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LEI DE MIGRAÇÃO

NOVO MARCO JURÍDICO RELATIVO


AO FLUXO TRANSNACIONAL DE
PESSOAS
PAULO HENRIQUE FARIA NUNES

LEI DE MIGRAÇÃO
NOVO MARCO JURÍDICO RELATIVO
AO FLUXO TRANSNACIONAL DE
PESSOAS

Goiânia
Edição do Autor
2017
Copyright © Paulo Henrique Faria Nunes

Nunes, Paulo Henrique Faria


Lei de Migração: novo marco jurídico relativo ao fluxo transnaci-
onal de pessoas / Paulo Henrique Faria Nunes / Goiânia: Edição do
Autor, 2017.
241p.
ISBN 978-

1. Direito internacional público. I. Título


CDU 341

Paulo Henrique Faria Nunes – advogado, professor e pesquisador na


PUC Goiás e na Universidade Salgado de Oliveira (campus Goiânia).
Bacharel em Direito (Universidade Federal de Goiás – UFG), especia-
lista em Relações Internacionais (PUC Goiás), mestre em Geografia
(UFG), doutor em Ciências Políticas e Sociais (Université de Liège, Bél-
gica).
E-mail: phfnunes@gmail.com
Dedico este livro à memória de meus avós pa-
ternos, Joaquim e Arlinda, migrantes – hospe-
deiros do progresso – que deixaram Bahia e
Minas Gerais para se estabelecer em uma ci-
dade-sede da Fundação Brasil Central (Tor-
res do Rio Bonito) no longínquo interior de
Goyaz.
Chi scorge in ogni straniero un probabile avversario, chi
cerca la sua sicurezza solo in una serie alternata di ostilità
(secondo la massima: “il mio vicino è mio nemico, ma il
vicino del mio vicino è mio amico”), chi opina che la
propria maggior grandezza dipenda non dall’elevazione
per virtù propria, ma dall'abbassamento altrui, è in uno
stato d'animo simile a quello dei barbari primitivi, che – se
dovesse prevalere – condurrebbe certamente a nuove
guerre e a nuove catastrofi. [...]
D’altra parte, un vacuo e fatuo internazionalismo, che
presuma de recidere le radici di sentimenti ingeniti
nell’animo umano, e di sopprimere in ispecie l’amor della
patria, non solo è teoricamente erroneo, ma è praticamente
non attuabile, per il continuo e necessario risorgere di un
sano e legittimo sentimento nazionale. I doveri verso la
patria sono altrettanto sacri quanto quelli verso l’umanità
(Giorgio Del Vecchio, 1878-1970).


Excertos do artigo Intorno agli Stati Uniti d’Europa, publicado originalmente
na Rivista Internazionale di Filosofia del Diritto (n. 3, 1952). O texto em
espanhol compôs a obra DEL VECCHIO, Jorge. Persona, Estado y Derecho.
Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1957:
“Quien encuentra en todo extranjero un probable adversario que rodea su segu-
ridad con una serie alternativa de hostilidades conforme a la máxima: “mi ve-
cino es mi enemigo”; quien opinando que la mayor grandeza depende no de la
elevación por virtud propia, sino del abatimiento del otro, se encuentra en un
estado de ánimo parecido al de los primitivos bárbaros, que de prevalecer con-
duciría ciertamente a nuevas guerras y a nuevas catástrofes. […]
De otra parte, un vacuo y fatuo internacionalismo, que presuma de cortar las
raíces de sentimientos ingénitos en el alma humana y de suprimir en especial el
amor a la patria, no sólo es teóricamente erróneo, sino que es prácticamente
irrealizable por el continuo y necesario resurgir de un sano y legítimo senti-
miento nacional. Los deberes hacia la patria son tan sacros como los que se
tienen hacia la humanidad” (p. 557-558).
PRIMEIRAS PALAVRAS

