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O Paraíso das Framboesas

de

Andres Veiel

Tradução: Luciana Dabdab Waquil


Revisão: Herta Elbern
Porto Alegre, 2014

O Paraíso das Framboesas - Andres Veiel


O PARAÍSO DAS FRAMBOESAS

DAS HIMBEERREICH

VON ANDRES VEIEL

Portugiesisch (Brasilien) von Luciana Dabdab Waquil,


Porto Alegre 2014Alle Rechte vorbehalten, insbesondere das der Aufführung durch Berufs-
und Laienbühnen, des öffentlichen Vortrags, der Verfilmung und Übertragung durch Rundfunk und
Fernsehen. Das Recht der Aufführung ist rechtmäßig zu erwerben vom:

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O Paraíso das Framboesas - Andres Veiel


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Dr. Brigitte Manzinger

Gottfried W. Kastein

Dr. Dr. honoris causa Walter K. von Hirschstein

Bertram Ansberger

Niki Modersohn

Hans Helmut Beltrano

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1. A grande festa

Um ambiente com cabines que lembram elevadores e paredes revestidas de um metal


nobre e caro, o que retira o caráter claustrofóbico do lugar. O espaço não é
claramente definido. O mobiliário parco (cadeiras de escritório, etc.) lembra o de um
escritório aberto, sem divisórias, mas também poderia ser um grande saguão de
espera.

ANSBERGER:
A partir de um certo nível, a responsabilidade é inerente, já pelo próprio significado
daquilo que fazemos. E, com certeza, também o compromisso com um estilo, com uma
atitude. Ninguém chega simplesmente de paraquedas a um cargo de diretoria. A
maneira como se chega lá é tão importante quanto o próprio fato de se chegar lá. O fato
de alguém lidar, na medida do possível, de forma aberta e direta com os outros não o
impede de ser um lutador habilidoso, muito pelo contrário. Eu sou a favor de uma
remuneração pela atitude da pessoa. Isso é uma coisa que eu prezo muito.

MODERSOHN:
Participar do jogo, ter influência, o poder de criar algo, estar acima das trivialidades do
cotidiano, ser contemplado com ambientes especiais e poder se desatrelar de tudo o que
é normal e banal. Ninguém me venha dizer que é imune a tudo isso. Quando um CEO
surge acompanhado por uma escolta, ele se move de maneira diferente. Percebe os
olhares das pessoas que passam enquanto ele é conduzido até o carro por um guarda-
costas, que está visivelmente portando uma arma, ainda que à paisana. O guarda-costas
espera ele se acomodar no sedan blindado para imediatamente arrancar acelerando -

VON HIRSCHSTEIN:
Como conseguir a adesão dos seus colegas? Leia livros de História em casa. Comece a
pensar sobre conjunturas históricas. Abra uma reunião usando uma imagem
surpreendente, citando uma situação histórica paralela, uma reflexão filosófica.
Ninguém conta com isso, e, assim, você se põe automaticamente à frente dos seus
colegas, e eles ficam sem saber como introduzir-se. Assim, você define o metanível do
debate e, a seguir, pode fazer uma ponte elegante até a ordem do dia. Mas, antes de
fazer isso, dirija-se a seus colegas, pergunte-lhes como avaliam a questão. Eles não
terão o que dizer. Estão constrangidos, nunca enxergaram o problema por esse prisma, e
vão concordar, naturalmente. Então, você introduz, como que casualmente, o assunto de
fato da reunião. Você já veio preparado: incumbiu previamente alguns funcionários de
lhe escreverem pareceres relevantes sobre a matéria. Encontrou-se, primeiramente, com
aquele que considera o mais competente, colocando-se a par do estado da discussão.

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Depois - já bem informado -, falou com o segundo, fez alguns questionamentos a
partir dos conhecimentos prévios, chamando-lhe a atenção para possíveis
contradições. Só o fato de ser consultado já significa um privilégio enorme. E que
pode ser suspenso a qualquer momento. Os colegas sabem que para pertencer ao
inner circle é preciso fazer alguma coisa. Desta maneira, você já chega com uma
posição clara à reunião decisiva. A decisão de fato já foi tomada.

Sra. Manzinger de pé.

DISCURSO SRA. MANZINGER:


Com sua abstração, o investment banking recusa qualquer rotulagem simplista. Nosso
banking é sinônimo de espetaculares fusões de empresas, de nossa contribuição social
ao levar empresas à bolsa de valores, gerando, assim, capital para novos investimentos e
postos de trabalho, de excelentes transações com derivativos e outros valores
mobiliários, que produziram, durante décadas, benefícios para a sociedade como um
todo. É sinônimo também de um modelo que é utópico em si, mas, ao mesmo tempo,
estabelece padrões para a sociedade com um todo, um breeding ground, um terreno
fértil para uma community fundamentada na ética. A diversidade transformou-se numa
vantagem decisiva na corrida pela competitividade. Na competição global pelas
melhores cabeças, ambientes de vida e de trabalho abertos e tolerantes são o argumento
decisivo. Nossa filosofia empresarial dá preferência ao funcionário que é contratado
com base em suas capacidades, independentemente de seu background social, de sua
nacionalidade, de sua idade, da cor da sua pele, de seu sexo e de sua religião.
Às vezes, a ideia emancipatória que está na base da nossa filosofia é reduzida à
promessa de redenção à la Smith: “to better the comfort of life”, isto é, “para melhorar a
qualidade de vida”. Mas a felicidade do indivíduo não consiste apenas na satisfação
dessas necessidades básicas, e sim na realização de direitos de liberdade. É somente a
partir daí que o sistema desenvolve sua força. A liberdade mais espetacular é quase
sempre poder escolher entre diferentes possibilidades. A liberdade de escolha inclui a
possibilidade de decisões erradas. Tais correções - pequenas perdas, assim como
quebras espetaculares – são o preço da dinâmica de crescimento que cria a prosperidade
geral. As crises, com certeza, têm um sentido dentro deste sistema: elas desvalorizam o
capital em excesso - uma condição não desprezível para um recomeço. Este ciclo de
criação e de destruição, em que a destruição também é criadora, acompanha-nos há 5000
anos. A controvérsia quanto a esse ou aquele mecanismo regulador é importante. Mas
muito mais importante do que isso é manter este fantástico sistema de liberdade global.
Nós deveríamos ousar mais capitalismo.

KASTEIN:

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Eles têm sede e bebem água salgada. Isso ajuda e, então, eles bebem ainda mais. Ela
precisa de dez litros adicionais. Um está com o fígado sendo devastado por um câncer,
aquele tem a próstata assimétrica, o outro está com o pulmão direito comprometido. Eu
raspo o terno com a unha para tirar manchas inexistentes: Muita migalha, pouca
ousadia? - Todos eles seguem em frente. Aos noventa anos, eles são presidentes de
algum conselho familiar e criam, em Berlim, fundações que levam seus nomes e, depois,
precisam decidir entre cremação ou enterro como melhor método para chegar mais
rápido lá em cima e assumir o comando por lá. Aí é o limite, o fim da linha, eles estão
diante dele. E o que eles fazem? Aceleram mais. É como um reflexo: acelerar mais,
afastando-se da extremidade. E, chegando outra vez ao limite, vêm a liberação de
endorfina definitiva: olha-se para o abismo lá embaixo, mas não se está no solo.

MODERSOHN:
Eu comecei com 80.000, 100.000, o que não é muito para as 60 horas que você passa lá,
o restante são incentives, adicionais salariais variáveis. Você tem que ouvir o som das
moedas e saber por quanto tempo elas vão tilintar. Isso tem muito a ver com
musicalidade: seis anos de conservatório, twentyfour/seven violino, depois contrabaixo.
Enquanto a música estiver tocando, nós dançamos - timing é tudo. Eu sei quando a
melodia vai terminar e me retiro na hora certa, vou short, aposto que a coisa vai por
água abaixo. Espalho os boatos certos por aí. A pessoa precisa saber o que espalhar para
quem. E se é num clube, você vai fundo, encontra as pessoas certas; no dia seguinte, a
Bloomberg noticia, e então eu já estou fora. São pequenos flertes com Mefisto, não há
dúvida. No início, você trabalha com alguns milhões, depois acrescenta um zero, e mais
um, e também nos adicionais salariais colocam mais um zero no lugar do ponto e da
vírgula, então devo negociar 10 milhões, depois 100 milhões, então 11,7 bilhões… E aí
não vocês está mais na segunda divisão: você está diante de um deal, fica sabendo de
uma coisa que os outros não sabem, e aposta ... / Ele está louco / e até a noite você fez
400 milhões para o banco. O que isso dá no final do dia, no final de um ano? O que são
60 bilhões?

KASTEIN (a MODERSOHN e à SRA. MANZINGER):


Se você jogar um euro por segundo pela janela, dia e noite, sábado e domingo, ano
bissexto ou ano normal, quando você tem que começar a jogar dinheiro fora para chegar
a 60 bilhões? - No nascimento de Cristo. O seu cérebro é programado para um, dez,
cem, talvez mil, mas não para bilhões.

SRA. MANZINGER:
Ganância é mais do que cobiça ou avidez. (a KASTEIN) A palavra ganância tem a ver
com gana, com gana de possuir, gana de saber. A ganância pode, com certeza, ter um

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sentido positivo e nos motivar. Afinal, quem continua garantindo os excedentes do
banco? - Somos nós.

MODERSOHN:
O refrão de todos é o mesmo: Eu já fiz meu pé-de-meia, daqui a cinco anos vou parar,
vou-me embora. Isso é o que todo mundo aqui diz, e todo mundo continua, a não ser
que seja sacked: demitido. Que ninguém venha querer me contar outra coisa. Ou, então,
por que WALLSTREET foi um sucesso tão grande? Eles circulavam todos com os
mesmos suspensórios ... Vocês já estiveram alguma vez num auditório com 1000
estudantes de Administração de Empresas?

BELTRANO:
Nossos vidros são escurecidos, 6,5 milímetros, resistentes a um ataque de lança-
granadas. A placa de metal que protege o chão do carro é de um aço super-reforçado,
categoria de blindagem B7 - classe presidencial, melhor que isso não existe. A gente
tem que saber dirigir uma caixa-forte dessas. Tem muito de empatia - o motor é meu
irmão, eu conheço cada mania dele, acabei ficando com o ouvido treinado nesses anos
todos. Eu falo com ele: E então, Kasomil, dormiu bem? Agora está na hora de
trabalhar. Ah, não quer, me fale qual é o problema… Funciona na base da confiança
mútua. Ele sabe o que eu posso oferecer - entendo de cilindros, entendo de ignição,
entendo de carburador, entendo de hidráulica, não preciso de oficina, faço eu mesmo, se
necessário, até a 190 na autoestrada, pois meu diretor tem que chegar pontualmente.

KASTEIN:
Quando você está lá sentado, naquele círculo, estão todos inebriados; o responsável
pelo investment banking faz um relatório - rentabilidade nas alturas, nós somos o
número 1, retorno sobre os ativos na casa dos vinte e três por cento ... - e ficam todos
achando que a festa vai durar para sempre. E eu digo: isso é querer a todo custo pintar o
céu de azul. Basta a primeira tempestade e vai tudo por água abaixo.

