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2º
Tereza Virginia de Almeida
Período
Florianópolis - 2008
Governo Federal
Presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro de Educação: Fernando Haddad
Secretário de Ensino a Distância: Carlos Eduardo Bielschowky
Coordenador Nacional da Universidade Aberta do Brasil: Celso Costa
Comissão Editorial
Tânia Regina Oliveira Ramos
Izete Lehmkuhl Coelho
Mary Elizabeth Cerutti Rizzati
Ficha Catalográfica
A447t Virgínia de Almeida, Tereza.
Teoria da Literatura II / Tereza Virgínia de Almeida.— Florianópolis :
LLV/CCE/UFSC, 2008.
95p. : 28cm
ISBN 978-85-61482-11-4
CDU 82.01
Unidade A...........................................................................................11
1 A Temporalidade e a Experiência............................................................13
1.1 Introdução............................................................................................................13
1.2 Narrativa e Experiência Humana..................................................................14
Referências...........................................................................................................25
Unidade B............................................................................................27
3 Leitor, Autor e seus Lugares na Narrativa.............................................29
3.1 Leitor-empírico x Leitor-modelo..................................................................29
3.2 Autor-empírico e Autor-modelo..................................................................31
3.3 Considerações Finais........................................................................................33
Referências...........................................................................................................47
Unidade C............................................................................................49
5 Ficção, Linguagem e Personagem..........................................................51
5.1 Personagem como Sintoma Ficcional........................................................51
5.2 Personagem x Ser Humano............................................................................54
5.3 Personagem Plana ePersonagem Redonda.............................................62
5.4 Outras Tipologias para a
Abordagem da Personagem de Ficção......................................................66
6 O Enredo..........................................................................................................69
Referências...........................................................................................................71
Unidade D...........................................................................................73
7 A Adequação do Conteúdo ao Público-alvo. .....................................75
Referências...........................................................................................................95
Apresentação
A
disciplina Teoria da Literatura II tem como objetivo permitir a você
o acesso a um conhecimento do gênero narrativo, suas especificida-
des e elementos constitutivos.
Para tanto, optei por abordar, ao longo desta disciplina, os aspectos teóricos
da narrativa a partir de obras que você estará lendo na disciplina Literatura
Brasileira II, ministrada pelo Professor Marco Antonio Castelli, acrescidos a
contos que estarei designando ao longo do período.
Cada capítulo será trabalhado com referência às obras literárias, de forma que
você sempre terá como avaliar a sua própria compreensão dos pressupostos
teóricos através de sua capacidade de relacioná-los com os exemplos retirados
dos livros que estará lendo.
As obras a que me refiro se dividem em narrativas ficcionais e narrativas his-
toriográficas:
1. Narrativas ficcionais:
2. Narrativas historiográficas:
Isto significa dizer que quando se fala em narrativa, não se está necessariamen-
te falando de conto ou romance, ou seja, de ficção. Neste sentido, será possí-
vel perceber que a narrativa ficcional apresenta suas especificidades, mas que
apresenta aspectos em comum com a narrativa historiográfica.
No momento, para que você possa ter uma visão panorâmica do que será trata-
do ao longo do semestre, é importante examinar com atenção o que está sendo
proposto no plano de ensino. A compreensão de cada uma das unidades pres-
supõe a leitura cuidadosa de textos teóricos. Você deve manter-se em dia com
estas leituras e fazê-las na ordem em que forem solicitadas no livro-texto. Só
assim poderá acompanhar o conteúdo e saber se está conseguindo estabelecer
as relações corretamente. É uma forma também de estar apto a cumprir as ati-
vidades propostas e a participar dos debates. Portanto, é importante que você
se planeje de forma a ter em mãos os textos solicitados nas datas em que forem
abordados. Para isso, durante o planejamento de seu semestre, esteja ciente da
disponibilidade dos textos e do tempo que levam para chegar em caso de enco-
menda. Se você tiver que acumular leituras, será difícil acompanhar a disciplina
a contento. A solicitação de leituras obedece a um planejamento em que a via-
bilidade do acompanhamento está prevista. A quantidade de leitura solicitada
obedece ao bom senso. Mas, se você acumular, terá um volume sobre-humano
de textos para ler e sua aprendizagem pode ser prejudicada.
