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Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação – RESAFE

A ESCOLA E O FUTURO DA SKHOLÉ: UM DIÁLOGO PRELIMINAR*

David Kennedy**
Walter Omar Kohan***

WK: Costumamos pensar que vamos para a Universidade, para o futuro e


à escola para levar a ela a filosofia, assim por diante... para muitas coisas
para intervir no que se faz na escola, mas não tanto para a própria experi-
por exemplo, para formar cidadãos ência escolar... parece que não há
críticos e criativos ou para promover mais skholé nas escolas... Neste senti-
um tipo de pensamento que não está do, podemos pensar que a filosofia
ocorrendo nela. Geralmente conside- poderia ir às escolas para restaurar
ramos que a escola está dada, damos essa escola (como skholé) que não
por suposta a sua existência, e postu- existe mais. Em outras palavras, sem
lamos significados e sentidos para assumir que a escola está aí, dada, a
introduzir a filosofia na escola. Mas filosofia poderia fazer com que a es-
talvez possamos pensar de uma ma- cola que está aí volte a ser uma esco-
neira diferente essa relação. Em um la, como skholé. O que você acha
ensaio intitulado “École, procution, desta ideia?
égalité”, J. Rancière observa que, DK: Penso que o tempo de skholé é,
originalmente, na escola (skholé) na realidade, o próprio momento da
grega, ela é um lugar de separação infância no sentido do que Winnicott
entre dois usos ou experiências dife- chamou "espaço transicional", e o que
rentes de tempo: dentro da escola, a chamamos, a partir de Heráclito,
experiência de quem tem tempo livre, "Aión", em oposição ao Khrónos e ao
tempo para o lazer, tempo a perder, Kairós, três termos gregos para diferen-
para estudar, para aprender, para tes qualidades de tempo. Esse espaço
experimentar o tempo da própia ex- de transição é o espaço no qual a
periência e não para qualquer outra relação sujeto-objeto e, portanto, o
coisa externa a ela. Fora da escola, a "real" e o "imaginário" não são fixados
experiência do tempo produtivo, da- ou codificados sob qualquer forma
queles que empregam seu tempo em cultural ou histórica. Como tal, é o
função do que podem obter a partir espaço do virtual – da criatividade e do
dessa experiência. Nesse sentido, em jogo profundo de diversos tipos, inclu-
relação ao tempo, todos são iguais indo o profundo jogo de investigação
dentro da escola, todos têm a mesma filosófica. É um espaço no qual a crian-
experiência de tempo – a experiência ça se desenvolve como polimorfa. É o
de um estudante, de ser um estudan- espaço da relação “identidade-com”
te. É certo que, em nosso tempo, a sujeito-objeto, que Northrup Frye, em
escola está muito longe disso. Ao con- sua análise das canções de William
trário, quase tudo na escola se faz por Blake sobre a infância, designa como
causa do que se pode obter a partir "não apenas um estado criativo... mas
de fora da escola. As escolas nos pre- também um estado moral correspon-
param para o mercado de trabalho, dente ao maior estado de inocência,