CORO I. -
Eu cresci no meio de livros. Quando crianças, nós brincávamos de slalom com nossos
carrinhos de madeira, desviando das pilhas que se elevavam no nosso quarto. Meu pai
era especialista em História da Arte e não conseguia jogar nada fora. Ele escrevia
textos que eram, às vezes, publicados em revistas especializadas, ou apareciam em
algum catálogo de exposição, e para isso ele estudava semanas a fio, passava dias
dentro de bibliotecas, trabalhava no fim de semana - tudo isso por um salário
equivalente a um terço do que recebe um limpador de fachadas. Ele sofria com isso. A
falta de dinheiro era o pagamento em troca do não reconhecimento não somente do seu
trabalho, mas de sua vida inteira.

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SRA. MANZINGER:
Comecei como broker. Naquela época, não havia nenhuma mulher nesse ambiente;
hoje, aliás, também não. Esse trabalho é como o karatê. Eu tenho dois irmãos mais
velhos, então pude treinar. Eu gostava daquilo e mostrei para eles que não estava ali
para brincadeira. Até ali, nós raramente fazíamos transações com derivativos. Então, eu
cheguei com um cliente que queria entrar com 250 milhões no mercado de opções.
Você precisa gritar para que todos os corretores percebam - opa, aí tem alguma coisa.
Você tem que conseguir se impor - voz firme, bons preços. Você toma uma decisão,
verifica cada zero, e, então, não tem mais volta: depois, ou você está fora ou é a queen.
É uma história extremamente corporal: a cabeça formigando, tem muito de intuição,
que vem com uma comichão na boca do estômago, e quando acontece, você fica em
harmonia consigo mesma e com o mundo, isso lhe dá asas, deixa leve como um torpedo
... Com a parte de baixo da prancha, a água é deslocada e você decola ... num impulso
inusitado. Flow, felicidade pura. E não pode parar nunca; você quer fazer também o
próximo negócio com o cliente. Os preços são quase iguais em todo lugar, então você
tem que oferecer outra coisa. As transações para valer não são feitas no escritório, e sim
à noite, na balada. Entertaining é tudo. Ou seja, como mulher você deve ser fuckable,
você tem que despertar fantasias no cliente. Você lida com homens que acabaram de
ganhar uma quantidade absurda de dinheiro e que acham que se tem uma mulher por
ali, eles também podem ganhá-la. - Depois de dois anos, quiseram me levar de
Frankfurt para Londres: head office. Eles comunicam a você na sexta-feira: - Nós temos
um cargo em tal lugar, a senhora começa na segunda-feira. Eles não contam com a
possibilidade de a gente dizer não. No meu caso, pensaram que só podia ser por causa
do dinheiro; quando eu não cedi, eles triplicaram. Simplesmente não entenderam que eu
não queria ir para Londres. Estava grávida e já tinha a proposta para um cargo de
diretoria, como responsável pelas transações comerciais, fusões de empresas, sem
balada, podendo fazer meu próprio horário, encerrar o expediente às cinco e, depois de
ler uma história para a criança dormir, retomar o trabalho. Eu não consigo me desplugar
completamente, mas domino a arte do intervalo.

KASTEIN:
Eu via como funcionava a política de pessoal. Quem faz mais dinheiro é quem decide.
Essas pessoas encontram instintivamente seu lugar, o lugar onde se destacam. Para isso,
elas precisam manter seu ambiente clean.

SRA. MANZINGER (a KASTEIN):


Não se esqueça … você é parte do problema e não parte da solução. O fato de você
ainda estar aqui é um privilégio.

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KASTEIN:
Eu não estou aqui, absolutamente. Ora, você não acredita que eu esteja ansioso para
andar de elevador com você. - Existe o sistema russo e existe o sistema italiano, mas o
nosso sistema também não admite inimigos. Ele só tem métodos mais sutis para lidar
com eles. Mesmo quando se compreende esse fato, isso não dá manchetes, não acontece
uma rebelião popular.
Eu fico arrasado quando vejo isso, fico arrasado sabendo como funciona essa máquina.
Nunca teria nem sonhado em descobrir o que descobri.

SRA. MANZINGER:
Você deveria aos poucos superar o fato de não terem prolongado seu contrato. -

KASTEIN:
Posso lhe fazer uma pergunta? Quanto tempo leva a luz solar desde o sol até chegar à
Terra? Você não sabe. Isso tudo pode ser acessado. Você não precisa para nada de um
QI superior a 130, você pode pesquisar qualquer coisa. Ninguém precisa
necessariamente saber, mas poderia. Hoje mais facilmente do que nunca. Para que,
afinal, nós democratizamos o acesso a todas as informações através do google? Pessoas
como você estão lá em cima e não querem saber de nada.

SRA. MANZINGER:
Nós temos permanentemente que tomar decisões em áreas que ninguém analisa
realmente. Talvez um ou dois colegas saibam o que envolve um produto de fato.
Eles se especializam em conteúdo e em como apresentar a mercadoria para o cliente.
Eu estou sempre à frente porque não desperdiço tempo com detalhes. Entro em
negociações complicadas sabendo que não sei coisa alguma. E, por isso, eu consigo
suportar muito bem uma situação aberta; e exatamente esta é a fraqueza dos meus
colegas: eles ficam presos ao seu conhecimento medíocre e não conseguem ver o
todo. Quanto mais o outro vacila, mais clareza eu tenho para enxergar - e se ele não
vacila o suficiente, eu o faço vacilar; um movimento em falso e pronto! Eu respiro
isso.

MODERSOHN:
Você está numa reunião da mesa diretora e alguém lhe explica uma estrutura financeira
usando os termos mezzanine e first loss. Você nunca tinha ouvido falar nisso, e pensa:
não estou bem preparado. Os outros estão entendendo, então também vou concordar.

SRA. MANZINGER:
Você primeiro desperta insegurança, atiça o medo, para depois acalmá-los, dizendo:
“Bem, agora eu vou orientar vocês”.

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KASTEIN:
Quando se está num círculo desses, a vida é solitária. Você fica calculando quem tem a
maior legião de aliados. Sozinho é impossível, você precisa de aliados. Em alguém
você precisa confiar. Se você está nisso por muitos anos, de repente, você começa a se
perguntar: Será que meu motorista está mentindo quando me dá bom dia? Ele trabalha
para mim ou está me espionando?

BELTRANO:

Bom dia, bom dia, bom dia.

SRA. MANZINGER:
Paranoia não protege contra perseguição. - Eu nunca tive que provar nada para mim
mesma. Sempre disse para mim mesma: Eu posso parar amanhã. Ninguém aqui leva em
conta essa independência. Talvez por isso meu percurso possa se comparar a um
circuito físico: é como um vetor apontando para cima, continuamente. -

BELTRANO:
Não posso dizer o mesmo de mim. No meu caso, é sempre um sobe-e-desce: de manhã
desce até a garagem da diretoria, à noite sobe outra vez. E isso há 37 anos. Eu capto
tudo. Esperando - em cima, no escritório da diretoria, ou agora aqui -, sempre de
prontidão. Sou pago pelo meu pé, para ele pisar certeiro nos pedais. Frear não é muito
bem visto, pois a gente perde tempo, e eu sou responsável pelos sinais vermelhos e
também pelos engarrafamentos, pois poderia ter feito um caminho diferente, passo todo
o tempo ali sentado, mesmo: - Por acaso não ouviu as notícias do trânsito? Está certo,
mas eu estou sempre trabalhando. Na verdade, eu deveria ser pago pelos meus ouvidos,
eles captam tudo, depois as coisas são esmiuçadas, analisadas, os termos vão ser
verificados, as palavras avaliadas, os números anotados e depois apagados de novo.

SRA. MANZINGER:
Hoje não se precisa mais ficar sentado em salas privativas, empunhando uma taça de
vinho, como a velha imagem do banqueiro, que diz: Vamos fazer desta maneira - sem
fornecer uma justificativa razoável. Nós estimamos riscos, os tornamos calculáveis e
depois apostamos nos resultados que nós mesmos prognosticamos: produtos estruturados
são apostas estruturadas. O dinheiro gerado aqui, consequentemente, só é multiplicado
quando aumentamos os riscos … Pode-se calcular o risco, ou mais exatamente:
dimensionamento, mapeamento de processo e volatilidade do risco, somente
probabilisticamente. Para isso é preciso conseguir entender o jogo dos riscos
sinteticamente estruturados. Nós nos orientamos pela EUREX para as volatilidades, mas
ali só temos uma pequena fração das volatilidades de que necessitamos para nosso

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trabalho. Daí para diante, o ar se torna naturalmente mais rarefeito. Nós calibramos com o
GARCH, ou usamos modelos de volatilidade estocástica, como…

BELTRANO:

Garch.

SRA. MANZINGER:

Hull!

BELTRANO:

Eu me esforço para ser entendido. Já eles se empenham em não serem entendidos. É


compreensível, eles querem ficar entre seus pares. A pessoa se sente acolhida quando
sabe: (Colega), você é único que me entende, todos os outros são idiotas. É um negócio
solitário, mesmo. Cada um na frente do seu computador, cada um em seu próprio mundo.

VON HIRSCHSTEIN:
Quando eu contratava alguém, não perguntava sobre os conhecimentos que tinha em sua
especialidade, isso eu pressupunha, senão eles não estariam ali. Seria uma petulância
muito grande apresentar-se sem os conhecimentos devidos. Eu perguntava: O que você
faz quando não está usando esses conhecimentos? – Então um falava: Esporte. - Sim,
qual? - Tênis… - E no inverno?… perguntava. – Eu esquio … - Sim, mas o que você faz
quando não joga tênis ou não está esquiando? Você então só aplica seus conhecimentos
especializados? - Leitura. Eu gosto de ler. - O que você está lendo? - Nas últimas quatro
semanas, eu não tive tempo. - Aí eu já sabia: esse não serve. Todos têm uma chance, mas
apenas uma.

ANSBERGER:
Nós sempre perguntávamos onde era preciso dinheiro e o colocávamos ali. Hoje não
perguntamos mais onde é preciso, e sim onde se conseguem os maiores rendimentos.
Esta é a diferença.

CORO II:
Meu pai ... isso é uma coisa que eu nunca vou saber explicar, meu pai não queria um
filho. Quando minha mãe já tinha dado a luz, e a secretária dele disse que haviam
telefonado avisando do filho, ele disse à secretária que ligasse ao médico
perguntando se era realmente um menino. E, por isso, eu passei as primeiras
semanas sem um nome, pois Johanna não servia e outro nome não havia. Eu era um
“no name”. E foi assim que ele me tratou.

KASTEIN:

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O importante, o que se tem que saber, é a forma como o sistema lida com os
divergentes.

MODERSOHN:
Metas de rendimento líquido são preestabelecidas. À noite, comunicação com o chefe,
no dia seguinte cedo, a saudação matinal: - Hoje é quinta-feira e nós estamos com os
números ainda na terça-feira. Como se explica isso?

SRA. MANZINGER:
Entendendo a ideia de agressividade de forma positiva, no sentido de perseguir metas,
eu consigo simpatizar com essa ideia.

MODERSOHN:
Se você não traz o return, no dia seguinte, você se vê com o chefe. Ele tem a
conferência com os analistas, e eles fazem pressão. Por quê? Porque eles comparam
direto com o que os outros trazem de retorno.