Outro ponto muito importante: não acumule dúvidas. Leia o material com
atenção, mas toda vez que a leitura não for suficiente para sua compreensão,
dirija-se aos tutores e peça explicações.
Como você já está no seu segundo período de curso, já deve ter se familiariza-
do com o ambiente virtual de aprendizagem e com as possibilidades que este
ambiente apresenta, mas é preciso sublinhar que nada substitui a leitura dos
textos, literários e teóricos.
1.1 Introdução
Para abordar esse primeiro capítulo, pedi que você lesse o conto de
Sérgio Sant’Anna, O homem sozinho na estação ferroviária e os capítulos
iniciais do livro de Benedito Nunes.
Você deve ter percebido que a relação entre o título do conto e a sua
introdução leva o leitor, a princípio, a acreditar que o homem na estação
ferroviária é uma personagem e talvez até mesmo a personagem principal
do conto. Entretanto, após algumas indagações acerca da origem e do des-
tino do viajante, sentado na estação ferroviária com uma maleta no colo,
o narrador permite que o leitor perceba que o homem do qual fala está
retratado em uma pintura: sua narrativa havia sido, até então, a represen-
tação discursiva de uma representação pictórica, ou seja, de um quadro.
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Unidade A - Tempo e Narrativa
Esta introdução do conto que você leu está aí para informar ao lei-
tor desavisado que o tema do conto é a própria possibilidade da nar-
rativa ficcional de construir mundos. Ou seja, esta introdução chama
a atenção para a própria capacidade imaginativa do narrador, para o
próprio ato de narrar que será capaz de recriar Mário e Oswald como
entidades absolutamente ficcionais.
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A Temporalidade e a Experiência Capítulo 01
na medida em que está articulado de modo narrativo; em compensação,
a narrativa é significativa na medida em que esboça os traços da expe-
riência temporal.
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Tempo e Figuras de Duração Capítulo 02
2 Tempo e Figuras de Duração
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Unidade A - Tempo e Narrativa
Este capítulo diz respeito à distinção entre o tempo que pode ser
medido objetivamente, em durações como minutos, dias e anos (tempo
físico) e a maneira como o sujeito vivencia o tempo (tempo psicológi-
co). Esta distinção, portanto, não acontece apenas na narrativa, mas em
nossa própria relação cotidiana com os acontecimentos. Alguém que
espera uma notícia ou o nascimento de um filho pode ter a sensação
de que o tempo demora a passar, em função de seu estado psicológico
dominado pela ansiedade. Alguém que está de férias em uma viagem
repleta de alegrias e surpresas pode ter a sensação de que o tempo passa
muito rápido. Da mesma forma, as mesmas duas horas de um filme po-
dem parecer demorar mais ou menos dependendo do menor ou maior
envolvimento do espectador.
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Tempo e Figuras de Duração Capítulo 02
Você deve ter percebido que a brevidade da narrativa é funcional
no conto de Victor Giudice - observe como ela se relaciona intimamente
com o seu conteúdo. As frases curtas e a rapidez com que um corte sala-
rial se sucede a outro na vida de João reproduzem a frieza da burocracia,
frieza esta que é reproduzida pela maneira sintética com que o narrador
narra os fatos, de forma objetiva, crua. Desta forma, o leitor é surpreen-
dido justamente pela crueza com que a vida de João fracassa a ponto de
o funcionário se transformar em um arquivo de metal. Observe como
esta transformação opera uma redução que é reproduzida ao longo do
conto pela maneira econômica com que os fatos são narrados. Ou seja,
a mediocridade da vida de João e a anulação de sua subjetividade por
um sistema que explora sua força de trabalho se reproduzem na frieza
e brevidade com que os fatos mais cruéis e inusitados, como os cortes
salariais, são contados pelo narrador.
19
Unidade A - Tempo e Narrativa
20
Tempo e Figuras de Duração Capítulo 02
rativa. O passado é sempre retomado e recontado para que o narrador
estabeleça relações de causalidade que justifiquem, diante do leitor, seus
atos e crenças no presente.
21
Unidade A - Tempo e Narrativa
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Tempo e Figuras de Duração Capítulo 02
A narrativa se torna ágil principalmente porque se dá constantemente a
intervenção do elemento mágico:
A moça botou Macunaíma na praia porém ele principiou chora-
mingando, que tinha muita formiga!... e pediu pra Sofará que o
levasse até o derrame do morro lá dentro do mato, a moça fez. Mas
assim que deitou o curumim nas tiriricas, tajás e trapoerabas da
serrapilheira, e botou corpo num átimo e ficou um príncipe lindo.
