
deparam-se também com outros problemas que Uma recente pesquisa realizada na cidade
concorrem para vulnerabilizá-los. Por um lado, e do Rio de Janeiro (Abramovay et al, 2001), ressalta
também relacionado à deserção escolar, muitos a grande dificuldade que os jovens enfrentam para
relatam o paradoxo da exigência de experiência conseguir o seu primeiro emprego. Entre as principais
prévia para uma primeira ocupação. Por outro, causas apontadas estão, além das qualificações
uma vez ocupando um posto de trabalho, grande profissionais requeridas pelo empregador, outros
contingente vivencia dificuldades de diversas requisitos, tais como local de moradia, que não pode
naturezas derivadas, seja de sua baixa qualificação, ser violento e aparência, corpo bem esbelto e de pele
seja de seu baixo grau de articulação política clara, fatores que dificultam ainda mais o ingresso dos
jovens da periferia em melhores postos de trabalho.

Quadro 2 - Precisa-se de jovem:

MORADOR DE ÁREA NÃO VIOLENTA

Em certos lugares, quando vou procurar emprego, preencher ficha, eu boto


Jacarepaguá, não boto Cidade de Deus, não. Prejudica, pode prejudicar.
(Grupo focal com jovens, Rio de Janeiro)

QUE NÃO VÁ SE ALISTAR


Eu não posso trabalhar agora, eu fui me alistar, vou servir ano que vem. Ninguém quer
dar emprego pra mim. (Grupo focal com jovens, Rio de Janeiro)

EXPERIENTE
O que falta pra gente, também, é a falta de experiência, porque eles não dão oportunidade
e muitos de nós também não têm uma profissão ainda, aí fica difícil. Fazendo Formação
Geral, a gente vai sair daqui sem nada, sem qualificação nenhuma, teria ainda que
fazer curso de inglês, informática. (Grupo focal com jovens, Rio de Janeiro).

DE "BOA APARÊNCIA"
Quem tem uma aparência assim, como a minha fica desempregada pro resto da vida. E
outra: você tem que ter um corpo bom pra poder usar a própria roupa da loja. Porque
a pessoa tem que ser magrinha, não pode ter barriguinha, tem que ter corpinho bom que
dê para colocar... (Grupo focal com jovens, Rio de Janeiro).

"CLARINHA"

Em algumas lojas assim, eles até avisam, no caso: Ah! Pô, arruma uma pessoa pra
trabalhar comigo. Só que não pode ser negras. No máximo, moreninha jambo, clarinha.
(Grupo focal com jovens, Rio de Janeiro).

Fonte: Abramovay et al. (2001: 94).


APP-SINDICATO 69

Embora colhidos entre jovens brasileiros, Além de se depararem com o desemprego,


os depoimentos ao lado transcritos não parecem os jovens latinoamericanos sofrem os efeitos do
ser distantes da realidade de outros jovens latino- déficit entre o sistema educacional e as novas
americanos moradores de centros urbanos. demandas do mercado de trabalho e precisam lidar
com os problemas de uma inserção precária no
A vulnerabilidade dos jovens tem-se mercado de trabalho. As dificuldades econômicas
traduzido em um primeiro momento em altas taxas enfrentadas pelos países da região geram também
de desemprego. Segundo informações estatísticas um clima de instabilidade que pressiona os jovens
da Organização Internacional do Trabalho, em alguns de camadas populares no sentido de buscarem
países da América Latina o desemprego atinge a mais uma incorporação prematura no mercado de
de 20% dos jovens entre 15 a 24 anos. Os dados da trabalho. Isso afeta negativamente esses jovens
tabela mostram que na maioria dos países da América quanto à possibilidade de êxito dentro do sistema
Latina as taxas médias anuais de desemprego juvenil educacional, uma vez que, além do trabalho
apresentam um vertiginoso crescimento nos últimos enfrentam as dificuldades do estudo.
10 anos (com exceção do México).

Tabela 6 – Taxa anual média de desemprego juvenil, por países


da América Latina, 1990-1999.
País 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Argentina
15-24 15,2 12,3 13,0 - 21,2 30,1 31,1 27,2 24,4 26,4

Bolívia
20-29 9,5 7,3 7,0 8,2 4,5 5,4 - - - -

Brasil
18-24 - 9,1 11,2 10,3 9,6 9,3 10,5 11,4 14,3 15,0

Chile
20-24 12,0 12,4 10,3 10,2 11,9 10,1 12,2 13,6 15,1 20,5

Colômbia
20-29 15,1 15,1 15,2 12,4 13,2 13,0 15,6 18,1 21,7 26,0

Equador
15-24 13,5 18,5 17,3 15,7 14,9 15,3 20,0 19,4 22,6 -

México
20-24 - - 4,4 5,7 6,0 9,9 8,8 6,5 5,9 4,8

Paraguai
20-24 14,1 9,5 7,3 8,8 5,5 7,8 12,6 31,5 - -

Peru
14-24 15,4 11,2 15,8 16,1 13,7 11,2 14,9 12,7 14,1 17,1

Uruguai
14-24 26,1 27,9 24,4 23,3 25,5 25,5 28,0

Venezuela
15-24 18,0 15,8 13,4 13,0 15,9 19,9 25,4 23,1 21,9 27,9
FONTE: Elaboração da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre as bases de informação
48 das pesquisas por domicílios dos respectivos países in CEPAL, Juventud, Población y Desarrollo em
América Latina y el Caribe, 2000.
70 APP-SINDICATO

No limite, a entrada prematura no mercado Além do desemprego entre a população


de trabalho faz com que muitos jovens abandonem a jovem, outro aspecto de sua vulnerabilidade no
escola e de certa forma determina a possibilidade de que se refere ao trabalho é a grande distribuição de
um bom emprego futuro para eles. Como podemos jovens por postos de trabalho pouco remunerados,
notar na tabela abaixo essa situação é corriqueira muitas vezes situados no mercado informal. Os
para muitos países da América Latina. No Brasil, por depoimentos que se seguem, colhidos em pesquisa
exemplo, 36% dos jovens de 13 a 17 anos de idade da UNESCO no Brasil (Castro et. al 2001: 46),
trabalham em alguma atividade e, destes, 61% corroboram essa concentração do público jovem em
trabalham na área rural. atividades informais, desnudando tanto as precárias
condições vividas nas relações de trabalho, como sua
vulnerabilidade a explorações.
Tabela 7 - Crianças e adolescentes de 13 a 17 anos que tra-
balham, por países da América Latina.
País Ano Total Urbano Rural
Argentina 1997 - 7 -
Bolívia 1997 39 17 68
Brasil 1996 36 29 61
Chile 1996 6 5 11
Colômbia 1997 18 11 27
Costa Rica 1997 22 12 28
Equador 1997 - 16 -
Honduras 1997 35 26 42
México 1994 23 16 33
Panamá 1997 11 5 19
Paraguai 1996 - 29 -
Uruguai 1997 - 15 -
Venezuela 1997 14 - -
Fonte: CEPAL, sobre a base de tabulações especiais de pesquisas por domicílios dos respectivos
países, 1998.
49
Quadro 3 – Vão esmolando

Grupo focal com educadores, Rio de Janeiro

[...] são engraxates, fazem pequenos bicos, pequenas entregas, fazem monta-
gens de algumas coisas, alguma pintura, qualquer atividade de baixo
conhecimento que eles possam fazer. Vão ali ajudar ao pai fazer trabalhos
de pedreiros, então vão capinar alguma coisa, então eles fazem pequenas
atividades, são flanelinhas, vão vigiar carros. Alguns, aqueles que tem um
pouco de sorte, vão ser contínuos, mas a grande maioria está neste eixo de
atividade do mercado informal, não tem carteira assinada, não sabem seus
direitos, são explorados.

Eles estão esmolando, vendendo em feiras livres, que já são tradicionais,


mercados e, nos finais de semana, também nas parias. E de noite encontra-
se muita criança também vendendo na rua. No mercado formal nós não temos
jovens, dessa clientela nossa, não.

Fonte: Castro et al (2001: 46).


