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Antônio Leote Arraes de Alencar
(1221293)
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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio)
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De novo, o novo cinema pernambucano
pernambucano contemporâneo
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Orientador: Prof. Gustavo Chataignier
(COM 1905)
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Rio de Janeiro, 29 de Novembro de 2017
AGRADECIMENTOS
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Ao Departamento de Comunicação da PUC-Rio, pelo curso.
Ao meu saudoso pai, Carlos Augusto, por me ensinar os verdadeiros valores da vida.
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Sumário
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Introudução...........................................................................................................................página 1
pernambucana…………………………………………………………………………….página 16
Conclusão...........................................................................................................................página 38
Bibliografia.........................................................................................................................página 41
Filmografia.........................................................................................................................página 42
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Introdução
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Polo efervescente da cultura regional, o estado de Pernambuco ocupa uma posição de
destaque no cinema brasileiro contemporâneo. Fora do eixo Rio-São Paulo, onde estão
início do milênio se distinguiu por uma linha de abordagem regionalista, revisitando e atribuindo
nova significação a um espaço vital para a segunda fase do Cinema Novo — o sertão brasileiro.
Palco de obras que se opunham à produção cinematográfica industrial, o solo arenoso e rachado
independente no Brasil. Para além do caráter genuíno do local, intocado pela urbanização,
reuniam-se nele imagens e signos tipicamente brasileiros: a literatura de cordel, moradas de pau
personagens folclóricos como Antônio Conselheiro, Lampião, Maria Bonita, Padre Cícero e
Corisco.
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O espaço recorrente no Cinema Novo retorna às telas no filme “Baile Perfumado” (Paulo
pernambucano”. O filme faz uma releitura do sertão sobre a influência ‘pop’, advinda do
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internet. Usando como base o texto de Stuart Hall “A Identidade na Pós-Modernidade”,
pretende-se identificar e analisar os traços constitutivos de uma comunidade e sua cultura para
Stuart Hall chama de “comunidade imaginada” e como estes signos e símbolos criam uma
respaldo teórico o texto “Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da Modernidade”, de
amplo fluxo de informações e a farta “oferta simbólica heterogênea” — agem sobre estas
comunidades, fazendo com que a cultura local se descentralize e novas culturas híbridas surjam.
Ambos os textos discorrem sobre a conjuntura cultural na pós-modernidade, ambiente este que
fez surgir a abordagem iconoclasta do sertão em Baile Perfumado, e que se estenderá aos filmes
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A especulação imobiliária e o anseio por uma industrialização impulsionaram o Recife a
menor espaço possível, desenhou em Recife linhas retas e verticais; enquanto a concentração e
os espaços. Os recifenses testemunharam, ao longo dos últimos anos, a mudança de uma cidade
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Propõe-se, nesta tese, a análise de uma nova diretriz em que os dois realizadores
apropriam das metrópoles para reflexões acerca do espaço público, da verticalização da cidade,
Mendonça Filho e Gabriel Mascaro, repositório dos problemas provenientes do campo, expostos
e criticados pelo Cinema Novo: as populações das favelas são, maioritariamente, compostas por
coronéis são donos de empreiteiras. O elo entre esses dois espaços, bem como as cinematografias
que os abordam, indicam que não há antídoto para nossas mazelas, apenas transposições, em
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Capítulo 2 - A herança do Cinema Novo
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Até a segunda metade da década de 50, a circulação de filmes no Brasil era composta, em
pelos estúdios Atlântida e Vera Cruz. O primeiro, fundado no início da década de 40 sob a
por seus filmes musicais e chanchadas — gêneros carnavalescos e humorísticos que arrastavam
multidões às salas de cinema. Os filmes eram tecnicamente mal feitos e não dispunham de
números musicais; o cinema objetivamente como entretenimento. Até a fundação da Vera Cruz,
um país urbano, Francisco Matarazzo e Franco Zampari fundaram a Cia. Cinematográfica Vera
Cruz como resposta às produções canhestras da Atlântida. O objetivo era produzir filmes aos
moldes dos estúdios americanos, com mão-de-obra qualificada, filmados em grandes estúdios e
com seu próprio ‘star-system’, atendendo às expectativas de um público embotado pela a estética
‘hollywoodiana’.
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Tudo levava a crer que a indústria de São Paulo — o setor mais avançado da
produtividade nacional — resolvera se ocupar do cinema, até então manipulado por
modestos artesãos e jovens idealistas. (…) Os paulistas, entretanto, rejeitaram qualquer
paralelo entre o que pretendiam fazer e aquilo que se fazia no Rio: renegando a
chanchada, ambicionaram realizar filmes de classe e em muito maior número. Com esse
objetivo, contratou a Vera Cruz técnicos da Itália e da Inglaterra (…) (Emílio Sales
Gomes, 2001, p. 76)
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Segundo a lógica da Vera Cruz, um cinema com alto padrão de qualidade deveria ser rodado em
realidade social brasileira — nossas favelas e periferias. Além de negligenciar a maior parte da
sociedade civil brasileira, os filmes seguiam uma lógica industrial regidos pela lei capitalista, e,
obra. O cinema mantém, desde seu nascimento, uma relação de dualismo para com a indústria
pairando entre a arte e o mercado. Devido às suas características técnicas, o cinema depende da
porém, caso os laços se estreitem demais, ele tornar-se-á refém da lógica mercantil relegando a
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Os gastos vultosos e a dificuldade em vencer a concorrência estrangeira fizeram a Cia.
Cinematográfica Vera Cruz ruir em 1954. O descalabro do cinema industrial paulista ensejou a
busca por novos rumos para produções cinematográficas nacionais — um cinema de ‘autor’ —
aqueles que palmilhavam novas veredas. Sob a batuta de Alex Viany, jovens cineastas se
reuniram para elucubrar sobre o que seria, de fato, o “cinema independente brasileiro”.
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O que se chama na época de “cinema independente” é bastante complicado de entender
e explicar. Fundamentalmente é o cinema feito pelos pequenos produtores, em oposição
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ao cinema das grandes empresas. Mas nem todo pequeno produtor é necessariamente
“independente”. Para ser qualificado de independente um filme deve ter um conjunto de
características que frequentemente nada tem a ver com seu esquema de produção — tais
como temática brasileira, visão crítica da sociedade, aproximação da realidade cotidiana
do homem brasileiro. (Galvão, O Desenvolvimento das Ideias Sobre Cinema
Independente, 1980, p. 14)
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Quais especificidades caracterizariam um filme independente? A questão do autor, da liberdade
artística, a recusa de uma subordinação à lógica empresarial? Qual a relação entre cinema e
indústria? O que deve-se aproveitar e, por outro lado, refutar dos estúdios e grandes produtoras?
