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Revista Eletrônica do Programa

de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero


Edição nº 1, Ano I - Dezembro 09

Artigo
A nostalgia do moderno
A paisagem sonora eletrônica na
produção musical contemporânea
José Cláudio Siqueira Castanheira*

Resumo
Resumo
Este trabalho busca, a partir das idéias de objeto sonoro de Pierre Schaeffer e paisagem sonora, de Murray Schafer, investigar o

surgimento de um novo ambiente acústico notadamente marcado por elementos eletrônicos. A relação de novos sons, gerados

e modificados eletronicamente, com seus objetos empíricos parte, necessariamente, da constituição de novas audibilidades que

surgem, como proposto por Jonathan Sterne, em função da cristalização em tecnologias de novas dinâmicas socioculturais.

Palavras-chave
Palavras-chave
Audibilidades. Música. Paisagem Sonora. Objeto sonoro. Som eletrônico.

Abstract
Abstract
Modernity nostalgia: the electronic soundscape in contemporary music production

Abstract
This work intends, from Pierre Schaeffer idea of sound object and Murray Schafer idea of soundscape, to investigate the sprouting

of a new acoustic environment especially marked by electronic elements. The relation of new sounds, electronically generated

and modified, with their empirical objects begins, necessarily, with the constitution of new audibilities that appear, as proposed

by Jonathan Sterne, in function of the technological crystallization of new sociocultural dynamics.

Keywords
Keywords
Audibilities. Music. Soundscape. Sound object. Electronic soun

* Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro –


UERJ. E-mail: jc.sc@uol.com.br

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Introdução
Outubro de 2007. Show da cantora islandesa Björk na Marina da Glória, Rio de Janeiro. Logo
no início da apresentação percebemos que nos dois grandes telões nas laterais do palco não vemos
imagens da cantora ou dos músicos que a acompanham. Vemos reproduções que, num primeiro
momento, parecem composições abstratas. Algo como luzes coloridas. Vermelhas, azuis, verdes.
Lembram faders ou VUs 1 digitais, oscilando e mudando de cor. Depois percebemos que sim, são 1 Faders são controles
deslizantes de volume
detalhes do equipamento eletrônico que acompanha Björk na turnê do seu então recém lançado em mesas de som. VU
meters (Volume Unit)
disco Volta. Curiosamente, em quase momento algum, os telões abandonam os dispositivos ele- são indicadores do nível
do sinal de áudio em
trônicos para focalizar os dispositivos humanos. Mesmo nas telas menores que se encontram sobre equipamentos como
o palco a atenção é voltada para o que aparentemente seria o novo, o moderno da apresentação. mesas de som, mixers ou
gravadores.
Na metade do show somos apresentados àquela que seria, talvez, uma segunda estrela do
espetáculo. Um momento solene prepara a entrada em cena da React Table. Esse aparelho já
esteve presente na edição de 2007 do FILE (Festival Internacional de Linguagem Eletrônica)
em São Paulo e aparece em artigos no Brasil e no exterior sendo chamado de “o instrumento
do século XXI”. Mas o que seria exatamente? Projeto desenvolvido por pesquisadores da Uni-
versidade Pompeu Fabra, em Barcelona, o objeto consiste, de maneira resumida, em uma mesa
translúcida, onde pousamos pequenos blocos e discos transparentes. Cada um desses elementos
é responsável pela produção ou modificação – quando interagindo com outros blocos e discos
– de ondas sonoras básicas (ondas senoidais, quadradas, etc.). Pode-se ainda modificar parâme-
tros dessa onda, como a amplitude e a frequência, girando o objeto ou modificando, com um
toque de dedo, controles na superfície da mesa em torno do mesmo. Podemos criar pulsos ao
aproximarmos uns dos outros, fazendo com que uma determinada forma de onda modifique a
outra. Enfim, tudo o que já podíamos fazer desde a década de 60 com o surgimento do Moog.
Este último, criação de Robert Moog, consistia em um aparato com uma série de osci-
ladores, cada um deles produzindo artificialmente ondas simples (senoidais, etc.). Além disso,
contava com um teclado no qual o som gerado, alterando-se sua frequência, era distribuído
ao longo da escala. Botões, cabos e filtros eram utilizados para interferir e modificar essas
ondas, criando timbres muito diferentes do que se ouvira até então. A experiência com osci-
ladores na síntese de ondas sonoras puras não era exatamente uma novidade. Nos anos 50,
Herbert Heimert, Karlheinz Stockhausen e outros compositores da elektronische musik já fa-
ziam uso de tais equipamentos eletrônicos para a síntese e modificação de ondas sonoras ‘pu-
ras’. O filme de ficção científica O Planeta Proibido (Forbiden Planet, Fred Wilcox, 1956)
contava com uma trilha sonora composta exclusivamente de sons eletrônicos gerados por cir-
cuitos desenvolvidos por Louis e Bebe Barrons. O nome da música: Electronic Tonalities.
Outras novidades na área da gravação, como as fitas magnéticas, influenciaram o mé-
todo de composição de músicos como Pierre Schaeffer, bem como outros nomes da mu-

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sique concrète. O estúdio, em si, passou a ser o grande veículo de experimentação.