KENNEDY, David; KOHAN, Walter Omar. A escola e o futuro da SKHOLÉ: um diálogo


preliminar. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação. Número 22: mai-out/2014, p.
154-162.
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que tradicionalmente tem sido associa- concordo que a filosofia por vezes
do à criança: no sentido em que a parece se colocar como um obstáculo
criança responde em particular ao seu para a skholé e Aión. Mas a filosofia é
entorno até ao ponto de se identificar múltipla, diversa... e pode ser também
com ele." Outra forma de pensar a uma experiência de pensamento aiôni-
skholé é compreendê-la como un "re- ca. Quero dizer, a filosofia joga o jogo
fúgio do cérebro", inventado pela espé- do pensamento em tempo aiônico,
cie em prol da transformação pessoal e pelo menos quando é jogada como a
coletiva. Com isso quero dizer que o experiência de colocar a própria vida
cérebro humano se caracteriza por um em questão, em uma tradição tão
alto nível de plasticidade, que o cres- antiga quanto Sócrates. Sei que a
cimento cerebral continua durante os filosofia é também praticada de manei-
primeros 22 anos de vida, e que as vias ras muito distintas, e a imagem que eu
neurológicas que desenvolvemos são acabei desenhando pode soar ridícula
moldadas pela experiência que temos. ou inclusive perigosa para muitos filó-
A cablagem particular com a qual sofos profissionais de nosso tempo,
terminamos é um produto da experiên- mas também parecia assim no tempo
cia dos primeros 22 anos de vida. A de Sócrates e provavelmente permane-
skholé, gostaria de sugerir, é o refúgio cerá assim para alguns. Na verdade, é
daquilo que chamamos de "tempo muito desafiador pensar nas possibili-
produtivo", o qual tende a fechar o dades de qualquer experiência aiônica
espaço transicional no interesse da em instituições tão esgotadas pelo
sobrevivência, da eficiência e do que tempo cronológico como são as nossas.
Blake chamou de "visão única", e que Como iniciá-la não é uma pergunta
fecha o crescimento cerebral, empur- fácil de responder, mas na realidade, é
rando-o para o cérebro inferior, a uma questão de prática e exercício, de
amígdala, que lida com a ameaça experiência. É verdade que o contexto
percebida e, assim, governa a luta, ou institucional, escolas e universidades,
bem combate ou congela a resposta, parece completamente hostil. Mas, se,
em decisões percebidas como de "vida por um lado, isso parece ser totalmente
ou morte", sejam ou não. Na skholé negativo, por outro lado, enquanto o
como refúgio do cérebro, temos o pensamento aiônico parece ser menos
"ócio" para permitir novos padrões, possível, mais necessário se torna. E a
novas conexões, novos valores e cen- filosofia tem também essa dimensão de
tros de significado. Mas, como pode a pensar e fazer o impossível – mais uma
filosofia restaurar esse espaço em uma vez, pelo menos desde Sócrates. Pode
cultura institucional moribunda, cor- ser considerada perigosa ou estúpida e
rompida pelo excesso de repressão, sem sentido, mas sempre é possível
mercantilização e simulacro? Às vezes a exercer essa forma de interrogar a
filosofia me parece ser, principalmente, própria vida. É apenas uma questão de
uma força destrutiva em nosso tempo: prática, de ver como vai ser e quais são
separa as coisas e não pode reuni-las os seus efeitos. Mas eu não sei se real-
novamente. De qualquer modo, como mente respondi a sua pergunta. Como
você entende a filosofia? você mesmo responderia sua pergun-
WK: É uma interessante conexão entre ta?
skholé e Aión através da infância. E