A posição daqueles que defendiam o cinema ‘independente’ é ambígua. Um dos textos, referente
crítico de cinema, que apresenta sua “tese” num dos debates promovidos pela Associação
Paulista de Cinema, fundada por Alex Viany e Nelson Pereira dos Santos. Os tópicos seriam
Segundo Nanni, o filme independente deve partir de um autor, concedendo a este liberdade
artística, ao contrário do que acontece no “cinema empresarial”. Não obstante, ele sugere que o
distribuidoras?
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Herdeiros das discussões que permeavam a Associação Paulista de Cinema e o Congresso
Nacional de Cinema de 1952, Glauber Rocha, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, entre
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outros jovens realizadores, refutam o cinema industrial e apontam suas câmeras aos campos e
subúrbios para trazer à baila nossas agruras e assimetrias. Nelson Pereira dos Santos foi quem
deu o primeiro passo e em 1955, estreou seu primeiro longa metragem — Rio 40 Graus —
produção é uma opção estética. O filme se debruça sobre o mundo popular, fazendo um recorte
de nossa realidade social e da população das periferias; Rio 40 Graus é considerado um dos
direção à periferia, ao passo que, as grandes estrelas do cinema nacional vagarosamente perdem
o brilho para que outras incandesçam. Em um segundo momento, o movimento do Cinema Novo
atinge seu apogeu com a realização da trilogia do sertão: Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos,
1963), Os Fuzis (Ruy Guerra, 1964) e Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha, 1964),
Cunha e Guimarães Rosa — que apresentam um lugar pouco conhecido pela sociedade brasileira
à época, o sertão. Este espaço, fundamental para o Cinema Novo, constitui um imaginário
A visão crítica da realidade brasileira, para a qual a literatura brasileira já havia
contribuído com o romance nordestino, só poderia chegar ao cinema com a produção
independente, porque as grandes empresas são parte do sistema que se critica; é preciso
extrair delas as vantagens que elas podem oferecer, sem no entanto se deixar engolir
pelo esquema. (Galvão, O Desenvolvimento das Ideias Sobre Cinema Independente, p.
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Símbolo da busca por um cinema autêntico, o sertão é utilizado pelos ‘cinemanovistas’ como
uma lógica própria, lógica esta regida por grandes latifundiários, coronéis e capatazes, onde a
miséria lancinante e o tórrido sol castigam aqueles que o habitam, o sertão era o cenário ideal
vida do homem sertanejo. Na caatinga reunia-se guerra, miséria e folclore, o jagunço e o coronel,
antítese às grandes produções dos estúdios brasileiros. Para além do conteúdo, as oportunas
intenções estéticas como a fotografia estourada, a câmera cinética e livre, e a montagem com
falsos ‘raccords’ (legado da ‘nouvelle vague’) ajudaram a dar corpo ao movimento mais profícuo
Eficiente na escolha de um “modo de produção” factível e lúcida em suas opções
estéticas, a nova geração desenhou o projeto político de uma cultura crítica e
conscientizadora quando o nacional-populismo parecia ainda uma alternativa viável
para conduzir as reformas de estrutura do país apoiado pela militância sindical e pelos
partidos de esquerda. Neste momento, falou a voz do intelectual militante mais do que a
do profissional de cinema — foi o momento de questionar o mito da técnica e da
burocracia de produção em nome da liberdade de criação e do mergulho na atualidade.
(Xavier, 2001, pp. 27-28).
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Capítulo 3 - Identidade Cultural e Narrativa de uma Nação
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A cultura nordestina é caracterizada por um forte vínculo com as tradições passadas,
símbolos e manifestações artísticas inveteradas que pouco dialogam com outras representações
culturais do sul e sudeste brasileiro. Tais manifestações resistem ao tempo pelo seu grau de
conquistas dos direitos políticos e trabalhistas. Essa segregação fortificou os laços entre o povo
diante do preconceito e da negligência do resto do país; é a partir da diferença para com os outros
estados — sobretudo do sul e sudeste — que a cultura pernambucana se sobressai. Em seu ensaio
“A Identidade Cultural na Pós Modernidade”, Stuart Hall discorre sobre a formação de uma
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As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também
de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso — um modo de
construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que
temos de nós mesmos. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”,
sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos
estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu
presente com seu passado e imagens que dela são construídas. Como argumentou
Benedict Anderson (1983), a identidade nacional é uma “comunidade imaginada. (Hall,
2005, pp. 50-51).
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Malgrado a dimensão nacional de suas teorias, podemos aplicá-las à comunidades específicas,
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pernambucano. O que nos interessa é a importância das culturas nacionais como parte
literatura de cordel, as histórias de Lampião —, que sustentam uma cultura e reforçam um senso
de pertencimento. Entram também neste ‘campo inconsciente’ conquistas sociais e lutas pelo
que estrutura uma cultura e articula gerações de uma comunidade, é denominada por Stuart Hall
de ‘narrativa de uma nação’: “uma série de estórias, imagens, panoramas, cenários, eventos
partilhadas, as perdas, os triunfos e os desastres que dão sentido à nação.” (Hall, 2005, p. 52).
Decorrente de um certo desprezo e preconceito por parte da população dos estados mais
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Uma das maiores mudanças decorrentes do processo de globalização foi a compressão do
modernas, foram separados pela modernidade “ao reforçar relações entre outros que estão
“ausentes”, distantes (em termos de local), de qualquer interação face-a-face.” (Hall, 2005, p.72).
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Os aviões encurtaram distâncias de modo que podemos atravessar oceanos em menos de um dia.
números — qualquer objeto que possa ser medido perde a sua amplidão. Essas mudanças
posse e domínio sobre ele. Até a década de 60, época na qual aflorou o Cinema Novo, o sertão
era um lugar desconhecido, inexplorado, inóspito e amedrontador. No final da década de 90, ele
se torna um local familiar, revelado e esquadrinhado pelas obras literárias, os filmes dos
cinemanovistas e documentários como “Cabra Marcado Para Morrer” (Eduardo Coutinho, 1984).
É como se o sertão perdesse o seu misticismo, este esmorecido pela progressiva exposição. Ao
abrandar sua vastidão e imprevisibilidade, o medo que ele impunha esmaece. Era preciso dar um
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Capítulo 4 - MangueBit e a “retomada” do cinema pernambucano
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Na década de 90, eclode no estado de Pernambuco o movimento MangueBit que
transfigura o cenário cultural e subverte as bases da cultura local. Capitaneado por Chico
Science, vocalista da banda Nação Zumbi, e Fred Zero Quatro, da banda Mundo Livre S/A, o
palha familiarizou-se com o tênis ‘Adidas’. “O pós-modernismo não é um estilo mas a co-
presença tumultuada de todos, o lugar onde os capítulos da história da arte e do folclore cruzam
entre si e com as novas tecnologias culturais.” (Canclini, 1997, p. 307). O MangueBit fomentou a
indelével legado do Cinema Novo, Lírio Ferreira e Paulo Caldas, resgatam o sertão a partir de
um novo prisma, lapidado pela pós-modernidade. Para isso, era preciso romper com os
último capítulo de seu livro “Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade”,
relação com outras artes: o artesanato migra do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e
canções que narram acontecimentos de um povo são intercambiados com outros.” (Canclini,
1997, pp. 325-326). É este emaranhado de culturas e manifestações artísticas, advindas de todas
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as partes do Ocidente, que agiu sobre a fecunda juventude pernambucana dando vida ao
movimento MangueBit.