Para mais informações
(ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. sobre o assunto, peço que
São Paulo, Itatiaia, 1981, p.10) leia o verbete anisocronia
do E-dicionário de termos
Observe como a linguagem do narrador sintetiza as informações literários. http://www.fcsh.
unl.pt/edtl/verbetes/A/
tornando-se ágil como a conexão dos acontecimentos. anisocronia.htm
Ao longo destes capítulos, Umberto Eco estará conceituando alguns Vale, ainda, ressaltar que
Umberto Eco, além de
elementos relacionados à narrativa: autor empírico e autor-modelo, lei- teórico, é autor de roman-
tor empírico e leitor-modelo. ces consagrados como O
Nome da rosa e O pêndulo
Autor e leitor são termos familiares a você. Mas Umberto Eco ela- de Foucault. Ambos se
configuram como leituras
bora a definição destas instâncias para dar conta da complexidade ine- de grande interesse.
rente ao universo ficcional.
23
Unidade A - Tempo e Narrativa
24
Referências da Unidade A
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 1997.
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Unidade B
Os Lugares Textuais
Leitor, Autor e seus Lugares na Narrativa Capítulo 03
3 Leitor, Autor e seus Lugares
na Narrativa
Como uma encadernação vistosa feita para iletrados a mulher se enfeita
mas ela é um livro místico e somente a alguns
a que tal graça se consente é dado lê-la
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Unidade B - Os Lugares Textuais
uma intervenção mágica que faz com que o leitor imediatamente com-
preenda que, naquela obra, deve tomar como possíveis estas formas de
intervenção, às quais estarão submetidas os personagens e a partir dos
quais se estabelecem transformações. Estas transformações se tornam,
então, verossímeis dentro da narrativa porque esta estabeleceu suas re-
gras próprias e as indicou ao leitor.
30
Leitor, Autor e seus Lugares na Narrativa Capítulo 03
telectual. Da mesma forma, o autor pressupõe um leitor que compreenda
que aquilo que é escrito pelo narrador não necessariamente coincide com
suas crenças. Mas isto é um capítulo para mais adiante.
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Unidade B - Os Lugares Textuais
Basta que você compare Macunaíma e Iracema para perceber que estas
narrativas pedem de você que se comporte de forma diferente enquanto lei-
tor-modelo porque, enquanto autores-modelo, elas também são totalmente
distintas. Macunaíma se organiza com rapidez, apresenta peripécias, é uma
narrativa risível. Iracema é poética, repleta de imagens, se apóia na beleza
da linguagem utilizada. Estes estilos distintos são vozes distintas que, por
sua vez, delineiam diferentes estilos de leitura. O estilo de uma narrativa
corresponde ao que Umberto Eco chama de autor-modelo.
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Leitor, Autor e seus Lugares na Narrativa Capítulo 03
Barthes assinala o fato de que o autor adquire centralidade na so-
ciedade moderna justamente pela ênfase que esta dá ao indivíduo e à
pessoa. Em sociedades em que o saber é concebido como patrimônio
coletivo, as narrativas são transmitidas de geração a geração pelos me-
diadores, sem que se dê importância a suas origens.
33
Unidade B - Os Lugares Textuais
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Leitor, Autor e seus Lugares na Narrativa Capítulo 03
torna possível o estabelecimento de um consenso ou, ao menos
de aceitabilidade em torno desta leitura.
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Narrador e Foco Narrativo Capítulo 04
4 Narrador e Foco Narrativo
4.1 O Narrador
Apesar de ter o subtítulo de Considerações sobre a obra de Nikolai
Leskov, escritor russo do século XIX, não é por conta deste escritor
que este artigo de Walter Benjamin nos interessa, mas sim em função
do fato de apresentar algumas considerações importantes acerca das
origens da narrativa.