SRA. MANZINGER:
O negócio tem quedas cíclicas, e nossos colegas, pela própria natureza humana,
também. Por isso, nós não os deixamos sozinhos. Nosso pessoal dos Recursos
Humanos trabalha com coaches.

MODERSOHN:
Eu chego lá, na sala tem um tapete persa, uma das poucas salas fora da diretoria em
que se vê um tapete persa. Simpatizei direto com o sujeito – social intelligence, um
caso raro. Estava claro para mim que eu tinha de ser integrado nas metas do setor. Sou
demasiado autoconfiante para eles. Isso não é um problema, desde que não seja dinate
do chefe. Nesse caso, vêm logo o pessoal dos Recursos Humanos com estratégias de
intimidação: - Ah, camisa lilás com gravata lilás, ousado, seguro do seu estilo. Me
agrada. O que quer dizer: Uma extravagância dessas você pode se permitir se sua
performance também for assim ousada. Ele quer saber o que penso, se uma solução de
mercado também seria viável para mim. - Solução de mercado? - Não é ideia minha,
diz ele, é a nova convenção linguística aqui. Era um sinônimo para demissão. Quer
ver se vou fraquejar ou se vou me transformar numa máquina de combate.

SRA. MANZINGER:
Eu disse a ele depois: Nós estamos nos equilibrando sobre uma pedra rolando
estrondeante morro abaixo. Você precisa manter as pernas sempre em movimento. Se
parar, você cai e é atropelado pela pedra.

MODERSOHN:

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Eu disse a ela: Eu já caí uma vez, isso é o suficiente. - Bem, diz ela, eu tenho umas
transações difíceis. Preciso de um “hired gun”, um mercenário para lutar por mim. - No
dia seguinte, eu ganhei meu contrato novo.

CORO III:

Foi no acesso aos trens metropolitanos. Eles estavam lá. Hoje a gente os chamaria de
Hells Angels, mas antigamente eles eram chamados Rowdies. Com correntes. Eu
estava junto com três camaradas. Os caras no trem se entreolham, eu vou na direção
deles, nem percebo que estou sozinho, meus camaradas se escafederam, arranco a
corrente do primeiro e o segundo já a leva no rosto, jorra sangue, eu acerto o primeiro
nos rins, ele se esquiva, esmigalho as têmporas do outro, atinjo-o com a corrente na
sobrancelha, ele sangra como se tivesse sido degolado, vai ao chão, geme, o líder vai
embora correndo, eu o persigo escada abaixo, ele salta no trem, eu atrás, batendo, não
consigo parar, umas pessoas me seguram - eu o teria matado. O juiz me pergunta:
Legítima defesa? Sim. Você se adiantou a eles, mas por que aquilo dentro trem? Ali
você já havia vencido; e eu digo: Ele feriu meu sentimento de justiça.

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2. O deal
MODERSOHN:

Nós elaboramos uma versão para o planejamento plurianual de lucros.

SRA. MANZINGER:
Quando alguém chega com um sete antes da vírgula, eu digo por princípio: - Se nós
conseguimos sete, então também conseguimos oito.

MODERSOHN:
Nós refizemos o planejamento, e esse também voltou. Porque não era suficiente. Muito
pouco lucro - mais retorno! No final, foram 28 versões.

SRA. MANZINGER:
Nós navegamos em zona de extremo perigo e assumimos altos riscos. Isso não se faz
só com cadernetas de poupança e meia dúzia de linhas de crédito empresarial.

ANSBERGER:
Um momento! Eu estudei o assunto, recebi um relatório da auditoria de contas, onde as
transações do investment banking estavam descritas detalhadamente. Eu batizei o
relatório de “Protocolo do Horror” ... Ali estavam todas aquelas loucuras de
securitização, ou seja, enormes pacotes de crédito, que eram negociados sem se saber o
que eles realmente continham. Também fizeram suas securitizações, e isso em grande
estilo, não na escala de dois ou três dígitos de bilhões. Eles perderam rios de dinheiro
na área do subprime com as hipotecas americanas.

BELTRANO:
Prime vem de prima, primeiro; deveria se chamar extraprime, seleção de primeira, pois
“sub” quer dizer um pouco inferior, ou seja: laranjas classe A em oposição a laranjas
classe B, com um pouco menos de suco, mas boa polpa. Se tivessem escrito nas caixas
de frutas o seu conteúdo - no melhor dos casos, laranjas para compostagem, no pior
dos casos, lixo tóxico -, ninguém teria comprado nada. Rótulo é tudo. Mesmo quando
elas já fediam a podre, todos continuavam comprando. Basta um idiota que apregoe
que a indústria do suco tem futuro, que beber sempre se bebe, que então todos querem
abarrotar seus armazéns.

MODERSOHN:
O mais importante são simplesmente os produtos que nós mesmos criamos. Risco e
rendimento são como irmãos siameses. Nós financiamos prédios novos, residenciais,
na fronteira mexicana com os EUA, em Tijuana. Dez mil moradias seriam construídas
lá. Você vê o retorno projetado e, então, não pergunta: - Quem vai querer morar lá?

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Vão realmente construir alguma coisa naquele lugar? Quem está lavando qual dinheiro
dessa forma?

ANSBERGER:
Foi assim que nós assumimos os pacotes dos seguros de vida. Só de doentes terminais.
Os seguros de vida tinham sido colocados todos juntos e os revenderam como um
pacote.

VON HIRSCHSTEIN:
As pessoas que estão com uma doença terminal e ainda precisam de alguns anos até
receber o seguro de vida apostam em sua própria morte, escolhem receber antes, pois
pensam: eu tenho ainda um pouco de dinheiro, então posso ainda aproveitar um pouco a
vida.

ANSBERGER:
E, assim, essas apostas são transformadas em fundos estruturados por iniciativa do
pessoal do investment e, em caso de morte, o banco deveria receber de volta do seguro o
dinheiro mais juros. Se as pessoas morrem logo depois, eles são, para o banco,
normalmente fáceis de negociar, com base na taxa de mortalidade.

VON HIRSCHSTEIN:
Só no nosso caso não vingou, porque os clientes se recusavam a morrer. Assim, é claro
que o cash flow não retornou.

SRA. MANZINGER:
Que se fique indignado com isso é compreensível. Mas o que é indignação?
Emocionalidade. Eu gostaria de citar aqui meu estimado colega Dibelius:
“Emocionalidade é um correlato morfológico: uma descarga elétrica de neurônios em
determinadas regiões do cérebro. Estimulando uma área específica em seu cérebro,
podemos fazê-lo chorar de repente. Isso é, então, um sentimento? Não, é uma reação a
determinadas influências que, na vida cotidiana, nós não conseguimos definir
claramente e distinguir umas das outras, por isso chamamos de emocionalidade.” Isso
não quer dizer outra coisa senão que não existe mais liberdade humana. “Não sou eu
que tomo uma decisão de ir para a direita ou para a esquerda; essa decisão resulta de
uma multiplicidade de fatores que a influenciam. Se as pessoas, ao fim e ao cabo, são
apenas marionetes regidas por fatores que as influenciam, em que o ambiente e os genes
têm um papel determinante, os conceitos de liberdade e de responsabilidade se tornam
desnecessários.” O que isso significa para o nosso ramo? Se liberdade e
responsabilidade se tornam somente conceitos relativos, (isso) não significa que “nós,
nesta crise de fato grave, devamos cair na tentação de minimizar os efeitos de nossas

O Paraíso das Framboesas - Andres Veiel


ações. Mas devemos evitar tomar casos isolados como argumento para concluir que o
sistema como um todo é perverso.”

BELTRANO:
Nós vamos cantar:
É tão linda a época em que brotam os frutos da tâmara.
Todos os que caem têm asas. 1

SRA. MANZINGER:
Se nos retiramos e Goldman e Morgan Stanley continuam, então temos de ouvir: O que
vocês estão pensando? Eles estão ganhando rios de dinheiro; e o que nós estamos
fazendo aqui? Nesse fim de mundo?

ANSBERGER:
Eu sempre fiz esta pergunta no comitê de riscos: Qual o tamanho do nosso apetite por
riscos? Digam-me um número. Que medida de risco nós queremos de fato? - Nenhuma
resposta. Isso é significativo. The sky is the limit.

CORO IV:
Ele disse: “Às quatro horas você vai estar aqui de volta” – e, então, eu não estava lá. Eu
não esqueci que deveria ir para casa, mas: O que são quatro horas? Que é isso mesmo?
Eu era considerado subdotado, não sabia amarrar, não falava direito. Meu pai cuidava
para que os planos que ele impunha aos outros fossem cumpridos - ele veio me achar
entre meus amigos, me surrou na frente deles, me bateu no rosto, com vara, com sapato

ANSBERGER:
Nós mesmos fomos buscar os banqueiros de investimento. O banco teria sido assumido
por nossos irmãos da América se nós não tivéssemos participado.

VON HIRSCHSTEIN:
Eu recordo que todos os presidentes dos grandes bancos alemães foram chamados ao
Ministério, em Berlim, e que lá nos deram um sermão: que a Alemanha, como mercado
financeiro, estava ficando cada vez mais para trás em relação a Londres e a Nova York, e
que nós tínhamos de nos aprumar, correr mais riscos, ampliar os derivativos e os
financiamentos estruturados, que nós tínhamos de nos modernizar de uma vez, fazer
como os americanos com os grandes bancos de investimento.

MODERSOHN:
Mas não basta um punhado de alucinados começarem a fazer negócios malucos. Os
políticos precisam, primeiro, criar as estruturas certas. Isso tem de ser feito. E foram os
1
N. T. versos do poema “Das Spiel ist aus”, de Ingeborg Bachmann

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políticos que aprovaram, então, os aceleradores de combustão. Altos riscos, altos
rendimentos - esta canção nós cantamos em conjunto!

KASTEIN:
Toda noite eles se reúnem, eu conheço o ponto. Nós podemos ir até lá. Todas as noites
eles fazem Berlim. Vêm da sede do governo, vão até a sede do governo e, à noite, a
chanceler ainda telefona, dizendo: - Me ajudem, me expliquem isso aqui. E, se a coisa é
muito urgente, o chefe vai pessoalmente ao gabinete da chanceler. No dia seguinte, fazem
menção nas declarações governamentais.

SRA. MANZINGER:
Era desejável politicamente que o banco, no setor de investimentos, investisse em
aquisições. E a atenção só podia voltar-se para a América. Nós queríamos participar do
jogo lá; Frankfurt era considerada cada vez mais desconectada. Nós devíamos nos
recuperar.

KASTEIN:
Mas como eles impõem isso, os banqueiros de investimento, a sua atuação como pressure
group ... somente nós conseguimos isso. - Tail - I win, head - you lose : Cara eu ganho;
coroa você perde - ... em caso de lucro, eu participo na casa de cinquenta por cento e em
caso de perda, ganho mesmo assim um bônus, senão me retiro. - E a participação nas
perdas? - Eu não sou acionista, somente trabalho aqui. Como banqueiro de investimento,
você tem uma participação maior nos lucros do que os acionistas, e isso sem investir
capital. É completamente absurdo. Pessoas como você superaram o capitalismo há muito
tempo.