APP-SINDICATO 71

2.1.4 Saúde Sexual e Reprodutiva na América Latina: “[...] 40% dos adolescentes do
Brasil e de El Salvador haviam tido relações sexuais
Além da educação e do trabalho, outra aos 15 anos. Em 1996, estimou-se que 50% dos
esfera central à vida dos jovens e adolescentes, adolescentes latino americanos menores que 17
em especial para meninas e moças, diz respeito anos já eram sexualmente ativos.” (CEPAL, 1999:
à sua saúde sexual e reprodutiva. Nesse campo 140).
a vulnerabilidade manifesta-se quando se
analisam as diferenças entre os serviços privados A iniciação sexual na adolescência tem-se
de saúde, associados à nova economia e com revelado problemática na região na medida em
planos e carências de alto-custo e que geralmente que muitos jovens não estão suficientemente
atendem apenas os setores mais privilegiados na informados ou preparados para evitar riscos
população. Em contraste com o aparelho público como a gravidez indesejada e a contaminação por
onde se oferece um menor repertório de serviços doenças sexualmente transmissíveis, incluindo
e tratamentos geralmente destinados para as o contágio por HIV. Conforme se pode observar
classes médias e baixas da população. Segundo na tabela abaixo, a gravidez de adolescentes
Pizarro (2001:15), mantém-se elevada na maioria dos países latino-
americanos. Na média nacional dos países,
“as tecnologias obsoletas, os sistemas de admi- conforme os dados apresentados, de 20% a 25%
nistração ineficientes e os parcos recursos com
que contam a saúde pública na América Latina das mulheres tiveram seu primeiro filho antes
expôs os indivíduos de camadas populares a dos 20 anos de idade. Se considerarmos apenas a
condições de risco quanto ao fato de não pode- população rural essa porcentagem chega a mais
rem ser atendidas imediatamente ou então não
poderem recorrer a certos medicamentos devido de 30%.
seu alto custo.”
Geralmente a gravidez adolescente e a
No caso dos jovens, segundo dados da incidência de DST estão vinculadas a aspectos
Organização Panamericana de Saúde (OPS), a como, por exemplo, a pobreza e a falta de
iniciação da atividade sexual na adolescência informações. A literatura recente sublinha algumas
para ambos os sexos é um fenômeno comum lacunas deixadas pelas políticas públicas no que

Tabela 8 - Mulheres de 20 a 24 anos de idade que entre os 15 e 19


anos tiveram filhos, atualmente vivos, por países da América Latina.
País Ano Total Urbano Rural
Argentina 1997 - 16 -
Bolívia 1997 25 18 40
Brasil 1996 21 20 28
Chile 1996 22 20 31
Colômbia 1997 23 20 30
Costa Rica 1997 28 23 32
Equador 1997 - 20 -
Honduras 1997 27 21 35
México 1994 19 17 24
Panamá 1997 22 16 32
Paraguai 1996 - 23 -
Uruguai 1997 - 13 -
Venezuela 1997 26 - -
Fonte: CEPAL, sobre a base de tabulações especiais de pesquisas dos respectivos países.
72 APP-SINDICATO

se refere a um sistema de saúde apropriado, 2.1.5 LAZER


sensível a vivências dos jovens em relação a sua
sexualidade e à vida reprodutiva, em particular O lazer constitui, por fim, uma importante
das jovens. Ainda segundo a OPS: dimensão a ser analisada, tanto pelo destaque
conferido às atividades recreativas, como pela
“A atividade sexual prematura associada ao
baixo rendimento escolar ocasionam maiores relevância de tais atividades no desenvolvimento
taxas de natalidade e expõe as adolescente pessoal e integração social desses jovens. Por
ao risco da gravidez e doenças sexualmente um lado, estudos demonstram que os jovens
transmissíveis, como a AIDS. As jovens da re-
gião não se previnem contra a gravidez ou não possuem um imaginário associado ao prazer,
buscam tratamento para doenças sexualmen- expresso em atividades recreativas. Por outro
te transmissíveis, por causa das normas so- lado, diversas pesquisas, muitas realizadas no
ciais, restrições financeiras, vergonha e poucos
conhecimentos.” (CEPAL, 2000b : 141). marco institucional da UNESCO, vêm apontando
o lazer como o “momento privilegiado para [os
jovens] afirmarem e reafirmarem laços de
Tabela 9 – Distribuição por sexo dos jovens de 15 a 24 anos por- amizade, desenvolverem sua criatividade
tadores de HIV/Aids na América Latina e Caribe, 2000.
e confrontarem-se consigo mesmos, numa
América Latina & Caribe - Jovens de 15 a 24 Anos situação interpares, intergêneros e, por
Homens 69% (379.500).
vezes, entre estratos sociais diferenciados.”
Mulheres 31% (170.500).
Total 100% (550.000). (Minayo et al., 1999: 51)
Fontes: MICS, UNICEF 2000. Country-specific HIV prevalence rates, UNAIDS/UNICEF, 2000.

Segundo pesquisas recentes (Minayo


De acordo com a tabela acima, mais de et al., op cit; Castro et al 2001, Abramovay et al
550.000 jovens são portadores de HIV/Aids na 1999 e UNESCO 2001), o lazer, o esporte, a arte
América Latina e no Caribe. Destes, a grande maioria e a cultura entram com “um papel fundamental
(69%) é formada por jovens do sexo masculino, apesar na formação da visão de mundo, na construção
do grande crescimento da epidemia entre mulheres da identidade e no enfrentamento dos tabus
- conhecida como femininização da Aids. Os jovens culturais” (Minayo et al., op cit: 50) para jovens
são estimulados a desenvolver a sua sexualidade e adolescentes. No desempenho deste tipo de
desde cedo, sem que para tanto, sejam devidamente atividades, os jovens internalizam valores, fazem
instruídos e sensibilizados sobre os processos de e externalizam suas escolhas legítimas – podendo
transmissão de HIV/Aids. reforçar sua auto-estima e protagonismo –, dão
vazão a sentimentos de frustração e protesto, e
Os problemas decorrentes do contágio constroem laços de solidariedade e cooperação
por HIV e outras doenças sexualmente com outros. Assim, são poderosos canais de
transmissíveis geralmente se referem não apenas expressão e afirmação positiva da identidade, e
ao comprometimento do desenvolvimento dos por essa razão constituem fortes contrapontos à
jovens que, juntamente com as dificuldades geradas violência.
pela gravidez indesejada, também concorrem para
vulnerabilizar os jovens e comprometer sua trajetória Não obstante sua relevância, registram-se
no ensino formal e no desempenho de atividades por toda a América Latina diversas restrições às
produtivas. Segundo dados da CEPAL (CEPAL, 2000a) oportunidades de lazer, em especial de jovens
as mães adolescentes estudam geralmente dois anos de camadas populares. Dispõem de reduzidos
menos do que outras jovens da mesma faixa etária. espaços de divertimento em seu bairro, o
APP-SINDICATO 73

cenário predominante é escassez de espaços de 2.2 A Vulnerabilidade Social e o Fomen-


sociabilidade. to da Violência
No Brasil, por exemplo, recente estudo O acesso negado dos jovens latino-
publicado pela UNESCO, realizado a partir de americanos a processos básicos como os
dados coletados pelo Instituto Brasileiro de analisados restringe a capacidade de formação,
Geografia e Estatística, sobre o estado geral dos uso e reprodução dos recursos materiais e
equipamentos culturais e sociais dos municípios simbólicos; torna-se fonte de vulnerabilidade,
brasileiros, adverte para a falta de espaços de lazer contribuindo para a precária integração desses
e cultura para a juventude. Segundo os dados jovens às estruturas de oportunidades, quer
divulgados: provenientes do Estado, do mercado ou da
sociedade. Ademais, diversas modalidades de
“Cerca de 19% dos municípios brasileiros não
têm uma biblioteca pública; cerca e 73% não separação do espaço e das oportunidades sociais,
dispõem de um museu; cerca de 75% não con- que incluem a segregação residencial, a separação
tam com um teatro ou casa de espetáculo e dos espaços públicos de sociabilidade e a
em 83% não existe um cinema. Predominam
carências também quanto a ginásios polies- segmentação dos serviços básicos – em especial,
portivos, já que cerca de 35% dos municípios da educação – concorrem para ampliar a situação
não contam com tal equipamento, enquanto de desigualdades sociais e a segregação de muitos
em 64% deles não há uma livraria.” (Castro et
al. 2001 : 55) jovens latino-americanos.

