Sie sind auf Seite 1von 165

CURSO DE ÁLGEBRA

VOLUME II
(Versão Preliminar)

Abramo Hefez

12 de novembro de 2002
2
Sumário

1 POLINÔMIOS 7
1.1 Séries de Potências e Polinômios . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.2 Divisão de Polinômios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.3 Polinômios com Coeficientes em Corpos . . . . . . . . . . . . . 25
1.4 Polinômios sobre C e sobre R . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
1.5 Polinômios em Várias Indeterminadas . . . . . . . . . . . . . . 32

2 DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE 41
2.1 Derivada Primeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
2.2 Divisão por X − a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
2.3 Derivadas de ordem superior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

3 POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU 57


3.1 Raı́zes em K de polinômios em D[X] . . . . . . . . . . . . . . 57
3.2 O Teorema de Gauss . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
3.3 Método de Kronecker para fatoração em Z[X] . . . . . . . . . 66
3.4 Critérios de divisibilidade em Q[X] . . . . . . . . . . . . . . . 69
3.5 A Resultante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

4 AS EQUAÇÕES DE GRAU ≤ 4 81
4.1 A Equação do Segundo Grau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
4.2 A Equação do Terceiro Grau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
4.3 A Equação do Quarto Grau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

5 O GRUPO SIMÉTRICO 95
5.1 Relações Entre Coeficientes e Raı́zes . . . . . . . . . . . . . . 95
5.2 Grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
5.2.1 A noção de grupo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

3
4 SUMÁRIO

5.2.2 Subgrupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105


5.2.3 Grupos Cı́clicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
5.3 Estrutura de Órbitas de uma Permutação . . . . . . . . . . . . 114
5.3.1 Decomposição de uma permutação em um produto de
ciclos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
5.4 O Grupo Alternante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
5.5 Funções Simétricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
5.6 Conjugação em Sn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

6 O MÉTODO DE LAGRANGE 133

7 EXTENSÕES DE CORPOS 147


7.1 A Álgebra Linear da Extensão de Corpos . . . . . . . . . . . . 147
7.2 Construções com Régua e Compasso . . . . . . . . . . . . . . 156
SUMÁRIO 5

NOTAÇÕES

Anel = Anel comutativo com unidade

N = {1, 2, 3, . . .} = Conjunto dos números naturais

Z = {. . . , −2, −1, 0, 1, 2, . . .} = Anel dos números inteiros

Z+ = {0, 1, 2, 3, . . .} = Subconjunto dos números inteiros não negativos

Q = Corpo dos números racionais

R = Corpo dos números reais

C = Corpo dos números complexos

Y X = Conjunto da funções de X em Y

A∗ = Conjunto dos elementos invertı́veis do anel A

Kern ϕ = nùcleo do homomorfismo ϕ


6 SUMÁRIO
Capı́tulo 1

POLINÔMIOS

Neste Capı́tulo iniciaremos o estudo das propriedades algébricas básicas


dos polinômios com coeficientes num anel comutativo com unidade.
Nas disciplinas de Cálculo os polinômios são vistos como funções particu-
lares de variável real e como tal são estudados. A necessidade de se distinguir
os polinômios das funções polinomiais surge pela consideração de polinômios
com coeficientes em corpos finitos, de uso cada vez mais freqüente por causa
de suas inúmeras aplicações práticas.
Muito do estudo das propriedades dos polinômios em uma indeterminada
está relacionado com o desenvolvimento da Teoria das Equações Algébricas à
qual estão associados os nomes de Tartaglia, Lagrange, Ruffini, Gauss, Abel,
culminando com as contribuições fundamentais de Abel e Galois.
As propriedades dos polinômios em várias indeterminadas foram pesqui-
sadas inicialmente por suas conexões com a Geometria Analı́tica, evoluindo
no que hoje se chama Geometria Algébrica.
Atualmente os polinômios desempenham papel relevante em muitas par-
tes da Matemática.

1.1 Séries de Potências e Polinômios


Seja A um anel, considerado, uma vez por todas, comutativo com unidade,
e seja X uma indeterminada sobre A. Uma série de potências f (X) com
coeficientes em A é uma soma formal infinita do tipo:

X
f (X) = ai X i = a0 X 0 + a1 X 1 + a2 X 2 + · · ·
i=0

7
8 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

com ai ∈ A, para todo i ∈ Z+ . Os X i são provisoriamente vistos apenas


como sı́mbolos indicadores de posição.
P P∞
Duas séries de potências f (X) = ∞ i
i=0 ai X e g(X) =
i
i=0 bi X são con-
sideradas iguais se ai = bi para todo i ∈ Z+ . Os elementos ai são chamados
de coeficientes e a parcela ai X i de monômio de grau i. Convenciona-se omitir
o monômio ai X i quando ai = 0 e costuma-se denotar a0 X 0 por a0 e a1 X 1
por a1 X.

O conjunto de todas as séries de potências com coeficientes em A é de-


notado por A[[X]] e nele definimos as seguintes operações:

Adição:

X ∞
X ∞
X
i i
ai X + bi X = (ai + bi )X i .
i=0 i=0 i=0

Multiplicação:


! ∞
! ∞ i
!
X X X X
ai X i · bi X i = aj bi−j X i.
i=0 i=0 i=0 j=0

Note que com esta definição de produto, temos que X i · X j = X i+j , para
todo i e j, dando assim um sentido de potência ao sı́mbolo X i .

PROPOSIÇÃO 1.1. O conjunto A[[X]] com as operações acima definidas


é um anel.

DEMONSTRAÇÃO: A associatividade e a comutatividade da adição


P∞ são i
de verificações imediatas. O elementoPneutro da adição é 0 P
= i=0 0X ,
∞ ∞
enquanto que o simétrico de f (X) = i=0 ai X i é −f (X) = i=0 (−ai )X i.
A comutatividade da multiplicação é imediata e a propriedade distributiva
é fácil de ser verificada. A única propriedade que merece verificação é a
associatividade da multiplicação. Sejam

X ∞
X ∞
X
i i
f (X) = ai X , g(X) = bi X e h(X) = ci X i .
i=0 i=0 i=0
1.1. SÉRIES DE POTÊNCIAS E POLINÔMIOS 9

Temos que

X
(f (X) · g(X)) · h(X) = di X i ,
i=0

onde !
i
X k
X X
di = aj bk−j ci−k = aλ bµ cη .
k=0 j=0 λ+µ+η=i

Por outro lado,



X
f (X) · (g(X) · h(X)) = ei X i ,
i=0

onde !
i
X i−k
X X
ei = ak bj ci−k−j = aλ bµ cη .
k=0 j=0 λ+µ+η=i

Portanto, di = ei , para todo i, provando assim a associatividade da mul-


tiplicação.

É claro que A ⊂ A[[X]], pois todo elemento a ∈ A pode ser visto como
a0 + 0X + 0X 2 + · · · e portanto como elemento de A[[X]]. Além disso, se
f (X) = a e g(X) = b, temos que

f (X) + g(X) = a + b e f (X) · g(X) = a · b,

onde as operações nos primeiros membros são efetuadas em A[[X]] e as dos


segundos membros o são em A. Vemos com isto que as operações definidas
em A[[X]] estendem as operações definidas em A, fazendo com que A seja
um subanel de A[[X]].
Um outro subanel de A[[X]] que se destaca é o anel A[X] dos polinômios
em uma indeterminada com coeficientes em A. Como conjunto, este anel é
descrito como

A[X] = a0 + a1 X + a2 X 2 + · · · ∈ A[[X]] | ∃ n tal que ai = 0 se i > 0

Todo elemento de A[X] é P


chamado de polinômio e pode ser representado
como soma finita, p(X) = ni=0 ai X i , para algum n ∈ Z+ .
10 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

PROPOSIÇÃO 1.2. A[X] é um subanel de A[[X]].


DEMONSTRAÇÃO: Basta, de acordo com I-7, Proposição 1, mostrar que
1 ∈ A[X], o que é óbvio; e que se p(X)q(X) ∈ A[X], então p(X) − q(X) ∈
A[X] e p(X) · q(X) ∈ A[X].
P P
De fato, se p(X) = ni=0 ai X i e q(X) = ni=0 bi X i , então
max{n,m}
X
p(X) − q(X) = (ai − bi )X i ∈ A[X]
i=0
e
n+m
X X
p(X) · q(X) = cj X j ∈ A[X] onde cj = ai · bk .
j=0 i+k=j

Dado um polinômio p(X) = a0 + a1 X + · · · an X n ∈ A[X] − {0}, define-se


grau de p(X) como sendo o inteiro
gr(p(X)) = max{i ∈ Z+ ; ai 6= 0}.
Note que o polinômio nulo é o único polinômio que não possui grau e que
gr(p(X)) > 0 se, e somente se, p(X) ∈ A[X] − A.
O coeficiente do têrmo de grau igual ao gr(p(X)) é chamado de coeficiente
lı́der de p(X). Um polinômio cujo coeficiente lı́der é igual a 1 é chamado
de polinômio mônico. Um polinômio nulo ou de grau zero será chamado de
polinômio constante.
Vejamos agora como a hipótese sobre A de ser domı́nio se reflete sobre
A[X].
PROPOSIÇÃO 1.3. Seja A um domı́nio. Se p(X), q(X) ∈ A[X] − {0},
então p(X) · q(X) 6= 0 e gr(p(X) · q(X)) = gr(p(X)) + gr(q(X)).
DEMONSTRAÇÃO: Considere os polinômios p(X), q(X) ∈ A[X] dados
por
p(X) = a0 + a1 X + · · · + an X n e q(X) = b0 + b1 X + · · · + bm X m
onde an 6= 0 e bm 6= 0. Então,
p(X) · q(X) = a0 · b0 + (a0 · b1 + a1 · b0 )X + · · · + an · bm X n+m .
Como A é domı́nio, segue que an · bm 6= 0, logo
p(X) · q(X) 6= 0 e gr(p(X) · q(X)) = n + m = gr(p(X) + q(X)).
1.1. SÉRIES DE POTÊNCIAS E POLINÔMIOS 11

COROLÁRIO 1.1. Se A é um domı́nio, então A[X] é domı́nio.

Em particular, se K é um corpo então K[X] é um domı́nio.

COROLÁRIO 1.2. Seja A um domı́nio. Se p(X), q(X) ∈ A[X] − {0} são


tais que t(X) divide p(X), então gr(t(X)) ≤ gr(p(X)).

DEMONSTRAÇÃO: Existe por hipótese, um polinômio não nulo q(X)


em A[X] tal que t(X) · q(X) = p(X) . Logo pela Proposição 3, segue que
gr(p(X)) − gr(t(X)) = gr(q(X)) ≥ 0 . Daı́ segue a desigualdade desejada.

COROLÁRIO 1.3. Seja A um domı́nio. Um elemento p(X) ∈ A[X] é


invertı́vel se, e somente se, p(X) ∈ A e é invertı́vel em A. Em sı́mbolos,

(A[X])∗ = A∗ .

DEMONSTRAÇÃO: Se p(X) ∈ A[X] é invertı́vel, então p(X) 6= 0 e


existe q(X) ∈ A[X] − {0} tal que p(X) · q(X) = 1. Tomando graus e usando
a Proposição 3 temos que gr(p(X)) + gr(q(X)) = 0 . Logo gr(p(X)) =
gr(q(X)) = 0 e, portanto p(X), q(X) ∈ A e p(X) é invertı́vel em A. A
recı́proca é imediata.

Um fato que merece ser evidenciado é a diferençaa existente entre po-


linômios e funções polinomiais, dois conceitos que freqüentemente são inde-
vidamente confundidos.
A um polinômio p(X) ∈ A[X] associa-se uma função p ∈ AA chamada
funçao polinomial, definida por

p : A −→ A
a 7−→ p(a) = a0 + a1 · a + · · · + an · an .

O elemento p(a) de A é chamado de valor de p(X) em a. É evidente que a


dois polinômios iguais são associadas duas funções polinomiais iguais. Em
contrapartida, dois polinômios distintos podem dar origem a duas funçoes po-
linomiais iguais. Por exemplo, p(X) = X 2 − X e q(X) = 0, como polinômios
de Z2 [X] são distintos, porém, as funções polinomiais a eles associadas são
iguais. Mais geralmente, se p é um número primo positivo, decorre do Pe-
queno Teorema de Fermat (I-6, Problema 1.10) que os polinômios X p − X
12 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

e 0̄ de Zp [X] determinam a mesma função polinomial. Veremos na próxima


seção 2, Corolário 4 do Teorema 1, que se A é infinito tal fato não ocorre.
Uma técnica muito útil ao lidarmos com polinômios é o chamado método
dos coeficientes a determinar que utiliza basicamente as definições da igual-
dade e das operações no anel de polinômios. Ilustraremos o método com
alguns exemplos.

EXEMPLO 1: Mostraremos neste exemplo que X 4 + 4 pode ser escrito


como produto do dois polinômios de segundo grau com coeficientes inteiros.
De fato, escreva, X 4 + 4 = (aX 2 + bX + c) · (a′ X 2 + b′ X + c′ ). Efetuando
o produto, tem-se que
X 4 +4 = a·a′ X 4 +(a·b′ +a′ ·b)X 3 +(a·c′ +b·b′ +c·a′ )X 2 +(b·c′ +c·b′ )X +c·c′.
Pela igualdade de polinômios acima, obtém-se o sistema de equações:


 a · a′ = 1


 a · b′ + a′ · b = 0
a · c′ + b · b′ + c · a′ = 0



 b · c′ + c · +c · b′ = 0

c · c′ = 4
Procuremos as soluções inteiras deste sistema de equações. Da primeira
equação, obtém-se que a = a′ = ±1. Da segunda, segue que b + b′ e da
quarta, b · (c′ − c) = 0, logo b = 0 ou c = c′ .

Caso 1: b = 0. Da terceira equação tem-se que c + c′ = 0, donde c′ = −c.


Substituindo na quinta equação tem-se c2 = −4, o que é impossı́vel.

Caso 2: c = c′ . Da quinta equação tem-se que c = c′ = ±2. Da segunda,


segue que b + b′ = 0, logo da terceira obtém-se b · b′ = −2a · c = −4 . Donde
b = −b′ = ±2. Testando os valores obtidos temos que
X 4 + 4 = (X 2 − 2X + 2) · (X 2 + 2X + 2) = (−X 2 + 2X − 2) · (−X 2 − 2X − 2).
EXEMPLO 2 : Determinaremos a e b em Z7 de modo que X 4 + 4̄X 3 +
aX 2 − 4̄X + b ∈ Z7 [X] seja o quadrado de um polinômio de Z7 [X] .
Da igualdade,
X 4 + 4̄X 3 + aX 2 − 4̄X + b = (X 2 + cX + d)2
= X 4 + 2̄cX 3 + (2̄d + c2 )X 2 + 2̄cdX + d2
1.1. SÉRIES DE POTÊNCIAS E POLINÔMIOS 13

obtemos o sistema: 

 2̄ · c = 4̄

2̄ · d + c2 = a

 2̄ · c · d = −4̄
 2
d =b
que resolvido, nos fornece c = 2̄, d = −1̄, b = 1̄ e a = 2̄. Portanto,

X 4 + bar4X 3 + 2̄X 2 − 4̄X + 1̄ = (X 2 + 2̄X − 1̄)2

PROBLEMAS 1.1.

1. Um elemento a 6= 0 de um anel comutativo com unidade A é chamado


regular ou não divisor de zero em A se a · b 6= 0, para todo b ∈ A − {0}.
Em particular, todo elemento invertı́vel de A é regular.

(a) Se p(X), q(X) ∈ A[X], com coeficiente lı́der de p(X) ou de q(X)


regular, então gr(p(X) · q(X)) = gr(p(X)) + gr(q(X)).
(b) Se p(X), t(X) ∈ A[X], com coeficiente lı́der de t(X) regular e se
t(X) | p(X), então gr(t(X)) ≤ gr(p(X)).
(c) Calcule gr(p(X) · q(X)) onde p(X) = 3̄X 3 + 2̄X + 1̄ e q(X) =
2̄X 2 + 3̄X + 1 em Z6 [X].
(d) Mostre que (2̄X 2 + 2̄X + 1̄) | 3̄ em Z6 [X] .

2. Determine a ∈ Z tal que

(a) O polinômio X 4 −aX 3 +8X 2 +a seja o quadrado de um polinômio


de Z[X].
(b) O polinômio X 4 + X 3 + aX 2 + X + 1 seja o produto de dois
polinômios do segundo grau em Z[X].

3. Determine a, b ∈ Z7 tais que

(a) O polinômio X 4 + 3̄X 3 + 5̄X 2 + aX + b seja o quadrado de um


polinômio de Z7 [X].
(b) O polinômio X 3 + aX + 5̄ seja divisı́vel por X 2 + 5̄X + 6̄ em Z7 [X].
14 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

4. Mostre que a função avaliação em a ∈ A:

Ava : A[X] −→ A
p(X) 7−→ p(a)

é um homomorfismo de anéis.
5. Seja p um número primo positivo e f (X) ∈ Zp [X]. Mostre que f (X) e
f (X p ) determinam a mesma função polinomial.
Sugestão: Use o Pequeno Teorema de Fermat.

6. Sejam p(X) ∈ C[X] e ξ uma raiz n-ésima primitiva da unidade em C .

(a) Se gr(p(X)) < n, mostre que

p(X) + p(ξX) + p(ξ 2 X) + · · · + p(ξ n−1 X) = n · p(0).

(b) Deduza uma fórmula para esta soma se gr(p(X)) ≥ n .


P∞
7. Mostre que f (X) = i=0 ai X i ∈ A[[X]] é invertı́vel em A[[X]] se, e somente se, a0
é invertı́vel em A[X]. P∞
Sugestão: Seja g(X) = i=0 bi X i . Tem-se que f (X) · g(X) = 1 se, e somente se,
Pi
a0 · b0 = 1 e j=0 aj bi−j = 0, para todo i ≥ 1. Mostre que se b0 = a−1 0 , então a
equação acima determina bi em função dos a′j s e de b0 , b1 , . . . , bi−1 , determinando
assim g(X) = (f (X))−1 .

8. Seja K um corpo. Mostre que 1 − X é invertı́vel em K[[X]] e que

X

(1 − X)−1 = X i.
i=0

Se a ∈ K − {0}, determine (a − X)−1 .


P∞
9. Seja f (X) = i=0 ai X i ∈ A[[X]] − {0}. Defina a ordem de f (X) com sendo

ord(f (X)) = min{i | ai 6= 0}.

Mostre que se A é um domı́nio e se f (X), g(X) ∈ A[[X]] − {0}, então

ord(f (X) · g(X)) = ord(f (X)) + ord(g(X)).

Isto prova que se A é um domı́nio, então A[[X]] também é um domı́nio.

10. Seja K um corpo.

(a) Dado f ∈ K[[X]] − K, mostre que existem m ∈ N e u invertı́vel em K[[X]]


tais que f = X m · u.
1.2. DIVISÃO DE POLINÔMIOS 15

(b) Mostre que K[[X]] é um domı́nio principal. Conclua que K[[X]] é um domı́nio
de fatoração única (DFU).
Sugestão: Veja I-Teorema 2, Capı́tulo 4.
(c) Descreva o corpo de frações de K[[X]].
P
11. Sejam fi (X) ∈ A[[X]], i ∈ Z+ , tais que ord(fi (X)) ≥ i. Mostre que ∞ i
i=0 fi X é
bem definido
P∞ como elemento de A[[X]]. Mostre que se f (X), g(X) ∈ A[[X]] com
f (X) = i=0 ai X i , então

X

ai X i · g(X) = f (X) · g(X).
i=0

12. Suponha que B seja um subanel de A. Mostre que B[[X]] e B[X] são respectiva-
mente subaneis de A[[X]] e de A[X].

1.2 Divisão de Polinômios


Mostraremos nesta seção que sob certas condições, à semelhança dos in-
teiros, é possı́vel efetuar a divisão com resto ”pequeno”de um polinômio por
outro.

TEOREMA 1.1. (ALGORÍTMO DA DIVISÃO) Seja A um anel e sejam


p(X) e t(X) polinômios em A[X]. Se t(X) 6= 0 possui coeficiente lı́der
invertı́vel, então existem q(X) e r(X) em A[X] tais que

p(X) = t(X) · q(X) + r(X), com r(X) = 0 ou gr(r(X)) < gr(t(X)).

Além disso, q(X) e r(X) são univocamente determinados por estas condições.

DEMONSTRAÇÃO: Sejam

p(X) = a0 + a1 X + · · · + an X n e t(X) = b0 + b1 X + · · · + bm X m ,

com an 6= 0 e bm invertı́vel.

Existência: Se p(X) = 0 ou n < m, faça q(X) = 0 e r(X) = p(X).


Suponha agora p(X) 6= 0 e n ≥ m. Tomando q1 (X) = b−1
m an X
n−m
∈ A[X]
tem-se que
p(X) − q1 (X) · t(X) = r1 (X), (1.1)
16 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

com r1 (X) = 0 ou gr(r1 (X)) < gr(p(X)).


Se r1 (X) = 0 ou se gr(r1 (X)) < gr(t(X)), o problema fica resolvido
tomando r(X) = r1 (X) e q(X) = b−1m an X
n−m
.
Se gr(r1 (X)) ≥ gr(t(X)), repete-se o procedimento acima com r1 (X) no
lugar de p(X), obtendo

r1 (X) − q2 (X) · t(X) = r2 (X), (1.2)

com r2 (X) = 0 ou gr(r2 (X)) < gr(r1 (X)).


Se r2 (X) = 0 ou se gr(r2 (X)) < gr(t(X)), o problema fica resolvido pois
p(X) = (q1 (X) + q2 (X)) · t(X) + r2 (X).
Se gr(r2 (X)) ≥ gr(t(X)), repete-se o procedimento acima com r2 (X) no
lugar de r1 (X), obtendo

r2 (X) − q3 (X) · t(X) = r3 (X), (1.3)

com r3 (X) = 0 ou gr(r3 (X)) < gr(r2 (X)).


E assim sucessivamente, obtendo r1 (X), r2 (X), r3 (X), . . . tais que

gr(r1 (X)) > gr(r2 (X)) > gr(r3 (X)) > · · ·

Segue então que para certo s ∈ N, tem-se rs (X) = 0 ou gr(rs (X)) < gr(t(X)).
Levando em conta (1), (2), (3), . . . temos que

p(X) = (q1 (X) + q2 (X) + · · · + qs (X)) · t(X) + rs (X)

bastando então tomar q(X) = q1 (X)) + q2(X) + · · ·+ qs (X)) e r(X) = rs (X).

Unicidade: Suponha que

t(X) · q(X) + r(X) = t(X) · q1 (X) + r1 (X)

com r(X) = 0 ou gr(r(X)) < gr(t(X)) e r1 (X) = 0 ou gr(r1 (X)) < gr(t(X)).
Da igualdade acima, obtemos que

t(X)[q(X) − q1 (X)] = r1 (X) − r(X) (1.4)

Pelas condições impostas a r(X) e r1 (X) temos que

r1 (X) − r(X) = 0 ou gr(r1 (X)) < gr(t(X)).


1.2. DIVISÃO DE POLINÔMIOS 17

Se r1 (X) − r(X) 6= 0, segue de (1.4) e do Problema 1.1 (b) que

gr(r1 (X) − r(X)) ≥ gr(t(X)),

o que é uma contradição. Portanto r1 (X) = r(X) e conseqüentemente de


(1.4) temos que q1 (X) = q(X).

OBSERVAÇÃO 1: Seguindo os passos da demonstração do Teorema,


obtemos o algoritmo da divisão longa de dois polinômios:

an X n + an−1 X n−1 + · · · · · · · · · + a0 bm X m + · · · + b0

−an X n − b−1
m bm−1 an X
n−1
− · · · − b−1
m b0 an X
n−m
b−1
m an X
n−m
+···

r1 (X)
..
.

OBSERVAÇÃO 2: Se A é um corpo então é sempre possı́vel efetuar a


divisão por qualquer polinômio t(X) 6= 0.

OBSERVAÇÃO 3: Suponha que p(X), t(X) ∈ B[X] onde B é um su-


banel de A e o coeficiente lı́der de t(X) é invertı́vel em B. Então q(X) e
r(X) calculados pelo algoritmo da divisão em A[X] terão necessàriamente
coeficientes em B.

OBSERVAÇÃO 4: Os polinômios p(X), t(X), q(X) e r(X) no algoritmo


da divisão são chamados respectivamente de dividendo, divisor, quociente e
resto.
EXEMPLO 1 : É possı́vel efetuar a divisão de 3X 5 + 2X 3 + X 2 − 5X + 7
por 2X 3 + 3X + 1 em Q[X] mas não é possı́vel fazê-lo em Z[X] .
18 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

3X 5 + 2X 3 + X 2 − 5X + 7 2X 3 + 3X + 1

−3X 5 − 92 X 3 − 23 X 2 3
2
X2 − 5
4

− 25 X 3 − 21 X 2 − 5X + 7

5 3 15 5
2
X + 4
X + 4

− 21 X 2 − 54 X + 33
4

Neste caso q(X) = 32 X 2 − 5


4
e r(X) = − 21 X 2 − 45 X + 33
4
.

EXEMPLO 2 : O fato de bm não ser invertı́vel não quer dizer que não se
possa efetuar a divisão. Por exemplo, sejam dados p(X) = 2X 3 − 3X 2 + 1 e
t(X) = 2X + 1, temos em Z[X]:

2X 3 − 3X 2 + 1 2X + 1

−2X 3 − X2 X 2 − 2X + 1

−4X 2 + 1

4X 2 + 2X
2X + 1

−2X − 1
0

Neste caso q(X) = X 2 − 2X + 1 e r(X) = 0.

Damos a seguir alguns corolários do Teorema, cuja importância ficará


mais clara na próxima secção.

COROLÁRIO 1.4. Sejam a, b ∈ A com a invertı́vel e p(X) ∈ A[X]. O


resto da divisão de p(X) por aX + b é p − ab .
1.2. DIVISÃO DE POLINÔMIOS 19

DEMONSTRAÇÃO: Pelo Teorema 1, existem q(X), r(X) ∈ A[X] tais


que p(X) = (aX + b) · q(X) + r(X) com r(X) = 0 ou gr(r(X)) < 1. Em
qualquer caso r(X) é um polinômio constante, logo
     
b b b
p − =0·q − +r − = r(X).
a a a

COROLÁRIO 1.5. Sejam a, b ∈ A com a invertı́vel e p(X)  ∈ A[X]. O


b
polinômio p(X) é divisı́vel por aX + b se, e somente se p − a = 0.
DEFINIÇÃO 1.1. Se p(X) ∈ A[X] e α ∈ A são tais que p(α) = 0, dizemos
que α é raiz do polinômio p(X).
Segue do Corolário 2 que α é raiz de p(X) se e somente se (X − α) divide
p(X).

COROLÁRIO 1.6. Seja A um domı́nio. Se p(X) ∈ A[X] − {0} tem grau


n, então p(X) tem no máximo n raı́zes distintas.
DEMONSTRAÇÃO: Vamos provar isto por indução em n. Se n = 0,
então p(X) é uma constante não nula e portanto tem zero raı́zes, estabe-
lecendo o resultado neste caso. Suponha agora o resultado válido para n
e seja p(X) um polinômio de grau n + 1. Se p(X) não tem raı́zes, nada
temos a provar. Se p(X) tem uma raiz α, então p(X) = (X − α) · q(X),
com q(X) ∈ A[X] e gr(q(X)) = n. Pela hipótese de indução, q(X) tem
no máximo n raı́zes distintas e sendo A um domı́nio, as raı́zes de p(X) são
as raı́zes de q(X) e as raı́zes de (X −α), logo p(X) tem no máximo n+1 raı́zes.

COROLÁRIO 1.7. Seja A um domı́nio infinito. Se p(X), q(X) ∈ A[X]


são tais que p(a) = q(a) para todo a ∈ A (i.e. as funções polinomiais são
iguais), então p(X) = q(X) (i.e. os polinômios são iguais).
DEMONSTRAÇÃO: Suponha por absurdo que p(X) − q(X) 6= 0. Então,
pelo Corolário 3, p(X) −q(X) tem um número finito de raı́zes. Isto contradiz
a hipótese p(a) = q(a) para todo a ∈ A pois A é infinito.

Considere a aplicação
ϕ : A[X] −→ AA
p(X) 7−→ função polinomial associada a p(X)
20 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

Usando o exercı́cio 1.4 é fácil verificar que ϕ é um homomorfismo de anéis.


O Corolário 4 mostra que se A é um domı́nio infinito, então N(ϕ) = {0}.

DEFINIÇÃO 1.2. Dizemos que um corpo K é algebricamente fechado


se todo polinômio não constante de K[X] tem pelo menos uma raiz em K.

COROLÁRIO 1.8. Seja K um corpo algebricamente fechado e seja ainda


p(X) ∈ K[X] um polinômio não constante. Se gr(p(X)) = n, então existem
elementos α1 , α2 , . . . , αn ∈ K e a ∈ K tais que

p(X) = a · (X − α1 ) · (X − α2 ) · · · (X − αn )

DEMONSTRAÇÃO: A prova pode ser feita por indução sobre n e a dei-


xamos a cargo do leitor.

PROPOSIÇÃO 1.4. Se K é um corpo algebricamente fechado, então K é


infinito.

DEMONSTRAÇÃO: Suponha por absurdo que K seja finito, digamos


que K = {a0 , a1 , . . . , an−1 } onde a0 = 0 e a1 = 1. Considere o polinômio

p(X) = (X − a0 ) · (X − a1 ) · · · · · · · (X − an−1 ) + a1 .

Verifica-se diretamente que p(X) não tem raı́zes em K o que é uma con-
tradição, pois p(X) é não constante e K é algebricamente fechado.

Nem todo corpo é algebricamente fechado, por exemplo, se p é um número


primo positivo, o corpo Zp não é algebricamente fechado por ser finito. O
corpo R , apesar de infinito, não é algebricamente fechado pois o polinômio
não constante X 2 + 1 ∈ R[X] não possui raı́zes em R.

O famoso Teorema Fundamental da Álgebra garante que C é algebrica-


mente fechado. Este Teorema possui uma longa história e muitas demons-
trações, nenhuma delas porém se faz com métodos puramente algébricos,
devendo-se sempre usar métodos da análise. Vamos ao longo do texto admi-
tir este resultado cuja demonstração encontra-se no Apêndice 1.
1.2. DIVISÃO DE POLINÔMIOS 21

EXEMPLO 3 : O polinômio p(X) = 2X 4 − 7X 3 − 2X 2 + 13X + 6 é di-


visı́vel pelo polinômio X 2 − 5X + 6 em Z[X].

De fato, tem-se que X 2 −5X +6 = (X −2)·(X −3). Como p(2) = 0, temos


que p(X) = (X − 2) · q(X) com q(X) ∈ Z[X]. Por outro lado, p(3) = 0, logo
q(3) = 0 e portanto q(X) = (X − 3) · q1 (X) com q1 (X) ∈ Z[X]. Conclui-se
que p(X) = (X − 2) · (X − 3) · q1 (X).

Pede-se ao leitor generalizar a argumentação acima mostrando que se A


é um domı́nio, p(X) ∈ A[X] e α1 , α2 , . . . , αn são elementos distintos de A
tais que p(αi ) = 0, i = 1, 2, . . . , n, então (X − α1 ) · (X − α2 ) · · · · · (X − αn )
divide p(X).

EXEMPLO 4 : O polinômio p(X) = X 3k+2 +X 3m+1 +X 3n com n, m, k ∈


N é divisı́vel por X 2 + X + 1 em Z[X].

De fato, podemos escrever X 2 + X + 1 = (X − w) · (X − w 2 ) em C[X]


onde w é uma raiz cúbica primitiva de 1. Temos também que
p(w) = w 3k+2 + w 3m+1 + w 3n = w 2 + w + 1 = 0
e
p(w 2) = w 6k+4 + w 6m+2 + w 6n = w + w 2 + 1 = 0

Portanto pela argumentação acima, temos que (X 2 + X + 1) | p(X) em C[X],


logo p(X) = (X 2 +X +1)·q1(X) para algum q1 (X) ∈ C[X]. Pela Observação
3 temos que q1 (X) ∈ Z[X], provando assim a nossa afirmação.

EXEMPLO 5 : Seja ξ = cos 2π


n
+ i sen 2π
n
. Vamos provar a identidade

1 + X + X 2 + · · · + X n−1 = (X − ξ) · (X − ξ 2) · · · · · (X − ξ n−1 ).

De fato, sendo p(X) = 1+X +X 2 +· · ·+X n−1 e ξ uma raiz n-ésima primitiva
da unidade, temos que ξ, ξ 2, . . . , ξ n−1 são distintos e

p(ξ) = p(ξ 2 ) = · · · = p(ξ n−1) = 0.

Logo p(X) é divisı́vel por (X − ξ) · (X − ξ 2 ) · · · · · (X − ξ n−1). Por serem do


mesmo grau p(X) e este último polinômio, segue que existe a ∈ C − {0} tal
que
p(X) = a · (X − ξ) · (X − ξ 2 ) · · · · · (X − ξ n−1 ).
22 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

Comparando os coeficientes dos termos de mais alto grau dos polinômios


acima, conclui-se que a = 1, provando assim a identidade.

PROPOSIÇÃO 1.5. (POLINÔMIO DE INTERPOLAÇÃO DE LAGRANGE).


Seja K um corpo. Sejam ai , bi ∈ K, i = 1, 2, . . . , n, com os ai dois a dois distintos e os bi
não todos nulos. Considere os polinômios

(X − a1 ) · · · (X − ai−1 ) · (X − ai+1 ) · · · (X − an )
pi (X) = bi ,
(ai − a1 ) · · · (ai − ai−1 ) · (ai − ai+1 ) · · · (ai − an )

para i = 1, 2, . . . , n. Então o polinômio


n
X
p(X) = pi (X)
i=1

é o único polinômio de grau menor do que n tal que p(ai ) = bi , para todos i = 1, 2, . . . , n.

DEMONSTRAÇÃO: O polinômio p(X) é de grau menor do que n e é tal


que p(ai ) = bi , ∀ i = 1, 2, . . . , n, pois

0 se i 6= j
pi (aj ) =
bj se i = j

Agora só falta provar a unicidade de p(X). Suponha que q(X) seja um
polinômio que satisfaz as mesmas condições que p(X) satisfaz. Segue então
que p(X) − q(X) é um polinômio de grau menor do que n com n raı́zes
a1 , a2 , . . . , an , logo, pelo Corolário 3 do Teorema 1, tem-se que p(X) = q(X).

O polinômio p(X) acima é chamado Polinômio de Interpolação de La-


grange e desempenha papel importante na apresentação de Galois da sua
Teoria das Equações.

PROBLEMAS 1.2.

1. Ache q(X) e r(X) nas seguintes situações:

(a) p(X) = 3X 2 + 5X + 7, t(X) = X 3 + 7X 2 + 9 em Z[X].


(b) p(X) = X 4 + X 3 + X 2 + X + 1, t(X) = X 4 − X 3 + X 2 − X + 1
em Z[X].
1.2. DIVISÃO DE POLINÔMIOS 23

(c) p(X) = X 7 + 3X 6 − X 5 + 4X 2 + 1, t(X) = X 4 − X + 1 em Z[X].


(d) p(X) = X 10 + X 5 + 1, t(X) = X 2 + X + 1 em Z[X].
(e) p(X) = X 5 + 3X 4 + X 3 + X + 1, t(X) = 2X 2 + 3X + 1 em Z[X].
(f) p(X) = X 3 + 3̄X 2 + X + 3̄, t(X) = X 2 + 4̄X + 3̄ em Z5 [X].

2. Ache os possı́veis valores de a para que o polinômio

a2 · X 4 + 4X 3 + 4 · a · X + 7

seja divisı́vel por X + 1 em Z[X].

3. Sejam A um domı́nio e a ∈ A − {0}.

(a) Mostre que o polinômio X n − an é divisı́vel por X − a em A[X].


(b) Sob que condições X n + an é divisı́vel por X + a em A[X] ?
(c) Sob que condições X n − an é divisı́vel por X + a em A[X] ?

4. Sem efetuar a divisão, mostre que

(a) 2X 6 + 2X 5 + X 4 + 2X 3 + X 2 + 2 é divisı́vel por X 2 + 1 em Z[X].


(b) X 6 + 4X 5 + 3X 4 + 2X 3 + X 2 + 1 é divisı́vel por X 2 + X + 1 em
Z[X].
(c) X 444 + X 333 + X 222 + X 111 + 1 é divisı́vel por X 4 + X 3 + X 2 + X + 1
em Z[X].
(d) Para n ∈ N, (X + 1)2n − X 2n − 2X − 1 é divisı́vel por
X · (X + 1) · (2X + 1) em Q[X].

5. Para quais valores de n ∈ N tem-se que

(a) 1 + X 2 + X 4 + · · · + X 2n−2 é divisı́vel por 1 + X + · · · + X n−1 ?


(b) 1 + X 3 + X 6 + · · · + X 3n−3 é divisı́vel por 1 + X + · · · + X n−1 ?
(c) Generalize.

6. Sejam K um corpo e sejam p(X) ∈ K[X] e a, b ∈ K com a 6= b. Mostre


que o resto da divisão de p(X) por (X − a) · (X − b) é
p(a) − p(b) ap(b) − bp(a)
X+ .
a−b a−b
24 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

7. Determine o polinômio p(X) ∈ Q[X] de grau 7 tal que

p(1) = p(2) = · · · = p(7) = 8 e p(0) = 1

1
8. (a) Resolva a equação 20X 3 − 30X 2 + 12X − 1 = 0 sabendo-se que 2
é uma de suas raı́zes.
(b) Uma raiz da equação X 3 − (2a + 1)X 2 + a(a + 2)X − a(a + 1) = 0
é a + 1, ache as outras duas.

9. Ache o polinômio de menor grau que tem raı́zes 0, 1 + i, 1 − i e assume


os valores 2 e −2 em −1 e 1 respectivamente.

10. Sejam os polinômios p1 (X), . . . , ps (X) ∈ K[X] onde K é um corpo.


Sejam ainda r1 (X), . . . , rs (X) ∈ K[X] os respectivos restos das divisões
destes polinômios por t(X) 6= 0. Fixados osPelementos α1 , . . . , αs ∈ K,
mostre que o restoP da divisão de p(X) = si=1 αi pi (X) por t(X) é o
polinômio r(X) = si=1 αi ri (X) .
P
11. (a) Mostre que o resto P da divisão do polinômio p(X) = ni=0 ai X i por
X n − a é r(X) = ni=0 ai ri (X), onde ri (X) é o resto da divisão
de X i por X m − a.
Sugestão: use o exercı́cio 2.10.

(b) Se i = λi m + µi com 0 ≤ µ < m, mostre que ri (X) = aλi X µi .


P
(c) Conclua que r(X) = ni=0 aλi X µi , justificando a seguinte regra
prática para calcular r(X): ”Substitua em p(X) todos os X m que
puder por a”.
(d) Sob quais condições X n − an é divisı́vel por X m − am ?
(e) Ache os restos da divisão de X 60 − 1 e de X 100 − 1 por X 3 − 1.
(f) Mostre que se a 6= 0, então (X n − an , X m − am ) = X d − ad , onde
d = (m, n) .

12. Considere a igualdade do Exemplo 5,

1 + X + X 2 + · · · + X n−1 = (X − ξ) · (X − ξ 2 ) · · · · · (X − ξ n−1),

onde ξ = cos 2π
n
+ i sen 2π
n
.
1.3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES EM CORPOS 25

(a) Na igualdade acima, fazendo X = 1 e tomando os módulos em


ambos os lados, mostre a seguinte identidade trigonométrica:
π 2π (n − 1)π n
sen · sen · · · · · sen = n−1
n n n 2
Sugestão: Use a identidade sen θ = 1−cos 2θ
2 .
(b) Se p > 2 é um número primo, mostre que

(X − 1) · (X 2 − 1) · · · · · (X p−1 − 1) − p

é divisı́vel por 1 + X + · · · + X p−1 .