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Unidade B - Os Lugares Textuais
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Narrador e Foco Narrativo Capítulo 04
acessível apenas a alguns indivíduos pertencentes à elite, como o cle-
Você leu poemas épicos
ro e os advogados. Era comum, então, tanto a memorização de obras no primeiro período do
por alguns indivíduos que eram capazes de contar romances e obras curso, assim como as refle-
xões de Aristóteles sobre
que tinham de cor, quanto a reunião das famílias e de associações em o tema. Está, portanto,
torno da leitura oral, devido à escassez de livros destinados à leitura apto a compreender esta
breve introdução feita por
individual. Ligia Chiappini acerca dos
pensamentos de Aristóte-
Tal como afirma Ligia, Platão estabelece uma distinção significati- les e Platão.
va entre imitar e narrar, na medida em que sua preocupação se direcio-
na à idéia de real e de verdade. Para Platão, a poesia é uma imitação em
segundo grau, porque se dá dentro de um mundo que já é um simulacro,
uma imitação do Mundo das Idéias.
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Unidade B - Os Lugares Textuais
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Narrador e Foco Narrativo Capítulo 04
a predominância do discurso sobre a narrativa, ou seja, a forma de narrar
se torna mais importante do que o que é narrado. Observo aqui que esta
forma de romance acaba por encontrar fronteiras com o gênero lírico. Na
“visão por fora”, há o predomínio da história sobre o discurso. Neste tipo
de romance, a narrativa quase não se deixa ver enquanto materialidade.
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Unidade B - Os Lugares Textuais
d) narrador-protagonista
f) onisciência seletiva
42
Narrador e Foco Narrativo Capítulo 04
O narrador-protagonista é aquele que narra a partir de um centro
fixo limitado a suas percepções e sentimentos. O mundo que se apresen-
ta ao leitor é um mundo parcial que se dá como a representação deste
único ponto de vista.
43
Unidade B - Os Lugares Textuais
Silviano Santiago vai ainda mais além quando aponta para o fato de
que, além de ser uma narrativa sobre o ciúme, Dom Casmurro se confi-
gura como uma crítica a uma sociedade que valoriza a retórica pratica-
da amplamente por bacharéis e jesuítas. E a retórica é uma arte que se
pauta no provável, no verossímil e não no verdadeiro, o que faz com que
a questão da personagem de Machado seja ética, já que precisa conven-
cer o leitor da culpa de Capitu para inocentar a si mesmo.
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Narrador e Foco Narrativo Capítulo 04
os objetos aparecem para o leitor. Assim como na pintura, a perspec-
tiva define a maneira como se torna possível visualizar os objetos de
um quadro. Somente a perspectiva permite que um objeto pareça, por
exemplo, estar à frente de outro, em uma superfície plana.
45
Referências da Unidade B
ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo: Ática, 1998.
ECO. Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 1994.
VILLALTA, Luis Carlos. O que se fala e o que se lê. In: SOUZA, Laura
de Mello e. História da vida privada, V. I. São Paulo: Companhia das
Letras1999, p. 331-386.
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Unidade C
A Personagem e o Enredo
Ficção, Linguagem e Personagem Capítulo 05
5 Ficção, Linguagem e
Personagem
Nos filmes que eu tento ver
Nos livros que eu tento ler
Você sempre é
O personagem principal
Que tem o beijo no final
51
Unidade C - A Personagem e o Enredo
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Ficção, Linguagem e Personagem Capítulo 05
Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a idéia de abandonar
o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, co-
çou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinhá
Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma direção e afir-
mou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu
a faca na bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no
pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados ao estôma-
go, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve
pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato.
Havia bem dez dias que o Major Quaresma não saía de casa.
Na sua meiga e sossegada casa de São Cristóvão, enchia os dias
da forma mais útil e agradável às necessidades do seu espírito e
do seu temperamento. De manhã, depois da toillette e do café,
sentava-se no divã da sala principal e lia todos os jornais. Lia
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Unidade C - A Personagem e o Enredo
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Ficção, Linguagem e Personagem Capítulo 05
são mais ricas porque são elaboradas com concentração, seleção e den-
sidade. Além disto, na narrativa ficcional, as personagens são dadas à
observação e se tornam transparentes de uma forma impossível aos
seres humanos, como é o caso de Fabiano e do Major Quaresma, nos
trechos acima citados. Na medida em que há um número limitado de
orações em uma narrativa, as personagens apresentam um perfil muito
mais definido e coerente do que as pessoais reais.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha
recendia no bosque como seu hálito perfumado”. (ALENCAR,
José de. Iracema. São Paulo: Ática, 1998)
c) “Zulmira tinha então doze para treze anos e era o tipo acabado
da fluminense pálida, magrinha, com pequeninas manchas ro-
xas nas mucosas do nariz, das pálpebras e dos lábios, faces leve-
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Unidade C - A Personagem e o Enredo
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Ficção, Linguagem e Personagem Capítulo 05
Basta que se pense na relação do narrador com a personagem. O
seu nível de onisciência, seu ponto de vista vão definir o maior ou me-
nor grau de transparência da personagem. Exemplo disto é a própria
personagem Capitu do romance Dom Casmurro de Machado de Assis.