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Como conclusão provisória, parece então que a globalização tem, sim, o efeito de
contestar e deslocar as identidades centradas e “fechadas” de uma cultura nacional. Ela
tem um efeito pluralizaste sobre as identidades, produzindo uma variedade de
possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as identidades mais
posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-
históricas. Entretanto, seu efeito geral permanece contraditório. Algumas identidades
gravitam ao redor daquilo que Robins chama de “Tradição”, tentando recuperar sua
pureza anterior e recobrir as unidades e certezas que são sentidas como tendo sido
perdidas. Outras aceitam que as identidades estão sujeitas ao plano da história, da
política, da representação e da diferença e, assim, é improvável que elas sejam outras
vez unitárias ou “puras” (…). (Hall, 2005, p. 87)
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A busca por um lugar intocado pela cultura exógena, força motriz da segunda fase do Cinema
Novo, de 1964 a 1968, esvanece na virada do século, pois este espaço ‘virgem’ já não existe
mais. A migração e o processo de urbanização na malha rural, bem como a ascensão social de
uma nova classe média, provoca mudanças ao defrontar a cultura do campo com a
heterogeneidade do espaço urbano e os avanços tecnológicos que este traz. O jegue foi
substituído pela motocicleta, as ruas do interior foram poluídas por cabos elétricos e os
descendentes de migrantes do êxodo rural voltam às suas comunidades pelo céu. Tais processos
cultura local e comunidade. Do consumo desta amálgama de culturas, que possibilita assistir a
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Sem dúvida, a expansão urbana é uma das causas que intensificaram a hibridação
cultural. O que significa para as culturas latino-americanas que países que no começo do
século tinham aproximadamente 10% de sua população nas cidades concentrem agora
60 ou 70% nas aglomerações urbanas? Passamos de sociedades dispersas em milhares
de comunidades rurais com culturas tradicionais, locais e homogêneas, em algumas
regiões com fortes raízes indígenas, com pouca comunicação com o resto de cada nação,
a uma trama majoritariamente urbana, em que se dispõe de uma oferta simbólica
heterogênea, renovada por uma constante interação do local com redes nacionais e
transnacionais de comunicação. (Canclini, 1997, pp. 264-265)
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Filmes como “Baile Perfumado” (Lírio Ferreira e Paulo Caldas, 1996) e “Árido Movie”
cultura nordestina para remodelá-los sob a influência do ‘pop’. O resultado é uma abordagem
iconoclasta do sertão e da cultura nordestina, refletindo um olhar sobre os novos tempos que
busca romper com arquétipos engendrados pelo Cinema Novo. Conscientes do hibridismo
pernambucana dentro de uma estrutura globalizada. As obras não se afastam do regional, pelo
contrário, reiteram-no de uma maneira nova, condizente com as mudanças ocorridas na pós-
(apud. Hall, 2005, p.74) para quem a multiplicidade de estilos “aquela ênfase no efêmero, no
flutuante, no impermanente” está levando a degradação das culturas locais. Tendo a concordar
com os que rechaçam essa posição — como Kevin Robin (apud. Hall, 2005, p.77 ) —
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conjecturando que, em meio ao bombardeio de informações, a cultura local se fortalece e surgem
homogeneização global culmina em um interesse pelo local, de caráter atípico e insólito, “ao
diferença e com a mercantilização da etnia e da “alteridade”.” (Hall, 2005, p. 77). Num mundo
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Hoje, os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em hip-hop, colapso da
modernidade, Caos, ataques de predadores marítimos (principalmente tubarões), moda,
Jackson do Pandeiro, Josué de Castro, rádio, sexo não-virtual, sabotagem, música de
rua, conflitos étnicos, midiotia, Malcom Maclaren, Os Simpsons e todos os avanços da
química aplicados no terreno da alteração e expansão da consciência. (Caranguejos com
Cérebro, Manifesto MangueBit, 1992, Fred Zero Quatro)
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Em “Baile Perfumado”, filme-matriz da “retomada”, o libanês Benjamin Abrahão
acompanha Lampião e seu bando, pelas margens do vale do São Francisco, durante os últimos
meses de vida do cangaceiro. A fita mescla material de arquivo, filmado por Benjamin, às
Lampião que dança, se diverte e pisca em direção à câmera enquanto um estrangeiro o filma.
Para nós, nascidos no final do século XX, é como assistir a personagens folclóricos, distantes na
memória e cujas histórias ouvimos apenas por relatos orais, jamais associando-as à imagens
documentais. A combinação entre arquivo e ficção sintetiza a dialética entre o antigo e o novo,
memória e fábula, própria do MangueBit. O Maracatu recheado com ‘riff’s’ elétricos e pesados
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retrato árido e opressivo das obras do Cinema Novo. Lampião é retratado como um bandido que
transgride as regras do cangaço, goza de bens tipicamente burgueses, como uísque e perfume
francês, e se encanta pela fotografia — arte mediada por uma invenção tecnológica — a câmera.
“Baile Perfumado” foi o primeiro longa metragem feito em Pernambuco após um longo hiato de
vinte anos; o filme reflete a ebulição cultural que havia tomado conta do estado, um caldeirão de
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Capítulo 4.1 - Políticas públicas de fomento à produção cinematográfica pernambucana
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Pernambuco tem sido, durante as últimas décadas, referência na produção de um cinema
compromisso político de seus realizadores, pouco preocupados com os números de bilheteria que
o filme atingirá. O destino é outro, o modo de fazer cinema é único e a relação com os filmes é
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Seja com a sordidez e violência de Cláudio Assis, a sensualidade transgressora de Hilton
constante nos festivais de cinema ao redor do mundo. No meio de tudo isso, figuram também:
Tião, vencedor do prêmio ‘Un Regard Neuf’, em Cannes, com o curta-metragem “Muro” (2008);
1!“Aquarius” (2016) – Prêmio de Melhor Filme no Grande Prêmio de Cinema Brasileiro; Prêmio do Júri no World
Cinema of Amsterdam (g1.globo.com)
“Baile Perfumado” (1996) – Prêmio de Melhor Filme no Festival de Brasília (www.correiobrasiliense.com.br)
“Cinema Aspirinas e Urubus” (2005) – Prêmio de Melhor Filme no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro
(www.gazetadopovo.com.br)
“Muro” (2008) – “Un Regard Neuf” no Festival de Cannes (cultura.estadao.com.br)
“Recife Frio” (2009) – Melhor Diretor no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro; Melhor Filme no Festival de
Brasília do Cinema Brasileiro; Melhor Filme na Mostra de Cinema de Tiradentes (www.portacurtas.com.br)
“Som ao Redor” (2012) – Melhor Filme na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo; Filme da Crítica no
Festival de Gramado; Melhor Filme e Roteiro no Festival do Rio; Prêmio da Crítica no Festival Internacional de
Roterdã (FIPRESCI) (oglobo.globo.com)
“Um Lugar ao Sol” (2009) – Prêmio do Júri no Festival Internacional de Documentários de Santiago; Prêmio do Júri
no Festival de Filmes Etnográficos do Rio de Janeiro (pt.gabrielmascaro.com)
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Marcelo Lordello que apresenta o contraste entre uma menina da cidade e uma família do
Urubus” (2005) e “Joaquim” (2017), e Heitor Dhalia diretor de “O Cheiro do Ralo” (2006). Lírio
Ferreira se esforça para explicar tamanha criatividade: “É essa coisa de ser o primeiro porto
abaixo do Equador, de ter muito contato com o estrangeiro, essa inquietude de mudar o mundo,
de buscar liberdade, criar seus sonhos, de não se entregar fácil” (OLIVEIRA, Daniel.