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DK: Talvez eu possa chegar a uma espécie de dúvida que pode paralisar a
tentativa de resposta à minha pergunta motivação e saudável inocência dos
através de uma aproximação genealó- jovens; 6) fomenta uma potencial
gica aos argumentos, muito populares rebelião social e política.
entre alguns, contra a prática da co- Agora, parece-me que sua definição
munidade de investigação filosófica nas implícita de filosofia como a prática de
escolas. Em primeiro lugar, o que se “pensamento em tempo aiônico” e de
argumenta a partir da esquerda: 1) é a “pensar e fazer o impossível”, ou
socialização em um discurso normali- “inesperável”, poderia evitar todas
zador, “branco”, “ocidental”, raciona- essas críticas, mas não sei como. Mais
lista, o mesmo dos colonizadores, e óbvia é a configuração de um muro
implicitamente ignora ou suprime os entre tempo “livre” e “produtivo” –
discursos alternativos; 2) é reduzido a algo assim como uma parede artificial,
um programa de “pensamento crítico”, pode-se argumentar (afinal, podemos
uma habilidade útil para ajustar-se ao realmente separar homo faber e homo
mercado de trabalho e ao status quo ludens?). Então, poderíamos dizer, por
político; 3) banaliza os próprios valores trás desse muro, nesse abrigo contra o
que pretende explorar adotando um tempo produtivo, quem sabe que tipo
enfoque de “esclarecimento de valo- de cérebro novo pode surgir ou, se-
res” para conceitos filosóficos funda- guindo Spinoza, “Quem sabe o que
mentais, a partir do pressuposto de que pode um corpo?” Talvez outro indício
todos possuem a sua própria opinião seja a identificação da filosofia com a
emocionalmente enraizada, que todos arte, que é o lugar mais tradicional
têm o direito de ter etc., promovendo, para Aión e o inesperável. Talvez a
assim, um falso tipo de tolerância. E a forma de filosofia que você está con-
partir da direita: 1) invade e interfere templando seja uma forma de auto-
nos direitos doutrinários da família; 2) realização, que começa como um
por problematizar conceitos profundos processo de “colocar a própria vida em
corrói as crenças fundamentais que são questão”, pelo qual a própria vida se
a base de nossa moralidade comum, e converte em uma obra de arte. Mas o
desacredita a abordagem de uma cren- que me surpreende agora é a imagem
ça religiosa que se baseia na fé e na diferente da filosofia que isso sugere,
modesta aceitação de uma visão base- não apenas no que diz respeito à filo-
ada na autoridade e não questionado- sofia tradicional, mas inclusive com a
ra; 3) na medida em que a escola nossa própria noção de filosofia como
representa o estado, a comunidade de uma prática dialógica em comum – isto
investigação filosófica equivale a uma é, comunidade de investigação filosófi-
imposição ideológica do governo; 4) é ca. Ademais, parece indicar que não
um desperdício de tempo produtivo trazemos a filosofia à escola para con-
para deliberar sobre conceitos que não vertê-la em skholé, mas que a skholé é
impactam a forma como o mundo uma forma de experiência vivida ine-
funciona, o que, na melhor das hipóte- rentemente filosófica. Isto sugere ainda
ses, provocam descontentamento: é, que a skholé já existe em qualquer
em outras palavras, uma ofensa contra comunidade de seres humanos, é
o mercado; 5) aliena a juventude, imanente e emergente, espera debaixo
praticando sistematicamente uma

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da superfície para erigir-se em discurso vivendo como vivíamos antes dela na
e ato. pólis.
WK: Deixe-me considerar as críticas, As críticas da esquerda parecem mais
começando com as da direita. A pri- interessantes. É verdade que a filosofia
meira supõe uma compreensão correta tem sido praticada como uma forma de
dos objetivos da filosofia: sim, certa- dominação através de um discurso
mente, o questionamento filosófico “se “branco”, “ocidental”, “racionalista”,
intromete e interfere com os direitos “normalizador” e “colonizador”, mas
adoutrinadores da família” e não ape- também tem sido praticada de forma
nas os da família. É difícil ver uma oposta através do discurso do “outro”,
tarefa mais importante do que essa, “anti-colonialista”, “anti-hegemônico”
especialmente em nosso tempo – isto é, e assim por diante. Portanto, a questão
se queremos viver uma vida examina- é controversa dentro da própria filoso-
da e não dogmática. A segunda, que fia. Em segundo lugar, se ela for en-
está muito próxima da primeira, tam- tendida como um programa para o
bém considera que, para a filosofia, "pensamento crítico" – o que é verdade
não há valor ou crença absoluta ou em muitos casos -, então, eu concorda-
inquestionável, seja moral ou religiosa. ria que pode ser uma prática de pouco
A terceira tem que ser confrontada com interesse, o que poderia ser útil para o
a própria distinção entre estado e go- status quo político. Mas ela pode ser
verno, escola e filosofia, ideologia e entendida de outras formas. Em tercei-
política: a filosofia é uma força política ro lugar, a chamada abordagem "clari-
em uma instituição estatal que pode ficação de valores” me parece algo
pôr em causa todas as imposições muito diferente da filosofia, ou, no
(ideológicas), inclusive dos próprios máximo, um aspecto muito pequeno
governos. A quarta crítica da direita dela. Com isso quero dizer que, se
sugere uma celebração: Sim! A filosofia estivéssemos apenas esclarecendo os
é um desperdício de tempo produtivo e valores, então, não estaríamos fazendo
preservação de tempo livre ou aiônico, propriamente filosofia. Evidentemente,
afirmando outro tipo de vida que não não é suficiente. De fato, a tolerância,
uma vida produtiva e consumista. A assim como qualquer outro valor, é
crítica número cinco deve ser levada a objeto de uma crítica filosófica e não
sério: a filosofia é uma espécie de um fim em si mesmo. É claro, alguns
prática inocente (no sentido de que podem não estar satisfeitos com essas
não possui outra intenção que não seja críticas e proporem outras, mas, ainda
o próprio questionamento filosófico) estaríamos dentro da filosofia. E, sim,
que pode ao mesmo tempo descons- eu acredito que a forma de filosofia
truir a inocência infantil e introduzir que estou desenvolvendo é “uma
algum tipo de falta, ou alguma forma forma de auto-realização, que começa
de pandemônio. Finalmente, a direita como um processo de “colocar a pró-
tem razão, isto é do que se trata: a pria vida em questão”, pelo qual a
rebelião filosófica, que é em si mesma própria vida se torna uma obra de arte.
uma rebelião política, provavelmente Você colocou essa ideia em palavras
não no sentido da direita, mas em que muito elegantes! Existem muitos con-
depois da filosofia é impossível seguir ceitos interessantes aqui para pensar,
como a forma da própria “auto-