1.3 Polinômios com Coeficientes em Corpos


No que segue estudaremos propriedades especı́ficas do anel de polinômios
com coeficientes num corpo K. Neste caso, o Teorema 1 nos garante que a
divisão com resto pode ser efetuada, tendo como dividendo um polinômio
qualquer e como divisor um polinômio não nulo arbitrário. Note também
que, neste caso, de acordo com o Corolário 3 da Proposição 2, u(X) ∈ K[X]
é invertı́vel se, e somente se, u(X) ∈ K − {0}, ou seja gr(u(X)) = 0. Por-
tanto, dois polinômios p(X) e q(X) são associados se, e somente se, existe
c ∈ K − {0} = K ∗ tal que q(X) = cp(X). Segue disto que todo polinômio
não nulo de K[X] é associado a um único polinômio mônico.

TEOREMA 1.2. Todo ideal I de K[X] é principal. Se I 6= 0 então I é


gerado por qualquer um dos seus elementos de menor grau.
DEMONSTRAÇÃO: Se I = {0}, nada temos a provar. Suponha que
I 6= {0} e seja p(X) 6= 0 um polinômio em I de grau mı́nimo. Como
p(X) ∈ I segue que I(p(X)) ⊂ I. Por outro lado, se g(X) ∈ I, pelo al-
goritmo da divisão, existem polinômios q(X) e r(X) em K[X] com r(X) = 0
ou gr(r(X)) < gr(p(X)) tais que g(X) = p(X) · q(X) + r(X). Segue daı́ que
r(X) ∈ I e como p(X) tem grau mı́nimo em I, conclui-se que r(X) = 0 e
portanto g(X) ∈ I(p(X)). Isto acaba de mostrar que I = I(p(X)).
26 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

O fato que K[X] é um anel principal tem vários corolários que passamos
a enunciar.

COROLÁRIO 1.9. Sejam dados os polinômios p1 (X), . . . , ps (X) ∈ K[X].


Então existe um MDC destes elementos. Além disso, todo MDC deles é da
forma p1 (X) · q1 (X) + · · · + ps (X) · qs (X) para elementos q1 (X), . . . , qs (X) ∈
K[X].
DEMONSTRAÇÃO: Isto decorre do Teorema 2 e de I-4, Corolário 1 da
Proposição 6.

Como todo associado de um MDC de dados elementos é um MDC destes


elementos (cf. I-4, Corolário da Proposição 4), segue que dados elementos
p1 (X), . . . , ps (X) ∈ K[X] não todos nulos, estes elementos possuem um único
MDC mônico que será chamado de o MDC destes elementos e denotado por
(p1 (X), . . . , ps (X)).

Do fato de K[X] ser principal segue também que existe MMC de ele-
mentos quaisquer de K[X] (Veja I-4, Problema 2.8)

COROLÁRIO 1.10. Os polinômios p1 (X) e p2 (X) em K[X] são primos


entre si, se e somente se, existem q1 (X), q2 (X) ∈ K[X], tais que p1 (X) ·
q1 (X) + p2 (X) · q2 (X) = 1.
DEMONSTRAÇÃO: Como p1 (X) E p2 (X) são primos entre si, se, e so-
mente se, (p1 (X), p2(X)) = 1, a relação entre p1 (X), p2 (X) e 1 segue do
Corolário 1.

COROLÁRIO 1.11. Em K[X] um elemento é primo se e somente se ele


é irredutı́vel.
DEMONSTRAÇÃO: Isto decorre do Teorema 2 e de I-4, Proposições 8 e
9.

COROLÁRIO 1.12. K[X] é um domı́nio de fatoração única.


DEMONSTRAÇÃO: Isto decorre do Teorema 2 e de I-4, Teorema 2.
1.3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES EM CORPOS 27

COROLÁRIO 1.13. Todo elemento p(X) ∈ K[X] − K pode ser escrito de


modo único, a menos da ordem dos fatores, sob a forma

p(X) = c · (p1 (X))α1 · · · (pr (X))αr

onde c ∈ K − {0} e p1 (X), . . . , pr (X) são polinômios mônicos irredutı́veis


distintos em K[X] e αi ∈ N, para i = 1, 2, . . . , r.
Observe que o Corolário 5 não é construtivo, pois garante a existência da
fatoração de um polinômio em polinômios irredutı́veis sem entretanto indi-
car como obtê-la. O problema de determinar algorı́tmos rápidos para fatorar
polinômios é importante e atual.

Tal como no caso dos inteiros, pelo fato de existir em K[X] um algo-
ritmo para efetuar divisões com resto pequeno, pode-se calcular efetivamente
o MDC de dois polinômios usando o algoritmo de Euclides.

EXEMPLO 1 : Determinaremos o MDC em Q[X] dos polinômios

2X 5 + 2X 4 + X 3 − 2X 2 − X − 4 e X 3 − 2X 2 + X − 2.

Efetuando o algoritmo de Euclides, temos

2X 5 + 2X 4 + X 3 − 2X 2 − X − 4 =

= (X 3 − 2X 2 + X − 2) · (2X 2 + 6X + 11) + 18X 2 + 18


 
3 2 2
 1 1
X − 2X + X − 2 = 18X + 18 · X− + 0.
18 9
Logo um MDC destes polinômios é 18X 2 + 18 e portanto

MDC 2X 5 + 2X 4 + X 3 − 2X 2 − X − 4, X 3 − 2X 2 + X − 2 = X 2 + 1

Sejam K e F corpos tais que K é um subcorpo de F . Sejam p1 (X), p2(X)


em K[X]. Em princı́pio, o MDC destes elementos em F [X] tem coeficientes
em F . Seguindo porém, através do algoritmo de Euclides, o cálculo do MDC
destes elementos, é fácil convencer-se que tal MDC está em K[X]. Segue
desta observação que dois polinômios de K[X] têm um fator comum não
constante em F [X] se, e somente se, eles têm um fator comum não constante
em K[X].
28 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

EXEMPLO 2 : Considere o homomorfismo de anéis


ϕ : A[X] −→ AA
p(X) 7−→ função polinomial associada a p(X)

definida no parágrafo 2. Suponha que A = Zp onde p é um número primo


positivo. Note que X p − X ∈ N(ϕ). Note também que X p − X tem grau
mı́nimo em N(ϕ) pois qualquer polinômio não nulo de N(ϕ), em se anulando
em todos os elementos de Zp , tem que ter grau maior ou igual a p. Segue
então do Teorema 2 que N(ϕ) = I(X p − X).

PROBLEMAS 1.3.

1. Determine o MDC dos seguintes pares de polinômios de Q[X]:

(a) X 5 + 4X 3 + 3X 2 + X + 1 e X 3 + X + 1.
(b) X 5 + 10X 4 + 40X 3 + 80X 2 + 80X + 32 e X 3 + 6X 2 + 12X + 8.
(c) X 4 + X 3 + 2X 2 + X + 1 e X 4 + 3X 3 + 5X 2 + 3X + 4.
(d) X 3 − X 2 − X − 2 e X 3 − 3X − 2.

2. Seja F uma extensão de um corpo K. Sejam p1 (X), p2 (X) ∈ K[X] e


α ∈ F . Mostre que α é raiz comum de p1 (X) e p2 (X) se e somente se
α é raiz de (p1 (X), p2(X)). Ache as raı́zes comuns em C dos pares de
polinômios do problema 3.1.

3. Resolva em Q[X] a seguinte equação diofantina:

(X 3 +3X 2 +3X +2)·u+(X 3 +2X 2 +2X +1)·v = X 4 +X 3 +2X 2 +X +1.

4. Seja K um corpo.

(a) Mostre que todo polinômio de grau 1 é irredutı́vel em K[X].


(b) Sejam a, b ∈ K com a 6= b. Mostre que para todos n, m ∈ N, os
polinômios (X − a)n e (X − a)m são primos entre si.
(c) Se K é algebricamente fechado, os únicos polinômios irredutı́veis
de K[X] são os de grau 1.
1.4. POLINÔMIOS SOBRE C E SOBRE R 29

5. (a) Mostre que se um polinômio de grau maior do que 1 em K[X] tem


uma raiz em K, então êle é redutı́vel em K[X]. Dê um exemplo
mostrando que não vale a recı́proca.
(b) Mostre que um polinômio de grau 2 ou 3 em K[X] é redutı́vel se,
e somente se, ele possui uma raiz em K. Este resultado vale para
graus maiores do que 3 ?
(c) Determine todos os polinômios irredutı́veis de graus 2, 3 e 4 em
Z5 [X].

6. Mostre que aX 2 + bX + c ∈ R[X] é irredutı́vel se, e somente se, tem-se


∆ < 0 onde ∆ = b2 − 4ac < 0.

7. Decomponha em C[X] e em R[X] os seguintes polinômios:


a) X 4 − 1 b) X 4 + 1 c) X 6 − 1 d) X 6 + 1

8. Para que valores de p, q ∈ R X 4 + 1 é divisı́vel por X 2 + pX + q em


R[X] ?
Sugestão: Decomponha X 4 + 1 em C[X] ).

9. Mostre que em K[X] há infinitos polinômios irredutı́veis dois a dois


não associados.
Sugestão: Faça uma reprodução a demonstração de Euclides da existência de
infinitos números primos (cf. I-5, Teorema 1).

10. Sejam p(X), q(X) ∈ K[X] com p(X) irredutı́vel. Suponha que existe
α numa extensão de K tal que p(α) = q(α) = 0. Mostre que q(X) é
múltiplo de p(X). Se q(X) é também irredutı́vel, então p(X) e q(X)
são associados.

1.4 Polinômios sobre C e sobre R


Pelo fato de C ser algebricamente fechado (Teorema Fundamental da
Álgebra, Apêndice 1) e pelo Corolário 5 do Teorema 1, segue que todo po-
linômio p(X) ∈ C[X] se escreve de modo único na forma,

p(X) = a(X − α1 )n1 · · · (X − αr )nr (1.5)

com a, α1 , . . . , αr ∈ C, αi 6= αj se i 6= j e n1 , . . . , nr ∈ N.
30 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

As raı́zes de p(X) são os α1 , . . . , αr e o inteiro ni , i = 1, . . . , r, é chamado


de multiplicidade da raiz αi . Como gr(p(X)) = n1 + · · · + nr , segue que todo
polinômio em C[X] de grau n tem exatamente n raı́zes, desde que contadas
com suas multiplicidades.

Seja p(X) = a0 + a1 X + · · · + an X n ∈ C[X]. Define-se o polinômio


conjugado de p(X) como sendo

p̄(X) = ā0 + ā1 X + · · · ān X n ∈ C[X]

onde āi é o conjugado de ai , i = 0, 1, . . . , n.

A conjugação de polinômios goza das seguintes propriedades, cujas veri-


ficações deixamos a cargo do leitor.
1. Se p(X) = p1 (X) + p2 (X) então p̄(X) = p1 (X) + p2 (X).

2. Se p(X) = p1 (X) · p2 (X) então p̄(X) = p1 (X) · p2 (X).


3. p̄(X) = p(X) se, e somente se, p(X) ∈ R[X].

4. Se a ∈ C[X] então p̄(ā) = p(a)


Da propriedade (4) acima deduz-se facilmente que α é raiz p(X) se, e somente
se, ᾱ é raiz de p̄(X).

PROPOSIÇÃO 1.6. Seja p(X) ∈ R[X]. Se α ∈ C é raiz de multiplicidade


m de p(X). então, ᾱ é raiz de multiplicidade m de p(X).
DEMONSTRAÇÃO: Se α ∈ C é raiz de multiplicidade m de p(X) então
p(X) = (X − α)m · q(X), com q(X) ∈ C[X] e q(α) 6= 0. Como p(X) ∈ R[X],
temos que p(X) = p̄(X) = (X − ᾱ)m · q̄(X). Note agora que q̄(ᾱ) = q(α) 6= 0
e portanto ᾱ é raiz de multiplicidade m de p(X).

COROLÁRIO 1.14. Todo polinômio de grau ı́mpar com coeficientes reais


tem pelo menos uma raiz real.
DEMONSTRAÇÃO: As raı́zes complexas aparecem aos pares e como o
polinômio é de grau ı́mpar, o resultado segue.
1.4. POLINÔMIOS SOBRE C E SOBRE R 31

PROPOSIÇÃO 1.7. i) aX + b com a, b ∈ R e a 6= 0 é irredutı́vel em R[X].


ii) aX 2 + bX + c com a, b, c ∈ R e a 6= 0 é irredutı́vel em R[X] se, e somente
se, ∆ = b2 − 4ac < 0.
iii) Todo polinômio de grau maior do que 2 é redutı́vel em R[X].
DEMONSTRAÇÃO: i) É evidente e vale em qualquer corpo.
ii) aX 2 + bX + c é irredutı́vel se, e somente se, não possui fatores do 10 grau
em R[X] e isto equivale a dizer que aX 2 + bX + c não possui raı́zes em R que
por sua vez é equivalente ao fato que ∆ < 0.
iii) Seja p(X) um polinômio em R[X] de grau maior do que 2. Seja α ∈ C uma
raiz de p(X). Se α ∈ R, então p(X) é divisı́vel em R[X] por (X −α), portanto
ele é redutı́vel. Se α ∈ C−R, então ᾱ é raiz de p(X), logo (X −α)·(X − ᾱ) =
X 2 − 2Re(α)X + |α|2 está em R[X] e divide p(X) em R[X] com quociente
não constante, portanto p(X) é redutı́vel.
COROLÁRIO 1.15. Todo polinômio p(X) ∈ R[X] − {0} se escreve de
modo único, a menos da ordem dos fatores como

p(X) = a(X − α1 ) · · · (X − αr )(X 2 + b1 X + c1 ) · · · (X 2 + bs X + cs )

com a, α1 , . . . , αr , b1 , . . . , bs , c1 , . . . , cs reais e bi 2 − 4ci < 0, i = 1, . . . , s.

PROBLEMAS 1.4.

1. Sejam p(X) = a0 + a1 X + · · · + an X n e q(X) = b0 + b1 X + · · · + bn X n


polinômios em C[X]. Suponha que eles tenham mesmas raı́zes com
mesmas multiplicidades.
Prove que existe a ∈ C − {0} tal que aj = a · bj , j = 1, . . . , n.

2. Uma raiz de X 4 + 3X 3 − 30X 2 + 366X − 340 é 3 + 5i, ache as demais


raı́zes.

3. 1 + i é raiz múltipla de X 6 − 3X 5 + 5X 4 − 4X 3 + 4X 2 − 4X + 4 = 0.
Ache a multiplicidade desta raiz e as demais raı́zes.

4. Fatore em R[X] os seguintes polinômios

a) X 4 + 4X 2 + 3 b) X 4 + 4X 2 + 4
c) X4 − X2 + 1 d) X 4 + pX 2 + q com p, q ∈ R
32 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

5. Mostre que se n ∈ N, então


Qn−1 
(a) X 2n − 1 = (X − 1)(X + 1) · k=1 X 2 − 2X cos kπ
n
+1 .
Qn−1 2kπ

(b) X 2n+1 − 1 = (X − 1) · k=1 X 2 − 2X cos 2n+1 +1 .

6. Fatore em R[X] os seguintes polinômios


a) X 24 − 1 b) X 12 − 1 c) X 13 − 1.

1.5 Polinômios em Várias Indeterminadas


Seja A[X1 ] o anel dos polinômios a coeficientes em A na indeterminada
X1 . Se X2 é uma indeterminada sobre o anel A[X1 ], define-se:

A[X1 , X2 ] = (A[X1 ]) [X2 ].


Pode-se então definir recorrentemente,

A[X1 , X2 , . . . , Xn ] = (A[X1 , X2 , . . . , Xn−1 ]) [Xn ].

Se A é um domı́nio de integridade, pelo Corolário 1 da Proposição 3, temos


que A[X1 ] também é um domı́nio de integridade. Usando o mesmo argumento
iteradamente, conclui-se que A[X1 , X2 , . . . , Xn ] é um domı́nio de integridade.

Todo elemento p(X1 , . . . , Xn ) ∈ A[X1 , . . . , Xn ] pode ser escrito na forma


P
p(X1 , . . . , Xn ) = ai1 ...in X1i1 · · · Xnin ,
0≤i1 ≤r1
..
.
0≤in ≤rn
+
onde r1 , . . . , rn ∈ Z e ai1 ,...,in ∈ A e é chamado polinômio em n indetermi-
nadas.

Cada termo da forma ai1 ,...,in X1i1 · · · Xnin é chamado monômio e o seu grau
é definido como sendo i1 + i2 + · · · + in . Dois monômios são semelhantes se
eles têm o mesmo grau. O grau de um polinômio em n indeterminadas é
o maior dos graus de seus monômios não nulos. Um polinômio é chamado
1.5. POLINÔMIOS EM VÁRIAS INDETERMINADAS 33

homogêneo de grau m se todos os seus monômios têm grau m. Dado um


polinômio em A[X1 , . . . , Xn ], a soma dos seus monômios de grau m é um po-
linômio homogêneo de grau m chamado componente homogêneo de grau m do
polinômio. Então todo polinômio é soma de polinômios homogêneos de graus
dois a dois distintos, pois ele é a soma das suas componentes homogêneas. O
grau de um polinômio p(X1 , . . . , Xn ) é simbolizado por gr(p(X1 , . . . Xn )).

Exemplo 1 : Seja
p(X1 , X2 , X3 ) = 3 + 5X1 + 3X2 + X1 X2 + X3 2 + X2 3 X3 + 7X1 5 .
Este polinômio é de grau 5, suas componentes homogêneas são:
• de grau zero: 3;
• de grau um: 5X1 + 3X2 ;
• de grau dois: X1 X2 + X3 2 ;
• de grau três: não tem;
• de grau quatro: X2 3 X3 ;
• de grau cinco: 7X1 5 .

PROPOSIÇÃO 1.8.
P
ai1 ...in X1i1 · · · Xnin = 0
0≤i1 ≤r1
..
.
0≤in ≤rn

se, e somente se, ai1 ...,in = 0 para cada 0 ≤ i1 ≤ r1 , . . . , 0 ≤ in ≤ rn .


DEMONSTRAÇÃO: Em uma direção vamos provar por indução em n.
Se n = 1, a asserção é verdadeira pela definição da igualdade de polinômios
em uma indeterminada. Vamos supor a asserção válida para n − 1. Seja
P
ai1 ...in X1i1 · · · Xnin = 0,
0≤i1 ≤r1
..
.
0≤in ≤rn
34 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

podemos escrever,
P
0 = ai1 ...in X1i1 · · · Xnin =
0≤i1 ≤r1
..
.
0≤in ≤rn

P P i
= (ai1 ...in X1i1 · · · Xn−1
n−1
)Xnin .
0≤in ≤rn 0≤i1 ≤r1
..
.
0≤in−1 ≤rn−1

Pela definição da igualdade em (A[X1 , . . . , Xn−1 ])[Xn ], segue que


P i
ai1 ...in X1i1 · · · Xn−1
n−1
= 0
0≤i1 ≤r1
..
.
0≤in ≤rn

para todo in , 0 ≤ in ≤ rn . Pela hipótese de indução, segue que ai1 ,...,in = 0


para cada 0 ≤ i1 ≤ r1 , . . . , 0 ≤ in ≤ rn .

A recı́proca é imediata.

Seja A um domı́nio de integridade. Pode-se verificar facilmente que para


p(X1 , . . . , Xn ), q(X1 , . . . , Xn ) ∈ A[X1 , . . . , Xn ], tem-se

gr(p(X1 , . . . , Xn ) · q(X1 , . . . , Xn )) = gr(p(X1 , . . . , Xn )) + gr(q(X1 , . . . , Xn )).

Portanto é imediato se checar que o polinômio p(X1 , . . . , Xn ) é invertı́vel


em A[X1 , . . . , Xn ] se, e somente se, p(X1 , . . . , Xn ) ∈ A e é um elemento
invertı́vel de A. É claro que os polinômios X1 , . . . , Xn são irredutı́veis em
K[X1 , . . . , Xn ], onde K é um corpo.
1.5. POLINÔMIOS EM VÁRIAS INDETERMINADAS 35

Seja A um domı́nio de integridade. O corpo de frações (cf. I-2) do domı́nio


A[X1 , . . . , Xn ] é o corpo
 
p(X1 , . . . , Xn ) p(X1 , . . . , Xn ), q(X1 , . . . , Xn ) ∈
A(X1 , . . . , Xn ) = |
q(X1 , . . . , Xn ) A[X1 , . . . , Xn ] e q(X1 , . . . , Xn ) 6= 0
É fácil ver que se K é o corpo de frações de A, então
A(X1 , . . . , Xn ) = K(X1 , . . . , Xn ).
Dado um polinômio
P
p(X1 , . . . , Xn ) = ai1 ...in X1i1 · · · Xnin ∈ A[X1 , . . . , Xn ],
0≤i1 ≤r1
..
.
0≤in ≤rn

podemos definir a função polinomial:


p: An −→ A
P
(α1 , . . . , αn ) 7−→ ai1 ,...,in α1i1 · · · αnin = p(α1 , . . . αn ).
0≤i1 ≤r1
..
.
0≤in ≤rn

Dois polinômios iguais determinam a mesma função polinomial, mas dois


polinômios distintos podem definir a mesma função polinomial. Isto nova-
mente não ocorre se A é um domı́nio infinito, como veremos adiante.

PROPOSIÇÃO 1.9. Sejam A é um domı́nio infinito e p(X1 , . . . Xn ) um


polinômio em A[X1 , . . . , Xn ]−{0}. Então existem infinitos (α1 , . . . , αn ) ∈ An
tais que p(α1 , . . . , αn ) 6= 0.
DEMONSTRAÇÃO: Vamos provar por indução em n. Se n = 1, o resul-
tado segue do Corolário 3 do Teorema 1. Suponha o resultado válido para
n − 1 e seja
P
p(X1 , . . . , Xn ) = ai1 ...in X1i1 · · · Xnin =
0≤i1 ≤r1
..
.
0≤in ≤rn
36 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

P P i
= (ai1 ...in X1i1 · · · Xn−1
n−1
)Xn in .
0≤in ≤rn 0≤i1 ≤r1
..
.
0≤in−1 ≤rn−1

Como p(X1 , . . . , Xn ) 6= 0, para algum in temos que,


P in−1
ai1 ...in X1i1 · · · Xn−1 6= 0,
0≤i1 ≤r1
..
.
0≤in−1 ≤rn−1

logo, pela hipótese de indução, existem α1 , . . . αn−1 ∈ A tais que,


P in−1
ai1 ...in α1i1 · · · αn−1 6= 0,
0≤i1 ≤r1
..
.
0≤in−1 ≤rn−1

logo o polinômio p(α1 , . . . , αn−1 , Xn ) =


P P  
in−1
= ai1 ...in α1i1 · · · αn−1 Xnin ∈ A[Xn ]
0≤in ≤rn 0≤i1 ≤r1
..
.
0≤in ≤rn

é não nulo e logo possui um número finito de raı́zes. Para infinitos valores de
αn ∈ A (os elementos de A que não são raı́zes de p(α1 , . . . , αn−1 , Xn )) temos
que p(α1 , . . . , αn ) 6= 0, o que prova o resultado.

COROLÁRIO 1.16. Seja A um domı́nio infinito. Sejam ainda os po-


linômios p(X1 , . . . , Xn ) e q(X1 , . . . , Xn ) em A[X1 , . . . Xn ] tais que
p(α1 , . . . , αn ) = q(α1 , . . . , αn ) ∀ (α1 , . . . , αn ) ∈ An .
Então p(X1 , . . . , Xn ) = q(X1 , . . . , Xn ).
1.5. POLINÔMIOS EM VÁRIAS INDETERMINADAS 37

DEMONSTRAÇÃO: Suponha por absurdo que

p(X1 , . . . , Xn ) − q(X1 , . . . , Xn ) 6= 0,

logo pela proposição 9, existem (α1 , . . . , αn ) ∈ An tais que

p(α1 , . . . , αn ) − q(α1 , . . . , αn ) 6= 0.

Mas, pela proposição, existem α1 , . . . , αn ∈ A tais que

p1 (α1 , . . . , αn ) − p2 (α1 , . . . , αn ) 6= 0,

o que é uma contradição.

PROPOSIÇÃO 1.10. Seja K um corpo algebricamente fechado e seja

f (X1 , . . . , Xn ) ∈ K[X1 , . . . , Xn ] − K com n ≥ 2.

Então o conjunto

VK (f ) = {(α1 , . . . , αn ) ∈ K n | f (α1 , . . . , αn ) = 0}

é infinito.

DEMONSTRAÇÃO: Como f (X1 , . . . , Xn ) não está em K, então pelo


menos uma das indeterminadas figura em f (X1 , . . . , Xn ). Sem perda de ge-
neralidade, podemos supor que seja Xn . Escrevemos

f (X1 , . . . , Xn ) =

f0 (X1 , . . . , Xn−1 ) + f1 (X1 , . . . , Xn−1 )Xn + · · · + fd (X1 , . . . , Xn−1)Xnd

como polinômio em (K[X1 , . . . , Xn−1 ])[Xn ], com fd (X1 , . . . , Xn−1 ) 6= 0 e


d ≥ 1. Pela Proposição 9, existem infinitos elementos (α1 , . . . , αn ) ∈ K n−1
tais que fd (α1 , . . . , αn−1 ) 6= 0 e para cada escolha de tais (α1 , . . . , αn−1 ) existe
αn ∈ K n−1 raiz da equação f (α1 , . . . , αn−1 , Xn ) = 0, pois K é algebricamente
fechado, o que prova a asserção.
38 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS

PROBLEMAS 1.5.

1. Sejam A um domı́nio de integridade e p, q ∈ A[X1 , . . . , Xn ].


Mostre que,

(a) gr(p · q) = gr(p) + gr(q).


(b) Se p e q são homogêneos, então p · q é homogêneo.
(c) Se p é homogêneo e p = p1 · p2 em A[X1 , . . . , Xn ], então p1 e p2
são homogêneos.

2. Seja K um corpo. Se Fm , Fm+1 ∈ K[X1 , . . . , Xn ] são homogêneos de


graus respectivamente m e m + 1, sem fatores não constantes em co-
mum, mostre que Fm + Fm+1 é irredutı́vel em K[X1 , . . . , Xn ].

3. Seja K um corpo. Mostre que Y 2 + p(X1 , . . . , Xn ) ∈ K[X1 , . . . , Xn , Y ],


onde p(X1 , . . . , Xn ) ∈ K[X1 , . . . , Xn ], é irredutı́vel se, e somente se,
p(X1 , . . . , Xn ) não é o quadrado de um polinômio em K[X1 , . . . , Xn ].
Em particular, mostre que Y 2 − X(X − 1)(X − λ), com λ ∈ K, é
irredutı́vel em K[X, Y ] .

4. Seja K um corpo algebricamente fechado. Seja p(X1 , X2 ) ∈ K[X1 , X2 ]


um polinômio homogêneo de grau m ≥ 1.
Mostre que existem αi , βi ∈ K, i = 1, . . . , m tais que,

p(X1 , X2 ) = (α1 X1 + β1 X2 ) · (α2 X1 + β2 X2 ) · · · (αm X1 + βm X2 ).

5. (a) Seja A um anel. Sejam p(X1 , . . . , Xn ) ∈ A[X1 , . . . , Xn ] e Y uma


indeterminada sobre A[X1 , . . . , Xn ]. Mostre que p(X1 , . . . , Xn ) é
um polinômio homogêneo de grau m se, e somente se,

p(Y X1 , . . . , Y Xn ) = Y m p(X1 , . . . , Xn )

(Como polinômio em A[X1 , . . . , Xn ]).


(b) Seja p(X1 , X2 , X3 ) ∈ R[X1 , X2 , X3 ]. Mostre que V R (p) é um cone
com vértice na origem de R3 se, e somente se, p(X1 , X2 , X3 ) é um
polinômio homogêneo.

6. O polinômio f (X1 , X2 ) = X12 + X22 é irredutı́vel em R[X1 , X2 ] ? Deter-


mine V R (f ). Responda às mesmas perguntas em C[X1 , X2 ].
1.5. POLINÔMIOS EM VÁRIAS INDETERMINADAS 39

7. Seja K um corpo algebricamente fechado e f (X1 , . . . , Xn ) um polinômio


em K[X1 , . . . , Xn ]. Mostre que VK (f ) é não vazio se, e somente se,
f (X1 , . . . , Xn ) ∈ K ∗ . Dê um exemplo onde não vale o resultado se
K = R.
40 CAPÍTULO 1. POLINÔMIOS
Capı́tulo 2

DERIVAÇÃO E
MULTIPLICIDADE

2.1 Derivada Primeira


Seja K um corpo. Define-se o operador DX 1 em K[[X]] (i.e. DX
1
é uma
aplicação de K[[X]] em si próprio) como segue
1
DX : K[[X]] −→ K[[X]]
P∞ 1
P∞
f (X) = i=0 ai X i 7−→ DX f (X) = i=0 iai X i−1

Este é chamado operador de derivação de ordem 1 e tem propriedades


1
notáveis que o tornam muito útil. A série de potências DX é chamada deri-
vada primeira ou simplesmente derivada de f (X). Usa-se também a notação
1
DX = f ′ (X). Segue claramente da definição que DX 1
(K[X]) ⊂ k[X].

PROPOSIÇÃO 2.1. Sejam f (X), g(X) ∈ K[X], a ∈ K e m ∈ N. Temos


que
1
1. DX (f (X) + ag(X)) = f ′ (X) + ag ′ (X).
1
2. DX (f (X) · g(X)) = f ′ (X) · g(X) + f (X) · g ′(X).
1
3. DX ((f (X))m = m(f (X))m−1 · f ′ (X) .

Demonstração:

41
42 CAPÍTULO 2. DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE

1. A demonstração deste item segue diretamente da definição.


2. Em virtude do Problema 1.4 do Capı́tulo 1, basta
P∞ provar a fórmula
n i
para produtos da forma X g(X). Seja g(X) = i=0 bi X , temos que

! ∞
X X
1 n 1 n+i
DX (X g(X)) = DX bi X = (n + i)bi X n+i−1 =
i=0 i=0

X ∞
X
1
 1
= nX n−1 bi X i + X n ibi X i = DX X n g(X) + X n DX g(X)
i=0 i=0

3. A demonstração pode ser feita por indução sobre m e a deixamos a


cargo do leitor.
O próximo resultado vai caracterizar aquelas séries de potências que têm
derivada nula.

1
PROPOSIÇÃO 2.2. 1. Se car(K) = 0 então, DX f (X) = 0 se, e so-
mente se, f (X) ∈ K.
1
2. Suponha car(K) = p > 0. Então DX f (X) = 0 se, e somente se,
f (X) = b0 + b1 X p + b2 X 2p + · · · , com bi ∈ K, ∀i ∈ Z+
P
Demonstração: Seja f (X) = ∞ i 1
i=0 ai X ∈ K[[X]]. DX f (X) = 0 se, e
somente se, iai = 0 para todo i ∈ Z+ . Por I-7, Problema 3.1, esta última
condição é equivalente a i ≡ 0 mod car(K) ou ai = 0.
1. Se car (K) = 0, isto é equivalente a 0 = a1 = a2 = · · · , isto é,
f (X) = a0 ∈ K.
2. Se car (K) = p > 0, isto é equivalente a i ≡ 0 mod p se ai 6= 0. Assim,
1
DX f (X) = 0 se, e somente se, f (X) = a0 + ap X p + a2p X 2p + · · · . O
resultado segue definindo bj = ajp , ∀ j ∈ Z+ .
Se um polinômio p(X) é divisı́vel por (X − α)m , onde α ∈ K e m ∈ N,
e não é divisı́vel por (X − α)m+1 , dizemos que α é raiz de multiplicidade
m de p(X). Se m ≥ 2, dizemos que α é raiz múltipla de p(X). Note que
se (X−α)l divide p(X), então α é raiz de multiplicidade pelo menos l de p(X).

Damos a seguir uma caracterização daqueles polinômios que têm raı́zes


múltiplas em termos de derivadas.
2.1. DERIVADA PRIMEIRA 43

PROPOSIÇÃO 2.3. Um elemento α ∈ K é raiz múltipla de p(X) ∈ K[X]


se, e somente se, p(α) = p′ (α) = 0.

Demonstração: Por um lado, suponha que p(X) = (X − α)m · q(X) com


m ≥ 2. Logo, pela Proposição 1, (2) e (3) temos que

p′ (X) = (x − α)m · q ′ (X) + m(X − α)m−1 · q(X).

Como m ≥ 2 é claro que p(α) = p′ (α) = 0. Reciprocamente, Como p(α) = 0,


temos que p(X) = (X −α)·q(X). Derivando ambos os lados desta igualdade,
temos p′ (X) = q(X) + (X − α) · q1 (X). Desta igualdade e de p′ (α) = 0 segue
que q(α) = 0 e daı́ que q(X) = (X − α) · q1 (X) para algum q1 (X) ∈ K[X].
Conseqüentemente p(X) = (X − α)2 · q1 (X) e portanto α é uma raiz múltipla
de p(X).

COROLÁRIO 2.1. Seja K um corpo algebricamente fechado. p(X) ∈


K[X] não tem raı́zes múltiplas em K se, e somente se, (p(X), p′(X)) = 1.

Demonstração: Sendo K um corpo algebricamente fechado, os polinômios


p(X) e p′ (X) têm raiz comum se, e somente se, eles têm um fator não cons-
tante comum. O resultado segue então da Proposição 3.

COROLÁRIO 2.2. Se car (K) = 0 e se p(X) ∈ K[X] é irredutı́vel, então


p(X) não pode ter raiz múltipla em nenhuma extensão F de K.

Demonstração: Note inicialmente que se car (K) = 0 e p(X) é irredutı́vel


então p′ (X) 6= 0 e (p(X), p′(X)) = 1. A primeira destas asserções segue da
Proposição 2. Para a segunda, suponha por absurdo que (p(X), p′ (X)) 6= 1,
logo p(X) e p′ (X) têm um fator não constante em comum e como p(X) é
irredutı́vel este fator comum é um associado de p(X), o que é impossı́vel pois
gr(p′ (X)) < gr(p(X)). Como (p(X), p′(X)) = 1 em K[X], o mesmo ocorre
em F [X], logo pelo Corolário 1, p(X) não tem raı́zes múltiplas em F .

PROPOSIÇÃO 2.4. Seja p(X ∈ K[X]) com car(K) = 0. Então α é raiz


de multiplicidade m ≥ 1 de p(X) se, e somente se, α é raiz de p(X) e raiz
de multiplicidade m − 1 de p′ (X).
44 CAPÍTULO 2. DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE

Demonstração: Por um lado, suponha que α seja uma raiz de multiplici-


dade m de p(X). Temos então que

p(X) = (X − α)m q(X), com q(X) ∈ K[X] e q(α) 6= 0.


Segue então que p′ (X) = m(X −α)m−1 q(X)+(X −α)m q ′ (X), portanto temos
claramente que (X − α)m−1 | p′ (X).
Vamos provar que (X − α)m não divide p′ (X). De fato, se (X − α)m | p′ (X),
então (X − α)m | m(X − α)m−1 q(X), logo (X − α) | mq(X) e portanto
mq(α) = 0. Como car(K) = 0, segue que q(α) = 0 o que é uma contradição.
Reciprocamente, suponha que p(α) = 0 e que α é raiz de multiplicidade
m − 1 de p′ (X). Seja r a multiplicidade da raiz α de p(X), logo r ≥ 1 e pela
primeira parte da demonstração, α é raiz de multiplicidade r − 1 de p′ (X) e
portanto r − 1 = m − 1 e portanto r = m.

Dado um polinômio p(X) ∈ K[X] podemos definir as suas derivadas ite-


radas do seguinte modo:

p′′ (X) é a derivada de p′ (X), ou seja p′′ (X) = DX


1 1
(DX (p(X)),

p′′′ (X) é a derivada de p′′ (X), ou seja p′′′ (X) = DX


1 1
(DX 1
(DX (p(X))),
.. .. ..
. . .
(n−1)
p(n) (X) é a derivada de p(n−1) (X), ou seja p(n) (X) = DX
1
(DX (p(X)).

COROLÁRIO 2.3. Seja car (K) = 0 e p(X ∈ K[X]). Um elemento α ∈ K


é raiz de multiplicidade m ≥ 2 de p(X) se, e somente se,

p(α) = p′ (α) = · · · = p(m−1) (α) = 0 e p(m) (α) 6= 0.

Demonstração: Por um lado, se α é raiz de multiplicidade m de p(X),


então α é raiz de multiplicidade m − 1 de p′ (X), logo raiz de multiplicidade
(m − 2) de p′′ (X), etc. até concluirmos que α é raiz de multiplicidade 1 de
p(m−1) (X) e portanto p(m) 6= 0. Segue então que

p(α) = p′ (α) = · · · = p(m−1) (α) = 0 e p(m) (α) 6= 0.

Reciprocamente, sendo p(m−1) (α) = 0 e p(m) (α) 6= 0 tem-se que α é raiz de


multiplicidade 1 de p(m−1) (X) e portanto de multiplicidade 2 de p(m−1) (X)
2.1. DERIVADA PRIMEIRA 45

e assim sucessivamente até concluirmos que α é raiz de multiplicidade m de


p(X).

Exemplo 1 : A derivação permite obter algumas fórmulas interessantes.


Por exemplo, derivando ambos os membros a identidade:
       
n n n n n−1 n n
(X + 1) = X + X +···+ X+ ,
0 1 n−1 n

e fazendo X = 1 obtemos a igualdade


     
n−1 n n n
n·2 =n + (n − 1) +···+ .
0 1 n−1

Exemplo 2 : Na Proposição 5, Capı́tulo 1, demos a fórmula de interpolação


de Lagrange. Recordando, é o único polinômio de grau menor do que n que
assume o valor bi quando avaliado em ai onde os ai ′ s são dois a dois distintos
e os b′i s não são todos nulos, i = 1, . . . , n é o polinômio

Xn
(X − a1 ) . . . (X − ai−1 ) · (X − ai+1 ) · · · (X − an )
p(X) = bi
i=1
(ai − a1 ) · · · (ai − ai−1 ) · (ai − ai+1 ) · · · (ai − an )

Podemos reescrever esta fórmula, usando derivadas, do seguinte modo mais


sintético:
Xn
f (X) bi
p(X) = · ′ , onde f (X) = (X − a1 ) · · · (X − an ).
i=1
(X − ai ) f (ai )

PROBLEMAS 2.1.

1. Ache a multiplicidade da raiz 1 do polinômio

X 5 − 3X 4 + 5X 3 − 7X 2 + 6X − 2.

Determine as demais raı́zes.


√ √ √
2. Ache as raı́zes da equação X 3 −(3+ 2)X 2 +(1+2 2)X +(1+ 2) = 0,
sabendo-se que esta tem uma raiz dupla.
46 CAPÍTULO 2. DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE

3. Mostre que o polinômio X(X n−1 − nan−1 ) + an (n − 1) é divisı́vel por


(X − a)2 , mas não é divisı́vel por (X − a)3 , onde a 6= 0 e n ≥ 2.
4. Mostre que se n ≥ 3, então (1 − X)3 divide o polinômio
(1 − X n )(1 + X) − 2nX n (1 − X) − n2 X n (1 − X)2

5. Determine os possı́veis valores de m, p e q em C de modo que o po-


linômio X 6 + mX 4 + 10X 3 + pX + q tenha uma raiz quádrupla em C.
Determine, neste caso, as raı́zes do polinômio.
6. Seja ξ 6= 1 uma raiz n-ésima da unidade e seja
p(X) = X n−1 + X n−2 + · · · + X + 1.
Mostre que:
n
(a) p′ (ξ) = ξ(ξ−1)
.
n
(b) ξ + 2ξ 2 + · · · + (n − 1)ξ n−1 = ξ−1
.