Pernambuco no Comando. Jornal O Tempo, Minas Gerais, 31 jul. 2016). Tal fartura e fertilidade
pode ser justificada pelas políticas públicas de incentivo à cultura, implementadas a partir do ano
em 2007.
Redor (Kleber Mendonça Filho, 2012), Avenida Brasília Formosa (Gabriel Mascaro, 2010), Um
Lugar ao Sol (Gabriel Mascaro, 2009) e Recife Frio (Kleber Mendonça Filho, 2009) — foram
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Entre 2003 e 2006, houve um acúmulo de experiências, um acúmulo de filmes que
foram funcionando ao longo de dez anos, nós temos agora uma espécie de segmentação
da qualidade e da quantidade das produções cinematográficas em Pernambuco, muito
embora isso para mim seja um mistério. Se você parar para analisar o porquê de
Pernambuco se destacar no cenário brasileiro, vai achar um pouco misterioso, uma vez
que nós não temos equipamento, não temos escolas, laboratórios, e de alguma forma a
produção existe, ela funciona e o nível de acerto é muito alto, tanto de curta-metragem
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como de longa-metragem. Em dez anos, fizemos nove filmes, dez contando com um que
vai se lançado ainda este ano e desses dez filmes eu diria que oito ou nove são
destaques, viajaram, foram para festivais, ganharam prêmios e foram vistos nos cinemas
no Brasil. Essa fase é marcada pela presença do Funcultura do Governo de Pernambuco,
mas ainda continuamos sem uma política definida para o cinema. (Kleber Mendonça
Filho, Cinema Pernambucano: Políticas e Leis de Incentivo, Williams Santos de
Oliveira, Universidade Federal de Pernambuco, 2008)
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Capítulo 5 - Um novo olhar
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Ao longo da década de 90, Recife passou por um período de crescimento econômico e
imobiliário, tendo como consequência direta uma vertiginosa verticalização da cidade. Com o
crescimento da capital e a expansão de seu centro urbano, a tendência por construções com
muitos pavimentos se tornou uma constante, preterindo casas por prédios que abrigam um
número maior de pessoas e geram mais renda. Segundo um estudo da EMPORIS (2017), base de
dados alemã relativa à industria da construção civil, Recife ocupa a octogésima quinta posição
entre as cidades com maior número de arranha-céus do mundo. A parte do Rio de Janeiro e São
Paulo, é a única capital brasileira presente na lista, composta maioritariamente por cidades
asiáticas e americanas.
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O bairro de Boa Viagem, área nobre que comporta um dos metros quadrados mais caros
adequado. Em vinte anos, o bairro viu erguer-se linhas retas e verticais que alteraram a paisagem
organicidade do local. “Em 1996, Boa Viagem tinha 43% de suas unidades habitacionais em
imóveis com mais de 10 pavimentos, passando em 2003, para 57%, sendo 4,2% com mais de 20
pavimentos. (SEPLAN/PCR, 2006).” (Ferreira da Costa, 2008, pp. 238-239). Para além da
poluição visual e da segregação do lote privado e o espaço público, a proximidade dos edifícios
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com a beira da praia dificulta a circulação de vento na parte interna do bairro e projeta sombras
na faixa de areia.
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Como solução primária para a verticalização da cidade, a prefeitura do Recife aprovou
estabelece parâmetros para construções de acordo com a área residencial: limites de altura,
entanto, pouco antes da legislação entrar em vigor, empreendedores imobiliários que tomaram
lei, para validar centenas de projetos que não cumpriam com as normas previstas. O núcleo da
integração.
A violência disseminada pela metrópole é outro agravante que trincha as ruas e ergue
muros cada vez mais altos. O medo fomentou o planejamento urbano para dentro de muros e
o ranking das cidades mais perigosas do mundo —estudo feito pelo “Conselho Cidadão de
Segurança Pública e Justiça Penal A.C.” (2016) da Cidade do México com base no “BOLETIM
Recife ocupa a vigésima sexta posição na ignóbil lista de violência. A segregação do espaço faz
com que as ruas se tornem cada vez mais desertas e os paredões que ocultam o infrator no
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momento do crime geram um efeito revés à segurança que os muros asseguram. O alto nível de
criminalidade instalou câmeras de segurança, trancou os cidadãos por trás de grades e separou-os
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Conscientes das mudanças demográficas e os óbices estruturais do Recife, Kleber
sócio-políticas e o legado atroz da escravidão brasileira. Kleber Mendonça Filho iniciou sua
carreira como crítico cinematográfico do Jornal do Comércio (PE), da revista Continente (PE), e
dos sites Cinética e Cinescópio. Após um longo período como jornalista, aproveitou-se da
mudança do analógico ao digital, que facilitou a produção de conteúdo audiovisual, para realizar
curtas metragens. Surgiram nesta época: “A Menina do Algodão" (2003), “Vinil Verde” (2004),
“Eletrodoméstica" (2005) e “Recife Frio” (2009). “O Som ao Redor” (2012) marcou a estreia do
diretor em longa metragem ficcionais e o projetou para o mundo. Cinco anos depois, Kleber
levou “Aquarius” (2016) ao prestigiado festival de cinema em Cannes. Gabriel Mascaro é quinze
anos mais jovem que Kleber Mendonça Filho mas já figura no rol dos grandes diretores
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Os filmes de Kleber Mendonça Filho e Gabriel Mascaro retratam as tensões urbanas e as
inseguranças típicas das metrópoles, conferindo às narrativas maior poder de alcance e potencial
de assimilação. A miséria do sertão já fora denunciada, os êxodos rurais são uma realidade
caracterize.