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realização”, onde “auto” ou “si pró- A skholé é, como aión ou infância,
prio” poderia ser algo muito suave e uma aparição posterior, uma radicali-
diverso, e o processo de “realização” zação da escola como uma zona expe-
ou “se fazer” poderia ser uma espécie rimental da subjetividade e da coletivi-
de vida inventiva ou imaginativa. Mas dade. A fonte dessa radicalização é a
não vejo essa forma de filosofia em filosofia, na medida em que o impulso
conflito com a prática dialógica em filosófico nos volta para dentro de nós
comunidade. Tudo depende de como mesmos, no interesse não de técnicas
pensemos este processo de auto- para a melhora do tempo produtivo,
realização que poderia ser dialógico e mas de um novo cérebro emergente:
comum. Você não acha? E também me no interesse de novos valores, novas
agradou a sua ideia de fazer um verbo sensibilidades, novas capacidades,
de um substantivo ou uma ação do novas conexões, novos centros de
substantivo skholé. Não há nada mais significado, novos corpos. Portanto, há
inspirador e estimulante para a filoso- uma luta entre a escola como um veí-
fia. Mas talvez a escola não resista a culo mais eficiente, veículo de grande
esta forma de filosofia. Ou sim? O que alcance para a transformação técnica
você acha? do plano de estudos e da skholé como
DK: O que vem primeiro, escola ou utopia, no sentido de Marcuse, como
skholé? São opostas essas duas formas algo que “está bloqueado para emergir
de comunidade e temporalidade? pelo poder das sociedades estabeleci-
Gostaria de sugerir que escola e skholé das” (“Um ensaio sobre a liberação”,
emergem do mesmo impulso evolutivo: 1969, 4). Na escola, tout court, o
o de estabelecer uma área na cultura khrónos se torna ainda mais intenso
que é separada para fins de transfor- porque os adultos o impõem às crian-
mação. Antes da criação desse espaço ças neste espaço potencialmente aiôni-
separado, parecemos ter o que David co. Em skholé, como afirmou Blake, “a
Lancy, em sua obra magistral A antro- eternidade (aión) é apaixonada pelas
pologia da infância, chama a “aldeia” produções do tempo”. Aqui aprende-
ou o currículo “cotidiano”, o plano de mos a resistir às dicotomias corrosivas
estudos, característica das sociedades de jogo/trabalho, fato/valor, eu/outro e
pré-industriais. Aqui, a educação se a viver em um espaço virtual de chegar
desdobra perfeitamente nas habilida- a ser. Escola e skholé estão permanen-
des e nos ritmos da vida produtiva temente em luta? Talvez estejam em
diária. O tempo aiônico é praticado de tensão dialética; o tempo, afinal, é um,
muitas outras maneiras – normalmente quaisquer que sejam suas modalida-
em um ritual coletivo – mas a escola des. Então, talvez pudéssemos dizer
esculpe um novo espaço na cultura, que na escola, skholé é um resto e
um espaço para a aquisição de novas vice-versa. Mas hoje estamos em uma
tecnologias que interrompem e em situação global – a situação do capita-
seguida transformam a cultura existen- lismo e império tardios – em que a
te. Substitui os conhecimentos locais escola se volta contra e suprime bru-
por conhecimento abstrato e universal, talmente a skholé, o que distorce a sua
outras formas de falar, pensar e enten- relação, tornando-a quase irreconhecí-
der a nós mesmos, incluindo novas vel. Como podemos enfrentar este
formas de tempo produtivo. momento histórico de excesso – quan-