7. (a) Mostre que o resto da divisão de um polinômio p(X) ∈ K[X] por


t((X) = (X − x1 ) · (X − xn ), onde x1 , . . . , xn ∈ K são dois a dois
distintos, é
Xn
t(X) p(xi )
i=1
(X − xi ) t′ (xi )
(Sugestão: Use a fórmula do Exemplo 2)
(b) Ache o resto da divisão de X 9 +3X 7 +4X 6 +X 4 −X 3 +2X 2 −X +1
por X(X + 1)(X − 1)
8. Dê um contraexemplo para o Corolário 1 quando K = R.
9. Dê um contraexemplo para a Proposição 4 quando car(K) > 0.
10. (a) Mostre que

i (n) 0, se i < n
(X ) = i−n
i(i − 1) · · · (i − n + 1)X , se i ≥ n.

(b) Mostre que se n ≥ car(K), então (p(X))(n) = 0 ∀ p(X) ∈ K[X].


(c) Conclua que se car(K) = 2, então
(p(X))(n) = 0 ∀ p(X) ∈ K[X], ∀ n ≥ 2.
2.2. DIVISÃO POR X − A 47

2.2 Divisão por X − a


Freqüentemente dividiremos polinômios por X − a, por isso desenvolve-
mos um método prático para efetuar tais divisões.

Seja p(X) = a0 + a1 X + · · · + an X n ∈ A[X], vamos usar o método dos


coeficientes a determinar para achar q(X) = b) +b1 X +· · ·+bn−1 X n−1 ∈ A[X]
e r ∈ A tais que

p(X) = (X − a) · (b0 + b1 X + · · · + bn−1 X n−1 ) + r


= bn−1 X n + (bn−2 − a · bn−1 )X n−1 + (bn−3 − a · bn−2 )X n−2 + · · · +
+ (b0 − a · b1 )X + r − a · b0

Igualando os coeficientes correspondentes, obtém-se

bn−1 = an
bn−2 = an−1 + a · bn−1
bn−3 = an−2 + a · bn−2
..
.
b0 = a1 + a · b1
r = a0 + a · b0

Destas igualdades, deduz-se o seguinte dispositivo prático:

an an−1 an−2 ··· a1 a0


a an an−1 + a · bn−1 an−2 + a · bn−2 ··· a1 + a · b1 a0 + a · b0

↓ ↓ ↓ ↓ ↓

bn−1 bn−2 bn−3 ··· b0 r = p(a)

Exemplo 1 : Dividamos p(X) = 8X 6 − 7X 5 + 4X 4 + X 3 − 3X 2 + 1 por


X +2

8 −7 4 1 −3 0 1

−2 8 −23 50 −99 195 −390 781


48 CAPÍTULO 2. DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE

Portanto q(X) = 8X 5 −23X 4 +50X 3 −99X 2 +195X −390 e r = p(−2) = 781.

Exemplo 2 : Dividamos p(X) = X 5 + 4X 4 + 2X 2 + X + 1 por 2X + 1

1 4 0 2 1 1

1 9 9 25 41 73
2
1 2 4 8 16 32

Portanto
   
1 4 9 3 9 2 25 41 73
p(X) = X− · X + X + X + X+ + ,
2 2 4 8 16 32
segue daı́ que
 
1 4 9 3 9 2 25 41 73
p(X) = (2X − 1) · X + X + X + X+ + ,
2 4 8 16 32 32
logo
 
1 9 9 25 41 1 73
q(X) = X 4 + X 3 + X 2 + X + e r=p + .
2 4 8 16 32 2 32
Exemplo 3 : Dividamos p(X) = X n − an por X − a

1 0 0 ··· 0 −an

a 1 a a2 ··· an−1 0

Portanto q(X) = X n−1 + a · X n−2 + a2 · X n−3 + · · · + an−1 e r = p(a) = 0.

Sejam p(X) ∈ A[X] um polinômio de grau n e a ∈ A. Considere as


seguintes igualdades:

p(X) = (X − a) · q1 (X) + r0
q1 (X) = (X − a) · q2 (X) + r1
q2 (X) = (X − a) · q3 (X) + r2
..
. =
qn−1 (X) = (X − a) · qn (X) + rn−1
2.2. DIVISÃO POR X − A 49

Por consideração de graus, temos que qn (X) ∈ A. Pondo rn = qn (X) e


substituindo uma equação na outra, no sistema acima, obtemos

p(X) = r0 + r1 · (X − a) + r2 · (X − a)2 + · · · rn−1 · (X − a)n−1 + rn · (X − a)n .

Esta é a expressão de p(X) em potências crescentes de (X − a). As divisões


sucessivas por (X − a) nos fornecem um algoritmo prático para determinar
tal expressão.

Seja p(X) = a0 + a1 X + a2 X 2 + · · · + an X n . Obtemos r0 , r1 , r2 , . . . , rn


como segue

an an−1 ··· a1 a0 −an

a Coeficientes de q1 (X) r0
a Coeficientes de q2 (X) r1
..
. ··· ···
a Coeficientes de qn (X) rn−1
a rn

Exemplo 4 : Vamos expandir X 5 − 1 em potências crescentes de X − 1.

1 0 0 0 0 −1
1 1 1 1 1 1 0
1 1 2 3 4 5
1 1 3 6 10
1 1 4 10
1 1 5
1

Assim, X 5 −1 = 5(X −1)+10(X −1)2 +10(X −1)3 +5(X −1)4 +(X −1)5 .

Exemplo 5 : Vamos expandir p(X) = X 6 +4X 5 +7X 4 −3X 3 +X 2 −2X +1


em potências crescentes de X + 2.
50 CAPÍTULO 2. DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE

1 4 7 −3 1 −2 1
−2 1 2 3 −9 17 −36 73
−2 1 0 3 −15 47 −130
−2 1 −2 7 −29 105
−2 1 −4 15 10
−2 1 −6 27
−2 1 −8
1

Assim,

p(X) = 73 − 130(X + 2) + 105(X + 2)2 − 59(X + 2)3 +


+27(X + 2)4 − (X + 2)5 + (X + 2)6 .

Sejam K um corpo, p(X) ∈ K[X] e a ∈ K. Derivando sucessivamente a


igualdade

p(X) = r0 + r1 · (X − a) + r2 · (X − a)2 + · · · rn−1 · (X − a)n−1 + rn · (X − a)n .

temos que,

p′ (X) = r1 + 2r2 (X − a) + 3r3 (X − a)2 + · · · + nrn−1 (X − a)n−1


p′′ (X) = 2r2 + 3 · 2r3 (X − a) + 4 · 3r4 (X − a)2 + · · ·
..
.
pi (X) = i! ri + (i + 1) · i! ri+1 (X − a) + · · ·
..
.
p(n) (X) = n! rn

Avaliando este polinômios em a, obtemos que

r0 = p(a),
r1 = p′ (a),
r2 = 2!1 p′′ (a),
..
.
1 (i)
ri = i!
p (a),
..
.
1 (n)
rn = n!
p (a).
Portanto se car(K) = 0 ou car(K) > n, temos a fórmula de Taylor,
2.2. DIVISÃO POR X − A 51

p′′ (a) p(n) (a)


p(X) = p(a) + p′ (a) · (X − a) + · (X − a)2 + · · · + (X − a)n .
2! n!
Observe também que as derivadas sucessivas p(a), p′ (a), . . . , p(n) (a) po-
dem ser calculadas a partir de r0 , r1 , . . . , rn mediante divisões sucessivas por
(X − a).

Exemplo 6 : Seja p(X) = X 6 + 4X 5 + 7X 4 − 3X 3 + X 2 − 2X + 1 ∈ Q[X].


Pela discussão acima e pelos cálculos do Exemplo 5, temos que
p(−2) = 73, p′ (−2) = −130,
p′′ (−2) = 2!1 · 105 105
2
, p′′′ (−2) = 3!1 · (−59) = − 59
6
,
1 9 1 −1
p(4) (−2) = 4! · 27 = 8 , (5)
p (−2) = 5! · (−8) = 15
p(6) (−2) 1
= 6!1 = 720 .

PROBLEMAS 2.2.
1. Divida:
(a) −X 4 + 7X 3 − 4X 2 por X + 3,
(b) X 4 + 5X 3 + 7X − 1 por X − 3,
(c) 10X 3 − 2X 2 + 3X − 1 por 2X − 3,
(d) X 4 + X 3 − X 2 + 1 por 3X + 2.
2. Seja n ∈ N. Ache o quociente e o resto da divisão de
(a) nX n+1 − (n + 1)X n + 1 por (X − 1)2 ,
(b) nX n+2 − (n + 2)X n+1 + (n + 2)X − n por (X − 1)3 .
3. Resolva a equação 2X 3 + 3X 2 − 4X − 6 = 0, sabendo-se que ela tem
uma raiz α = − 23 .
4. Resolva a equação 2X 4 + 5X 3 + 5X 2 − 2 = 0 sabendo-se que ela tem
uma α = −1 e outra raiz β = 21 .
5. Seja p(X) = X 7 + 2̄X 6 + X 5 + 3̄X 4 − X 3 + 4̄X 2 − 2̄X + 5̄ ∈ Z13 [X].
Desenvolva p(X) segundo as potências crescentes de X − 1̄. Calcule
p(i) (1̄) para i = 0, 1, 2, . . . , 7.
52 CAPÍTULO 2. DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE

2.3 Derivadas de ordem superior


Seja K um corpo e seja f (X) ∈ K[[X]]. Se Y é uma indeterminada sobre
K[[X]], podemos considerar f (X + Y ) como elemento de K[[X]][[Y ]] e como
tal tem uma expressão única da forma

f (X + Y ) = f0 (X) + f1 (X)Y + f2 (X)Y 2 + · · · + fm (X)Y m + · · · ,

com f0 (X), f1 (X), f2 (X), . . . , ∈ K[[X]].

Definimos uma famı́lia infinita de operadores em K[[X]] como segue,


∀ m ∈ Z+ :
m
DX : K[[X]] −→ K[[X]]
m
f (X) 7−→ DX f (X) = fm (X)
 
n
PROPOSIÇÃO 2.5. DX m n
X = X n−m ∀ m, n ∈ Z+ .
m
P P∞
Se f (X) = ∞ i m
i=0 ai X ∈ K[[X]], então DX f (X) =
m i
i=0 ai DX X .

Demonstração: Pela fórmula do binômio de Newton temos que


n 
X 
n n
(X + Y ) = X n−m Y m ,
m
m=0

de onde segue a primeira afirmação. A segunda Pafirmação segue da ob-



m
servação que o coeficiente de Y em f (X + Y ) = i=0 ai (X + Y )i é a soma,
∀ i ∈ Z+ , dos coeficientes de Y m em ai (X + Y )i (que é igual a ai vezes o
coeficiente de Y m em (X + Y )i ).

m
Segue imediatamente da Proposição 5 que DX (K[X]) ⊂ K[X] ∀ m ∈ Z+ .

TEOREMA 2.1. Sejam f (X), g(X) ∈ K[[X]] e c ∈ K. A famı́lia de


m
operadores (DX )m∈Z+ possui as seguintes propriedades:
0 1 m
1. DX = Id; DX = derivação de ordem 1; DX c=0 ∀ m ∈ N.
m
2. DX (f (X) + cg(X)) = DXm
f (X) + cDXm
g(X) ∀ m ∈ Z+ .
P
m
3. DX (f (X) · cg(X)) = m i m−i
i=0 DX f (X) · DX g(X) ∀ m ∈ Z .
+
2.3. DERIVADAS DE ORDEM SUPERIOR 53
 
m+n m+n
4. m
DX ◦ n
DX = DX ∀ m ∈ Z+ .
n
Demonstração:
0 1
1. Da Proposição 5 temos que DX X n = X n e DX X n = nX n−1 . Da
0
segunda afirmação da Proposição 5 temos que DX f (X) = f (X) e
1
DX f (X) = f ′ (X). A igualdade DX m
c = 0 ∀ m ∈ N segue direta-
mente da definição.
2. Segue facilmente da Proposição 5.

3. Denotando por (f · g)(X + Y ) a série de potências em K[[X]][[Y ]]


correspondente a f (X)·g(X) onde se substitui X por X +Y , o resultado
segue da seguinte igualdade em K[[X]][[Y ]]:

(f · g)(X + Y ) = f (X + Y ) · g(X + Y ).

m
4. Pela Proposição 5, DX f (X) é calculável por linearidade a partir dos
valores de DX X , i ∈ Z+ . Portanto para provar (4) basta verificar que
m i

vale a igualdade quando os dois operadores são aplicados a X i , para


todo i ∈ Z+ . De fato,
     
m n i m i i−n i i
DX ◦ D X X = D X X = ·
n n m+n
e      
m+n m+n i m+n i
DX X = · X i−(m+n)
n n m+n
Uma verificação direta mostra que
       
i i−n m+n i
· = · ,
n m n m+n

o que prova o resultado.


m
Os operadores DX permitem generalizar para cacaterı́stica positiva al-
guns dos resultados da Seção 1 provados para car(K) = 0.

Usaremos a seguinte notação, se α ∈ K, f (X) ∈ K[X] e m ∈ Z,


m n
DX f (α) = Avα (DX f (X))
54 CAPÍTULO 2. DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE

onde Avα é a função avaliação introdizida no Capı́tulo 1, Problema 1.8.

O próximo resultado é uma generalização do Corolário da Proposição 4.

PROPOSIÇÃO 2.6. Seja p(X) ∈ K[X]. Um elemento α ∈ K é raiz de


multiplicidade m ≥ 2 de p(X) se, e somente se,
1 m−1 m
p(α) = DX p(α) = · · · DX p(α) = 0 e DX p(α) 6= 0.

Demonstração: Na expressão
1 m
f (X + Y ) = f (X) + DX f (X)Y + · · · + DX f (X)Y m + · · · ,

substituindo X por α e Y por (X − α), temos que

1 m
f (X) = f (α) + DX f (α)(X − α) + · · · + DX f (α)(X − α)m + · · · .
O resultado segue imediatamente da expressão acima.

Do Teorema 1 (4) e por indução, segue facilmente que


1 m 1 1 1 m
(DX ) = DX ◦ DX ◦ · · · ◦ DX = m! DX .
1 1 m
Portanto, se car(K) = 0, temos que DX m
= m! (DX ) , ∀ m ∈ Z+ e con-
m 1
seqüentemente, os operadores DX são todos determinados por DX através
de iterações.

Se car(K) = p > 0, o quadro é bem diferente. Por exemplo, se p < m,


1 m m 1
então (DX ) = 0, sem que DX seja nulo. Portanto as iterações de DX não
m
são suficientes para determinar todos os operadores DX . Afim de esclarecer
a situação temos o seguinte resultado:

TEOREMA 2.2. Seja K um corpo de caracterı́stica Ps p > 0 e seja m ∈ Z.


Considere a expansão p-ádica de m, isto é, m = i=0 mi pi , com 0 ≤ mi < p.
Tem-se que
m 1 ps ms 1 m0
DX = (DX ) ◦ · · · ◦ (DX ) .
m0 ! · · · ms !
2.3. DERIVADAS DE ORDEM SUPERIOR 55

p l lp r r
Demonstração: Se 0 ≤ 1 < p e r ∈ Z, temos que (D X) = l! DX . Isto
s
ip
segue do Teorema 1 (4), indução sobre l e a congruência ≡ i mod p
ps
(cf. I-6, Problema 1.16). Agora usando argumentos semelhantes temos que
mi p i m +m1 p+···+mi−1 pi−1
DX ◦ DX 0 =
 
m0 + · · · mi pi m +···+mi−1 pi−1 m0 +···+mi p i
= DX 0 = DX .
m0 + · · · + mi−1 pi−1
Daı́ segue que
p mss ms p s +···+m
1 m0 m
(DX ) ◦ · · · ◦ (DX ) = m0 ! · · · ms ! DX 0
= m0 ! · · · ms !DX ,

o que prova o resultado.

m
O Teorema 2 em particular nos mostra que os operadores DX são gerados
p p 2 p s
1
por composições dos operadores DX , DX , DX , . . . , DX , . . .
No cálculo diferencial em caracterı́stica p é fundamental compararmos os
desenvolvimentos p-ádicos de dois inteiros. Sejam
m = m0 + m1 p1 + · · · + ms ps , 0 ≤ mi < p, i = 0, 1, . . . , s
e n = n0 + n1 p1 + · · · + ns ps , 0 ≤ ni < p, i = 0, 1, . . . , s
Dizemos que n é p-adicamente maior ou igual do que m , escrevendo,
n≥p m, se, e somente se, ni ≥ mi , ∀ i = 0, 1, . . . , s.

Da congruência fundamental (I-6, Problema 1.16) sabemos que


     
n n0 ns
≡ ··· mod p,
m m0 ms
e, portanto,  
n
6= 0 mod p ⇔ n≥p m.
m
m
Os operadores DX foram introduzidos por H. Hasse em 1936, sendo fun-
damentais no desenvolvimento da Geometria Algébrica em caracterı́stica po-
sitiva. Estes operadores, nesta mesma década, foram extensivamente usa-
dos por F. K. Schmidt na sua teoria de pontos de Weierstrass para curvas
algébricas definidas sobre corpos de caracterı́stica positiva e por isto são usu-
alemnte chamados de operadores diferenciais de Hasse-Schmidt. Fato curioso
56 CAPÍTULO 2. DERIVAÇÃO E MULTIPLICIDADE

é que estes operadores tenham sido independentemente redescobertos entre


1948 e 1950 por J. Dieudonné que os chamou de semi-derivações.

PROBLEMAS 2.3.

1. Sejam m, n ∈ Z+ . Mostre que DX


m n
X 6= 0 ⇔ n≥p m.

2. Sejam f (X) ∈ K[X] com car(K) = p > 0 e m, n ∈ Z+ . Mostre que se


n m
m≥p n e DX f (X) = 0 então DX f (X) = 0.

3. Seja car(K) = p e seja s ∈ Z+ , determine


ps ps
Ker (DX ) = {f (X) ∈ K[X] | DX f (X) = 0}.

4. Seja f (X) ∈ K[T ] com car(K) = p > 0 e seja q uma potência de p.


Mostre que
 j
 (DT f (T )(X q )), se n = jq
n
DX f (X q ) =

0, se n 6= 0 mod q

onde (DTj f (T ))(X q ) é o polinômio que se obtém substuindo T por X q


no polinômio DTj f (T ).
Capı́tulo 3

POLINÔMIOS COM
COEFICIENTES NUM DFU

Decidir se um polinômio é irredutı́vel ou não em Q[X] é bem mais com-


plicado do que decidir se é ou não irredutı́vel em C[X] ou em R[X]. Mostra-
remos ainda neste capı́tulo que existem polinômios irredutı́veis de todos os
graus em Q[X]. Um primeiro passo no sentido de estudar a irredutibilidade
de um polinômio em Q[X] será de tentar determinar as suas raı́zes em Q.
Como esta teoria se desenvolve naturalmente em situação mais geral, é neste
contexto que nos colocamos.
Em todo este capı́tulo D será um D.F.U. e K o seu corpo de frações.

3.1 Raı́zes em K de polinômios em D[X]


TEOREMA 3.1. Sejam D um D.F.U. e K o seu corpo de frações. Sejam
ainda p(X) = a0 + a1 X + · · · an X n ∈ D[X] e r, s ∈ D primos entre si com
s 6= 0. Se rs é uma raiz de p(X), então r | a0 e s | an .
r
Demonstração: Sendo s
raiz de p(X), tem-se que

r r n−1 rn
a0 + a1 + · · · + an−1 n−1 + an n = 0.
s s s
Multiplicando ambos os membros desta igualdade por sn segue que

sn a0 + sn−1 ra1 + · · · sr n−1 an−1 + r n an = 0.

57
58 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

Esta última igualdade pode ser reescrita nas duas formas seguintes:

s(sn−1 a0 + sn−2 ra1 + · · · + r n−1an−1 ) = −r n an (3.1)

r(r n−1an + sr n−2an−1 + · · · + sn−1 a1 ) = −sn a0 (3.2)

Como r e s são primos entre si, o mesmo ocorre com r e sn e para sn e r n .


Como de (5) e (6) temos que s | r n an e r | sn a0 , segue que s | an e r | a0
(veja I-4, Problema 3.2 (i)).

COROLÁRIO 3.1. Se p(X) ∈ D[X] é mônico, então toda raiz de p(X)


em K, encontra-se em D e divide a0 = p(0).

Exemplo 1 : Determinaremos todas as raı́zes racionais do polinômio se-


guinte: p(X) = 4X 3 + 11X 2 + 45X − 12 ∈ Z[X].

De acordo com o Teorema 1 toda raiz racional rs de p(X) com r, s ∈ Z[X]


e primos entre si é tal que r | 12 e s | 4. Portanto as possibilidades são
as seguintes: r = ±1, ±2, ±3, ±4, ±6, ±12 e supondo sem perda de
generalidade s > 0, s = 1, 2, 4. Em princı́pio terı́amos 36 valores possı́veis
para rs a serem testados. Eliminando as repetições, ficamos reduzidos a 20
possibilidades:
 
r 1 3 1 3
∈ ±1, ±2, ±3, ±4, ±6, ±12, ± , ± , ± , ± .
s 2 2 4 4

Após algumas tentativas, podendo ser numerosas, chega-se à conclusão que


p(X) possui uma única raiz racional que é 41 .

O Exemplo acima nos sugere que pode ser muito trabalhoso determinar
as raı́zes racionais de um polinômio. Existem vários critérios para excluir
valores que não são raı́zes.

O método que descreveremos a seguir é particularmente simples e bas-


tante eficiente.
3.1. RAÍZES EM K DE POLINÔMIOS EM D[X] 59

Y
Seja p(X) = a0 + a1 X + · · · + an X n ∈ D[X]. Pondo X = an
obtém-se,
  n
Y
p an
= a0 + a1 aYn + · · · + an Yan =
n
1
= an−1 (a0 ann−1 + a1 · ann−2 Y + · · · + Y n ) =
n
1
= an−1 q(Y ).
n

As raı́zes em K (logo em D) do polinômio mônico q(Y ) ∈ D[Y ], quando


divididas por an nos fornecem as raı́zes em K de p(X). Podemos então nos
limitar aos polinômios mônicos com coeficientes em D.

Sejam q(Y ) ∈ D[X], α ∈ D uma raiz de q(Y ) e c ∈ D um elemento


qualquer. Como q(Y ) = (Y − α) · t(Y ) com t(Y ) ∈ D[Y ], temos que
q(c) = (c − α) · t(c), e portanto (c − α) | q(c).

Esta observação nos fornece o seguinte método de exclusão:


Para achar as raı́zes em K de um polinômio p(X) ∈ D[X], basta achar
as raı́zes em D do polinômio mônico q(Y ) ∈ D[Y ] e dividı́-las por an . Pelo
corolário do Teorema 1, os candidatos a raı́zes em K (e portanto em D) de
q(Y ) são o divisores do coeficiente do seu termo independente a0 ann−1 .

Escolhe-se um candidato c a raiz em D de q(Y ) e calcula-se q(c) usando o


método prático de divisão de q(Y ) por Y −c. Dois casos podem se apresentar:

1. Um sucesso, isto é, q(c) = 0. Tem-se então uma raiz c de q(Y ) e a


procura das outras raı́zes de q(Y ) se reduz à procura das raı́zes do
polinômio mônico.

2. Um insucesso, isto é, q(c) 6= 0. Deve-se excluir c dentre os candidatos a


raı́zes de q(Y ). Pela observação feita acima, devem ser excluı́dos dentre
os candidatos a raiz em D os elementos α tais que c − α não divide
q(c). Isto transforma o fracasso em algo extremamente útil.

Daremos a seguir um exemplo da aplicação deste método.

Exemplo 2 : Seja p(X) = X 4 −X 3 −13X 2 +16X −48. Procuremos as raı́zes


racionais deste polinômio. Como o polinômio já é mônico não necessitamos
efetuar nenhuma transformação nele. As raı́zes racionais de p(X) devem ser
procuradas entre os inteiros que dividem −48 que são:
60 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

±1, ±2, ±4, ±8, ±16, ±3, ±6, ±12, ±24, ±48.
Calculemos p(1) e p(−1):
1 −1 −13 16 −48

1 1 0 −13 3 −45 = p(1)

−1 1 −2 −11 27 −75 = p(−1)


±1 devem ser excluı́dos pois não são raı́zes. Se α fosse raiz, deverı́amos
ter (1 − α) | p(1) e (−1 − α) | p(1). Isto nos permite excluir os seguintes
valores:
±8, ±16, ±3, ±6, ±12, ±24, ±48.
Resta somente testar os seguintes candidatos: ±2, ±4. Calculemos os
valores p(2) e p(−2):
1 −1 −13 16 −48

2 1 2 −11 −6 −60 = p(2)

−2 1 −3 −7 30 −108 = p(−2)
±2 devem ser excluı́dos pois não são raı́zes. Se α fosse raiz, deverı́amos
ter (2 − α) | p(2) e (−2 − α) | p(2). Isto não nos permite excluir nenhum
outro candidato. Resta então verificar se ±4 são raı́zes de p(X). De fato,
1 −1 −13 16 −48

4 1 3 −1 12 0

−4 1 −1 3 0
Portanto 4 e −4 são raı́zes de p(X). Temos que
p(X) = (X − 4)(X + 4)(X 2 − X + 3).
Isto nos permite achar todas as raı́zes de p(X) que são
√ √
1 11 1 11
4, −4, + i e − i.
2 2 2 2
3.1. RAÍZES EM K DE POLINÔMIOS EM D[X] 61

Exemplo 3 : Sejam an ∈ N tais que √ a não é potência n-ésima de um


número natural.√Vamos mostrar que a não é um número racional. De
n

fato, pondo b = n a, temos que b é raiz do polinômio X n − a. Se b fosse raci-


onal, pelo Corolário do Teorema 1, b seria inteiro e portanto a seria potência
n-ésima do número natural b, o que é uma contradição.

Exemplo 4 : Seja p(X) = X 5 + 4X 4 + 2X 3 − 13X 2 − 19X − 5. Vamos


determinar, se existirem, as raı́zes em Z[i]. Pelo Teorema 1, tais raı́zes são
divisores de 5 em Z[i], que são ±1, ±(1 ± 2i) e ±(1 ± 2i). Dentre estes
elementos basta verificar se são raı́zes os números ±1, 1 + 2i, −1 − 2i, −2 + i
e 2 − i pois os outros são conjugados destes (lembre-se que p(α) = 0 se, e
somente se p(ᾱ) = 0). Testando estes valores, verifica-se que:
p(±1) 6= 0, p(1 + 2i) 6= 0, p(−1 − 2i) 6= 0, p(−2 + i) = 0 e p(2 − i) = 0.
Logo as raı́zes de p(X) em Z[i] são −2 + i e −2 − i.

PROBLEMAS 3.1.

1. Ache as raı́zes racionais dos seguintes polinômios:


a) X 4 − X 3 − X 2 + 19X − 42 b) X 3 − 9X 2 + 22X − 24
3 2
c) 2X − X + 1 d) 10X 3 + 19X 2 − 30X + 9
e) 6X 5 + X 4 − 14X 3 + 4X 2 + 5X − 2

2. Determine se é redutı́vel ou não em Q[X] cada polinômio abaixo:


a) 2X 2 − 3X + 1 b) X 2 − 2
c) X 2 + X + 1 d) 4X 3 + 3X 2 + 3X − 1
e) X 3 + 5X 2 + 4X + 1 f ) X 3 + 6X 2 + 8X − 1
√ √
3. (a) Mostre que α = 2 + 3 é raiz do polinômio X 4 − 10X 2 + 1 e
prove que α é irracional.
√ √
(b) Mostre que 5 + 7 é irracional.
√ √
(c) Mostre que 3 2 − 3 é irracional.
4. (a) Mostre que cos20◦ satisfaz a equação 8X 3 − 6X − 1 = 0.
(Sugestão: Veja I-9, Problema 3.5).
62 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

(b) Prove que cos20◦ é irracional.

5. Determine os inteiros t para os quais a equação

X 4 − 3X 3 + tX 2 − 4X + t − 1 = 0

tenha uma raiz racional.

6. (a) Seja p(X) ∈ Z[X], a, b ∈ Z e m ∈ N. Mostre que se a ≡ b mod m


então p(a) ≡ p(b) mod m.
(b) Seja {r1 , r2 , . . . , rm } um sistema completo de resı́duos módulo m.
Mostre que, se p(X) tem uma raiz em Z, então pelo menos um
dos seguintes números é divisı́vel por m: p(r1 ), p(r2), . . . , p(rm ).
(c) Prove que se p(X) ∈ Z[X] e se p(0) e p(1) são ı́mpares, então p(X)
não tem raı́zes inteiras.
(d) Mostre que se p(X) ∈ Z[X] e se nenhum dos números inteiros
p(−1), p(0) e p(1) é divisı́vel por 3, então p(X) não tem raı́zes
inteiras.

3.2 O Teorema de Gauss


Seja D um domı́nio de fatoração única e seja X uma indeterminada sobre
D. Seja p(X) ∈ D[X]. Um conteúdo de p(X) é um máximo divisor comum
dos seus coeficientes. O polinômio p(X) ∈ D[X] será chamado primitivo se
os seus coeficientes são primos entre si, ou seja, se ele possui um conteúdo
invertı́vel.

LEMA 3.1. Seja D um D.F.U. e K o seu corpo de frações. Dado um


polinômio p(X) ∈ D[X], existem a ∈ K − {0} e q(X) ∈ D[X] primitivo,
únicos, a menos de fatores invertı́veis em D, tais que p(X) = aq(X).
Demonstração: Multiplicando p(X) por um elemento d ∈ D − {0} con-
veniente, de modo a eliminar os denominadores dos seus coeficientes, temos
que d · p(X) ∈ D[X] − {0}. Pondo em evidência um máximo divisor comum
c dos coeficientes de c · p(X), obtemos
1 c
p(X) = · d · p(X) = · q(X),
d d
3.2. O TEOREMA DE GAUSS 63

c
com d
∈ K − {0} e q(X) ∈ D[X] um polinômio primitivo.

Provaremos agora a unicidade. Suponha que


c1 c2
q1 (X) = q2 (X) (3.3)
d1 d2
onde c1 , c2 , d1 , d2 ∈ D − {0} e q1 (X), q2 (X) ∈ D[X] são primitivos. Então
temos que c1 d2 q1 (X) = c2 d1 q2 (X), e como q1 (X) e q2 (X) são primitivos,
temos que c1 · d2 é um conteúdo de c1 d2 q1 (X) e c2 · d1 é um conteúdo de
c2 d1 q2 (X). Como estes polinômios são iguais, segue que c1 · d2 e c2 · d1 são
associados em D, isto é, existe u ∈ D invertı́vel tal que c1 d2 = uc2 d1 , ou seja
c1 c2
=u (3.4)
d1 d2
Substituindo (7) em (8) obtemos que q2 (X) = uq1 (X), o que termina a prova
do Lema.

Observe no Lema anterior que se p(X) ∈ D[X] − {0}, então a ∈ D − {0}.

LEMA 3.2 (Gauss). Se f (X), g(X) ∈ D[X] são primitivos então f (X) ·
g(X) é primitivo.
Demonstração: Escrevamos
f (X) = a0 + a1 X + · · · + an X n e g(X) = b0 + b1 X + · · · + bm X m .
Suponha, por contradição, que
f (X) · g(X) = c0 + c1 X + c2 X 2 + · · · + cn+m−1 X n+m−1 + cn+m X n+m
não seja primitivo e seja d um divisor primo de c0 , c1 , c2 , . . . , cn+m−1 , cn+m .
Como f (X) e g(X) são primitivos temos que
A = {i ∈ N | 0 ≤ i ≤ n e d não divide ai } =
6 Φ
e B = {j ∈ N | 0 ≤ j ≤ m e d não divide bj } =6 Φ.
Sejam r = min A, s = min B e
cr+s = ar+s b0 + · · · ar+1 bs−1 + ar bs + ar−1 bs+1 + · · · + a0 br+s .
Como por definição de r e s temos que d | cr+s , segue da igualdade acima que
d | ar bs . Como d é primo, segue que d | ar ou d | bs , o que é uma contradição
com a definição de r e s.
64 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

COROLÁRIO 3.2. Sejam f (X), g(X) ∈ D[X]. Então todo conteúdo de


f (X)·g(X) é associado ao produto de um conteúdo de f (X) por um conteúdo
de g(X).
Demonstração: Escrevamos f (X) = a1 q1 (X) e g(X) = a2 q2 (X), onde
q1 (X), q2 (X) ∈ D[X] e a1 , a2 ∈ D são os conteúdos de f (X) e g(X) respecti-
vamente. Temos então que f (X) · g(X) = a1 a2 q1 (X)q2 (X). Por outro lado,
podemos escrever f (X)·g(X) = aq(X), onde a é um conteúdo de f (X)·g(X)
e q(X) é primitivo e portanto, pelo Lema 1, temos que a e a1 a2 são associados
em D, o que prova o resultado.

LEMA 3.3. Seja p(X) ∈ D[X] primitivo e seja K o corpo de frações de D.


Então p(X) é redutı́vel em D[X] se, e somente se, ele é redutı́vel em K[X].
Demonstração: Suponha que p(X) seja irredutı́vel em D[X]. Se p(X) é
redutı́vel em K[X], temos que
p(X) = p1 (X) · p2 (X), com p1 (X), p2 (X) ∈ K[X] − {K}.
Pelo Lema 1, existem a1 , a2 ∈ K e q1 (X), q2 (X) ∈ D[X] primitivos tais que
p1 (X) = a1 q1 (X) e p2 (X) = a2 q2 (X). Portanto,
p(X) = a1 a2 q1 (X)q2 (X) (3.5)
onde a1 , a2 ∈ K e q1 (X) · q( X) é primitivo (Lema 2). Como p(X) é pri-
mitivo, pelo Lema 1, temos que a1 a2 é associado de 1 em D e portanto
está em D. Temos então de (9) que p(X) é redutı́vel em D[X] o que é
uma contradição. Reciprocamente, Suponha que p(X) seja irredutı́vel em
K[X]. Se p(X) é redutı́vel em D[X], existiriam p1 (X), p2 (X) ∈ D[X] tais
que p(X) = p1 (X)p2 (X) com p1 (X), p2 (X) não invertı́veis em D[X]. Temos
que p1 (X), p2 (X) ∈/ D[X], pois caso contrário, pelo menos um deles teria
conteúdo não invertı́vel e portanto um conteúdo de p(X) seria não invertı́vel,
o que contradiria o fato de p(X) ser primitivo.

TEOREMA 3.2 (Gauss). Sejam D um D.F.U. e X uma indeterminada


sobre D. Então D[X] é um D.F.U.
Demonstração: Seja p(X) ∈ D[X]{D}. Podemos escrever p(X) = a·q(X)
com a ∈ D{0} e q(X) ∈ D[X] primitivo. Seja a = a1 · · · ar uma decom-
posição de a em fatores irredutı́veis em D. Seja K o corpo de frações de
3.2. O TEOREMA DE GAUSS 65

D. Como K[X] é um D.F.U. (Corolário 2 do Teorema 2, Capı́tulo 1), pode-


mos escrever q(X) = t1 (X) · · · ts (X), onde t1 (X), . . . , ts (X) são irredutı́veis
em K[X]. Pelo Lema 1, podemos escrever q(X) = b1 · · · bs · q1 (X) · · · qs (X)
onde b1 , . . . , bs ∈ K − {0} e q1 (X), . . . , qs (X) ∈ D[X] − D são primitivos
(Lema 2), logo irredutı́veis (Lema 3). Como q(X) ∈ D[X] é primitivo, e
q1 (X) · · · qs (X) é primitivo (Lema 2), então da igualdade acima e da unici-
dade garantida pelo Lema 1, segue que b1 , . . . , bs ∈ D ∗ . Temos então que
p(X) = a1 · · · ar · (b1 · · · bs ) · q1 (X) · · · qs (X) é uma decomposição de p(X) em
fatores irredutı́veis em D[X]. Vamos agora demonstrar a unicidade de tal
fatoração. Suponha que

a1 · · · ar · q1 (X) · · · qs (X) = c1 · · · cl · g1 (X) · · · gm (X)

onde os elementos de a1 , . . . , ar , c1 , . . . , cl de D são irredutı́veis em D e os po-


linômios q1 (X), . . . , qs (X), g1(X), . . . , gm (X) são irredutı́veis em D[X] (por-
tanto primitivos). Usando o Lema 1, temos que a1 · · · ar e c1 · · · cl são asso-
ciados, e como D é um D.F.U., temos que r = l e cada ai é associado a um
cj e reciprocamente. Por outro lado, pela unicidade da fatoração em K[X],
sabe-se que cada qµ (X) é associado em K[X] a um qλ (X) e reciprocamente.
Como estes polinômios são primitivos eles diferem por um elemento invertı́vel
de D. Daı́ segue a unicidade da fatoração em D[X].

COROLÁRIO 3.3. Z[X] é um D.F.U.

COROLÁRIO 3.4. Se D é um D.F.U. e X1 , . . . Xn são indeterminadas


sobre D, então D[X1 , . . . Xn ] é um D.F.U.

Demonstração: Pelo Teorema, D[X1 ] é um D.F.U. , logo novamente pelo


Teorema, D[X1 , X2 ] = (D[X1 ])[X2 ] é um D.F.U. etc.

COROLÁRIO 3.5. Se K é um corpo e X1 , . . . , Xn são indeterminadas


sobre K, então K[X1 , . . . , Xn ] é um D.F.U.

PROBLEMAS 3.2.

1. Quais dos seguintes polinômios em Z[X] são primitivos?


66 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

(a) 2 + 3X + p(X) onde p(X) ∈ Z[X], gr(p(X)) > 1.


(b) (3 + 5X + 7X 2 + 5X 3 )54 .
(c) 2 + 4X + 6X 2 + 14X 3 .

2. Quais dos seguintes polinômios de Z[X] são irredutı́veis?

a) 2 + 2X b) X 3 + X 2 + X + 1 c) X 3 − 2 d) X 4 + 6X 2 + 9

3. Seja D um D.F.U. com corpo de frações K. Mostre que se p(X) ∈ D[X]


tem uma raiz em K então p(X) é redutı́vel em D[x].

4. Determine um M.D.C. em Z[X] para cada par de polinômios abaixo

(a) 2X + 4 e 6X 2 + 4X + 2
(b) 4X + 12 e 2X 4 + 12X 2 + 18
(c) 3X 3 − 3 e 2X 2 + 2X + 2

3.3 Método de Kronecker para fatoração em


Z[X]
Na seção anterior vimos que Z[X] é um D.F.U. Nada porém dissemos
sobre fatorar um polinômio p(X) em Z[X] nos seus fatores irredutı́veis. Des-
creveremos abaixo um método devido a Kronecker para realizar esta tarefa.
Tal método apesar de conceitualmente simples, na prática é muito trabalhoso
e, portanto nada eficiente. Existe atualmente um algoritmo muito eficiente,
mas não totalmente determinı́stico envolvendo uma parte probabilı́stica. Seja
um polinômio com coeficientes inteiros. Para decompor p(X) em fatores ir-
redutı́veis basta supor p(X) primitivo e determinar um divisor seu de menor
grau, em seguida aplica-se o método ao polinômio quociente de p(X) por tal
divisor.

a) Procura dos divisores do primeiro grau.

Suponha que aX + b ∈ Z[X] seja um fator de p(X). Portanto existe


q(X) ∈ Z[X] tal que

p(X) = (aX + b)q(X) (3.6)


3.3. MÉTODO DE KRONECKER PARA FATORAÇÃO EM Z[X] 67

Seja α um número inteiro qualquer. Então

p(α) = (aα + b) · q(α) (3.7)

e portanto (aα + b) | p(α). O problema é determinar a e b de modo que


(10) seja verificado. Portanto basta procurar a e b entre os inteiros para os
quais aα + b divide p(α) para α arbitrariamente escolhido em Z. Pode-se
então determinar possı́veis valores de a e b escolhendo dois inteiros α e β
com α 6= β, tais que p(α) 6= 0 e p(β) 6= 0 e em seguida resolvendo todos os
sistemas de equações 
aα + b = d1
aβ + b = d2
variando d1 (respectivamente d2 ) dentre os divisores de p(α) (respective-
mente de p(β)). Assim obtemos todos os possı́veis candidatos a divisores
lineares aX + b de p(X).