ANSBERGER:
Vamos falar agora sobre o deal de fato! A intenção realizar a compra, internamente nós
denominamos o banco em questão como PAULA. Nós éramos PETER. E PAULA e
PETER, juntos, deveriam formar o TRANSATLANTIC HERO. Eu examinei o deal a
partir da perspectiva dos riscos. Recebi do meu working group os primeiros resultados.
Eles já fediam de tal maneira que o instinto nos dizia que iríamos afundar com a compra
de PAULA. Para poder fazer uma estimativa real, PAULA deveria, primeiro, avaliar ela
mesma diariamente seus produtos comerciais. Por que eles não fizeram isso? Eles sabiam:
se nós tivermos que fazer avaliações periódicas, virão à tona perdas gigantescas. E se isso
viesse à tona, o negócio estaria em perigo. Mas ele tinha que ser realizado.

SRA. MANZINGER:
Era a única transação que nós podíamos fazer na América. Pois todas as outras eram
grandes demais - seria como a cauda abanando com o cão. Foi, se você quiser chamar
assim, autodefesa. Nós tivemos que fazer isso, senão nós hoje não existiríamos mais, e em

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nossas filiais existiriam City Banks ou Deutsche Goldman. Nós estávamos, na verdade,
sempre todos de acordo, com exceção de, talvez, um ou dois membros da diretoria, que,
em toda oportunidade que se apresentasse, mencionavam que nunca teriam feito a
compra.

VON HIRSCHSTEIN:
Eu logo disse que os riscos da fusão deveriam ser examinados minuciosamente, que
isso levaria meses ... Aí falaram que as estruturas do deal com os representantes da
PAULA já estavam definidas e que não seriam mais alteráveis, que um exame
minucioso até a assinatura do contrato não seria mais possível. Aí foi uma pressão
insana, em duas semanas foram finalizadas as negociações para o contrato. Em duas
semanas! Eu não podia acreditar ... Simplesmente passar por cima de todos os riscos
daquela maneira! Porque estava claro: o negócio era desejado pela política, eles
queriam um strong player, um champion, em caso de necessidade o Estado garantiria.

ANSBERGER:
Eu preparei um longo parecer, que nós batizamos de “rolo”. Levamos o rolo, então, ao
conhecimento dela. Logo de manhã, ela me chamou ao seu gabinete. Estava fora de si.
Os números são como são; não posso embelezá-los.

SRA. MANZINGER:

Então o deal morre e a responsabilidade é sua.

VON HIRSCHSTEIN:
Depois que a inquietação diminuiu um pouco, nós nos dedicamos, na diretoria,
a pensar numa maneira de melhorar os prognósticos.

ANSBERGER:
De fato, a questão era maquiar os números a todo custo até que o deal valesse a pena.
Ela achou que era o procedimento “indicado em face da importância do projeto”.

MODERSOHN:
O tamanho do prejuízo não era decisivo para nós, pois estava claro que receberíamos
garantias do Estado.

ANSBERGER:
Meus colegas, então, fizeram cálculos com essas variáveis maquiadas. E, se ao final de
um dia eles eram alcançados por uma outra realidade, não havia problema, nós
tínhamos garantias estatais, o dinheiro estava lá. Nós recebemos agora 20 bilhões, e se
isso não for suficiente, estendemos a mão mais uma vez, não é verdade, Sra.
Manzinger? Nós temos até 500 bilhões de garantia, é apenas receita de impostos, afinal

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de contas, e nós somos relevantes para o sistema, too big to fail, eles não podem nos
deixar quebrar.

SRA. MANZINGER:
A própria biologia já ensina que progressões lineares não se mantêm perpetuamente.
Uma cultura bacteriana pode crescer exponencialmente por um determinado período,
mas, a uma certa altura, os nutrientes não são mais suficientes e ela, de repente,
sucumbe. Não é fácil reconhecer-se o fim de um ciclo de desenvolvimento quando se
está envolvido nele. Isso é, se a gente pode chamar assim, o fator humano. O ser
humano é impulsionado pelo medo, isso você pode ver em meus colegas. O medo
transforma uma crise pequena numa grande crise. Estas irrupções irracionais não são
matematicamente previsíveis. Mas nós estamos trabalhando na questão de contabilizar
o medo potencializado em nossos modelos.

ANSBERGER:
A única possibilidade de ainda parar o negócio era o conselho fiscal... Eu queria
encaminhar para lá o relatório sobre os riscos não transparentes - no dia em que a
decisão sobre a compra deveria ser tomada. Isso teria o efeito de uma bomba, e ainda
pararia o negócio. O presidente do conselho bloqueou, argumentando que eles já tinham
papéis que chegue, que simplesmente não havia mais tempo. Quando eu insisti, ele me
proibiu de fazer uma exposição oral. Foi discutida a mudança da guarita do porteiro,
mas para este negócio não foi convocada nem ao menos uma assembleia.

VON HIRSCHSTEIN:
Aí ocorreram coisas que não há como explicar para ninguém, muito menos para um ser
humano racional. E nós não falando de Klabunda Barundi, e sim da Alemanha.

SRA. MANZINGER:
Era um negócio com um conceito extremamente interessante. Transformar-se no
TRANSATLANTIC HERO, isso tinha seu valor, esse era o futuro. Não se pode tirar o
pé do acelerador no meio do caminho; você também não para no meio de um jogo de
futebol porque sabe que aos 90 minutos vem o apito final. Você joga até o momento de
fato do apito final, e até lá você quer ganhar.

VON HIRSCHSTEIN:
Eu me senti muito mal nessas negociações. Nesses momentos, eu sempre imagino o
som da voz da minha mãe. E assim eu reajo. Nestes momentos, ela está comigo. Eu
suporto melhor a situação se me coloco em contato com meus anjos. Tenho muitos
deles, e vários ainda estão vivos.

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E então veio a reunião crucial, onde disseram: Acabaram-se as negociações, agora
vamos votar. Eu deveria ter dito claramente nesse momento: Isso é um tiro no escuro,
meu voto é contra. E, vejam bem, vocês precisam de uma decisão unânime; então vocês
vão ter que me mandar embora antes. Era o que eu poderia ter dito.

SRA. MANZINGER:
Ninguém foi forçado a aprovar a compra. Foi uma decisão unânime, ou seja, tão errada ela
não pode ter sido.

ANSBERGER:
A pessoa deve imaginar o seguinte: ela está lá completamente só - o presidente do
conselho fiscal, todos os colegas da diretoria, o setor de planejamento, todos dizem: “Este
é o negócio da nossa vida!” E ela é a única a dizer “Não.”, estando há mais de 37 anos
numa dessas organizações. Então você não é o sujeito que se levanta e diz: Eu tenho a
pedra filosofal, eu sou contra.

MODERSOHN:
Agora, qualquer procurador pode lhe dizer: Se o senhor teve toda essa percepção da
coisa, então não deveria somente ter levantado o dedo em sinal de advertência, o senhor
deveria ter se levantado e dito: - Eu não vou assinar.

KASTEIN:
Pessoas que poderiam ter mais consciência levantam a mão e consentem. São muitos os
fracos. Sinto muito. Eu tenho mulher e filhos. As pessoas realmente perigosas são fracas.
Elas são imprevisíveis. E agem à noite. Por trás.

CORO V:
Meu pai ficou um longo período na prisão - em 1947, na sua terceira e finalmente bem
sucedida tentativa de fuga, ele percorreu a pé centenas de quilômetros de Metz até em
casa. Bateu à porta, sua mãe abriu. Dois anos após a guerra, os pais pensam, nosso filho
morreu na guerra, e então ele está lá e a mãe não reconhece seu filho. Ele ficara dois
anos numa mina, tivera de escavar carvão em galerias baixas, de joelhos. Eu recordo,
meu pai tinha um barco ancorado em nosso embarcadouro e aquele barco à vela era
tudo para ele. Uma vez, havia muito vento - ele teve que manobrar o barco até o
embarcadouro, foi difícil para ele prendê-lo com firmeza. Ele começou a tremer, um
tremor pelo corpo inteiro, o suor lhe escorria. Qualquer um poderia dizer: sinal claro de
stress. Um homem tão orgulhoso.

ANSBERGER:

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Quando o contrato deveria entrar em vigor e eu, então, recebi os papéis com todos
aqueles balanços, bem, aí eu vi tudo negro, pois era tudo ainda muito pior do que eu havia
suposto. Eu pensei: agora você está numa enrascada dos diabos, é capaz de ainda acabar
vendo o sol nascer quadrado, porque você não tem como... Nesse prazo reduzido, você
não tem como examinar tudo isso. Você tem que assinar o balanço. E aí eu comecei a
ficar seriamente com medo.

VON HIRSCHSTEIN:
PAULA tinha ainda riscos adicionais na ordem de dezenas de bilhões também nos
portfólios de créditos estruturados, que continham, por exemplo, créditos do
mercado hipotecário americano.

ANSBERGER:
Para estas posições de risco inicialmente não aparecerem em nosso balanço, nós criamos
uma sociedade especial. Com essa sociedade, se fez os negócios under cover, pois o
conselho não examinava, eles tinham deslocado a sede para as Ilhas do Canal. Mas os
riscos não desaparecem pelo simples fato de serem bem embalados e transferidos. E
nem se dermos à criança um nome bonito.

BELTRANO:
Pelos nomes fui eu o responsável, uma noite, durante um percurso mais longo. Ela havia
adormecido no banco traseiro. De repente, desperta e pergunta: Onde nós estamos? E eu
digo: Não tenho ideia, também acabei de acordar. Nós rimos com gosto e, então, ela
fala: Nós estamos com uma criança nova, uma de nossas sociedades de propósitos
específicos, você tem uma ideia de como ela poderia se chamar? - Eu pergunto: Qual o
propósito dela? - Ela: Quer saber mesmo? Lá nós vamos colocar tudo o que não deve ser
visto por ninguém. – Então, entendo tudo - e falo: Que tal Loreley?

KASTEIN:
E o que vai de encontro ao penhasco, nesse caso? Estes pacotes de créditos se
multiplicaram por si mesmos, e a tendência é de explodir, você vê... O desacoplamento
da esfera financeira em relação ao real: Que utilidade têm os lucros de um banco? Uma
empresa da produção investe em pesquisa, na melhoria do seu produto, na
produtividade. E o banco de investimentos? Ele cria, com a sua multiplicação do capital,
um perpetuum. E vai, assim, de encontro a quê?

MODERSOHN:
Sem capital estatal, Loreley teria nos arrastado para o fundo. E então estaríamos todos
de fora. Ok, such is life. Anyway - More fucked up é a política, podemos dizer que eles
estatizaram posições de risco na casa das centenas de bilhões. Eles depositaram isso
num tipo de bad bank e denominaram “FMS Value Management”, o que soa como se
ainda se pudesse retirar alguma coisa dali. Mas lá está quase tudo morto, sucateado. O

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bad bank é estatal, o fundo de resgate dos bancos precisa constantemente injetar
dinheiro. Em 2012 foram dez bilhões. Quando um aeroporto custa 200 milhões mais
caro do que o planejado, todos se exaltam. Aqui se tratam de dez bilhões e sobre isso
colocam somente uma pequena nota na página de economia do jornal durante o recesso
de verão, quando todos só estão ocupados assistindo futebol e ninguém quer saber de
coisa alguma. E até 2020 serão mais 40 bilhões. Isso vai aparecer, então, uma hora
dessas, no orçamento da União, como uma gigantesca vala de bilhões, ao todo 50
bilhões, o que representa um sexto do orçamento inteiro. Isso já é dinheiro! - Os
políticos queriam a fusão! A todo custo! Nós somente implementamos o que eles
queriam.

