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Antônio Leote Arraes de Alencar


(1221293)

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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

(PUC-Rio)

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De novo, o novo cinema pernambucano

Uma mudança no olhar, do regional ao cosmopolita, no cinema

pernambucano contemporâneo

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Orientador: Prof. Gustavo Chataignier

Departamento de Comunicação Social

(COM 1905)

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Rio de Janeiro, 29 de Novembro de 2017

AGRADECIMENTOS

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Ao Departamento de Comunicação da PUC-Rio, pelo curso.

Ao professor Gustavo Chataignier pelo norteio durante esses últimos meses.

Ao meu saudoso pai, Carlos Augusto, por me ensinar os verdadeiros valores da vida.

À minha mãe, Sandra, por seu amor e sua dedicação.


Ao meu irmão, Miguel, cujo intelecto me inspira.


À minha companheira, Gabriela, pela compreensão e estímulo.

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Sumário

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Introudução...........................................................................................................................página 1

Capítulo 2 – A Heraça do Cinema Novo..............................................................................página 4

Capítulo 3 – Identidade Cultural e Narrativa de uma Nação...............................................página 9

Capítulo 4 – MangueBit e a “retomada”do Cinema Pernambucano..................................página 12

Capítulo 4.1 – Políticas públicas de fomento à produção cinematográfica

pernambucana…………………………………………………………………………….página 16

Capítulo 5 – Um novo olhar...............................................................................................página 18

Capítulo 5.1 – O Som ao Redor..........................................................................................página 21

Capítulo 5.2 – Recife Frio..................................................................................................página 25

Capítulo 5.3 – Avenida Brasília Formosa...........................................................................página 28

Capítulo 5.4 – Um Lugar ao Sol........................................................................................página 31

Capítulo 5.5 – Aquarius......................................................................................................página 34

Conclusão...........................................................................................................................página 38

Bibliografia.........................................................................................................................página 41

Filmografia.........................................................................................................................página 42

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Introdução

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Polo efervescente da cultura regional, o estado de Pernambuco ocupa uma posição de

destaque no cinema brasileiro contemporâneo. Fora do eixo Rio-São Paulo, onde estão

concentradas as grandes produtoras, o estado se estabeleceu, durante as últimas duas décadas,

como um núcleo excêntrico e plural do cinema brasileiro. A produção do final da década de 90 e

início do milênio se distinguiu por uma linha de abordagem regionalista, revisitando e atribuindo

nova significação a um espaço vital para a segunda fase do Cinema Novo — o sertão brasileiro.

Palco de obras que se opunham à produção cinematográfica industrial, o solo arenoso e rachado

do sertão foi, contraditoriamente, fecundo àqueles que delinearam o caminho de um cinema

independente no Brasil. Para além do caráter genuíno do local, intocado pela urbanização,

reuniam-se nele imagens e signos tipicamente brasileiros: a literatura de cordel, moradas de pau

a pique, o coronel, o jagunço e o cangaceiro. Os realizadores deste proeminente movimento

ajudaram a construir um imaginário mitológico do sertão fundamentado em tradições e

personagens folclóricos como Antônio Conselheiro, Lampião, Maria Bonita, Padre Cícero e

Corisco.

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O espaço recorrente no Cinema Novo retorna às telas no filme “Baile Perfumado” (Paulo

Caldas e Lírio Ferreira, 1996), marco do movimento cunhado de “a retomada do cinema

pernambucano”. O filme faz uma releitura do sertão sobre a influência ‘pop’, advinda do

processo de globalização — o acesso às manifestações culturais exógenas, o amplo fluxo de

informação e imagens, e as conexões estabelecidas entre campo e cidade com o advento da

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internet. Usando como base o texto de Stuart Hall “A Identidade na Pós-Modernidade”,

pretende-se identificar e analisar os traços constitutivos de uma comunidade e sua cultura para

relacioná-los ao objeto de estudo em questão — o cinema Pernambucano. Quais são as

manifestações artísticas, os ritos e as histórias que angariam e concatenam gerações no que

Stuart Hall chama de “comunidade imaginada” e como estes signos e símbolos criam uma

identidade própria transmitida hereditariamente? Em um segundo momento, usando como

respaldo teórico o texto “Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da Modernidade”, de

Nestor Garcia Canclini, analisar-se-á como certos aspectos do processo de globalização — o

amplo fluxo de informações e a farta “oferta simbólica heterogênea” — agem sobre estas

comunidades, fazendo com que a cultura local se descentralize e novas culturas híbridas surjam.

Ambos os textos discorrem sobre a conjuntura cultural na pós-modernidade, ambiente este que

fez surgir a abordagem iconoclasta do sertão em Baile Perfumado, e que se estenderá aos filmes

cosmopolitas de Kleber Mendonça Filho e Gabriel Mascaro.

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A especulação imobiliária e o anseio por uma industrialização impulsionaram o Recife a

se urbanizar sem prestar atenção aos aspectos demográficos da cidade. A globalização, a

ascendência de uma nova classe social e a revolução digital remodelaram a capital

pernambucana e o povo do Recife. A determinação por construir em larga escala, ocupando o

menor espaço possível, desenhou em Recife linhas retas e verticais; enquanto a concentração e

má distribuição de renda, alimentam a discrepância social da população, delineando e trinchando

os espaços. Os recifenses testemunharam, ao longo dos últimos anos, a mudança de uma cidade

turística a um centro urbano, envolto em prédios comerciais e ‘shopping centers’.

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Propõe-se, nesta tese, a análise de uma nova diretriz em que os dois realizadores

pernambucanos supracitados têm tomado: narrativas situadas em centros urbanos que se

apropriam das metrópoles para reflexões acerca do espaço público, da verticalização da cidade,

do subdesenvolvimento, do racismo brando e do embate de classes. A cidade seria, para Kleber

Mendonça Filho e Gabriel Mascaro, repositório dos problemas provenientes do campo, expostos

e criticados pelo Cinema Novo: as populações das favelas são, maioritariamente, compostas por

migrantes do êxodo rural, o quarto de empregadas é um resquício da escravidão e os novos

coronéis são donos de empreiteiras. O elo entre esses dois espaços, bem como as cinematografias

que os abordam, indicam que não há antídoto para nossas mazelas, apenas transposições, em

certa medida, para outros locais.

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Capítulo 2 - A herança do Cinema Novo

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Até a segunda metade da década de 50, a circulação de filmes no Brasil era composta, em

grande maioria, por produções estrangeiras — americanas ou europeias — e filmes realizados

pelos estúdios Atlântida e Vera Cruz. O primeiro, fundado no início da década de 40 sob a

premissa de promover o desenvolvimento industrial do cinema brasileiro, tornou-se conhecido

por seus filmes musicais e chanchadas — gêneros carnavalescos e humorísticos que arrastavam

multidões às salas de cinema. Os filmes eram tecnicamente mal feitos e não dispunham de

grande orçamento, no entanto, tinham enorme apelo popular, alicerçados no humor e em

números musicais; o cinema objetivamente como entretenimento. Até a fundação da Vera Cruz,

em 1949, a produção cinematográfica brasileira da década de 40 estava restrita às chanchadas

cariocas. Impulsionados pelo processo de industrialização, que transformava o Brasil agrário em

um país urbano, Francisco Matarazzo e Franco Zampari fundaram a Cia. Cinematográfica Vera

Cruz como resposta às produções canhestras da Atlântida. O objetivo era produzir filmes aos

moldes dos estúdios americanos, com mão-de-obra qualificada, filmados em grandes estúdios e

com seu próprio ‘star-system’, atendendo às expectativas de um público embotado pela a estética

‘hollywoodiana’.

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Tudo levava a crer que a indústria de São Paulo — o setor mais avançado da
produtividade nacional — resolvera se ocupar do cinema, até então manipulado por
modestos artesãos e jovens idealistas. (…) Os paulistas, entretanto, rejeitaram qualquer
paralelo entre o que pretendiam fazer e aquilo que se fazia no Rio: renegando a
chanchada, ambicionaram realizar filmes de classe e em muito maior número. Com esse
objetivo, contratou a Vera Cruz técnicos da Itália e da Inglaterra (…) (Emílio Sales
Gomes, 2001, p. 76)

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Segundo a lógica da Vera Cruz, um cinema com alto padrão de qualidade deveria ser rodado em

ambientes luxuosos e bem decorados, com protagonistas pertencentes à elite, escamoteando a

realidade social brasileira — nossas favelas e periferias. Além de negligenciar a maior parte da

sociedade civil brasileira, os filmes seguiam uma lógica industrial regidos pela lei capitalista, e,

portanto, tinham maior interesse no rendimento monetário em detrimento do valor artístico da

obra. O cinema mantém, desde seu nascimento, uma relação de dualismo para com a indústria

pairando entre a arte e o mercado. Devido às suas características técnicas, o cinema depende da

indústria para o aperfeiçoamento de seus aparatos tecnológicos e a divulgação de seus produtos,

porém, caso os laços se estreitem demais, ele tornar-se-á refém da lógica mercantil relegando a

arte para o entretenimento.