Apesar de os dados referirem-se ao Brasil A partir da associação da vulnerabilidade


observa-se que essa realidade é constante para os com a desigualdade social e a segregação
outros países da América Latina onde a escassez juvenil, tem-se conseguido esclarecer cenários
de equipamentos culturais é um fato marcante. das complexas nuances da relação juventude e
violência. Essa relação é percebida como o produto
Além da insuficiência do equipamento de dinâmicas sociais, pautadas por desigualdades
social e cultural, é possível observar a desigualdade de oportunidades, segregações, uma inserção
na distribuição desse equipamento entre áreas da deficitária na educação e no mercado de trabalho,
cidade. Nos bairros latino-americanos mais pobres, de ausência de oportunidades de lazer, formação
onde se registram precárias condições de infra- ética e cultural em valores de solidariedade e de
estrutura e reduzida oferta de atividades culturais, cultura de paz e de distanciamento dos modelos
esportivas e de lazer, uma das poucas opções de que vinculam esforços a êxitos.
diversão que resta aos jovens é o futebol.
A combinação desses fatores tem sido
responsável por situar os jovens
Quadro 4 – Ficar pelas ruas no final de semana à margem da participação
Grupo focal com educadores democrática que colabore na
construção de identidades
Lazer, para os jovens, pode ser colocar duas sandálias na rua e jogar futebol com a bola
amassada e tal, muitos por falta de condição mesmo. A realidade é de pobreza e de dificul- sensíveis à diversidade
dade de acesso a outro tipo de lazer que não seja o futebol, não tem, é ficar pelas ruas cultural e à solidariedade por
durante os finais de semana... dificilmente eles saem disso. compromissos de cidadania,
Fonte: Castro et al. (2001: 60).
assim como no fortalecimento de
auto-estima e de um sentimento
de pertencimento comunitário. Em decorrência,
74 APP-SINDICATO

muitos ficam relegados às influências que nascem como quadrilhas de tráfico de drogas e de armas,
de sua interação cotidiana nas ruas, com outros gangues etc.
que partilham das mesmas carências quando não
são atraídos pelo mundo do crime e das drogas, Por outro lado, a não-presença de
inclusive por seus símbolos e práticas autoritárias um Estado orientado para o bem-estar
de imposição de poder, ou de protagonismo social, desenvolvimento cultural e lúdico em
negativo. comunidades pobres, ou de governabilidade
positiva é preenchida por formas de
A violência juvenil, nesse contexto, tem governabilidade negativa, como sugere o
emergido sob diversas lógicas. Por um lado, tem testemunho do quadro seguinte:
representado uma forma de os jovens quebrarem
com sua invisibilidade e mostrarem- Quadro 6 - O tráfico foram (sic) nossos heróis
se capazes de influir nos processos
Grupo focal com jovens
sociais e políticos da América
Latina. Diante de uma sociedade [Os traficantes] Colocaram lazer na comunidade, organizaram o futebol, coisa que a comu-
nidade ama, entendeu? Colocaram o baile funk que, na época, a gente adorava. Poxa, os
que manipula canais de mobilidade traficantes foram nossos heróis, entendeu? Na época os traficantes eram nossos heróis e não
social e segrega socialmente setores os policiais.
Fonte: Castro et al (2001: 62).
da população, e que, além de não
reconhecer, estigmatiza os principais canais de Pelo foco da vulnerabilidade advoga-se
participação juvenil – tais como grupos de rappers que a violência embora associada à pobreza,
– a violência vem servindo, em alguns casos, para não é sua conseqüência direta, mas sim da forma
colocá-los nos meios de comunicação e chamar a como as desigualdades sociais e a negação do
atenção para sua difícil vida. direito ao acesso a bens e equipamentos de
lazer, esporte e cultura operam
Quadro 5 - Os Rappers - Alternativa às Gangues nas especificidades da cada
grupo social, desencadeando
?)68)2')6%1%(-:)67378-437()+%2+9)72G37)()(-'%1F46E8-'%()86%27+6)77N)72G3
%(38%16-89%-7()%(1-77G3)-2+6)7732G343779)159%059)68-43()%66%2.3,-)6E659-'3 comportamentos violentos.
?"3>()91%+)6%HG34)6-*I6-'%)78-+1%8->%(%
?%4%7791)%(940%*92HG3()91'31432)28)')286%0(%7%8-:-(%()7()0%>)6)()91 Por outro lado, também
'%2%0())<46)77G3(%6):308%
Fonte: Abramovay et al, (1999).
se observa que mesmo
em situações de restrição
econômica é possível encontrar
Em relação mais direta com a crise das novas propostas para solucionar o problema
instituições socializadoras e de orientação ressaltado em estudos da UNESCO no Brasil, por
normativa, a violência tem-se prestado como um exemplo, como através de linguagens juvenis
eficiente mecanismo de resolução de conflitos no campo do esporte, artes e atividades lúdicas,
e obtenção de recursos. A experiência de muitos jovens encontram saídas alternativas para
processos de exclusão e desigualdades sociais, realização de buscas de afirmação social15
além de gerar privações materiais, fomenta entre
os indivíduos sentimentos de desencanto e
frustração, concorrendo para a erosão dos laços
de solidariedade. Nesse contexto, as frágeis redes
de coesão social colaboram para uma assimilação
15 Ver entre outros, Castro et al 2001; Minayo et al, 1999 e Abramovay et al,
perversa a espaços restritos de pertencimento tais 1999.
APP-SINDICATO 75

2.3 A Violência na América Latina, com Es- Verifica-se o aumento da delinqüência


pecial Referência aos Jovens juvenil em todas as cidades latino-americanas, e
esse é um problema freqüentemente citado nas
Análises recentes apontam que a pesquisas de opinião realizadas na região (CEPAL,
percepção da falta de segurança está cada vez op. cit).
mais generalizada entre as populações latino-
americanas. E, além disso, percebe-se uma A violência entre adolescentes é um
mudança nas causas e na natureza da violência grave problema enfrentado por quase todos
nesses países, principalmente na última década e os países latino-americanos. Estudos recentes
também entre a população jovem de 15 a 24 anos (Pinheiro, 1993; Gutierrez, 1978), comprovam
de idade (CEPAL, 1998): que adolescentes vítimas de violência na infância
apresentam maior possibilidade de se tornarem
“No começo dos anos 90 a natureza da violên-
cia sofreu uma mudança significativa na Amé-
agentes de violência no futuro. Por isso é necessário
rica Latina e Caribe e agora a forma mais visível alertar para importância fundamental de políticas
de violência origina-se não mais dos conflitos públicas (universais e específicas), contemplando
ideológicos sobre a natureza do sistema políti-
co e sim do crime e da delinqüência16.”
os jovens.

Deste modo, o tema da violência passou Entre as diferentes formas de violência,


a ser preponderante na agenda política das que atuam entre os habitantes das grandes
autoridades nacionais e locais e dos organismos cidades da América Latina e Caribe, incidem
internacionais em toda a América Latina. fatores individuais, familiares, sociais e culturais
que afetam a conduta doméstica e social. Convém
Segundo dados da CEPAL na América examinar a violência a partir de um enfoque
Latina e no Caribe percebe-se um grande aumento multicausal com a finalidade de identificar os
nos delitos (crimes) e nos níveis de violência. A fatores quer produzem ou estão associados à
situação é tão grave que a taxa de mortalidade por violência.
violência conjunta (1) já esta afetando diretamente
a taxa de mortalidade geral (CEPAL, 1998). Entre os fatores relacionados com a posição
e situação familiar dos indivíduos observa-se
Para o caso do Brasil, estudos da UNESCO uma incidência muito maior de vítimas entre
ressaltam que nas principais capitais cerca de 60% os jovens do sexo masculino, destacando-se os
das mortes da coorte entre 15 a 25 anos seria por jovens homens também entre os agressores.
violência conjunta (Castro et al 2001 e Waiselfisz Vários estudos alertam sobre a construção de
2000). “Na população em geral [em 1998], só masculinidade baseada em valores de violência
8,7% dos óbitos devem-se ao que denominamos (Breines et al 2000), exibição de força e a
“violência conjunta” (homicídios, suicídios e negociação de agressividade e conflitos não por
acidentes de transporte). Já na população jovem brigas ou alterações verbais, mas pela banalização
essa categoria é responsável por mais da metade do uso de armas (Nolasco, 2001).
dos óbitos (52,3%).” (Waiselfisz 2000: 30).
Já quanto aos fatores estruturais
associados à violência na América Latina e no
Caribe encontram-se os períodos de pós-guerra e
16 Caldeira,T. P. R. 1996. “Crime and Individual Rights: Reframing the Ques-
tion of Violence in Latin America”. In: E. Jelin and E. Hershberg. (Eds.)., Contructing De- de guerra civil em alguns países. Nesses períodos,
mocracy: Human Rights, Citizenship and Society in Latin America. Bolder, Colo: Wes-
tview Press: 197-211. quando a violência é legitimada pelo Estado,
76 APP-SINDICATO