Ser professor universitário e pesquisador no Brasil – um país


que relegou ao conhecimento e à ciência a condição de apátrida e per-
sona non grata –, principalmente em instituições privadas, é uma ativi-
dade que exige trânsito, muito trânsito... ser migrante pendular. Equili-
brar-se em mais de um emprego ou atividade profissional; migrar; mu-
dar; correr; procurar asilo temporal em algum lugar entre a efemeri-
dade caótica da vida e a eternidade tranquila e mórbida de um minuto
de silêncio; sonhar com um refúgio onde encontrar paz, reconhecimento
e remuneração digna. E ainda conservar humanidade para compade-
cer-se e solidarizar-se com os professores do ensino médio e fundamen-
tal.
Escrever um livro em tais condições de trabalho não é nada fá-
cil. Talvez o ofício do autor o tenha levado, inconscientemente, a se in-
teressar pelo tema. Além disso, sua origem, condição pessoal e legado:
descendente de migrantes, migrante, pai de migrante.
Pensar a migração é refletir sobre a história do Brasil, das
Américas, do Mundo – colonização, escravidão, urbanização, busca por
riquezas minerais, expansão da fronteira agrícola, marcha para o
Oeste, ocupação da Amazônia, biopirataria, guerras, globalização. Não
se trata de um objeto de investigação desconectado da realidade. Os
migrantes estão no cotidiano partout et d’ailleurs... o grande investidor,
o feirante, o diretor de uma multinacional, o mendigo. Assim como o
Egito deixou de ser negro e se tornou árabe, acredita-se que uma por-
ção significativa do atual “Primeiro Mundo” se tornará morena em um
Paulo Henrique Faria Nunes

futuro não muito distante. As normas concernentes à migração são


apenas um pequeno recorte de um tema sobre o qual se dedicam dife-
rentes áreas da ciência e das artes. Este livro é sobre a Lei de Migração
(LDM), mas a compreensão do seu objeto de regulação extrapola lar-
gamente as questões jurídicas formais. Ler a LDM é fácil; compreender
verdadeiramente o que ela disciplina – às vezes bem, às vezes mal –
requer um olhar e uma percepção antropológica, social, política, espa-
cial (local, regional, internacional), histórica, econômica. Recomenda-
se, então, especialmente aos estudantes de Direito – submetidos a um
ambiente cada vez menos acadêmico e científico –, a leitura de textos
não contaminados pelo legalismo ou “juridiquês” exacerbado e não
aceitar as fronteiras impostas por resumos e sinopses, literatura predo-
minante no país.
Sem encontrar o apoio institucional que viabilizasse esta jornada em
sua terra natal, o autor – tal qual o genovês que vende sua ciência aos
reis de Espanha – levou sua pena para outros ventos e se aventurou
como editor da própria obra.

Paulo Henrique Faria Nunes


Cf. BOILLOT, Jean-Joseph; DEMBINSKI, Stanislas. Chindiafrique: la
Chine, l’Inde et l’Afrique feront le monde de demain. Paris: Odilon Jacob,
2013.

10
INTRODUÇÃO

Há muito se discute a necessidade de atualização da legislação


brasileira relativa aos estrangeiros. O Estatuto do Estrangeiro (EE – Lei
6.815/1980), regulamentado pelo Decreto 86.715/1981, foi concebido
durante o regime militar. Além disso, parte de seu conteúdo não foi re-
cepcionado pela ordem constitucional vigente, fenômeno repetido insis-
tentemente na jurisprudência dos tribunais pátrios.
Para o EE, a imigração era, sobretudo, uma questão de segu-
rança nacional concebida sob um viés utilitarista1. Atualmente, con-
quanto a preocupação com a ordem política e social interna seja natural
em todo e qualquer país, os fluxos migratórios (imigração e emigração)
são vistos sob uma perspectiva humanitária. O imigrante, antes visto
como uma possível ameaça, agora é objeto de proteção, mormente nas
situações de conflitos armados, perseguições contra grupos minoritários
e tráfico de pessoas. O emigrante, muitas vezes encarado como um de-
sertor ou um traidor, passou a ser considerado, de um lado, vítima da
precariedade da estrutura de bem-estar social e, de outro, um agente que
contribui para o desenvolvimento, seja por meio do envio de divisas ori-
undas de seu labor legal ou ilegal em terras estrangeiras, seja pela ob-
tenção de know-how em universidades ou indústrias.
Ao longo das últimas décadas, o Brasil aderiu a importantes tra-
tados de proteção dos direitos humanos e aprovou leis adequadas a esse
novo cenário (v.g. Convenção Americana de Direitos Humanos; Proto-
colo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organi-
zado Transnacional Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por
Via Terrestre, Marítima e Aérea; Protocolo Adicional à Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à