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Os gastos vultosos e a dificuldade em vencer a concorrência estrangeira fizeram a Cia.

Cinematográfica Vera Cruz ruir em 1954. O descalabro do cinema industrial paulista ensejou a

busca por novos rumos para produções cinematográficas nacionais — um cinema de ‘autor’ —

atento às nossas particularidades e contradições. As vicissitudes trazidas pela nouvelle-vague e o

neo-realismo italiano: estúdios preteridos à rua, o uso de não-atores, a câmera na mão,

produções de baixo orçamento e narrativas de cunho político, ecoavam no Brasil norteando

aqueles que palmilhavam novas veredas. Sob a batuta de Alex Viany, jovens cineastas se

reuniram para elucubrar sobre o que seria, de fato, o “cinema independente brasileiro”.

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O que se chama na época de “cinema independente” é bastante complicado de entender
e explicar. Fundamentalmente é o cinema feito pelos pequenos produtores, em oposição
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ao cinema das grandes empresas. Mas nem todo pequeno produtor é necessariamente
“independente”. Para ser qualificado de independente um filme deve ter um conjunto de
características que frequentemente nada tem a ver com seu esquema de produção — tais
como temática brasileira, visão crítica da sociedade, aproximação da realidade cotidiana
do homem brasileiro. (Galvão, O Desenvolvimento das Ideias Sobre Cinema
Independente, 1980, p. 14)
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Quais especificidades caracterizariam um filme independente? A questão do autor, da liberdade

artística, a recusa de uma subordinação à lógica empresarial? Qual a relação entre cinema e

indústria? O que deve-se aproveitar e, por outro lado, refutar dos estúdios e grandes produtoras?

A posição daqueles que defendiam o cinema ‘independente’ é ambígua. Um dos textos, referente

ao sistema de produção, que explicita estas contradições é o de Rodolfo Nanni, realizador e

crítico de cinema, que apresenta sua “tese” num dos debates promovidos pela Associação

Paulista de Cinema, fundada por Alex Viany e Nelson Pereira dos Santos. Os tópicos seriam

retomados no Congresso Nacional de Cinema de 1952, seminário tido como marco de um

movimento em direção a um cinema independente brasileiro. Rodolfo Nanni mistura estratégias

técnicas a questões de arte: “ingredientes que entram na composição de cinema independente, a

ambiguidade da dicotomia cinema independente / cinema empresarial.” (GALVÃO, 1980, p. 15).

Segundo Nanni, o filme independente deve partir de um autor, concedendo a este liberdade

artística, ao contrário do que acontece no “cinema empresarial”. Não obstante, ele sugere que o

cinema independente deve se amparar em corporações que propiciariam a produção e

distribuição dos filmes. Não seriam estas os estúdios, as empresas, as produtoras e

distribuidoras?

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Herdeiros das discussões que permeavam a Associação Paulista de Cinema e o Congresso

Nacional de Cinema de 1952, Glauber Rocha, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, entre
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outros jovens realizadores, refutam o cinema industrial e apontam suas câmeras aos campos e

subúrbios para trazer à baila nossas agruras e assimetrias. Nelson Pereira dos Santos foi quem

deu o primeiro passo e em 1955, estreou seu primeiro longa metragem — Rio 40 Graus —

concebido sob as influências do neo-realismo italiano e a concepção de “cinema de autor” — as

cenas se passam na rua, os personagens são interpretados por não-atores e a precariedade da

produção é uma opção estética. O filme se debruça sobre o mundo popular, fazendo um recorte

de nossa realidade social e da população das periferias; Rio 40 Graus é considerado um dos

marcos inaugurais do Cinema Novo. As câmeras, agora empunhadas, deixam os estúdios em

direção à periferia, ao passo que, as grandes estrelas do cinema nacional vagarosamente perdem

o brilho para que outras incandesçam. Em um segundo momento, o movimento do Cinema Novo

atinge seu apogeu com a realização da trilogia do sertão: Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos,

1963), Os Fuzis (Ruy Guerra, 1964) e Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha, 1964),

filmes arrimados na literatura regionalista da década de 30 — Graciliano Ramos, Euclides da

Cunha e Guimarães Rosa — que apresentam um lugar pouco conhecido pela sociedade brasileira

à época, o sertão. Este espaço, fundamental para o Cinema Novo, constitui um imaginário

mitológico do Nordeste com signos próprios: a paisagem árida, o sertanejo, o cangaceiro e o

coronel; uma espécie de ‘western’ imbuído de símbolos tipicamente brasileiros.


A visão crítica da realidade brasileira, para a qual a literatura brasileira já havia
contribuído com o romance nordestino, só poderia chegar ao cinema com a produção
independente, porque as grandes empresas são parte do sistema que se critica; é preciso
extrair delas as vantagens que elas podem oferecer, sem no entanto se deixar engolir
pelo esquema. (Galvão, O Desenvolvimento das Ideias Sobre Cinema Independente, p.
14)


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Símbolo da busca por um cinema autêntico, o sertão é utilizado pelos ‘cinemanovistas’ como

instrumento para veiculação de um discurso político, atento às dificuldades da região. Vítima de

uma lógica própria, lógica esta regida por grandes latifundiários, coronéis e capatazes, onde a

miséria lancinante e o tórrido sol castigam aqueles que o habitam, o sertão era o cenário ideal

para denunciar o subdesenvolvimento brasileiro usando como alegoria as precárias condições de

vida do homem sertanejo. Na caatinga reunia-se guerra, miséria e folclore, o jagunço e o coronel,

a farinha e a seca, o repente e a rabeca; ingredientes propícios para construção de um cinema

antítese às grandes produções dos estúdios brasileiros. Para além do conteúdo, as oportunas

intenções estéticas como a fotografia estourada, a câmera cinética e livre, e a montagem com

falsos ‘raccords’ (legado da ‘nouvelle vague’) ajudaram a dar corpo ao movimento mais profícuo

do cinema moderno brasileiro.


Eficiente na escolha de um “modo de produção” factível e lúcida em suas opções
estéticas, a nova geração desenhou o projeto político de uma cultura crítica e
conscientizadora quando o nacional-populismo parecia ainda uma alternativa viável
para conduzir as reformas de estrutura do país apoiado pela militância sindical e pelos
partidos de esquerda. Neste momento, falou a voz do intelectual militante mais do que a
do profissional de cinema — foi o momento de questionar o mito da técnica e da
burocracia de produção em nome da liberdade de criação e do mergulho na atualidade.
(Xavier, 2001, pp. 27-28).
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Capítulo 3 - Identidade Cultural e Narrativa de uma Nação

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A cultura nordestina é caracterizada por um forte vínculo com as tradições passadas,

símbolos e manifestações artísticas inveteradas que pouco dialogam com outras representações

culturais do sul e sudeste brasileiro. Tais manifestações resistem ao tempo pelo seu grau de

representatividade e por um anseio popular de preservação daquilo que compõe a identidade

pernambucana. O estado de Pernambuco sempre esteve à margem dos eixos economicamente

hegemônicos e fora relegado a segundo plano durante o processo de industrialização e as

conquistas dos direitos políticos e trabalhistas. Essa segregação fortificou os laços entre o povo

pernambucano, o estado e a cultura local, sendo transmutada em símbolo de uma resistência

diante do preconceito e da negligência do resto do país; é a partir da diferença para com os outros

estados — sobretudo do sul e sudeste — que a cultura pernambucana se sobressai. Em seu ensaio

“A Identidade Cultural na Pós Modernidade”, Stuart Hall discorre sobre a formação de uma

cultura nacional como sistema de representação e pertencimento, para depois salientar as

mudanças compreendidas no processo de globalização:

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As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também
de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso — um modo de
construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que
temos de nós mesmos. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”,
sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos
estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu
presente com seu passado e imagens que dela são construídas. Como argumentou
Benedict Anderson (1983), a identidade nacional é uma “comunidade imaginada. (Hall,
2005, pp. 50-51).
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Malgrado a dimensão nacional de suas teorias, podemos aplicá-las à comunidades específicas,

estados, cidades e bairros, para analisarmos o objeto de estudo em questão — o cinema

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pernambucano. O que nos interessa é a importância das culturas nacionais como parte

constitutiva de uma identidade social; a “comunidade imaginada” é um campo inconsciente que

abrange e concatena gerações, fundamentada em representações hereditárias — o Maracatu, a

literatura de cordel, as histórias de Lampião —, que sustentam uma cultura e reforçam um senso

de pertencimento. Entram também neste ‘campo inconsciente’ conquistas sociais e lutas pelo

direito de um povo — o processo de democratização, a luta de pela reforma agrária e as Ligas

Camponesas —, que almejam a emancipação e liberdade igualitária. Esta ‘argamassa simbólica',

que estrutura uma cultura e articula gerações de uma comunidade, é denominada por Stuart Hall

de ‘narrativa de uma nação’: “uma série de estórias, imagens, panoramas, cenários, eventos

históricos, símbolos e rituais nacionais que simbolizam ou representam as experiências

partilhadas, as perdas, os triunfos e os desastres que dão sentido à nação.” (Hall, 2005, p. 52).