verifica-se maior oferta de armas. Segundo (ou enfrentarem períodos de detenção) é menor
dados recentes (Guerrero, 1997) estima-se que, do que os eventuais benefícios que podem ser
em média, a possibilidade de morte aumenta conseguidos pelo crime. Já do ponto de vista das
em quase 3% nas residências onde os habitantes vítimas aparece o sentimento de falta de proteção
possuem armas de fogo. Na Guatemala, por oficial que, no limite, pode até mesmo levar a
exemplo, existem dois milhões de armas nas mãos cometer justiça com as próprias mãos.
de 35% da população civil maior que 15 anos de
idade. (Gutiérrez, 1998). Na Colômbia, durante A questão da violência entre jovens não é
1996, 86% dos homicídios foram causados por um fenômeno exclusivamente latino americano;
armas de fogo (Colômbia, 1996). por exemplo, a literatura atual sobre juventude
e violência aponta que nos Estados Unidos os
O tráfico de drogas e o consumo de álcool adolescentes são duas vezes mais vítimas de crime
também constituem fatores relacionados ao do que os adultos acima de 25 anos de idade. (US.
aumento da violência. Esses fatores associam-se Department of Justice, 1992). Os homicídios são a
à violência também no sentido de contribuírem quarta maior causa de mortes entre indivíduos de 1
para a maior incidência de violência doméstica a 14 anos e a segunda entre jovens de 15 a 24 anos.
e violência contra as crianças e adolescentes. (Gans et al, 1990). Entre os negros americanos de
Segundo dados do programa DESEPAZ, criado 15 a 34 anos de idade, para homens e mulheres, o
na cidade de Cáli em 1993, 56% dos homicídios homicídio é a principal causa de morte (Hammett
ocorrem nos finais de semana e 25% deles apenas et al.,1992). Ainda segundo a literatura, os homens
aos domingos. Esses dados aproximam-se de quando comparados com as mulheres são mais
análises da UNESCO para o Brasil, que alertaram frequentemente agentes e vítimas de agressão.
que mais de 50% dos homicídios ocorrem entre (Hammett et al.,1992; CDC, 1991; CDC ,1992; Hyde,
sexta-feira e domingo, entre os jovens de 15 a 24 1984).
anos no Brasil. E desses, 21,2% das ocorrências
ocorrem no domingo.(UNESCO, 2001 e Waiselfsz, Entre os jovens adultos (18 a 24 anos)
2000). percebe-se o aumento significativo nos índices
de violência urbana na última década. Como
Por fim, a ausência de controles demonstrado na tabela abaixo, quase 50% da
institucionais efetivos propicia a presença de atos população urbana de grandes cidades latino-
violentos. A deficiência dos sistemas judiciais, a americanas já foi vítima de algum tipo de crime.
falta de confiança da população na aplicação e
cumprimento das leis
e a desconfiança com Tabela 10 - População vitimizada, por algum tipo de crime, por
a polícia contribuem grandes cidades da América Latina.
significativamente Pessoas vitimizadas por crime
para o incremento (como % do total da população)
de atos violentos. A Cidade País Ano Total Roubos Violência Agressõe Suborno
crimes sexual (corrupção)
partir desse ponto de Assunção Paraguai 1995 34.4 6.3 1.7 0.9 13.3
vista, a impunidade Bogotá Colômbia 1996 54.6 11.5 4.8 2.5 19.5
Buenos Aires Argentina 1995 61.1 6.4 6.4 2.3 30.2
aumenta a insegurança,
La Paz Bolívia 1995 39.8 5.8 1.5 2.0 24.4
pois os criminosos Rio de Janeiro Brasil 1995 44.0 12.2 7.5 3.4 17.1
avaliam que o risco San José Costa Rica 1995 40.4 8.9 3.5 1.7 9.2
Fonte: CEPAL, 1998.
de serem capturados
APP-SINDICATO 77

Na América Latina a mortalidade por causas


externas (óbitos por violência conjunta decorrentes
de homicídios, suicídios, agressões e acidentes
de trânsito) atinge 20,5% dos homens e 8,1% das
mulheres (CEPAL, 1999). As taxas de mortalidade mais
elevadas por causas externas estão no grupo entre
15 a 24 anos de idade e para cada mulher vítima de
violência conjunta existem 13 homens vitimados. Por
países, a taxas mais elevadas se observam no Brasil,
Colômbia e El Salvador e as mais baixas em Barbados
e na Jamaica.

A maioria das vítimas de homicídios


na América Latina apresentam características
similares: são homens jovens, solteiros e de estratos
socioeconômicos mais baixos, e que abandonam o
sistema escolar.

Tabela 11 – Classificação de países da América Latina, por ele-


vação nas taxas de homicídio e outras violências, população
total e população de 15-24 anos.

TOTAL 15 A 24 ANOS
País Ano Posição Taxa (%) País Ano Posição Taxa (%)

Colômbia 1994 1 81,4 Colômbia 1994 1 147,3


Venezuela 1994 2 65,0 Venezuela 1994 2 66,1
Brasil 1998 5 26,2 Brasil 1998 3 47,8
Bahamas 1995 7 20,8 México 1995 5 24,3
México 1995 8 20,2 Argentina 1996 6 21,6
Argentina 1996 9 18,2 Bahamas 1995 8 18,6
Guatemala 1996 12 9,3 Guatemala 1996 11 12,3
Costa Rica 1995 14 8,4 Costa Rica 1995 13 8,9
Fonte: WAISELFISZ, Mapa da Violência II, 2000.
78 APP-SINDICATO

3. O Combate da Vulnerabilidade Social O capital social não é um conceito


por Intermédio Do Aumento do Capital homogêneo, mas uma composição de
Social vários elementos sociais que promovem
(contextualizam) a ação individual e coletiva.
As pesquisas desenvolvidas a respeito vêm
!"#$#%&'()*+,-./#0(#1/'.*/2#3(-./2#,(#1(&- utilizando indicadores de capital social baseados
bate à Vulnerabilidade Social e à Violência na participação em organizações sociais, atitudes
cívicas, cooperação e sentido de confiança entre
Segundo vários estudos (ver entre outros os membros da comunidade.
Coleman, 1990; Narayan, 1997; Collier, 1998;
Glaeser, Sacerdote e Scheinkman, 1996; Rubio, Existem dois argumentos principais que
1997), a diminuição da vulnerabilidade e o defendem os efeitos positivos do capital social
combate as suas conseqüências, em especial a sobre a redução da violência (crime). Ambos,
violência, passa pela promoção e fortalecimento segundo os autores, estão ligados ao entendimento
do capital social, conceito que se discute a seguir. de relações simpáticas (sympathetic) entre os
membros da comunidade:
Capital social é comumente definido
com o conjunto de regras, normas, obrigações, t P DBQJUBM TPDJBM SFEV[ PT DVTUPT EBT USBOTBÎÜFT
reciprocidades e confiança presentes em relações, sociais, colaborando para soluções pacíficas dos
estruturas e arranjos institucionais da sociedade conflitos.
que permitem seus membros buscarem seus
objetivos individuais e comunitários. (Coleman, t DPNVOJEBEF DPN GPSUFT MBÎPT FOUSF TFVT
1990; Narayan, 1997) membros são melhores equipadas para superar o
problema de ação coletiva do tipo free-rider.
Putnam (1993:167) define capital social
como os atributos das organizações sociais, tais Por outro lado, acredita-se que, em certos
como confiança, normas e redes que podem contextos, fortes interações sociais permitem aos
aumentar a eficiência da sociedade ao facilitar a indivíduos envolvidos em atividades criminais
coordenação de ações. trocarem com mais facilidade informações e
know-how para a diminuição dos custos do crime.
Collier (1998) oferece uma definição que
destaca não somente a parte social do conceito Além do mais, essas interações sociais
mas também o componente capital. Ele sustenta podem facilitar a influência de marginais sobre
que o capital social para ter efeitos econômicos outros membros da comunidade, desenvolvendo
e sociais significativos precisa ser capaz de a propensão ao crime e violência. De acordo
produzir externalidades. Collier aponta três tipos com Glaeser, Sacerdote e Scheinkman (1996),
de externalidades que podem ser afetadas pelo essa interação social perversa pode ser a causa
capital sociais: aqueles que aumentam a reserva fundamental para a inércia das taxas de crime,
de conhecimento; as que reduzem os incentivos observadas nas cidades dos EUA.
para o comportamento individual oportunista; e
Outro pesquisador, Rubio (1997), analisa o
aqueles que ajudam a solucionar o problema do
papel dos cartéis do tráfico, grupos guerrilheiros
comportamento oportunista na ação coletiva (free
e de gangues na Colômbia. Para o autor, esses
rider).
grupos corrompem as comunidades colombianas
APP-SINDICATO 79