1
Cf. o parágrafo único o art. 16 do EE.
Paulo Henrique Faria Nunes

Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial


Mulheres e Crianças; Acordo sobre Tráfico Ilícito de Migrantes entre os
Estados Partes do Mercosul; Lei 9.474/1997 – Mecanismos para a im-
plementação do Estatuto dos Refugiados; Lei 13.344/2016 – Prevenção
e Repressão ao Tráfico Interno e Internacional de Pessoas e sobre Me-
didas de Atenção às Vítimas). Entretanto, questões concernentes às re-
gras sobre concessão de vistos ou à retirada compulsória de estrangeiros
e cooperação interestatal merecem ser atualizadas. Nos últimos anos,
dois projetos de lei ganharam destaque: o Novo Estatuto do Estrangeiro
(PL 5.655/2009) e a Lei de Migração (PLS 288/2013; PL 2.516/2015).
O segundo desses projetos foi aprovado pelo Senado em julho de 2015
e pela Câmara dos Deputados, com algumas modificações, em dezem-
bro de 2016. A matéria foi aprovada definitivamente em 24 de maio de
2017 e publicada como Lei 13.445. O acompanhamento dessas discus-
sões e das mudanças trazidas pela Lei de Migração (LDM) é relevante
para advogados, servidores públicos, estudantes, organizações não go-
vernamentais e demais setores da sociedade que lidam com assuntos
concernentes a estrangeiros no Brasil e brasileiros no exterior.
O projeto original da LDM, de autoria do senador Aloysio Nu-
nes Ferreira, tinha apenas 65 artigos, número bem inferior ao texto final
aprovado em 2017 (125). A proposta inicial não objetivava disciplinar a
assistência penal internacional por entender que, a exemplo de outros
países, a cooperação judiciária seria melhor disciplinada em uma lei pró-
pria2. Por conseguinte, excluía-se do objeto da LDM a extradição e os
institutos a ela correlatos (transferência de condenados e transferência
de execução de pena). Entretanto, no decorrer da discussão no Senado,
as medidas de cooperação foram incluídas no projeto. Outro aspecto do
texto original que merece ser destacado é a inserção do emigrante brasi-
leiro na Previdência Social. Lê-se na justificação do PLS 288/2013:

O trabalhador brasileiro no exterior contribui com a remessa de bilhões


de dólares por ano, sem ser resguardado com nenhuma política nacio-
nal. O presente projeto pretende garantir ao emigrante a opção de con-

2
Cita-se como exemplo a Ley de Cooperación Penal Internacional da Argen-
tina (Ley 24.767/1997). Cf. também a Ley 25.871/2004 (Política Migratoria
Argentina).

12
Lei de Migração: novo marco jurídico relativo ao fluxo transnacional de pessoas

tribuição retroativa referente ao período trabalhado no exterior. Para-


lelamente, incentiva-se a celebração de acordos bilaterais para valida-
ção, perante a Previdência brasileira, do tempo de trabalho formal no
exterior, aproveitando, com isso, as contribuições recolhidas em favor
do sistema previdenciário estrangeiro.

Em sua fase embrionária, o projeto visava modificar a Lei sobre


os Planos de Benefícios da Previdência Social (Lei 8.213/1991), a fim
de assegurar ao trabalhador brasileiro no exterior o direito à inscrição
retroativa como segurado facultativo. Não obstante, após as muitas mo-
dificações, apenas uma referência breve e vaga sobre esse assunto restou
no art. 77.
Quando da análise da LDM na Câmara dos Deputados, o texto
sofreu algumas modificações de forma e estilo na sua redação. Além
disso, promoveram-se também mudanças de substância. Ressalta-se
aqui a inclusão da “proteção ao mercado de trabalho nacional” no rol de
princípios e diretrizes da Política Migratória Brasileira (art. 3.º, XXIII).
Lembra-se que o Estatuto do Estrangeiro fazia referência à “defesa do
trabalhador nacional” na parte final do art. 2.º. Entretanto o inciso XXIII
do art. 3.º foi eliminado quando a matéria foi novamente apreciada no
Senado3. Outro aspecto merecedor de atenção diz respeito à naturaliza-
ção. A LDM enumera expressamente as quatro categorias conforme no-
menclatura já empregada pelos órgãos oficiais e pela doutrina: ordiná-
ria, extraordinária, especial e provisória).
Destaca-se que, além da extradição, a LDM contempla a trans-
ferência de execução da pena e a transferência de pessoas condenadas
dentre as medidas de cooperação. No tocante à saída compulsória do
estrangeiro, o novo diploma legal disciplina claramente a repatriação,
evitando-se a confusão desse instituto com a deportação. Quanto à ex-
pulsão, o legislador indicou um rol taxativo de situações que facultam a
determinação dessa medida e, diferentemente do Estatuto do Estran-
geiro, atribuiu-lhe caráter temporário. O art. 116 do texto aprovado pelo
Congresso Nacional previa que as expulsões decretadas antes da entrada

3
Segundo o art. 219 da Constituição Federal, “[o] mercado interno integra o
patrimônio nacional”, embora não haja referência explícita ao trabalhador bra-
sileiro.