A personagem é modelada diante do leitor através do ponto de vista do
narrador em primeira pessoa. Nada se sabe de Capitu, ou mesmo de
Escobar, que não seja definido pela representação discursiva do próprio
Dom Casmurro.
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Unidade C - A Personagem e o Enredo
Sugiro que você volte aos exemplos e os examine com atenção. Caso
ainda não tenha lido todos os romances citados, procure anotar es-
tes elementos, assim como os referentes a outros tópicos tratados
neste livro-texto (pontos de vista, tempos, enredo, etc.), para tê-los
em mente no momento na leitura. Isto certamente vai enriquecer
suas leituras e a compreensão mais aprofundada das obras.
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Ficção, Linguagem e Personagem Capítulo 05
Em seu livro A personagem, Beth Brait mostra como o reconheci-
mento e a compreensão da personagem como um ser de linguagem foi
uma conquista de séculos e dependeu do próprio desenvolvimento dos
estudos literários. Logo no início de seu livro, antes mesmo de come-
çar a tratar dos posicionamentos da crítica, a teórica mostra, através do
exemplo da fotografia, a distinção entre pessoa e personagem. Brait su-
gere que, mesmo em uma fotografia 3x4, que tem o objetivo de retratar
a pessoa de forma que esta possa ser reconhecida, há uma mediação que
afasta a imagem da foto da complexidade da pessoa humana: a pose, o
ângulo, a escolha do penteado determinam a personagem. O exemplo
extremo da configuração de personagens através de fotografias está nas
fotos artísticas capazes de criar auras em torno dos fotografados.
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Unidade C - A Personagem e o Enredo
Como você pode perceber, Beth Brait está correta ao afirmar que o
formalismo russo é um divisor de águas nos estudos críticos. Com seu
desenvolvimento, chega-se a noções importantíssimas, como a de Phili-
ppe Hamon, em que a personagem é vista como um signo dentro de um
sistema de signos, o que não ocorreria somente nos textos literários. Em
outras palavras, em um texto de história ou em uma notícia de jornal,
as pessoas passam a ser signos, uma vez que são modeladas pelo sistema
de signos em que são inscritas.
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Ficção, Linguagem e Personagem Capítulo 05
Você também já deve ter percebido que, embora os elementos da
narrativa sejam apresentados neste livro em capítulos distintos, na
verdade, eles não podem funcionar sem estarem interligados. As-
sim como não é possível dissociar autor, leitor e narrador, também
não é possível separar a personagem do narrador e por aí vai. Daí a
idéia de que se trata de um sistema de signos. Ou seja, os elemen-
tos são interdependentes. Não é possível transformar um destes
elementos sem afetar todo o resto. A narrativa deve, portanto, ser
compreendida como uma estrutura. Tal como você leu no verbete
sobre o formalismo, o estruturalismo será o nome de uma corrente
crítica que se dá como desdobramento do próprio formalismo rus-
so, com o contato entre Jakobson e o antropólogo Lévi-Strauss.
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Unidade C - A Personagem e o Enredo
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Ficção, Linguagem e Personagem Capítulo 05
Em 1927, E. M. Foster publica a obra Aspects of the novel (Aspectos
do romance), em que apresenta a distinção entre personagens planas e
personagens redondas, assim definidas:
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Unidade C - A Personagem e o Enredo
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Ficção, Linguagem e Personagem Capítulo 05
Em um clássico cabide, já cansado de sofrer
Minha armadura é de casimira dura
Que me dá musculatura, mas que pesa e faz doer
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Unidade C - A Personagem e o Enredo
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Ficção, Linguagem e Personagem Capítulo 05
com a seguinte classificação da personagem ficcional: elemento decora-
tivo, agente da ação, porta-voz do autor, ser fictício com forma própria
de existir, sentir e perceber os outros e o mundo.