Decorrente de um certo desprezo e preconceito por parte da população dos estados mais

prósperos para com Pernambuco, surge um ‘orgulho pernambucano’, um fortalecimento dos

laços entre indivíduos e comunidade que preserva um legado cultural, salientando o

regionalismo. Como resistência a um abandono, a comunidade se fecha àqueles que a renegaram,

aflorando a empatia e o cuidado para com o outro circunscrito no mesmo espaço.

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Uma das maiores mudanças decorrentes do processo de globalização foi a compressão do

espaço-tempo. A internet conectou o mundo tornando possível comunicar-se com alguém a

distâncias quilométricas. O espaço e o lugar, conceitos indissolúveis nas sociedades pré-

modernas, foram separados pela modernidade “ao reforçar relações entre outros que estão

“ausentes”, distantes (em termos de local), de qualquer interação face-a-face.” (Hall, 2005, p.72).

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Os aviões encurtaram distâncias de modo que podemos atravessar oceanos em menos de um dia.

A cartografia expôs e metrificou os cantos mais longínquos do planeta, limitando o mundo a

números — qualquer objeto que possa ser medido perde a sua amplidão. Essas mudanças

supracitadas alteraram o modo como concebemos o mundo, intensificando o nosso sentimento de

posse e domínio sobre ele. Até a década de 60, época na qual aflorou o Cinema Novo, o sertão

era um lugar desconhecido, inexplorado, inóspito e amedrontador. No final da década de 90, ele

se torna um local familiar, revelado e esquadrinhado pelas obras literárias, os filmes dos

cinemanovistas e documentários como “Cabra Marcado Para Morrer” (Eduardo Coutinho, 1984).

É como se o sertão perdesse o seu misticismo, este esmorecido pela progressiva exposição. Ao

abrandar sua vastidão e imprevisibilidade, o medo que ele impunha esmaece. Era preciso dar um

novo sentido para o sertão.

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Capítulo 4 - MangueBit e a “retomada” do cinema pernambucano

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Na década de 90, eclode no estado de Pernambuco o movimento MangueBit que

transfigura o cenário cultural e subverte as bases da cultura local. Capitaneado por Chico

Science, vocalista da banda Nação Zumbi, e Fred Zero Quatro, da banda Mundo Livre S/A, o

movimento estabeleceu uma relação dialética entre a herança cultural pernambucana e os

costumes vigentes no mundo à época. O Maracatu ganhou arranjos de guitarra e o chapéu de

palha familiarizou-se com o tênis ‘Adidas’. “O pós-modernismo não é um estilo mas a co-

presença tumultuada de todos, o lugar onde os capítulos da história da arte e do folclore cruzam

entre si e com as novas tecnologias culturais.” (Canclini, 1997, p. 307). O MangueBit fomentou a

fusão do tradicional ao moderno, inserindo Recife no debate da globalização e do hibridismo

cultural. Do bojo deste movimento, surge a “retomada” do cinema brasileiro. Atentos ao

indelével legado do Cinema Novo, Lírio Ferreira e Paulo Caldas, resgatam o sertão a partir de

um novo prisma, lapidado pela pós-modernidade. Para isso, era preciso romper com os

paradigmas estabelecidos, subvertendo a imagem do sertão, do cangaço e do povo sertanejo. No

último capítulo de seu livro “Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade”,

texto que se debruça sobre o entrelaçamento cultural e as transformações motivadas pela

tecnologia na cultura pós-moderna, Canclini aponta que: “Todas as artes se desenvolvem em

relação com outras artes: o artesanato migra do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e

canções que narram acontecimentos de um povo são intercambiados com outros.” (Canclini,

1997, pp. 325-326). É este emaranhado de culturas e manifestações artísticas, advindas de todas

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as partes do Ocidente, que agiu sobre a fecunda juventude pernambucana dando vida ao

movimento MangueBit.

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Como conclusão provisória, parece então que a globalização tem, sim, o efeito de
contestar e deslocar as identidades centradas e “fechadas” de uma cultura nacional. Ela
tem um efeito pluralizaste sobre as identidades, produzindo uma variedade de
possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as identidades mais
posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-
históricas. Entretanto, seu efeito geral permanece contraditório. Algumas identidades
gravitam ao redor daquilo que Robins chama de “Tradição”, tentando recuperar sua
pureza anterior e recobrir as unidades e certezas que são sentidas como tendo sido
perdidas. Outras aceitam que as identidades estão sujeitas ao plano da história, da
política, da representação e da diferença e, assim, é improvável que elas sejam outras
vez unitárias ou “puras” (…). (Hall, 2005, p. 87)
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A busca por um lugar intocado pela cultura exógena, força motriz da segunda fase do Cinema

Novo, de 1964 a 1968, esvanece na virada do século, pois este espaço ‘virgem’ já não existe

mais. A migração e o processo de urbanização na malha rural, bem como a ascensão social de

uma nova classe média, provoca mudanças ao defrontar a cultura do campo com a

heterogeneidade do espaço urbano e os avanços tecnológicos que este traz. O jegue foi

substituído pela motocicleta, as ruas do interior foram poluídas por cabos elétricos e os

descendentes de migrantes do êxodo rural voltam às suas comunidades pelo céu. Tais processos

modificam as relações interpessoais entre indivíduos circunscritos em um grupo específico. A

influência da globalização, marcada por um amplo fluxo de informações e “oferta simbólica

heterogênea”, ressignifica e reforma as culturas locais, adulterando o vínculo entre indivíduo,

cultura local e comunidade. Do consumo desta amálgama de culturas, que possibilita assistir a

um filme francês ou escutar os sucessos da parada de música americana em comunidades rurais,

surge um hibridismo que será refletido no campo das artes.

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Sem dúvida, a expansão urbana é uma das causas que intensificaram a hibridação
cultural. O que significa para as culturas latino-americanas que países que no começo do
século tinham aproximadamente 10% de sua população nas cidades concentrem agora
60 ou 70% nas aglomerações urbanas? Passamos de sociedades dispersas em milhares
de comunidades rurais com culturas tradicionais, locais e homogêneas, em algumas
regiões com fortes raízes indígenas, com pouca comunicação com o resto de cada nação,
a uma trama majoritariamente urbana, em que se dispõe de uma oferta simbólica
heterogênea, renovada por uma constante interação do local com redes nacionais e
transnacionais de comunicação. (Canclini, 1997, pp. 264-265)
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Filmes como “Baile Perfumado” (Lírio Ferreira e Paulo Caldas, 1996) e “Árido Movie”

(Lírio Ferreira, 2006), incorporam o regionalismo ao contemporâneo, resgatando símbolos da

cultura nordestina para remodelá-los sob a influência do ‘pop’. O resultado é uma abordagem

iconoclasta do sertão e da cultura nordestina, refletindo um olhar sobre os novos tempos que

busca romper com arquétipos engendrados pelo Cinema Novo. Conscientes do hibridismo

cultural e das influências exógenas no cotidiano pernambucano, estes realizadores reúnem

diversas manifestações artísticas do ‘mainstream’ para afirmar traços característicos da cultura

pernambucana dentro de uma estrutura globalizada. As obras não se afastam do regional, pelo

contrário, reiteram-no de uma maneira nova, condizente com as mudanças ocorridas na pós-

modernidade. A globalização tem um efeito descentralizante sobre a cultura local, a imediatez do

fluxo de comunicações e o compartilhamento de imagens e manifestações culturais por pessoas

em diferentes lugares do mundo — filmes, músicas, programas televisivos — tornam as

identidades mais voláteis e desvinculadas de lugares e tradições específicas. Alguns teóricos

argumentam que a globalização e o intenso fluxo de informações levarão a um enfraquecimento

da cultura local, solapando-a em virtude do ‘mainstream’. Este é o caso de Kenneth Thompson

(apud. Hall, 2005, p.74) para quem a multiplicidade de estilos “aquela ênfase no efêmero, no

flutuante, no impermanente” está levando a degradação das culturas locais. Tendo a concordar

com os que rechaçam essa posição — como Kevin Robin (apud. Hall, 2005, p.77 ) —
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conjecturando que, em meio ao bombardeio de informações, a cultura local se fortalece e surgem

novas manifestações culturais. Segundo Robin, a tendência em direção à unicidade cultural e

homogeneização global culmina em um interesse pelo local, de caráter atípico e insólito, “ao

lado da tendência em direção à homogeneização global, há também uma fascinação com a

diferença e com a mercantilização da etnia e da “alteridade”.” (Hall, 2005, p. 77). Num mundo

de fronteiras pulverizadas e distâncias encurtadas o intercâmbio entre culturas e a antropofagia

artística se torna possível.