13
Paulo Henrique Faria Nunes

em vigor da Constituição Federal de 1988 seriam revogadas, mas o Pre-


sidente da República vetou tal dispositivo4. O Executivo também vetou
a anistia geral aos imigrantes ilegais que entraram no país até o dia 6 de
julho de 2016 (118). O novo marco normativo também alterou o nome
do registro nacional de estrangeiros para registro nacional migratório.
A aplicação de certos aspectos da LDM depende de regulamen-
tação. Espera-se que, a exemplo do que ocorre nos últimos anos, muitos
assuntos serão disciplinados por atos infralegais (v.g. portarias, resolu-
ções), o que exige do profissional que atua na área um acompanhamento
constante da normativa do Ministério da Justiça e do Ministério do Tra-
balho e a consulta a atos relacionados à prestação do serviço consular,
mormente o Manual do Serviço Consular e Jurídico do Ministério das
Relações Exteriores.
Destaca-se, enfim, que a aprovação da nova lei não é um fenô-
meno isolado. Nas últimas décadas, as migrações ganharam proeminên-
cia na agenda de organismos globais e regionais. Embora a sociedade
internacional não tenha chegado a um tratado global relativo à mobili-
dade humana, princípios e recomendações sobre migrantes, refugiados
e grupos em situação de vulnerabilidade estão sendo gradativamente in-
corporados à legislação interna de vários países. Apesar do endureci-
mento das políticas migratórias, da ascensão de partidos e movimentos
nacionalistas (v.g. WASP, neonazismo, vira-lata etnocrata) e de um
crescente xenofobismo, principalmente nos países mais desenvolvidos,
grande parte da América Latina aprovou nova leis migratórias desde me-
ados dos anos 1990: Paraguai (Lei 978/1996 e Decreto 4483/2015 – Po-
lítica Nacional Migratoria); Argentina (Lei 25.871/2004); Venezuela
(Ley de Extranjería y Migración, 2004); Uruguai (Lei 18.250/2008);
Colômbia (Lei 1.465/2011 – Sistema Nacional de Migraciones); México
(Ley de Migración, 2011); Bolívia (Lei 370/2013 – Ley de Migración);

4
As razões dos vetos se encontram na Mensagem 163 de 24 de maio de 2017.
Esta é a relação dos itens eliminados do texto aprovado pelo Congresso Nacio-
nal: inciso I do § 1.º do art. 1.º; § 2.º do art. 1.º; §§ 2.º, 3.º e 4.º do art. 4.º;
parágrafo único do art. 6.º; § 10 do art. 14; alínea d do inciso II art. 30; inciso
II do § 1.º do art. 30; parágrafo único do art. 37; inciso IV do art. 40; art. 44; §
5.º do art. 49; alínea e do inciso II do art. 55; incisos I e IV do art. 66; art. 74; §
3.º do art. 105; § 4.º do art. 113; art. 116; art. 118; última linha do anexo (Tabela
de Taxas e Emolumentos Consulares).