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do o impulso filosófico é desprezado interessante de ler este diálogo poderia
como uma fraqueza de nervo, e o ser através de suas perguntas, inclusive
profundo papel de skholé considerado aquelas que eventualmente aparecem
narcisista e até mesmo auto-destrutivo em nossas respostas. De qualquer
“pelo poder das sociedades estabeleci- modo, permita-me escrever algo acerca
das”? de sua pergunta; mas antes de fazê-lo,
WK: Suas perguntas são cada vez mais só mais um rápido comentário: as
complexas e difíceis de responder. perguntas que iniciam por “como” e
Estou tentado a escrever que, como “como vamos enfrentar” são especial-
esta última pergunta está tão boa, mente difíceis de responder porque
poderíamos deixá-la como está, sem pedem uma espécie de caminho, mé-
resposta e tratar de passar a outra. Na todo ou o que seja que sustente uma
verdade, este tipo de escrita dialógica é dada direção, e é, geralmente, muito
diferente de um diálogo oral... aqui um complicado transferir, de um contexto
leitor poderia suspeitar que, na reali- para outro, uma resposta interessante a
dade, estamos simplesmente respon- esse tipo de questão. Quero dizer que
dendo mutuamente nossas perguntas, uma resposta a essa pergunta é ainda
o que não penso que seja o caso. Ou mais difícil que qualquer outra e, de
seja, estamos dando um tipo de respos- certo modo, carece de sentido, uma
ta, mas eu não gostaria que isso fosse vez que ninguém pode respondê-la por
tomado como modos de enclausurar as outro.
perguntas ou como algo estável ou Neste ponto imagino certa ansiedade
fixo. Quanto a isso, gostaria de acres- nos leitores diante de minha demora
centar algumas observações: agora em responder sua pergunta e, então,
estou lembrando da crítica de Platão à passo a ela. Há uma tendência a con-
escrita no Fedro e me sinto um pouco siderar nosso tempo como um momen-
apreensivo porque, de certo modo, to terrível, um dos mais terríveis na
nosso diálogo escrito não será capaz de história humana. Pode ser, mas tam-
responder às perguntas dos leitores. pouco estou certo da fertilidade desse
Mas não necessitamos ser tão platôni- tipo de considerações. Não estou de-
cos e podemos confiar no poder da fendendo nossa época, contudo, pro-
própria escrita. A segunda tem a ver vavelmente o lugar da filosofia como
com a relação entre perguntas e res- questionamento crítico nunca foi cô-
postas. Em filosofia, as perguntas pre- modo, e as forças contra a skholé,
valecem sobre as respostas. Não quero ainda que diferentes em sua natureza,
dizer que interessam somente as per- nunca estiveram ausentes. É verdade
guntas ou que as respostas não são que em nosso tempo o pensamento
importantes, mas que neste exercício utópico parece ter perdido boa parte
de perguntar e responder, as perguntas de suas forças e as grandes palavras
parecem ter uma posição privilegiada, têm sido maltratadas ou capturadas
estão no princípio e no final, abrem e pelas forças do mercado. A própria
fecham o pensamento e o diálogo; filosofia, em sua versão mais oficial, foi
resistem a todo tipo de respostas; trans- reduzida a uma espécie de jogo sofisti-
formam-se em novas perguntas; de cado muito pouco preocupado pelos
modo que, em qualquer resposta que problemas da vida dos seres humanos.
dermos a nossas perguntas, uma forma Mas, ao mesmo tempo, estamos vendo