ao oferecerem ao jovens um modelo de vida em que um grupo exerce domínio sobre a estrutura
ligado às armas e à violência, como alternativa política, a existência de capital social intragrupal
para a saída da miséria local. favorece a consolidação da situação de exclusão
dos grupos não dominantes. Porventura, se os
Mas, como explicar efeitos diametralmente grupos nãodominantes conseguirem organizar
opostos do capital social na violência? A literatura um capital social que transpasse suas identidades,
indica que os efeitos do capital social estão sua ação pode alterar o status quo e a distribuição
relacionados com a sua abrangência na sociedade. de poder entre os grupos, alcançando a situação
de bem-estar social e econômico.
Para Lederman et al. (2000) o capital
social ajuda a diminuir os conflitos e a violência De outra forma, Narayan (1999) explica
quando consegue transpor os limites de grupos que na situação de mau funcionamento estatal a
específicos. De modo oposto, revela o potencial de sociedade com capital social predominantemente
induzir o aumento de crimes e violências quando do tipo intragrupal estaria mais disposto a
concentrados em grupos isolados e particulares, debandar-se para o conflito, violência, guerra
tais como gangues, clãs étnicos e vizinhanças, não civil. Para o autor, com o mau funcionamento da
sendo disseminados por toda a sociedade. força estatal, os grupos sociais passam a substituir
as funções do aparato público, no entanto, uma
Neste trabalho, denomina-se o primeiro vez que o capital social é do tipo intragrupal, os
tipo de capital social de capital social intergrupal; e benefícios gerados por essa substituição são
o segundo tipo, de capital social intragrupal. concentrados no grupo dominante, que exclui os
demais pelo uso da força ou pela ameaça do uso.
Narayan (1999) estende a formulação de
Lederman e relaciona a abrangência do capital Em sociedades onde os recursos estatais
social com a eficiência das ações do Estado não conseguem atender demandas da população,
(funcionalidade de governo) para explicar os efeitos mas onde é predominante o capital social
do capital social no combate à vulnerabilidade intergrupal, as interações sociais extra-estatais
em geral, e à pobreza em específico. Para o autor, tornam-se gradualmente substitutas das funções
a combinação entre o capital social e a ação do estatais, formando a base para estratégias e ações
Estado pode gerar: bem-estar social e econômico, de superação dos problemas daquelas sociedades.
a permanência da situação de exclusão, o conflito Associações de moradores, cooperativas de
ou ações coletivas de superação dos problemas, produtores, associações de pais e mestres,
dependendo da abrangência do capital social e da organizações não- governamentais de proteção
eficiência da ação estatal (Narayan, 1999: 14). a minorias independentes ou com pouco contato
com agências governamentais passam a suprir
O bem-estar social e econômico é obtido demandas não atendidas pelo Estado.
em cenários ideais, onde a funcionalidade do
governo, complementada pela existência de fortes A literatura analisada sobre capital social
relações sociais intergrupais, consegue produzir e sua relação com a pobreza, com a exclusão
resultados econômicos e sociais positivos para os e com a violência (apenas para citar alguns
problemas apresentados. casos específicos), sugere que intervenções que
objetivam a melhoria das economias nacionais
Em países, regiões ou comunidades em que precisam levar em consideração a organização
funcionalidade de governo com clivagens sociais, e social, facilitando ou incentivando a promoção de
80 APP-SINDICATO

interações intergrupais que fortaleçam o capital importante na medida em que não valoriza e
social abrangente para que a sociedade participe tampouco promove a participação juvenil, crucial
da formulação, implementação e avaliação das para a conclusão do principal projeto de vida
estratégias de desenvolvimento. dos jovens, que é a conquista de sua autonomia
(CEPAL, 2000a).

3.2 Desenvolvendo Políticas Públicas de Com- A adoção de uma perspectiva que enfatize
bate à Vulnerabilidade Social e à Violência o desejo e a vontade dos jovens, quando da
elaboração, aplicação e avaliação de políticas
Conforme visto anteriormente, o fomento públicas representa uma grande preocupação nos
da violência entre os jovens latino-americanos estudos contemporâneos sobre juventude. Em
possui íntima relação com as desigualdades e recente publicação da UNESCO (Castro et al, 2001),
o não-acesso à riqueza e cidadania, ou seja, a sobre projetos sociais bem sucedidos envolvendo
exclusão social. Combater o problema da jovens em situação de vulnerabilidade social, o
crescente violência requer, pois, políticas públicas protagonismo juvenil aparece como importante
que busquem superar a condição vulnerável contraponto à violência e exclusão social. O
desses jovens. protagonismo juvenil é parte de um método
de educação para a cidadania que prima pelo
No que tange a essa tarefa, a literatura desenvolvimento de atividades em que o jovem
(CEPAL, 2000a) tem destacado a importância de se ocupa uma posição de centralidade, e sua opinião
tomar os jovens segundo uma perspectiva dupla, e participação são valorizadas em todos os
na qual eles seriam, por um lado, receptores momentos.
de serviços públicos que buscassem enfrentar
a equação desigualdades sociais e exclusão As experiências ali analisadas demonstram
social; e, por outro lado, atores estratégicos no que a ênfase no jovem como sujeito das atividades
desenvolvimento de sociedades mais igualitárias contribui para dar-lhes sentidos positivos e
e democráticas. A adoção dessa perspectiva dupla projetos de vida, ao mesmo tempo que conduzem
se prestaria à superação de alguns aspectos das à reconstrução de valores éticos, como os de
políticas públicas voltadas para a juventude, solidariedade e responsabilidade social.
inerentes às políticas sociais como um todo, as quais
muitas vezes concorrem, contraditoriamente, para O combate à vulnerabilidade social
acentuar a vulnerabilidade juvenil, socialmente também implica a superação dos enfoques
negativa. setoriais e desarticulados de grande parte das
políticas sociais. Conforme visto anteriormente,
Um primeiro aspecto das políticas públicas problemas como a exclusão, desigualdades
que se revela incompatível com a incorporação sociais, discriminações e a violência decorrem
dessa dupla perspectiva se refere ao caráter de uma multiplicidade de fatores que interagem
predominantemente assistencialista de boa entre si formando complexas redes causais.
parte das políticas que atendem aos jovens. Entretanto, e em relação direta com a ausência
Esse enfoque assistencialista corresponde a uma de uma coordenação insterinstitucional, um traço
prática comum nas políticas sociais popularizadas inerente às políticas, especificamente àquelas
na região na década de 80, com o agravamento voltadas para a juventude, refere-se justamente
das condições sociais fomentado pelas medidas à ausência de uma percepção integrada sobre
de ajuste estrutural. Sua superação revela-se os problemas sociais e suas raízes multicausais.
APP-SINDICATO 81

O negligenciamento de tal fato proporciona premissas fomentam a adoção de políticas


abordagens incompletas onde as ineficiências são insuficientes para solucionar esses problemas e
esperadas. que dificultam a busca de formas alternativas de
políticas sociais e econômicas.
Além disso, e associada a esta última
limitação, está a questão da desarticulação entre O autor cita 10 premissas, que podemos
as diversas instituições do setor público que reunir em três conjuntos. O primeiro, está
lidam com os problemas sociais e dos jovens. relacionado com a percepção do processo de
A convivência de políticas desenvolvidas por desenvolvimento econômico. O segundo, com o
distintos organismos, sem que haja uma definição papel das políticas sociais no desenvolvimento
clara de papéis fomenta tendências à competição econômico. Por fim, o terceiro conjunto se refere à
entre elas, não só no que tange à definição de atuação que deve ser desempenhada pelo Estado,
suas funções, mas também quanto à escolha mercado e sociedade civil para a superação
de enfoques. Nesse sentido, é oportuno que se dos problemas sociais, tais como pobreza,
desenvolva um modelo que busque: desigualdades sociais violências entre outros.

“Promover uma autêntica coordenação inte- É preciso ter claro que a pobreza cria
rinstitucional, baseada em uma precisa dis-
tribuição de papéis e funções entre todos os fatores de riscos, que reduzem a esperança de
atores envolvidos, de modo a obter condições vida e depreciam a sua qualidade. A pobreza,
favoráveis à realização de programas articu- principalmente quando atinge as crianças e os
lados, adequadamente focalizados, aplicados
fundamentalmente a partir de instâncias lo- jovens, cria deficiências que comprometem não
cais e a partir de um efetivo protagonismo dos somente o futuro dos indivíduos, mas o futuro
(as) próprios(as) jovens, na sua qualidade de da sociedade em conjunto. A desnutrição infantil
atores estratégicos do desenvolvimento.” (CE-
PAL, 2000a: 27) é um desses problemas. Crianças que sofrem
desnutrição em sua primeira infância têm todo seu
No entanto, deve-se ressaltar que a desempenho intelectual e físico comprometido
promoção de políticas públicas a partir deste pelo resto da vida. Outro problema, já apontado,
novo enfoque não constitui uma tarefa simples. é o acesso à escola. Segundo a CEPAL (2000b), o
Combater a violência, em especial a violência tempo mínimo necessário para que a educação
juvenil, atacando a vulnerabilidade, requer possa cumprir um papel significativo na redução
a mudança na percepção dos formuladores da pobreza é de 10 anos de escolaridade. No
de políticas latino-americanos sobre o papel entanto, a média de anos de escolaridade na
de políticas sociais para a construção de uma América Latina e Caribe é estimada em 5,2 anos,
sociedade mais igual, justa, pacífica e desenvolvida virtualmente a metade do mínimo necessário para
economicamente e a prioridade que essas Políticas se ter possibilidade de superar a pobreza.
devem receber da atenção governamental.
A soma da pouca escolaridade com os
Segundo Kliksberg (mimeo), o graves problemas de desnutrição infantil projeta
obstáculo a ser vencido para concretizar essa um cenário pessimista sobre a possibilidade de
mudança de percepção, que é clamada pela uma parcela significativa da população dessa
população da América Latina, é a superação região em atender às necessidades tecnológicas
de premissas falaciosas adotadas pelo modelo crescentemente complexas e inovadoras que
de desenvolvimento econômico, em vigência os setores produtivos mais avançados exigem,
na maioria dos países latino-americanos. Tais impedido que esses países desenvolvam esses
82 APP-SINDICATO