14
Lei de Migração: novo marco jurídico relativo ao fluxo transnacional de pessoas

Equador (Ley Orgánica de Movilidad Humana, 2017), Peru (Decreto


Legislativo 1.350/2017). Esse movimento tende a ganhar mais força
com a Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes, adotada
pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 19 set. 2016 (Resolução
71/1). Essa “harmonização legislativa” pode ser o indício de uma acei-
tação da validade jurídica de princípios constantes em instrumentos não
convencionais (resoluções de organismos intergovernamentais regionais
e globais) e a conformação de novos costumes regionais. Quiçá, as mi-
grações transnacionais venham ser disciplinadas futuramente por uma
hard law costumeira latino-americana.
Evidentemente, a América Latina não é o destino mais procu-
rado por migrantes internacionais. Conforme dados das Nações Unidas,
a região abrigava somente 9 milhões dos 244 milhões de migrantes em
2015. A Europa e a Ásia abrigam dois terços desse contingente superior
à população brasileira (76 milhões e 75 milhões respectivamente), se-
guidos por América do Norte (54 milhões) e África (21 milhões)5. O
número de migrantes na América Latina só não é inferior aos da Oceania
(8 milhões). Não obstante, a adequação da legislação aos principais ins-
trumentos internacionais de direitos humanos é uma necessidade. No
Brasil, em particular, não se trata apenas de uma adequação da legisla-
ção às normas internacionais, mas à própria Constituição.
A aprovação da Declaração de Nova Iorque é um grande
avanço, mas não encerra o debate concernente aos direitos de migrantes
e refugiados. Pouco após sua adoção o Representante Especial do Se-
cretário-Geral para Migração Internacional e Desenvolvimento, Peter
Sutherland, publicou um relatório (A/71/728) com recomendações para
gerir melhor a cooperação internacional e propôs formas de reforçar a
atuação da ONU no que concerne à migração. Na sequência, o Secretá-
rio-Geral António Gutierres nomeou a substituta de Peter Sutherland,
que ocupava a função desde 2006, a canadense Louise Arbour. A nova

5
Cf. UNITED NATIONS (Department or Economic and Social Affairs – Po-
pulation Division). Internatioinal migration report 2015. New York: United
Nations, 2016; UNITED NATIONS (Department or Economic and Social Af-
fairs – Population Division). Internatioinal migration report 2015: highlights.
New York: United Nations, 2016. Além dos relatórios da ONU, uma rica fonte
de dados relativos às migrações internacionais é OECD. International migra-
tion outlook 2016. Paris: OECD Publishing, 2016.

15
Paulo Henrique Faria Nunes

Special Representative coordenará os trabalhos preparatórios de uma


conferência intergovernamental sobre migração internacional a ser rea-
lizada em 2018. Percebe-se, assim, a disposição dos organismos inter-
nacionais em alcançar um instrumento convencional de âmbito global.
Analisam-se nas páginas seguintes os pormenores da Lei
13.445/2017, com seus defeitos (não tão poucos) e virtudes. Sempre que
possível, indicar-se-á um quadro comparativo entre o EE e a LDM.

16
SUMÁRIO

1 DA APLICAÇÃO DA LEI DE MIGRAÇÃO ........................ 19


1.1 Migração: Considerações Iniciais .................................... 20
1.2 Principais Órgãos Vinculados à Aplicação da Lei de
Migração ................................................................................ 24
2 LEI DE MIGRAÇÃO: ASPECTOS GERAIS, PRINCÍPIOS E
GARANTIAS............................................................................. 31
2.1 Dos Conceitos Elementares ............................................. 32
2.2 Princípios e Diretrizes da Política Migratória Brasileira . 34
2.3 Das Garantias do Migrante .............................................. 47
3 DO INGRESSO E DA PERMANÊNCIA DO ESTRANGEIRO
NO BRASIL............................................................................... 55
3.1 Documentos de Viagem ................................................... 56
3.2 Dos Vistos ........................................................................ 69
3.3. Da Residência ................................................................. 85
3.4 Asilo ............................................................................ 95
3.5 Refúgio ........................................................................ 97
ANEXO I – PONTOS DE FISCALIZAÇÃO DO TRÁFEGO
INTERNACIONAL NO BRASIL ....................................... 104
ANEXO II – LAISSEZ-PASSER EXPEDIDOS NO EXTERIOR
.............................................................................................. 110
4 DA RETIRADA COMPULSÓRIA DO ESTRANGEIRO DO
TERRITÓRIO NACIONAL .................................................... 115
4.1 Repatriação e Deportação .............................................. 116
4.2 Expulsão ......................................................................... 123
4.3 Extradição.................................................................. 136
4.4 Transferência de Pessoas Condenadas, Transferência de
Execução de Pena, Mandado de Captura ............................. 154
4.5 Entrega ao Tribunal Penal Internacional .................. 167
ANEXO I ............................................................................. 170
ANEXO II ............................................................................ 171
5 NACIONALIDADE ............................................................. 173
Paulo Henrique Faria Nunes

5.1 Espécies de Nacionalidade............................................. 174


5.1.1 Nacionalidade Originária ................................... 174
5.1.2 Nacionalidade Secundária....................................... 177
5.1.3 Atribuição da nacionalidade pela adoção .......... 187
5.2 Perda da Nacionalidade no Brasil ............................. 191
ANEXO – PORTARIA MJ 1.949, DE 25/11/2015 ............. 201
6 DO EMIGRANTE BRASILEIRO........................................ 213
ANEXO – QUADRO COMPARATIVO DO EE E DA LDM 223
BIBLIOGRAFIA ..................................................................... 233