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Hoje, os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em hip-hop, colapso da
modernidade, Caos, ataques de predadores marítimos (principalmente tubarões), moda,
Jackson do Pandeiro, Josué de Castro, rádio, sexo não-virtual, sabotagem, música de
rua, conflitos étnicos, midiotia, Malcom Maclaren, Os Simpsons e todos os avanços da
química aplicados no terreno da alteração e expansão da consciência. (Caranguejos com
Cérebro, Manifesto MangueBit, 1992, Fred Zero Quatro)
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Em “Baile Perfumado”, filme-matriz da “retomada”, o libanês Benjamin Abrahão

acompanha Lampião e seu bando, pelas margens do vale do São Francisco, durante os últimos

meses de vida do cangaceiro. A fita mescla material de arquivo, filmado por Benjamin, às

sequências de ficção. A riqueza do registro impressiona principalmente pela postura passiva de

Lampião que dança, se diverte e pisca em direção à câmera enquanto um estrangeiro o filma.

Para nós, nascidos no final do século XX, é como assistir a personagens folclóricos, distantes na

memória e cujas histórias ouvimos apenas por relatos orais, jamais associando-as à imagens

documentais. A combinação entre arquivo e ficção sintetiza a dialética entre o antigo e o novo,

memória e fábula, própria do MangueBit. O Maracatu recheado com ‘riff’s’ elétricos e pesados

de Chico Science rege a apresentação de um sertão verde e abundante em água, destoante do

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retrato árido e opressivo das obras do Cinema Novo. Lampião é retratado como um bandido que

transgride as regras do cangaço, goza de bens tipicamente burgueses, como uísque e perfume

francês, e se encanta pela fotografia — arte mediada por uma invenção tecnológica — a câmera.

“Baile Perfumado” foi o primeiro longa metragem feito em Pernambuco após um longo hiato de

vinte anos; o filme reflete a ebulição cultural que havia tomado conta do estado, um caldeirão de

manifestações artísticas que finca a parabólica no mangue.

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Capítulo 4.1 - Políticas públicas de fomento à produção cinematográfica pernambucana

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Pernambuco tem sido, durante as últimas décadas, referência na produção de um cinema

de qualidade, angariando fãs e prêmios1 ao redor do mundo, e estabelecendo-se como um polo


 

multifacetado da produção cinematográfica nacional; um cinema autoral que se opõe às

comédias pasteurizadas e filmes biográficos — explorados à exaustão pelas grandes produtoras e

distribuidoras. As narrativas pujantes questionam nossa realidade social e revelam o

compromisso político de seus realizadores, pouco preocupados com os números de bilheteria que

o filme atingirá. O destino é outro, o modo de fazer cinema é único e a relação com os filmes é

atípica, como Kleber Mendonça Filho define: “filmes pessoais e estranhos.”

!
Seja com a sordidez e violência de Cláudio Assis, a sensualidade transgressora de Hilton

Lacerda ou a austeridade e o rigor técnico de Kleber Mendonça Filho; Pernambuco é presença

constante nos festivais de cinema ao redor do mundo. No meio de tudo isso, figuram também:

Tião, vencedor do prêmio ‘Un Regard Neuf’, em Cannes, com o curta-metragem “Muro” (2008);

1!“Aquarius” (2016) – Prêmio de Melhor Filme no Grande Prêmio de Cinema Brasileiro; Prêmio do Júri no World
Cinema of Amsterdam (g1.globo.com)
“Baile Perfumado” (1996) – Prêmio de Melhor Filme no Festival de Brasília (www.correiobrasiliense.com.br)
“Cinema Aspirinas e Urubus” (2005) – Prêmio de Melhor Filme no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro
(www.gazetadopovo.com.br)
“Muro” (2008) – “Un Regard Neuf” no Festival de Cannes (cultura.estadao.com.br)
“Recife Frio” (2009) – Melhor Diretor no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro; Melhor Filme no Festival de
Brasília do Cinema Brasileiro; Melhor Filme na Mostra de Cinema de Tiradentes (www.portacurtas.com.br)
“Som ao Redor” (2012) – Melhor Filme na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo; Filme da Crítica no
Festival de Gramado; Melhor Filme e Roteiro no Festival do Rio; Prêmio da Crítica no Festival Internacional de
Roterdã (FIPRESCI) (oglobo.globo.com)
“Um Lugar ao Sol” (2009) – Prêmio do Júri no Festival Internacional de Documentários de Santiago; Prêmio do Júri
no Festival de Filmes Etnográficos do Rio de Janeiro (pt.gabrielmascaro.com)

!17
Marcelo Lordello que apresenta o contraste entre uma menina da cidade e uma família do

interior em “Eles Voltam” (2012); Marcelo Gomes, diretor de “Cinema Aspirinas e

Urubus” (2005) e “Joaquim” (2017), e Heitor Dhalia diretor de “O Cheiro do Ralo” (2006). Lírio

Ferreira se esforça para explicar tamanha criatividade: “É essa coisa de ser o primeiro porto

abaixo do Equador, de ter muito contato com o estrangeiro, essa inquietude de mudar o mundo,

de buscar liberdade, criar seus sonhos, de não se entregar fácil” (OLIVEIRA, Daniel.

Pernambuco no Comando. Jornal O Tempo, Minas Gerais, 31 jul. 2016). Tal fartura e fertilidade

pode ser justificada pelas políticas públicas de incentivo à cultura, implementadas a partir do ano

de 2003 com a criação da Funcultura e, ulteriormente, com a criação do Funcultura Audiovisual,

em 2007.

Criado em 2003, o Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) é o


mecanismo concebido e implantado pelo Governo de Pernambuco para unificar as ações
de incentivo à produção cultural no Estado. Em 2005 e 2006, o Funcultura investiu R$ 4
milhões por ano na produção independente. Já em 2007, a verba para o fundo aumentou
para R$ 6 milhões. As mudanças adotadas no Funcultura desde 2007 — ampliação do
recurso em 200% para projetos independentes e modelo de co-gestão com a classe
cultural - vem garantindo que cada vez mais produtores e projetos concorram ao
incentivo. (Referência: http://www.cultura.pe.gov.br)
!
Os filmes analisados neste trabalho — Aquarius (Kleber Mendonça Filho, 2016), O Som ao

Redor (Kleber Mendonça Filho, 2012), Avenida Brasília Formosa (Gabriel Mascaro, 2010), Um

Lugar ao Sol (Gabriel Mascaro, 2009) e Recife Frio (Kleber Mendonça Filho, 2009) — foram

todos realizados com o apoio da Funcultura.

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Entre 2003 e 2006, houve um acúmulo de experiências, um acúmulo de filmes que
foram funcionando ao longo de dez anos, nós temos agora uma espécie de segmentação
da qualidade e da quantidade das produções cinematográficas em Pernambuco, muito
embora isso para mim seja um mistério. Se você parar para analisar o porquê de
Pernambuco se destacar no cenário brasileiro, vai achar um pouco misterioso, uma vez
que nós não temos equipamento, não temos escolas, laboratórios, e de alguma forma a
produção existe, ela funciona e o nível de acerto é muito alto, tanto de curta-metragem

!18
como de longa-metragem. Em dez anos, fizemos nove filmes, dez contando com um que
vai se lançado ainda este ano e desses dez filmes eu diria que oito ou nove são
destaques, viajaram, foram para festivais, ganharam prêmios e foram vistos nos cinemas
no Brasil. Essa fase é marcada pela presença do Funcultura do Governo de Pernambuco,
mas ainda continuamos sem uma política definida para o cinema. (Kleber Mendonça
Filho, Cinema Pernambucano: Políticas e Leis de Incentivo, Williams Santos de
Oliveira, Universidade Federal de Pernambuco, 2008)
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Capítulo 5 - Um novo olhar
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Ao longo da década de 90, Recife passou por um período de crescimento econômico e

imobiliário, tendo como consequência direta uma vertiginosa verticalização da cidade. Com o

crescimento da capital e a expansão de seu centro urbano, a tendência por construções com

muitos pavimentos se tornou uma constante, preterindo casas por prédios que abrigam um

número maior de pessoas e geram mais renda. Segundo um estudo da EMPORIS (2017), base de

dados alemã relativa à industria da construção civil, Recife ocupa a octogésima quinta posição

entre as cidades com maior número de arranha-céus do mundo. A parte do Rio de Janeiro e São

Paulo, é a única capital brasileira presente na lista, composta maioritariamente por cidades

asiáticas e americanas.

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O bairro de Boa Viagem, área nobre que comporta um dos metros quadrados mais caros

da cidade, é um exemplo negativo destas intervenções construtivas sem planejamento urbanístico

adequado. Em vinte anos, o bairro viu erguer-se linhas retas e verticais que alteraram a paisagem

urbana e trincharam os espaços, exercendo uma influência sobre o comportamento humano e a

organicidade do local. “Em 1996, Boa Viagem tinha 43% de suas unidades habitacionais em

imóveis com mais de 10 pavimentos, passando em 2003, para 57%, sendo 4,2% com mais de 20

pavimentos. (SEPLAN/PCR, 2006).” (Ferreira da Costa, 2008, pp. 238-239). Para além da

poluição visual e da segregação do lote privado e o espaço público, a proximidade dos edifícios

!20
com a beira da praia dificulta a circulação de vento na parte interna do bairro e projeta sombras

na faixa de areia.