setores por falta de recursos humanos adequados. sociedade civil nos processos de desenvolvimento
e na solução dos problemas sociais e a valorização
O segundo conjunto de premissas do mercado frente ao Estado.
falaciosas justifica, no entendimento de Kliksberg,
a pouca preocupação com políticas específicas As reformas na economia e no Estado,
para atacar os problemas decorrentes da pobreza amplamente difundidas nos últimos anos, agravam
e da desigualdade social, marcantes na América ainda mais esse quadro de desconfiança na
Latina, que são fortalecidos por uma crença e participação da comunidade e do próprio Estado
que políticas econômicas são políticas sociais de na solução dos problemas sociais. Além disso, o
que todos os esforços dos países devam ser no pensamento econômico que orientou todo esses
sentido de crescer economicamente. De fato, não processos de reforma acabou projetando uma
se trata de negar que o crescimento econômico é idéia maniqueísta do Estado, pela qual toda ação
importante, senão ressaltar que é simplificar muito estatal seria negativa à sociedade, e a mudança
o tema do desenvolvimento e suas dimensões para a minimização da atuação do Estado com a
sociais, afirmar que o crescimento econômico conseqüente entrega de suas funções ao mercado
sozinho produzirá os resultados necessários para nos levaria a um reino de eficiência e à solução
atacar a pobreza e as desigualdades sociais. dos principais problemas sociais e econômicos
existentes.
É preciso superar o comportamento
político corrente que apregoa às políticas sociais Como já mencionado, desenvolver o capital
a qualidade de categoria de política pública social, como entendido aqui, implica propiciar o
de uso subótimo de recursos, muitas vezes de crescimento da participação dos atores na busca
caráter clientelista, em comparação com a política das soluções de seus problemas, criar, fortalecer e
econômica. É preciso ampliar as metas das ampliar redes sociais de cooperação com o intuito
políticas sociais, estabelecendo uma ligação entre de aumentar os recursos materiais e simbólicos
as políticas desenvolvidas setorialmente para que dos atores.
elas alcancem resultados mais precisos. Como
argumenta Tourraine (1997, apud Kliksberg), Na América Latina, o discurso político tem
bem desenhadas e executadas as políticas reconhecido a importância da participação da
sociais constituem condição indispensável para comunidade de forma cada vez mais ativa na gestão
o desenvolvimento econômico. Como exemplo, dos interesses públicos, pois seria claramente
podemos citar as políticas que assegurem antipopular enfrentar a pressão em favor da
às meninas e às adolescentes o ingresso e a participação. Embora sigam predominando
permanência na escola, além de contribuírem os programas impostos verticalmente – cujos
para que os países desenvolvam capital humano, gerentes são pessoas de fora da comunidade que
indispensável para inserção mais igualitária sabem a realidade, e a comunidade desfavorecida
nos mercados mundiais, reduz as ocorrências deve ser sujeito passivo – disseminam-se
de gravidez na adolescência, de mortalidade programas com bons níveis de participação
materna e infantil, que estão relacionadas com a comunitária.
escolaridade das mães.
Todos esses fatores propiciam a
Por fim, o terceiro conjunto de argumentos prevalência das alternativas de políticas que visam
que devem ser superados se referem ao menosprezo o enfrentamento do problema da violência com
do papel que pode ser desempenhado pela o aumento dos efetivos policiais, a alteração dos
APP-SINDICATO 83

códigos penais para reduzir supostos “privilégios” e As características básicas dessas novas
subterfúgios processuais que obstaculizam a ação formas de lidar com a vulnerabilidade do jovem
policial, o aumento dos gastos com segurança podem ser sumariadas da seguinte forma:
pública. Embora os resultados observados dessas
políticas não sejam muito animadores, uma vez (a) Têm impacto mobilizador sobre a juventude,
que a violência e o sentimento de insegurança são seja pela promoção do associativismo ou pelo
crescentes nas cidades latino-americanas. fortalecimento da auto-estima;

Por outro lado, soluções alternativas (b) São pouco custosas do ponto de vista per
que defendem a adoção de ações preventivas capita, mas têm a capacidade de gerar resultados
com parcerias entre o Estado e a sociedade civil agregados muito significativos;
são deixados para um segundo plano, sendo
suas iniciativas, mesmo que bem sucedidas e (c) A lógica de seu ciclo de vida é inclusiva, ou seja,
economicamente mais eficientes, ainda muito a sua reprodução está assentada sobre o princípio
esporádicas. do aumento gradual da população atendida;

É interessante ressaltar que a superação (d) São estruturadas de forma a associar a


dessas premissas, que orientam a escolha de sociedade civil na formulação ou implementação
políticas nacionais de desenvolvimento, não são de seus objetivos;
suficientes para a solução da violência, porém é
imperativa para que os países latino-americanos (e) Promovem uma cultura cidadã até então
possam, não somente combater esse problema, desconhecida para grande parcela da população
mas também adotar políticas sociais mais eficazes juvenil, especialmente aquela que vive em
para combater a pobreza, as desigualdades sociais situação de pobreza e tradicionalmente excluídas;
e a exclusão social presentes nessas sociedades.
(f ) Algumas das experiências calcam-se em saberes
A seguir, indicam-se algumas recomendações localmente produzidos e, portanto, tendem
com o propósito de incrementar o capital social a oferecer respostas eficazes aos problemas
como forma de combater a vulnerabilidade e, por específicos que cada panorama local apresenta.
conseqüência, a violência urbana.
A recente evolução dessas tecnologias
sociais é consistente com a redefinição do
4. Recomendações paradigma de ajuda internacional para o
desenvolvimento oriundo de programas bilaterais
Em diversos países da América Latina há e multilaterais de financiamento criados após a II
experiências que oferecem alternativas concretas Guerra Mundial (isto é, desde 1945). Segundo essa
ao enfrentamento da vulnerabilidade juvenil orientação, recursos financeiros internacionais
mediante o fortalecimento dessa parcela da seriam aplicados intensivamente em contextos
população. Efetivamente, é plausível sustentar domésticos de subdesenvolvimento por agências
que as fragilidades dos serviços públicos especializadas. Contudo, o exemplo do continente
prestados nos países da região tenham provocado africano, talvez o maior receptor de ajuda externa,
uma verdadeira profusão de tecnologias sociais evidenciou a falência do modelo tradicional.
inovadoras de significativo alcance.
Destarte o debate contemporâneo
reconhece que os recursos internacionais são
84 APP-SINDICATO

maximizados se programados num modelo de internacionais de financiamento e agências da


cooperação mais igualitário, em que doador e ONU, dentre as quais a UNESCO. Procede-se a uma
receptor definem prioridades em parceria, e a sua breve descrição de algumas delas, uma vez que
implementação ocorre mediante o uso extensivo se acredita terem elas podido encontrar respostas
de recursos humanos locais e capacidades ao problema da vulnerabilidade juvenil via
existentes. No novo padrão, por outro lado, fortalecimento do capital social não só dos jovens,
o investimento externo privilegia aqueles mas de todos aqueles que participam ativamente
programas que são capazes de atingir diretamente de políticas públicas ou privadas de promoção da
o beneficiário, reduzindo procedimentos juventude.
burocráticos e providenciando respostas rápidas
aos desafios locais17.
4#506-/78(
A América Latina tem bons exemplos
desse tipo de iniciativa aplicadas ao campo da O programa Bolsa Escola foi iniciado em
juventude e geralmente lideradas pelos governos 1997 pelo governo do distrito federal (Brasil). Seu
nacionais, com alguma participação de capital objetivo era o de vincular uma renda mínima ao
do Banco Mundial e do Banco Inter-Americano rendimento escolar dos jovens de famílias com
de Desenvolvimento, e cooperação técnica do baixa renda. O impacto imediato do programa
Sistema das Nações Unidas (ONU). Nesse esquema, foi apresentado pela UNESCO num trabalho de
os organismos internacionais reconhecem que avaliação (Waiselfisz, 1998c): tornara-se factível tirar
o perfil da atuação de seus técnicos nada pode os jovens da rua e vincula-los permanentemente
ter de paternalista porque, ao contrário, trata- ao sistema educativo, contribuindo para quebrar
se de desenvolver parcerias estratégicas com as o ciclo de repetência e abandono escolar que
autoridades locais e a sociedade civil para formar caracterizava o perfil educacional local. Três
agendas comuns voltadas a fortalecer aqueles anos mais tarde o programa foi nacionalizado,
elementos que já existem no país e que são atendendo a todo o país. O detalhe essencial da
coerentes com os contextos nacionais. versão federal do Bolsa Escola é que a liberação
das parcelas mensais é realizada por um cartão
É esse o contexto no qual as agências da de crédito entregue ao responsável pelo jovem. A
ONU vêm-se somando à promoção de tecnologias incorporação desse elemento na vida das famílias
sociais que sejam adequadas para lidar com os tem gerado um sentimento de autonomia e
desafios que a vulnerabilidade juvenil impõe e confiança antes inexistente, além de desafogar
para aproveitar a janela de oportunidades que o o serviço público da tarefa burocrática de liberar
capital social nacional ou local aporta. pagamentos a milhares de famílias a cada mês. Em
outras palavras, o fortalecimento do capital social
Alguns exemplos de tecnologias sociais de serve como instrumento de combate à pobreza e
êxito vêm sendo desenvolvidas no Brasil mediante à exclusão de jovens em idade escolar.
uma parceria que agrega as esferas federal, estadual
e/ou municipal do aparelho de Estado, instituições