ANSBERGER:
Não coloque a culpa nos políticos! Você queria ir adiante, business as usual, para
isso precisa de bilhões de crédito. Eu recebi somente na noite anterior à reunião da
diretoria os papéis da decisão e então passei a noite inteira em cima deles. De manhã
cedo, liguei para o responsável e perguntei se ele estava regulando bem. Então ele
retirou da pauta, e a coisa não foi deliberada. Eu pensei: agora eles têm que ficar
gratos a mim, evitei um prejuízo de bilhões ao banco. Que eles iriam, depois, me
escantear desta forma, com isso eu não contei.

KASTEIN:
(a ANSBERGER:) Você tem ainda algumas ilusões, eu sinto, mas ainda vou tratar de
acabar com elas. De onde vêm afinal os lucros exorbitantemente altos? Como nossos
banqueiros de investimentos fizeram isso? Criando pacotes de crédito desmedidos,
misturando-os até ficarem irreconhecíveis, ninguém sabendo realmente o que os
pacotes continham. Eles conseguiram das agências de classificação de risco o selo de
qualidade AAA, de confiabilidade absoluta. E então foram revendidos. A bancos
menores, que somente enxergaram o selo de qualidade e, sem pensar, encheram os
porões com eles. Nossos banqueiros lucraram duplamente: vendendo a coisa e, depois,
apostando em grande estilo que os pacotes não valeriam mais nada.

BELTRANO:
À noite, um incendiário perambula pela aldeia. Uma casa depois da outra pega fogo. Eu
sei que logo também poderia ser a vez da minha casa. Vendo minha casa a um otário
que não enxerga o perigo, e, ao mesmo tempo, faço para a casa que nem me pertence
mais um seguro contra incêndio equivalente a mil vezes o seu valor. A casa pega fogo,
o comprador tem o prejuízo, vai à falência, eu digo ao governo: Vocês não podem
deixá-lo ir à falência, se ele for à falência, vai levar mil outros junto! Custos
decorrentes! Incêndio de grandes proporções! É uma reação em cadeia. Porque falo
isto? Porque ainda não recebi o valor integral da venda da casa. E de um falido não
posso esperar mais nada. O governo cede, cria um fundo, resgata o comprador da casa e

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paga para mim o total da venda da casa. E por que ele faz isso? Porque é chantageável.
Se eu não receber meu dinheiro, não posso saldar minhas dívidas. Então todos os meus
credores vão falir. E eles também têm dívidas. Tudo está interconectado. Logo, é
melhor pagar! E então eu tenho direito a mil vezes o valor do seguro de uma casa que
nem me pertence mais. O seguro vai à falência, o Estado o resgata com o dinheiro de
impostos e eu recebo mil vezes o valor do seguro por uma casa que já não possuía há
muito tempo. - Bem simples.

SRA. MANZINGER:
Se o seguro não tivesse sido resgatado, as pensões de seis milhões de professores nos
EUA e as de vinte milhões de servidores públicos na Índia estariam perdidas, pois eles
todos tinham seguro contra colapso financeiro. Explique a um maquinista indiano que
contribuiu durante 40 anos que sua pensão se extinguiu. Nem tem como se construir a
quantidade de refeitórios para necessitados que seria preciso... E a sua própria pensão
também, Sr. Kastein, nós também fizemos o resseguro da nossa caixa de seguro nessa
Seguradora.

KASTEIN:
Há somente uma razão que me faz falar aqui. Você e seus mercenários, sua
honorável sociedade, vocês roubam em âmbito transnacional, transcontinental,
roubam populações inteiras.

SRA. MANZINGER:
Meu caro Kastein, isso é um insulto a sua própria inteligência. Nessas barricadas que
você está erguendo, você seria o primeiro a ser queimado. Não se esqueça de quantos
anos você tinha a responsabilidade e não disse nada. Por que você fala somente agora?
Por que tão tarde? -Talvez você deva velejar. No rastro de Ulisses, com seu Homero nas
mãos, contra o vento - onde ele sofreu, se perverteu e se embebedou. Lá fora é verão, as
pessoas também precisam viver.

ANSBERGER:
Eles levam as melhores cabeças do jornalismo para o seu departamento de imprensa.
E, você, sozinho, então, faz uma figura pouco invejável... É um exército monumental,
que custa centenas de milhões. São atualmente umas 300 pessoas que eles empregam
nisso.

KASTEIN:
E também contratam mais outra legião para não serem desmascarados. Marqueteiros.
Detetives particulares. Eu falei para eles abertamente o que penso disso. As pessoas
consideram isso um ato hostil, e, dentro das suas possibilidades, respondem-lhe nessa

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moeda. Alguns pensam adiante. Se ele captou isso, o que mais ele não sabe? Ele sabe
demais. Isso faz de você um inimigo, o torna perigoso.

VON HIRSCHSTEIN:
Um sujeito do departamento de imprensa me disse com todas as letras: Nós temos a
incumbência de isolar você aqui dentro e de expô-lo nos meios de comunicação. –
Você, primeiro, não quer acreditar. Pensa: ele está querendo se fazer de importante...

ANSBERGER:
Eles têm verdadeiros lacaios no jornalismo econômico, que escrevem para ser não
serem ultrapassados pela informação.

KASTEIN:
Eu ainda me lembro da nossa última conversa no banco, três dias antes do meu
desligamento, como nós não sabíamos bem se podíamos falar ali. Agora nós
sabemos tudo o que eles articularam; todos que eram monitorados por eles. Eu
perguntei a você, na época, se sabia em quem estava confiando.

ANSBERGER:
Eu percebi que colocaram um dispositivo de escuta quando foi instalado um novo
equipamento telefônico. Não sou idiota.

KASTEIN:
Com todo este aparato de escuta, eles recolhiam sistematicamente tudo o que
conseguiam. Para isso, é preciso técnica. Não foi obra do serviço de segurança da casa.

VON HIRSCHSTEIN:
Mesmo assim, eu nunca falei disso publicamente. Escuta daqui, escuta de lá – há tantos
delitos nesta vida. Jogar a sujeira no ventilador é uma coisa que eu nunca achei sensata.
É uma questão de ponderação, a pessoa precisa pensar logicamente.

MODERSOHN:

Best case scenario: A sujeira fica grudada no próprio sujeito.

ANSBERGER:
No meu banco, eu sempre fui partidário de manter a sujeira debaixo do tapete, de não
levá-la a público.

SRA. MANZINGER:
Um ou outro banqueiro violaram regras. São casos individuais que devem ser julgados
pela Justiça, eles devem ser levados a tribunal e precisam ser penalizados. Mas não dá
para condenar todo um setor por causa disso. A causa da crise não está nos erros de

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alguns indivíduos. Bolhas especulativas sempre existiram. Elas são parte de um sistema
para corrigir falhas do mercado. O ser humano é um animal de rebanho. Isso é um fato.
Quando todos saem correndo, ninguém quer ficar para trás. Boa liderança significa,
então, ver para onde o rebanho quer ir - e tomar a dianteira.

KASTEIN:
... E, quando todos estão se encaminhando para o abismo, pessoas como você dão um
passo para o lado. Suas apostas na morte do rebanho já foram feitas.

VON HIRSCHSTEIN:
Eu estava sob pressão maciça e pensei: você precisa realmente dar um fim a
esse desastre, este não é mais o seu banco.

MODERSOHN:
Quando uma pessoa não cabe mais neste sistema, ela é expelida. É preciso
aceitar isso.

VON HIRSCHSTEIN:
Eu conversei muito com pessoas, bebi vinho tinto e outras cositas, sim, bebi muito, para
ver se esquecia a porcaria toda. Com isso, você também ganha peso, bem, vamos dizer,
entra numa zona de risco, em que pode simplesmente desabar e morrer.

ANSBERGER:
Dois dias depois, chamaram-me fora de uma reunião e me comunicaram meu
desligamento do banco com efeito imediato. Um formulário: Eu preciso assinar agora,
aqui? - Pronto. Nenhum aperto de mão.

CORO VI:
Eu me criei nas montanhas - o selvagem que sabe onde escavar em busca de água e
onde cortar lenha para o inverno. Não é de todo ruim representar uma ameaça viva
para outros. Nesse caso, não vai aparecer simplesmente um João-sem-braço e dizer:
Acabem com ele.

KASTEIN:
Em algum lugar a pessoa precisa do seu descanso noturno. Se eu não tivesse uma
constituição assim, com genes bons, não teria como sobreviver a uma coisa dessas.
Herrhausen arriscou sua vida e perdeu. Não se sabe até hoje quem fez aquilo. Mas
quero evitar aqui teorias conspiratórias. Eu nunca ando muito tempo com os mesmos
carros e minha casa é protegida, a tropa de choque chega em dois minutos, pois moro
entre a chanceler e a sinagoga, e isso ninguém mais faz. A gente tem que se planejar.

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Por quê? Porque há esta ameaça. É melhor não falar sobre isso. Mas se você, mesmo
assim, insistir, então lutará contra uma organização com 300 agentes. Do que se trata?
De refletir. Assim como Herrhausen refletiu. Ele está lá, sentado em seu gabinete, e
percebe que o mundo não tem nenhuma chance se não se amortizar radicalmente os
endividamentos impostos... Um ditador qualquer recebe um crédito e então Uganda ou
Burundi Klabundi ficam endividados. Ele torra o dinheiro com umas polonesas
quaisquer no sul da França e o país é que fica com as dívidas e ele, depois, some do
mapa. Mas o país tem de saldar as suas dívidas. Elas nunca vão sair de lá. E também
não são dívidas feitas por aqueles que agora terão de saldá-las. Os gregos que agora têm
que pagar estas dívidas também não são os que contraíram as dívidas. Elas foram feitas
pelas famílias Papandreou, Karamanlis ou sei lá eu como se chamam. Esses meteram a
maior parte da grana no próprio bolso e mandaram para o exterior. Onde estão os
impostos e para onde foi o dinheiro? Onde estão os quatrocentos bilhões? E quem os
ajudou nisso? Aí nos lembramos da Suíça, nos lembramos de Chipre e nos lembramos
da Alemanha... Não se trata apenas de contas com dinheiro não declarado. Goldman
Sachs ajudou a esconder 2% da dívida nacional grega e recebeu por isso 500 milhões.
Um contrato vistoso, dez assinaturas, uma equipe trabalhando nele por duas semanas.
Foi assim que os gregos chegaram ao privilégio de aderir ao euro. Cumplicidade com a
fraude. A política desejava isso e havia as respectivas alterações das leis: “A Grécia é
Europa e a Europa é o euro”. Na época, a escrita era: nenhum país tem responsabilidade
pelas dívidas de outro país. Assim consta no contrato da União Europeia. Hoje em dia,
isso não interessa mais, violação constitucional ou não, nós agimos voluntariamente.
Quem decide e executa tudo isso? O presidente do Banco Central Europeu. Ele foi
eleito democraticamente? Não. De onde ele vem? Do Goldman Sachs. De quem é o
risco? Do Banco Central, e se ele não puder mais emitir dinheiro - de nós todos. Os
riscos não desaparecem, eles somente assumem uma outra forma. Uma gigantesca
máquina de rearranjo. Os bancos não precisam para isso nem mesmo de um escritório ...
Basta um computador nas Ilhas Cayman. Como você sai dessa dívida de trilhões? -
Inflação. A quem ela atinge? Aqueles que não têm imóveis ou barras de ouro no cofre,
o pequeno poupador que perde seu patrimônio. Aonde isso leva? A uma gigantesca
recessão. Quem ganha com isso? Aqueles que hoje apostam centenas de bilhões no
colapso do sistema inteiro. Por que ninguém fica furioso? Por que as barracas foram
desmontadas e expostas nos museus? - As perguntas que interessam não são feitas.