A escolha de α e β acima deve ser feita com certa astúcia pois quanto
menores forem os números dos divisores de p(α) e de p(β), menor será o
número de sistemas de equações que teremos que resolver.

b) Procura dos divisores do segundo grau.

Para determinar os divisores quadráticos aX 2 + bX + c de p(X) em Z[X],


escolha três inteiros α, β e γ, dois a dois distintos, e tais que nenhum deles
seja raiz de p(X). Se aX 2 + bX + c é um divisor de p(X) em Z[X], devemos
ter, 
 aα2 + bα + c = d1
aβ 2 + bβ + c = d2

aγ 2 + bγ + c = d3
onde d1 é um divisor de p(α), d2 é um divisor de p(β) e d3 é um divisor de
p(γ). A resolução deste número finito de sistemas de três equações lineares
nas três incógnitas a, b e c, nos fornecem os possı́veis candidatos a divisores
quadráticos aX 2 + bX + c de p(X). Aqui também vale a recomendação da
escolha astuciosa de α, β e γ.

c) Para a determinação dos divisores de grau maior do que 2 procede-se


de modo inteiramente análogo ao que foi feito nos casos a) e b).
68 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

Exemplo: Vamos fatorar o polinômio p(X) = X 4 + 2X 3 + X 2 − 1 pelo


método de Kronecker. A procura dos fatores lineares de p(X) se reduz à
procura das raı́zes racionais de p(X). É fácil ver que este polinômio não
admite raı́zes racionais. Resta-nos agora determinar os fatores quadráticos
de p(X). Tomemos α = 0, β = 1 e γ = −1, temos então os sistemas:

 a · 0 + b · 0 + c = d1
a + b + c = d2

a − b + c = d3
onde d1 = ± 1, d2 = ± 1, ±3 e d3 = ± 1. Isto nos fornece 16 sis-
temas lineares de três equações nas três incógnitas a, b e c, cujas soluções
apresentamos na seguinte tabela:
d1 d2 d3 a b c
1 1 1 1 0 0 1
2 1 1 −1 −1 1 1
3 1 −1 1 −1 −1 1
4 1 −1 −1 −2 0 1
5 1 3 1 1 1 1
6 1 3 − 0 −2 1
7 1 −3 1 −2 −2 1
8 −1 1 1 0 −2 −1
10 −1 1 −1 1 1 −1
11 −1 −1 1 1 −1 −1
12 −1 −1 −1 0 0 −1
13 11 3 1 3 1 −1
14 −1 3 −1 2 2 −1
15 −1 −3 1 0 −2 −1
16 −1 −3 −1 −1 −1 −1

Como p(X) é mônico devemos ter a = ± 1, donde os valores das linhas


1, 4, 6, 7, 8, 9, 12, 13, 14 e 15 devem ser excluı́dos. Restam as possibilidades
correspondentes às linhas 2, 3, 5, 10, 11 e 16. A menos de um sinal, a linha 2
fornece o mesmo resultado que a linha 11, a linha 3 fornece o mesmo resultado
que a linha 10 e a linha 5 fornece o mesmo resultado que a linha 16. Temos
então somente os três seguintes casos a analisar:
X 2 + X + 1, X 2 − X − 1 e X 2 + X − 1 .
3.4. CRITÉRIOS DE DIVISIBILIDADE EM Q[X] 69

Experimentando estes três polinômios, achamos que X 2 +X +1, e X 2 +X −1


dividem p(X) e portanto

p(X) = (X 2 + X + 1)(X 2 + X − 1).

PROBLEMAS 3.3.

1. Decomponha em fatores irredutı́veis em Z[X] os seguintes polinômios:

a) 2X 5 + 3X 4 + 3X 3 − 2X 2 − 1 b) X 5 + X 3 + X 2 + 1.

3.4 Critérios de divisibilidade em Q[X]


TEOREMA 3.3 (Critério de Einsenstein). Seja

q(X) = a0 + a1 X + · · · + an X n ∈ Z[X].

Suponha que para algum número inteiro primo p, se tenha

• p | a0 , p | a1 , . . . , p | an−1 ,

• p não divide an

• p2 não divide a0 .

Então q(X) é irredutı́vel em Q[X].

Demonstração: Podemos supor sem perda de generalidade que q(X) seja


primitivo. Suponha que exista um número primo p cumprindo as exigências
das hipóteses do Teorema. Suponha, por contradição, que q(X) seja redutı́vel
em Q[X]. Logo podemos supor que q(x) = q1 (X) · q2 (X), com

q1 (X) = b0 + b1 X + · · · + br X r e q2 (X) = c0 + c1 X + · · · + cs X s

polinômios primitivos (Lema 4, seção 3).

Como a0 = b0 · c0 e p | a0 mas p2 não divide a0 , segue que p | b0 ou p | c0


e divide somente um dos dois. Suponhamos que p | b0 e p não divide c0 (o
70 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

outro caso é análogo).

Como p | a1 , a1 = c1 · b0 + c0 · b1 e p | b0 , segue que p | c0 · b1 mas p não


divide c0 , logo p | b1 .

Como p | a2 , a2 = c2 · b0 + c1 · b1 + c0 · b2 , p | b0 e p | b1 , segue que


p | c0 · b2 mas p não divide c0 , logo p | b2 .

Assim sucessivamente, até chegarmos à conclusão que p | bi para cada


i = 0, . . . , r. Isto é uma contradição pois q1 (X) é primitivo, logo q(X) é
irredutı́vel em Q[X].

Exemplo 1 : X 4 + 4X 2 + 8X − 2 é irredutı́vel em Q[X] pois 2 | (−2), 2 | 8,


2 | 4, 2 | 0 , 2 não divide 1 e 4 = 22 não divide (−2).

Exemplo 2 : O polinômio X n − p, onde p é um número inteiro primo, é


irredutı́vel em Q[X] pois p | (−p), p não divide 1 e p2 não divide (−p).

Este exemplo nos mostra que em Q[X] há polinômios irredutı́veis de to-
dos os graus.

Algumas vezes o critério de Einsenstein não se aplica diretamente, por


exemplo, se q(X) = X 4 + X 3 + X 2 + X + 1 , não exite nenhum primo p que
satisfaça as hipóteses do Teorema. No entanto, considere o polinômio
q(X+1) = (X+1)4 +(X+1)3+(X+1)2 +(X+1)+1 = X 4 +5X 3 +10X 2 +5X+5
Trata-se de um polinômio irredutı́vel. Para concluir que q(X) é irredutı́vel
nos baseamos na seguinte observação cuja demonstração deixamos a cargo
do leitor.

Observação: Sejam q(X) ∈ Z[X] e a ∈ Z. Tem-se que q(X) é irredutı́vel


em Z[X] se, e somente se, q(X + a) é irredutı́vel em Z[X].

Exemplo 3 : Se p é um número primo, então o polinômio


q(X) = X p−1 + X p−2 + · · · + X + 1
é irredutı́vel.
3.4. CRITÉRIOS DE DIVISIBILIDADE EM Q[X] 71

X p −1
De fato, temos que q(X) = X−1
, logo
(X+1)p −1
q(X + 1) = X      
p−1 p p−2 p p
= X + X +···+ X+ .
1 p−2 p−1
 
p
Sendo p primo, é fácil ver que p divide para todo i = 1, . . . , p−1 (Veja
i
Cap 3 - Problema...). Logo o critério de Einsenstein nos mostra que q(X + 1)
é irredutı́vel e pela observação acima podemos concluir que q(X) é irredutı́vel.

Além do critério de Einsenstein temos um outro critério de irredutibi-


lidade para polinômios em Z[X]. Este critério faz uso das classes residuais
módulo um número primo p. Seja q(X) = a0 +a1 X +· · ·+an X n . Considere o
polinômio, q̄(X) = ā0 + ā1 X + · · · + ān X n ∈ Zp [X] onde āi é a classe residual
módulo p de ai , i = 0, . . . , n. Esta passagem de um polinômio q(X) ∈ Z[X]
ao polinômio q̄(X) ∈ Zp [X] goza das seguintes propriedades fáceis de serem
verificadas:
a) Se q(X) = q1 (X) + q2 (X) então q̄(X) = q̄1 (X) + q̄2 (X).
b) Se q(X) = q1 (X) · q2 (X) então q̄(X) = q̄1 (X) · q̄2 (X).

TEOREMA 3.4. Sejam q(X) = a0 +a1 X +· · ·+an X n ∈ Z[X] e um número


primo p que não divide an . Se q̄(X) é irredutı́vel em Zp [X], então q(X) é
irredutı́vel em Q[X].

Demonstração: Podemos supor sem perda de generalidade que q(X) é


um polinômio primitivo. Suponha, por contradição, que q(X) seja redutı́vel
em Q[X], logo existem dois polinômios q1 (X) = b0 + b1 X + · · · + br X r e
q2 (X) = c0 + c1 X + · · · + cs X s em Z[X] tais que q(X) = q1 (X) · q2 (X).
Passando esta igualdade módulo p obtemos q̄(X) = q̄1 (X) · q̄2 (X) e como
an = br · cs e p não divide an , segue que p não divide br e p não divide cs ,
conseqüentemente b̄r 6= 0 e c̄s 6= 0 e portanto q̄(X) é redutı́vel em Zp [X], o
que contradiz a hipótese.

Exemplo 4 : Seja q̄(X) = X 4 + X 3 + 3X 2 + 18X + 2. Reduzindo q(X)


módulo 3 temos q̄(X) = X 4 + X 3 + 2̄. Observe que ¯q[X] não se anula em
Z3 [X] e portanto não possui fatores lineares em Z3 [X]. Vamos verificar que
q̄(X) também não possui fatores quadráticos.
72 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

Suponha q̄(X) = (X 2 + aX + b)(X 2 + cX + d) com a, b, c, d ∈ Z3 . Então


terı́amos: 

 a + c = 1̄

b + d + a · c = 0̄

 a · d + b · c = 0̄

b · d = 2̄
Da primeira e da quarta equações acima, obterı́amos os seguintes possı́veis
valores para a, b, c, d que organizamos na tabela abaixo:

b d a c

1̄ 1̄ 1̄ 0̄

1̄ 1̄ 0̄ 1̄

1̄ 1̄ 2̄ 2̄

2̄ 2̄ 1̄ 0̄

2̄ 2̄ 0̄ 1̄

2̄ 2̄ 2̄ 2̄

Nenhum desses valores acima é compatı́vel com as demais equações. Con-


cluı́mos assim que q̄(X) é irredutı́vel em Z3 [X] e conseqüentemente q(X) é
irredutı́vel em Q[X].

PROBLEMAS 3.4.
1. Mostre que os seguintes polinômios são irredutı́veis em Q[X] :
a) X 2 − 2X + 6 b) X 4 − 2X 3 + 6X 2 + 8X − 14
c) X n − 12, n ∈ N d) X 3 + 9X 2 + 3X + 9
2. Mostre que para todo n ∈ Z, os seguintes polinômios são irredutı́veis
em Q[X]:
a) X 4 + 4n + 1 b) X 4 + 4nX + 1
3.5. A RESULTANTE 73

3. Sejam m, n ∈ N com m ≤ n. Mostre que o polinômio


X n + (1 + X)m + (1 − X)m
é irredutı́vel em Q[X].
4. Seja p > 2 um número primo. Mostre que X p + pX + 1 é irredutı́vel
em Q[X].
5. Mostre que se p é um número primo, então o polinômio
X2 Xp
1+X + +···+
2! p!
é irredutı́vel em Q[X].
6. Seja q(X) = a0 + a1 X + · · · + an X n ∈ Z[X]. Suponha que existe um
primo p tal que
• p | an , p | an−1 , . . ., p | a1 ,
• p não divide a0
• p2 não divide an .
Mostre que q(X) é irredutı́vel. Aplique este critério para o polinômio
2X 4 + 6X 3 − 4X + 1 .
7. Mostre que X 3 + 2̄X + 1̄ é irredutı́vel em Z3 [X]. Conclua que todo
polinômio da forma X 3 +3αX 2 −X +3β +1, onde α, β ∈ Z, é irredutı́vel
em Z[X] e em Q[X].
8. Mostre que X 4 + X 2 + 2̄ é irredutı́vel em Z3 [X]. Conclua que todo
polinômio da forma X 4 + 3λX 3 + X 2 + 3µX − 1, com λ, µ ∈ Z, é
irredutı́vel em Z[X].

3.5 A Resultante
Nesta seção damos um critério numérico para decidir quando dois po-
linômios têm, ou não, fatores não constantes em comum. Este critério con-
siste em transformar a questão em um problema de sistemas lineares ho-
mogêneos e reduzindo assim, em última análise, à questão de anulamento,
ou não, de um certo determinante.
74 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

PROPOSIÇÃO 3.1. Sejam K um corpo e p(X), q(X) ∈ K[X] de graus n


e m respectivamente. São equivalentes:
1. p(X) e q(X) têm um fator não constante em comum.

2. Existem polinômios ϕ(X) e ψ(X) de graus n e m respectivamente tais


que ψ(X) · p(X) = ϕ(X) · q(X).
Demonstração: Suponha que p(X) e q(X) tenham um fator não cons-
tante em comum h(X). Então existem ϕ(X) e ψ(X) em K[X] tais que
p(X) = h(X) · ϕ(X) e q(X) = h(X) · ψ(X). Observe que, sendo h(X) não
constante, então gr(ϕ(X)) < gr(p(X)) = n e gr(ψ(X)) < gr(q(X)) = m e,
além disso, ψ(X) · p(X) = h(X) · ψ(X) · ϕ(X) = q(X) · ϕ(X).

Reciprocamente, suponha que ψ(X) · p(X) = ϕ(X) · q(X) para algum par
de polinômios ϕ(X) e ψ(X) em K[X] tal que

gr(ϕ(X)) < gr(p(X)) = n e gr(ψ(X)) < gr(q(X)) = m.

Seja h(X) = M. D. C.(q(X)), ψ(X). Temos que ψ1 (X)·p(X) = ϕ(X)·q1 (X),


onde
ψ(X) q(X)
ψ1 (X) = e q1 (X) = .
h(X) h(X)
Como por hipótese, gr(ψ(X)) < gr(q(X)) e como h(X) divide ψ(X), segue
que gr(h(X)) < gr(q(X)) e, conseqüentemente gr(q1 (X)) ≥ 1. Por outro
lado, sendo M. D. C.(q1 (X), ψ1 (X)) = 1 da relação

ψ1 (X) · p(X) = ϕ(X) · q1 (X),

temos que q1 (X) divide ψ1 (X)·p(X), e daı́ segue que q1 (X) divide p(X). Mas
q1 (X) divide q(X), logo p(X) e q(X) têm o fator comum não constante q1 (X).

COROLÁRIO 3.6. Sejam p(X), q(X) ∈ K[X] de graus n e m respecti-


vamente. Então estes polinômios têm um fator comum não constante se, e
somente se, existem polinômios ϕ(X) e ψ(X) de graus menores do que n e
m respectivamente, tais que ψ(X) · p(X) + ϕ(X) · q(X) = 0.
TEOREMA 3.5. Sejam

p(X) = an X n +an−1 X n−1 +· · ·+a0 e q(X) = bm X m +bm−1 X m−1 +· · ·+b0


3.5. A RESULTANTE 75

com an 6= 0 e bm 6= 0. Então p(X) e q(X) têm um fator comum não constante


se, e somente se, é nulo o determinante seguinte:

an an−1 ··· a2 a1 a0 0 0 ··· 0 0


0 an ··· a2 a1 a0 0 ··· 0 0
.. .. .. .. ..
. . . . .
.. ..
0 0 ··· 0 an an−1 . .
0 0 ... 0 0 an an−1 ··· ··· ··· a0
R = bn bm−1 ··· b2 b1 b0 0 0 ··· 0
..
0 bm ··· . b2 b1 b0 0 ··· 0
.. .. .. .. ..
. . . . .
0 0 ··· bm bm−1 ··· b1 b0 0
0 0 ··· bm bm−1 ··· b1 b0

Demonstração: Pelo corolário da proposição 1, p(X) e q(X) têm um fator


não constante em comum se, e somente se, existem

ϕ(X) = u1 + u2 X + · · · + un X n−1 e ψ(X) = v1 + v2 X + · · · + vm X m−1 ,

com pelo menos algum ui 6= 0 e algum vj 6= 0, tais que

ψ(X) · p(X) + ϕ(X) · q(X) = 0

Igualando a zero os coeficientes do polinômio do lado lado esquerdo da


igualdade acima, obtemos o seguinte sistema:



 an vm +bm un = 0

 an−1 vm + an vm−1 + +bm−1 un + bm un−1 = 0
.. ..

 . .

 a0 v1 +b0 u1 = 0

A existência de ϕ(X) e ψ(X) não nulos é equivalente ao fato de que o


sistema das n + m equações lineares homogêneas acima nas n + m variáveis
vm , . . . , v1 , un , . . . , u1 tem uma solução não trivial. Isto por sua vez é equiva-
lente ao fato que o determinante da matriz associada ao sistema é nulo, logo
76 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

equivalente a R = 0 (a matriz acima é a transposta da matriz associada ao


sistema e, portanto possui o mesmo determinante).

DEFINIÇÃO 3.1. O determinante R que aparece no teorema 1 é chamado


resultante dos polinômios p(X) e q(X). A resultante de p(X) e p′ (X) é
chamada discriminante de p(X).
COROLÁRIO 3.7. Seja K um corpo algebricamente fechado. Os po-
linômios p(X), q(X) ∈ K[X] têm raizes comuns em K se, e somente se,
a resultante de p(X) e q(X) é nula.
Demonstração: p(X) e q(X) têm raı́zes comuns em K se, e somente se,
p(X) e q(X) têm um fator comum não constante em K[X] se, e somente se,
a resultante de p(X) e q(X) é nula.

COROLÁRIO 3.8. Seja K um corpo algebricamente fechado. p(X) ∈


K[X] tem raı́zes múltiplas em K se , e somente se, o discriminante de p(X)
é nulo.
Demonstração: p(X) tem raı́zes múltiplas se, esomente se, p(X) e p′ (X)
têm fator comum não constante se, e somente se, o discriminante de p(X) é
nulo.

Exemplo 1 : Seja p(X) = aX 2 + bX + c. Então p′ (X) = 2aX + b e o


discriminante de p(X) é
a b c
D = 2a b 0 = −a(b2 − 4ac)
0 2a b
Note que D = −a∆, onde ∆ = b2 − 4ac, e portanto o discriminante não
é mais ∆ = b2 − 4ac.
Exemplo 2 : Seja p(X) = X 3 +aX 2 +bX +c. Então p′ (X) = 3X 2 +2aX +b
e o discriminante de p(X) é
1 a b c 0
0 1 a b c
D = 3 2a b 0 0 = − (18abc − 4a3 c + a2 b2 − 4b3 − 27c2 )
0 3 2a b 0
0 0 3 2a b
3.5. A RESULTANTE 77

Exemplo 3 : Seja f (X) = X 3 + pX + q. Então f ′ (X) = 3X 2 + p e o


discriminante de f (X) é
1 0 p q 0
0 1 0 p q  
q2 p3
D = 3 0 p 0 0 = 108 4
+ 27
0 3 0 p 0
0 0 3 0 p

Exemplo 4 : Os resultados que obtivemos sobre resultantes nos permitem


também resolver certos problemas de geometria analı́tica como por exemplo,
achar os pontos de intersecção de duas curvas algébricas planas. Suponha que
se queira achar os pontos de intersecção das curvas X 2 +Y 2 +4X −2Y +3 = 0
e X 2 −Y 2 + 4XY + 10Y −9 = 0. Considerando X como parâmetro, as nossas
equações, vistas como equações na indeterminada Y , se tornam:
Y 2 − 2Y + (X 2 + 4X + 3) = 0 e − Y 2 + (4X + 10)Y + +(X 2 − 9) = 0.
Para achar os pontos de intersecção das duas curvas, determinamos inicial-
mente os valores de X, para os quais as equações acima tenham raı́zes comuns
como polinômios em Y . Consideremos a resultante destes dois polinômios:
1 −2 (X + 1)(X + 3) 0
R = 0 1 −2 (X + 1)(X + 3) =
−1 4X + 10 (X + 3)(X − 3) 0
0 −1 4X + 10 (X + 3)(X − 3)

1 −2 (X + 1)(X + 3) 0
= 0 1 −2 (X + 1)(X + 3) =
0 4X + 8 (X + 3)(2X − 2) 0
0 −1 4X + 10 (X + 3)(X − 3)

= 2(X + 3)2 (X − 1)(X − 3) + 8(X + 2)(2X + 5)(X + 1)(X + 3) +

+ 2(X + 32 )(X + 1)(X − 1) + 8(X + 2)(X + 3)(X − 3) =

= 4(X + 3)(5X 3 + 25X 2 + 31X + 11)

= 4(X + 3)(X + 1)(5X 2 + 20X + 11).


78 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU

Os dois polinômios terão raı́zes comuns se, e somente se


R = 4(X + 3)(X + 1)(5X 2 + 20X + 11) = 0
e isto ocorre se, e somente se, X é um dos seguintes valores:
√ √
3 5 3 5
−3, −1, −2 + , −2 −
5 5
Para determinar os pontos de intersecção das curvas devemos resolver os
seguintes quatro sistemas de equações:
1. Se X = −3, temos 
Y 2 − 2Y = 0
−Y 2 − 2Y = 0
de onde temos que Y = 0, portanto (−3, 0) é um ponto de intersecção
das duas curvas.
2. Se X = −1, temos

Y 2 − 2Y = 0
−Y 2 + 6Y − 8 = 0
de onde Y = 2, portanto (−1, 2) é um ponto de intersecção das curvas.

3 5
3. Se X = −2 + 5
, temos
 4

 Y2 − 2Y + 5
= 0
 √  √

 −Y 2 + 2 + 12 5 16+12 5
5
Y − 5
= 0
√  √ √ 
5 3 5 5
donde Y = 1+ 5
, portanto −2 + 5
,1 + 5
é ponto de intersecção.

4. Se X = −2 − 3 5 5 , temos
 2 4
 Y
 − 2Y − 5
= 0
 √  √

 −Y 2 + 2 − 12 5 Y − −16+12 5
5 5
= 0
√  √ √ 
5 3 5 5
donde Y = 1 − 5
, portanto −2 − 5
, −1 − 5
é ponto de inter-
secção.
3.5. A RESULTANTE 79

PROBLEMAS 3.5.

1. Ache o discriminante de g(X) = aX 4 + bX 2 + c.

2. Ache a resultante de

p1 (X) = a1 X 2 + b1 X + c1 e p2 (X) = a2 X 2 + b2 X + c2 .

3. Ache o(s) valor(es) de t para o(s) qual(is) as equações

tX 2 + (−t − 1)X + 1 = 0 e X 2 + (t2 − t)X − 1 = 0

tenham uma raiz comum. Ache a raı́z comum em cada caso.

4. Ache o(s) valor(es) de t para o(s) qual(is) as equações

X 3 − t = 0 e X 2 + tX + 1 = 0

tenham uma raiz comum. Ache a raı́z comum em cada caso.

5. Encontre a(s) solução(ões) comum(ns) das equações:

(a) X(Y − X)2 − Y 5 = 0 e X 4 + Y 3 − X 2 = 0


(b) (X 2 + Y 2 )2 − (X 2 − Y 2 ) e X 2 + Y 2 − X + 4 = 0
80 CAPÍTULO 3. POLINÔMIOS COM COEFICIENTES NUM DFU
Capı́tulo 4

AS EQUAÇÕES DE GRAU ≤ 4

Neste capı́tulo iniciaremos o estudo das equações algébricas propriamente


ditas. A resolução das equações do primeiro grau se confunde com a divisão
e era conhecida desde a antigüidade. Os babilônios sabiam extrair algumas
raı́zes quadradas e, portanto sabiam resolver algumas equações particulares
do segundo grau. A fórmula resolvente da equação do segundo grau já era
conhecida pelos matemáticos hindus do século 2. Passaram-se muitos séculos
até que se conseguissem resolver as equações do terceiro e do quarto grau, o
que foi realizado pelos matemáticos de Bolonha - Itália, no século 16.

O problema da resolubilidade das equações de grau maior ou igual a cinco


se constituiu desde então num dos problemas centrais da Matemática até ser
totalmente elucidado pela Teoria de Galois na primeira metade do século 19.

Neste Capı́tulo discutiremos apenas a resolubilidade das equações de grau


até quatro, deixando o restante da discussão para os próximos capı́tulos.

4.1 A Equação do Segundo Grau

Considere a equação aX 2 + bX + c = 0 com coeficientes em C e a 6= 0 . A


fórmula que fornece as raı́zes desta equação em função dos seus coeficientes

81
82 CAPÍTULO 4. AS EQUAÇÕES DE GRAU ≤ 4

costuma ser deduzida completando quadrados como segue:


  
b2 b2
aX 2 + bX + c = a X 2 + ab X + c = a X 2 + 2 2a
b
X+ 4a2
+c− 4a
b
 2 b2
= a X + 2a + c − 4a

Portanto, α é raiz da equação se, e somente se,


 2
b b2
a X+ +c− = 0,
2a 4a

o que nos fornece por extração de raiz quadrada



−b ± b2 − 4ac
α= ,
2a

onde b2 − 4ac é uma das raı́zes quadradas do número complexo
∆ = b2 − 4ac, chamado discriminante da equação. Observe que este discrimi-
nante difere do discriminante D do polinômio aX 2 + bX + c como foi definido
no Capı́tulo 3, seção 5. A relação existente entre D e ∆ é dada da seguinte
forma:

a b c

D = 2a b 0 = −a(b2 − 4ac) = −a∆

0 2a b

O anulamento de ∆ (ou o que é o mesmo de D) nos fornece portanto a


condição necessária e suficiente para que a equação do segundo grau tenha
b
uma raiz dupla (igual a − 2a ).

Observe também que todo o desenvolvimento vale num corpo K algebri-


camente fechado com carK 6= 2 no lugar de C

Se os coeficientes a, b e c da equação aX 2 + bX + c = 0 são reais, então


pela fórmula resolvente temos o seguinte resultado:

1. ∆ > 0 se, e somente se, a equação tem duas raı́zes reais distintas.

2. ∆ = 0 se, e somente se, a equação tem duas raı́zes reais iguais.


4.2. A EQUAÇÃO DO TERCEIRO GRAU 83

3. ∆ < 0 se, e somente se, a equação tem duas raı́zes complexas distintas
conjugadas.

PROBLEMAS 4.1.

1. Sejam x1 e x2 as raı́zes da equação aX 2 + bX + c = 0. Mostre que


x1 + x2 = − ab e x1 · x2 = ac
2. Forme as equações mônicas do segundo grau cujas raı́zes são

a) 1 e − 1 b) 2 e − 3 c) 5 e 7

3. Dada a equação aX 2 + bX + c = 0, se x1 e x2 são as suas raı́zes, sem


resolvê-la calcule as expressões:

a) x21 + x22 , b) x31 + x32 , c) (x1 − x2 )2 .

4. Sejam x1 e x2 as raı́zes do polinômio aX 2 + bX + c e seja D o seu


discriminante. Mostre que D = −a3 (x1 − x2 )2 .
5. Dada a equação aX 2 + bX + c = 0, efetue nela a mudança de variável
x = y + d com d escolhido de modo que a nova equação na variável y
não tenha termo do primeiro grau. Resolva esta equação e retorne à
equação original na variável x e determine as suas soluções

4.2 A Equação do Terceiro Grau


Nesta seção consideraremos a equação geral do terceiro grau com coefici-
entes complexos, que sem perda de generalidade podemos supor que esteja
na forma:
X 3 + a2 X 2 + a1 X + a0 = 0 (4.1)
Por meio de uma mudança de variável vamos colocá-la numa forma onde não
figure o termo do segundo grau.

Redução: Substituindo X por Y + b na equação (12) temos

0 = (Y + b)3 + a2 (Y + b)2 + a1 (Y + b) + a0
= Y 3 + (3b + a2 )Y 2 + (3b2 + 2ba2 + a1 )Y + (b3 + b2 a2 + ba1 + a0 ).
84 CAPÍTULO 4. AS EQUAÇÕES DE GRAU ≤ 4

Pondo b = − a32 , temos que X 3 + a2 X 2 + a1 X + a0 = Y 3 + pY + q, onde

a2 a2 2 2a2 3 a1 a2
X=Y − , p = a1 − e q= − + a0 (4.2)
3 3 27 3
Portanto, para achar as raı́zes da equação (12), basta achar as raı́zes da
equação Y 3 + pY + q = 0 e delas subtrair a32 .

Exemplo 1 : Vamos eliminar o termo do segundo grau do polinômio


p(X) = X 3 + X 2 + X + 1. Fazendo a substituição X = Y − 13 , o polinômio
se transforma em Y 3 + 23 Y + 27
20

Resolução: Vamos agora concentrar a nossa atenção na resolução das


equações do tipo
Y 3 + pY + q = 0. (4.3)
Façamos em (14) a seguinte mudança de variáveis: Y = U + V , onde U
e V são duas variáveis que relacionaremos entre si de acordo com a nossa
conveniência. Obtemos então

0 = (U + V )3 + p(U + V ) + q = (U 3 + V 3 + q) + (U + V )(p + 3UV ). (4.4)

Segue então que cada solução do sistema


 3
U + V 3 = −q
U · V = − 3p

nos fornece uma solução (u, v) de (15) e portanto uma solução y = u + v de


(14).

Elevando ao cubo a segunda equação de do sistema acima segue que u3 e


v 3 são soluções da seguinte equação do segundo grau:

2 p3
Z + qZ − = 0. (4.5)
27
q
2 3 q2 p3
Fixando uma das raı́zes quadradas de q4 + p27 e a denotando por 4
+ 27
,
temos que as raı́zes de (16) são
r r
q q 2 p3 q q 2 p3
z1 = − + + e z2 = − − +
2 4 27 2 4 27
4.2. A EQUAÇÃO DO TERCEIRO GRAU 85

Podemos então escrever u3 = z1 e v 3 = z2 .


Escolhendo uma das raı́zes cúbicas de z1 e denotando-a por 3 z1 , segue √
√ √ √
que as soluções de u3 = z1 são 3 z1 , w · 3 z1 , e w 2 · 3 z1 , onde w = −1+i2 3

é uma raiz cúbica da unidade. Denotando por 3 z2 a raiz cúbica de z2 tal
√ √
que tal que 3 z1 · 3 z2 = − 3p , (cf. a segunda equação do sistema acima), o
referido sistema admite as seguintes soluções:

√ √
u1 = 3 z1 , v1 = 3 z2
√ √
u2 = w · 3 z1 , v2 = w 2 · 3 z2
√ √
u3 = w 2 · 3 z1 , v3 = w · 3 z2

Segue então que a equação (14) possui as seguintes soluções:

r q r q
q2 p3 q2 p3
− 2q − 2q
3 3
y1 = u1 + v1 = + 4
+ 27
+ − 4
+ 27
,

r q r q
q2 p3 q2 p3
− 2q − 2q
3 2 3
y2 = u2 + v2 = w · + 4
+ 27
+w · − 4
+ 27
e

r q r q
q2 p3 q2 p3
− 2q − 2q
2 3 3
y3 = u3 + v3 = w · + 4
+ 27
+w· − 4
+ 27

chamadas fórmulas de Cardan.

As fórmulas resolventes da equação (12) podem ser obtidas pelas fórmulas


de Cardan mediante as substituições em (13). Observe que o método que
utilizamos é válido em qualquer corpo algebricamente fechado K tal que
carK 6= 2, 3.

Exemplo 2 : Resolvamos a equação X 3 − 3X + 1 = 0 . Esta equação já


é desprovida do seu termo do segundo grau, logo podemos usar diretamente
86 CAPÍTULO 4. AS EQUAÇÕES DE GRAU ≤ 4

as fórmulas de Cardan. Temos então que

q √ q √
x1 = 3
− 21 + 2
3
i + 3
− 21 − 2
3
i,
q √ q √
x2 = w · 3
− 12 + 2
3
i + w2 · 3
− 12 − 2
3
i e
q √ q √
x3 = w 2 · 3
− 12 + 2
3
i+w· 3
− 12 − 2
3
i.

q √ √
Note que − 12 + 23 i = 3 w pode ser escolhido como sendo cos 2π
3
9
+ i sen 2π
9
,
q √ √
portanto, 3 − 12 − 23 i = 3 w̄ deve ser escolhido como sendo cos 2π 9
− i sen 2π9
√ √
pois devemos ter 3 w · 3 w̄ = − 3p = 1. Como w = cos 2π3
+ i sin 2π
3
, segue que

 
x1 = cos 2π
9
+ i sen 2π
9
+ cos 2π
9
+ i sen 2π
9
= 2 cos 2π
3
,
 
x2 = w · cos 2π
9
+ i sen 2π
9
+ w · cos 2π
9
+ i sen 2π
9
= 2 cos 8π
9
, e
 
x3 = w · cos 2π
9
+ i sen 2π
9
+ w · cos 2π
9
+ i sen 2π
9
= 2 cos 4π
9
.

No exemplo acima temos que os coeficientes da equação e as raı́zes são


números reais. As fórmulas de Cardan nos expressam as raı́zes sob forma
algébrica, porém envolvendo números complexos. Muitas tentativas foram
feitas para exprimir as raı́zes de tais equações em termos de radicais reais,
todas fracassando. As equações do do terceiro grau com coeficientes racio-
nais, irredutı́veis em Q[X] e possuindo todas as raı́zes reais, são chamadas
de caso irredutı́vel. Foi somente no século 19 que tal mistério foi esclarecido,
demonstrando-se através da Teoria de Galois que no caso irredutı́vel é im-
possı́vel exprimir as raı́zes da equação em termos de radicais reais apenas.
Voltaremos a este assunto no último Capı́tulo.

Exemplo 3 : Resolvamos a equação X 3 + 3X − 4 = 0. Pelas fórmulas de


4.2. A EQUAÇÃO DO TERCEIRO GRAU 87

Cardan, esta equação possui as seguintes raı́zes:


p3
√ p3

x1 = 2+ 5 + 2 − 5,
p √ p √  √ p √ p √ 
3 3 3 3
x2 = − 12 2+ 5+ 2− 5 + i 3
2
2+ 5− 2− 5 e
p √ p √  √ p √ p √ 
3 3 3 3
x3 = − 21 2+ 5+ 2− 5 − i 3
2
2+ 5− 2− 5

A equação tem portanto uma raiz real e duas raı́zes complexas (conjugadas).
Por inspeção vê-sepque 1 é raizpda equação, daı́ extraı́mos a seguinte igual-
3
√ 3

dade curiosa: 1 = 2 + 5 + 2 − 5.

Exemplo 4 : Resolvamos a equação X 3 − 6X 2 + 21X − 18 = 0.

Para eliminar o termo do segundo grau, efetuuamos a substituição X =


Y + 2 e obtemos a equação Y 3 + 9Y + 8 = 0, cujas raı́zes são:
p
3
√ p3

y1 = −4 + 43 + −4 − 43,
p
3
√ p
3

y2 = w · −4 + 43 + w 2 · −4 − 43 e
p
3
√ p
3

y3 = w 2 · −4 + 43 + w · −4 − 43

Portanto, as raı́zes da equação original são:

x1 = y1 + 2, x2 = y2 + 2 e x3 = y3 + 2.

Observação 1: O polinômio X 3 + a2 X 2 + a1 X + a0 tem discriminante



1 a2 a1 a0 0

0 1 a2 a1 a0

D = 3 2a2 a1 0 0 = −18a2 a1 a0 + 4a32 a0 − a22 + 4a31 + 27a20 .

0 3 2a2 a1 0

0 0 3 2a2 a1

Este polinômio desembaraçado do seu termo do segundo grau é Y 3 + pY + q,


a2 2a3
com X = Y − a32 , p = a1 − 32 e q = 272 − a13a2 + a0 . O discriminante deste
88 CAPÍTULO 4. AS EQUAÇÕES DE GRAU ≤ 4

último polinômio é

1 0 p q 0

0 1 0 p q  2 
3
D =

3 0 p 0 0 = 108 · q + p .
4 27
0 3 0 p 0

0 0 3 0 p

Uma verificação direta (leitor faça-a) nos mostra que D = D ′

PROPOSIÇÃO 4.1. Seja D o discriminante do polinômio X 3 + a2 X 2 +


a1 X + a0 , cujas raı́zes são x1 , x2 e x3 . Tem-se a seguinte igualdade:

D = − [(x3 − x1 )(x3 − x2 )(x2 − x1 )]2 .

Demonstração: Seja Y 3 +pY +q o polinômio desembaraçado do seu termo


do segundo grau. Sejam
s r s r
3 q q 2 p3 3 q q 2 p3
u1 = − + + e v1 = − − +
2 4 27 2 4 27

Sabemos que x1 = u1 +v1 − a32 , x2 = w·u1 +w 2 ·v1 − a32 e x3 = w 2 ·u1 +w·v1 − a32 ,
logo
(x2 − x1 ) = (w − 1)(u1 − w 2 · v1 )
(x3 − x1 ) = (w 2 − 1)(u1 − w · v1 )
(x3 − x2 ) = (w 2 − w)(u1 − v1 ).
Usando as igualdades:

w − 1 = w 2 − 1 = (w√− 1)(w̄ − 1) = |w − 1|2


e w 2 − w = w̄ − w = − 3 i,

obtemos que

(x3 − x2 )(x3 − x1 )(x2 − x1 ) = −3√3 i (u1 − w 2 · v1 )(u1 − w · v1 )(u1 − v1 )
= −3 3 i (u31 − v13 ) 
√ q
q2 p3
= −3 3 i · 2 · 4 + 27
√ q
2 p3
= −6 3 i · q4 + 27
4.2. A EQUAÇÃO DO TERCEIRO GRAU 89

Elevando ao quadrado a igualdade acima, obtemos:


 2 
q p3
(x3 − x2 )(x3 − x1 )(x2 − x1 ) = −108 + = −D.
4 27

A igualdade agora segue da relação D ′ = D, que obtivemos na Observação


1.

O resultado da Proposição 1 se generaliza como segue. Se x1 , x2 , . . . , xn


e D são respectivamente as raı́zes e o discriminante do polinômio

an X n + · · · + a1 X + a0 ,

então vale a relação:


1
Y
D = (−1) 2 n(n−1) an2n−1 · (xj − xi )2 .
i<j

A demonstração deste fato geral pode ser encontrada no Apêndice 2.

O próximo resultado nos fornecerá a discussão das raı́zes de uma equação


do terceiro grau com coeficientes reais.

PROPOSIÇÃO 4.2. Dada a equação X 3 + a2 X 2 + a1 X + a0 = 0, com


a0 , a1 , a2 números reais, tem-se que:

1. D = 0 se, e somente se, a equação tem raiz múltipla. Neste caso todas
as raı́zes são reais.

2. D > 0 se, e somente se, a equação tem pelo menos uma raiz não real.
Neste caso, uma raiz é real e duas são complexas conjugadas.

3. D < 0 se, e somente se, a equação tem as raı́zes reais e distintas.

Demonstração: Pela Proposição 1 temos

D = −(x3 − x2 )2 (x3 − x1 )2 (x2 − x1 )2 .

(1) É claro que D = 0 se e somente se a equação tem pelo menos duas


raı́zes iguais. Neste caso, a equação não pode ter raı́z complexa não real pois
90 CAPÍTULO 4. AS EQUAÇÕES DE GRAU ≤ 4

caso contrário, deveria ter a conjugada com mesma multiplicidade.

(2) Se D > 0, como −D é um quadrado, alguma das diferenças (xj − xi )


deve ser não real. Logo pelo menos uma raiz é não real. Neste caso, só
poderemos ter duas raı́zes complexas conjugadas e a outra real. Recipro-
camente, se uma das raı́zes é α ∈ C − R, então as outras raı́zes são ᾱ
e β com β ∈ R. Tem-se que: D = −(α − ᾱ)2 (α − β)2 (ᾱ − β)2 . Como
(ᾱ − β)2 é o conjugado de (α − β)2 , tem-se que o produto (α − β)2 (ᾱ − β)2
é um número real positivo. Portanto o sinal de D é o mesmo sinal de
−(α − ᾱ)2 = (2 i Im(α))2 = 4(Im(α))2 que é positivo.