17 Sobre este tema, ver “ World Bank: , Comprehensive develoment


framework” e edições UNESCO Brasil:“Bolsa escola: melhoria e redução da
pobreza”,“UNESCO Brasil: novos marcos de ação” e “Cultivando vida, desarmando vio-
lências: experiências em educação, cultura, lazer, esporte e cidadania com jovens em
situações de pobreza”.
APP-SINDICATO 85

4#9)/:/2;( positiva de suas identidades. Além disso,


utilizando o poder agregador do lazer, na forma
O programa Artesanato Solidário é uma de arte, esporte ou cultura, para ocupar um papel
iniciativa do Comunidade Solidária que conta com central na construção das relações sociais, dos
diversos financiadores públicos e privados, além valores e da identidade da juventude, evitando o
da cooperação técnica da UNESCO. O programa isolamento social desse atores.
é voltado a populações de municípios do interior
do país com Índices de Desenvolvimento Humano A análise aprofundada das experiências
abaixo da média nacional e onde há capacidade mostrou que apesar da grande heterogeneidade
artística instalada. Mediante a disponibilização entre os projetos, manifestada pela diferença
de especialistas no assunto, o programa de tamanho, financiamento e reconhecimento,
fortalece os recursos humanos locais por meio as ações de organizações de pequeno e grande
de auxílio técnico e logístico. Depois de um ano porte atingem um denominador comum que
e meio de trabalho conjunto, o consultor apóia é o sucesso de seus objetivos. Coube a UNESCO
os produtores locais no escoamento de sua apoiar essas organizações a fim de fortalecê-las
produção para grandes centros urbanos do país. O institucionalmente cumprindo assim sua missão
programa terminou voltando-se essencialmente de legitimar iniciativas inovadoras no campo das
para mulheres jovens, que em muitas localidades políticas públicas de cunho social.
apreenderam um ofício tradicional do lugar e
começaram a fazer de sua atividade um meio de
subsistência. 4#3/A0@#3@B6/2#@#C@')(06*.?/

A pedido do Banco Mundial, ente


4#<.(2=,-./#>6?@,.2 financiador do programa brasileiro de Aids, e do
Ministério da Saúde (Brasil), a UNESCO realizou
Com o objetivo de identificar e mostrar uma pesquisa quantitativa e qualitativa sobre
em detalhes experiências inovadoras nas áreas as atividades de prevenção educativa que se
de educação para a cidadania, cultura, lazer conduzem nas capitais do país (Rua, 2001). Foram
e esporte com jovens que vivem em situação consultados não somente alunos e professores,
de vulnerabilidade social, a UNESCO, o BID e a mas também os pais de família e os trabalhadores
Fundação Kellog realizaram a pesquisa “Cultivando do sistema educacional. Os resultados desse
Vidas, Desarmando Violências” (Castro et al, 2001) esforço vêm permitindo a redefinição de
a fim de identificar os caminhos alternativos que estratégias no governo que, junto à UNESCO,
têm sido percorridos por diversas instituições, que lançou um esforço para somar parceiros em
vêm trabalhando pela diminuição dos índices de nível estadual e municipal para a definição de
violência e aumento da auto-estima dos jovens. programas de educação preventiva nas escolas.
Observou-se que a arte, a educação, o esporte e
a cultura sempre aparecem como contrapontos a Em 2001, o Ministério da Saúde (Brasil) e a
situações existenciais de violência entre eles. Tais UNESCO, trabalhando conjuntamente no Grupo
elementos podem ser utilizados para a construção Temático do Programa das Nações Unidas para
de espaços alternativos de socialização que a Aids (UNAIDS), lançaram um Grupo de Trabalho
permitam a eles se afastarem das ruas, sem lhes Jovem sobre Aids. Selecionaram-se sete jovens
negar meios de expressão e de verbalização dos lideranças de diversas regiões do país para compor
sentimentos de indignação, protesto e afirmação um projeto de debates sistemáticos ao longo de
86 APP-SINDICATO

um ano. O resultado desse esforço é a publicação matriculados, mas - e sobretudo - aqueles que
de um guia de recomendações dos jovens para ainda não estão.
as autoridades públicas locais e nacionais, os
diretores de escola e os trabalhadores de saúde. Insiste-se que políticas públicas em
relação aos jovens têm como desafio combinar
Uma das vantagens de tal iniciativa foi, por políticas universais, compreendendo que os
exemplo, descobrir que as demandas, anseios e jovens não estão isolados em um mundo à parte,
percepções não são necessariamente consistentes e políticas afirmativas, compensatórias, sensíveis
ao longo de diversas regiões. Assim, e a título de à particularidade da identidade juvenil, já que
exemplo, jovens de grandes capitais tendem a eles compõem uma geração com linguagens,
aceitar a idéia de disponibilizar preservativos no necessidades e formas de ser específicas.
ambiente escolar como forma de incentivo ao
sexo seguro, enquanto aqueles de cidades do A expressão de tais particularidades
interior pensam que o impacto de uma política pressupõe serem componente de uma
dessas seria negativo, uma vez que geraria ainda democracia participativa em que se atente para os
mais constrangimento em torno a um tema que desafios da modernidade – incorporação de novas
ainda não é tratado abertamente em espaços tecnologias na educação, construção de valores
públicos nem privados. Isso permite matizar as éticos, exercício da crítica social contra exclusões
políticas públicas e incentivar a inclusão de jovens – a fim de lidar com a vulnerabilidade social de
no desenho de planos de ação para a Aids em forma inovadora, tendo como referência o capital
nível local e regional. cultural e social relacionado ao protagonismo
juvenil.

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APP-SINDICATO 87

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Lista de Tabelas
Lista de Siglas
1 Domicílio em situação de pobreza
AIDS - Acquired Immune Deficiency Syndrome e indigência por países da América
Latina e Caribe, (%) ..................................................................61
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
2 Taxa de alfabetização da juventude de jovens entre
CDC - Center for Drugs Control 15 e 24 anos, por países da América Latina, segundo
indicadores agregados
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina
de educação, 1999......................................................................63
e o Caribe
3 Educação primária ou fundamental (ISCED 1),
CELADE - Centro Latino-Americano e Caribenho por países da América Latina, segundo duraçã
de Demografia e taxas de escolarização, 1998.............................................64
4 População urbana de 15 a 24 anos, por países
DESEPAZ - Desarollo Seguridad y Paz
da América Latina, segundo número de anos de instru .
DST - Doença Sexualmente Transmissível ção, 1996-1997 ..........................................................................65
90 APP-SINDICATO