!
Como solução primária para a verticalização da cidade, a prefeitura do Recife aprovou

em 2008 o Plano Diretor (Secretaria de Planejamento Urbano, Prefeitura do Recife), que

estabelece parâmetros para construções de acordo com a área residencial: limites de altura,

preservação de espaço verde e proibição de edifícios próximo à praças e margens de rios. No

entanto, pouco antes da legislação entrar em vigor, empreendedores imobiliários que tomaram

conhecimento do “Plano Diretor” aproveitaram-se do gargalo, entre a aprovação e vigoração da

lei, para validar centenas de projetos que não cumpriam com as normas previstas. O núcleo da

problemática reside na falta de legislações efetivas, que acentuam a urbanização insustentável de

uma metrópole sem planejamento e desconsideram o caráter primordial de uma cidade — a

integração.


A violência disseminada pela metrópole é outro agravante que trincha as ruas e ergue

muros cada vez mais altos. O medo fomentou o planejamento urbano para dentro de muros e

condomínios, ignorando a característica gregária da cidade e do espaço público. De acordo com

o ranking das cidades mais perigosas do mundo —estudo feito pelo “Conselho Cidadão de

Segurança Pública e Justiça Penal A.C.” (2016) da Cidade do México com base no “BOLETIM

TRIMESTRAL DA CONJUNTURA CRIMINAL EM PERNAMBUCO 4o. Trimestre 2016” —,

Recife ocupa a vigésima sexta posição na ignóbil lista de violência. A segregação do espaço faz

com que as ruas se tornem cada vez mais desertas e os paredões que ocultam o infrator no

!21
momento do crime geram um efeito revés à segurança que os muros asseguram. O alto nível de

criminalidade instalou câmeras de segurança, trancou os cidadãos por trás de grades e separou-os

em condomínios, arrefecendo a cidade ao transformá-la em um espaço inóspito.

!
Conscientes das mudanças demográficas e os óbices estruturais do Recife, Kleber

Mendonça Filho e Gabriel Mascaro inscrevem suas narrativas no cerne da metrópole

pernambucana para denunciar disparidades na malha urbana, contrastes sociais, deficiências

sócio-políticas e o legado atroz da escravidão brasileira. Kleber Mendonça Filho iniciou sua

carreira como crítico cinematográfico do Jornal do Comércio (PE), da revista Continente (PE), e

dos sites Cinética e Cinescópio. Após um longo período como jornalista, aproveitou-se da

mudança do analógico ao digital, que facilitou a produção de conteúdo audiovisual, para realizar

curtas metragens. Surgiram nesta época: “A Menina do Algodão" (2003), “Vinil Verde” (2004),

“Eletrodoméstica" (2005) e “Recife Frio” (2009). “O Som ao Redor” (2012) marcou a estreia do

diretor em longa metragem ficcionais e o projetou para o mundo. Cinco anos depois, Kleber

levou “Aquarius” (2016) ao prestigiado festival de cinema em Cannes. Gabriel Mascaro é quinze

anos mais jovem que Kleber Mendonça Filho mas já figura no rol dos grandes diretores

pernambucanos da contemporaneidade. Sua cinematografia, composta maioritariamente por

documentários (4 documentários e 2 ficções), aborda questões sócio-políticas — tensões

urbanas, relação de classes, trabalho doméstico e condições de moradia — em uma zona

limítrofe entre documentário e ficção.

!22
Os filmes de Kleber Mendonça Filho e Gabriel Mascaro retratam as tensões urbanas e as

inseguranças típicas das metrópoles, conferindo às narrativas maior poder de alcance e potencial

de assimilação. A miséria do sertão já fora denunciada, os êxodos rurais são uma realidade

distante, o “novo” Pernambuco, urbano e globalizado, reivindica uma cinematografia que o

caracterize.

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Capítulo 5.1 - O Som ao Redor

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As fotos do antigo Pernambuco que inauguram o filme evocam um passado iníquo que

deixou cicatrizes e fundamentou a sociedade pernambucana contemporânea. O sertão, os

camponeses, os capatazes e a Casagrande, entram em coalescência com a imagem hodierna do

Recife refletindo em sua face as mazelas derradeiras do período colonial. Da sequência de fotos

somos levados à garagem de um prédio onde um casal de crianças anda de bicicleta e patins. A

câmera os persegue e encerra seu movimento em um “parquinho" onde babás — negras — ,

trajadas das costumeiras fardas brancas, cuidam de crianças. Ao fundo, um prenúncio de duas

tônicas do filme: grades e ruídos de máquinas.

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Situada em Recife, a narrativa tem como espaço primordial uma rua no bairro de Setubal,

subdivisão informal de Boa Viagem. Ao longo do filme, vemos os personagens cercados sob a

égide de paredes, muros e grades; protegendo-se do perigo latente, porém adormecido, da

capital. Os prédios que almejam o céu, separados por uma pequena distância, enclausuram

também o espectador que transita, com o auxílio de lentes teleobjetivas e ‘zoom-ins’, por vielas e

esquinas. A arquitetura agressiva da cidade é regida sob acordes dissonantes de ruídos

estridentes, alarmes e latidos, que contribuem com destreza ao retrato do caos citadino que é a

capital pernambucana.

!
Recife segue um modelo de construção vertical explorando ao máximo o metro quadrado

para abarrotá-lo de pessoas e obter lucro. Uma capital de linhas retas que se urbaniza às ordens

!24
de grandes empreiteiras sem se preocupar com a integração entre o indivíduo e o espaço. Como

quem não duvida da lucidez e função assimilativa do espectador, Kléber constrói sua crítica nas

entrelinhas — uma denúncia verbal da verticalização da cidade é preterida por planos gerais de

arranha-céus, a violência se manifesta de maneira tácita e o ambiente é carregado de um perigo

iminente.

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Segmentado em três partes — Os Cães de Guarda, Os Guardas Noturnos, Guarda Costas

—, a narrativa gravita em torno das famílias de João, interpretador por Gustavo Jahn, e de Bia,

interpretada por Maeve Jenkins. Na primeira, a estrutura patriarcal é muito clara — Francisco é

dono de um engenho em Bonito, seu filho Anco mora na única casa em meio aos prédios da rua,

e seu neto, João, é corretor de imóveis. Todos moram sozinhos e têm como única companhia

feminina uma empregada doméstica. No primeiro exercício de sua profissão, João visita um

apartamento à venda e, ainda no térreo do prédio, informa: “esse prédio tem sistema de

segurança e esta área é coberta por sensores”. A resposta de sua cliente é ácida e contundente:

“nossa, isso aqui parece uma fábrica.”. Da sala de estar, a vista sufoca com blocos de concreto,

não se enxerga nada além de prédios. Durante a visita, João enfatiza que o quarto de empregadas

tem janela, um comentário trivial visto a imprescindibilidade de uma corrente de ar a qualquer

aposento.

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Bia é uma dona de casa que sofre de insônia devido aos latidos do cachorro vizinho e se

divide entre suas tarefas cotidianas: cuidar de seus filhos, faxinar a casa e, ocasionalmente, gozar

com o tremor da máquina de lavar. Da televisão ao aspirador de pó, a vida mediada por

!25
eletrodomésticos é o ponto de partida para uma crítica ao consumismo e à presença exacerbada

de produtos eletrônicos no cotidiano. Esta dependência e devoção ao consumo fomenta inveja na

vizinha de Bia que, ao perceber que esta comprou uma televisão com um maior número de

polegadas, agride-a com tapas. Bia também é refém dos eletrodomésticos, utiliza um aspirador

de pó para sugar a fumaça que evola de seu baseado, um aparelho emitente de som agudo para

livrar-se do latido do cachorro e a máquina de lavar para se masturbar. Na vida desta dona de

casa tipicamente brasileira, o prazer — em forma de distração, silêncio e gozo — está sempre

subordinado às máquinas.

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A ausência de uma ‘vigilância social’, resultado de uma segregação espacial por muros

altos e opacos, é solucionada por uma oferta de serviço de segurança. Clodoaldo, interpretado

por Irandhir Santos, apresenta aos moradores do bairro um serviço de vigilância noturna — uma

milícia que, ao preço de vinte reais, patrulhará a rua que protagoniza o filme. Preocupados com a

segurança do bairro, os moradores aceitam o trabalho oferecido. A vida naquela plácida rua de

classe média passa a ser policiada por Clodoaldo e seus companheiros, que tomam conhecimento

das infidelidades de uma moradora, da venda de maconha e interferem na circulação de

transeuntes. Durante duas horas, o perigo tácito suspende o espectador em tensões que não se

concretizam em atos de violência. A aparição de um meliante no telhado, o sonho de Fernanda no

qual estariam invadindo a sua casa e os planos da rua deserta revigoram o medo que a cidade

impõe.

