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“Ele respondeu que plantava porque havia feito isto a vida inteira e tomara gosto pelo oficio.
Eu já havia ouvido a mesma coisa dita por outros vários velhos. Mas ele disse mais. Ele disse: é
que eu sou muito amoroso com a terra , eu tenho um grande afeto por ela”. Os exemplos que
ele foi dando foram deixando claro que a sua imagem da terra era muito concreta. A terra do
afeto de ze tonha é a terra próxima, física, qualificável segundo um código de atributos
naturais avaliados pelo seu poder de produção. A terra real sobre qual se trabalha; a terra em
que se planta. “ p. 63
Há um prazer fecundante que torna parceiros de uma relação amorosa o lavrador e a terra. Eu
reconheço que neste enlace de afeto está o desejo de tornar "culturalmente" culto o inculto,
civilizado o selvagem, socializado e útil aquilo que, dado pela natureza ao homem, somente
parece completar o ciclo de seu valor quando transformado de floresta em campo, de campo
em terra de lavoura, de terra de lavoura em lavoura plantada e colhida. P. 64
As faces e pessoas do deus
cristão estão sempre sendo associadas não apenas a um momento
inicial de criação "de todas as coisas", culminadas no próprio casal
primevo de humanos, mas a todos os acontecimentos de atualiza-
ção da ordem natural do universo reconhecido corno existente e dado
ao homem p. 65
Não é somente isto. Como o bom artista que sabe de seu valor
juando vende os seus quadros a troco de pratos de comida e cles-
.Ienha com um justo orgulho o empresário imbecil que recusa os seus
rabaihos, o trabalhador do campo - sitiante, arrendatário, parceiro
DU camarada - reconhece sempre que, mesmo relegado a um cies-
.endente lugar de pequena importância social e econômica, o seu
rabalho e o cia terra geram o único bem de trocas verdadeiramente
nclispensável. Há um ethos camponês cuja encruzilhada simbólica
atravessada pelo reconhecimento de um menos-valor atribuído
pelos outros versus um inquestionável mais-valor de auto-atribuição. P. 67
Um simples olhar à tecnologia dos gestos de uma e da outra revelaria o quanto a pesca de anzol e
mesmo
a proibida pesca de tarrafa aproximam-se em quase tudo do domí-
nio de conhecimentos e de manuseios que as mulheres exercitam
em outras atividades da casa e, sobretudo, do quintal. A delicadeza
do trato com os instrumentos e mesmo com o peixe que se captura;
a quietude caseira do ambiente e a ausência de repentes de risco,
que tornam a caça um jogo semelhante à guerra e fazem da pesca
costumeira um silencioso combate entre seres - o peixe e a pessoa
- que em geral somente se vêem quando o animal é capturado e
posto fora da água, num breve rito de passagem fatal para o peixe. P. 44
Antes mesmo cia colheita, durante todas as etapas, cio chão arado aos grãos maduros, prontos para a
safra, há um
cenário efêmero e dado a ver, há uma transparência fotografável do
trabalho realizado. O espelho do trabalho agrícola fica deixado sobre
a terra, colocado em algo vivo, crescendo ali a cada momento, o que
não acontece com os domínios do ambiente não socializado, que apenas parecem reproduzir ciclos e
regenerar perdas sazonais. Há um
rústico desejo narcisista de entrever-se e dar-se ao outro como uma
indiscutível manifestação de poder de fertilidade. De saber e fhzer com
que a vida se regenere cio que é em si mesma viva, mas apenas possível de recriação através cia
persistente dobra cia natureza não só ao
trabalho, mas ao arbítrio cia vontade cio homem. Como a lavoura que
cresce e produz algo que ademais de vivo e belo é entre todos o mais
útil bem, pois garante a vida e retarda a morte da melhor maneira
possível. Assim como os pastos de capim brachiara, caros e custosos
de semear, mas que aos poucos disputam os morros com os pastos
naturais, menos produtivos para o sustento cio gado depois da praga
e da quebra do "capim gordura", entre alqueires destinados nos campos ao sustento cio gado de leite.
P. 81