O mérito de Robert Moog, no caso dos sons sintetizados, foi trazer essa experiência
para um patamar não erudito e mais acessível. É bom lembrar que o Moog foi ferramenta im-
portante na gravação de álbuns como Abbey Road (1969) dos Beatles e Pet Sounds (1966),
dos Beach Boys. Walter Carlos, hoje Wendy Carlos, lançou em 1968 seu disco Switched-On
Bach, em que tratava a obra do compositor alemão utilizando os novos sons à sua disposição.
Qual seria, então, o grande atrativo desse novo equipamento, a React Table? Por
que esse papel de destaque no show de um grande nome da música pop contemporânea?
Pretendo, aqui, tratar de como o apelo do sempre moderno, em nossa socieda-
de, muitas vezes procura em antigas soluções (atualizadas ou não) uma espécie de justi-
ficativa nostálgica, uma anuência do que já foi novo um dia. E, talvez mais importante do que
isso, desejo mostrar como o universo simbólico contemporâneo está profundamente liga-
do a uma nova forma de escuta, desenvolvida a partir dessas mesmas inovações tecnológicas.

O moderno e o mito
Segundo Pierre Lévy, as técnicas trazem consigo esquemas imaginários, implicações so-
ciais e culturais. “Sua presença e uso em lugar e época determinados cristalizam relações de for-
ça sempre diferentes entre seres humanos” (Lévy, 1999: 23). Cada tecnologia se articula com a
produção discursiva de uma sociedade em um determinado momento. Walter Benjamin, apesar
de uma visão otimista em relação ao advento do novo e do tecnológico, aponta para a presença
do mito e do sonho na apreensão cultural dessa tecnologia, o que poderia convertê-la em fetiche.

Somente um observador superficial pode negar que existem correspondências entre


o mundo da tecnologia moderna e o mundo arcaico dos símbolos da mitologia. Num
primeiro momento, de fato, a novidade tecnológica produz efeito somente enquanto
novidade. Mas logo nas seguintes lembranças da infância transforma seus traços. Cada
infância, com seu interesse pelos fenômenos tecnológicos, sua curiosidade por toda a
sorte de invenções e máquinas, liga as conquistas tecnológicas aos mundos simbólicos
antigos. Não existe nada no domínio da natureza que seja por essência subtraído de
tal ligação. Só que ela não se forma na aura da novidade, e sim naquela do hábito. Na
recordação, na infância e no sonho (Benjamin, 2007: 503).

Essa relação entre tecnologia e mito poderia advir do fato de que em um determinado mo-
mento histórico e social ambos participam de um discurso utópico de solução de problemas, de
conflitos sociais. Enquanto a mitologia remete a um tempo harmônico, anterior à própria his-
tória, a tecnologia promete ser a panacéia da sociedade moderna, o fim de todas as dúvidas e
de todas as dores. Benjamin mostra ainda que as inovações inevitavelmente retomam as antigas

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formas, descontextualizando-as, como no caso dos primeiros vagões de trem que lembravam car-
ruagens. Todo novo avanço em determinada área reveste-se de um apelo aos seus predecesso-
res, seja na forma, seja nas finalidades. Até o momento em que novos usos adquiram o status
de hábito e possam pleitear para si uma condição de autonomia. A moda rétro mostra bem o
fascínio que um universo hipoteticamente mais simples, uma vez que já passado, pode nos cau-
sar. Ele nos parece belo e funcional, já que suas idiossincrasias não nos afetam mais e o que
aproveitamos dessa experiência, muitas vezes, resume-se ao seu aspecto estético ou saudosista.
Na página online da revista Wired 2, Damian Taylor, que opera a React Table no show da 2 Disponível em http://
www.wired.com/en-
islandesa, comenta que sua reação ao conhecer o instrumento foi pensar: “por que eu não faço tertainment/music/
news/2007/08/bjork_re-
simplesmente um som engraçado em um Moog?” É claro que a nova interface, bastante atraen- acTable

te, do equipamento acabou por convencê-lo de que seria muito mais interessante tê-lo no palco
do que um instrumento sessentista sem o mesmo apelo visual. Somos forçados a reconhecer
que não são raras as ocasiões em que um certo sentimento nostálgico nos impele a retomar
ou repensar velhas soluções, velhos dispositivos, velhos repertórios. É como se o presente – e
seus infinitos prolongamentos no futuro – revelasse cada vez mais intensamente sua face vo-
látil. As mudanças ocorrem muito rapidamente. O presente e seus possíveis desdobramentos
tornam-se solo instável, restando-nos o passado como porto seguro. Como nos diz Andreas
Huyssen, somos atacados pelo terror da amnésia produzida pela produção cada vez maior de
informação. Amnésia causada pela mídia em suas mais variadas formas como imprensa, cine-
ma, televisão e, atualmente, todos os dispositivos ligados ao ciberespaço. Apesar de ser pre-
cisamente esta mídia que faz a memória ficar cada vez mais disponível para nós a cada dia.