SRA. MANZINGER:
Nós não nos eximimos da responsabilidade, mas tentamos fazer sugestões para a
melhoria do sistema. Trata-se de uma transformação voluntária da consciência. Não na
cabeça de um negociante individual. Este continuará sempre fazendo seus negócios com
ou sem regras, sobre os quais ele, de todo modo, já não tem mais controle real. Isso as

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máquinas fazem numa fração de segundo, elas tomam as decisões, e nenhum ser
humano pode mais interferir. É a “natureza”. Com quem você vai querer falar nesse
caso? Nós precisamos estabelecer critérios de comportamento para nós mesmos, por
convicção própria. Assim, nós vamos chegar novamente a um conceito de liberdade que
impulsione as forças próprias de restabelecimento do mercado ao invés de bloqueá-las.
Por muitos anos, o investment banking, como um aspecto que vinha junto com a
globalização, tinha participação na geração de ganhos em termos de segurança social.
Na qualidade de classe com os mais altos salários, nós fornecemos o bacon para o
breakfast das nações. O setor financeiro paga internacionalmente a maior contribuição
em impostos empresariais... Nós fazemos aquilo que nossos clientes desejam: conseguir
rendimentos superiores aos da concorrência, aos do oponente, do colega, do vizinho.
Assim, refletimos uma atitude geral, que é adotada tanto pelo dentista, com seu desejo
de um modelo de rendimento de maiores pretensões, como pelo secretário do tesouro
municipal, que aliena o abastecimento de água a um investidor. Quem aponta o dedo
para nós tem a si mesmo como referência. (sai)

KASTEIN:
Crucificar um banqueiro não leva a nada. O importante é compreender a mecânica. O
presidente dos EUA é escolhido por alguns poucos que dispõem dos meios necessários,
e isso muito tempo antes de todos marcarem sua cruzinha na cédula eleitoral. Diga-me
como és financiado e te direi quem és. Hoje, para dominar, você não precisa mais sujar
as mãos com sangue, não precisa mais ser um tirano. Maquiavel nunca teria nem
sonhado com isso. Mas mesmo aqueles que estão somente próximos do poder não irão
revelar este mecanismo nunca, nunca, nunca, porque eles têm a possibilidade de usá-lo
novamente logo ali adiante. Porque têm a esperança de voltar ao topo. Eles não estão
fora, somente alguns andares mais abaixo. Prontos, no caso de serem chamados. Na
sombra, pois ali não chega luz - mas tanto maior é sua esperança.

Ouve-se uma canção ao longe. Soa como se a Sra. Manzinger estivesse cantando no
fundo do palco um coral de Bach.

KASTEIN:
Ela canta de um jeito muito bonito mesmo. Quando eu escuto, tenho vontade de
acariciar aquela cabeça que, na verdade, eu deveria esmurrar.

CORO VII:
Meu pai ia muito à Suíça, havia sido dispensado, não precisou ir para o front, pois
acompanhava os transportes para a Suíça. Eles levavam ouro, o ouro que extraíam dos

O Paraíso das Framboesas - Andres Veiel


dentes dos judeus. Eu só soube disso quando ele estava para morrer. O Reichsmark 2
não valia mais nada no comércio estrangeiro, eram necessárias outras garantias para
alimentar a máquina da guerra. O que você acha, por que Hitler não ocupou a Suíça?
Porque não se assalta o próprio banco. Meu pai nunca se serviu disso para enriquecer,
permaneceu sempre honrado, dizia ele. Nós tínhamos um bom patrimônio, mas, então,
em 48, foi tudo embora. De algum jeito, a Alemanha tinha que se livrar de suas dívidas
da Guerra. Eles fizeram uma reforma monetária. Quem tivesse 10.000 Reichsmark no
banco, só ficava com 7,5%, ou seja, 750 marcos... Esse foi o método escolhido para
eliminar rapidamente a dívida nacional. Foi um plano secreto, ninguém sabia, veio da
noite para o dia, nos pegou de surpresa e nos deixou na rua da amargura. Isso voltará.
O euro é um homúnculo criado artificialmente e que em algum ponto vai se esvanecer.
Todo mundo sabe, mas ninguém fala disso. Eu não acredito mais em nenhuma palavra
deles, não acredito mesmo. Eles já estão imprimindo a nova moeda. Como eles a
chamam eu não sei, mas é certo que ela já está sendo impressa. Amanhã ela vai estar
nos caixas automáticos.

2
Moeda oficial na Alemanha de 1924 a 1948

O Paraíso das Framboesas - Andres Veiel


3. Underground

BELTRANO:
Nas salas daqui não tem luz; ela entra somente em quantidades muito pequenas. Lá em
cima, eles estão vivendo em estufas cheias de luz, uma explosão de luzes. O sétimo
paraíso das framboesas não é somente em cima, mas também embaixo. Assim como se
pode subir, também se pode descer.

MODERSOHN:
Nós não éramos apenas bons, mas também caros. Ninguém fez uma análise da eficiência
econômica do nosso departamento e eu passei meio ano sem que nunca fosse realmente
explicado por que iriam fechar o departamento. É claro que ocorreram perdas no
investment banking, não há dúvidas, e um depois do outro foi sendo removido de lá e
descarregado num outro lugar qualquer. E eu, junto com outros dois colegas, nós fomos os
últimos remanescentes, mas, na verdade, não tínhamos o que fazer. Nós tínhamos
computadores conectados que funcionavam, mas não tínhamos mais cartões de visita, não
tínhamos também nenhuma incumbência, nada o que fazer. Simplesmente ficávamos lá
sentados. Ninguém nos dizia coisa alguma. Quando perguntávamos aos chefes diretos:-
Pois é, nós ainda não sabemos exatamente qual é a estratégia, diziam.

VON HIRSCHSTEIN:
Que este seja o fim da linha, depois de quarenta anos, você não acredita. É como se
alguém lhe dissesse: "Você tem câncer e vai morrer daqui a seis meses" - A combinação
havia sido bem outra. Minha prorrogação já estava agendada. Mas, de repente, a diretoria
mudou de ideia - nós temos que procurar uma outra solução. Eu tive que esvaziar o
escritório em dez dias. Compararam o mobiliário que se encontrava lá quando entrei com
o que ainda existia. O que faltasse eu tinha que pagar. Sim, até mesmo um suporte para o
computador – acho que se chama “console”. E eu ainda tive que procurar o negócio, onde
foi que o tinha enfiado - porque eu nem o usava. Para alguém que não tinha nada a dever
... Sim, ninguém pode me dizer que eu tenha alguma vez prejudicado o banco.

MODERSOHN:
Talvez eles tenham pensado: esse não se adapta mais a nenhuma estrutura. Vamos deixá-
lo lá onde ele está, depois se vê o que acontece. E simplesmente ficaram nisso. Que uma
coisa assim possa acontecer num lugar tão organizado! E depois surgiu um boato. Diziam
que os caras do departamento de pessoal ganhavam um bônus se conseguissem fazer com
que a gente mesmo pedisse demissão. Assim, a organização não tem que pagar
indenização.

ANSBERGER:

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Eu também tive que esvaziar meu escritório. E agora estou aqui. Não se sabe quem
ainda está lá? Por aqui é tudo tão quieto, nenhuma identificação em lugar algum.

MODERSOHN:
Diante da torre, fico pensando: alguma coisa está diferente. Alguma coisa. Mas o quê?
A fachada está reluzente como sempre, as portas de entrada não estão girando mais
rapidamente do que o normal. De repente, me dou conta: a torre está apodrecendo por
dentro, tem um núcleo molhado. Não vai levar muito tempo e vai desmoronar. Lá não
trabalha mais nenhuma pessoa comprometida com o banco, que seja orgulhosa de sua
organização. Apenas nômades, que são demitidos da noite para o dia. Que seguem
adiante: Hong Kong, Sydney, Londres. - Eu sou leal e digo: Vou continuar vindo toda
manhã. Então fico sentado aqui, pensando: Como vou despender meu dia?

ANSBERGER:
Nunca foi feita nenhuma afirmação clara sobre o que agora não cabe mais no cenário.
Eu percebo que sou desnecessário, mas ninguém ousa dizer-me claramente qual é o
problema.

MODERSOHN:
Eu não tenho, na verdade, a sensação de que o banco queira me maltratar. Isso aqui
deve ser entendido como uma solução justa. Eles se encarregam de tudo, afinal.

ANSBERGER:
Aqui se recebe apenas o que está fixado em contrato. Minha cadeira no escritório era
ajustável em seis posições, esta aqui só em três. E tinha rodinhas extrasoft nos pés. Aqui
são aquelas mais baratas, que fazem barulho, o que não é de se estranhar, com este piso.
Lá em cima, eu sempre tinha um tapete. Fui burro, não coloquei isso a tempo no
contrato, e agora não é mais reivindicável, eles sabem exatamente. As cortinas iam até o
chão, agora não há mais cortinas, bem, também não temos mais janela. Por contrato,
tenho direito a meu motorista, mas ele não pode mais usar o estacionamento da diretoria.
Eu tenho que usar a garagem dos funcionários. Lá ninguém tem chofer, a gente dá muito
na vista.

BELTRANO:
Eu abro a porta traseira, deixo-o desembarcar e a fecho outra vez. E carrego, obviamente, a
pasta dele, pois o trajeto agora é um pouco mais longo.

ANSBERGER:
A pasta está vazia, descontando o sanduíche e o sachê de chá, mas eu deixo, mais por ele.

BELTRANO:

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Isto aqui é um monstro devorador, um lugar onde acontecem coisas das quais ninguém
faz a menor ideia.

ANSBERGER:
Se alguém quer se acomodar, pode fazer isso aqui. Ninguém me acusa de estar
recebendo um alto salário e de não fazer nada em troca. Talvez nós simplesmente
tenhamos sido esquecidos. Realmente esquecidos. É um cenário do qual ninguém quer
muito saber. Ninguém se interessa sobre o que se passa aqui. Talvez porque seja
incômodo para eles, porque é um palco lateral, e eles têm coisas mais importantes a
fazer. E também porque é um pouco complicado, requer reflexão, não se pode entender
de maneira linear, monodimensional.