5 Educação secundária (ISCED 2 e 3), por países da América cia. Graduação em Sociologia e Ciências da Educação pela
Latina, segundo duração e taxas Universidade de Paris, França (Paris VII - Vincennes) e mes-
de escolarização, 1998 ...........................................................66 trado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica
6 Taxa anual média de desemprego juvenil, por países de São Paulo, Brasil. Entre os muitos trabalhos publicados
da América Latina, 1990-1999. ............................................69 registram-se “Gangues, Galeras, Chegados e Rappers”, Ed.
7 Crianças e adolescentes de 13 a 17 anos que trabalham, Garamond, Rio de Janeiro, 1999; “Escolas de Paz” Edições
por países da América Latina ..................................................70 UNESCO, Brasília, 2001.
8 Mulheres de 20 a 24 anos de idade que entre os 15 e 19
Leonardo de Castro Pinheiro é assistente de pesquisas da
anos tiveram filhos atualmente vivos, por países da Amé
UNESCO. Graduado em Ciência Política pela Universidade
rica Latina ....................................................................................71
de Brasília. Participação em pesquisas sobre organizações
9 Jovens de 15 a 24 anos portadores de HIV/Aids
não-governamentais, meio ambiente, juventude e violência.
na América Latina e Caribe, 2000. ......................................72
Entre os trabalhos mais recentes em que colaborou desta-
10 População vitimizada, por algum tipo de crime,por .......
cam-se “Cultivando Vidas, Desarmando Violências” (Castro et
grandes cidades da América Latina .........................................76
al, UNESCO, Brasília, 2001) e “Violências na Escola”, UNESCO
11 Classificação de países da América Latina, por elevação
(no prelo).
nas taxas de homicídio e outras violências, população to-
tal e população de 15-24 anos. .................................................77 Fabiano de Sousa Lima é assistente de pesquisas da
UNESCO. Mestrado em Ciência Política pela Universidade de
Lista de Quadros Brasília. Participações em pesquisas de juventude e violên-
cia e avaliações de políticas governamentais e programas or-
1 Jovens latino-americanos segundo çamentários. Entre os recentes trabalhos em que participou
situação de educação e trabalho......................................... 67 destacam se “Avaliação das Ações de Prevenção às DST/Aids
2 Precisa-se de jovem ................................................................. 68 e Uso Indevido de Drogas nas Escolas em Capitais Brasileira”
3 Vão esmolando .......................................................................... 70 (Rua et al, Edições UNESCO, 2001) e “Violências na Escola”,
4 Ficar pelas ruas no final de semana ................................... 73 UNESCO (no prelo).
5 Os rappers – alternativa às gangues................................... 74
6 O tráfico foram (sic) nossos heróis...................................... 74 Claudia da Costa Martinelli é assistente de pesquisas da
UNESCO. Cursa Ciência Política na Universidade de Brasília.
Participações como colaboradora em pesquisas de juven-
Nota sobre os autores
tude, violência e gênero e avaliações de programas gover-
Mary Garcia Castro é coordenadora de pesquisas da namentais. São trabalhos dos quais participou: “Violências
UNESCO. Mestrados em Planejamento Urbano pela Uni- na Escola”, UNESCO (no prelo) e “Avaliação das Ações de Pre-
versidade Federal do Rio de Janeiro e Sociologia da Cultura venção às DST/Aids e Uso Indevido de Drogas nas Escolas
pela Universidade Federal da Bahia. PhD em Sociologia pela em Capitais Brasileira” (Rua et al, Edições UNESCO, 2001).
Universidade da Flórida, EUA. Possui várias publicações nas
áreas de gênero, migrações internacionais, estudos cultu-
rais e juventude. Entre trabalhos recentes, destacam-se:
“Identidades, Alteridades, Latinicidades” (coord.) - Caderno
CRH, 32, janeiro-junho 2000; “Cultivando Vidas, desarmando
Violências” UNESCO, Brasília, 2001.

Miriam Abramovay é consultora da UNDCP, Banco Mundial,


do BID e outros organismos internacionais, em pesquisas
e avaliações em questões de gênero, juventude e violên-
APP-SINDICATO 91

Anexo II

1+,0.0(#9()F6/*(#
Portinari
Filho de imigrantes italianos, Portinari nas-
ceu em 1903, numa fazenda de café em Brodo-
wski /SP. Com a vocação artística florescendo
logo na infância, Portinari teve uma educação
deficiente, não completando sequer o ensino
primário. Aos 14 anos de idade, uma trupe de
pintores e escultores italianos que atuava na
restauração de igrejas passa pela região de Bro-
dowski e recruta Portinari como ajudante. Seria
o primeiro grande indício do talento do pintor
brasileiro.

Aos 15 anos vai para o Rio de Janeiro para


estudar na Escola Nacional de Belas Artes. Sua
arte começa chamar a atenção, e aos 20 anos
participa de diversas exposições, já tendo o reconhecimento da imprensa. Mes-
mo com toda essa badalação, começa a despertar no artista o interesse por um
movimento artístico até então considerado marginal: o modernismo. Em 1928
Portinari ganha a medalha de ouro do Salão da ENBA e uma viagem para a Eu-
ropa.

Os dois anos que passou vivendo em Paris foram decisivos no estilo que
consagraria Portinari. Porém, a distância de suas raízes acabou aproximando o
artista do Brasil, e despertou nele um interesse social muito mais profundo.

A década de quarenta é fundamental para o artista. Tem a tela “Morro do


Rio” exposta no MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova Iorque), ao lado de
artistas consagrados mundialmente. Na sequência faz uma exposição individual
em plena Nova Iorque. Nessa época Portinari faz dois murais para a Biblioteca do
Congresso em Washington e, ao visitar o MoMA, Portinari se impressiona com
uma obra que mudaria seu estilo novamente: “Guernica” de Pablo Picasso.
92 APP-SINDICATO

Portinari volta renovado ao Brasil. Muda de saúde. Em 1954 Portinari apresentou uma grave
completamente a estética de sua obra, valorizan- intoxicação pelo chumbo presente nas tintas que
do mais as cores e a idéia das pinturas. Aos poucos usava. Desobedecendo a ordens médicas, Portina-
o artista deixa de lado as telas pintadas a óleo e ri continua pintando e viajando com frequência.
começa a se dedicar a murais e afrescos.
No começo de 1962 a prefeitura de Milão
Em 1944, a convite do arquiteto Oscar Nie- convida Portinari para uma grande exposição com
meyer, inicia as obras de decoração do conjunto 200 telas. Trabalhando freneticamente, o envene-
arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte/ namento de Portinari começa a tomar proporções
MG, destacando-se o mural SÃO FRANCISCO e a fatais. No dia seis de fevereiro do mesmo ano, Cân-
VIA SACRA, na Igreja da Pampulha. A escalada do dido Portinari morre envenenado pelas tintas que
nazi-fascismo e os horrores da guerra reforçam o o consagraram.
caráter social e trágico de sua obra, levando-o à
produção das séries RETIRANTES e MENINOS DE Portinari é o autor da obra que ilustra este
BRODOSWKI, entre 1944 e 1946. caderno - Retirantes (1944 - Óleo s/ Tela. 190 x 180
cm, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateau-
No final da década de 40 Portinari se filia briand). Nessa tela o pintor queria não só retratar
ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e concorre uma situação, queria também denunciar as desi-
ao Senado em 1947, mas perde por uma peque- gualdades sociais tão acentuadas naquele perío-
na margem de votos. Desiludido com a derrota e do histórico.
também fugindo da caça aos comunistas que co-
meçava a crescer no Brasil, Portinari se muda com
a família para o Uruguai.
Fonte:
Mesmo longe de seu país, o artista continua http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2ndido_Portinari
com grande preocupação social em suas obras. A http://www.culturabrasil.pro.br/portinari.htm
década de 50 foi marcada por diversos problemas
APP-SINDICATO 93

Anexo III
Etapa II do Curso de Formação Político-Sindical
Núcleo Sindical:________________________________________________
Data:_____/_____/10

Tema: CAPITALISMO, ESTADO E DESIGUALDADE: IMPACTOS NA POLÍTICA EDUCACIONAL

DIA
ATIVIDADE RESPONSÁVEL MATERIAL
HORÁRIO

PRIMEIRO DIA

Recepção das/dos cursistas,


08h credenciamento e organização dos GT regional Lista de Presença
trabalhos

Abertura do curso com a retomada


dos princípios e dos objetivos da
formação sindical, o projeto estratégico, Resumo do programa de formação
08h30
a importância do trabalho coletivo nas GT regional
escolas e a disciplina com o estudo e Formador/a
com as tarefas.

08h45 Retomada do Tema da Etapa I. Material da Etapa I

Privatização do público, destituição


da fala e anulação da política: o
09h totalitarismo neoliberal – Prof. Formador/a Material da Etapa II
Francisco de Oliveira.
Apresentação e debate sobre o tema.

12h – INTERVALO

Trabalho em grupo com leitura dirigida.


Privatização do público, destituição
Formador/a
14h da fala e anulação da política: o
GT regional Caderno II do curso
totalitarismo neoliberal – texto do Prof.
Papel e caneta para anotações e
Francisco de Oliveira.
apresentação
16h Intervalo. Formador/a
Apresentação do resultado do trabalho GT regional
16h15
em grupo e debate.
17h30 Encerramento do dia. GT regional

SEGUNDO DIA
Recepção das/os cursistas e
08h30 GT regional
organização dos trabalhos.

Qual a relação entre desigualdade


08h45 social e desigualdade educacional? Formador/a Caderno II do curso
Apresentação e debates sobre o tema.
12h INTERVALO
Qual a relação entre desigualdade
social e desigualdade educacional?
14h !"#$%& "'(& (%$#)*+%,-'& ./& .%.'0& /& Palestrante e Caderno II do curso
informações relacionados a Educação, GT regional e outras fontes de informação
Renda e IDH.
16h Apresentações e debate.
Avaliação da etapa e encaminhamentos
17h GT regional
gerais (tarefa, data da III etapa).
17h30 Encerramento da etapa. GT regional
94 APP-SINDICATO

Não há vagas
Ferreira Gullar . Rio de Janeiro, 1980

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão.

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
,/G#(H-.,/G#@G-6)/G

– porque o poema, senhores,


está fechado: “não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira.
APP-SINDICATO 95
96 APP-SINDICATO

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