Se o aumento explosivo de memória for inevitavelmente acompanhado de um aumento


explosivo de esquecimento? E se as relações entre memória e esquecimento estiverem
realmente sendo transformadas sob pressões nas quais as novas tecnologias da
informação, as políticas midiáticas e o consumismo desenfreado estiverem começando a
cobrar seu preço? (Huyssen, 2000: 18) 3 Instrumento criado em
1919 pelo físico russo Lev
Termen, posteriormente
Recorremos constantemente a essa memória como forma de atualizarmos e legitimarmos modificado para Leon
Theremin. Consistia em
um presente escorregadio. O curioso neste caso é que essa memória é a memória de uma também uma caixa com duas
antenas. Uma dessas
modernidade. Inovações tecnológicas como o Moog, o Theremin 3, entre outras, datam de uma antenas controlava o
época onde uma nova escuta começava a estruturar-se. volume e a outra o pitch
da onda sonora. Estas
características da onda
eram modificadas sem
O objeto sonoro e a constituição de novas escutas que o intérprete tocasse
nas antenas, apenas
A partir do conceito de redução fenomenológica de Husserl, Pierre Schaeffer passa a en- aproximando ou afastan-
do suas mãos.
carar o objeto sonoro como alvo de uma intencionalidade. Para Husserl a peculiaridade da cons-
ciência é atribuir significado às coisas exteriores. A intencionalidade, ou seja, o dirigir-se ao

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objeto, estrutura essa consciência. A escuta reduzida, defendida por Schaeffer privilegiaria as
características intrínsecas desse objeto sonoro, descartando abstrações conduzidas por um de-
terminado discurso estabelecido. Um som de piano não é igual a outro som de piano. Há que
se perceber em que situações esse piano foi gravado, a ambiência, a afinação, o estado de con-
servação das cordas, das teclas, etc. Esses elementos, por si só, multiplicam as possíveis signi-
ficações desse som. Uma partitura escrita de uma peça para piano não é capaz de nos apresen-
tar a experiência sensória a que vamos ser submetidos. Ela é por demais simplificadora. O som
passa a desempenhar um papel mais complexo quando, a partir dessa nova escuta, criam-se
significados baseados em suas características físicas e não em uma sintaxe convencional e abs-
trata como a escrita musical. Essa acusmatização tenta isolar o objeto sonoro de suas possí-
veis causas físicas, apropriando-se dele através de suas próprias características, sua imanência.
O conceito de acusmatização surgiu na Grécia antiga, quando Pitágoras obriga-
va seus alunos a ouvi-lo por detrás de uma cortina, com a intenção de reforçar a im-
portância do que era dito. Essa desvinculação do som de sua fonte de origem, no
caso Pitágoras, fez com que seus alunos passassem a ser chamados de acusmáticos.
Com o desenvolvimento da tecnologia de áudio, o ente produtor da vibração sonora passa a
requerer cada vez menos atenção. O som passa, por sua qualidade de gravação e reprodução, a ter
um significado independente de sua origem. Os objetos empíricos passam a ser intuídos, se enca-
minham ao campo das possibilidades. A atualização visual dessas fontes sonoras vai dando lugar a
uma virtualização e uma flexibilidade de sentidos.

A acusmatização isola os objetos e os transforma em portadores de conceitos. Porém


frequentemente o som dispensa sua fonte e se conecta a um sentido novo que já não
tem nada que ver com sua origem direta, mas sim com sua forma sonora e com sua
situação no contexto audiovisual (Rodríguez, 2006: 40).

Os objetos sonoros são descritos através de seus índices de materialização4. Mais importante 4 Conceito desenvolvido
por Michel Chion em seu
que descrever a origem do som, seria compreender em que condições ele foi criado, quais mate- trabalho Audio-Vision,
onde trata das relações
riais, quais movimentos implicados em sua geração. Quais são os elementos materiais desse ob- entre som e imagem, em
jeto? Quais detalhes nos levam a relacioná-lo a um determinado processo ou a um determinado um contrato audiovisual,
no discurso cinemato-
ente gerador? Em um processo reverso, sons que não possuam tais índices de maneira evidente gráfico.

podem não ser facilmente reconhecidos ou podem não criar associações imediatas. A quantidade
de significados possíveis desses sons é, pois, muito maior. Não há uma idéia central ancorando
sons onde não possamos distinguir claramente pequenas características como ataque, decaimen-
5 Conceitos ao redor dos
to, espessura frequencial, grão, etc.5 A leitura que temos desses objetos é ampla, fluida e etérea. quais Pierre Schaeffer
tenta estruturar sua idéia
O processo de comunicação atual é afetado irremediavelmente por essa desvinculação de objeto sonoro.