VON HIRSCHSTEIN:
É uma Canaris legítima, revestimento de couro, original. Eu a trouxe de cima ... porque
ela cabe bem aqui; eles quiseram quase o preço de uma nova, recebi a conta
imediatamente. - No fundo, estou contente com o fato de não estar mais lá em cima,
tendo de conviver com eles todo dia. - Quando entro aqui e o mordomo do andar
permanece sentando, penso: ele também nem precisa levantar mesmo, pois não pertenço
mais à diretoria. Se ele se levantasse, eu pensaria: não preciso de piedade. E chega o
momento, então, em que você aqui sente falta do poder. Se você perguntar por mim na
portaria da Central, eles não sabem mais quem eu sou. O cargo se vai e com ele também
sua existência numa organização deste tipo.

ANSBERGER:
Para suportar a situação aqui embaixo existem alguns instrumentos. Eu mal me atrevo
a dizer, sim, - minha arma é que me acostumei a pensar: Foda-se. Então, eu penso isso
dez vezes por dia. Enquanto estou aqui sentado, penso: Foda-se. Mas, a longo prazo,
isso também não é solução.

KASTEIN:
Eles só pensam nos seus privilégios. Isso eu não consigo desculpar, não consigo, e
também não vou ser benevolente, eu não consigo desculpá-lo, e isso que sempre gostei
demais dele. Eu não o desculpo pelo fato de ele se recusar a pensar num plano macro.

VON HIRSCHSTEIN:
Eu sei o que faço e sei o que posso fazer. Eu me orgulho de ter posto no banco as coisas
nos eixos, de ter evitado erros. Certamente não todos e nem sempre, mas aí a pessoa tem
que reconhecer os próprios limites e saber o que está ao seu alcance. Você não pode ser
o salvador do mundo, um salvator mundi. Deve saber o tamanho das suas legiões e até
onde pode chegar com elas. Agora, eu faço as coisas que antigamente não podia fazer.
Eu leio o que me interessa, sem pensar numa finalidade superior...

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KASTEIN:
... sempre a última biografia do papa.

VON HIRSCHSTEIN:
Não, a Bíblia.

KASTEIN:

E, quais as conclusões de sua leitura bíblica?

VON HIRSCHSTEIN (a KASTEIN):


Por que eu deveria sair da defensiva? Expor-me, desempenhar publicamente o papel do
acusador? Eu sou budista, a única religião que não legitimou nenhuma guerra. O Zorro
sempre usa uma máscara...

KASTEIN:
Na Tunísia, um verdureiro que se incendiou na Praça do Mercado provocou uma
revolução. -

VON HIRSCHSTEIN:
Peça, então, ao nosso motorista. Ele lhe traz o galão de gasolina. - (Para si mesmo:)
Feliz o país que não necessita de heróis 3.

ANSBERGER:
Eu acompanho daqui a cotação das ações, isso por um bom motivo: apostei na queda
das ações do nosso banco, vai tudo por água abaixo mesmo. Por que eu não posso
ganhar pelo menos com isso... Que mais posso fazer a não ser isso? Ora, eu também
sou parte do jogo. E quando a música para, todo mundo quer garantir uma cadeira, mas
não há cadeiras suficientes.

VON HIRSCHSTEIN:
Eu estou escrevendo ... Não é nada confessional, é mais um relato de alguém que sabe
o que é necessário para se chegar lá em cima. Não, nunca até o topo. O cume mais alto,
esse eu nunca almejei, lá é demasiado gelado, demasiado inóspito e as pessoas, muito
solitárias. Mas um pouco abaixo, nos montes ensolarados onde crescem os vinhedos, lá
eu me sinto bem.

ANSBERGER:
Eu estou tentando me livrar das minhas obrigações. Preciso ver o que fazer com o
motorista. Não tenho coragem de dizer para ele que não preciso mais dos seus serviços,
37 anos ele dirigiu para mim. Passei mais tempo com ele do que com minha esposa.

3
N. T. Frase enunciada por Galileu Galilei na peça “Leben des Galilei”, de Bertolt Brecht

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BELTRANO:
Eu não dirijo para mais ninguém. Eles estão sempre aqui. O Kasomil foi vendido e lá
em cima, agora, eles rodam com outros modelos.

ANSBERGER:
Tudo está tomando seu rumo como deve ser. Ele quer fazer ainda para mim a
correspondência de Natal. Eu vou permitir.

BELTRANO:
Eu sei lidar com cadeira de rodas, selos, com fraldas, chá de funcho, correspondência de
Natal. Mas não sei lidar com a decadência. Isso eu não aguento, não gosto de ver.
Conheci todos eles de um outro jeito. Quero que eles permaneçam assim na minha
memória.

VON HIRSCHSTEIN:
Pensando em termos mais filosóficos: O ser humano é a única criatura que se
caracteriza por uma constante insatisfação com as condições dadas. Uma andorinha
continua construindo seu ninho exatamente da mesma forma como há 5000 anos.
Nenhum cervo teria a ideia de desmatar o caminho até a sua toca, eles simplesmente
fazem a volta. O ser humano está sempre insatisfeito com as condições dadas. Você
pode se alimentar de todas as árvores, apenas não da árvore do conhecimento, essa lhe é
proibida. - Eu tenho este cavalheiro aqui para as funções de secretário, ele anota tudo.
Eu dito a ele página por página. À noite, depois, digo: - Você quer saber de uma coisa,
nós vamos jogar isso fora. Não porque não seja bom o bastante... é que de manhã eu
gosto de começar do início. A quem isso interessa? Não vamos nos iludir, nós estamos
vivendo um tempo em que os jovens sofrem menos por seus próprios erros do que pelas
experiências dos velhos. Eu, volta e meia, escrevo uma carta lá para cima, mas não
espero receber uma resposta. Desconsiderando o fato de que nunca recebo uma, mesmo.

SRA. MANZINGER:
Eu me preocupo com nossos velhos diretores, nossos valorosos veteranos. Às vezes,
para uma conferência técnica mais descontraída, eu ajudo a arranjar uma cadeira de
escritório ortopédica. Cuidei para que não colocassem aqui nenhum tapete persa. Vocês
podem imaginar quantas fraturas de fêmur foram evitadas assim?

KASTEIN:
Vocês acreditam que ela faça isso sem uma ordem de cima? Gente como ela, eles são
cientistas, fazem experiências, experimentam isso, experimentam aquilo ... Eles sabem:
aqui se pensa o processo inteiro, lá a torre está tremendo, a verdade é imputável aos seres

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humanos 4. Nós deveríamos voltar a ler Marx! O Manifesto Comunista, Primeiro Capítulo.
Um gênio da destruição, ele previu tudo: a derrocada do comércio e da indústria
tradicionais. Nós todos somos apenas fantasmas.

MODERSOHN:
O status quo para mim é veneno. Acordos me matam. Eu não me dou bem com acordos,
não me dou bem com o meio-termo. E por isso me faz bem isso aqui embaixo.
Concentração, tempo para mim, downsizing, reduce to the max, daqui eu dou conta -
mas de uma maneira ... Eles só estão tentando ganhar tempo, lá em cima. O colapso
pode chegar a qualquer hora. E, então, eles vão precisar de um bombeiro experiente. Eu
estou preparado.

ANSBERGER:
Sim, sim. Estar preparado é tudo.

KASTEIN:
Por que nós todos fazemos isso, por que estamos aqui? As pessoas lá fora devem
continuar percebendo a nós e ao banco como uma unidade? Mesmo se aqueles que
estão lá em cima nos repelem, nos ignoram, e, se necessário, vão a público, para nos
sacrificar publicamente, literalmente nos sacrificar ? Por que toleramos isso?

CORO VIII:
Para mim, ruínas são a condição normal. Nas fotos dos lugares bombardeados feitas
depois do fim da guerra, pode-se reconhecer a grama já voltando a crescer. É uma bela
primavera, abril de 1945, a Terra está fissurada, a grama cresce aí particularmente
verde. (1)

4
“Die Wahrheit ist dem Menschen zumutbar”, título de discurso de agradecimento de Ingeborg Bachmann
a um prêmio literário em 1959.

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4. Welcome to the Club

BELTRANO:

Quem ateia fogo ao paraíso não pode esperar colher suas framboesas.

SRA. MANZINGER:
Um movimento em falso, uma leve virada do vento, um deslocamento do equilíbrio,
porque se deve ganhar pontos usando da força - e acabou-se. A gente precisa reconhecer a
fragilidade desse sistema e quanta energia se precisa despender para permanecer sempre
flutuando. Se o vento virar ou sofrer um desvio, por menor que seja, minha prancha não
me sustentará mais, apenas o vento correto pode impulsioná-la, e sou eu mesma que devo
soprar este vento. Eu fiz coisas de um êxito inacreditável. Todos diziam: Never ever, nunca
alguém vai conseguir isso. Mas se você para um momento para pensar, você percebe
exatamente: Foi uma promessa grande demais... , esta velocidade eu nunca mais vou
superar, nunca mais vou conseguir superar a mim mesma. Nesse momento, não é questão
de esperteza, e sim de inteligência reconhecer: está na hora de cair fora.

VON HIRSCHSTEIN:
Os gregos tinham a história de Sísifo, que ficava rolando uma pedra montanha acima.
Aquilo não era para dar trabalho a ele. Os gregos tinham medo da imortalidade. Eles
diziam: Isso nunca tem fim. Por isso, representaram o tema com o Sísifo, que tem que
realizar um trabalho, uma tarefa sem fim. E eu me oriento por isso. No inferno sempre
tem ainda uma esperança. No céu, tudo é somente bem-aventurança, e isso é muito
pouco. ... No céu o que me atrai é o clima, mas a companhia nem tanto. Essa eu prefiro
aqui.

SRA. MANZINGER:
Eu sei. Se alguém tem que suceder uma pessoa como eu, ele vai fracassar. Uma outra
pessoa não tem como conseguir. Eles até pensaram em contratar duas pessoas para o
meu lugar, mas isso também não mudaria nada. E, olhando daqui de baixo, até penso:
Eu fico contente que você assuma o meu lugar aí em cima, mas você vai fracassar; e,
então, eles também vão perder. Eles não sabem mais o que fazer. Estão todos só
tentando ganhar tempo. Eles sempre ouvem citarem o meu nome - então precisam
arranjar uma conexão comigo e isso faz com que venham me felicitar no dia do meu
aniversário. E eu penso: Por que ele está me felicitando pelo meu aniversário? Ele
deveria me mandar para o inferno. - No início, ninguém entendeu por que eu estava
largando tudo. Ela é amiga do milionário X, decerto vai abrir por conta própria um
banco para ele. Ninguém entendeu que eu estava saindo voluntariamente.

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ANSBERGER:
Voluntariamente?

SRA. MANZINGER:
Eu continuo ainda no Conselho do banco. Eles têm que me pagar despesas, eu tenho
ainda um ou dois clientes, eles nem fixaram um prazo. Eu só estou aqui porque queria
entregar um relatório, com todas as despesas anuais, e então constatei que eles
cancelaram meu cartão de identificação, ele não funciona lá em cima. Pois é. No último
mês, eu ainda circulava por toda parte, inclusive nos gabinetes da diretoria, por tudo.
Ninguém nos lembrou de que nós tínhamos que renová-lo. Agora ninguém mais
consegue entrar lá em cima. Bem, eles sempre diziam que eles seriam renovados. O
meu eles não puderam renovar porque haviam dado meu número a uma outra pessoa. E
se agora eu vou ganhar um novo ou não - eu posso tocar no interfone lá. De todo jeito,
eu nem quero ir ao 33o andar, aquilo lá é um antro bolorento, não tenho a menor
vontade de ficar ainda circulando por lá. - Eu fui ao médico. Estou sentada na frente do
sujeito com uma perspectiva infame: vamos ficar falando durante cinco anos do fato de
a sua mãe, no dia em você fez seis anos, ter distribuído o bolo para os outros. Digo a
ele: O senhor sabia que tem um furo na sua face esquerda, se o senhor tirar a mão dali?
E isso porque o senhor fica furungando com o polegar na bochecha? E que todo o seu
trabalho consiste em só ficar sempre sentado dessa maneira, me olhando assim? É só o
senhor mexer a cabeça e então vai perceber que seu musculus sternocleidomastoideus
dói, que ele está atrofiado, depois de anos a fio de má postura.