18
1 DA APLICAÇÃO DA LEI DE MIGRAÇÃO

Antes de se adentrar propriamente na Lei de Migração (LDM),


discorre-se sobre sua aplicação. Analisa-se neste capítulo sua aplicação
no tempo e no espaço e, em seguida, apresentam-se os principais órgãos
a ela relacionados.
Segundo a Lei de Introdução às Norma de Direito Brasileiro
(Decreto-Lei 4.657/1942), a vigência de uma nova lei, no território na-
cional, se inicia quarenta e cinco dias após a data da publicação no Diá-
rio Oficial da União. A aplicação da norma brasileira no exterior, por
sua vez, somente começa três meses depois da publicação. O projeto de
lei aprovado inicialmente pelo Senado Federal previa uma vacatio legis
de um ano. Não obstante, na Câmara dos deputados, esse prazo foi re-
duzido para cento e oitenta dias (art. 125).
De acordo com a Constituição Federal (CF), a competência para
legislar sobre a matéria em estudo pertence à União (art. 22, XIII e XV).
Portanto, a regulamentação de questões concernentes a nacionalidade,
naturalização, emigração, imigração, extradição e expulsão de estran-
geiros diz respeito à lei federal. Frisa-se, porém, que, após a promulga-
ção mediante decreto do Presidente da República, os tratados internaci-
onais são incorporados ao ordenamento jurídico pátrio. Regra geral, eles
são equiparados às leis ordinárias. Entretanto, há casos excepcionais: os
tratados6 sobre direitos humanos aprovados em conformidade com o rito

6
Emprega-se aqui a palavra “tratado”. Contudo, esse termo é genérico e pode
ser substituído por uma gama considerável de sinônimos: convenção, acordo,
ato, convênio, protocolo, pacto, carta, estatuto, constituição, memorando.
Paulo Henrique Faria Nunes

necessário à aprovação das emendas à Constituição são a essas equipa-


rados (§ 3.º do art. 5.º); os demais tratados humanitários, consoante en-
tendimento do Supremo Tribunal Federal consolidado em 2008, são nor-
mas supralegais, isto é, ocupam uma posição hierarquicamente superior
às leis em geral, mas estão abaixo da Constituição. Em certas situações,
interpretam-se as normas internacionais em consonância com o princí-
pio da especialidade, de modo que, mesmo aprovados por maioria sim-
ples pelo Poder Legislativo, tais instrumentos têm aplicação preferencial
em relação às leis. No Brasil, muitas leis reconhecem expressamente
essa possibilidade (v.g. Código Tributário (Lei 5.172/1966), Código de
processo Civil, Código Penal, Código Aeronáutico, Lei 8.212/1991).
A LDM admite a supremacia dos tratados em diversos disposi-
tivos (art. 2.º; art. 3.º, XVIII; § 1.º do art. 4.º; art. 46; art. 47; art. 111;
art. 122). No entanto, aplica-se o princípio da especialidade, tanto em
relação à norma interna quanto à internacional, no que diz respeito a
regras sobre “refugiados, asilados, agentes e pessoal diplomático ou
consular, funcionários de organização internacional e seus familiares”
(art. 2.º). Além disso, a LDM adota como princípio a aplicação da regra
mais favorável7.

1.1 Migração: Considerações Iniciais


Migração é um tema multidisciplinar e multidimensional e, por
conseguinte, muitas áreas da ciência se dedicam direta ou indiretamente
ao fenômeno migratório e seus reflexos. No Direito, a matéria é disci-
plinada por regulamentos os mais variados, relacionados a diferentes es-
feras (Direito Internacional, Direito Humanitário, Direito Constitucio-
nal, Direito Administrativo, Direito Penal, Direito do Trabalho, Direito
Previdenciário, Direito Civil, Direito Aduaneiro, Direito Marítimo). O
número de acordos migratórios se torna, dia a dia, mais expressivo. Pro-
gramas de migração dirigida, livre trânsito de trabalhadores, acesso à
previdência social, harmonização de regras trabalhistas, cooperação
para o enfrentamento do tráfico de pessoas e outros delitos transnacio-
nais são assuntos que exigem um diálogo cada vez mais constante entre
normas internas e internacionais. Na esfera privada, a legislação civil