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entre o ente produtor da onda sonora e o som propriamente dito, ou as releituras que fazemos
desse som, gravado, modificado e transmitido.
O contrato audiovisual proposto por Chion parte da premissa que há uma forte relação,
presente em nosso inconsciente, entre objetos e sons. Quando vemos uma imagem sem o seu
respectivo som, tratamos de imaginar algum aspecto sonoro que já nos tenha sido dado de
antemão. O aspecto sonoro faz parte de um objeto maior que não é apenas visual ou sonoro.
Esse pacto não é necessariamente natural, mas simbólico, construído a partir de premissas con-
vencionadas e sancionadas por elementos fora do discurso audiovisual. Jonathan Sterne nos
diz que “tecnologias são processos sociais, culturais e materiais repetidos e cristalizados em
mecanismos” (Sterne, 2003: 8). A escuta deve ser encarada como um processo cultivado
historicamente e, portanto, fruto de um habitus, um processo que não é idêntico para pessoas
diferentes em épocas diferentes. Justamente, por esse ponto de vista, não há uma descrição so-
nora “real” do mundo objetivo. Há formas diferentes de ouvi-lo e descrevê-lo acusticamente.
Essas formas são mediadas por tecnologias que, por sua vez, são atreladas a modelos sociais.
Um exemplo: o toque do telefone celular. Até algumas décadas atrás a idéia de telefone
era inevitavelmente relacionada ao som metálico de campainhas percutidas. Em um segundo
momento, um som eletrônico mais suave passa a dividir esse espaço com seu predecessor, am-
pliando e criando categorias de toques, umas mais apropriadas a certos ambiente do que outras.
Com o telefone celular e a possibilidade de digitalização de praticamente qualquer tipo de som,
nossa referência do que pode ser um toque de telefone é muito mais complexa. Os toques acu-
mulam as possibilidades de infinitos materiais, inclusive do próprio toque de campainha dos
telefones antigos. As vozes, músicas, efeitos sonoros, têm que ser considerados a partir do am-
biente e da situação em que são reproduzidos. Não há certezas (ou, melhor, há menos certezas)
sobre o som que se ouve a não ser que este seja pensado dentro de certas condições de escuta.
O surgimento de equipamentos como o gravador analógico de fita magnética foi funda-
mental para o tipo de investigação – pautada pela observância de uma riqueza espectral dos
sons e por um trabalho de bricolagem sonora – proposta por Schaeffer e pela música concreta.
Mas esse não foi o único fator condicionante dessas novas audibilidades. O período logo pos-
terior à Segunda Grande Guerra foi uma época de intenso desenvolvimento tecnológico em
diversas áreas. O importante é observarmos como, mesmo no ambiente doméstico, estabelecia-
se um discurso tecnocientífico embalado pelos grandes avanços da ciência, pela exploração
do espaço e pelo desenvolvimento da energia nuclear. Ao mesmo tempo em que o espaço dos
lares era invadido por eletrodomésticos que prometiam uma maior modernidade, o espaço da
produção musical, principalmente em movimentos como o serialismo e, um pouco depois, a
elektronische Musik – movimento fundado por Herbert Eimert na rádio alemã NWDR, na cida-
de de Colônia – imbuía-se de um modelo racional, científico. Um total controle sobre a matéria

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sonora, nesse caso indissociada da linguagem musical, era o grande objetivo desse movimento.
A bricolagem, a escuta reduzida e a atenção ao caráter material do obje-
to sonoro, como vistos em Schaeffer eram consideradas, pelos defensores dessa músi-
ca eletrônica absolutamente racional, como processos amadores e sem nenhuma im-
portância estética ou histórica. Compositores como Pierre Boulez defendiam uma écri-
ture musical e lamentavam o uso deturpado que se fazia dos novos meios de gravação:

As técnicas da gravação, armazenamento, transmissão, reprodução – microfones, alto-


falantes, equipamento de amplificação, fita magnética – foram desenvolvidas ao ponto
em que traíram seu objetivo preliminar que era reprodução fiel. Cada vez mais as
técnicas assim chamadas da reprodução estão adquirindo uma tendência incontrolável
de tornarem-se autônomas e de imprimirem sua própria imagem de música existente, e
cada vez menos preocupadas em reproduzir tão fielmente quanto possível as condições
da audição direta (Boulez, 1977: 3).