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Ao contrário, viver em uma grande cidade não implica dissolver-se na massa e no
anonimato. A violência e a insegurança pública, a impossibilidade de abranger a cidade
!26
(quem conhece todos os bairros de uma capital?) levam a procurar na intimidade
doméstica em encontros confiáveis, formas seletivas de sociabilidade. Os grupos
populares saem pouco de seus espaços, periféricos ou centrais; os setores médios e altos
multiplicam as grades nas janelas, fecham e privatizam ruas do bairro. Para todos o
rádio e a televisão, para alguns o computador conectado para serviços básicos,
transmitem- lhes a informação e o entretenimento a domicílio. (Canclini, 1997, pp.
265-266)
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O orgulho torpe da Casagrande emerge nas reiterações de Francisco sobre suas terras, na

reunião de condomínio para definir a demissão do porteiro e na ojeriza de Dinho à pobreza: “isso

aqui não é favela, aqui é lugar de gente rica, gente com grana”, vitupera o personagem. Na

viagem de João e Sofia (Irmã Brown) — único momento na narrativa fora de Setubal — a

memória insubstancial da escravidão se traveste de engenho. O cinema abandonado nas

proximidades da casa reverbera gritos elegíacos de temor, reminiscências de um local onde

imperava o chicote de aroeira. Ainda no engenho, o banho de cachoeira reserva a cena mais

emblemática do filme: de súbito, a água que cai sobre João é tingida de vermelho, uma epifania

do sangue derrubado naquele lugar. Se, para Humberto Mauro, “cinema é cachoeira”, a de

Kléber é manchada de sangue.

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Com assaz astúcia, digna de um crítico de cinema, Kléber estabelece uma relação história

entre úlceras do período colonial e tensões urbanas das capitais. O patriarcalismo feudal é

encarnado por Francisco, a moradia precária das favelas, fruto das contradições entre o campo e

a capital, imiscui-se em meio aos prédios e condomínios e o quarto de empregadas, resquício da

senzala, é um quadrado exíguo e asfixiante. A crônica urbana traz à baila problemas enraizados

na sociedade brasileira — a desigualdade social, a exploração do trabalho e a arrogância dos

empossados. A rua em Setubal é um microcosmo do Brasil e o caráter abrangente e genérico da

!27
narrativa intensifica a assimilação da obra com espectadores de diversos estados do país. Em “O

Som ao Redor”, o sertão reflete na cidade as chagas abertas de um passado não tão longínquo.

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Capítulo 5.2 - Recife Frio

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No curta-metragem Recife Frio (2009), a cidade é personificada e elevada ao papel de

protagonista. A narrativa parte de uma premissa absurda na qual Recife fora tomada por uma

constante frente fria submetendo a cidade à temperaturas abaixo de 10 graus célsius. Uma

emissora de televisão Argentina, “El Mundo En Movimiento”, vai à capital para cobrir o insólito

fenômeno que castiga a população recifense. Sob a ótica estrangeira, o curta se mascara de

documentário e o didatismo (típico dos telejornais) lhe confere credibilidade e verossimilhança

diante do fato inconcebível.

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Recife é descrito como um lugar insalubre, com cheiro de urina e atravessado por “um

caldo escuro que uma vez foi um rio… o Capibaribe”. A massa de ar que anuvia a cidade e

estremece os cidadãos é ainda mais impiedosa com os mendigos. Desabrigados e carentes de

agasalhos, os moribundos ateiam fogueiras nas ruas tornando-as ainda mais poluídas; o que antes

era sujo, torna-se imundo. A primeira severa consequência dos sete meses de sol ausente é o

número de mortes — mais de trezentos moradores de rua padecem. O abandono é agravado pelo

frio perpétuo, é preciso um aumento na taxa de mortalidade para chamar atenção àqueles à

margem da sociedade. Satírico e costumeiramente perspicaz, Kléber perscruta as consequências e

transformações sociais que advém da mudança climática. No âmbito religioso, os católicos

atribuem o mau tempo a um castigo, enquanto os evangélicos o veem como uma personificação

de forças satânicas. Os repentistas, “Pinto e Patativa”, adaptam seus cânticos ao novo cotidiano;

Clodoaldo Alves, o papai Noel, não mais precisa se desidratar durante seu ofício e o mercado de

!29
São José, famoso por sua feira de artesanatos, vende reinterpretações do frio — as casas de argila

ganham chaminés e a “nova família pernambucana” se reúne em volta da lareira.

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Vítimas arquitetônicas do frio, os Nogueira compraram um apartamento na orla da praia

de Boa Viagem, metro quadrado mais caro do Recife à época, para se beneficiarem da estrutura

de ventilação do imóvel. Após a catástrofe ambiental, o apartamento tornou-se insuportável para

família que acompanhou a sua inopinada desvalorização. O ínfimo quarto de empregadas, com

janelas mínimas ou inexistentes, transformou-se no ambiente mais agradável do apartamento

pois é também o mais acalentador. O recluso aposento oculta as péssimas condições às quais

empregadas domésticas são submetidas e seria, segundo Kléber, um “fantasma moderno da

senzala”. O frio trouxe consigo uma subversão de papéis na família de classe alta, o filho dos

patrões, insatisfeito com a temperatura ambiente de seu quarto, se apossa do quarto da

empregada, mesmo contra sua vontade. Gleice é obrigada a dormir no aposento com

temperaturas abaixo de cinco graus e vê sua patroa descrevê-la como “um peixe fora d’água”,

pois nunca dormiu em uma suíte — um escárnio que retrata o preconceito para com as classes

mais baixas.

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A partir de um elo com o livro “Roteiro para Construir no Nordeste”, de Armando de

Holanda, o narrador exprobra a arquitetura agressiva e hostil da cidade — um espaço urbano

caótico segregado por linhas e ângulos retos. Armando de Holanda foi um arquiteto que buscou

soluções benévolas para o desenvolvimento urbano das cidades nordestinas, um caminho

antagônico ao que Recife trilhou nas últimas décadas.

!30
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“Tentemos apreender a fluência entre a paisagem e a habitação, entre o
exterior e o interior, para desenharmos portas que sejam um convite aos
contatos entre os mundos coletivo e individual. (…) Deixemos os espaços
fluir, fazendo-o livre, contínuo e desafogado. Separemos apenas os locais
onde a privacidade, ou a atividade neles realizada, estritamente o
recomende.” (Holanda, Roteiro para Construir no Nordeste, 1971, pp. 27-31)
!
A capital pernambucana adoece com o medo de uma cidade notoriamente perigosa. Erguem-se

cada vez mais muros — altos e opacos —, em nome da segurança de poucos, construindo uma

metrópole não gregária.

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O mal tempo ‘kafkiano’ é apenas um pano de fundo para a denúncia de uma cidade

cindida e órfã de uma população ativamente política; a revolução cultural que sucede no “Recife

frio” é desconexa ao manto cinzento que cobre o céu da cidade. Recife é uma cidade tropical,

com clima propício ao uso coletivo de seu espaço público — bares, praças e parques — e, no

entanto, a população, embotada pelo consumismo, lota os ‘shopping centers’ aos fins de semana.

O abandono das ruas e o clima inóspito que se instalou não advém da onda frívola mas da falta

de um planejamento urbano eficiente e de uma população participativa nas decisões políticas.

Quinze anos antes do curta metragem ser exibido, Chico Science proferira: “A cidade não para, a

cidade só cresce. O de cima sobe e o de baixo desce.”

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Capítulo 5.3 - Avenida Brasília Formosa

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Como quem desafia o ditado “água mole pedra dura, tanto bate até que um dia fura”, a

comunidade de Brasília Teimosa resiste à política de remoções e ao mar que tenta invadir o

bairro. A favela é localizada na Zona Sul do Recife, uma área nobre ao lado de um dos metros

quadrados mais caros da cidade, a praia de Boa Viagem. Cunhada de ‘Teimosa’ devido à

resistência perante as extradições, a comunidade é o espaço primordial de “Avenida Brasília

Formosa” (2010) longa metragem de Gabriel Mascaro.

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A narrativa gravita em torno de quatro personagens — Débora, Fábio, Cauã e Pirambu —

sem eleger protagonistas, o cerne da obra é a favela e as relações interpessoais, um retrato

humanista do local e do cotidiano. Os personagens são um detalhe em meio à favela e à cidade

do Recife. As críticas à moradia e falta de planejamento urbano surgem em contraposições entre

prédios cobertos por véus e moradores de Brasília Teimosa construindo suas próprias casas.

Atrás da praia, a muralha de prédios bloqueia a vista da cidade sufocando os pedestres e

condenando a visão a poucos metros. Através das ondas sonoras do rádio, anuncia-se o

infortúnio: “As comunidades removidas das zonas de risco do bairro de Brasília Teimosa, Vila

Vintém 2 e Bueirão, estão convidadas a participarem da assembleia mensal. Iremos tratar da

reforma da portaria, segurança interna e limpeza.”