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Unidade C - A Personagem e o Enredo
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O Enredo Capítulo 06
2 O Enredo
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa
Por favor...
a) apresentação
b) complicação
c) desenvolvimento
d) clímax
e) desenlace
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Unidade C - A Personagem e o Enredo
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Referências da Unidade C
BRAITH, Beth. A personagem. São Paulo: Ática, 2006.
MESQUITA, Samira Nahid de. O enredo. 4. ed.. São Paulo: Ática, 2006.
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Unidade D
Prática como Componente
Curricular
A Adequação do Conteúdo ao Público-alvo Capítulo 07
7 A Adequação do Conteúdo ao
Público-alvo
É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar
Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho
Que o vinho busca ocupar o lugar da dor
Que a dor ocupa a metade da verdade
A verdadeira natureza interior
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Unidade D - Prática como Componente Curricular
de acordo com os alunos com os quais tenha que lidar. Você pode traba-
lhar com crianças, adolescentes e até mesmo adultos, no caso do ensino
supletivo. Este é um primeiro ponto que deve nortear as suas decisões em
torno de sua prática pedagógica. O segundo ponto diz respeito ao contex-
to cultural em que vivem seus alunos, que envolve desde diferenças entre
a realidade urbana e rural até o nível sócio-econômico dos alunos.
Antes de planejar uma disciplina, você deve ter em mente estas per-
guntas, assim como o desejo de conhecer mais e mais os seus alunos ao
longo do ano letivo. Ou seja, primeiro você planeja a disciplina a partir
de pressupostos que envolvem a faixa etária, a série e o nível sócio-cul-
tural dos alunos. Isto vai permitir que você estabeleça parâmetros para
sua atuação e mapeie expectativas em relação ao rendimento dos alunos.
Mas, por outro lado, você deve adaptar estes parâmetros e expectativas
ao conhecimento que for adquirindo ao longo do semestre em relação
aos alunos, pois cada grupo vai demonstrar características distintas, assim
como cada indivíduo também deve ser considerado enquanto ser único,
que responde de forma diferenciada à construção de conhecimento. Neste
aspecto, entram em cena outros fatores que só podem ser conhecidos com
o tempo, fatores relacionados a traços de personalidade e temperamento
individuais. Isto não significa que o professor não possa partir de alguns
pressupostos e expectativas e se sentir seguro em relação a seu planeja-
mento. Muito ao contrário: quanto mais seguro estiver o professor em
relação a suas crenças, mais apto estará a fazer adaptações quando neces-
sárias e a rever suas posições. Para tanto, é fundamental que sempre esteja
claro para as turmas que você é a instância de avaliação e, portanto, aquele
que estabelece as regras para o melhor funcionamento das aulas, mesmo
que estas regras possam ser revistas e reavaliadas.
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A Adequação do Conteúdo ao Público-alvo Capítulo 07
colares com suas vivências cotidianas. Esta relação é fundamental para a
manutenção do interesse. Crianças e adolescentes costumam se pergun-
tar acerca da função da escola e dos conteúdos que aprendem.
a) n
o ensino fundamental, o estudo da literatura está a serviço
dos estudos da linguagem e dos desenvolvimentos da capaci-
dade de leitura, interpretação e produção de textos;
b) n
o ensino médio, a literatura torna-se uma disciplina específi-
ca, o que possibilita a abordagem de obras mais complexas.