7
Cf. os arts. 111 e 122.

20
Lei de Migração: novo marco jurídico relativo ao fluxo transnacional de pessoas

não pode mais ignorar a dimensão internacional das questões matrimo-


niais e familiares. E não menos relevante é a necessidade de regular os
investimentos estrangeiros e a atividade das sucursais de grandes con-
glomerados econômicos. Esse caráter multifacetado dos problemas mi-
gratórios, principalmente no concernente aos fluxos transnacionais, nem
sempre é lembrado, o que abre brechas para a formulação e implemen-
tação de políticas inadequadas. Afinal de contas, é coerente discutir mi-
gração humana sem debater migração de capital e investimentos em um
mundo globalizado?
Atualmente, as normas destinadas ao controle de imigrantes
constituem um campo autônomo de estudo e/ou exercício profissional,
o Direito Migratório. Leis, tratados – bilaterais e multilaterais – e atos
infralegais (v.g. portarias, resoluções) integram esse ramo das ciências
jurídicas. O Direito Migratório é umbilicalmente ligado ao Direito In-
ternacional das Migrações. No entanto, o primeiro diz respeito ao terri-
tório de um único país; o segundo pode ter dimensão global ou regional
e, em certos momentos, este recorte especial mais preciso (regional) re-
vela um subsistema do Direito Comunitário (v.g. União Europeia, MER-
COSUL). A substituição do Estatuto do Estrangeiro pela Lei de Migra-
ção diz respeito ao regime migratório brasileiro, composto de fontes in-
ternas (leis, normas infralegais) e internacionais (tratados), mas interessa
igualmente a pessoas e governos estrangeiras e organismos internacio-
nais (v.g. OIT, ACNUR, OMI, MERCOSUL).
O tema central deste livro são as migrações internacionais. Po-
rém, não se pode ignorar que o fenômeno migratório também está ads-
trito às fronteiras nacionais. Fala-se, portanto, em migração interna e
internacional. Tanto uma quanto outra pode ser espontânea ou dirigida.
A migração espontânea, seja individual ou em grupo, decorre da inicia-
tiva da própria pessoa, ao passo que a dirigida é fruto de um programa
governamental ou intergovernamental. O Brasil já desenvolveu projetos
nacionais de migração dirigida e firmou tratados com o fim de estabele-
cer programas binacionais, como os acordos firmados com a Itália (em
1950 e 19608), Espanha (19609) e Japão (196010). Todos esses instru-
mentos apresentam definições dessas duas categorias. Transcrevem-se

8
Cf. os decretos de promulgação 30.824/1952 e 57.759/1966
9
Decreto de promulgação 53.998/1964.
10
Decreto de promulgação 52.920/1963.

21
Paulo Henrique Faria Nunes

abaixo os artigos 3.º e 7.º do Acordo sobre Migração e Colonização


Brasil-Japão:

Art. 3.º A migração espontânea é a que se opera por livre iniciativa e


às expensas dos migrantes, que considerados individualmente, quer
coletivamente, em conjunto familiar ou grupo de famílias, devendo fi-
car inteiramente submetida às disposições das leis ordinárias que, a
respeito, vigorarem em um outro país.
..............................................................................................................
Art. 7.º A migração dirigida far-se-á através de um plano estabelecido
de comum acordo e sob a responsabilidade das Altas Partes Contratan-
tes

Normalmente, espera-se que migrar seja um ato voluntário. Não


obstante, a migração forçada acompanha a humanidade desde os perío-
dos mais remotos. Guerras, catástrofes naturais, projetos econômicos e
obras de infraestrutura são alguns elementos que ocasionam a saída in-
voluntária. O migrante busca a manutenção ou a melhoria de seu padrão
de vida. O deslocado11 e o refugiado deixam seu local de origem por
uma questão de sobrevivência ou por um motivo alheio à sua vontade
(v.g. remoção de pessoas em virtude da construção de uma barragem
para geração de energia elétrica; retirada de famílias de áreas de ocupa-
ção irregular). Chama-se ainda a atenção para a situação de vulnerabili-
dade socioeconômica que favorece o tráfico de pessoas. A prática desse
delito, conforme o Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Puni-
ção do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, é irrele-
vante para a caracterização do crime. Portanto, desdobra-se o consenti-
mento do migrante em duas categorias: pleno e viciado.
A migração, por diversas vezes, ocupou papel de destaque em
projetos governamentais brasileiros. Citam-se o incentivo à imigração

11
O Cuadernillo de Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos
Humanos n. 3 (disponível em http://www.corteidh.or.cr/sitios/libros/to-
dos/docs/desplazados6.pdf) foi dedicado especialmente aos desplazados. O n.
2 dessa publicação institucional aborda o tema migrantes (disponível em
http://www.corteidh.or.cr/sitios/libros/todos/docs/migrantes4.pdf).