KASTEIN:
Eu não posso dizer nada contra ela como pessoa. Nada, nada mesmo. Ela tem uma
malformação do lobo frontal do cérebro, por isso sua inteligência emocional não se
desenvolveu, mas ela não tem culpa disso. Por muito tempo, ela foi minha inimiga
natural. Ela, que sempre me acusou de só pensar negativamente, sabe que eu tinha razão
em tudo. Isso é trágico. Ela sempre defendeu este sistema, e isso mesmo quando já
estava em queda livre. Ela é o trapaceiro trapaceado 5. E sabe disso.

SRA. MANZINGER:
Olhe aqui a parede. Ela não é branca, não é amarela, é simplesmente uma névoa. Isso
não é um ato voluntário. Minha fantástica memória trabalha a mil em ponto morto.
Talvez se deva simplesmente ventilar um pouco.

KASTEIN:
Eu espero ter oportunidade, um dia, de sair com ela para um passeio, umas duas, três
horas. Até agora não resolvi ir, ela já me ofereceu.

5
Jogo de palavras usado por Nathan, o Sábio, na peça homônima de Gotthold Ephraim Lessing

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CORO IX:
Quando criança, eu sonhava com grandes espaços. Cresci num lugar muito estreito,
aprisionado naquela situação. Transportei-me, assim, para um outro mundo. Eu quero
ter espaços em que não se enxergue mais as paredes. (2)

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5. O dilúvio
BELTRANO:
Bunkers, ou abrigos subterrâneos, são obras arquitetônicas espetaculares. Por meio de
técnicas de construção modernas, eles são transformados, para alguns poucos, em
domicílios de franca beleza. - É somente uma questão de tempo. Lá fora, desmontaram
as placas das empresas, dizem que estão preparando manifestações, eu posso lhe citar
vários endereços de onde eles retiraram as placas com o nome da empresa, se
anonimizaram. Nós somos os únicos no prédio, os outros departamentos foram
transferidos para estações de trabalho emergenciais fora da cidade, o que mostra que
existe mesmo uma ameaça vindo das ruas. O centro da cidade está à míngua, com o
pequeno comércio registrando perdas grandes no faturamento, que, depois, um ano
inteiro não será suficiente para recuperar. As medidas de segurança são importantes, o
contingente de policiais aqui também é impressionante. A nossa torre está protegida com
as barreiras apropriadas. Isso pelo menos dificulta bastante um possível ataque.

(DISCURSO): De acordo com o que se sabe, poderão ocorrer distúrbios. Não há uma
solução em vista. Diante deste cenário, o banco faz a seguinte recomendação: O acesso
aos prédios no centro da cidade está suspenso. Por favor, lembrem-se de que, por razões
de segurança, o estacionamento externo não poderá ser utilizado. Estão sendo realizados
treinamentos com os coordenadores de todos os setores. A capacidade de trabalho,
apesar das limitações esperadas, está garantida. É expressamente recomendado o uso de
trajes informais.

Eu, hoje, também dispensei a gravata. Traje normal, informal: jeans e jaqueta esportiva,
sem pasta de executivo, como nas horas de lazer - ora, fora do trabalho eu também não
tenho necessidade de me valorizar com um terno. A gente, assim, se despe também de
uma dose de seriedade. O terno corresponde a este tom especial, dá uma certa seriedade,
ele tem uma rigidez formal. Conforme reza a tradição, vestida assim, a pessoa também
transmite uma certa confiabilidade. E, com isso, estabelece uma demarcação - e abrir
mão dessa demarcação... Que nós tenhamos que nos adaptar à plebe das ruas, que
tenhamos que nos mascarar ... Existem estações de trabalho emergenciais
permanentemente de prontidão para o pessoal da diretoria e para todos em funções
importantes, no caso de qualquer catástrofe. Aqui sempre existe a possibilidade de um
primeiro ataque nuclear desarmador. E, mesmo nessa situação, os trades continuam. Nas
grandes catástrofes é que são amealhados os maiores lucros. Está tudo preparado para os
colegas em questão, em alojamentos semelhantes a bunkers. Estas estações de trabalho
emergenciais estão preparadas, as condições técnicas existem, se pode colocar tudo em
funcionamento imediatamente, os velhos telefones vermelhos com teclas foram
substituídos... Está tudo interligado, tudo conectado em rede, as senhas e códigos são
idênticos, pode-se garantir a operacionalidade, enfim, um ponto de fuga, pois o perigo

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latente paira no ar, sim, e os agasalhos esportivos, isso mostra preocupação com o bem-
estar dos funcionários, eu suponho tenha a ver com obrigação de garantir a integridade.
Agasalhos esportivos para todos aqui, por favor; provavelmente não vai haver nenhum
incidente; é novamente uma tempestade em copo d' água, até agora só se pôde perceber
as forças de segurança, mas nada de grandes protestos hostis e violentos. Deve-se
excluir completamente mesmo a menor probabilidade. - (entrega a ANSBERGER um
manual)... Aqui estão orientações de emergência, são manuais com os procedimentos de
emergência - sim, como posso explicar? – eles têm todos os procedimentos que devem
ser seguidos no caso de uma ocorrência - 'Standard Operating Procedures'.

Beltrano sai

VON HIRSCHSTEIN:
O amor foi instrumentalizado muito cedo pelos padres e pelos pais. A mulher era também
uma mercadoria e uma moeda de conciliação. Por isso, existem no amor o lado claro e o
lado escuro. Do lado escuro vem a capacidade dos seres humanos de serem ternos. Ternura
em relação a coisas nós chamamos de zelo; ternura em relação a pessoas é uma forma
afortunada do amor.

KASTEIN:
Nós rezamos para quê?

SRA. MANZINGER:
Por chuva!

VON HIRSCHSTEIN:
Vocês recordam que Herodes, quando nasceu Jesus, ordenou que matassem 20.000 recém-
nascidos, porque esperava, desse modo, eliminar Jesus? Que Deus é este, que envia seu
filho e permite, ao mesmo tempo, que 20.000 recém-nascidos sejam mortos? Os
historiadores romanos, não deixavam nada, absolutamente nada, de fora – registravam
tudo. Entretanto, não há nenhum lugar na historiografia onde é sugerido o assassinato de
20.000 recém-nascidos. Isso não existe, nunca aconteceu. E por que está, então, na Bíblia?
Quando ocorre uma ruptura, ela vem acompanhada de dor. Um progresso acontece
somente a partir de uma catástrofe. A Revolução Francesa e também o nascimento de uma
pessoa vem acompanhado de dor para a mulher. Ou seja, sempre que surge uma coisa
essencialmente nova existe uma guerra envolvida.

ANSBERGER:
Houve as crises após a Segunda Guerra Mundial, após a Primeira Guerra Mundial e depois
das guerras de libertação napoleônicas - foi assim que nós erguemos universidades. Nós
transformamos estruturas - estruturas administrativas, militares e econômicas. - A guerra é

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a mãe de todas as coisas. E como isso, hoje, não é mais possível, há substitutos para as
guerras.

SRA. MANZINGER:
O Coeficiente de Gini mostra, há décadas, que o abismo existente entre ricos e pobres
em todo o mundo ocidental só vem aumentando, independentemente se no governo
estão socialistas, conservadores ou liberais. Não basta dizer que isso é alarmante. Teria
que se fazer alguma coisa. Eu constatei que ninguém leva isso a sério. Eles se sentem...
- e eu não quero aqui citar nomes -, eles não se sentem afetados.

VON HIRSCHSTEIN:

Eu fico feliz com qualquer notícia catastrófica.

MODERSOHN:
Nós temos que disseminar a crença de que as coisas seguem adiante, temos que fazer as
coisas parecerem melhores do que são.

VON HIRSCHSTEIN:
Quando você vai entender de uma vez por todas? Nossa única chance são as catástrofes.

MODERSOHN:
Você gera insegurança com negative self fulfilling prophecies, profecias negativas
autorrealizáveis, e não demora tudo desmorona. É o que está se vendo agora.

VON HIRSCHSTEIN:

Você sabe como se referem a nós aqui? Como a última morada.

SRA. MANZINGER:
Eu entro no Coq d'Argent 6, peço um cálice de champagne, passeio pelo terraço, subo à
cobertura, galgo a mureta - não deixo meus últimos momentos nas mãos do acaso,
deixo-os visíveis a todos -, enquanto indivíduo criador, o salto no abismo, uma imagem
congelada da morte que ainda não é morte. A morte como mensagem, como um farol.
A crise chegou aos andares da diretoria do banco. Um ponto de exclamação. Um retrato
do capitalismo estilo hire and fire: usa e depois joga fora. Que banal, que falso, que
ridículo!

VON HIRSCHSTEIN:

6
Restaurante exclusivo no coração da região bancária de Londres

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Eu estou muito velho para prorrogar ainda mais um pouco. Tenho medo, porque não
posso imaginar o que vem depois. Não sendo nada, seria desconfortável; sendo a
eternidade, também é desconfortável.
No inferno, você têm o diabo, o fogo e os outros. Ali a distração é garantida; já lá em
cima, no céu, você só tem bem-aventurança, e isso é muito pouco. -

ANSBERGER:

Vocês sabem que Deus, segundo a interpretação rabínica, fez vinte e seis tentativas de
criar o mundo. Todas elas falharam. A vigésima-sétima tentativa, então, foi mais ou
menos bem sucedida.

VON HIRSCHSTEIN:
Mas nós estamos vendo, os vasos não suportam a energia da luz ali derramada e se
quebram.

ANSBERGER:

Devemos perdoar a Deus por sua criação.

KASTEIN:
Como vamos nos retirar? Como fomentadores da galeria de arte da cidade. Como
incentivadores do atletismo no Haiti. E como presidentes de honra do Sport Club FC
Liechtenstein.

MODERSOHN:

Quando chega a hora, então, coloca-se a questão: Para onde - para cima ou para baixo?

ANSBERGER:
Eu acho que conseguiria entrar lá em cima.

MODERSOHN:
The sky is the limit.

ANSBERGER:
Eu sei o que você está pensando agora: é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma
agulha do que um rico entrar no céu.

VON HIRSCHSTEIN:

Isso não é bem assim como se pensa. Algumas coisas não são bem assim como se pensa. –

Fim.

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Fontes bibliográficas:
(1) Citado a partir de “Die Kunst geht knapp nicht unter” Anselm Kiefer im
Gespräch mit Klaus Dermutz, Suhrkamp, 2010, p. 85, com a gentil
permissão da editora
(2) Idem, Suhrkamp, Berlim 2010, p. 80, com a gentil permissão da editora

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