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novas formas de práticas filosóficas, coletivo e, portanto, uma situação
que reconectam a filosofia à vida e ao ética, porque se trata da vida com
mundo exterior. Em que medida essas outros. A Skholé também é, por defini-
práticas compartilham uma aproxima- ção, uma situação filosófica do tipo
ção à filosofia como uma forma de “nós”, na medida em que é, como
vida que se examina a si mesma e às dizes, “uma experiência de pensamen-
outras vidas? Em que medida elas to em aión”, e aión é a marca distintiva
realmente desafiam e põem em ques- da skholé. A filosofia como pensamen-
tão as forças dogmáticas do presente, to aiônico envolve o que chamas “a
ou simplesmente as reforçam? Em experiência viva de pôr a própria vida
outras palavras, até que ponto é a em questão”, e é uma experiência
prática da filosofia uma recriação da ética. A experiência ética, sugere, invo-
skholé ou uma ficção que joga o jogo ca a ação (“o que devemos fazer”).
das forças que o combatem? Talvez Para mim, esta é a conexão entre
possamos voltar à infância: como você skholé e o mundo do tempo produtivo.
acha que a infância entra nesse jogo? Nisso a filosofia tende a buscar a ética
DK: Gosto muito de sua celebração da normativa como a água procura seu
pergunta – é o que considero mais próprio nível: o produto principal da
profundamente satisfatório na prática filosofia é dikaiosyne. Gostaria de
do diálogo filosófico, embora muitos sugerir que a escola que foi transfor-
parecem considerar irritante a persis- mada pela skholé proporciona uma
tência das perguntas e uma perda de ponte entre as duas classes de tempo –
tempo produtivo. Mas não concordo aión e khrónos – um espaço no qual a
que as perguntas que interrogam o tensão criativa entre as duas sugere
“como” sejam puramente pessoais e novos estilos de tempo produtivo fora
sem sentido. Durante muito tempo dos muros da escola.
observei que a investigação filosófica Talvez possa encontrar um caminho de
comunitária, na medida em que encon- regresso à infância através da dificul-
tra seu caminho para uma pergunta, dade que mencionaste para julgar a
tende a convergir em suas implicações natureza de nossos tempos. Parece-me
éticas, que, por sua vez, convergem que à medida que a realidade se torna
para a questão de Kant e de Tolstoy, pior, é mais visível o que poderia ou
que é a mesma pergunta feita a Juan deveria ser. Por exemplo, o que Zizek
Batista no Novo Testamento (Lucas 3: (em Vivendo no final dos tempos)
10-15): “Então, o que devemos fa- chama a “segunda natureza” do sujeito
zer?”. Juan chamou seus interrogado- “totalmente mediatizado”, completa-
res laconicamente a compartilhar seus mente imerso na realidade virtual, “que
bens, a não enganar, a não abusar do ‘espontaneamente’ acredita estar em
poder, em poucas palavras, assuntos contato direto com a realidade e está
de dikaiosyne e dikaion. de fato sustentado pela complexa
Noto que Kant disse “Que devo fazer?” maquinaria digital”, como em Matrix –
em vez de “que devemos fazer?”, mas é para a infância simplesmente uma
eu gostaria de ressaltar esta última oportunidade para transcender essa
pergunta, porque pressuponho que forma de subjetividade através do jogo
ambos estamos entendendo skholé – ou, como disse Heráclito, “brincan-
como uma situação de “nós”, um do” (paízon). Como em Matrix, onde a