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Os diálogos que permeiam o filme não conduzem o roteiro em uma direção específica,

eles são um mosaico de experiências em oposição à uma trajetória bem definida. O fluir da

!32
narrativa é orgânico tendo o acaso como principal condutor das ações, os discursos apenas

ilustram o cotidiano dos moradores de Brasília Teimosa. A pulverização da fronteira entre

documentário e ficção acentua este fluxo — as sequências em espaços públicos são urdidas à

encenações da vida dos personagens, desorientando o espectador sobre o que é espontâneo ou

roteirizado. A fotografia é outro ponto que põe em brumas esta dicotomia, a preocupação com a

luz e a cor são típicas do cinema de ficção, ainda que a cena apresente um caráter documental.

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Débora é uma manicure cujo sonho é participar do Big Brother Brasil e para gravar o seu

filme de candidatura, ela contrata o serviço de Fábio, um garçom que trabalha como cinegrafista

para aumentar a renda familiar. De festas infantis a palanques políticos, a metalinguagem é

explorada ostensivamente concedendo a totalidade da tela aos vídeos caseiros e jogos

eletrônicos. A alternância entre imagem virtual, aquilo que a câmera de Gabriel Mascaro filma, e

“metavirtual”, os vídeos de Fábio e jogos de ‘videogame’; exacerba o hibridismo da narrativa

gerando uma reflexão sobre natureza da imagem — sua origem e o seu destino. A discussão em

torno do formato de mídia do cinema é corolária da abundância de imagens na pós-

contemporaneidade. Em um mundo mediado por telas e saturado por representações nosso olhar

se torna dúbio. Mascaro não pretende elucidar, pelo contrário, instiga a realidade dando-lhe

novos contornos.

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Deslocado dos palafitas de Brasília Teimosa para o Conjunto Habitacional do Cordeiro,

Pirambu atravessa diariamente a cidade do Recife a caminho do porto. A corrente de sua bicicleta

é o elo entre Pirambu e seu trabalho — a pesca. Uma vez em alto mar, se diverte com os amigos

!33
enquanto esperam o alimento. A profissão faz da morada dos pescadores o mar — transitório e

temporário — em oposição à rigidez da cidade. Pirambu e seu barco, singram a esmo em

constantes deslocamentos.

“Avenida Brasília Formosa” (2010) é uma colcha de retalhos das vidas e experiências dos

moradores de Brasília Teimosa. Gabriel Mascaro não abre mão da poesia para descrever uma

parte desprezada da sociedade pernambucana construindo um filme contemplativo a partir da

observação empírica de seus personagens.

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Capítulo 5.4 - Um Lugar ao Sol

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A estrutura vertical dos edifícios hierarquiza seus habitantes em uma crescente soberba a

cada andar que se sobe. A partir de um livro que cataloga a elite brasileira, Gabriel Mascaro

entrevista moradores de coberturas em prédios do Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, visando

estabelecer um paralelo entre o espaço físico — o apartamento —, e a classe social — a ‘elite’.

Das cento e vinte cinco famílias contatadas, apenas nove concordaram em participar do

documentário “Um Lugar Ao Sol” (2009). Distanciando-se de um estudo de personagem para

esquadrinhar e expor o discurso de uma classe social bem delimitada, Mascaro constrói seu filme

de maneira sóbria; oculta as suas perguntas e estabelece como fio narrativo a fala dos

personagens. Seja na capital pernambucana, paulista, ou guanabara, os torpes depoimentos,

salvas raras exceções, retratam a alienação e o desprezo de um segmento social elitista.

No Rio de Janeiro, a família entrevistada mora em uma cobertura no bairro de Botafogo,

ao lado da comunidade Santa Marta. Acima do resto da população, no cume de sua altiva

ignorância, a depoente afirma não enxergar a pobreza da cidade, restando-lhe apenas a beleza

natural do Rio de Janeiro. A fala ultrajante é sucedida por uma comparação sórdida contrapondo

balas que rasgam o céu durante os tiroteios a fogos de artifício. A falta de integração entre os

diversos setores da sociedade brasileira, bem como o menosprezo da entrevistada para com os

moradores de favelas, vêm à tona logo nos primeiros minutos do filme. O fuzil, instrumento de

execução em massa, é visto como regente de um espetáculo, capaz de proporcionar uma ótica

semelhante a de fogos de artifício.

!35
Ainda na capital fluminense, somos apresentados à mais coerente dos entrevistados —

uma francesa que, após assistir à “Orfeu Negro” (Marcel Camus, 1959), se encantou pelo nosso

país. Seu trabalho consiste em viajar ao longo do Brasil, em busca de artesanatos para serem

vendidos no Rio de Janeiro. O apartamento que vemos é repleto de obras regionais e símbolos de

nossa cultura indígena. Ironicamente, a francesa aparenta ter maior vínculo com a cultura

brasileira dentre todos os personagens; além de uma decoração interior tipicamente regionalista,

já viajou pelas veredas de nosso país, enquanto os outros personagens parecem confinados às

capitais. O apreço desta senhora francesa pelo Brasil, em contrapartida ao desinteresse dos

demais, ressalta negligência desta camada social para com sua pátria.

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A proximidade com a natureza é um dos benefícios descrito por quase todos os

entrevistados. A vista para o mar, a cobertura estrelada e a distância do asfalto representam um

afastamento metafórico da cidade e do espaço público. Amedrontados pela violência das grandes

capitais, a segurança é apontada como uma das principais vantagens de morar em um edifício.

Rodeados por câmeras e seguranças, os condomínios cercam os moradores dentre muros físicos e

simbólicos. O abismo social é escancarado pelo documentário, diferenças de classe bradam em

depoimentos imbuídos de preconceitos velados. Uma das personagens agradece pelo tamanho de

seu apartamento pois não precisa ouvir as conversas de suas empregadas domésticas. O

empresário paulista, dono de um bordel, equipara a classe econômica do avião à uma senzala e

diz lastimar os pobres que não podem dirigir um ‘Jaguar’. Por fim, temos a entrevista de uma

senhora que descreve a sensação de morar em uma cobertura como algo inigualável, justamente

por estar acima dos demais.

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O documentário perscruta as diferenças de classes ao discutir o status da “elite” através

de um microcosmo. Mascaro estava certo do que queria, caricaturar os entrevistados, que, por

sua vez, caíram na sua armadilha. O resultado é um retrato repugnante e alienado de uma classe

cuja arrogância afasta-a da realidade. As coberturas são como ilhas — garantem a segurança,

isolam seus moradores e refletem a inadequação social de nosso país.

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Capítulo 5.5 - Aquarius

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“Aquarius” (2016) é o segundo longa metragem ficcional de Kleber Mendonça Filho, um

filme de resistência que contrapõe, sem ser partidário ou excludente, o velho ao novo. Dos

detalhes diminutos ao mote estrutural da narrativa, esta dicotomia é trabalhada ao longo das duas

horas e meia de filme com ardilosa sutileza — traço idiossincrático de Kleber — para expor uma

contemporaneidade inundada em adventos tecnológicos. O posicionamento do diretor quanto à

essas mudanças, no entanto, não exprime ceticismo. Clara, protagonista do filme interpretada por

Sonia Braga, não se opõe às novidades tecnológicas mostrando-se transigente às vicissitudes

decorrentes da revolução digital.

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Dividido em três partes — O Cabelo de Clara, O Amor de Clara e O Câncer de Clara —,

o filme inicia vagarosamente com fotos, em preto e branco, da praia de Boa Viagem por volta

dos anos 70. O início isomórfico ao “Som ao Redor” (2012) não é a única semelhança, podemos

ressaltar, em ambos os filmes, familiaridades diegéticas e estilísticas — fotografia austera,

narrativas sugestivas e polissêmicas, tensões urbanas e anseio pela preservação da memória; este

último ponto sendo o núcleo cardeal de “Aquarius” (2016). Em uma sociedade pós-moderna,

onde reina a obsolescência e perecibilidade, o filme reitera a importância dos objetos à memória

afetiva.

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Durante a comemoração de 70 anos de Tia Lúcia, no prólogo do filme, os convidados

entoam “Canções de Cordialidade”, de Manuel Bandeira e Heitor Villa Lobos, enquanto a

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aniversariante fita um móvel que invoca memórias eróticas de sua juventude. Aquele objeto

funcional, ignorado por todos presentes, é a janela recôndita entre Lúcia e o anímico, uma ponte

ao âmago de suas lembranças íntimas. Da mesma maneira, a afeição de Clara por sua coleção de

LPs (‘long play’) ratifica o vínculo entre os objetos e a memória subjetiva, vínculo este que

concede aos objetos um valor simbólico e intransponível. Na entrevista que cede à duas jovens

jornalistas, ela explica que comprara o disco “Double Fantasy”, de John Lennon, num sebo em

Porto Alegre, para, tempos depois, encontrar no interior da contracapa uma reportagem sobre o

músico. Um simples recorte de jornal, cujo descobrimento só pode ocorrer no mundo físico,

vinculou Clara a John Lennon, conferindo ao objeto um valor sentimental único.