(3) Este caso decorre dos anteriores por exclusão.

A história da resolução da equação do terceiro grau apresenta alguns lan-


ces pitorescos. Conta-se que foi Scipio Del Ferro quem primeiro resolveu a
equação do terceiro grau sem nunca publicar o seu resultado, limitando-se
apenas a contar o seu feito a alguns amigos. Em 1535, Tartaglia redescobriu
a resolução destas equações, mantendo o seu método em segredo para com ele
coroar um tratado de Álgebra de sua autoria. Tartaglia revelou o seu segredo
a Jerônimo Cardan sob juramento de não divulgá-lo. Cardan, não honrando
o seu compromisso, publicou em 1545 o livro Ars Magna contendo o método
de resolução da equação do terceiro grau dando, entretanto o devido crédito
ao seu autor. Por terem sido publicadas pela primeira vez por Cardan, estas
fórmulas levam o seu nome. O livro de Cardan contém também a resolução
da equação do quarto grau devida ao seu discı́pulo Ludovico Ferrari e que
será o assunto da próxima seção. O método que utilizamos para deduzir as
fórmulas de Cardan é devido a Hudde e data de 1658. As fórmulas de Car-
dan têm mais interesse teórico e histórico do que prático. Para calcular boas
aproximações de raı́zes de equações algébricas dispõe-se de métodos muito
mais eficientes.
4.2. A EQUAÇÃO DO TERCEIRO GRAU 91

PROBLEMAS 4.2.

1. Usando as fórmulas de Cardan, resolva as seguintes equações:


a) X 3 + 9X − 6 = 0 b) X 3 − 9X − 12 = 0
c) X 3 − 3X + 2 = 0 d) X 3 − 9X 2 − 9X − 15 = 0
e) X 3 − 5X + 2 = 0 f) X 3 − 6X 2 − 6X − 14 = 0
g) X 3 + 12X − 30 = 0 h) X 3 − 3X + i−3
2
=0

2. Mostre que
p
3
√ p
3

a) 7 + 50 + 7 − 50 = 2
p
3
√ p
3

b) 108 + 10 − 108 − 10 = 2
p
3
√ √ p
3
√ √ √
c) 243 + 242 − 243 − 242 = 2 2

3. Discuta, sem resolver, as raı́zes das seguintes equações:


a) X 3 − 1 = 0 b) 2X 3 − 5X + 7 = 0
c) X 3 − 10X + 1 = 0 d) 2X 3 + 3X 2 + 6X −√
12 = 0 √
e) X 3 − 3X + 2 = 0 3 2
f ) X − 3X + 3 1 + 3 2 X − 3 · 3 2

4. Em cada caso abaixo, construa e determine as outras raı́zes de uma


equação do 30 grau com coeficientes racionais tendo o número indicado
como raiz.
q q
√3
√3 3 √ 3 √
a) 3 − 9 b) 2 + 3 + 2 − 3

5. Mostre que a parábola Y = X 2 e a hipérbole XY + 8X + 4Y + 3 = 0


possuem somente um ponto de intersecção com ambas as coordenadas
reais.

6. Seja f (X) = X 3 + 3aX + 2 ∈ R[X].


(a) Determine os valores reais de a para os quais a função polinomial
real y = f (X) tenha tres raı́zes reais distintas.
(b) Determine o valor real de a para o qual esta função tenha uma
raiz múltipla e encontre, neste caso, as suas raı́zes.
92 CAPÍTULO 4. AS EQUAÇÕES DE GRAU ≤ 4

(c) Determine os valores reais de a para os quais esta função tenha


duas raı́zes complexas (conjugadas).
(d) Esboce o gráfico em cada caso um dos casos (a), (b) e (c).

7. Considere o poliômio p(X) = X 3 + a2 X 2 + a1 X + a0 , com a2 , a1 , a0


números reais. Discuta o sinal de p(X) para valores reais de X segundo
o sinal de D e da posição de X relativamente às raı́zes reais.
8. Considere a igualdade

a3 X 3 + a2 X 2 + a1 X + a0 = a3 (X − x1 )(X − x2 )(X − x3 )

onde x1 , x2 e x3 são as raı́zes do polinômio do lado esquerdo da igual-


dade. Usando o método dos coeficientes a determinar, mostre que
a) x1 + x2 + x3 = − aa23
a1
b) x1 · x2 + x1 · x3 + x2 · x3 = a3
c) x1 · x2 · x3 = − aa03

9. Sejam y1 , y2 e y3 as raı́zes da equação Y 3 + pY + q = 0. Observando


que a fórmulas de Cardan se expressam como

y1 = u1 + v1 , y2 = wu1 + w 2 v1 , e y3 = w 2 u1 + wv1 .

Mostre que

y1 + wy2 + w 2 y3 = 3v1 , y1 + wy3 + w 2 y2 = 3u1 .

Conclua que valem as seguintes relações:


(y1 + wy2 + w 2 y3 ) · (y1 + wy3 + w 2 y2 = −3p
(y1 + wy2 + w 2 y3 )3 + (y1 + wy3 + w 2 y2 )3 = −27q

10. Sejam x1 , x2 e x3 as raı́zes da equação X 3 + a2 X 2 + a1 X + a0 = 0.


Mostre que valem as igualdades
(x1 + wx2 + w 2 x3 ) · (x1 + wx3 + w 2 x2 = −3a1 + a22
(x1 + wx2 + w 2 x3 )3 + (x1 + wx3 + w 2 x2 )3 = −2a32 + 9a1 a2 − 27a0 .

(Sugestão: Use o Problema 2.8 e as relações entre x1 , x2 , x3 , a0 , a1 , a2 e


y1 , y2, y3 , p, q).
4.3. A EQUAÇÃO DO QUARTO GRAU 93

4.3 A Equação do Quarto Grau


Apresentamos nesta seção o método de Ferrari para resolução da equação
do quarto grau. Considere a equação:

X 4 + a3 X 3 + a2 X 2 + a1 X + a0 = 0 (4.6)

Temos que X 4 + a3 X 3 = −(a2 X 2 + a1 X + a0 ). Completanto o quadrado


no primeiro membro desta equação e comparando com o segundo membro,
temos  2  
2 1 1 2
X + a3 X = a3 − a2 X 2 − a1 X − a0 (4.7)
2 4
Se o segundo membro desta equação fosse um quadrado perfeito, a resolução
da equação recairia na resolução de duas equações do segundo grau. O nosso
objetivo será agora transformar o seguno membro de (18) em um quadrado
perfeito, sem destruir o quadrado perfeito do primeiro membro.

Somando a ambos os membros de (18) a expressão Y 2 +2Y · X 2 + 21 a3 X ,
obtemos,
  2  
1 1 2
X + a3 X + Y = 2Y + a3 − a2 X 2 + (Y a3 − a1 )X + (Y 2 − a0 )
2
2 4
(4.8)
Vamos agora determinar os valores de Y que transformarão o segundo
membro de (19) em um quadrado perfeito. Para que isto ocorra devemos ter
o discriminante do segundo membro de (19), como trinômio do segundo grau
em X, nulo. ou seja,
 
1 2
2
(Y a3 − a1 ) − 4 · 2Y + a3 − a2 · (Y 2 − a0 ) = 0
4

Daı́ segue que,

8Y 3 − 4a2 Y 2 + (2a1 a3 − 8a0 )Y + (4a0 a2 − a0 a23 − a21 ) = 0 (4.9)

Escolhendo Y como sendo uma das raı́zes da equação (4), a equação (3) nos
fornece   2
1
2
X + a3 X + Y = (αX + β)2 (4.10)
2
94 CAPÍTULO 4. AS EQUAÇÕES DE GRAU ≤ 4

com α e β convenientes. Esta equação se resolve mediante a resolução das


duas equações do segundo grau:
   
2 1 2 1
X + a3 X + Y = (αX + β) e X + a3 X + Y = −(αX + β)
2 2

Como a equação (17) é equivalente à equação (21), temos que a resolução de


uma equação do quarto grau pode ser reduzida à resolução de equações do
terceiro e do segundo graus.

Exemplo: Resolvamos a equação X 4 − 2X 3 + 4X 2 − 2X + 3 = 0.

Determinemos Y satisfazendo a equação (20) que no nosso caso toma a


forma: Y 3 − 2Y 2 − 2Y + 4 = 0. É fácil verificar que y = 2 é solução desta
equação. Para este valor de Y a equação (19) passa a ser

(X 2 − X + 2)2 = X 2 − 2X + 1 = (X − 1)2 .

Obtemos assim as seguintes equações do segundo grau:

X 2 − X + 2 = X − 1 e X 2 − X + 2 = −(X − 1),

cujas raı́zes são


√ as raı́zes√da equação proposta. Assim, a nossa equação tem
as raı́zes 1 + 2 i , 1 − 2 i , i e −i.

PROBLEMAS 4.3.

1. Resolva as equações:

a) X 4 − 12X 2 + 24X − 5 = 0 b) X 4 − 24X 2 + 60X + 11 = 0


c) X 4 − 15X 2 − 12X − 2 = 0 d) X 4 − 9X 2 − 6X + 4 = 0
e) X 4 + 8X 2 + 16X + 20 = 0 f ) X 4 + 2X 2 − 4X + 8 = 0
Capı́tulo 5

O GRUPO SIMÉTRICO

Num trabalho publicado em 1771 cêrca de dois séculos após os traba-


lhos dos algebristas bolonheses que estudamos no Capı́tulo 4, Joseph Louis
Lagrange (ou Giuseppe Luigi Lagrangia como reivindicam os italianos), apro-
fundou o estudo das relações entre coeficientes e as raı́zes de um polinômio,
mediante a introdução dos grupos simétricos e de suas propriedades. Este
estudo conduziu-o a achar um método unificado para atacar a resolução das
equações algébricas de qualquer grau. O método funcionou maravilhosa-
mente no caso das equações do terceiro e quarto graus, como veremos no
próximo capı́tulo, mas apresentou dificuldades na tentativa de resolver a
equação do quinto grau.

Apesar de Lagrange não ter conseguido resolver os problemas da Teoria


das Equações Algébricas, os seus trabalhos criaram instrumentos para que P.
Ruffini e N. H. Abel, numa série de trabalhos realizados entre 1799 e 1824,
demonstrassem a impossibilidade de resolver a equação geral do quinto grau.
Posteriormente, Evariste Galois, retornando às idéias de Lagrange, escreveu
uma das mais belas e importantes páginas da Matemática, a Teoria de Galois.

5.1 Relações Entre Coeficientes e Raı́zes


O nosso objetivo nesta seção é determinar as relações existentes entre os
coeficientes e as raı́zes das equações algébricas.

95
96 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

Seja K um corpo e X1 , X2 , . . . , Xn indeterminadas sobre K. Considere o


polinômio:
(X + X 1 )(X + X 2 ) · · · (X + X n ) ∈ K[X, X1 , X2 , . . . , Xn ].
Queremos escrever este polinômio como elemento de K[X1 , . . . , Xn ][X]. Para
este efeito, introduziremos os seguintes polinômios de K[X1 , . . . , Xn ] :
X
s1 (X1 , . . . , Xn ) = Xi = X 1 + · · · + X n
i
X
s2 (X1 , . . . , Xn ) = Xi1 Xi2
i1 <i2
= X1 X2 + X1 X3 + · · · + Xn−1 Xn
X
s3 (X1 , . . . , Xn ) = Xi1 Xi2 Xi3
i1 <i2 <i3
= X1 X2 X3 + X1 X2 X4 + · · · + Xn−2 Xn−1 Xn

..
.
X
sn−1 (X1 , . . . , Xn ) = Xi1 Xi2 · · · Xin−1
i1 <i2 <···<in−1
= X1 X2 · · · Xn−1 + · · · + X2 X3 + · · · + Xn

sn (X1 , . . . , Xn ) = X1 X2 · · · Xn
Pede-se ao leitor verificar as seguintes relações, válidas para todo n,
s1 (X1 , . . . , Xn ) = s1 (X1 , . . . , Xn−1 ) + Xn
s2 (X1 , . . . , Xn ) = s2 (X1 , . . . , Xn−1 ) + Xn s1 (X1 , . . . , Xn−1 )
s3 (X1 , . . . , Xn ) = s3 (X1 , . . . , Xn−1 ) + Xn s2 (X1 , . . . , Xn−1 )
..
.
sn−1 (X1 , . . . , Xn ) = sn−1 (X1 , . . . , Xn−1 ) + Xn sn−2 (X1 , . . . , Xn−1 )
sn (X1 , . . . , Xn ) = Xn sn−1 (X1 , . . . , Xn−1)
LEMA 5.1. Temos a seguinte relação:
(X − X1 )(X − X2 ) · · · (X − Xn ) =
= X n − s1 (X1 , . . . , Xn )X n−1 + · · · + (−1)n−1 sn−1 (X1 , . . . , Xn )X+
+(−1)n sn (X1 , . . . , Xn ).
5.1. RELAÇÕES ENTRE COEFICIENTES E RAÍZES 97

Demonstração: A demonstração será feita por indução sobre n ≥ 2. Para


n = 1, o resultado é óbvio. Vamos supor que a fórmula vale para n e provar
que vale para n + 1. Multiplicando por (X − Xn+1 ) ambos os lados da
igualdade no enunciado do Lema, obtém-se:

(X − X1 )(X − X2 ) · · · (X − Xn )(X − Xn+1 ) =


= [X n − s1 (X1 , . . . , Xn )X n−1 + · · · + (−1)n sn (X1 , . . . , Xn )](X − Xn+1 ) =
= X n+1 − [s1 (X1 , . . . , Xn ) + Xn+1 ]X n +
+[s2 (X1 , . . . , Xn )X n−1 + Xn+1 s1 (X1 , . . . , Xn )]X n−1 + · · · +
+(−1)n [sn (X1 , . . . , Xn ) + X n+1 sn−1 (X1 , . . . , Xn )]X+
+(−1)n+1 Xn+1 sn (X1 , . . . , Xn ) =
= X n+1 − s1 (X1 , . . . , Xn )X n + · · · + (−1)n sn (X1 , . . . , Xn )X+
+(−1)n+1 sn+1 (X1 , . . . , Xn ).

PROPOSIÇÃO 5.1. Se x1 , x2 , . . . xn são as raı́zes de a0 + a1 X + · · · +


an X n = 0, então
s1 (x1 , . . . , xn ) = − an−1
an
s2 (x1 , . . . , xn ) = − an−2
an
..
.
si (x1 , . . . , xn ) = (−1)i aan−i
n
..
.
sn (x1 , . . . , xn ) = (−1)n aan0
Demonstração: Sendo x1 , . . . , xn as raı́zes da equação

a0 + a1 X + · · · + an X n = 0,

temos pelo Lema 1 que

a0 + a1 X + · · · + an X n = an (X − x1 ) · · · (X − xn ) =
= an [Xn − s1 (x1 , . . . , xn )X n−1 + · · · + (−1)n−1 sn−1 (x1 , . . . , xn )X+
+(−1)n sn (x1 , . . . , xn ).

Igualando os coeficientes dos termos de mesmo grau, obtém-se o resultado.

As igualdades na Proposição acima são chamadas relações entre coefici-


entes e raı́zes da equação dada. Estas relações nos dão um sistema de n
equações (não lineares) nas n incógnitas x1 , x2 , . . . , xn . É natural pensar em
resolver o sistema para obter as raı́zes x1 , x2 , . . . , xn . Vejamos num exemplo
98 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

o que sucede.

Exemplo 1 : Considere a equação X 3 + X + 1 = 0, à qual está associado


o sistema: 
 x1 + x2 + x3 = 0
x1 x2 + x1 x3 + x2 x3 = 1

x1 x2 x3 = −1

Para resolver este sistema procederemos por eliminação. Multiplicando


a segunda equação por x3 , obtemos x1 x2 x3 + x1 x3 2 + x2 x3 2 = x3 . Usando
a terceira equação segue que −1 + (x1 + x2 )x3 2 = x3 . Usando a primeira
equação obtém-se −1 + (−x3 )x3 2 = x3 .

Portanto para achar x3 devemos resolver a equação x3 2 + x3 + 1 = 0 que


é precisamente a equação proposta originalmente.

Este exemplo nos mostra que não será este o método que nos conduzirá
à resolução das equações. Entretanto, se tivermos alguma informação adi-
cional sobre as raı́zes é possı́vel chegar às soluções. Vejamos alguns exemplos.

Exemplo 2 : Resolva a equação X 3 − X 2 − 2X + 2 = 0 sabendo-se que o


produto de duas de suas raı́zes é igual a −2.

Sejam x1 , x2 e x3 as raı́zes da equação. Acrescentando a condição acima


às relações entre coeficientes e raı́zes, obtemos o sistema:


 x1 + x2 + x3 = 1

x1 x2 + x1 x3 + x2 x3 = −2

 x1 x2 x3 = −2

x1 x2 = −2

Da terceira e da quarta equções segue que x3 = 1. Da primeira √ temos


que x1 + x2 = 0 que juntamente com a √ quarta nos
√ fornece x1 = ± 2. Como
x2 = −x1 , as raı́zes da equação são 1, 2 e − 2.

Exemplo 3 : Resolvamos a equação X 3 − 3X 2 + X + 1 = 0, sabendo-se


que as suas raı́zes estão em progressão aritmética.
5.1. RELAÇÕES ENTRE COEFICIENTES E RAÍZES 99

Sejam x1 = a − r, x2 = a, e x3 = a + r as raı́zes da equação. Temos que,



 3 = x1 + x2 + x3 = 3a
1 = x1 x2 + x1 x3 + x2 x3 = 3a2 − r 2

−1 = x1 x2 x3 = a(a2 − r 2 )
Da primeira dessas equações segue que a √
= 1. Da segunda temos então que
2 2
3 − r = 1, logo √ r = 2 e portanto
√ r = ± 2. Tem-se então que as raı́zes da
equação são 1 − 2, 1 e 1 + 2.

Exemplo 4 : Determinaremos a soma dos quadrados das raı́zes da equação


3X − 3X 4 + 2X 3 + X − 1 = 0 sem resolvê-la.
5

Se x1 , x2 , x3 , x4 e x5 são as suas raı́zes, temos que


x1 2 + x2 2 + x3 2 + x4 2 + x5 2 =
= (x1 + x2 +x3 + x4 + x5 )2 − 2(x1 x2 + · · · + x4 x5 )
= 12 − 2 · 32 = 1 − 34 = − 13
Exemplo 5 : Determinaremos a soma dos inversos das raı́zes da equação
2X 4 − 6X 3 + 5X 2 − 7X + 1 = 0 sem resolvê-la.

Se x1 , x2 , x3 e x4 são as raı́zes da equação, temos que


7
1 1 1 1 x2 x3 x4 + x1 x3 x4 + x1 x2 x4 + x1 x2 x3 2
+ + + = = 1 =7
x1 x2 x3 x4 x1 x2 x3 x4 2

A Proposição 1 e os exemplos 4 e 5 acima nos mostram que certas funções


das raı́zes, por exemplo, a soma das raı́zes, a soma dos produtos dois a dois
das raı́zes, a soma dos produtos tres a tres das raı́zes etc., a soma dos qua-
drados das raı́zes e a soma dos inversos das raı́zes podem ser calculadas em
função dos coeficientes da equação sem resolvê-la.

Na seção 4 estudaremos uma classe de funções, as funções simétricas das


raı́zes, que podem ser calculadas em função dos coeficientes sem resolver a
equação. Como o conceito de função simétrica está intimamente ligado à
noção de grupos de permutações, dedicaremos as próximas duas seções a
este assunto.
100 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

PROBLEMAS 5.1.

1. Resolva as seguintes equações, dadas as condições adicionais:

(a) X 3 + 2X 2 + 3X + 2 = 0 sabendo-se que x1 + x2 = x3 .


(b) 3X 3 + 2X 2 − 19X + 6 = 0 sabendo-se que x1 + x2 = −1.
(c) X 3 − 7X 2 − 42X + 216 = 0 sabendo-se que x3 2 = x1 x2 .
(d) X 3 + 9X 2 + 6X − 56 = 0 sabendo-se que x2 = −2x1 .
(e) 9X 3 − 36X 2 + 44X − 16 = 0 sabendo-se que as suas raı́zes estão
em progressão aritmética.
(f) 3X 3 − 26X 2 + 52X − 24 = 0 sabendo-se que as suas raı́zes estão
em progressão geométrica.
(g) X 4 − 2X 3 + 2X 2 − X − 2 = 0 sabendo-se que x1 + x2 = 1.

2. Sabendo-se que as raı́zes da equação X 3 − 2X 2 + aX + 46 = 0 estão


em progressão aritmética, determine o valor de a e resolva a equação.

3. Sabendo-se que as raı́zes da equação 2X 4 − 15X 3 + aX 2 − 30X + 8 = 0


estão em progressão geométrica, determine o valor de a e resolva a
equação.

4. Qual a relação que deve existir entre p, q e r para que as raı́zes da


equação X 3 + pX 2 + qX + r = 0

(a) estejam em progressão aritmética?


(b) estejam em progressão geométrica?

5. Dada a equação 2X 5 − 3X 4 − X 3 + 7X 2 − 9X + 8 = 0 , ache

(a) a soma dos quadrados de sua raı́zes


(b) a soma dos cubos de suas raı́zes
(c) a soma dos inversos de suas raı́zes
(d) a soma dos quadrados dos inversos de suas raı́zes.

6. Ache o valor de m para que a soma dos quadrados das raı́zes da equação
3X 5 − mX 3 + 2X 2 + X − 1 = 0 seja igual a 1.
5.2. GRUPOS 101

7. Sabendo-se que as raı́zes de 3X 3 + 4X 2 + 8X + 24 = 0 são números


complexos de igual módulo, resolva a equação.
8. A equação X 5 + 4X 4 + 2X 3 − 13X 2 − 19X − 5 = 0 tem uma raı́z da
forma a + bi com a e b inteiros, determine a e b.

5.2 Grupos
Iniciaremos nesta seção o estudo das propriedades gerais dos grupos.
Neste Capı́tulo apresentaremos apenas os aspectos mais elementares da teo-
ria geral e estudaremos com mais detalhes o chamado grupo simétrico ou de
permutações. Este inı́cio da teoria é essencialmente devido a Lagrange e a
Cauchy. Voltaremos ao assunto no Capı́tulo 9 para maior aprofundamento.

5.2.1 A noção de grupo


Seja C um conjunto não vazio. Define-se
SC = {σ : C → C | σ é uma bijeção} .
Um elemento de SC é também chamado de permutação de C. Em SC te-
mos a operação de composição de funções, que sabidamente tem as seguintes
propriedades:
1. É associativa
2. Possui elemento neutro,
3. Cada bijeção possui um inverso para a composição, que é a bijeção
inversa.
Isto motiva a seguinte definição abstrata.

DEFINIÇÃO 5.1. Um conjunto G munido de uma operação ∗ é chamado


um grupo se satisfaz as seguintes propriedades:
i) Associatividade:
a ∗ (b ∗ c) = (a ∗ b) ∗ c ∀ a, b, c ∈ G;
ii) Existência de elemento neutro:
∃ e ∈ G, tal que e ∗ a = a ∗ e = a, ∀ a ∈ G;
iii) Existência de inverso:
∀ a ∈ G, ∃ b ∈ G tal que a ∗ b = b ∗ a = e.
102 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

Exemplos: São grupos os seguintes conjuntos com as operações corres-


pondentes:

1. (SC , ◦), as permutações de C 6= Φ com a operação de composição de


funções;

2. ( Z, +), ( Q, +), ( R, +), ( C, +) são grupos;

3. ( Zn , +), para todo n ∈ N;

4. (A[X], +), onde A é um anel;

5. (A∗ , ·) o conjunto dos elementos invertı́veis de um anel com a operação


de multiplicação do anel.

PROPOSIÇÃO 5.2. Num grupo G são únicos o elemento neutro e o ele-


mento inverso de um elemento dado.

Demonstração: Se e e e′ são elementos neutros em G, temos e′ = e′ ∗e = e.


Se a ∈ G e b, b′ são inversos de a, temos que a ∗ b = a ∗ b′ (= e), logo
b ∗ (a ∗ b) = b ∗ (a ∗ b′ ) e portanto pela associatividade, (b ∗ a) ∗ b = (b ∗ a) ∗ b′ .
Segue então que e ∗ b = e ∗ b′ , donde b = b′ .

O único elemento inverso de a será denotado por a−1 , se a operação


de G for representada multiplicativamente e, por −a, se for representada
aditivamente. Neste último caso, o elemento neutro é representado por 0.
É fácil verificar que

a) (a−1 )−1 = a ou − (−a) = a;


b) (a · b)−1 = b−1 · a−1 ou − (a + b) = −b + (−a).

Quando C = {1, 2, . . . , n}, o conjunto SC é denotado simplesmente porSn


e é chamado de grupo simétrico de grau n. Sabemos que Sn tem n! elementos
(cf. I-3, Proposição 1).

Como toda função é determinada quando se conhece a imagem de cada


elemento do domı́nio, podemos representar um elemento σ ∈ Sn como
 
1 2 ··· n
σ= ,
σ(1) σ(2) · · · σ(n)
5.2. GRUPOS 103

onde σ(1), σ(2), . . . , σ(n) são os elementos (1, 2, . . . , n) numa determinada


ordem, isto é uma permutação destes elementos.
 
1 2 3 4
Exemplo 6 : σ = é a bijeção 1 7→ 3, 2 7→ 2, 3 7→ 1,
3 2 1 4
4 7→ 4.  
1 2 ··· n
O elemento neutro de Sn é portanto e = e a com-
1 2 ··· n
posição nesta notação se efetua do seguinte modo:
   
1 2 ··· n 1 2 ··· n
σ◦τ = ◦
σ(1) σ(2) · · · σ(n) τ (1) τ (1) · · · τ (n)
 
1 2 ··· n
=
σ(τ (1)) σ(τ (2)) · · · σ(τ (n))

Além disso,
 −1  
−1 1 2 ··· n σ(1) σ(2) · · · σ(n)
σ = = ,
σ(1) σ(2) · · · σ(n) 1 2 ··· n
onde a última expressão deve ser rearrumada de modo que a primeira linha
se transforme em 1, 2, . . . n.

 Exemplo 7 :     
1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4
· = .
3 2 4 1 2 4 3 1 2 1 4 3
A maneira de proceder nesta composição é da direita para a esquerda:

1 7→ 2, 2 7→ 2, logo 1 7→ 2
2 7→ 4, 4 7→ 1, logo 2 7→ 1
3 7→ 3, 3 7→ 4, logo 3 7→ 4
4 7→ 1, 1 7→ 3, logo 4 7→ 3

 Exemplo 8 : −1    
1 2 3 4 5 3 4 2 5 1 1 2 3 4 5
= = .
3 4 2 5 1 1 2 3 4 5 5 3 1 2 4
O próximo exemplo é muito importante.
104 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

Exemplo 9 : Determinaremos neste exemplo a tabela da multiplicação em


S3 .      
1 2 3 1 2 3 1 2 3
Sejam σ1 = = e, σ2 = , σ3 = ,
1 2 3 3 1 2 2 3 1
     
1 2 3 1 2 3 1 2 3
τ1 = , τ2 = e τ3 = .
1 3 2 2 1 3 3 2 1
Temos que

◦ σ1 σ2 σ3 τ1 τ2 τ3

σ1 σ1 σ2 σ3 τ1 τ2 τ3

σ2 σ2 σ3 σ1 τ2 τ3 τ1

σ3 σ3 σ1 σ2 τ3 τ1 τ2

τ1 τ1 τ3 τ2 σ1 σ3 σ2

τ2 τ2 τ1 τ3 σ2 σ1 σ3

τ3 τ3 τ2 τ1 σ3 σ2 σ1

onde x ◦ y se encontra na linha do x e na coluna do y. Por exemplo,


σ2 ◦ τ3 = τ1 . Pede-se ao leitor verificar, a tı́tulo de exercı́cio, a tabela acima.

Note que em S3 temos que σ2 ◦τ1 6= τ1 ◦σ2 , isto é σ2 e τ1 não comutam. Os


grupos nos quais dois elementos quaisquer comutam são chamados abelianos.
São abelianos os grupos dos Exemplos 2, 3, 4 e 5. Com relação ao exemplo
1, temos o seguinte resultado.

PROPOSIÇÃO 5.3. Para todo n ≥ 3, Sn não é abeliano.


Demonstração: Sejam σ e τ definidas por σ(1) = 2, σ(2) = 1 e σ(x) = x
se x ≥ 3; e τ (1) = 1, τ (2) = 3, τ (3) = 2 e τ (x) = x se x ≥ 4. Temos então
que (σ ◦ τ )(1) = 2 e (τ ◦ σ)(1) = 3, logo σ ◦ τ 6= τ ◦ σ.
5.2. GRUPOS 105

5.2.2 Subgrupos
Um subconjunto H de um grupo G é chamado subgrupo de G se H com
a operação de G for um grupo. Para verificar que um subconjunto H de G
é um subgrupo de G, basta verificar que

i) A operação de G é fechada em H, isto é, a ∗ b ∈ H, ∀ a, b ∈ H.


ii) O elemento neutro e de G pertence a H.
iii) O inverso de todo elemento de H pertence a H, isto é, se a ∈ H
então a−1 ∈ H.

Não é necessário verificar a associatividade da operação em H já que a


operação é associativa em G.

Exemplo 11 : (Z, +) é um subgrupo de (Q, +) que é subgrupo de (R, +)


que por sua vez é subgrupo de (C, +).

Damos a seguir um critério útil para verificar se H ⊆ G é um subgrupo.

PROPOSIÇÃO 5.4. Um subconjunto não vazio H de um grupo G é um


subgrupo de G se, e somente se, para todos a, b ∈ H tem-se que a ∗ b−1 ∈ H.
Demonstração: A implicação direta é óbvia pois sendo a, b ∈ H e H um
subgrupo de G, temos que b−1 ∈ H e, portanto a∗ b−1 ∈ H. Reciprocamente,
sendo H 6= Φ, tome c ∈ H, logo por hipótese, e = c ∗ c−1 ∈ H. Seja a ∈ H,
como e ∈ H, temos que a−1 = e ∗ a−1 ∈ H. Resta apenas provar o fecha-
mento da operação de G em H. Sejam a, b ∈ H, logo pelo que provamos
acima b−1 ∈ H e, portanto, pela hipótese, a ∗ b = a ∗ (b−1 )−1 ∈ H.

A ordem de um grupo finito G é o número de elementos de G. Denota-


remos a ordem de G por |G|. Queremos comparar a ordem de um subgrupo
H com a ordem de G. Uma relação trivial, que decorre da inclusão H ⊆ G,
é a seguinte: |H| ≤ |G|. Entretanto, por ser H um subgrupo de G, Lagrange
provou que existe uma relação bem mais forte do que a acima. Para isto, é
necessário introduzir um novo conceito.

Sejam a ∈ G e H um subgrupo de G. Definem-se

aH = {a ∗ h | h ∈ H} e Ha = {h ∗ a | h ∈ H}.
106 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

O conjunto aH é chamado classe lateral à esquerda de a relativamente a


H, enquanto que Ha é chamado classe lateral à direita. Em particular,
eH = He = H.

Na notação aditiva, escreve-se a+ H em vez de aH. Se G = Z e H = mZ,


a classe lateral de a ∈ Z segundo H é dada por a + mZ = {a + mx | x ∈ Z}.

PROPOSIÇÃO 5.5 (Lagrange). Sejam G um grupo, H um subgrupo de


G e a, b ∈ G.

(i) se, e somente se, b−1 ∗ a ∈ H.


(ii) Se
S aH ∩ bH 6= Φ então aH = bH.
(iii) x∈G xH = G.
(iv) Existe uma bijeção entre aH e bH.

Demonstração: (i) Suponha que aH = bH. Como a = a ∗ e ∈ aH, segue


que a ∈ bH, logo a = b ∗ h para algum h ∈ H e portanto b−1 ∗ a = h ∈ H.
Reciprocamente, suponha que b−1 ∗ a ∈ H, logo a−1 ∗ b = (b−1 ∗ a)−1 ∈ H.
Seja c ∈ aH, logo c = a ∗ h com h ∈ H, segue que c = b ∗ b−1 ∗ a ∗ h com
h ∈ H, logo c = b ∗ h com h = b−1 ∗ a ∗ h ∈ H, daı́ vem que c ∈ bH, provando
assim que aH ⊆ bH. A inclusão bH ⊆ aH é semelhante usando a relação
a−1 ∗ b ∈ H.

(ii) Se aH ∩ bH 6= Φ então existe c ∈ aH ∩ bH, assim podemos escrever


c = a ∗ h = b ∗ h′ , onde h, h′ ∈ H. Portanto b−1 ∗ a = h′ ∗ h−1 ∈ H. Pelo ı́tem
(i) segue que aH = bH.
S
(iii) É S
claro que x∈G xH ⊆ G.S Por outro lado, se a ∈ G temos que
a ∈ aH ⊆ x∈G xH e portanto G ⊆ x∈G xH, provando assim a igualdade.

(iv) Basta provar que para todo a ∈ G, existe uma bijeção entre eH =
H e aH. Considera a função

f : H −→ aH
h 7−→ a ∗ h

que é sobrejetiva pois dado y ∈ aH então y tem a forma y = a ∗ h com h ∈ H


e portanto f (h) = y. Ela é injetiva pois se f (h1 ) = f (h2 ) então a ∗ h1 = a ∗ h2
5.2. GRUPOS 107

e portanto h1 = h2 (Veja Problema 1 (b)).

Na Proposição 5 acima poder-se-ia trabalhar com as classes laterais à di-


reita em vez das classes laterais à esquerda.

TEOREMA 5.1 (Lagrange). Sejam G um grupo finito e H um subgrupo


de G. Então a ordem de H divide a ordem de G.
Demonstração: Da Porposição 5 e do fato de G ser finito, tem-se que G
é união de um número finito de classes laterais disjuntas e cada uma tem o
mesmo número de elementos de H, logo |G| = l|H|, onde l é o número de
classes laterais. Portanto |H| divide |G|.

Definição: O número de classes laterais, indiferentemente à direita ou à


esquerda, é chamado de ı́ndice de H em G e é denotado por [G : H].

Temos então a fórmula |G| = [G : H] · |H|.

Exemplo 12 : a + mZ = b + mZ se, e somente se, a − b ∈ mZ se, e somente


se, a ≡ b mod m. Assim existem exatamente m classes laterais de mZ em
Z que são
0 + mZ, 1 + mZ, . . . , (m − 1) + mZ.
Num grupo G temos a noção de potenciação, ou seja, se a ∈ G e n ∈ Z,
define-se na notação multiplicativa

 a · a · · · a, (n fatores), se n>0
n
a = e, se n=0
 −1 −1 −1
a · a ···a (|n| fatores), se n<0
Na notação aditiva escrevemos

 a + a + · · · + a, (n parcelas), se n > 0
na = 0, se n = 0

(−a) + (−a) + · · · + (−a) (|n| parcelas), se n < 0
Temos as seguintes propriedades, para todos a, b ∈ G e todos m, n ∈ Z.
1) an · am = am+n 1′ ) na + ma = (n + m)a
2) (an )m = an·m 2′ ) m(na) = (mn)a
3) se a · b = b · a então (a · b)n = an · bn 3′ ) n(a + b) = na + mb.
108 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

O próximo resultado nos mostrará que é mais fácil verificar se um subcon-


junto finito de um grupo é ou não um subgrupo.

PROPOSIÇÃO 5.6. Seja G um grupo e H um subconjunto finito de G.


Se H é fechado em relação à operação de G, então H é um subgrupo de G.

Demonstração: Basta mostrar que o elemento neutro e de G está em


H e que o inverso de um elemento de H está em H. Seja a ∈ H, então
a2 , a3 , . . . , ∈ H pois H é fechado em relação à operação de G. Como H
é finito, existem dois números naturais distintos n e m tais que an = am .
Suponha, sem perda de generalidade, que n > m, multiplicando por a−m
ambos os membros da igualdade acima, obtemos que e = an−m ∈ H. Ob-
serve que se n − m = 1, temos que a = e e o seu inverso é ele próprio, logo
está em H. Se n−m > 1, então a−1 = an−m−1 ∈ H e o resultado está provado.

Exemplo 13 : Vamos determinar todos os subgrupos de S3 . Pela Pro-


posição 6 para verificar que um subconjunto de S3 é um subgrupo, basta
mostrar que é fechado em relação à operação de S3 . Pelo Teorema de La-
grange, Para que H ⊆ S3 seja um subgrupo é necessário que |H| divida 6.
Portanto temos quatro casos a considerar:

1. |H| = 1. Neste caso temos uma única possibilidade que é H = {e}.

2. |H| = 2. As possibilidades são os conjuntos da forma {e, σi } e {e, τi },


i = 1, 2, 3. Dentre estes, somente os conjuntos {e, τ1 } , {e, τ2 } e {e, τ3 }
são fechados em relação à operação de S3 .

3. |H| = 3. Há somente as seguintes possibilidades: H = {e, τi , a},


i = 1, 2, 3, a 6= e, a 6= τi ou H = {e, σ2 , σ3 }. A primeira possibilidade
deve ser excluı́da pois, caso contrário terı́amos que {e, τi } seria um
subgrupo de H e pelo Teorema de Lagrange, 2 teria que dividir 3 o
que é um absurdo. Resta a possibilidade H = {e, σ2 , σ3 }, que é um
subconjunto fechado em relação à operação de S3 .

4. |H| = 6. Neste caso H = S3 .

Assim, os subgrupos de S3 são {e}, {e, τ1 } , {e, τ2 } e {e, τ3 }, {e, σ2 , σ3 } e S3 .


5.2. GRUPOS 109

Exemplo 14 : Vamos determinar todos os subgrupos de Z. Se H é um


subgrupo de Z, então

(i) H 6= Φ
(ii) a + b ∈ H, ∀ a, b ∈ H
(iii) na ∈ H, ∀ n ∈ Z, ∀ a ∈ H.

Portanto todo subgrupo de Z é um ideal de Z e consequentemente da forma


H = I(d) = {nd | n ∈ Z} para algum d ∈ Z (cf. I-4, Teorema 1).

A determinação dos subgrupos de um grupo é algo bastante complexo e


está longe de ter sido resolvida em geral. Voltaremos no Capı́tulo 9 à questão
da existência de certos subgrupos de um grupo finito.

5.2.3 Grupos Cı́clicos


Sejam G um grupo e a ∈ G. Vamos definir na notação multiplicativa

hai = {an | n ∈ Z}

ou na notação aditiva
hai = {na | n ∈ Z}
É claro que hai é um subgrupo de G pois é fechado em relação à operação
de G, e = a0 ∈ hai (ou 0 = 0 · a ∈ hai ) e cada an ∈ hai ou ( na ∈ hai )
tem um inverso a−n ∈ hai (ou (−n)a ∈ hai ). Este subgrupo será chamado
de subgrupo gerado por a.

Para simplificar os enunciados, vamos usar apenas a notação multiplica-


tiva, deixando para o leitor o exercı́cio de formular os resultados na notação
aditiva.

TEOREMA 5.2.
(i) hai é finito se, e somente se, existe m ∈ Z tal que am = e
(ii) Em tal caso, def inindo o(a) = min{n ∈ N | an = e}, temos que
hai = {e, a, . . . , ao(a)−1 }, com ai 6= aj se, i 6= j, i, j = 0, . . . , o(a) − 1.
110 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

Demonstração: (i) Suponha que hai seja finito, logo na lista de elementos
a, a , a3 , . . . devem ocorrer repetições e portanto existem r, s ∈ N com r < s
2

tais que ar = as e portanto pondo m = s − r, temos que am = e. Reciproca-


mente, se existe m tal que am = e, vamos provar que hai = {e, a, . . . , am−1 }.
De fato, a inclusão {e, a, . . . , am−1 } ⊆ hai é óbvia. Por outro lado, Seja
b ∈ hai, logo b = as para algum s ∈ Z. Pelo algorı́tmo da divisão de
inteiros temos que s = mq + r, com 0 ≤ r < m. Temos portanto que
as = amq+r = (am )q ·ar = e·ar = ar e consequentemente as ∈ {e, a, . . . , am−1 },
provando assim a inclusão hai ⊆ {e, a, . . . , am−1 }.