De qualquer forma, dessa pesquisa proposta pela musique concrète surgiram várias das
tendências musicais contemporâneas. A colagem de trechos musicais com resultados inusi-
tados, o pulso produzido por mecanismos de loop como o sillon fermé são ingredientes que
6 6 Intervenção onde era
produzido um sulco fe-
penetram quase toda forma de compor e produzir música no século XXI. Mesmo os re- chado em um disco. Esse
recurso, utilizado por mú-
cursos eletrônicos que, em um primeiro momento, atendiam ao processo de síntese de on- sicos como Pierre Schae-
ffer, criava uma repetição
das puras e de parâmetros absolutamente precisos, passaram a integrar uma paisagem so- infinita, um loop, ao qual
eram adicionados outros
nora em que a relação objeto-som foi relativizada. A proposta inicial da elektronische Mu- elementos sonoros.
sik, algum tempo depois, mostrou-se árida e limitada por focar-se, principalmente, em
elementos quantificáveis da execução sonora, como frequências e amplitudes. A gera-
ção de sons mais complexos, de timbres mais ricos, ainda dava seus primeiros passos.
As possibilidades de intervenção no material gravado aumentam bastante nas décadas
seguintes. Os recursos disponíveis nos estúdios de gravação modificam a idéia, muito for-
te até então, de que a gravação deveria ser um registro de uma performance ao vivo. Para
essa mudança contribuíram muito as investigações da música concreta, mas, também, a pos-
sibilidade de síntese e modelagem eletrônica de sons. Discos como Sargent Pepper’s Lone-
ly Hearts Club Band (1967), considerado com um dos primeiros discos conceituais da mú-
sica pop, mostraram que o estúdio se tornara, definitivamente, um lugar essencial para a
produção musical. A partir dessa obra, os Beatles deixaram de fazer apresentações ao vivo,
muito por conta da impossibilidade de reproduzir no palco todas as nuances sonoras regis-
tradas no vinil. A criação encontrou novos caminhos para se manifestar e o som, não mais
encarado como apenas uma representação fiel de um mundo objetivo, passou a um plano
de destaque na leitura do mundo. Como diz Charles Schreger sobre a indústria fonográfica:

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Em 1978 a América parecia obcecada por som. Você poderia sentir o impacto total de
uma sinfonia ou de um concerto de rock na sua sala de estar; você poderia trazê-los com
você no seu carro ou num rádio do tamanho do seu bolso; você poderia – deveria – ouvi-
los em um consultório de dentista ou em um elevador. [...] E você poderia, claro, comprá-
los em discos e fitas. Em 1977, a indústria da música rendeu quase 3,5 bilhões de dólares
– um bilhão a mais do que os 15 mil cinemas americanos obtiveram nas bilheterias
(Schreger, 1985: 348).

O objeto sonoro no cinema


Como acabamos de citar a indústria norte-americana de filmes, vamos abrir aqui um parêntese
para analisar como esse processo de emancipação sonora deu-se em um outro discurso, o cinema-
tográfico. Pensemos em como o mundo era criado e recriado por essa forte corrente do imaginário
contemporâneo que é o cinema clássico-narrativo norte-americano. Lembro que ainda hoje é forte a
idéia de que a imagem teria uma predominância narrativa sobre o som no cinema. Talvez por causa
de um pequeno período em seu começo, quando o som tinha uma função mais de amenizar o estra-
nhamento das fantasmagóricas imagens em movimento ou dos barulhos incômodos dos projetores
da época, uma série de estudiosos tende a esquecer o papel fundamental que ele tem, principalmen-
te no discurso imersivo do cinema de espetáculo. Hoje em dia é comum a preocupação acadêmica
em estudar as imagens numéricas, mas poucos se dão conta do quanto o imaginário foi modificado
pela presença dos sons gerados ou modificados eletronicamente. O processo de construção (ou re-
construção) de novas realidades tomou um impulso significativo a partir de experiências de mon-
tadores como Walter Murch em filmes como THX 1138 (George Lucas, 1970), A Conversação (Fran-
cis Ford Coppola, 1974) e Apocalypse Now (Francis Ford Coppola, 1979). O uso de novos elementos
tecnológicos como gravadores multipistas, microfones sem fio, o Dolby, o som estéreo e posterior-
mente surround, com até oito canais separados de reprodução, encontrou respaldo no público que
passou a considerar normal e até mesmo imprescindível o uso cada vez maior do som como recur-
so dramático. Tomemos um exemplo desse apelo tecnológico sobre o ambiente sonoro no cinema:
A Conversação reflete de maneira quase icônica o momento de forte apelo tecnológico pelo
qual a sociedade americana vinha passando na década de 70 e que, ainda hoje, pauta muito do
pensamento da nossa sociedade. No filme, o personagem, um investigador particular, usa mo-
dernos dispositivos de escuta para espionar um casal. No fim, entretanto, ele acaba vítima do
próprio sistema de vigilância do qual fazia uso para viver. Em A Conversação encontramos não
apenas um personagem, mas uma sociedade obcecada pela tecnologia. Sem esquecer a crítica a
um momento histórico onde a privacidade era colocada em xeque e os mecanismos de controle
sofisticavam-se, o que se percebe é uma metáfora da sociedade de consumo em um momento de
troca. O fetiche da mercadoria era substituído pelo fetiche da tecnologia. A informação cada vez
mais se torna refém das inovações técnicas e estas são cada vez mais rapidamente substituídas.