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Capítulo 5.1 - O Som ao Redor
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As fotos do antigo Pernambuco que inauguram o filme evocam um passado iníquo que
Recife refletindo em sua face as mazelas derradeiras do período colonial. Da sequência de fotos
somos levados à garagem de um prédio onde um casal de crianças anda de bicicleta e patins. A
trajadas das costumeiras fardas brancas, cuidam de crianças. Ao fundo, um prenúncio de duas
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Situada em Recife, a narrativa tem como espaço primordial uma rua no bairro de Setubal,
subdivisão informal de Boa Viagem. Ao longo do filme, vemos os personagens cercados sob a
capital. Os prédios que almejam o céu, separados por uma pequena distância, enclausuram
também o espectador que transita, com o auxílio de lentes teleobjetivas e ‘zoom-ins’, por vielas e
estridentes, alarmes e latidos, que contribuem com destreza ao retrato do caos citadino que é a
capital pernambucana.
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Recife segue um modelo de construção vertical explorando ao máximo o metro quadrado
para abarrotá-lo de pessoas e obter lucro. Uma capital de linhas retas que se urbaniza às ordens
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de grandes empreiteiras sem se preocupar com a integração entre o indivíduo e o espaço. Como
quem não duvida da lucidez e função assimilativa do espectador, Kléber constrói sua crítica nas
entrelinhas — uma denúncia verbal da verticalização da cidade é preterida por planos gerais de
iminente.
!
Segmentado em três partes — Os Cães de Guarda, Os Guardas Noturnos, Guarda Costas
—, a narrativa gravita em torno das famílias de João, interpretador por Gustavo Jahn, e de Bia,
interpretada por Maeve Jenkins. Na primeira, a estrutura patriarcal é muito clara — Francisco é
dono de um engenho em Bonito, seu filho Anco mora na única casa em meio aos prédios da rua,
e seu neto, João, é corretor de imóveis. Todos moram sozinhos e têm como única companhia
feminina uma empregada doméstica. No primeiro exercício de sua profissão, João visita um
apartamento à venda e, ainda no térreo do prédio, informa: “esse prédio tem sistema de
segurança e esta área é coberta por sensores”. A resposta de sua cliente é ácida e contundente:
“nossa, isso aqui parece uma fábrica.”. Da sala de estar, a vista sufoca com blocos de concreto,
não se enxerga nada além de prédios. Durante a visita, João enfatiza que o quarto de empregadas
aposento.
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Bia é uma dona de casa que sofre de insônia devido aos latidos do cachorro vizinho e se
divide entre suas tarefas cotidianas: cuidar de seus filhos, faxinar a casa e, ocasionalmente, gozar
com o tremor da máquina de lavar. Da televisão ao aspirador de pó, a vida mediada por
!25
eletrodomésticos é o ponto de partida para uma crítica ao consumismo e à presença exacerbada
vizinha de Bia que, ao perceber que esta comprou uma televisão com um maior número de
polegadas, agride-a com tapas. Bia também é refém dos eletrodomésticos, utiliza um aspirador
de pó para sugar a fumaça que evola de seu baseado, um aparelho emitente de som agudo para
livrar-se do latido do cachorro e a máquina de lavar para se masturbar. Na vida desta dona de
casa tipicamente brasileira, o prazer — em forma de distração, silêncio e gozo — está sempre
subordinado às máquinas.
!
A ausência de uma ‘vigilância social’, resultado de uma segregação espacial por muros
altos e opacos, é solucionada por uma oferta de serviço de segurança. Clodoaldo, interpretado
por Irandhir Santos, apresenta aos moradores do bairro um serviço de vigilância noturna — uma
milícia que, ao preço de vinte reais, patrulhará a rua que protagoniza o filme. Preocupados com a
segurança do bairro, os moradores aceitam o trabalho oferecido. A vida naquela plácida rua de
classe média passa a ser policiada por Clodoaldo e seus companheiros, que tomam conhecimento
transeuntes. Durante duas horas, o perigo tácito suspende o espectador em tensões que não se
qual estariam invadindo a sua casa e os planos da rua deserta revigoram o medo que a cidade
impõe.
!
Ao contrário, viver em uma grande cidade não implica dissolver-se na massa e no
anonimato. A violência e a insegurança pública, a impossibilidade de abranger a cidade
!26
(quem conhece todos os bairros de uma capital?) levam a procurar na intimidade
doméstica em encontros confiáveis, formas seletivas de sociabilidade. Os grupos
populares saem pouco de seus espaços, periféricos ou centrais; os setores médios e altos
multiplicam as grades nas janelas, fecham e privatizam ruas do bairro. Para todos o
rádio e a televisão, para alguns o computador conectado para serviços básicos,
transmitem- lhes a informação e o entretenimento a domicílio. (Canclini, 1997, pp.
265-266)
!
O orgulho torpe da Casagrande emerge nas reiterações de Francisco sobre suas terras, na
reunião de condomínio para definir a demissão do porteiro e na ojeriza de Dinho à pobreza: “isso
aqui não é favela, aqui é lugar de gente rica, gente com grana”, vitupera o personagem. Na
viagem de João e Sofia (Irmã Brown) — único momento na narrativa fora de Setubal — a
imperava o chicote de aroeira. Ainda no engenho, o banho de cachoeira reserva a cena mais
emblemática do filme: de súbito, a água que cai sobre João é tingida de vermelho, uma epifania
do sangue derrubado naquele lugar. Se, para Humberto Mauro, “cinema é cachoeira”, a de
!
Com assaz astúcia, digna de um crítico de cinema, Kléber estabelece uma relação história
entre úlceras do período colonial e tensões urbanas das capitais. O patriarcalismo feudal é
encarnado por Francisco, a moradia precária das favelas, fruto das contradições entre o campo e
senzala, é um quadrado exíguo e asfixiante. A crônica urbana traz à baila problemas enraizados
!27
narrativa intensifica a assimilação da obra com espectadores de diversos estados do país. Em “O
Som ao Redor”, o sertão reflete na cidade as chagas abertas de um passado não tão longínquo.
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Capítulo 5.2 - Recife Frio
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No curta-metragem Recife Frio (2009), a cidade é personificada e elevada ao papel de
protagonista. A narrativa parte de uma premissa absurda na qual Recife fora tomada por uma
constante frente fria submetendo a cidade à temperaturas abaixo de 10 graus célsius. Uma
emissora de televisão Argentina, “El Mundo En Movimiento”, vai à capital para cobrir o insólito
fenômeno que castiga a população recifense. Sob a ótica estrangeira, o curta se mascara de
!
Recife é descrito como um lugar insalubre, com cheiro de urina e atravessado por “um
caldo escuro que uma vez foi um rio… o Capibaribe”. A massa de ar que anuvia a cidade e
agasalhos, os moribundos ateiam fogueiras nas ruas tornando-as ainda mais poluídas; o que antes
era sujo, torna-se imundo. A primeira severa consequência dos sete meses de sol ausente é o
número de mortes — mais de trezentos moradores de rua padecem. O abandono é agravado pelo
frio perpétuo, é preciso um aumento na taxa de mortalidade para chamar atenção àqueles à
atribuem o mau tempo a um castigo, enquanto os evangélicos o veem como uma personificação
de forças satânicas. Os repentistas, “Pinto e Patativa”, adaptam seus cânticos ao novo cotidiano;
Clodoaldo Alves, o papai Noel, não mais precisa se desidratar durante seu ofício e o mercado de
!29
São José, famoso por sua feira de artesanatos, vende reinterpretações do frio — as casas de argila
!