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criança na sala de espera do oráculo cordo que a filosofia como prática de
dobra a colher telepaticamente, e diz a skholé está comprometida com a ética
Neo, “a colher não existe... Não é a e a política, o que significa com o ou-
colher que se dobra, é você mesmo”. tro, com o “nós”. Em castelhano isto é
Aqui “criança brincando” é vista como o que mostra a própria palavra “nós”
o espaço aberto da possibilidade na (nosotros: nos-otros).
evolução humana. E, por essa mesma A que tipo de compromisso nós esta-
razão, a morte de uma criança na mos nos referindo é mais difícil de
guerra é a instância mais atroz do precisar. Parece que está aberto a uma
crime contra a humanidade que é a variedade de possibilidades. Acho que
guerra, devido ao fato de que a criança podemos sempre esperar o inesperado
representa a possibilidade concreta de ou, como diz Heráclito no fragmento
um mundo sem guerra. A criança en- 18, devemos esperar, se não quisermos
carna a questão moral posta por um deixar sem rota o caminho. Quero
tempo e, portanto, a consciência desse dizer: não se sabe. Nunca sabemos.
tempo. Assim que, se o papel da filoso- Este é o único real conhecimento filo-
fia em skholé é ativo, inclusive ativista sófico, e mesmo que o mundo pareça
– um papel que, como dizes, molda estar em um de seus momentos mais
“novas formas de prática filosófica, fechados, sim, há novos seres chegan-
reconectando a filosofia à vida e ao do a cada momento no mundo, e a
mundo exterior”, e se atreve a “desafi- história humana nunca está terminada.
ar e a pôr em questão as forças dogmá- Esta é também a força de khrónos. E
ticas do presente” – qual é o papel da de aión e skholé: aí atuamos como se o
criança na produção de dikaiosyne na impossível fosse necessário – “como
escola como skholé? se”, como diria Kant.
Podem ser as crianças atores políticos Realmente não sabemos. As crianças
no mundo do tempo produtivo? Po- são atores políticos tanto como nós, e o
dem sair à rua e denunciar os opresso- que mais me preocupa é o que pode-
res, os gananciosos e os belicistas? Ou mos fazer, através da prática da filoso-
deveríamos estar satisfeitos com a fia como skholé, para lhes dar as con-
escola/skholé como a “comunidade de dições ou o espaço para viver a vida
vida embrionária” de Dewey, uma política, que é uma vida de um “nós”,
espécie de tanque de pensamento para isto é, que inclui o outro; uma vida que
o futuro da subjetividade humana e da sentimos e pensamos que vale a pena
identidade coletiva, como no atual viver, e que está pronto para aceitar
movimento das escolas democráticas outras formas de vida coletiva que
(http://en.wikipedia.org/wiki/Democrati outros “nós” (nosotros) esperam viver.
c_education). Ou como suspeito que É claro que, de certo modo,
argumentarías, não deveríamos ter
nós somos parte dessa vida política,
nenhuma expectativa em absoluto?
WK: Também não acredito que as pelo menos nas condições que esta-
perguntas pelo “como” sejam pessoais
mos oferecendo às nossas crianças
e sem sentido (ou o são apenas em um
aspecto muito específico), mas sim que para que a construam, por isso não
é impossível ou inconveniente que
deveríamos ter medo dela, mas pode-
alguém as responda por outro. E con-

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ríamos nos preocupar pelas forças
políticas envolvidas e pelos limites
dessas condições. Como pensamos
através destas condições políticas?
Como as praticamos? São realmente
diferentes do mundo opressivo que
tanto criticamos? De que maneira a
vida filosófica é preferível à vida polí-
tica? Ou, para dizer em outros termos,
por que a política da filosofia é mais
valiosa do que a política de ordem
política instituída? Talvez as crianças
possam nos ajudar a pensar essas
questões. Talvez elas possam nos aju-
dar a mudar nossas perguntas. Talvez
elas coloquem novas perguntas. Tal-
vez possam nos ajudar a pensar o que
não temos pensado, e inclusive o im-
pensável. Talvez elas possam nos
educar. Isso é também do que se trata
a filosofia com crianças: não tanto da
educação da infância, mas de uma
educação infantil, de uma educação
filosófica através das vozes da infân-
cia

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