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Devemos lembrar, também, que tais recursos tecnológicos já tinham sido testados sem muito
sucesso décadas antes. O efeito de imersão do cinema clássico-narrativo está atrelado ao conceito
de realismo, conceito esse que enfrentou grandes obstáculos. John Belton nos esclarece em seu ar-
tigo 1950s Magnetic Sound: The Frozen Revolution que os próprios estúdios, já na década de 50, in-
vestiam em inovações como a reprodução magnética do som (de melhor qualidade que a ótica) e as
múltiplas pistas, cada uma reproduzindo determinados ruídos em partes diferentes da sala de pro-
jeção. Algumas dessas inovações simplesmente não tiveram o resultado esperado, muito embora es-
túdios como a Fox argumentassem que a reprodução em vários canais e as telas de grandes propor-
ções, em sistemas como Cinerama ou Cinemascope, produzissem uma maior sensação de realidade.
O conceito de “realismo” aqui apresentado esbarrou não apenas no custo de implemen-
tação desses aparatos nas salas de exibição, mas também no entender do público médio, não
acostumado com projeções em estéreo (ou com mais canais), coloridas e em telas tão gran-
des. Para este, o som originando-se de partes diferentes da sala, como, por exemplo, em diálo-
gos offscreen, parecia não natural. Curioso que, mesmo o filme colorido, no início, também era
tido como algo “artificial” pelo espectador, associando-o, usualmente, a gêneros não realistas.
Aparentemente era necessário que o público estivesse preparado para aceitar uma nova for-
ma de ver e, principalmente, de ouvir, antes de aceitar parâmetros estéticos e técnicos tão dife-
rentes. Essa preparação foi engendrada pela nova escuta concreta que começou a germinar nas
décadas anteriores e que modificou a relação desse imaginário com os objetos ao nosso redor.

A paisagem sonora
Com a modificação do cotidiano das grandes cidades, a partir de processos como a indus-
trialização e a urbanização, modifica-se também o que Murray Schafer chama de “paisagem sono-
ra”. Com o surgimento de incontáveis novos sons no contexto urbano, com o congestionamento
sonoro, com o hiperestímulo causado por novas dinâmicas sociais, novas formas de energia, um
apelo à velocidade como forma de se relacionar com o mundo, surge o que Schafer chama de paisa-
gem lo-fi (baixa fidelidade). Nesta paisagem não podemos distinguir com clareza os sons separados
do ruído ambiental. Há uma grande massa que nos cerca e delimita espaços, cria paredes sonoras
“encerrando o indivíduo com aquilo que lhe é familiar e excluindo o inimigo” (Schafer, 2001: 137).
O ambiente é visto como algo hostil e o som serve como delimitação de espaços. Em contraparti-
da, a paisagem hi-fi se apresenta em ambientes como o rural, em que seria possível uma relação
mais harmônica entre os diversos elementos sonoros presentes. A Revolução Industrial, para Scha-
fer, seria responsável pelo surgimento da paisagem lo-fi. Um dos desdobramentos da Revolução
Industrial, a Revolução Elétrica, tenderia a obscurecer ainda mais os sons naturais e humanos,
por conta de sua possibilidade de ampliar e modificar esse universo através da eletricidade. A
energia elétrica permitia “acondicionar sons e transmiti-los esquizofonicamente através do tem-