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Os sistemas de ‘streaming’ e ‘downloads’ vieram em meio à uma onda pós-moderna que

engavetou discos e empilhou fitas cassetes. A relação com o consumo cultural mudou — tornou-

se imediata e plural — embaralhando diversas manifestações artísticas sob uma única

plataforma. O apreço de Clara por seus vinis, uma forma de preservar suas lembranças e atrelá-

las à imagens ou músicas específicas, é também um aforismo crítico ao consumismo e à

especiosa impressão de que é sempre preciso comprar o novo, condenando o antigo a depósitos e

sótãos empoeirados.

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Na orla da praia de Boa Viagem, o prédio Aquarius destoa das rígidas torres que o

circundam — sua estrutura é horizontal, livre de grades e cercas, e tingida de azul, antagônica à

gama de cinzas que predomina nas moradas vizinhas. Clara é a última moradora do prédio em

que viveu com seu falecido marido, criou seus filhos e cantou parabéns nos 70 anos de Tia Lúcia.

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A construtora “Bonfim”, cujo projeto é construir um prédio semelhante aos vizinhos, comprou os

outros apartamentos com promessas de retorno financeiro aos vendedores. O impasse no plano

megalomaníaco da empreiteira reside no fato de que, para Clara, o apartamento não é vendável,

seu valor é da ordem afetiva e não monetária. A partir de sua negação, a construtora conduz uma

ofensiva para tentar convencê-la a entregar o apartamento. Clara, por sua vez, resiste tenaz às

sórdidas tentativas de persuasão que se estendem de surubas a dejetos nas escadas. 


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A acidez do diretor, já atestada em “Recife Frio” (2009) e “O Som ao Redor” (2012), se

faz notar através de planos insinuantes e diálogos pungentes. Na orla da praia, o salva vidas

Roberval, interpretado por Irandhir Santos, e Clara participam de um exercício que consiste em

deitar no chão e rir, sim, apenas rir. Enquanto deleitam-se os participantes, Kleber aponta sua

câmera para um grupo de jovens negros que se aproximam. A reação primária e instintiva é crer

que os transeuntes, que supomos ser da periferia, causarão arruaça ou roubarão o grupo que jaz

no chão. Os meninos, no entanto, se juntam aos participantes. A manifestação de um racismo

dissimulado provoca uma reflexão — o preconceito raramente é admitido por quem o pratica e,

não obstante, a discriminação surge em eventos cotidianos. A cisão da cidade é representada por

rastro de esgoto na praia que separa o bairro Pina, continuação da praia de Boa Viagem, de

Brasília Teimosa — favela mais antiga


✓ do Recife. Para o Pina saneamento básico, para Brasília

Teimosa esgoto a céu aberto. Desta forma, a cidade se estrutura em cima de fraturas e exclusões

da população de baixa renda.

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Clara é a personificação do prédio em que mora — Aquarius —, uma metáfora

segmentada em camadas. O câncer de mama que sofrera quando jovem é análogo aos cupins que

corroem o interior do prédio, ameaçando desmoroná-lo. A resistência frente à construtoras e

consórcios é a renúncia à uma terceira idade submetida às convenções sociais. Assim como a

arquitetura antagônica do prédio, a personagem tem uma postura ímpar, quase transgressora,

evasiva àquilo que o senso comum julga correto. Clara é uma rocha em meio à expansão

imobiliária e à violenta opugnação das empreiteiras, que nos atesta a necessidade de resistir

através da preservação da memória.

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Capítulo 6 - Conclusão
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As mudanças acarretadas pela expansão urbana e o amplo fluxo de informação tiveram

consequências permanentes no que tange a cultura. O surgimento de novos agentes e

manifestações artísticas, bem como descobertas técnicas e científicas, produziram um efeito

maleável sobre a cultura, intensificando a sua volatilidade e o seu fluxo intercambial. A recepção

de novas manifestações e ritos, que fazem confluir folclore e vanguarda, abre espaço para uma

antropofagia cultural, interseções artísticas que ressignificam a cultura local transfigurando

conceitos pré estabelecidos.

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As culturas já não se agrupam em grupos fixos e estáveis e portanto desaparece a
possibilidade de ser culto conhecendo o repertório das "grandes obras", ou ser popular
porque se domina o sentido dos objetos e mensagens produzidos por uma comunidade
mais ou menos fechada (uma etnia, um bairro, uma classe). Agora essas coleções
renovam sua composição e sua hierarquia com as modas, entrecruzam-se o tempo todo,
e, ainda por cima, cada usuário pode fazer sua própria coleção. (Canclini, 1997, p. 283)
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No final do século XX, este processo foi acelerado pela globalização e a revolução tecnológica,

que tornou-se força propulsora ao surgimento de culturas híbridas — uma amálgama heterogênea

que, por meio da dialética de expressões artísticas díspares, da voz a um novo discurso.

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(…) a “globalização” se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que
atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações
em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em
experiência, mais interconectado. (Hall, 2005, p. 67)
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Em um processo duplo e paradoxal, as identidades nacionais se tornam mais voláteis no caminho

à homogeneidade global enquanto, concomitantemente, esta homogeneização salienta o interesse

pelo local. O grande feito do movimento MangueBit foi concatenar a cultura de base à cidade —
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enquanto o maracatu temperado por guitarras invadiu as rádios, Jackson do Pandeiro dormia com

o ‘rock n’ roll’ americano. O pensamento urbano paulatinamente se imiscuía na comunidade

pernambucana, outrora discernida pela cultura regional “genuína”, livre de influências exógenas.

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A recorrência do cinema ao sertão esterilizou o local, revelando suas lendas e mistérios,

até que sua ressonância o subjugou à categoria do estereótipo. Os filmes escolhidos neste

trabalho têm uma relação mais direta com seus realizadores, ambos são moradores da capital e

familiarizados com as tensões que afligem o cotidiano da cidade. Atribui-se então um traço mais

pessoal à obra, as nuanças são trabalhadas de maneira mais sutil e as críticas desenvolvidas de

maneira tácita. No caso dos documentários, ainda que as obra são submetidas à subjetividade do

realizador, as crônicas citadinas garantem aos filmes uma maior identificação. Não obstante, as

narrativas de Kleber tem um tom “hiperrealista” — os diálogos corriqueiros, a fotografia austera

e o desenvolvimento cadenciado concedem à trama uma matiz cotidiana e habitual. A

abrangência do filme ganha aplidão através da correlação entre espectadores de diversos estados

brasileiros e a narrativa. Em “Recife Frio” (2009) esta relação toma proporções ainda maiores

devido ao olhar estrangeiro da emissora chilena que cobre o fenômeno ilógico.

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Kleber e Mascaro fazem parte de uma geração que se afasta da estética maracatú e da

cultura de base sem, no entanto, rejeitá-las. Apesar das disparidades narrativas e estéticas os

filmes carregam em seu âmago a herança simbólica da cultura pernambucana e problemáticas

que podem ser traçadas ao período retratado na cinematografia do Cinema Novo. A lógica

patriarcal foi basilar para a formação histórica do Nordeste brasileiro e a hierarquia de classes. A

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abolição tardia da escravidão teve severas consequências nas relações entre as camadas sociais e

agravou a desigualdade no Brasil. Para Kleber, o quarto de empregadas — ínfimo e sufocante —

seria um resquício hediondo da escravatura: um “fantasma moderno da senzala”. O coronelismo

e a soberba dos patrões seguem vivos nos depoimentos da classe alta e na regência das

empreiteiras com planos urbanísticos que segregam a cidade; construções que visam construir no

menor espaço, com o maior número de pavimentos possíveis, aumentando a densidade

populacional dos bairros sem um plano efetivo de integração entre o espaço público e o lote

privado.

Os filmes analisados justapõem em progressões cacofônicas conflitos pertinentes ao

hodierno. A mudança de olhar na cinematografia pernambucana contemporânea, do regional ao

urbano, acompanha as vicissitudes da globalização e da pós-modernidade, e os contrastes do

desenvolvimento urbanístico do Recife. Seria um equívoco circunscrever a cinematografia de

todo um estado sob apenas um prisma; a diversidade das obras é a paleta que pinta de cores vivas

o cinema pernambucano. Os filmes de Kleber Mendonça Filho e Gabriel Mascaro são

indissolúveis da herança cultural de Pernambuco, no entanto, malgrado o vínculo com sua terra

natal, almejam um espaço simbólico de maior abrangência; uma reflexão sobre a urbanização

predominante nas sociedades contemporâneas e sistemas de representação que se entrecruzam e

se misturam. O novo cinema pernambucano trás ao seu encontro o resto do mundo.

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Bibliografia 


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CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade.
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GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento. São Paulo: Paz e
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documentário]
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ficção]
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ficção]
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ficção]
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Tião. Muro, Brasil: Trincheira Filmes, (2008). Rufino. [curta metragem | ficção]
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