Vítimas arquitetônicas do frio, os Nogueira compraram um apartamento na orla da praia
de Boa Viagem, metro quadrado mais caro do Recife à época, para se beneficiarem da estrutura
família que acompanhou a sua inopinada desvalorização. O ínfimo quarto de empregadas, com
pois é também o mais acalentador. O recluso aposento oculta as péssimas condições às quais
senzala”. O frio trouxe consigo uma subversão de papéis na família de classe alta, o filho dos
empregada, mesmo contra sua vontade. Gleice é obrigada a dormir no aposento com
temperaturas abaixo de cinco graus e vê sua patroa descrevê-la como “um peixe fora d’água”,
pois nunca dormiu em uma suíte — um escárnio que retrata o preconceito para com as classes
mais baixas.
!
A partir de um elo com o livro “Roteiro para Construir no Nordeste”, de Armando de
caótico segregado por linhas e ângulos retos. Armando de Holanda foi um arquiteto que buscou
!30
!
“Tentemos apreender a fluência entre a paisagem e a habitação, entre o
exterior e o interior, para desenharmos portas que sejam um convite aos
contatos entre os mundos coletivo e individual. (…) Deixemos os espaços
fluir, fazendo-o livre, contínuo e desafogado. Separemos apenas os locais
onde a privacidade, ou a atividade neles realizada, estritamente o
recomende.” (Holanda, Roteiro para Construir no Nordeste, 1971, pp. 27-31)
!
A capital pernambucana adoece com o medo de uma cidade notoriamente perigosa. Erguem-se
cada vez mais muros — altos e opacos —, em nome da segurança de poucos, construindo uma
!
O mal tempo ‘kafkiano’ é apenas um pano de fundo para a denúncia de uma cidade
cindida e órfã de uma população ativamente política; a revolução cultural que sucede no “Recife
frio” é desconexa ao manto cinzento que cobre o céu da cidade. Recife é uma cidade tropical,
com clima propício ao uso coletivo de seu espaço público — bares, praças e parques — e, no
entanto, a população, embotada pelo consumismo, lota os ‘shopping centers’ aos fins de semana.
O abandono das ruas e o clima inóspito que se instalou não advém da onda frívola mas da falta
Quinze anos antes do curta metragem ser exibido, Chico Science proferira: “A cidade não para, a
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Capítulo 5.3 - Avenida Brasília Formosa
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Como quem desafia o ditado “água mole pedra dura, tanto bate até que um dia fura”, a
comunidade de Brasília Teimosa resiste à política de remoções e ao mar que tenta invadir o
bairro. A favela é localizada na Zona Sul do Recife, uma área nobre ao lado de um dos metros
quadrados mais caros da cidade, a praia de Boa Viagem. Cunhada de ‘Teimosa’ devido à
!
A narrativa gravita em torno de quatro personagens — Débora, Fábio, Cauã e Pirambu —
prédios cobertos por véus e moradores de Brasília Teimosa construindo suas próprias casas.
condenando a visão a poucos metros. Através das ondas sonoras do rádio, anuncia-se o
infortúnio: “As comunidades removidas das zonas de risco do bairro de Brasília Teimosa, Vila
!
Os diálogos que permeiam o filme não conduzem o roteiro em uma direção específica,
eles são um mosaico de experiências em oposição à uma trajetória bem definida. O fluir da
!32
narrativa é orgânico tendo o acaso como principal condutor das ações, os discursos apenas
documentário e ficção acentua este fluxo — as sequências em espaços públicos são urdidas à
roteirizado. A fotografia é outro ponto que põe em brumas esta dicotomia, a preocupação com a
luz e a cor são típicas do cinema de ficção, ainda que a cena apresente um caráter documental.
!
Débora é uma manicure cujo sonho é participar do Big Brother Brasil e para gravar o seu
filme de candidatura, ela contrata o serviço de Fábio, um garçom que trabalha como cinegrafista
eletrônicos. A alternância entre imagem virtual, aquilo que a câmera de Gabriel Mascaro filma, e
gerando uma reflexão sobre natureza da imagem — sua origem e o seu destino. A discussão em
contemporaneidade. Em um mundo mediado por telas e saturado por representações nosso olhar
se torna dúbio. Mascaro não pretende elucidar, pelo contrário, instiga a realidade dando-lhe
novos contornos.
!
Deslocado dos palafitas de Brasília Teimosa para o Conjunto Habitacional do Cordeiro,
Pirambu atravessa diariamente a cidade do Recife a caminho do porto. A corrente de sua bicicleta
é o elo entre Pirambu e seu trabalho — a pesca. Uma vez em alto mar, se diverte com os amigos
!33
enquanto esperam o alimento. A profissão faz da morada dos pescadores o mar — transitório e
constantes deslocamentos.
“Avenida Brasília Formosa” (2010) é uma colcha de retalhos das vidas e experiências dos
moradores de Brasília Teimosa. Gabriel Mascaro não abre mão da poesia para descrever uma
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Capítulo 5.4 - Um Lugar ao Sol
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A estrutura vertical dos edifícios hierarquiza seus habitantes em uma crescente soberba a
cada andar que se sobe. A partir de um livro que cataloga a elite brasileira, Gabriel Mascaro
entrevista moradores de coberturas em prédios do Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, visando
Das cento e vinte cinco famílias contatadas, apenas nove concordaram em participar do
esquadrinhar e expor o discurso de uma classe social bem delimitada, Mascaro constrói seu filme
de maneira sóbria; oculta as suas perguntas e estabelece como fio narrativo a fala dos
ao lado da comunidade Santa Marta. Acima do resto da população, no cume de sua altiva
ignorância, a depoente afirma não enxergar a pobreza da cidade, restando-lhe apenas a beleza
natural do Rio de Janeiro. A fala ultrajante é sucedida por uma comparação sórdida contrapondo
balas que rasgam o céu durante os tiroteios a fogos de artifício. A falta de integração entre os
diversos setores da sociedade brasileira, bem como o menosprezo da entrevistada para com os
moradores de favelas, vêm à tona logo nos primeiros minutos do filme. O fuzil, instrumento de
execução em massa, é visto como regente de um espetáculo, capaz de proporcionar uma ótica
!35
Ainda na capital fluminense, somos apresentados à mais coerente dos entrevistados —
uma francesa que, após assistir à “Orfeu Negro” (Marcel Camus, 1959), se encantou pelo nosso
país. Seu trabalho consiste em viajar ao longo do Brasil, em busca de artesanatos para serem
vendidos no Rio de Janeiro. O apartamento que vemos é repleto de obras regionais e símbolos de
nossa cultura indígena. Ironicamente, a francesa aparenta ter maior vínculo com a cultura
brasileira dentre todos os personagens; além de uma decoração interior tipicamente regionalista,
já viajou pelas veredas de nosso país, enquanto os outros personagens parecem confinados às
capitais. O apreço desta senhora francesa pelo Brasil, em contrapartida ao desinteresse dos
demais, ressalta negligência desta camada social para com sua pátria.