(ii) Por definição de o()a tem-se que ao(a) = e e portanto a mesma de-
monstração feita acima nos mostra que hai = {e, a, . . . , ao(a)−1 }. Só nos resta
provar que ai 6= aj se i 6= j com i, j = 0, 1, . . . , o(a) − 1. De fato se ai = aj
com j > i, então aj−i = e com 0 < j − i < o(a), o que é uma contradição em
vista da minimalidade de o(a).

Se hai é finito, o inteiro o(a) acima definido é chamado a ordem de a,


e diremos que a tem ordem finita. Caso contrário, isto é, se hai é infinito,
diremos que a tem ordem infinita.

PROPOSIÇÃO 5.7. Sejam G um grupo e a ∈ G. Então am = e se, e


somente se, o(a) | m.

Demonstração: Considere o conjunto I = {m ∈ Z | am = e} ⊆ Z. É fácil


verificar que I é um ideal de Z, portanto por I-4, Teorema 1, e pela definição
de o(a), temos que I = I(o(a)), de onde segue o resultado.

COROLÁRIO 5.1. Seja G um grupo finito e seja a ∈ G, então a|G| = e.

Demonstração: Pelo Teorema de Lagrange temos que | hai | = o(a) divide


|G| e, portanto pela Proposição 7 temos que a|G| = e.

COROLÁRIO 5.2 (Pequeno Teorema de Fermat). Seja p ∈ Z um


Z
número primo positivo. Então para todo a ∈ pZ = Zp , tem-se que ap−1 ≡ 1
mod p.
5.2. GRUPOS 111

Demonstração: Considere o grupo (Zp ∗ , ·) que tem p − 1 elementos, logo


para todo a ∈ Z, temos que (ā)p−1 = 1̄, onde ā é a classe residual módulo p
de a, de onde segue o resultado.

COROLÁRIO 5.3 (Teorema de Euler). Seja Φ a função de Euler e seja


n um inteiro natural. Então para todo a ∈ Z com (a, n) = 1, tem-se que
aΦ(n) ≡ 1 mod n.
Demonstração: Considere o grupo (Zn ∗ , ·) que tem Φ(n) elementos.
Agora o resultado segue usando a mesma argumentação usada no Corolário 2.

Definição: Um grupo G é chamado grupo cı́clico se existir a ∈ G tal que


G = hai.

Exemplo 15 : Todo grupo cı́clico é abeliano. De fato, se G = hai então


dois elementos quaisquer de G podem ser escritos sob a forma ai e aj com
i, j ∈ Z. Logo ai ∗ aj = ai+j = aj+i = aj ∗ ai .

Exemplo 16 : Z é cı́clico pois Z = h1i. Os grupos Zn são cı́clicos pois


Zn = h1i. Outros exemplos de grupos cı́clicos são os (Un , ·), onde Un é
o conjunto das raı́zes n-ésimas da unidade em C e a operação é o produto
de números complexos. Um gerador de Un é uma raiz n-ésima primitiva da
unidade.

Exemplo 17 : Todo grupo de ordem prima é cı́clico. De fato, se G é um


grupo de ordem prima p, escolha a ∈ G − {e}. Temos que o(a) 6= 1 e pelo
Teorema de Lagrange temos que o(a) | p e portanto o(a) = p. Segue então
que | hai | = |G| e portanto G = hai.

PROPOSIÇÃO 5.8. Seja G um grupo e seja a um elemento de ordem


o(a)
finita de G. Se r ∈ Z, então o(ar ) = (o(a),r) .
Demonstração: Temos que o(ar ) é o menor inteiro positivo n tal que
r n
(a ) = e, ou seja, pela Proposição 7, tal que o(a) | rn. Portanto rn é o me-
nor múltiplo comum de o(a) e de r, ou seja rn = [o(a), r]. Por I-4, Problema
o(a)·r
3.10, temos que [o(a), r] = (o(a),r) . Juntando estas duas igualdades temos o
resultado.
112 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

LEMA 5.2. Sejam G


= hai um grupo cı́clico de ordem n e, s um inteiro
positivo. Então has i = a(n,s) . Em particular, has i = hai se, e somente se,
(n, s) = 1.


Demonstração: É fácil verificar que has i ⊆ a(n,s) . Por outro lado, como
(n, s) = λs + µn para inteiros convenientes λ e µ, temos que

a(n,s) = aλs+µn = (as )λ (an )µ ∈ has i ,




consequentemente a(n,s) ⊆ has i o que prova o resultado.

PROPOSIÇÃO 5.9. Seja G um grupo cı́clico de ordem n gerado por a. Se


H é um subgrupo de G de ordem m então H também é cı́clico e é gerado por
a( m ) .
n

Demonstração: Seja I(oH (a)) = {n ∈ Z | an ∈ H}. Claramente I(oH (a))


é um ideal de Z que contém I(o(a)). Seja r um gerador de I(oH (a)). É fácil
verificar que H = har i. Além disso, pela Proposição 8,

o(a) n
m = |H| = o(ar ) = = .
(o(a), r) (n, r)
n
Assim, (n, r) = m
. Pelo Lema 1,

r

(n,r) D ( n ) E
H = ha i = a = a m .

Exemplo 18 : (Determinação dos subgrupos de um grupo cı́clico) Seja G


um grupo cı́clico finito de ordem n gerado por a. Seja H um subgrupo de
G de ordem m. Pelo Teorema de Lagrange, m é um divisor de n. Pela Pro-
posição 9, H é gerado por a( m ) . Isto mostra que H é o único subgrupo de
n

G de ordem m. Por outro lado, se m é um divisor de n, digamos, n = mr,


então H = har i é um subgrupo de G de ordem m. Isto nos fornece uma
descrição

d completa dos subgrupos de G, a saber, os subgrupos de G são da
forma a onde d é um divisor de n.
5.2. GRUPOS 113

PROBLEMAS 5.2.

1. Mostre que se a, b e c são elementos de um grupo G, valem as seguintes


relações:
(a) Cancelamento à direita: a ∗ c = b ∗ c ⇒ a = b.
(b) Cancelamento á esquerda: c ∗ a = c ∗ b ⇒ a = b.
(c) (a−1 )−1 = a.
(d) (a ∗ b)−1 = b−1 ∗ a−1 .
   
1 2 3 4 1 2 3 4
2. Sejam σ = e τ= . Determine
3 1 4 2 2 1 4 3

σ ◦ τ , τ ◦ σ, σ 3 ◦ τ 2 , σ −1 , τ −3 , σ ◦ τ ◦ σ −1 , σ 527 e τ 1001 .

3. Seja G um grupo tal que g 2 = e para todo g ∈ G. Mostre que G é


abeliano.
4. Mostre que num grupo finito o produto de todos os elementos é igual
ao produto dos elementos de ordem 2. Aplique isto a (Zp ∗ , ·) onde p é
um número primo positivo, para mostrar o
Teorema de Wilson: (p − 1)! ≡ (−1) mod p.
5. Sejam G um grupo, H1 e H2 subgrupos de G. Mostre que H1 ∩H2 é um
subgrupo de G. Generalize para um número arbitrário de subgrupos
de G .
6. Sejam G um grupo, H ⊆ G um subgrupo e a ∈ G.
Mostre que aHa−1 = {aha−1 | h ∈ H} é um subgrupo de G.
7. (a) Mostre que S 1 = {z ∈ C | |z| = 1} é um subgrupo de (C∗ , ·).
(b) Se θ ∈ R, mostre que o conjunto Sθ = {(cos θ + i sen θ)n | n ∈ Z}
é um subgrupo de S 1 .
θ
(c) Mostre que Sθ é finito se, e somente se, π
∈ Q.

8. Sejam G um grupo, K ⊆ H ⊆ G tais que K é um subgrupo de H e H


é um subgrupo de G. Mostre que
(a) [G : H] = 1 se, e somente se, H = G e [G : H] = |G| se, e somente
se, H = {e}.
114 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

(b) [G : H] = [G : k] · [H : K], mesmo que um destes números seja


infinito. (Note que se K = {e} obtém-se o Teorema de Lagrange).
(c) Se [G : K] é um primo, então não existe H 6= G tal que K ⊂ H e
K 6= H.

5.3 Estrutura de Órbitas de uma Permutação


5.3.1 Decomposição de uma permutação em um pro-
duto de ciclos
Nesta seção, seguindo o estudo realizado por Cauchy, mostraremos que
toda permutação pode ser decomposta num produto de permutações de um
tipo bem simples chamados de ciclos e que tal decomposição é única.

O grupo Sn age sobre o conjunto {1, 2, . . . , n} , isto é, existe uma função

Sn : {1, 2, . . . , n} −→ {1, 2, . . . , n}
(σ, x) 7−→ σx = σ(x)
tal que
(i) ex = x ∀ x ∈ {1, 2, . . . , n},
(ii) σ1 (σ2 (x)) = (σ1 ◦ σ2 )(x), ∀ σ1 , σ2 ∈ Sn , x ∈ {1, 2, . . . , n}.

Se H é um subgrupo de Sn e x ∈ {1, 2, . . . , n}, define-se a órbita de x


segundo H como sendo o conjunto Orb(x) = {σ(x) | σ ∈ H} ⊆ {1, 2, . . . , n}.
Em particular, se H = hσi para algum σ ∈ Sn , então

Orbhσi (x) = {σ n (x) | n ∈ Z}.

PROPOSIÇÃO 5.10. Sejam H um subgrupo de Sn e x, y ∈ {1, 2, . . . , n}.


Temos que
(i) S
Se OrbH (x) ∩ OrbH (y) 6= Φ então OrbH (x) = OrbH (y).
(ii) x∈Sn OrbH (x) = {1, 2, . . . , n}.

Demonstração: (i) Suponha que OrbH (x) ∩ OrbH (y) 6= Φ e seja z um


elemento deste conjunto. Logo existem h, h′ ∈ H tais que

z = h(x) = h′ (y) (5.1)


5.3. ESTRUTURA DE ÓRBITAS DE UMA PERMUTAÇÃO 115

Seja u ∈ OrbH (x), logo u = h′′ com h′′ ∈ H. Mas de (1) temos que x =
h−1 ◦ h′ (y) e portanto u = h′′ ◦ h−1 ◦ h′ (y) com h′′ ◦ h−1 ◦ h′ ∈ H e consequente-
mente u ∈ OrbH (y). Com isto fica provado a inclusão OrbH (x) ⊆ OrbH (y).
A inclusão recı́proca obtém-se de modo análogo.

(ii) Observe que x ∈ OrbH (x) pois e ∈ H e ex = x. Logo


[
{1, 2, . . . , n} ⊆ OrbH (x) ⊆ {1, 2, . . . , n},
x∈Sn

o que fornece a igualdade dos dois conjuntos.

Observe que dado um elemento σ ∈ Sn , temos que σ ord(σ) = e, logo se


x ∈ {1, 2, . . . , n}, o conjunto {m ∈ N | σ m (x) = x} é não vazio.

PROPOSIÇÃO 5.11. Seja r = min {m ∈ N | σ m (x) = x}. Temos que

(i) r | ord(σ).
(ii) Orbhσi (x) = {x, σ(x), . . . , σ r−1(x)}.

Demonstração: (i) O conjunto I(x) = {m ∈ Z | σ m (x) = x} é obvia-


mente um ideal de Z e contém o ideal I(ord(σ)) = {m ∈ Z | σ m = e}, de
onde segue que r | ord(σ).

(ii) Para provar a igualdade, basta provar a inclusão

Orbhσi (x) ⊆ {x, σ(x), . . . , σ r−1(x)},

uma vez que a outra inclusão é óbvia. Seja z ∈ Orbhσi (x), logo existe m ∈ Z
tal que z = σ m ()x. Pelo algoritmo da divisão de inteiros, podemos escrever:
m = rq + t com 0 ≤ t ≤ r − 1, logo como σ r (x) = x, segue que σ qr (x) = x, e
portanto

z = σ m (x) = σ rq+t (x) = σ t (σ qr (x)) = σ t (x) ∈ {x, σ(x), . . . , σ r−1 (x)}.

De acordo com as Proposições 10 e 11 temos que, dada uma permutação


σ ∈ Sn , existem elementos x1 , . . . , xs ∈ {1, 2, . . . , n} tais que

Orbhσi (xl ) ∩ Orbhσi (xk ) = Φ se 1 ≤ l, k ≤ s e l 6= k,


116 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

e Orbhσi (xl ) = {xl , σ(xl ), . . . , σ ri −1 (xl )}, onde rl = min{m ∈ N|σ m (xl ) = xl },
1 ≤ l ≤ s. Temos então que o conjunto 1, 2, . . . , n está particionado pelos
conjuntos Orbhσi (xl ), 1 ≤ l ≤ s.
 
1 2 3 4 5 6
Exemplo 1 : Se σ = ∈ S6 , então
2 3 1 6 5 4
Orbhσi (1) = Orbhσi (2) = Orbhσi (3) = {1, 2, 3},
Orbhσi (4) = Orbhσi (6) = {4, 6} e Orbhσi (5) = {5}.
O tipo de órbita mais simples possı́vel é Orbhσi (x) = {x}. É claro que
Orbhσi (x) = {x} ⇔ σ(x) = x, e, neste caso, temos que σ m (x) = x ∀ m ∈ Z.
Neste caso dizemos que σ deixa fixo o elemento x, ou que x é um elemento
fixo para σ.

A permutação mais simples do ponto de vista da estrutura das órbitas


é aquela em que cada órbita se reduz a um elemento, isto é Orbhσi (x) =
{x} ∀ x ∈ {1, 2, . . . , n}. É óbvio que esta permutação é a identidade. O
segundo tipo mais simples de órbita é Orbhσi (x) = {x, y}, x 6= y. Uma
permutação σ ∈ Sn tal que existem x, y ∈ {1, 2, . . . , n} com x 6= y tal que
Orbhσi (x) = {x, y} e Orbhσi (z) = {z} ∀ z ∈ {1, 2, . . . , n} , é chamada de
transposição.

Seja r ≥ 2, um r-ciclo ou um ciclo de comprimento r é uma permutação


com um órbita com r elementos e as demais com apenas um elemento. Uma
transposição é portanto um 2-ciclo. Um r-ciclo pode ser representado por
(a − 1, a − 2, . . . , ar ), significando σ(a1 ) = a2 , . . . , σ(ar−1 ) = ar , σ(ar ) = a1 e
σ(z) = z para todo z ∈ {1, 2, . . . , n} − {a1 , . . . , ar }.

Exemplo 2 :
   
1 2 3 4 1 2 3 4
= (2 3), = (1 2 3 4),
1 3 2 4 2 3 4 1
   
1 2 3 4 1 2 3 4
= (1 2 3), = (1 2)(3 4),
2 3 1 4 2 1 4 3
 
1 2 3 4
= (1 3 4)(3 1 2).
2 4 3 1
5.3. ESTRUTURA DE ÓRBITAS DE UMA PERMUTAÇÃO 117

Sejam σ ∈ Sn e x ∈ {1, 2, . . . , n}. Dizemos que σ move x ou que x é mo-


vido por σ se σ(x) 6= x. Usaremos a notação M(σ) = {x | x é movido por σ}.
Dizemos que duas permutações σ e τ de Sn são disjuntas se M(σ)∩M(τ ) = Φ.
   
1 2 3 4 5 6 1 2 3 4 5 6
Exemplo 3 : e são
2 3 1 4 5 6 1 2 3 5 4 6
   
1 2 3 1 2 3
disjuntas, mas e não são disjuntas.
2 1 3 1 3 2

LEMA 5.3. Sejam σ e τ duas permutações disjuntas. Se σ(x) 6= x, então


τ (σ(x)) = σ()x.
Demonstração: Observe que se σ(x) 6= x, então Orbhσi (x) ⊆ M(σ) e por-
tanto σ(x) ∈ M(σ). Como M(σ) ∩ M(τ ) = Φ, segue que σ(x) ∈ / M(τ ) e
portanto τ (σ(x)) = σ(x).

PROPOSIÇÃO 5.12. Duas permutações disjuntas em Sn comutam.


Demonstração: Seja x ∈ 1, 2, . . . , n, devemos provar que

σ(τ (x)) = τ (σ(x)).

Caso 1: τ move x.

Trocando σ com τ no Lema 2 temos que σ(τ (x)) = τ (x). Por outro lado,
sendo σ e τ disjuntas, temos que σ(x) = x, logo τ (σ(x)) = τ (x). Juntando
estas relações obtemos a igualdade σ(τ (x)) = τ (σ(x)).

Caso 2: τ deixa x fixo.

Como τ (x) = x, segue que σ(τ (x)) = x. Por outro lado, pelo Lema 2
temos que

σ(x), se σ move x
τ (σ(x)) =
τ (x) = σ(x), se σ deixa x fixo

Juntando estas últimas ralações obtemos que τ (σ(x)) = σ(τ (x)). Portanto σ
e τ comutam.
118 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

LEMA 5.4. Sejam σ e τ ciclos em Sn . Se existe x0 ∈ {1, 2, . . . , n} tal que

(i) σ e τ movem x0
(ii) σ t x0 = τ t x0 ∀ t ∈ Z,

então σ = τ .

Demonstração: Pelas hipóteses temos que

Orbhσi (x0 ) = Orbhτ i (x0 ) 6= {x0 }.

Seja x tal que x ∈ / Orbhσi (x0 )(= Orbhτ i (x0 )). Temos que σ(x) = τ (x) = x.
Seja agora x tal que x ∈ Orbhσi (x0 )(= Orbhτ i (x0 )). Logo por (ii) existe l ∈ Z
tal que x = σ l (x0 ) = τ l (x0 ) . Portanto,

σ(x) = σ(σ l (x0 )) = σ l+1 (x0 ) = τ (τ l+1 (x0 )) = τ (x).

Isto acaba de provar que σ(x) = τ (x) para todo x ∈ {1, 2, . . . n} e portanto
que σ = τ .

TEOREMA 5.3 (Cauchy). Toda permutação diferente da identidade é


produto de ciclos disjuntos. Esta fatoração é única a menos da ordem na
qual os ciclos são escritos.

Demonstração: Existência da decomposição: Seja σ ∈ Sn . Escreva

{1, 2, . . . , n} = Orbhσi (x1 ) ∪ · · · ∪ Orbhσi (xs ) ∪ Orbhσi (xs+1 1) ∪ · · ·

onde para cada σ ∈ Sn , Orbhσi (xl ) = {xl , σxl , . . . , σ rl −1 xl }, l = 1, 2, . . . ,


rl = min{m ∈ N | σ m xl = xl } e estas órbitas são duas a duas disjuntas. Su-
ponha que os xi foram ordenados de modo que rl > 1 se l = 1, 2, . . . , s
e rl = 1 se l = s + 1, . . .. Se definimos σ1 = (x1 σx1 · · · σ r1 −1 x1 ),
. . . , σs = (xs σxs · · · σ rs −1 xs ), temos que σ1 , . . . , σs são ciclos disjuntos
(veja Problema 3.2) e claramente σ = σ1 · · · σs .

Unicidade: Suponha que σ = σ1 · · · σs = τ1 · · · τm , onde σ1 , . . . σs


são dois a dois disjuntos, o mesmo ocorrendo com τ1 , . . . , τm . Seja x ∈
{1, 2, . . . , n} um elemento movido por σ (existe pois σ 6= e. Temos então que
algum σi e algum τj movem x, e como pela Proposição 12 ciclos disjuntos
5.3. ESTRUTURA DE ÓRBITAS DE UMA PERMUTAÇÃO 119

comutam, podemos supor que estes sejam σ1 e τ1 . Temos também pela


hipótese que os ciclos são disjuntos que,

σ2 x = · · · = σs x = τ2 x = · · · = τm x = x,

e portanto σx = σ1 x = τ1 x. Novamente pela comutatividade dos ciclos


envolvidos temos para todo z ∈ Z, que σ t = σ1t · · · σst = τ1t · · · τm
t
e como

σ2t x = · · · = σst x = τ2t x = · · · = τm


t
x = x,

segue que σ t x = σ1t x = τ1t x, ∀t t ∈ Z, portanto pelo Lema 3 temos que


σ1 = τ1 e consequentemente σ2 · · · σs = τ2 · · · τm .

Repetindo o mesmo argumento, pode-se mostrar que σ2 = τ2 , etc. O re-


sultado segue repetindo este argumento sucessivamente se tivéssemos s = m.
Mas este é efetivamente o caso pois caso contrário, por exemplo se m > s,
terı́amos e = τs+1 · · · τm , o que é impossı́vel pois τs+1 , . . . , τm são ciclos dis-
juntos.

COROLÁRIO 5.4. Toda permutação é um produto de transposições.


Demonstração: Pelo teorema basta mostrar que todo ciclo é produto de
transposições. O resultado segue observando que

(a1 a2 · · · ar ) = (a1 ar )(a1 ar−1 ) · · · (a1 a3 )(a1 a2 )


 
1 2 3 4 5 6
Exemplo 4 : = (1 2 3)(4 5) = (1 3)(1 2)(4 5)
2 3 1 5 4 6
 
1 2 3 4 5 6
= (1 3 4)(2 5 6) = (1 4)(1 3)(2 6)(2 5)
3 5 4 1 6 2
No Corolário acima não se pode exigir que as transposições sejam disjun-
tas nem se pode garantir que a escrita seja única. Por exemplo temos

(1 2 3) = (2 1)(2 3) = (1 3)(1 2) = (3 2)(1 3) = (2 1)(1 3)(2 3)(1 2).

Na próxima seção determinaremos um invariante da escrita de uma per-


mutação como produto de transposições.
120 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

PROBLEMAS 5.3.
1. Sejam σ, τ ∈ Sn e t ∈ Z.
(a) Mostre que M(σ t ) ⊆ M(σ).
(b) Mostre que se σ e τ são disjuntas, então σ t e τ s são disjuntas
2. Mostre que dois ciclos (a1 · · · ar ) e (b1 · · · bs ) são disjuntos se e
somente se {a1 , . . . , ar } ∩ {b1 , . . . bs } = Φ.
3. Mostre que (a1 · · · ar )−1 = (ar · · · a1 ).
4. (a) Mostre (a1 · · · ar ) = (b1 · · · br ) se, e somente se, a1 , a2 , . . . , ar e
b1 , b2 , . . . , br são iguais como permutações circulares.
(b) De quantos modos se pode escrever como r-ciclo o ciclo (a1 · · · ar )?
(c) Quantos r-ciclos distintos existem em Sn ?
5. Decomponha as seguintes permutações em produtos de ciclos disjuntos
e em seguida as escreva como produto de transposições
     
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
, , ,
2 1 3 5 4 3 2 4 5 1 5 4 1 2 3
     
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
, , .
4 3 2 5 1 2 3 5 1 4 5 4 3 2 1

6. Sejam σ uma permutação e τ uma transposição em Sn . Suponha que


σ seja o produto de l ciclos disjuntos. Com quantos ciclos disjuntos se
escreve o produto τ · σ ?
(Sugestão: Faça uma análise de casos segundo τ e σ sejam disjuntos, ou τ tenha
apenas um elemento em comum com um ciclo de σ, ou dois elementos em comum,
ou cada elemento de τ seja comum a um ciclo distinto de σ).

7. Uma permutação σ ∈ Sn chama-se regular se é a identidade ou se não


tem elementos fixos e é o produto de ciclos disjuntos de mesmo com-
primento. Prove que σ é regular se, e somente se, σ é a potência de um
n-ciclo.
n
(Sugestão: Note que se l = r, tem-se que

(i1 i2 · · · ir )(j1 j2 · · · jr ) · · · (m1 m2 · · · mr ) =


= (i1 j1 · · · m1 i2 j2 · · · m2 · · · ir jr · · · mr )l ,
5.4. O GRUPO ALTERNANTE 121

onde o comprimento de cada uma das sequências iα , jα , . . . , mα no segundo mem-


bro da igualdade acima vale l).

8. Seja σ = σ1 · · · σr a decomposição de σ em ciclos disjuntos. Mostre que


o(σ) = [o(σ1 ), . . . , o(σr )]. Ache a ordem das permutações do Problema
3.5.

9. Seja σ ∈ Sn um n-ciclo e seja k ∈ Z. Mostre que

(a) σ k = e se, e somente se, k é múltiplo de n.


(b) Se (k, n) = 1 então σ k é um n-ciclo e o(σ k ) = n
(c) Se d | n, pondo ld = n então

(i11 i12 · · · i1l )(i21 i22 · · · i2l ) · · · (id1 id2 · · · idl ) =


= (i11 i21 · · · id1 i12 i22 · · · id2 · · · i1l i2l · · · idl )d ,

(d) Mostre que σ k é um produto de (n, k) ciclos disjuntos cada um


de comprimento (n,nk)

10. Seja G um grupo e S ⊆ G um subconjunto qualquer. O subgrupo


gerado por S é definido por
\
hSi = H.
H é subgrupo de
G que contém S

(a) Mostre que hSi = {a1 · · · ar | ai ∈ S ou a−1


i ∈ S}.

(b) Mostre que Sn é gerado pelas transposições


(1 2), (2 3), . . . , (n − 1, n). (Sugestão:

(i j) = (i i + 1) · · · (j − 2 j − 1)(j − 1 j) · · · (i + 1 i + 2)(i i + 1)

com i < j. )

5.4 O Grupo Alternante


Seja A um domı́nio e sejam X1 , . . . , Xn indeterminadas sobre A. A ação
de Sn sobre {1, 2, , . . . , n} que definimos na seção anteior induz uma ação de
122 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

Sn sobre A[X1 , . . . , Xn ] como segue

ρ : Sn × A[X1 , . . . , Xn ] −→ A[X1 , . . . , Xn ]
(σ , p(X1 , . . . , Xn )) 7−→ σ(p(X1 , . . . , Xn )) = p(Xσ(1) , . . . , Xσ(n) )

Esta aplicação tem as seguintes propriedades:


(i) e p(X1 , . . . , Xn ) = p(X1 , . . . , Xn ).
(ii) σ1 (σ2 (p(X1 , . . . , Xn ))) = (σ1 ◦ σ2 )(p(X1 , . . . , Xn )).
(iii) σ(p(X1 , . . . , Xn ) + q(X1 , . . . , Xn )) =
= σ(p(X1 , . . . , Xn )) + σ(q(X1 , . . . , Xn )).
(iv) σ(p(X1 , . . . , Xn ) · q(X1 , . . . , Xn )) =
= σ(p(X1 , . . . , Xn )) · σ(q(X1 , . . . , Xn )).

As duas primeiras propriedades são caracterı́sticas de ações de grupo sobre


conjuntos, enquanto que as quatro propriedades caracterizam a ação de gru-
pos sobre anéis.

Seja p(X1 , . . . , Xn ) ∈ A[X1 , . . . , Xn ]. Considere o subconjunto de Sn

G(p(X1 , . . . , Xn )) = {σ ∈ Sn | σ(p(X1 , . . . , Xn )) = p(X1 , . . . Xn )} ⊆ Sn .

É claro que este conjunto é finito e é fechado em relação ao produto de Sn ,


logo pela Proposição 6, é um subgrupo de Sn , chamado de grupo de isotropia
de p(X1 , . . . , Xn ). O grupo de isotropia de
Y
g(X1, . . . , Xn ) = (Xi − Xj )
i<j

é chamado de grupo alternante de grau n e será denotado por An . Estudamos


a seguir a ação de Sn sobre g(X1, . . . , Xn ).

PROPOSIÇÃO 5.13. Se τ é uma transposição em Sn , então

τ g(X1 , . . . , Xn ) = −g(X1 , . . . , Xn ).

Demonstração: Podemos supor que τ = (k l) com k < l (leitor justifique).


Podemos escrever g(X1, . . . , Xn ) do seguinte modo:
Y Y Y
g(X1 , . . . , Xn ) = (Xk − Xi ) · (Xi − Xk )(Xl − Xk ) · (Xl − Xi )·
i<k k<i<l i>k
5.4. O GRUPO ALTERNANTE 123
Y Y
· (Xl − Xi ) · (Xi − Xl ) · p(X),
k<i<l i>l
onde p é um polinômio que não contém nem Xk nem Xl . Temos então que
Y Y Y
τ g(X1 , . . . , Xn ) = (Xl − Xi ) · (Xi − Xl )(Xk − Xl ) · (Xk − Xi )·
i<k k<i<l i>k
Y Y
· (Xk − Xi ) · (Xi − Xk ) · p(X),
k<i<l i>l
Comparando as expressões acima obtemos que
τ g(X1 , . . . , Xn ) = (−1)l−k−1 · (−1)l−k−1 g(X1, . . . , Xn ) = −g(X1 , . . . , Xn ).
COROLÁRIO 5.5. Se σ é uma permutação qualquer de Sn , então
σg(X1 , . . . , Xn ) = ± g(X1, . . . , Xn )
Demonstração: Isto decorre da Proposição e do fato que toda permutação
é um produto de transposições.

Diremos que uma permutação σ ∈ Sn é par se


σg(X1 , . . . , Xn ) = g(X1 , . . . , Xn )
e é ı́mpar se
σg(X1, . . . , Xn ) = − g(X1 , . . . , Xn ).
Assim temos que toda transposição é ı́mpar, a identidade é par, σ e σ −1
têm a mesma paridade, σ1 · σ2 é par se, e somente se, σ1 e σ2 têm a mesma
paridade e
An = G(g(X1, . . . , Xn )) = {σ ∈ Sn | σ é par }.
COROLÁRIO 5.6. Uma permutação é par se e somente se ela é o produto
de um número par de transposições.
Demonstração: Seja σ ∈ Sn e suponha que σ = τ1 · · · τr onde cada τi é
uma transposição. Temos que
σg(X1, . . . , Xn ) = (τ1 · · · τr )g(X1 , . . . , Xn ) = (−1)r g(X1, . . . , Xn ).
Daı́ segue que σ é par se e somente se r é par.

Assim, determinamos a propriedade que permanece invariante na escrita


de uma permutação como produto de transposições.
124 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

COROLÁRIO 5.7. O número de transposições em qualquer escrita de uma


permutação como produto de transposições tem sempre a mesma paridade.
Vamos agora determinar a ordem e o ı́ndice de An em Sn . Se σ ∈ An ,
então σ An = e An = An , portanto as permutaçoes pares determinam todas a
mesma classe lateral. Suponha agora que σ1 e σ2 sejam permutações ı́mpares,
logo σ1−1 ·σ2 é par e portanto σ1−1 ·σ2 ∈ An , conseqüentemente, pela Proposição
5 (i), σ2 An = σ1 An . Isto acarreta que An possui apenas duas classes laterais à
esquerda distintas, conseqüentemente, [Sn : An ] = 2 e portanto, pelo Teorema
de Lagrange temos, |Sn | = [Sn : An ] · |An | = 2 |An |. Finalmente temos que
|An | = |S2n | = n!2 .

5.5 Funções Simétricas


Inversamente ao que fizemos acima, vamos associar a todo subgrupo de
Sn um subconjunto de A[X1 , . . . , Xn ]. Seja H um subgrupo de Sn , o conjunto
dos elementos p(X1 , . . . , Xn ) ∈ A[X1 , . . . , Xn ] que são invariantes pela ação
dos elementos de H, isto é,

σ(p(X1 , . . . , Xn )) = p(X1 , . . . , Xn ) ∀ σ ∈ H

é um subanel de A[X1 , . . . , Xn (leitor verifique!) que chameremos de anel


fixo de H em A[X1 , . . . , Xn e denotaremos por

Fix[H, A[X1 , . . . , Xn ]] ou A[X1 , . . . , Xn ]H

Um caso particular importante é quando H = Sn . Neste caso, temos que


Fix[H, A[X1 , . . . , Xn ]] é o subanel de A[X1 , . . . , Xn ] dos polinômios que são
invariantes pela ação de Sn . Estes polinômios são chamados de polinômios
simétricos. Como exemplo de polinômios simétricos temos os chamados po-
linômios simétricos elementares que introduzimos na seção 1, ou seja
X
s1 (X1 , . . . , Xn ) = Xi = X 1 + · · · + X n
i
X
s2 (X1 , . . . , Xn ) = Xi1 Xi2 = X1 X2 + X1 X3 + · · · + Xn−1 Xn
i1 <i2
X
s3 (X1 , . . . , Xn ) = Xi1 Xi2 Xi3 = X1 X2 X3 +X1 X2 X4 +· · ·+Xn−2 Xn−1 Xn
i1 <i2 <i3
5.5. FUNÇÕES SIMÉTRICAS 125

..
.
X
sn−1 (X1 , . . . , Xn ) = Xi1 · · · Xin−1 = X1 X2 · · · Xn−1 +· · ·+X2 X3 · · · Xn
i1 <i2 ···<in−1

sn (X1 , . . . , Xn ) = X1 X2 · · · Xn
A verificação deste último fato é deixada a cargo do leitor que poderá
fazê-la mostrando que cada si (X1 , . . . , Xn ) é invariante pela ação de uma
transposição, já que cada permutação é produto de transposições.

Uma maneira de obter novos polinômios simétricos em A[X1 , . . . , Xn ] é


descrita a seguir. Sejam Y1 , . . . , Yn indeterminadas sobre A e considere a
seguinte aplicação

ψn : A[Y1 , . . . , Yn ] −→ A[X1 , . . . , Xn ]
p[Y1 , . . . , Yn ] 7−→ p(s1 (X1 , . . . , Xn ), . . . , sn (X1 , . . . , sn ))

É claro que ψn é um homomorfismo de anéis e que

ψn (A[Y1 , . . . , Yn ]) = A[s1 (X1 , . . . , Xn ), . . . , sn (X1 , . . . , Xn )]


⊆ Fix[Sn , A[X1 , . . . , Xn ]]

Os próximos resultados nos fornecerão o núcleo e a imagem de ψn . Para fa-


cilicilitar as notações denotaremos si (X1 , . . . , Xn ) por si e si (X1 , . . . , Xn−1 )
por s′i .

TEOREMA 5.4 (Teorema das Funções Simétricas). Para todo n ∈ N


temos que
(i) Ker(ψn ) = {0}
(ii) Im(ψn ) = Fix[Sn , A[X1 , . . . , Xn ]].

Demonstração: (i) Suponha, por absurdo, que existe um n ∈ N tal


que Ker(ψn ) 6= {0}. Seja n o menor número natural para o qual isto
acontece. Seja p(X1 , . . . , Xn ) ∈ Ker(ψn ) − {0} de menor grau possı́vel.
Como p(s1 , . . . , sn ) = 0, se colocarmos Xn = 0 nesta igualdade, obteremos
p(s′1 , . . . , s′n−1 ) = 0, portanto p(Y1 , . . . , Yn−1 ) ∈ Ker(ψn−1 ) e pela hipótese
sobre n temos que p(Y1 , . . . , Yn−1, 0) = 0. Portanto p(Y1 , . . . , Yn ) é da forma
Yn q(Y1 , . . . , Yn ) com gr(p(Y1 , . . . , Yn )) < gr(p(Y1 , . . . , Yn )). Como sabemos
que sn 6= 0 temos que q(s1 , . . . , sn ) = 0. Portanto, pela minimalidade do
126 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

grau de p(Y1 , . . . , Yn ), segue que q(Y1 , . . . , Yn ) = 0. Logo p(Y1 , . . . , Yn ) = 0,


o que é um absurdo.

(ii) Suponha o resultado falso e seja n o menor número inteiro positivo


para o qual Im(ψn ) 6= Fix[Sn , A[X1 , . . . , Xn ]]. Seja f (X1 , . . . , Xn ) um ele-
mento de grau menor possı́vel m tal que

f (X1 , . . . , Xn ) ∈ Fix[Sn , A[X1 , . . . , Xn ]] − Im(ψn ). (5.2)

Certamente n ≥ 2 e m ≥ 2. Escrevemos f (X1 , . . . , Xn ) segundo as potências


crescentes de Xn :

f (X1 , . . . , Xn ) = f0 (X1 , . . . , Xn−1 ) + f1 (X1 , . . . , Xn−1 )Xn + · · · +


+ · · · + fr (X1 , . . . , Xn−1)Xnr (5.3)

com fi (X1 , . . . , Xn−1 ) ∈ A[X1 , . . . , Xn−1 ], i = 0, 1, . . . , r. Por hipótese


f (X1 , . . . , Xn ) é invariante pela ação de Sn , logo ele é invariante por toda
permutação do tipo
 
1 2 ··· n−1 n
σ=
i1 i2 · · · in−1 n

Temos então que


r
X
f (X1 , . . . , Xn ) = σf (X1 , . . . , Xn ) = σ ′ fi (X1 , . . . , Xn−1)Xni , (5.4)
i=0
 
′ 1 2 ··· n −1
onde σ = ∈ Sn−1 . Por (2) e (3) obtemos que
i1 i2 · · · in−1

σ ′ f0 (X1 , . . . , Xn−1 ) = f0 (X1 , . . . , Xn−1 )

e como σ ′ percorre Sn−1 ao variar σ , temos que

σf0 (X1 , . . . , Xn−1 ) ∈ Fix[Sn−1 , A[X1 , . . . , Xn−1]].

Pela hipótese sobre n, temos que Fix[Sn−1 , A[X1 , . . . , Xn−1 ]] = Im(ψn ) , logo
existe p(Y1 , . . . , Yn−1) ∈ A[Y1 , . . . , Yn−1] tal que

p(s′1 , . . . , s′n−1 ) = f0 (X1 , . . . , Xn−1 ).


5.5. FUNÇÕES SIMÉTRICAS 127

Como gr(f (X1 , . . . , Xn )) = m , temos que


gr(p(s′1 , . . . , s′n−1 ) = gr(f0 (X1 , . . . , Xn−1 )) ≤ m.
Considere o polinômio p(s1 , . . . , sn−1 ) ∈ A[X1 , . . . , Xn−1] . Se
X
p(s′1 , . . . , s′n−1) = ai1 ,...,in−1 (s′1 )i1 · · · (s′n−1 )in−1 ,
temos que X i
p(s1 , . . . , sn−1 ) = ai1 ,...,in−1 si11 · · · sn−1
n−1
,
i
como ai1 ,...,in−1 (s′1 )i1 · · · (s′n−1 )in−1 e ai1 ,...,in−1 si11 · · · sn−1
n−1
são homogêneos de
mesmo grau i1 + 2i2 + · · · + (n − 1)in−1 e não existe, por (i) nenhuma relação
polinomial entre s1 , . . . , sn−1 , temos que
gr(p(s1 , . . . , sn−1 )) = gr(p(s′1 , . . . , s′n−1 )) ≤ m.
Segue então que o polinômio simétrico
f (X1 , . . . , Xn ) − p(s1 , . . . , sn ) (5.5)
tem grau menor ou igual a m. Ao fazermos Xn = 0, esta diferença, por (2)
e (3) se torna igual a
f (X1 , . . . , Xn−1 , 0) − p(s′1 , . . . , s′n ) = f0 (X1 , . . . , Xn−1 , 0) − p(s′1 , . . . , s′n ) = 0.
Segue que o polinômio em (4) é divisı́vel por Xn e como ele é simétrico, ele
é também divisı́vel por X1 , . . . , Xn−1 e, portanto por X1 · · · Xn , logo
f (X1 , . . . , Xn ) − p(s1 , . . . , sn−1) = X1 · · · Xn q(X1 , . . . , Xn ) (5.6)
com q(X1 , . . . , Xn ) simétrico e, se não nulo, de grau menor do que m. Pela
nossa hipótese sobre m, temos que existe h(X1 , . . . , Xn ) ∈ A[Y1 , . . . , Yn ] tal
que q(X1 , . . . , Xn ) = h(s1 , . . . , sn ), e portanto, de (5) obtemos que
f (X1 , . . . , Xn ) = p(s1 , . . . , sn−1 ) + sn h(s1 , . . . , sn ) ∈ Im(ψn ),
o que é uma contradição com (i).