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po e do espaço para viverem existências amplificadas ou multiplicadas” 7 (Schafer, 2001: 107). 7 Jonathan Sterne critica
o conceito de esquizofo-
Se o som de uma engrenagem era algo novo à época da Revolução Industrial, ainda assim nia defendida por Scha-
fer. Para Sterne, a idéia
referia-se a um objeto visível. Ao separarmos a idéia do que se ouve da idéia de algo que tam- de esquizofônico traz
uma conotação negativa
bém se vê, criando um espaço acusmático, é necessária a constituição de uma nova audibilida- do som separado de sua
fonte. Isso seria por conta
de. Novas técnicas de escuta são conformadas e conformam novas tecnologias de reprodução de uma excessiva valo-
sonora. Os ruídos de máquinas e a energia a vapor estimularam a assimilação de novos mate- ração da comunicação
presencial e da oralidade
riais e formas de energia nos séculos XVIII e XIX por parte da população urbana. A eletricidade como parâmetros de
análise dos processos
tornou menos claros os limites e as relações de causalidade entre esses objetos físicos e suas de escuta. Sterne chama
de litania audiovisual
representações sonoras. Os novos meios de transporte e de comunicação, as redes elétricas, o um discurso que opõe a
audição à visão, presente
telégrafo, aproximavam pontos distantes. Aceleravam o ritmo das relações sociais. O som, por em autores como Walter
inscrever a imagem no tempo, confere à modernidade uma maior velocidade, um ritmo frené- Ong (Cf. Oralidade e
Cultura Escrita).
tico. A sociedade é inserida, através dos sons, em um novo tempo, repleto de novos sentidos.
Seguindo a lógica de Schafer, que percebe uma Revolução Elétrica dando continuidade
a uma série de mudanças estabelecidas pela Revolução Industrial, podemos propor algo como
uma Revolução Eletrônica. Após terem sido destacados de suas fontes geradoras no tempo e no
espaço, os sons passam a adquirir uma independência ainda maior dessa origem declarada. As
tecnologias de gravação e edição cristalizaram um objeto sonoro, percebido para além de uma
linguagem musical. As tecnologias de síntese, modelagem e, posteriormente, numerização dos
sons, abolem de vez qualquer relação necessária entre esse objeto sonoro e os corpos que os
produziram. Não que não haja mais uma relação possível entre fonte e som, mas ela se tornou
fluida e cada vez mais subjetiva. Muitos sons foram acrescentados à paleta criada pela Revolu-
ção Elétrica. As possibilidades de transformação desses sons em algo menos reconhecível au-
mentaram enormemente e, mais importante, essa flexibilidade do objeto sonoro naturalizou-se
em nosso dia-a-dia. Modificar sons eletronicamente a partir de seus parâmetros físicos é, hoje,
uma atitude corriqueira. Eles passaram a ser matéria de manipulações e transformações radi-
cais. A escuta cotidiana submete-se a uma quantidade cada vez maior de novos elementos, não
mais atrelados ao mundo real e orgânico. Esse conjunto de sons constitui uma nova paisagem
que reflete o tempo e o espaço específico em que vivemos e que é, inevitavelmente, vinculado a
um discurso tecnocientífico. Nossa percepção do mundo audível é constantemente realimenta-
da por novas informações, por novos objetos sonoros de cada vez mais fácil assimilação. A rein-
venção eletrônica desses signos sonoros os retira de seu espaço comum, criando novos espaços.
Essa paisagem sonora atual vale-se de uma relativização dos que Chion chama de ín-
dices de materialização, para produzir novos significados, novas leituras. O vocabu-
lário aumentou, mas não apenas isso. A semântica (como são produzidos novos senti-
dos na relação entre sons e objetos visíveis ou apenas entre sons) modernizou-se. É ne-
cessário compreender como funcionam essas novas relações entre o visível e o audível.

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Precisamos estudar como se ouve e como se cria, através desses novos sons, o mundo atual.

A indústria cultural e a inteligência coletiva


Adorno e Horkheimer apresentam a indústria cultural como fator de massificação. Para eles o
cinema e o rádio, por exemplo, não passariam de um negócio que utiliza a arte como uma ideologia para
legitimar o seu produto: “o mundo inteiro é obrigado a passar pelo filtro da indústria cultural” (Adorno;
Horkheimer, 1985: 104). A perfeição com que as técnicas duplicam os objetos empíricos criaria a ilusão
de que o mundo exterior é um prolongamento sem rupturas do mundo que se descobre na obra de arte.
Podemos, por um lado, encarar essa idéia de indústria cultural como realmente objetivan-
do uma uniformização de gostos e comportamentos. Mas também devemos levar em considera-
ção uma crescente pulverização dos meios de comunicação. Mais do que a padronização conde-
nada por Adorno e Horkheimer, esses meios podem influenciar, mas também ser influenciados
pelas manifestações culturais. Além disso, as tecnologias criam novas leituras do que os auto-
res citados chamam de objetos empíricos. A quantidade de produtores de informação e diferen-
tes opiniões cresce em ritmo acelerado. Quando esses produtores lidam com objetos tão flexíveis
como os que constituem essa nova paisagem sonora, abrimos um leque de interpretações bem
mais vasto. Muito da percepção do mundo modificou-se junto com a paisagem sonora eletrônica.
A possibilidade de retomarmos a qualquer momento um trecho de uma gravação e mo-
dificá-lo, combinando-o a outros elementos heteróclitos, nos aponta um caminho bastan-
te amplo e diversificado no que diz respeito à criação. O fato de que, nesses moldes, a questão
da autoria se torna secundária, também nos faz pensar em como nos afastamos da obra fecha-
da. Compartilhamos de um fazer conjunto, ou, como quer Pierre Lévy, uma inteligência coleti-
va, responsável por um hipercorpo híbrido e mundializado, do qual ninguém tem o controle.
O tratamento do objeto sonoro como signo, dotado de imanência, desvinculado de uma es-
crita prévia vai compondo um discurso onde cada parte da obra é passível de infinitas reproduções
e releituras por essa inteligência coletiva. O esmaecimento das relações entre compositor e objeto
artístico coloca em xeque a questão da autoria. A tecnologia virtualiza o instrumento, a virtuali-
zação do instrumento virtualiza o gesto humano, a inteligência coletiva virtualiza o autor. Mais do
que isso, em tempos de sons descorporificados, o gesto musical perde sua referência. A interação
do intérprete com seu instrumento, nos moldes como isso era feito até então, perde força quando a
performance eletrônica dispensa corpos. Um simples dispositivo pode guardar e executar sozinho e
automaticamente o que necessitaria de dezenas de músicos. Também a idéia do artista é relativiza-
da. Podemos citar alguns exemplos onde o corpo é dispensado em favor da performance maquínica.
Os componentes da banda Kraftwerk nunca foram afeitos à celebração de sua personalidade indivi-
dual. Esse tratamento é muito comum no universo pop e erudito, mas não agrada aos quatro músi-
cos alemães. Há momentos em suas apresentações em que eles são substituídos no palco por bone-