!
A proximidade com a natureza é um dos benefícios descrito por quase todos os
afastamento metafórico da cidade e do espaço público. Amedrontados pela violência das grandes
capitais, a segurança é apontada como uma das principais vantagens de morar em um edifício.
Rodeados por câmeras e seguranças, os condomínios cercam os moradores dentre muros físicos e
depoimentos imbuídos de preconceitos velados. Uma das personagens agradece pelo tamanho de
seu apartamento pois não precisa ouvir as conversas de suas empregadas domésticas. O
empresário paulista, dono de um bordel, equipara a classe econômica do avião à uma senzala e
diz lastimar os pobres que não podem dirigir um ‘Jaguar’. Por fim, temos a entrevista de uma
senhora que descreve a sensação de morar em uma cobertura como algo inigualável, justamente
!36
O documentário perscruta as diferenças de classes ao discutir o status da “elite” através
de um microcosmo. Mascaro estava certo do que queria, caricaturar os entrevistados, que, por
sua vez, caíram na sua armadilha. O resultado é um retrato repugnante e alienado de uma classe
cuja arrogância afasta-a da realidade. As coberturas são como ilhas — garantem a segurança,
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Capítulo 5.5 - Aquarius
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“Aquarius” (2016) é o segundo longa metragem ficcional de Kleber Mendonça Filho, um
filme de resistência que contrapõe, sem ser partidário ou excludente, o velho ao novo. Dos
detalhes diminutos ao mote estrutural da narrativa, esta dicotomia é trabalhada ao longo das duas
horas e meia de filme com ardilosa sutileza — traço idiossincrático de Kleber — para expor uma
essas mudanças, no entanto, não exprime ceticismo. Clara, protagonista do filme interpretada por
!
Dividido em três partes — O Cabelo de Clara, O Amor de Clara e O Câncer de Clara —,
o filme inicia vagarosamente com fotos, em preto e branco, da praia de Boa Viagem por volta
dos anos 70. O início isomórfico ao “Som ao Redor” (2012) não é a única semelhança, podemos
narrativas sugestivas e polissêmicas, tensões urbanas e anseio pela preservação da memória; este
último ponto sendo o núcleo cardeal de “Aquarius” (2016). Em uma sociedade pós-moderna,
onde reina a obsolescência e perecibilidade, o filme reitera a importância dos objetos à memória
afetiva.
!
Durante a comemoração de 70 anos de Tia Lúcia, no prólogo do filme, os convidados
!38
aniversariante fita um móvel que invoca memórias eróticas de sua juventude. Aquele objeto
funcional, ignorado por todos presentes, é a janela recôndita entre Lúcia e o anímico, uma ponte
ao âmago de suas lembranças íntimas. Da mesma maneira, a afeição de Clara por sua coleção de
LPs (‘long play’) ratifica o vínculo entre os objetos e a memória subjetiva, vínculo este que
concede aos objetos um valor simbólico e intransponível. Na entrevista que cede à duas jovens
jornalistas, ela explica que comprara o disco “Double Fantasy”, de John Lennon, num sebo em
Porto Alegre, para, tempos depois, encontrar no interior da contracapa uma reportagem sobre o
músico. Um simples recorte de jornal, cujo descobrimento só pode ocorrer no mundo físico,
!
Os sistemas de ‘streaming’ e ‘downloads’ vieram em meio à uma onda pós-moderna que
engavetou discos e empilhou fitas cassetes. A relação com o consumo cultural mudou — tornou-
plataforma. O apreço de Clara por seus vinis, uma forma de preservar suas lembranças e atrelá-
especiosa impressão de que é sempre preciso comprar o novo, condenando o antigo a depósitos e
sótãos empoeirados.
!
Na orla da praia de Boa Viagem, o prédio Aquarius destoa das rígidas torres que o
circundam — sua estrutura é horizontal, livre de grades e cercas, e tingida de azul, antagônica à
gama de cinzas que predomina nas moradas vizinhas. Clara é a última moradora do prédio em
que viveu com seu falecido marido, criou seus filhos e cantou parabéns nos 70 anos de Tia Lúcia.
!39
A construtora “Bonfim”, cujo projeto é construir um prédio semelhante aos vizinhos, comprou os
outros apartamentos com promessas de retorno financeiro aos vendedores. O impasse no plano
megalomaníaco da empreiteira reside no fato de que, para Clara, o apartamento não é vendável,
seu valor é da ordem afetiva e não monetária. A partir de sua negação, a construtora conduz uma
ofensiva para tentar convencê-la a entregar o apartamento. Clara, por sua vez, resiste tenaz às
!
A acidez do diretor, já atestada em “Recife Frio” (2009) e “O Som ao Redor” (2012), se
faz notar através de planos insinuantes e diálogos pungentes. Na orla da praia, o salva vidas
Roberval, interpretado por Irandhir Santos, e Clara participam de um exercício que consiste em
deitar no chão e rir, sim, apenas rir. Enquanto deleitam-se os participantes, Kleber aponta sua
câmera para um grupo de jovens negros que se aproximam. A reação primária e instintiva é crer
que os transeuntes, que supomos ser da periferia, causarão arruaça ou roubarão o grupo que jaz
dissimulado provoca uma reflexão — o preconceito raramente é admitido por quem o pratica e,
não obstante, a discriminação surge em eventos cotidianos. A cisão da cidade é representada por
rastro de esgoto na praia que separa o bairro Pina, continuação da praia de Boa Viagem, de
Teimosa esgoto a céu aberto. Desta forma, a cidade se estrutura em cima de fraturas e exclusões
!40
Clara é a personificação do prédio em que mora — Aquarius —, uma metáfora
segmentada em camadas. O câncer de mama que sofrera quando jovem é análogo aos cupins que
consórcios é a renúncia à uma terceira idade submetida às convenções sociais. Assim como a
arquitetura antagônica do prédio, a personagem tem uma postura ímpar, quase transgressora,
evasiva àquilo que o senso comum julga correto. Clara é uma rocha em meio à expansão
imobiliária e à violenta opugnação das empreiteiras, que nos atesta a necessidade de resistir
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Capítulo 6 - Conclusão
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As mudanças acarretadas pela expansão urbana e o amplo fluxo de informação tiveram
maleável sobre a cultura, intensificando a sua volatilidade e o seu fluxo intercambial. A recepção
de novas manifestações e ritos, que fazem confluir folclore e vanguarda, abre espaço para uma
!