O Teorema afirma que todo polinômio simétrico em A[X1 , . . . , Xn ] se es-


creve de modo único como p(s1 , . . . , sn ), onde p(Y1 , . . . , Yn ) é um polinômio
em n indeterminadas e s1 , . . . , sn são os polinômios simétricos elementares
em n variáveis.
128 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

PROBLEMAS 5.4.

1. Diga se são pares ou ı́mpares as seguintes permutações


  
    
1 2 3 1 2 3 1 2 3 4 1 2 3 4
, , , ,
3 1 2 3 2 1 3 4 2 1 3 4 1 2
     
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
, , .
3 2 4 5 1 5 1 4 3 2 3 2 1 5 4
2. Determine os elementos pares e os elementos ı́mpares de S3 . Determine
A3 .

3. (a) Escreva os elementos de S4 como produtos de ciclos disjuntos.


(b) Mostre que se p1 = (X1 + X2 − X3 − X4 )2 então G(p1 ) é o grupo

G8 = {e, (1 2), (3 4), (1 2)(3 4), (1 3)(2 4), (1 4)(2 3), (1 4 2 3), (1 3 2 4)}

(c) Mostre que σ(p1 ), ao variar σ em S4 , assume os valores seguintes:


p1 = (X1 + X2 − X3 − X4 )2 , p2 = (X1 − X2 + X3 − X4 )2 e
p3 = (X1 − X2 − X3 + X4 )2 .
(d) Mostre que G(p2 ) e G(p3 ) são respectivamente os grupos

K8 = {e, (1 3), (2 4), (1 3)(2 4), (1 2)(3 4), (1 4)(2 3), (1 4 3 2), (1 2 3 4)}
e
H8 = {e, (14), (23), (14)(24), (13)(24), (12)(34), (1243), (1342)}.

4. Seja p ∈ A[X1 , . . . , Xn ] e sejam σ, τ ∈ Sn . Mostre que σp = τ p se,


e somente se, σ e τ pertencem à mesma classe lateral à esquerda em
Sn relativamente ao subgrupo G(p). Conclua que se [Sn : G(p)] = m,
então σp assume exatamente m valores distintos ao σ em Sn .

5. Mostre que S4 se compõe das permutações e, (12)(34), (13)(24), (14)(23)


e os oito 3-ciclos.

6. Mostre que, um r-ciclo é par se e somente se r é ı́mpar.

7. Se n > 2, mostre que todo elemento de Sn é produto de um certo


número de 3-ciclos.
[Sugestão: (i j)(j k) = (i j k), (i j)(k t) = (k j i)(k t i)].
5.6. CONJUGAÇÃO EM SN 129

8. Mostre que se H e G são subgrupos de Sn tais que H ⊆ G, então


Fix[G] ⊆ Fix[H].
9. (Newton - 1707): Seja p(X) = a0 + a1 X + · · · + an X n com n raı́zes
x1 , . . . , xn ∈ K. Damos a seguir o método de Newton para calcular as
somas s(k) = xk1 +· · ·+xkn com k = 1, 2, 3, . . . em função dos coeficientes
a0 , a1 , . . . , an sem resolver a equação.
p(X) p(X)
(a) Mostre que p′ (X) = a1 +2a2 X +· · ·+nan Xn−1 = X−x1
+· · ·+ X−x n
.
(b) Usando o algoritmo da divisão de p(X) por (X − a) para calcular
a expressão no último membro da igualdade acima e comparando
isto com a expressão do meio, prove que
an s(1) + an−1 = 0
an s + an−1 s(1) + 2an−2 = 0
(2)

an s(3) + an−1 s(2) + an−2 s(1) + 3an−3 = 0


..
.
an s(n−1) + an−1 s(n−2) + · · · + a3 s(2) + a2 s(1) + (n − 1)a1 = 0
Este sistema de equações permite calcular de modo recorrente os
valores de s(1) , s(2) , . . . , s(n−1) em função dos coeficientes do po-
linômio a0 , a1 , . . . , an .
(c) Para obter as expressões de s(n+k) para k ≥ 0, observe que so-
mando membro a membro as igualdades xk1 p(x1 ) = 0, xk2 p(x2 ) = 0,
. . . , xkn p(xn ) = 0, tem-se que
an s(n+k) + an−1 s(n+k−1) + · · · + a0 s(k) = 0.
Ao variar k, obtém-se um sistema de equações que permite calcular
de modo recorrente os valores de s(n) , s(n+1) , . . .
(d) Aplique o método de Newton para calcular s2 , s3 , s4 , s5 e s6 no
caso do polinômio X 5 + 7X 4 + 3X 3 − 2X 2 + X − 1 ∈ C[X].

5.6 Conjugação em Sn
Definição: Sejam σ, τ ∈ Sn . Dizemos que σ é uma conjugada de τ se
existe µ ∈ Sn tal que µσµ−1 = τ .

É fácil verificar que


130 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

1. σ é um conjugado de σ para todo σ ∈ Sn .


2. Se σ é um conjugado de τ então τ é um conjugado de σ.
3. Se σ é um conjugado de τ e τ é um conjugado de µ então σ é um
conjugado de µ.
Portanto a relação de conjugação é uma relação de equivalência em Sn .
Queremos determinar um critério que nos permita verificar facilmente se duas
permutações dadas são conjugadas uma da outra. Isto será obtido após al-
guns lemas.

LEMA 5.5. Sejam σ = (i1 · · · ir ) um r-ciclo de Sn e µ ∈ Sn . Então µσµ−1


é o r-ciclo (µ(i1 ) · · · µ(ir )).
Demonstração: Coloque τ = (µ(i1 ) · · · µ(ir )). Queremos verificar que
µσµ−1(u) = τ (u) ∀ u ∈ {1, 2, . . . , n}. Seja então dado u ∈ {1, 2, . . . , n}.
Tome x ∈ {1, 2, . . . , n} tal que µ(x) = u. Temos que
µσµ−1 (u) = µσ(x) (5.7)
τ (u) = τ µ(x). (5.8)
Temos dois casos a serem considerados:

Caso 1: x ∈
/ {i1 , . . . , ir }. Neste caso temos que µ(x) ∈
/ {µ(i1 ), . . . , µ(ir )}
e, portanto, σ(x) = x e τ (µ(x)) = µ(x). Logo,
µσµ−1(u) = τ σ(x) = µ(x) = τ (µ(x)) = τ (u),
e neste caso temos o que queremos.

Caso 2: x ∈ {i1 , . . . , ir }. Neste caso, por (5), (6) e pela definição de τ ,


temos
τ (u) = τ (µ(x)) = µ(σ(x)) = µσµ−1 (u),
o que também prova o resultado nesta situação.

Note que todo conjugado de um r-ciclo é também um r-ciclo.


 
1 2 3 4 5
Exemplo: Sejam µ = e σ = (3 5 2). Então
3 1 4 5 2
µσµ−1 = (µ(1) µ(4) µ(5)) = (3 4 5).
5.6. CONJUGAÇÃO EM SN 131

LEMA 5.6. Sejam σ1 σ2 · · · σl a decomposição de σ em produto de ciclos


disjuntos e µ ∈ Sn . Então (µσ1 µ−1 )(µσ2 µ−1 ) · · · (µσl µ−1 ) é a decomposição
de µσµ−1 em produto de ciclos disjuntos.
Demonstração: Pelo Lema 1, cada µσi µ−1 é um ciclo de comprimento
igual ao comprimento de σi . É claro que vale a igualdade do enunciado,
portanto só falta mostrar que os ciclos µσi µ−1 são dois a dois disjuntos. De
fato, se (i1 · · · ir ) e (j1 · · · is ) são ciclos disjuntos, então

µ(i1 · · · ir )µ−1 = (µ(i1 ) · · · µ(ir )) e µ(j1 · · · js )µ−1 = (µ(j1 ) · · · µ(js ))

são ciclos disjuntos pois µ é uma bijeção.

Definição: Duas permutações σ e τ são ditas semelhantes se elas pos-


suem a mesma estrutura de órbita. Isto é, σ e τ podem ser escritas na forma:
σ = σ1 σ2 · · · σl com os σi sendo ciclos disjuntos e ord(σi ) = ri e τ = τ1 τ2 · · · τl
com os τi sendo ciclos disjuntos e ord(τi ) = ri

Exemplo: As permutações
   
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
τ= e σ=
2 3 1 5 4 2 1 4 5 3

são semelhantes pois τ (1 2 3)(4 5) e σ = (3 4 5)(1 2). Já as permutações


   
1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
τ= e σ=
2 1 4 5 3 2 1 3 5 4

não são semelhantes pois τ = (3 4 5)(1 2) e σ = (4 5)(1 2).

PROPOSIÇÃO 5.14. Duas permutações são conjugadas se, e somente se,


são semelhantes.
Demonstração: Se duas permutações são conjugadas elas são semelhan-
tes devido ao Lema 2 e à definição de permutações semelhantes. Recipro-
camente, Suponha que as permutações σ e τ sejam semelhantes, digamos,
σ = (i1 · · · ir )(j1 · · · js ) · · · (k1 · · · kt ) e τ = (i′1 · · · i′r )(j1′ · · · js′ ) · · · (k1′ · · · kt′ ).
Defina  
i1 · · · ir j1 · · · js · · · k1 · · · kt
µ=
i′1 · · · i′r j1′ · · · js′ · · · k1′ · · · kt′
132 CAPÍTULO 5. O GRUPO SIMÉTRICO

e para x ∈
/ {i1 , . . . , ir , j1 , . . . , js , . . . , k1 , . . . , kt } defina µ(x) de forma que µ
seja uma bijeção. Agora é claro que µσµ−1 = σ.

PROBLEMAS 5.5.

1. Determine todos os elementos de S3 conjugados de (1 2 3)(4 5).

2. Encontre µ que realiza a conjugação entre σ = (1 2 3)(4 5) e


τ = (1 3 4)(2 5).

3. Mostre que em S5 temos:

01 permutação semelhante a e
10 permutações semelhantes a (1 2)
20 permutações semelhantes a (1 2 3)
30 permutações semelhantes a (1 2 3 4)
24 permutações semelhantes a (1 2 3 4 5)
15 permutações semelhantes a (1 2)(3 4)
20 permutações semelhantes a (1 2 3)(4 5)
Capı́tulo 6

O MÉTODO DE LAGRANGE

Nesta seção estudaremos o método de Lagrange para a resolução das


equações de terceiro e quarto graus e a tentativa frustrada de resolver a
equação do quinto grau. O método se baseia num Teorema publicado por
Lagrange em 1771 e que será o resultado central desta seção. Antes de pas-
sarmos ao Teorema faremos alguns preparativos.

Seja A um domı́nio de integridade e k o seu corpo de frações. Sejam


X1 , . . . , Xn indeterminadas sobre k. A ação de Sn sobre A[X1 , . . . , Xn ] ,
conforme já foi visto, se estende a k(X1 , . . . , Xn ) (= corpo de frações de
A[X1 , . . . , Xn ]).

Dado um subgrupo H de Sn , define-se

Fix(H) = {ϕ ∈ k(X1 , . . . , Xn ) | σ(ϕ) = ϕ ∀ σ ∈ H}.

É fácil verificar que Fix(H) é um subcorpo de k(X1 , . . . , Xn ) chamado corpo


fixo de H. É claro que Fix[H] = {p ∈ A[X1 , . . . , Xn ] | σ(p) = p ∀ σ ∈ H}
está contido em Fix(H) . Temos a seguinte proposição:

PROPOSIÇÃO 6.1. Fix(H) é o corpo de frações de Fix[H].


Demonstração: É claro que o corpo de frações de Fix[H] está contido
em Fix(H). Reciprocamente, seja ϕ ∈ Fix(H). Podemos escrever ϕ = pq
com p, q ∈ k[X1 , . . . , Xn ], q 6= 0 e p e q primos entre si (lembre-se
  que
p p
k[X1 , . . . , Xn ] é um D.F.U.). Se σ ∈ H, temos que σ(ϕ) = σ q = q , logo

133
134 CAPÍTULO 6. O MÉTODO DE LAGRANGE

(σ(p)) · q = (σ(q)) · p. Sendo p e q primos entre si é fácil verificar que σp


e σq são primos entre si, logo da última igualdade acima segue que σp é
associado a p e que σq é associado a q. Existe então λσ ∈ k tal que σp = λσ p
e σ(q) = λσ q. Sendo H finito, existe N ∈ N tal que σ N = e para todo σ ∈ H,
logo p = σ N p = λN N
σ p e portanto λσ = 1 para todo σ ∈ H.
Tome a ∈ A um múltiplo dos denominadores dos coeficientes de p e de q.
N−1
Logo ap e aq estão em A[X1 , . . . , Xn ]. Temos então que ϕ = pq = ap·(aq)
(aq N )
com ap · (aq)N −1 e (aq)N em A[X1 , . . . , Xn ] são tais que

σap · (aq)N −1 = aλσ p · (aλσ q)N −1 = ap · (aq)N −1

e
σ(aq)N = (aλσ )N = (aq)N .
Portanto ϕ pertence ao corpo de frações de Fix[H].

COROLÁRIO 6.1. Fix(Sn ) = k(s1 , . . . , sn ).

Dado ϕ ∈ k(X1 , . . . , Xn ), o conjunto G(ϕ) = {σ ∈ Sn | σ(ϕ) = ϕ} é um


subgrupo de Sn . G(ϕ) é o grupo das permutações de Sn que deixam ϕ fixo.
A importância da noção de classe lateral fica reforçada com o seguinte Lema.

LEMA 6.1. Sejam ϕ ∈ k(X1 , . . . , Xn ) e σ, τ ∈ Sn . σ(ϕ) = τ (ϕ) se, e so-


mente se, σG(ϕ) = τ G(ϕ).


Demonstração: σ(ϕ) = τ (ϕ) se, e somente se, (τ 1 σ)(ϕ) = ϕ se, e so-
mente se, τ −1 σ ∈ G(ϕ) se, e somente se, σG(ϕ) = τ G(ϕ).

Se σ1 G(ϕ), . . . σl G(ϕ), onde l = [Sn : G(ϕ)], são as classes laterais distin-


tas em Sn relativamente ao subgrupo G(ϕ), tem-se que ao variar σ em Sn ,
σ(ϕ) assume os valores σ1 (ϕ), . . . , σl (ϕ) dois a dois distintos. Estas notações
são mantidas no Lema seguinte

LEMA 6.2. Sejam ϕ ∈ k(X1 , . . . , Xn ) e σ1 (ϕ), . . . , σl (ϕ) os valores de ϕ


135

pela ação de Sn .
(i) Se σ ∈ Sn , então {σσ1 (ϕ), . . . , σσl (ϕ)} = {σ1 (ϕ), . . . , σl (ϕ)}.
(ii) Seja ψ ∈ Fix(G(ϕ)). Se σσi (ϕ) = σj (ϕ), então σσi (ψ) = σj (ψ)
(iii) Sejam f (X) ∈ k(X1 , . . . , Xn )[X] e H um subgrupo de Sn .
Se σf (X) = f (X) ∀ σ ∈ H, então f (X) ∈ Fix(H)[X]
(iv) F (X) = (X − σ1 (ϕ))(X − σ2 (ϕ)) · · · (X − σl (ϕ)) ∈ Fix(Sn )[X]

Demonstração: (i) Seja σ ∈ Sn . Considere as classes laterais

σσ1 G(ϕ), . . . , σσl G(ϕ).

Estas são duas a duas distintas pois se σσi G(ϕ) = σσj G(ϕ) com i 6= j,
terı́amos
σj−1 σi = σj−1 σ −1 σσi = (σσj )−1 (σσi ) ∈ G(ϕ),
logo σi G(ϕ) = σj G(ϕ), o que é uma contradição.
Portanto, σσ1 G(ϕ), . . . , σσl G(ϕ) são as classes laterais à esquerda relativa-
mente a G(ϕ). Pelo Lema 1, segue que os valores que ϕ assume sob a ação
de Sn são precisamente σσ1 (ϕ), . . . , σσl (ϕ).

(ii) Seja ψ ∈ Fix(G(ϕ)). Suponha que se tenha σσi (ϕ) = σj (ϕ), logo
−1
σj σσi (ϕ) = ϕ e, portanto, σj−1 σσi ∈ G(ϕ). Como ψ ∈ Fix(G(ϕ)), segue
que σj−1 σσi (ψ) = ψ e conseqüentemente σσi (ψ) = σj (ψ).

(iii) Seja f (X) = a0 + a1 X + · · · + am X m com ai ∈ k(X1 , . . . , Xn ) para


i = 0, 1, . . . , m. Suponha que para todo σ ∈ Sn se tenha

σf (X) = σa0 + (σa1 )X + · · · + (σam )X m = f (X).

Identificando os coeficientes, obtemos a0 = σ(a0 ), . . . , am = σ(am ) para


todo σ ∈ Sn . Logo ai ∈ Fix(H) ∀ i = 0, 1, . . . , m e conseqüentemente
f (X) ∈ Fix(H)[X].

(iv) Pelo item (iii) basta mostrar que σf (X) = f (X) para todo σ ∈ Sn .
Seja σ ∈ Sn . Temos que σf (X) = (X −σσ1 (ϕ))(X −σσ2 (ϕ)) · · · (X −σσl (ϕ)),
logo pelo item (i) segue que σf (X) = f (X).

TEOREMA 6.1 (Lagrange). Seja k um corpo e X1 , . . . , Xn indetermina-


das sobre k. Se ϕ ∈ k(X1 , . . . , Xn ) então Fix(G(ϕ)) = Fix(Sn )(ϕ).
136 CAPÍTULO 6. O MÉTODO DE LAGRANGE

Demonstração: É fácil observar que Fix(Sn )(ϕ)) ⊆ Fix(G(ϕ)), pois se


r
ψ ∈ Fix(Sn )(ϕ) tem-se que ψ = ab00+a 1 ϕ+···+ar ϕ
+b1 ϕ+···+bs ϕs
com os ai e bj em Fix(Sn ).
Portanto para todo σ ∈ G(ϕ), tem-se que

a0 + a1 σ(ϕ) + · · · + ar (σ(ϕ))r a0 + a1 ϕ + · · · + ar ϕr
σ(ψ) = = = ψ.
b0 + b1 σ(ϕ) + · · · + bs (σ(ϕ))s b0 + b1 ϕ + · · · + bs ϕs

Consequentemente ψ ∈ Fix(G(ϕ)). Reciprocamente, Seja ψ ∈ Fix(G(ϕ)).


Para provar que ψ ∈ Fix(Sn )(ϕ), construiremos um polinômio f (X) ∈
Fix(Sn )[X] tal que ψ = f (ϕ). Vejamos a propriedade que caracteriza o po-
linômio f (X). Sejam σ1 G(ϕ), . . . σl G(ϕ) as classes laterais relativamente a
G(ϕ). Se f (X) ∈ Fix(Sn )[X] e ψ = f (ϕ), então σi (ψ) = σi (f (ϕ)) = f (σi (ϕ)),
portanto f (X) é o polinômio que assume o valor σi (ψ) para x = σi (ϕ), onde
i = 1, . . . , l. É fácil então construir o polinômio f (X) que pela fórmula de
interpolação de Lagrange se escreve:
F (X) σ1 ψ F (X) σ2 ψ F (X) σl ψ
f (X) = (X−σ1 ϕ) F ′ (σ1 ϕ)
+ (X−σ2 ϕ) F ′ (σ2 ϕ)
+···+ (X−σl ϕ) F ′ (σl ϕ)

onde F (X) = (X − σ1 (ϕ))(X − σ2 (ϕ)) · · · (X − σl 1(ϕ)).

Por construção, f (X) é um polinômio tal que ψ = f (ψ) e se σ ∈ Sn ,


então pelo Lema 2 (iv), σF (X) = F (X). Logo
F (X) σσ1 ψ F (X) σσ2 ψ F (X) σσl ψ
σf (X) = (X−σσ1 ϕ) F ′ (σσ1 ϕ)
+ (X−σσ2 ϕ) F ′ (σσ2 ϕ)
+···+ (X−σσl ϕ) F ′ (σσl ϕ)

Pelo Lema 2 (i) e (ii), segue que σf (X) = f (X) e por (iii) segue então que
f (X) ∈ Fix(Sn )[X].

A demonstração acima nos mostra que ψ ∈ Fix(G(ϕ)) se escreve como


polinômio em ϕ com coeficientes em Fix(Sn ) de grau menor do que l = [Sn :
G(ϕ)] e nos fornece um modo prático, por meio do polinômio de interpolação
de Lagrange de calcular a expressão de ψ como polinômio em ϕ. A fim de
desfrutar do Teorema de Lagrange com toda a sua força, estabelecemos o
seguinte

TEOREMA 6.2. Seja A um domı́nio de integridade e X1 , . . . , Xn indeter-


minadas sobre A. Se H é um subgrupo de Sn , então existe ϕ ∈ A[X1 , . . . , Xn ]
tal que H = G(ϕ).
137

Demonstração: Primeiramente vamos mostrar que existe um polinômio


ξ ∈ A[X1 , . . . , Xn ] que assume n! valores distintos sob a ação de Sn . Observe
que se A é infinito, basta tomar ξ = a1 X1 + a2 X2 + · · · + an Xn com os
ai ∈ A e dois a dois distintos. Se A é finito, é possı́vel que não se disponha
de suficientes elementos de A para formar somas nas condições acima. Para
compensar isto, precisaremos tomar ξ de grau maior.
Sejam σ1 , σ2 , . . . , σr , σr+1 , . . . , σn! os elementos de Sn ordenados de modo que
σ1 = e e H = {σ1 , σ2 , . . . , σr }. Para cada σi com i 6= j, seja ji um inteiro
movido por σi . Tomemos ξ = Xj2 + Xj23 + · · · + Xjn!−1 n!
. Certamente, σi (ξ) 6= ξ
para todo σi ∈ Sn − {e}, logo σi (ξ) 6= σj (ξ) se σi 6= σj (verifique!). Considere
agora o polinômio

g(T ) = (T − σ1 (ξ))(T − σ2 (ξ)) · · · (T − σr (ξ)) ∈ A[X1 , . . . , Xn ][T ]

Seja σ ∈ H. Tem-se que

σg(T ) = (T − σσ1 (ξ))(T − σσ2 (ξ)) · · · (T − σσr (ξ)) = g(T ),

onde esta última igualdade segue do fato que se σ ∈ H, σσi assume todos os
valores de H ao variar σi em H. Portanto, g(T ) ∈ Fix[H][T ].
Por outro lado,

σr+i g(T ) = (T − σr+i σ1 (ξ))(T − σr+i σ2 (ξ)) · · · (T − σr+i σr (ξ)),

e como cada σr+i σj ∈


/ H para j = 1, . . . , r, tem-se que

{σr+i σ1 (ξ), σr+iσ2 (ξ), . . . , σr+i σr (ξ)} ∩ {σ1 (ξ), σ2 (ξ), . . . , σr (ξ)} = Φ.

Portanto σr+i g(T ) 6= g(T ) para todo i = 1, . . . n! − r.


Considere os polinômios não identicamente nulos

Gi (T ) = g(T ) − σr+i g(T ) ∈ A[X1 , . . . , Xn ][T ]

Sendo A[X1 , . . . , Xn ] um domı́nio de integridade, cada Gi (T ) tem no máximo


um número finito de raı́zes em A[X1 , . . . , Xn ]. Como Fix[Sn ] é infinito, ex-
cluindo os eventuais zeros de algum dos polinômios Gi (T ), podemos escolher
ψ ∈ Fix[Sn ] tal que Gi (ψ) 6= 0 para todo i = 1, . . . , n! − r. Logo g(ψ) é
tal que σg(ψ) = g(ψ) para todo σ ∈ H e σg(ψ) = g(ψ) para todo σ ∈ / H.
Consequentemente H = G(ϕ) onde ϕ = g(ψ).
138 CAPÍTULO 6. O MÉTODO DE LAGRANGE

Se H = An , existe uma função ϕ padrão tal que An = G(ϕ), a saber


Y
ϕ= (Xj − Xi ).
i<j

COROLÁRIO 6.2. Dado um subgrupo H de Sn , existe ϕ ∈ A[X1 , . . . , Xn ]


tal que Fix(H) = Fix(Sn )(ϕ).

Demonstração: Observe que pelo Teorema 2, existe ϕ ∈ A[X1 , . . . , Xn ]


tal que H = G(ϕ). Agora o Teorema de Lagrange nos permite concluir que
Fix(H) = Fix(G(ϕ)) = Fix(Sn )(ϕ).

Um caso particular do Corolário acima que merece destaque é quando A


é infinito e H = {e}. Neste caso existem a1 , a2 , . . . , an ∈ A distintos tais que,
colocando-se ϕ = a1 X1 + a2 X2 + · · · + an Xn , tem-se que G(ϕ) = {e} e então
K(X1 , . . . , Xn ) = Fix({e}) = Fix(Sn )(ϕ).

LEMA 6.3. Sejam H e K subgrupos de Sn tais H ⊆ K. Todo elemento de


Fix(H) é raiz de um polinômio com coeficientes em Fix(K) de grau [K : H].

Demonstração: Sejam σ1 H, σ2 H, . . . , σr H as classes laterais de H em K,


onde r = [K : H]. Seja ϕ ∈ Fix(H) e considere o polinômio

F (X) = (X − σ1 (ϕ))(X − σ2 (ϕ)) · · · (X − σr (ϕ)).

F (X) tem grau r = [K : H], F (ϕ) = 0 e σF (X) = F (X) para todo σ ∈ K,


consequentemente F (X) ∈ Fix(K)[X].

Passamos agora à descrição do método de Lagrange.

Sejam k um corpo qualquer e X1 , X2 , . . . , Xn indeterminadas sobre k.


Estas indeterminadas são raı́zes da equação a0 + a1 X + · · · + an Xn = 0 onde

an−1 = −s1 (X1 , . . . , Xn ),


an−2 = s2 (X1 , . . . , Xn ),
..
.
a0 = (−1)n sn (X1 , . . . , Xn )
139

O plano de Lagrange era tentar calcular X1 , X2 , . . . , Xn em função de


a1 , a2 , . . . , an−1 , usando a seguinte estratégia: Determinar uma seqüência de
subgrupos de Sn :
{e} ⊆ Hr ⊆ Hr−1 ⊆ · · · ⊆ H1 ⊆ H0 = Sn
e polinômios ϕ0 , ϕ1 , . . . ϕr ∈ k[X1 , X2 , . . . Xn ] tais que Hi = G(ϕi ) para
i = 0, 1, . . . , n (Teorema 2). Cada ϕi i = 1, . . . , r é raiz de um polinômio
pi (X) com coeficientes em Fix(Hi ) = Fix(Sn )(ϕi ) de grau [Hi−1 : Hi ] (Lema
3). Estes polinômios se calculam com a técnica usada na demonstração do
Lema 3. As equações p1 (X) = 0, p2 (X) = 0 , . . . , pn (X) = 0. são chamadas
resolventes de Lagrange.

Para melhor compreensão façamos o seguinte diagrama

k(X1 , . . . , Xn ) = k(s1 , . . . , sn )(ϕr ) ← {e} = Hr = G(ϕr )


/ \
pr (X) = 0 ∪ ∩ [Hr−1 : Hr ]
\ /
k(s1 , . . . sn )(ϕr−1 ) ← Hr−1 = G(ϕr−1 )

∪ ∩
.. ..
. .
∪ ∩

k(s1 , . . . sn )(ϕ1 ) ← H1 = G(ϕ1 )


/ \
p1 (X) = 0 ∪ ∩ [H0 : H1 ]
\ /
k(s1 , . . . , sn ) = k(s1 , . . . , sn )(ϕ0 ) ← Sn = H 0 = G(ϕ0 )

A esperança de Lagrange era que as suas resolventes fossem mais simples


de se resolver do que a equação original. Para isto conta-se com a possibi-
lidade de escolher a seqüência dos subgrupos, os ϕi e também k segundo as
conveniências.

Resolvendo-se
p1 (X) = 0
140 CAPÍTULO 6. O MÉTODO DE LAGRANGE

onde p1 (X) ∈ Fix(H0 )[X] = k(s1 , . . . , sn ) = k(a0 , . . . , an−1 )[X], calcular-se-


ia ϕ1 em função de a0 , . . . , an−1 .

Resolvendo-se
p2 (X) = 0
onde p2 (X) ∈ Fix(H1 )[X] = k(s1 , . . . , sn )(ϕ1 )[X] = k(a0 , . . . , an−1 )(ϕ1 )[X],
calcular-se-ia ϕ2 em função de ϕ1 e de a0 , . . . , an−1 , logo em função de
a0 , . . . , an−1 .

Continuando deste modo e finalmente resolvendo a equação

pr (X) = 0

calcular-se-ia ϕr em função de a0 , . . . , an−1 . Como Xi ∈ k(X1 , . . . , Xn ) que é


igual a Fix(G(ϕr )) , usando a técnica utilizada na demonstração do Teorema
de Lagrange, poder-se-ia calcular Xi em função de a0 , . . . , an−1 e de ϕr e
portanto em função de a0 , . . . , an−1 , ficando assim resolvida a equação.

Veremos agora como Lagrange utilizou com sucesso esta estratégia para
resolver as equações gerais do 30 e 40 graus e a dificuldade na qual esbarrou
na tentativa de resolver a equação de 50 grau.

Exemplo 1 : Resolução de Lagrange da equação geral do 30 grau.

Sejam X1 , X2 , X3 indeterminadas sobre um corpo k. Supõe-se que k seja


um subcorpo de C. X1 , X2 , X3 são raı́zes do polinômio

a0 + a1 X + a2 X 2 + X 3 (6.1)

onde a2 = −s1 (X1 , X2 , X3 ), a1 = s2 (X1 , X2 , X3 ) e a0 = −s3 (X1 , X2 , X3 ).


É claro que k(a0 , a1 , a2 ) = k(s0 , s1 , s2 ) = Fix(Sn ). Considere a seguinte
seqüência de subgrupos de S3 : {e} ⊂ A3 ⊂ S3 . Sejam

ψ = X1 + aX2 + bX3

com a, b ∈ k, a 6= 1, b 6= 1, a 6= b e

ϕ = (X2 − X1 )(X3 − X2 )(X3 − X1 ).

Temos que {e} = G(ψ) e A3 = G(ψ). Temos então a seguinte situação:


141

k(X1 , X2 , X3 ) = k(a0 , a1 , a2 )(ψ) ← {e}


\
∪ ∩ [A3 : {e}] = 3
/
k(a0 , a1 , a2 )(ϕ) ← A3
\
∪ ∩ [S3 : A3 ] = 2
/
k(a0 , a1 , a2 ) ← S3

Pelo fato que [S3 : A3 ] = 2 segue que ϕ é raiz de uma equação de grau 2
com coeficientes em k(a0 , a1 , a2 ). De fato, ϕ2 = −D onde D é o discriminante
do polinômio (1) (veja Proposição 1, Capı́tulo ?? seção ??),
√ logo ϕ é uma
2
das raı́zes da equação X + D = 0 que simbolizaremos por −D.

Como [A3 : {e}] = 3, segue que√ψ é raiz de uma equação com coeficientes
= k(a0 , a1 , a2 )( −D)de grau 3.Sendo A3 formado
em k(a0 , a1 , a2 )(ϕ)   pelas

1 2 3 1 2 3 1 2 3
permutações σ1 = , σ2 = e σ3 =
1 2 3 3 1 2 2 3 1
temos que a equação satisfeita por ψ é

(X − σ1 (ψ))(X − σ2 (ψ))(X − σ3 (ψ)) = 0.

Ou seja,

X 3 − s1 (σ1 ψ, σ2 ψ, σ3 ψ)X 2 + s2 (σ1 ψ, σ2 ψ, σ3 ψ)X − s3 (σ1 ψ, σ2 ψ, σ3 ψ) = 0


(6.2)
Poder-se-ia calcular facilmente o valor de ψ, se nesta equação os coefici-
entes dos termos de 20 e do 10 graus fossem nulos. Como ψ depende de a
e b, vejamos como é possı́vel, com uma escolha adequada destes, alcançar o
que se deseja.

Contas diretas, porém um pouco longas, nos fornecem

s1 (σ1 ψ, σ2 ψ, σ3 ψ) = (1 + a + b) · s1 (X1 , X2 , X3 )
s1 (σ1 ψ, σ2 ψ, σ3 ψ) = (a + ab + b) · s21 (X1 , X2 , X3 )X+
(1 − a − b − ab + a2 + b2 ) · s2 (X1 , X2 , X3 )
142 CAPÍTULO 6. O MÉTODO DE LAGRANGE

Para que se anulem estas funções das raı́zes, sendo as funções simétricas
elementares algebricamente independentes (Corolário 1 do Teorema 1, seção
4), é necessário e suficiente que

1+a+b=0
a + ab + b = 0
a2 + b2 − ab − a − b + 1 = 0

Das equações duas primeiras equações acima obtemos a+b = −1 e ab√= 1,


logo a e b√são raı́zes da equação X 2 + X + 1 = 0 e estas são w = −1+2 3 i e
w 2 = −1−2 3 i . Pomos então a = w e b = w 2 o que é compatı́vel com a última
equação.

Passamos agora à escolha do corpo k de modo que ele contenha w e


w . O menor subcorpo k de C que contem w e w 2 é k = Q(w). Assim
2

ψ = X1 + wX2 + W 2 X3 e s3 (σ1 ψ, σ2 ψ, σ3 ψ) = ψ · wψ · w 2 ψ = ψ 3 , logo a


equação (2) passa a ser

X 3 − ψ3 = 0 (6.3)

Como este polionômio está em k(a0 , a1 , a2 )( −D), segue que
 facilmente
 que
√ 1 2 3
ψ 3 ∈ k(a0 , a1 , a2 )( −D). Sendo A3 e τ1 A3 , onde τ1 = , as
1 3 2
classes laterais em S3 em relção ao subgrupo A3 , tem-se que ψ 3 é raiz do
polinômio

(X − ψ 3 )(X − τ1 ψ 3 ) ∈ k(a0 , a1 , a2 ) (6.4)

Pelo exemplo 6 e exercı́cio 9, Capı́tulo 11, seção 1, podemos obter que


ψ · τ1 ψ = −3a1 + a22 e substituindo os valores de ψ 3 , τ1 ψ 3 e ψ 3 + τ1 ψ 3 alı́
encontrados na equação acima, temos que ψ 3 e τ1 ψ 3 são raı́zes da equação

X 2 − (−2a32 + 9a1 a2 − 27a0 )X + (−3a1 + a22 )3 = 0 (6.5)

Temos então que



3 −2a32 +9a1 a2 −27a0 + (−2a32 +9a1 a2 −27a0 )2 −4(−3a1 +a22 )3
ψ = 2
e √
−2a32 +9a1 a2 −27a0 − (−2a32 +9a1 a2 −27a0 )2 −4(−3a1 +a22 )3
τ1 ψ 3 = 2
143

Extraindo as raı́zes cúbicas das expressões acima, levando em conta que se


tem ψ · τ1 ψ = −3a1 + a22 , obtemos o seguinte sistema de equações lineares


 X1 + X2 + X3 = −a2
X1 + wX2 + w 2 X3 = ψ

X1 + w 2 X2 + wX3 = τ1 ψ

cuja resolução nos fornecem as fórmulas de Cardan.

Exemplo 2 : Resolução de Lagrange da equação geral do 40 grau.

Sejam X1 , X2 , X3 , X4 indeterminadas sobre um subcorpo k do corpo dos


números complexos. Estas são raı́zes do polinômio

X 4 + a3 X 3 + a2 X 2 + a1 X + a0

onde

a3 = −s1 (X1 , X2 , X3 , X4 )
a2 = s2 (X1 , X2 , X3 , X4 )
a1 = −s3 (X1 , X2 , X3 , X4 )
a0 = s4 (X1 , X2 , X3 , X4 )

Considere a seguinte seqüência de subgrupos de S4 : {e} ⊂ G4 ⊂ G8 ⊂ S4 ,


onde

G8 = {e, (1 2), (3 4), (1 2)(3 4), (1 3)(2 4), (1 4)(2 3), (1 4 2 3), (1 3 2 4)} e
G4 = {e, (1 2), (3 4), (1 2)(3 4)}

Seja ϕ1 = X1 +X2 −X3 −X4 . É fácil verificar que G8 = G(ϕ21 ) e G4 = G(ϕ1 ).


Temos então
144 CAPÍTULO 6. O MÉTODO DE LAGRANGE

k(X1 , X2 , X3 , X4 ) ← {e}
\
∪ ∩ [G4 : {e}] = 4
/
k(a0 , a1 , a2 , a3 )(ϕ1 ) ← G4
\
∪ ∩ [G8 : G4 ] = 2
/
k(a0 , a1 , a2 , a3 )(ϕ21 ) ← G8
\
∪ ∩ [S4 : G8 ] = 3
/
k(a0 , a1 , a2 , a3 ) ← S4

Como [S4 : G8 ] = 3, ϕ21 assume tres valores distintos sob a ação de S4 ,


que são ϕ21 , ϕ22 e ϕ23 onde ϕ2 = X1 + X3 − X2 − X4 e ϕ3 = X1 + X4 − X2 − X3 .
Logo ϕ21 é raiz do polinômio

(X − ϕ21 )(X − ϕ22 )(X − ϕ23 ) =


= X 3 − σ1 (ϕ21 , ϕ22 , ϕ23 )X 2 + σ2 (ϕ21 , ϕ22 , ϕ23 )X − σ3 (ϕ21 , ϕ22 , ϕ23 ) ∈ k(a0 , a1 , a2 , a3 ).

Cálculos diretos (porém tediosos) nos fornecem

σ1 (ϕ21 , ϕ22 , ϕ23 ) = 3a32 − 8a2


σ2 (ϕ21 , ϕ22 , ϕ23 ) = 3a43 − 16a3 a1 + 16a22 − 64a0
σ3 (ϕ21 , ϕ22 , ϕ23 ) = (a33 − 4a3 a2 + 8a1 )2

Temos então que ϕ21 , ϕ22 e ϕ23 são raı́zes da seguinte resolvente de Lagrange:

X 3 − (3a32 − 8a2 )X 2 + (3a43 − 16a3 a1 + 16a22 − 64a0 )X − (a33 − 4a3 a2 + 8a1 )2 .

Calculando os valores de ϕ21 , ϕ22 e ϕ23 , os valores de (ϕ1 , ϕ2 e ϕ3 ) se calcu-


lam por extração de raı́zes quadradas. Temos então o seguinte sistema:


 X1 + X2 + X3 + X4 = −a3

X1 + X 2 − X 3 − X 4 = ϕ 1

 X1 − X 2 + X 3 − X 4 = ϕ 2

X1 − X 2 − X 3 + X 4 = ϕ 3
145

cuja resolução nos fornecem as raı́zes X1 , X2 , X3 e X4 em função dos coefici-


entes a0 , a1 , a2 e a3 .

Exemplo 3 : Dificuldade de Lagrange na tentativa de resolver a equação


do 50 grau.

Sejam X1 , X2 , X3 , X4 e X5 indeterminadas sobre um corpo k. Estas são


raı́zes da equação

X 5 + a4 X 4 + a3 X 3 + a2 X 2 + a1 X + a0 = 0

com os ai , como de costume, sendo as funções simétricas elementares em


X1 , X2 , X3 , X4 e X5 . A dificuldade ocorre na hora de escolher os subgrupos
de S5 :

10 Caso: Se a seqüência é {e} ⊂ · · · ⊂ G ⊂ A5 ⊂ S5 , sucede que


[A5 : G ≥ 5].