22
Lei de Migração: novo marco jurídico relativo ao fluxo transnacional de pessoas

europeia nos séculos XIX e XX12, a transferência da capital para o inte-


rior do território nacional – prevista na primeira Constituição republi-
cana (1891) –, o Plano de Valorização Econômica da Amazônia (Lei
1.806/1953), Programa para o Desenvolvimento do Cerrado (POLO-
CENTRO – 1975-1982) e o Programa Cooperativo Nipo-Brasileiro para
o Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER). A Constituição de 1988
admitiu implicitamente a promoção da migração forçada, resultado do
Acordo Relativo ao Recrutamento, Encaminhamento e Colocação de
Trabalhadores na Amazônia, firmado com os EUA em 194313.
Sem a intenção de exaurir o assunto, apresenta-se abaixo um
quadro com a classificação das migrações segundo diferentes critérios:

CLASSIFICAÇÃO DAS MIGRAÇÕES


Dimensão Nacional/Interna (local, regional)
Espacial Internacional
Dimensão Individual
Numérica Grupal
Iniciativa Espontânea
Dirigida (governamental ou intergovernamental)
Consenti- Voluntária Consentimento pleno (migração stricto sensu)
mento Consentimento viciado (situação de vulnerabi-
lidade – vítimas de tráfico de pessoas)
Forçada (deslocados e refugiados)
Legalidade Legal
Ilegal (indocumentado, clandestino, irregular, sans-papiers)

12
VOLKMER, Márcia Solange. Os Estados nacionais, a fronteira e o incentivo
à imigração europeia na Argentina e no Brasil no século XIX. In: SCHEIDT,
Eduardo; GUTIÉRREZ SANJUÁN, Luis; ARAÚJO, Elian (Org.). Integração
na América Latina em perspectiva interdisciplinar. Curitiba: Prismas, 2017, p.
263-292.
13
O art. 54 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias prevê o paga-
mento de pensão vitalícia aos seringueiros (“soldados da borracha”) que traba-
lharam na extração de látex durante a Segunda Guerra Mundial. Para mais in-
formações sobre esse episódio da história brasileira, cf. SECRETO, María Ve-
rónica. A ocupação dos “espaços vazios” no governo Vargas: do “Discurso do
Rio Amazonas” à saga dos soldados da borracha. Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, n. 40 (jul.-dez.), p. 115-135, 2007.

23
Paulo Henrique Faria Nunes

CLASSIFICAÇÃO DAS MIGRAÇÕES


Tempo Temporária (v.g. pendular (moradores de cidades-dormitó-
rio), sazonal
Permanente

Destaca-se, por último, que problemas internos podem suscitar


a responsabilidade internacional do Estado. Os órgãos do Sistema Inte-
ramericano de Direitos Humanos já se pronunciaram várias vezes sobre
direitos de migrantes e remoção de populações – mormente indígenas14
– em virtude de conflitos internos, bem como da construção de barragens
para a geração de energia elétrica. A migração forçada também pode
configurar um “crime contra a humanidade” se cometida no quadro de
um ataque generalizado ou sistemático15. O Estatuto do Tribunal Penal
Internacional faz menção expressa à deportação ou transferência for-
çada de uma população, entendida como o “deslocamento forçado de
pessoas, através da expulsão ou outro ato coercivo, da zona em que se
encontram legalmente, sem qualquer motivo reconhecido no direito in-
ternacional” (art. 7.2.d).

1.2 Principais Órgãos Vinculados à Aplicação da Lei


de Migração
Ao Poder Público Federal compete “executar os serviços de po-
lícia marítima, aeroportuária e de fronteiras” (art. 21, XXII, da CF. As
competências da União enumeradas na Carta Magna são distribuídas

14
Segundo o § 5.º do art. 231 da Constituição Federal, “[é] vedada a remoção
dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Na-
cional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população,
ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional,
garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco”.
Esse dispositivo é, sem dúvida, relevante. No entanto, a expressão “no interesse
da soberania do País” permite interpretações variadas e, sem o cuidado devido,
abre margem para medidas arbitrárias.
15
Cf. o caput do art. 7.º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, promul-
gado no Brasil por meio do Decreto 4.388/2002.

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