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cos, autômatos, reproduzindo movimentos de caráter puramente imitativo e rudimentar. A máqui-


na, agora, é responsável pela performance. O duo francês Daft Punk esconde-se sob capacetes que
remetem a um universo futurista. Mesmo em Electroma, experiência cinematográfica totalmente
sem palavras, produzida pela dupla em 2006, é abordada a questão da individualidade (humano)
versus coletivo (maquínico). A banda virtual Gorilazz é composta por personagens de animação,
desenhos. Mesmo nas apresentações ao vivo, os verdadeiros instrumentistas não aparecem no pal-
co, permanecendo atrás de uma cortina. Praticamente um retorno à acusmatização pitagórica.
Arlindo Machado alerta para o perigo de uma visão tecnicista da obra de arte. “Um dos
papéis mais importantes da arte numa sociedade tecnocrática é justamente a recusa sistemáti-
ca de submeter-se à lógica dos instrumentos de trabalho ou de cumprir o projeto industrial das
máquinas semióticas, reinventando as suas funções e finalidades” (Machado, 2001: 46). Não que
as máquinas semióticas assumam o controle da criação artística, mas elas enredam meios pelos
quais o sujeito, o intérprete, o autor assume dimensões expandidas. “A virtualização do corpo
não é, portanto, uma desencarnação mas uma reinvenção, uma reencarnação, uma multiplicação,
uma vetorização, uma heterogênese do humano” (Lévy, 1996: 33). O autor transcende o indivíduo.
Diferente do processo de imagem de síntese, onde a sombra do objeto real persis-
te, a produção ou transformação de sons por novas tecnologias cria novas relações desse som
com essa realidade, muitas vezes prescindindo desses mesmos objetos reais, potencializan-
do ou mesmo reinventando a própria linguagem. É como se a imagem gerada artificialmen-
te necessitasse de um referente empírico para conferir-lhe autenticidade. No caso do som isso
não acontece. Ao contrário, muitas vezes é preferível que não haja um contexto real para
comparação. É desejável um descolamento do empírico para a criação de um novo objeto.
É tempo de avaliarmos até que ponto apenas a indústria cultural ainda controla as interven-
ções do público sobre a paisagem sonora contemporânea e em que medida se dá justamente o oposto.

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Expediente
CoMtempo
Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero
São Paulo, v.1, n.1, dez.2009/maio 2010

A revista CoMtempo é uma publicação científica semestral em formato eletrônico do Programa de Pós-graduação em Comuni-
cação Social da Faculdade Cásper Líbero. Lançada em novembro de 2009, tem como principal finalidade divulgar a produção
acadêmica inédita dos mestrandos e recém mestres de todos os Programas de Pós-graduação em Comunicação do Brasil.

Presidente da Fundação Cásper Líbero


Paulo Camarda

Diretora da Faculdade Cásper Líbero


Tereza Cristina Vitali

Vice-Diretor da Faculdade Cásper Líbero


Welington Andrade

Coordenador da Pós-Graduação
Dimas Antônio Künsch

Editor
Walter Teixeira Lima Junior

Comissão Editorial
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Luis Mauro de Sá Martino (Faculdade Cásper Líbero) * Maria Goreti Frizzarini (Faculdade Cásper Líbero)
Liráucio Girardi Junior (Faculdade Cásper Líbero) * Walter Teixeira Lima Júnior (Faculdade Cásper Líbero)

Conselho Editorial
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