20 Caso: Se a seqüência é {e} ⊂ · · · ⊂ G ⊂ S5 com G 6= A5 , sucede que


[S5 : G] ≥ 5.
Estes fatos serão demonstrados no Capı́tulo 9 seção .... Tem-se então que
as primeiras resolventes de Lagrange já são de grau no mı́nimo 5 e portanto
não ocorre abaixamento do grau da equação original. Isto sugere, porém não
prova, que as equações do 50 grau não possam ser resolvidas por radicais, pois,
poderia ocorrer que as resolventes de Lagrange, apesar de grau alto, fossem
mais fáceis de ser resolvidas do que a equação original. A impossibilidade da
resolução por meio de radicais da equação geral do 50 grau foi demonstrada
poucos anos depois por P. Ruffini cuja demonstração continha ainda algumas
falhas. Posteriormente N. H. Abel demonstrou definitivamente este fato. A
demonstração que se usa dar atualmente deste fato é a de Galois e será feita
no capı́tulo 9.
146 CAPÍTULO 6. O MÉTODO DE LAGRANGE
Capı́tulo 7

EXTENSÕES DE CORPOS

Iniciaremos neste capı́tulo o estudo de um dos assuntos mais importantes


da Álgebra cuja origem se confunde com a Teoia de Galois cujos objetivos
são extensões particulares de corpos relacionados com equações algébricas. A
teoria elementar que desenvolveremos neste caı́tulo será suficiente para discu-
tirmos na seção ... alguns problemas geométricos clássicos como por exemplo
a possibilidade de realizar ou não certas construções geométricas com o uso
apenas da régua e do compasso. Necessitaremos de alguns pré-requisitos de
Álgebra Linear tais como as noções de espaço vetorial, subespaço vetorial,
dimensão e base com os quais admitimos o leitor familiarizado.

7.1 A Álgebra Linear da Extensão de Corpos


Sejam L e K dois corpos tais que K é um subcorpo de L. Recorde que
L
nesta situação dizemos que L é uma extensão de K e escrevemos L|K ou | .
K
Se L é uma extensão de K, então L é um K-espaço vetorial. Define-se o
grau da extensão L | K, denotando-se por [L : K], como sendo a dimensão
de L como K-espaço vetorial.

Se o grau da extensão L | K for finito, dizemos que L é uma extensão


finita de K, ou simplesmente que L | K é finita. Por exemplo, C | R é uma

147
148 CAPÍTULO 7. EXTENSÕES DE CORPOS

extensão finita pois {1, i} é uma base de C sobre R. Por outro lado, se X
é uma indeterminada sobre um corpo K, então a extensão K(X) | K não é
finita pois {1, X, X 2 , . . .} são linearmente independentes sobre K, e portanto
K(X) não é de dimensão finita sobre K.

Se M |L e L|K são extensões de corpos, então claramente M |K é uma ex-


tensão. Vejamos agora como se comporta a finitude das extensões em cadeias.

PROPOSIÇÃO 7.1. Sejam M | L e L | K extensões finitas. Então M | K


é finita e [M : K] = [M : L] · [L : K].
Demonstração: Sejam B1 = {u1 , . . . , un } e B2 = {v1 , . . . , vm } respectiva-
mente bases de M | L e L | K. Vamos provar que
B = {wij = uivj | i = 1, . . . , n, j = 1, . . . , m}
é uma base de M | K. Inicialmente provaremos que B gera M sobre K. Seja
γ ∈ M. Como B1 é uma base de M | L, existem a1 , . . . , an ∈ L tais que
n
X
γ= ai ui .
i=1

Como cada ai pertence a L e como L é gerado sobre K por B2 , existem


bij ∈ K, i = 1, . . . , n, j = 1, . . . , m tais que
m
X
ai = bij vj , i = 1, . . . , n.
i=1

Substiutuindo a expressão de ai dada acima na expresão de γ obtemos


n m
! n X m
X X X X
γ= bij vj ui = bij uivj = bij wij .
i=1 j=1 i=1 j=1 i,j

com bij ∈ K. Isto prova que B gera M sobre K.

Vamos agora provar que B é um conjunto de elementos de M linearmente


independente sobre K. Suponha que para alguns bij ∈ K se tenha
X
bij wij = 0
i,j
7.1. A ÁLGEBRA LINEAR DA EXTENSÃO DE CORPOS 149

segue que !
X X X
0= bij wij = bij vj ui .
i,j i j
P
Como j bij vj ∈ L e {u1, . . . , un } é linearmente independente sobre L, temos
que X
bij vj = 0 para cada i = 1, . . . , n.
j

Por sua vez, {v1 , . . . , vm } é linearmente independente sobre K e os bij são ele-
mentos de K, logo bij = 0, para todos i = 1, . . . , n e j = 1, . . . , m, provando
assim que B é um conjunto de elementos de M linearmente independente
sobre K.

Sejam L | K uma extensão de corpos e α ∈ L. Diremos que α é algébrico


sobre K se existir um polinômio p(X) ∈ K[X] − {0} tal que p(α) = 0. Entre
todos os polinômios p(X) tais que p(α) = 0 existe um que se destaca sobre
os demais como veremos a seguir.

PROPOSIÇÃO 7.2. Sejam uma extensão e algébrico sobre K. São equiva-


lentes as seguintes condições sobre um polinômio p(X) ∈ K[X] − {0}.

(i) p(X) é irredutı́vel em K[X] e p(α) = 0.


(ii) Se q(X) ∈ K[X] e q(α) = 0 então p(X) | q(X).
(iii) p(X) é um polinômio de menor grau tal que p(α) = 0.

Além disso, de todos os polinômios p(X) satisfazendo uma das condições


equivalentes acima, existe um único que é mônico.

Demonstração: Considere o conjunto I = {q(X) ∈ K[X] | q(α) = 0}. É


fácil ver que este conjunto é um ideal não nulo de K[X]. Por outro lado, este
ideal é primo pois se q1 (X), q2 (X) ∈ K[X] são tais que q1 (X) · q2 (X) ∈ I,
segue que q1 (α) · q2 (α) = 0, portanto, q1 (α) = 0 ou q2 (α) = 0 e consequente-
mente, q1 (X) ∈ I ou q2 (X) ∈ I. Note que K[X] sendo um domı́nio principal,
I é gerado por um polinômio p(X) caracterizado por (ii) e por (iii). Sendo
I primo, I é gerado por um elemento primo (cf....), o que é o mesmo que
irredutı́vel visto que K[X] é um D.F.U. Esta última condição sobre o gerador
de I é caracterizado por (i). A unicidade de p(X) mônico satisfazendo a uma
150 CAPÍTULO 7. EXTENSÕES DE CORPOS

das condições acima decorre da unicidade do gerador mônico do ideal I.

O único polinômio mônico satisfazendo a uma das condições equivalentes


da Proposição 2 é chamado polinômio mı́nimo de α.

Define-se o grau de um elemento algébrico α ∈ L sobre K como sendo o


grau do seu polinômio mı́nimo.

Exemplo 1 : 2 é algébrico sobre Q pois é raiz do polinômio p(X) = X 2 −2
que tem coeficientes em Q. Como este √ polinômio é irredutı́vel
√ em Q[X] (jus-
tifique!), ele é o polinômioo mı́nimo de 2. Portanto 2 é de grau 2 sobre Q.

Exemplo 2 : 3 2 é algébrico de grau 3 sobre Q com polinômio mı́nimo
p(X) = X 3 − 2 ∈ Q[X], que é irredutı́vel pelo critério de Einsenstein.

Exemplo 3 : Todo elemento α ∈ K é algébrico de grau 1 sobre K com


polinômio mı́nimo p(X) = X − α ∈ K[X].

Exemplo 4 : Todo número racional gaussiano, isto é da forma a + b i com


a, b ∈ Q, é algébrico sobre Q pois é raiz do polinômio p(X) = X 2 − 2aX +
a2 + b2 . Logo o grau de a + b i sobre Q é menor ou igual a 2. Verifica-se
facilmente que o grau é dois se e somente se b 6= 0.
√ √
Exemplo 5 : α = 3 2 + 5 é algébrico√sobre √Q. De fato, elevando-se ao
cubo ambos
√ os membros
√ da igualdade α − 5 = 3 2, obtemos imediatamente
α3 − 3 5α2 + 15α − 5 5 = 2, donde
√ √
α3 + 15α − 2 = (3 5α2 + 5) 5 (7.1)
Elevando ao quadrado ambos os membros desta última igualdade, vemos que
α é raiz do polinômio p(X) = X 6 − 15X 4 − 4X 3 + 75X 2 − 60X − 121 ∈ Q[X].

Note que nada sabemos ainda sobre a irredutibilidade ou não do polinômio


p(X) do exemplo acima. Os critérios de irredutibilidade que estudamos no
Capı́tulo 3 nada nos permitem concluir em relação a isto e o método de fa-
toração de Kronecker está fora de cogitação pela extensão dos cálculos que
são envolvidos. Veremos mais adiante como o conhecimento da origem de
p(X) nos permitirá provar a sua irredutibilidade.
7.1. A ÁLGEBRA LINEAR DA EXTENSÃO DE CORPOS 151

Uma extensão L | K é dita uma extensão algébrica se todo elemento de L


é algébrico sobre K.

PROPOSIÇÃO 7.3. Toda extensão finita é algébrica.


Demonstração: Sejam L|K uma extensão finita e α ∈ L. Para n = [L : K]
temos que é {1, α, . . . , αn } é linearmente dependente sobre K e isto nos for-
nece uma relação a0 + a1 α + · · · + an αn = 0 com ai ∈ K não todos nulos.
Logo α é algébrico sobre K.

Dada uma extensão L | K, todo elemento de L que não é algébrico sobre


K é dito transcendente sobre K. Todo número complexo algébrico sobre
Q é chamado de número algébrico, caso contrário ele é chamado de número
transcendente. Existem dois números transcendentes famosos, o número e,
base dos logaritmos naturais, e o número π, razão entre o comprimento de
uma circunferência e o seu diâmetro. A transcendência desses números só
foi demonstrada no final do século XIX e se constitue em dois teoremas não
triviais que se demonstram com técnicas de Análise Matemática.

Com relação aos elementos algébricos temos o seguinte resultado funda-


mental

PROPOSIÇÃO 7.4. Seja α um número algébrico sobre K e seja n o grau


do seu polinômio mı́nimo. Então [K(α) : K] = n e {1, α, . . . , αn−1} é uma
base de K(α) sobre K.
Demonstração: Seja p(X) o polinômio mı́nimo de α sobre K. A aplicação
ψ : K[X] −→ L
f (X) 7−→ f (α)
é um homomorfismo de anéis cujo núcleo é precisamente o ideal
I = {g(X) ∈ K[X] | g(α) = 0},
que definimos na demonstração da Proposição 2. Como α é algébrico, temos
que I 6= 0 e é gerado por p(X) que é primo. Logo I é maximal (cf......). Pelo
Teorema do Isomorfismo (I-7 ........) temos que
K[X]

g→ Im(ψ) = K(α)
I
152 CAPÍTULO 7. EXTENSÕES DE CORPOS

Sendo K[X]
I
um corpo (cf. I-7....) temos que K[α] é um corpo e portanto
K[α] = K(α). Vamos agora provar que {1, α, . . . , αn−1 } gera K(α) sobre
K. Seja β ∈ K(α). Pela igualdade K[α] = K(α), existe f (X) ∈ K[X]
tal que β = f (α). Pelo algoritmo da divisão em K[X], existem polinômios
q(X), r(X) ∈ K[X] com r(X) = a0 + a1 X + · · · + an−1 X n−1 tais que

f (X) = p(X)q(X) + a0 + a1 X + · · · + an−1 X n−1 .

Logo f (α) = p(α)q(α)+a0 +a1 α+· · ·+an−1 αn−1 = a0 +a1 α+· · ·+an−1 αn−1,
e portanto K(α) é gerado por {1, α, . . . , αn−1} sobre K.

Falta agora verificar que o conjunto {1, α, . . . , αn−1} é linearmente inde-


pendente sobre K. Ora, suponha que existam a0 , a1 , . . . , an−1 ∈ K tais que
a0 + a1 α + · · · + an−1 αn−1 = 0. Como n é o grau do polinômio mı́nimo de α,
segue que a0 = a1 = . . . = an−1 = 0 .

Exemplo 6 : Da Proposição 3 e dos Exemplos 1, 3 e 5 temos que


√  √
Q √2 = {a + b√2 | a,√b ∈ Q}
Q 3 2 = {a + b 3 2 + 3 4 | a, b, c ∈ Q}
√ √
Exemplo 7 : Entre Q( 3 2) e Q não há corpos intermediários pois [Q( 3 2) :
Q] = 3 e para todo corpo intermediário K, devemos ter: se n = [K : Q]
então n divide 3 e n 6= 1, 3, o que é impossı́vel.

PROPOSIÇÃO 7.5. Sejam L|K uma extensão de corpos e α1 , . . . , αr ∈ L.


As seguintes condições são equivalentes:
(i) α1 , . . . , αr são algébricos sobre K.
(ii) [K(α1 , . . . , αr ) : K] < ∞.
(iii) K(α1 , . . . , αr ) | K é uma extensão algébrica.

Demonstração: (i) → (ii): Segue das Proposições 1 e 4 e indução,


considerando-se as seguintes extensões intermediárias

K(α1 ) | K, K(α1 , α2 ) | K(α1 ) e K(α1 , . . . , αr ) | K(α1 , . . . , αr−1 ).

(ii) → (iii): Segue da Proposição 3.


(iii) → (i): Segue da definição de extensão algébrica.
7.1. A ÁLGEBRA LINEAR DA EXTENSÃO DE CORPOS 153

COROLÁRIO 7.1. Seja L | K uma extensão de corpos. O conjunto A dos


elementos de L que são algébricos sobre K é um subcorpo de L.
Demonstração: Basta mostrar que se α, β ∈ A então α−β ∈ A e se β 6= 0
então αβ ∈ A (cf. I-7......). Ora, se α, β ∈ A, então pela Proposição 5 temos
que K(α, β) | K é finita, logo novamente pela Proposição 5, todo elemento
de K(α, β) é algébrico sobre K e portanto α−β ∈ A e se β 6= 0, então αβ ∈ A.

Segue do corolário acima que o conjunto AQ dos números reais algébricos


sobre Q é um corpo que é uma extensão de Q, chamado corpo dos números
reais algébricos. Esta extensão é algébrica mas não finita, mostrando assim
n
que não vale a recı́proca da Proposição 3. De fato, o polinômio X √ −2∈Q
n
é irredutı́vel para todo n ∈ N (Critério de Einsenstein), logo Q[ 2] é um
subcorpo de AQ de grau n sobre Q (Proposição 4). Como n é arbitrário,
vemos que [AQ : Q] = ∞. Segue disto que [R : Q] = ∞ .

Exemplo 8 : Vamos determinar


√ √ o grau da extensão Q(α) | Q introduzida
3
no Exemplo 5, onde α = 2 + 5. Inicialmente demonstraremos que
√ √  √ √ 
3 3
Q 2+ 5 =Q 2, 5 .
√ √  √ √ 
De fato, é claro que Q 3 2 + 5 ⊆ Q 3 2, 5 . Por outro lado, da relação
(..) no Exemplo 5, temos que
√ α3 + 15α − 2
5= ∈ Q(α).
3α2 + 5
e portanto

3
√ α3 + 15α − 2
2=α− 5=α− ∈ Q(α).
3α2 + 5
Considere agora o seguinte diagrama de extensões com as respectivas di-
mensões √ √  √ √ 
Q 3 2 + 5 = Q 3 2, 5

√3
 / \ √ 
Q 2 Q 5
\ 3 2 /

Q
154 CAPÍTULO 7. EXTENSÕES DE CORPOS

Como pelo Exemplo 5 temos que [Q(α) : Q] = n < 6 e que pela Proposição
1 2 | n e 3 | n, segue que n = 6. Logo [Q(α) : Q] = 6 e o polinômio

p(X) = X 6 − 15X 4 − 4X 3 + 75X 2 − 60X − 121


√ √
é o polinômio mı́nimo de α = 3 2 + 5 sobre Q e portanto irredutı́vel em
Q[X]. Além disso temos

Q(α) = {a0 + a1 α + a2 α2 + a3 α3 + a4 α4 + a5 α5 | ai ∈ Q, i = 1, . . . , 5}.

Exemplo 9 : Seja K um corpo de caracterı́stica diferente de 2. Se L | K é


uma extensão de grau 2, então existe α ∈ L tal que L = K(α) e α2 ∈ K.

De fato, se β ∈ L\K, então {1, β} é uma base de L sobre K e L = K(β).


Tem-se portanto que existem a, b ∈ K tais que β 2 = a + bβ, logo
 2
b b2
β− =a+ .
2 4

Ponhamos α = β − 2b . Como α ∈ L\K temos que {1, α} é uma base de L


sobre K, logo
b2
L = K(α) com α2 = a + ∈ K.
4
Os seguintes resultados dizem respeito às extensões algébricas:

PROPOSIÇÃO 7.6. Sejam M | L e L| K extensões algébricas, então M | K


é algébrica.
Demonstração: Seja α ∈ M. Como M |L é algébrica, existe um polinômio
p(X) = a0 +a1 X +· · · an X n ∈ L[X] tal que p(α) = 0. Segue que α é algébrico
sobre K(a0 , . . . , an ), logo, pela Proposição 5, temos que

[K(a0 . . . , an , α) : K(a0 , . . . , an )] < ∞.

Por sua vez, sendo a0 , a1 , . . . , an ∈ L, eles são algébricos sobre K e portanto,


pela Proposição 5, [K(a0 , . . . , an ) : K] < ∞. Pela Proposição 1, segue então
que

[K(a0 , . . . , an , α) : K] =
= [K(a0 , . . . , an , α) : K(a0 , . . . , an )] · [K(a0 , . . . , an ) : K] < ∞.
7.1. A ÁLGEBRA LINEAR DA EXTENSÃO DE CORPOS 155

Logo, pela Proposição 5, α é algébrico sobre K.

A recı́proca da Proposição 6 é trivialmente verdadeira.


PROPOSIÇÃO 7.7. Uma extensão L|K é algébrica se, e somente se, todo
subanel de L que contém K é um corpo.
Demonstração: Suponha que L | K seja uma extensão algébrica e seja A
um subanel de L que contém K. Queremos provar que α1 ∈ A para todo
α ∈ A − {0}. De fato, sendo L | K algébrica, existe uma relação polinomial
em α com coeficientes em K, a0 + a1 α + · · · + αn = 0, com a0 6= 0. Logo,
 
1 a1 a2 an−1 n−2 n−1
=− + α+···+ α +α ∈A
α a0 a0 a0
Reciprocamente, suponha que todo subanel A de L que contém K seja um
corpo. Seja α ∈ L − {0}. Considere o subanel K[α] de L. Por hipótese K[α]
é um corpo, logo α1 ∈ K[α], e portanto, existem a0 , a1 , . . . , an ∈ K tais que
1
α
= a0 + a1 α + · · · + an αn , logo, an αn+1 + · · · + a1 α2 + a0 α − 1 = 0 é uma
relação polinomial não trivial em α com coeficientes em K, logo α é algébrico
sobre K. Com isto provamos que L | K é uma extensão algébrica.

COROLÁRIO 7.2. Sejam L | K uma extensão de corpos e α1 , . . . , αr ∈ L.


Os elementos α1 , . . . , αr são algébricos sobre K se, e somente se, vale a
igualdade K[α1 , . . . , αr ] = K(α1 , . . . , αr ).

PROBLEMAS 7.1.

1. Para cada número real α abaixo determine o seu polinômio mı́nimo e


uma base de Q[α] | Q.
p √ p √
c) α = √ 1 √
3 4
a) α = 2 + 2 b) α = 1 + 3
q 5+ 3
p √ p √ √
d) α = 2 + 3 e) α = 2 + 2 + 2 f) α = 1 + 5 4
√√
2. (a) Mostre que 2 + 3 é algébrico sobre Q.
√ √  √ √ 
(b) Mostre que Q 2 + 3 = Q 2, 3 .
156 CAPÍTULO 7. EXTENSÕES DE CORPOS
√ √
(c) Calcule o polinômio
√ √ mı́nimo de 2 + 3 sobre Q e determine uma
base de Q 2 + 3 sobre Q.
√  √ 
3. (a) Mostre que Q i, 3 2 = Q i + 3 2 .

(b) Mostre que i+ 3 2 é algébrico sobre Q e determine o seu polinômio
mı́nimo.
p √  √ 
4. (a) Calcule o grau de Q 2+ 2 | Q 2 .
p √ 
(b) Mostre que todo elemento de Q 2 + 2 se escreve de modo
p √ √
único na forma p + q 2 + 2, onde p e q são da forma a + b 2
com a, b ∈ Q.
√ √
3+ 2+ 2
(c) Represente √ √ na forma do ı́tem (b).
5−2 2+ 2

5. Seja L | K uma extensão de corpos tal que [L : K] = n(< ∞). Mostre


que
(a) Para todo α ∈ L o grau do polinômio mı́nimo de α sobre K divide
n.
(b) Se p(X) ∈ K[X] é irredutı́vel tal que gr(p(X)) não divide n então
p(X) não tem raı́zes em L.
√n 
(c) X 3 − 2 não tem raı́zes em Q 2 2 , para todo n ∈ N.
(d) Se n é primo, não há corpos intermediários entre K e L, e neste
caso, L = K(α) para todo α ∈ L\K.

7.2 Construções com Régua e Compasso


Os gregos antigos nos legaram alguns problemas relacionados com cons-
truções geométricas a serem realizadas apenas com régua não graduada e
compasso. Estes problemas desafiaram a mente humana durante vários
milênios e só tiveram resposta completa e definitiva no século XIX quando a
Álgebra e a Análise já estavam suficientemente desenvolvidas para lhes dar
respostas.
7.2. CONSTRUÇÕES COM RÉGUA E COMPASSO 157

Dentre os problemas que os gregos sabiam resolver estão os seguintes:

1. Dados um ponto e uma reta, traçar uma reta perpendicular à reta dada
passando pelo ponto.

2. Dados uma reta e um ponto, traçar pelo ponto uma reta paralela à reta
dada.

3. Divisão de segmentos em quallquer número de partes iguais

n 

 
 
 
 
2   

1  
 
   
   
 
    
A B

4. Bissecção de um ângulo qualquer.








OH
H
HH
HH
HH
HH
HH

5. Transportar, somar e subtrair ângulos.


158 CAPÍTULO 7. EXTENSÕES DE CORPOS

6. Dados segmentos de comprimentos a e b, construir segmentos de com-


primentos a · b e ab





 
 a·b
 

a  a
1 b  1
a
 
b b

7. Dado um √
segmento de comprimento a construir um segmento de com-
primento a.
8. Construção dos polı́gonos regulares inscritos de 3, 4, 5, 6, 8, 10, 12, 15,
16, 20 e de 2n lados.
Os problemas geométricos são formulados em geral como segue:

Dado um conjunto de pontos no plano, achar a partir destes outros pon-


tos do plano que tenham certas relações com os pontos dados, usando régua
e compasso.

Um ponto P do plano é construtı́vel com régua e compasso a partir de um


conjunto de pontos S = {P1 , P2 , . . . , Ps }, s ≥ 2, se existir uma seqüência
de pontos do plano Q1 , Q2 , . . . , Qn = P , tais que Qi é obtido a partir do
conjunto Si = S ∪ {Q1 , Q2 , . . . , Qi−1 } de um dos seguintes modos:
1. Qi é ponto de interseção de retas, cada uma delas definida por dois
pontos de Si .
2. Qi é ponto de interseção de uma reta determinada por dois pontos de
Si e de uma circunferência com centro num ponto de Si e raio igual à
distância entre dois pontos de Si .
3. Qi é ponto de interseção de duas circunferências com centros em pontos
de Si e raios iguais a distâncias entre pontos de Si .
7.2. CONSTRUÇÕES COM RÉGUA E COMPASSO 159

Com o propósito de algebrizar o problema, identificamos o plano onde


estão os pontos de S com C de modo que P1 coincida com z1 = 0, P2 com
z2 = 1, P3 com z3 , . . . e Ps com zs .

Denotaremos por C(z1 , . . . , zs ) o conjunto dos pontos construtı́veis com


régua e compasso a partir de S. É claro que z1 , . . . , zs ∈ C(z1 , . . . , zs ).

PROPOSIÇÃO 7.8. C(z1 , . . . , zs ) é um subcorpo de C, fechado por con-


jugação e por extração de raiz quadrada.

Demonstração: Observe que 0, 1 ∈ C(z1 , . . . , zs ). Suponhamos que se te-


nha a, b ∈ C(z1 , . . . , zs ). É fácil construir a partir de a e b a sua diferença
a − b. Se b 6= 0, as construções (5) e (6) nos permitem construir a partir
dos números complexos a e b o número complexo ab . Logo C(z1 , . . . , zs ) é um
subcorpo de C.

As construções (4) e (7) nos permitem construir a a partir de a, en-
quanto que ā é trivialmente construtı́vel a partir de a.

COROLÁRIO 7.3. Se a, b, c ∈ C(z1 , . . . , zs ), então as raı́zes de aX 2 +bX +


c = 0 estão em C(z1 , . . . , zs ).

LEMA 7.1. Seja K um subcorpo de C fechado por conjugação e por extração


de raiz quadrada. Então z ∈ K se, e somente se, Re(z), Im(z) ∈ K.

Demonstração:
√ Se z ∈ K, então z̄ ∈ K e como −1 ∈ K, temos que
i = −1 ∈ K. Logo Re(z) = z+z̄ 2
∈ K e Im(z) = z−z̄
2
∈ K. Reciprocamente,
se Re(z), Im(z) ∈ K, então z = Re(z) + i Im(z) ∈ K.

PROPOSIÇÃO 7.9. C(z1 , . . . , zs ) é o menor subcorpo de C que contém


os elementos z1 , . . . , zs e que é fechado por conjugação e extração de raiz
quadrada.

Demonstração: Seja K um corpo contendo z1 , . . . , zs e fechado por con-


jugação e extração de raiz quadrada. Vamos provar que C(z1 , . . . , zs ) ⊆ K.
Afirmamos que para provar esta asserção basta mostrar que a interseção
de duas retas determinadas por pontos de K, a interseção de uma reta
160 CAPÍTULO 7. EXTENSÕES DE CORPOS

e de uma circunferência determinados por pontos de K e a interseção de


duas circunferências determinadas por pontos de K, estão em K. De fato,
suponha estas condições verificadas. Se z ∈ C(z1 , . . . , zs ), existem pontos
u1 , . . . , un = z ∈ C tais que u1 é obtido a partir de z1 , . . . , zs por uma das
operações (1), (2) ou (3), logo u1 ∈ K. Como u2 é obtido a partir de z1 , . . . , zs
e u1 por uma das operações (1), (2) ou (3), segue que u2 ∈ K e assim suces-
sivamente, até concluirmos que z = un ∈ K. Logo, C(z1 , . . . , zs ) ⊆ K.

Vamos agora mostrar que as condições sobre K na afirmação acima são


verificadas.

Sejam x0 + i y0 , x1 + i y1 , x2 + i y2 ∈ K. Pelo Lema 1 temos que x0 , y0 ,


x1 , y1 , x2 , y2 ∈ K.

A equação da reta que passa por x1 + i y1 e x2 + i y2 é dada por

(y2 − y1 )X + (x1 − x2 )Y + x1 (y1 − y2 ) − y1 (x1 − x2 ) = 0,

logo é da forma aX + bY + c, com a, b, c ∈ K.

Apequação da circunferência cujo centro é dado por x0 + i y0 e raio dado


por (x1 − x2 )2 + (y1 − y2 )2

X 2 + Y 2 − 2x0 X − 2y0Y + x20 + y02 − (x1 − x2 )2 − (y1 − y2 )2 = 0,

logo é da forma X 2 + Y 2 + a′ X + b′ Y + c′ , com a′ , b′ , c′ ∈ K.

A interseção de duas retas determinadas por pontos de K é um ponto


x + i y satisfazendo a um sistema

aX + bY + c = 0
a′ X + b′ Y + c′ = 0

com a, b, c, a′ , b′ , c′ ∈ K. É fácil ver que se este sistema admite uma única


solução (x, y) então x, y ∈ K e portanto x + i y ∈ K. A interseção de uma
reta e uma circunferência ou de duas circunferências distintas determinados
por pontos de K é um ponto x + i y satisfazendo a um sistema

λ(X 2 + y 2 ) + aX + bY + c = 0
X 2 + Y 2 + a′ X + b′ Y + c′ = 0
7.2. CONSTRUÇÕES COM RÉGUA E COMPASSO 161

com a, b, c, a′ , b′ , c′ ∈ K e λ ∈ {0, 1} conforme os casos considerados acima. É


fácil verificar com as hipóteses sobre K que toda solução (x, y) de tal sistema
satisfaz à condição x, y ∈ K, logo x + i y ∈ K.

Sejam z1 = 0, z2 = 1 e z3 , . . . , zs ∈ C. De agora em diante usaremos a


notação K = Q(z1 , . . . , zs , z1 , . . . , z)

TEOREMA 7.1. O número complexo z é construtı́vel com régua e com-


passo a partir de z1 , . . . , zs , se, e somente se, existem u1 , . . . , ur ∈ C com u1 ∈
K e ui ∈ K(u1 , . . . , ui−1 ) para todo i = 2, . . . , r, tais que z ∈ K(u1 , . . . , ur ).
Demonstração: Seja L o conjunto dos pontos z ∈ C tais que existem
u1 , . . . , ur ∈ C como no enunciado do Teorema. Queremos demonstrar que
L = C(z1 , . . . , zs ). Para isto, basta provar que L é um corpo que contém
z1 , . . . , zs , que L é fechado por conjugação e extração de raiz quadrada e
que L ⊆ C(z1 , . . . , zs ), o que permitirá concluir a partir da Proposição 9 que
L = C(z1 , . . . , zs ). A demonstração prosseguirá por etapas.

a) L é um subcorpo de C que contém z1 , . . . , zs .

O fato que z1 , . . . , zs ∈ L é trivial. Para verificar que L é um subcorpo de


C sejam z, z ′ ∈ L. Temos que z ∈ K(u1 , . . . , ur ) e z ′ ∈ K(u′1 , . . . , u′r′ ), com os
ui e u′j como no enunciado do Teorema. Segue então que z − z ′ e zz′ (se z 6= 0)
são elementos de K(u1 , . . . , ur , u′1 , . . . , u′r ) = K(u1 , . . . , ur , ur+1, . . . , ur+r′ ),
onde ur+j = u′j , j = 1, . . . , r ′ . É claro que u1 , . . . , ur+r′ cumprem as condições
do enunciado e portanto z − z ′ e zz′ estão em L.

b) L é fechado por extração de raiz quadrada.

De fato, se z ∈ L, temos que z ∈ K(u1 , .√ . . , ur ) com os ui satisfazendo


as condições do enunciado do Teorema, logo √ z ∈ K(u1 , . . . , ur , ur+1), com
2
zr+1 = z ∈ K(u1 , . . . , ur ). Isto prova que z ∈ L.

c) K é fechado por conjugação.

De fato, se z ∈ L, então temos z ∈ K(u1 , . . . , ur ) com u21 ∈ K e para cada


i = 2, . . . , r, temos, u2i ∈ K(u1 , . . . , ui−1 ). Como K = K então temos que
z̄ ∈ K(u1 , . . . , ur ) com u1 2 ∈ K e ui 2 ∈ K(u1 , . . . , ui−1), i = 2, . . . , r. Segue
162 CAPÍTULO 7. EXTENSÕES DE CORPOS

que z̄ ∈ L.

d) L ⊆ C(z1 , . . . , zs ).

De fato, seja z ∈ L, logo z ∈ K(u1 , . . . , ur ) onde u21 ∈ K e para cada


i = 2, . . . , r, temos u2i ∈ K(u1 , . . . , ui−1). Como K ⊆ C(z1 , . . . , zs ), u21 ∈ K
e C(z1 , . . . , zs ) é fechado por extração de raiz quadrada, necessariamente
K(u1 ) ⊆ C(z1 , . . . , zs ). Prosseguindo de próximo em próximo concluimos
que z ∈ K(u1 , . . . , ur ) ⊆ C(z1 , . . . , zs ), e portanto, L ⊆ C(z1 , . . . , zs ).

COROLÁRIO 7.4. Seja K = C(z1 , . . . , zs , z1 , . . . , zs ). Todo número com-


plexo construtı́vel com régua e compasso a partir de z1 , . . . , zs é algébrico
sobre K e o seu grau é uma potência de 2.

Demonstração: Seja z construtı́vel com régua e compasso a partir de


z1 , . . . , zs , logo, pelo Teorema 1, existem u1 , . . . , ur ∈ C tais que u21 ∈ K
e para cada i = 2, . . . , r, temos u2i ∈ K(u1 , . . . , ui−1 ) e z ∈ K(u1 , . . . , ur ).
Temos então que [K(u1 ) : K] = 1 ou 2 e [K(u1 , . . . , ui ) : K(u1 , . . . , ui−1 )] = 1
ou 2 para i = 2, . . . , r. Logo

[K(u1 , . . . , ur ) : K] = [K(u1 , . . . , ur ) : K(u1 , . . . , ur−1 )] · · · [K(u1 ) : K] = 2m

para algum m ∈ N. Como z ∈ K(u1 , . . . , ur ), segue que z é algébrico sobre


K e [K(z) : K] divide [K(u1 , . . . , ur ) : K], portanto, [K(z) : K] = 2l , para
algum l ∈ N.

Na maioria das aplicações as construções serão feitas a partir dos dois


pontos z1 = 0 e z2 = 1. Neste caso temos que K = Q(0, 1) = Q.

A seguir atacaremos os problemas clássicos relacionados com construtibi-


lidade com régua e compasso.

Problema da Duplicação do Cubo.

Dada a aresta de um cubo, o problema consiste em construir com régua


e compasso a aresta de um cubo que tenha o dobro do volume do cubo cuja
aresta é dada.
7.2. CONSTRUÇÕES COM RÉGUA E COMPASSO 163

Vamos supor que a aresta do cubo dado tenha 0 e 1 como extremidades,


logo neste caso K = Q. Se a é a aresta procurada temos que a3 = 2, logo a é
raiz do polinômio X 3 − 2 que é irredutı́vel em Q[X] (Einsenstein). Portanto
[Q(a) : Q] = 3 e conseqüentemente, pelo Teorema 1, a não é construtı́vel
com régua e compasso.

Problema da Trissecção de um Ângulo.

Dado um ângulo, queremos trissectá-lo com régua e compasso.

Para colocar o problema dentro do novo contexto, supõe-se que o ângulo


seja determinado pelos pontos 1, 0 e z tal que |z| = 1 e z faz um ângulo φ com
o eixo real. Para trissectar este ângulo é necessário e suficiente construir um
ponto z1 tal que |z1 | = 1 e formando um ângulo φ3 com o eixo real. Portanto o

nosso problema equivale a construir cos φ3 a partir de cos(φ). Pela fórmula
de De Moivre, temos
φ

φ 3
cos(φ) + i sen(φ)
 = cos +
3 
i sen 3
=   
3 φ
= cos 3 + 3i cos 3 sen 3 − 3 cos φ3 sen2 φ3 − i sen φ3 .
2 φ φ

Tomando partes reais na fórmula acima, temos que


    
cos(φ) = cos3 φ3 − 3 cos φ3 1 − cos2 φ3 = 4 cos3 φ
3
− 3 cos φ
3
.

Portanto cos φ3 é raiz do polinômio 4X 3 − 3X − cos φ.


PROPOSIÇÃO 7.10. O número real cos φ3 é construtı́vel com régua e
compasso a partir de cos φ se, e somente se, 4X 3 − 3X − cos φ é redutı́vel em
Q(cos φ)[X].

Demonstração: Se cos φ3 fosse construtı́vel a partir de cos φ, então
  
terı́amos que Q cos φ3 : Q(cos φ) seria uma potência de 2, assim necessa-

riamente 4X 3 − 3X − cos φ seria redutı́vel, pois caso contrário, cos φ3 teria
grau 3 sobre Q, o que é um absurdo. Reciprocamente, se 4X 3 − 3X − cos φ
fosse redutı́vel, então cos φ3 seria raiz de um polinômio de grau menor ou

igual a dois com coeficientes em Q(cos φ). Segue trivialmente que cos φ3
seria construtı́vel com régua e compasso a partir de cos φ.
164 CAPÍTULO 7. EXTENSÕES DE CORPOS

Se φ = 60o , tem-se que cos φ = cos 60o = 12 , logo Q(cos φ) = Q, e


4X 3 − 3X − cos φ = 4X 3 − 3X − 21 , que é irredutı́vel em Q[X] (justifique).
Logo o ângulo de 60o não pode ser trissectado com régua e compasso.

Quadratura do Cı́rculo

Este é o mais famoso dos problemas de construção com régua e compasso


e se formula com segue.

Dado um cı́rculo de raio 1, construir com régua e compasso o lado de um


quadrado cuja área seja igual à área do cı́rculo dado.

Neste caso
√ K = Q. Seja √ a o lado do quadrado, logo a2 = πr 2 = π.
Portanto a π. Acontece que π não é algébrico sobre Q (isto decorre do
fato de π ser transcendente). Segue daı́ a impossibilidade de se resolver o
problema.

Construtibilidade de Polı́gonos Regulares Inscritos (Ciclotomia)

Este problema foi resolvido por Gauss no livro Disquisitiones Arithmae-


ticae de 1801 e se formula como segue.

Dada a circunferência de centro na origem e raio igual a 1, para quais


valores de n é possı́vel construir, com régua e compasso, o polı́gono regular
inscrito nesta circunferência com n lados?

Como dissemos acima, Gauss deu uma resposta completa ao problema


quando tinha 17 anos. Como a demonstração de Gauss é muito trabalhosa,
apesar de elementar, provaremos este resultado no Capı́tulo .... , usando
resultados de grupos finitos e da teoria de Galois.

PROBLEMAS 7.2.

1. Note que construir o polı́gono regular de n lados equivale a construir a


raiz n-ésima primitiva da unidade.
7.2. CONSTRUÇÕES COM RÉGUA E COMPASSO 165

(a) Mostre que o triângulo equilátero inscrito na circunferência de raio


1 é construtı́vel com régua e compasso. (Sug.: A raiz cúbica primitiva
da unidade w = cos 2π 2π 2
3 + i sen 3 satisfaz a equação 1 + X + X = 0).

(b) Mostre que o pentágono regular inscrito é construtı́vel com régua


e compasso. (Sug.: Uma raiz quinta primitiva da undidade ξ é raiz da
equação X 4 + X 3 + X 2
 + X + 1 =1 0; mas isto equivale dizer que ξ é raiz
1 2
da equação X + X + X + X − 1 = 0. Mostre que β = ξ + 1ξ é
construtı́vel com régua e compasso e conclua que ξ é construtı́vel com régua
e compasso).
(c) Se n = 2r · 3 ou 2r · 5, mostre que o polı́gono regular de n lados é
construtı́vel com régua e compasso.

2. Prove que um eneágono regular (polı́gono de 9 lados) não é construtı́vel


com régua e compasso. (Sug.: 2π o o
9 = 40 e se 40 é construtı́vel então 20
o

também é, logo 60o é trissectável.)

3. Mostre que é impossı́vel dividir um ângulo de 100o ou de 200o em cinco


partes iguais.

4. Se n ∈ N, então existe um polinômio Pn (X) de grau n com coeficientes


inteiros tal que cos nθ = Pn (cos θ). (Veja I-9, Problema 3.3). Mostre
que cos(1o ) é um número algébrico.

5. Mostre que 4 2 é construtı́vel com régua e compasso a partir de 0 e 1.

6. Em cada caso abaixo decida se pode ou não ser trissectado o ângulo φ


tal que
1 9
a) cos φ = 4
b) cos φ = −
√ 16
c) cos φ = √1 d) cos φ = 82
2

7. Mostre que cos 2π7


é raiz de 8X 3 + 4X 2 − 4X − 1 = 0 e que 2 cos 2π 7

3 2
raiz de X + X − 2X − 1 = 0. Mostre que o polı́gono regular inscrito
numa circunferência de raio 1 não é construtı́vel com régua e compasso.

Das könnte Ihnen auch gefallen