As culturas já não se agrupam em grupos fixos e estáveis e portanto desaparece a
possibilidade de ser culto conhecendo o repertório das "grandes obras", ou ser popular
porque se domina o sentido dos objetos e mensagens produzidos por uma comunidade
mais ou menos fechada (uma etnia, um bairro, uma classe). Agora essas coleções
renovam sua composição e sua hierarquia com as modas, entrecruzam-se o tempo todo,
e, ainda por cima, cada usuário pode fazer sua própria coleção. (Canclini, 1997, p. 283)
!
No final do século XX, este processo foi acelerado pela globalização e a revolução tecnológica,
que tornou-se força propulsora ao surgimento de culturas híbridas — uma amálgama heterogênea
que, por meio da dialética de expressões artísticas díspares, da voz a um novo discurso.
!
(…) a “globalização” se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que
atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações
em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em
experiência, mais interconectado. (Hall, 2005, p. 67)
!
Em um processo duplo e paradoxal, as identidades nacionais se tornam mais voláteis no caminho
pelo local. O grande feito do movimento MangueBit foi concatenar a cultura de base à cidade —
!42
enquanto o maracatu temperado por guitarras invadiu as rádios, Jackson do Pandeiro dormia com
pernambucana, outrora discernida pela cultura regional “genuína”, livre de influências exógenas.
!
A recorrência do cinema ao sertão esterilizou o local, revelando suas lendas e mistérios,
até que sua ressonância o subjugou à categoria do estereótipo. Os filmes escolhidos neste
trabalho têm uma relação mais direta com seus realizadores, ambos são moradores da capital e
familiarizados com as tensões que afligem o cotidiano da cidade. Atribui-se então um traço mais
pessoal à obra, as nuanças são trabalhadas de maneira mais sutil e as críticas desenvolvidas de
maneira tácita. No caso dos documentários, ainda que as obra são submetidas à subjetividade do
realizador, as crônicas citadinas garantem aos filmes uma maior identificação. Não obstante, as
abrangência do filme ganha aplidão através da correlação entre espectadores de diversos estados
brasileiros e a narrativa. Em “Recife Frio” (2009) esta relação toma proporções ainda maiores
!
Kleber e Mascaro fazem parte de uma geração que se afasta da estética maracatú e da
cultura de base sem, no entanto, rejeitá-las. Apesar das disparidades narrativas e estéticas os
que podem ser traçadas ao período retratado na cinematografia do Cinema Novo. A lógica
patriarcal foi basilar para a formação histórica do Nordeste brasileiro e a hierarquia de classes. A
!43
abolição tardia da escravidão teve severas consequências nas relações entre as camadas sociais e
e a soberba dos patrões seguem vivos nos depoimentos da classe alta e na regência das
empreiteiras com planos urbanísticos que segregam a cidade; construções que visam construir no
populacional dos bairros sem um plano efetivo de integração entre o espaço público e o lote
privado.
todo um estado sob apenas um prisma; a diversidade das obras é a paleta que pinta de cores vivas
indissolúveis da herança cultural de Pernambuco, no entanto, malgrado o vínculo com sua terra
natal, almejam um espaço simbólico de maior abrangência; uma reflexão sobre a urbanização
!
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!44
Bibliografia
!
CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade.
São Paulo: EDUSP, 1997
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CONSEJO CIUDADANO PARA LA SEGURIDAD PÚBLICA Y LA JUSTICIA PENAL
(CCSPJP). Metodología del ranking (2016) de las 50 ciudades más violentas del mundo. Cidade
do México, 2017
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FERREIRA DA COSTA, Monica et al. Verticalização da Praia da Boa Viagem (Recife,
Pernambuco) e suas Consequências Sócio-Ambientais. Recife, 2008
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GALVÃO, Maria Rita. O Desenvolvimento das Idéias Sobre Cinema Independente. São Paulo:
Cadernos da cinemateca, 1980
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GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento. São Paulo: Paz e
Terra, 1996
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005
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HOLANDA, Armando de. Roteiro Para Construir no Nordeste. Recife: UFPE/ MDU, 1976
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XAVIER, Ismail. O Cinema Brasileiro Moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2001
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Filmografia
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Caldas, Paulo e Ferreira, Lírio. Baile Perfumado, Brasil: RioFilme, (1996). Caldas, Coelho Filho,
Ferreira, Pinheiro e Trindidade. [longa metragem | ficção]
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Coutinho, Eduardo. Cabra Marcado para Morrer, Brasil: Bretz Filmes, (1984). Coutinho. [longa
metragem | documentário]
Dhalia, Heitor. O Cheiro do Ralo, Brasil: RT Features, (2006). Dhalia, Doria, Mariani, Teixeira.
[longa metragem | ficção]
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Gomes, Marcelo. Cinema, Aspirinas e Urubus, Brasil: Dezenove Filmes, (2005). Ionescu,
Silveira, Vieira. [longa metragem | ficção]
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______. Joaquim, Brasil e Espanha: Wanda Filmes, (2017). Iraola, Telles, Vieira. [longa
metragem | ficção]
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Guerra, Ruy. Os Fuzis, Brasil: Copacabana Filmes, (1964). Barbosa. [longa metragem | ficção]
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Lordello, Marcelo. Eles Voltam, Brasil: Trincheira Filmes, (2012). Assis. [longa metragem |
ficção]
Mascaro, Gabriel. Avenida Brasília Formosa, Brasil: Plano 9, (2010). Assis. [longa metragem |
documentário]
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______. Um Lugar ao Sol, Brasil: Símio Filmes, (2009). Mascaro. [longa metragem |
documentário]
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Mendonça Filho, Kleber. A Menina do Algodão, Brasil: CinemaScópio, (2003). Lesclaux [curta
metragem | ficção]
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______. Aquarius, Brasil: CinemaScópio, (2016). Ben Saïd, Lesclaux, Merkt. [longa metragem |
ficção]
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______. Eletrodoméstica, Brasil: CinemaScópio, Ruptura Cinematográfica, (2005). Lesclaux.
[curta metragem | ficção]
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______. O Som ao Redor, Brasil: CinemaScópio, (2012). Lesclaux. [longa metragem | ficção]
!
______. Recife Frio, Brasil: CinemaScópio, (2009). Dornelles, Lesclaux. [curta metragem |
ficção]
!
______. Vinil Verde, Brasil: CinemaScópio, Símio Filmes, (2004). Lesclaux [curta metragem |
ficção]
Pereira dos Santos, Nelson. Rio 40 Graus, Brasil: RioFilme (1955). Barros. [longa metragem |
ficção]
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______. Vidas Secas, Brasil: Sino Filmes, (1963). Carlos Barreto, Richers. [longa metragem |
ficção]
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Rocha, Glauber. Deus e o Diabo na Terra do Sol, Brasil: Copacabana Filmes, (1964). Mendes.
[longa metragem | ficção]
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Tião. Muro, Brasil: Trincheira Filmes, (2008). Rufino. [curta metragem | ficção]
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