Embora esta seja a distinção básica que pode aqui ser abordada,
como já visto, há outras questões que podem e devem ser levadas em
consideração, como o nível sócio-econômico dos alunos e o contexto
cultural. Entretanto, para respeitar estas diferenças, você precisa apenas
utilizar o bom senso. A partir da percepção acerca do cotidiano dos alu-
nos de uma escola pública ou particular, você vai poder saber se eles pos-
suem internet, se têm livros em casa, se conhecem outras cidades e esta-
dos, se assistem televisão, se têm acesso a formas diversificadas de artes,
como cinema, música, artes plásticas, teatro, etc. Estas informações ser-
vem para que você contextualize as novas informações em relação a seus
cotidianos. Por exemplo, a canção, a novela televisiva, a notícia veiculada
pela Internet, o Big Brother, a fofoca, a cartomante, tudo pode ser utili-
zado para contextualizar uma conversa sobre a narrativa. Assim como
Machado de Assis e Mário de Andrade, o rapper, a cartomante e o fofo-
queiro também são contadores de estórias, não tão sofisticadas do ponto
de vista da elaboração da linguagem, é claro, mas estórias. Na verdade,
trata-se de versões contemporâneas de narradores orais. Estes exemplos
77
Unidade D - Prática como Componente Curricular
78
A Narrativa no Ensino Fundamental Capítulo 08
8 A Narrativa no Ensino
Fundamental
Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia entrar nela, não
Porque na casa não tinha chão
Ninguém podia dormir na rede
Porque na casa não tinha parede
Ninguém podia fazer pipi
Porque penico não tinha ali
Mas era feita com muito esmero
Na rua dos Bobos
Número zero
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Unidade D - Prática como Componente Curricular
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A Narrativa no Ensino Fundamental Capítulo 08
pressa através de brincadeiras em que a ficção prevalece. Crianças se
transformam com facilidade em reis, princesas, índios em seus jogos,
assim como são capazes de imaginar o interior das casas bem como os
quintais e calçadas como reinos e terras encantadas.
Da mesma forma, as imagens literárias, as metáforas e analogias,
não são aprendidas na linguagem adulta. Ao contrário, elas fazem parte
da linguagem desde a fase de sua aquisição. O que se aprende com o
tempo e com a escolaridade é a utilizar uma linguagem objetiva, concei-
tual, livre de imagens. Mas a criança não tem nenhuma dificuldade em
compreender quando alguém é definido como uma flor, uma estrela ou
com um pedacinho de algodão.
No momento da formação de um leitor, é extremamente importan-
te manter a conexão entre a literatura e o espírito lúdico que faz parte
do universo infantil desde sempre. E, para isto, é preciso que a criança
possa interagir com aquilo que lê, com as histórias que ouve na escola,
na TV e no cotidiano, através da sua própria criatividade.
“Era uma vez um passarinho que morava em uma árvore que era
sua única amiga e que adorava ouvir seu canto desafinado. Mas quando
o inverno chegou, o passarinho se viu forçado a migrar para o sul e ficou
meses longe de sua amiga. Depois de um tempo o passarinho voltou
para perto de sua amiga e a encontrou no mesmo lugar”.
81
Unidade D - Prática como Componente Curricular
82
A Narrativa no Ensino Fundamental Capítulo 08
a trabalhar com os alunos apenas com livros compreendidos como li-
teratura infanto-juvenil. Como já visto, muitos recursos literários estão
mais próximos da criança do que se pode pensar. Isto não quer dizer
que não haja excelentes narrativas infanto-juvenis, tais como Lalande
de Flavio Carneiro. Contudo, se olhar com cuidado, você vai encontrar
narrativas de escritores considerados “difíceis” perfeitamente apropria-
das ao trabalho com crianças e adolescentes.
83
A Narrativa no Ensino Médio Capítulo 09
9 A Narrativa no Ensino Médio
Aquele amor
nem me fale
9.1 O Cotidiano
Da mesma maneira que você deve considerar o cotidiano dos alu-
nos de ensino fundamental na tarefa de familiarizá-los com a narrativa,
também no ensino médio este cuidado deve ser tomado. Principalmen-
te no que diz respeito à escolha das obras a serem estudadas e na ma-
neira de abordar as obras canônicas. A adolescência é uma fase em que
as emoções se encontram à flor da pele e em que o indivíduo tende a
superdimensionar seus sentimentos. É importante que o aluno possa
reconhecer nas narrativas elementos que fazem parte de seu universo.
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Unidade D - Prática como Componente Curricular
para estimular a leitura, mas o objetivo final é que o aluno produza re-
flexões acerca da literatura, na posição de alguém que já conhece sua
especificidade. Ou seja, no ensino médio, a literatura não é mais um dos
meios para o estudo da língua, mas se configura como o objeto mesmo
de estudo e o currículo se organiza a partir do conhecimento da história
da literatura e da periodização literária, tal como apresentada pela his-
toriografia, que divide as obras e autores em estilos de época.
a) P
rocure estar ciente das informações existentes na Internet
acerca dos livros com os quais trabalha.
c) P
rocure sempre pedir que os alunos façam comparações e es-
tabeleçam relações entre textos de forma a manter a originali-
dade das questões que você propõe. O aluno NÃO deve poder
encontrar as suas propostas disponíveis no espaço virtual.
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A Narrativa no Ensino Médio Capítulo 09
Estes procedimentos têm como objetivo justamente levar o aluno
à construção de conhecimento, o que não poderá ocorrer pelo simples
acúmulo de informações e nem pela memorização de reflexões alheias.
Para tanto, é preciso que o aluno se sinta um protagonista em relação
ao conhecimento, e não um mero receptor passivo. É importante que
o aluno seja estimulado a participar e a interagir com as aulas e com
os seus conteúdos. Para isto, o professor deve criar um bom ambiente
em sala de aula, regras que permitam que as intervenções em sala e o
debate entre os alunos aconteçam sem tumulto. É necessário também
que o professor estimule o respeito entre os alunos e mostre o quanto a
diversidade de opiniões é salutar, de forma que ninguém se sinta intimi-
dado ou desmotivado a dar sua opinião. Mais importante ainda é que o
professor valorize as contribuições dos alunos, procurando sempre jus-
tificar os pontos de vista, antes de criticá-los. Isto corresponde a come-
çar o comentário sobre a intervenção do aluno a partir do enfoque no
que este pode apresentar de positivo e pertinente para só então, e com
delicadeza, apontar suas limitações. Uma intervenção pode não estar
correta, mas nem por isto deve ser considerada ilegítima.
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Unidade D - Prática como Componente Curricular
88
A Narrativa no Ensino Médio Capítulo 09
do ensino médio, eles possam aperfeiçoar suas estratégias analíticas. A
propósito, você deve ter conhecido alunos que nas aulas de literatura se
limitavam a memorizar as características dos estilos. Ou seja, a aula de
literatura, neste caso, não cumpre o papel de formar um leitor. Daí a im-
portância de haver a preocupação com a promoção de atividades em que
o aluno possa efetivamente demonstrar a leitura do livro e sua capacidade
não só de compreendê-lo, como de analisá-lo e interpretá-lo.
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Unidade D - Prática como Componente Curricular
6) Ambiente
7) Tipos de narrador
b) P
ara a composição de seu romance Iracema, José de Alencar
tem como base as relações entre brancos e índias que acontece-
ram nas terras brasileiras desde os primeiros tempos da colo-
nização. Entretanto, a personagem feminina de Alencar é fruto
de um processo de idealização, de romantização da figura do
índio. Apresente as principais características da personagem
que confirmem esta afirmação. Aborde as distinções entre per-
sonagem e ser humano.
c) O
romance Macunaíma é ambientado na terra brasileira. Ocor-
re, no entanto, que Macunaíma inverte o percurso do coloniza-
dor, pois este foi do litoral para o interior do país e Macunaíma
vai do interior para o litoral. Quais as funções exercidas pelo
ambiente e pelo espaço para fazer do romance uma crítica à
realidade brasileira? Dê exemplos.
90
A Narrativa no Ensino Médio Capítulo 09
forma a configuração das personagens contribui para a drama-
ticidade na apresentação do tema? Dê exemplos.
e) Q
uais os tipos de discursos utilizados no romance Triste fim de
Policarpo Quaresma de Lima Barreto? Que funções exercem
estes discursos em sua relação com o enredo?
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Algumas Palavras sobre Você e a Narrativa Capítulo 10
10 Algumas Palavras sobre Você
e a Narrativa
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Unidade D - Prática como Componente Curricular
do ao longo deste livro, mas que chama sua atenção nas narrativas que
está lendo, dê sugestões.
Tão somente por questões didáticas, optei por abordar estes ro-
mances. Entretanto, a teoria da narrativa diz respeito a toda e qualquer
narrativa e você deve ter estes elementos em mente em relação aos ro-
mances, contos, canções, narrativas orais, crônicas, material de internet,
novelas televisivas, etc. Enfim, de agora em diante, você deve perceber
aspectos nas narrativas literárias e nas narrativas do cotidiano que até
então não tinha subsídios para perceber. Sempre que se der conta de
algo que se relacione com o conteúdo deste livro, anote e, assim que
possível, compartilhe.
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Referência da Unidade D
GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. São Paulo: Áti-
ca, 2006.
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