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Castelnou

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


ARQUITETURA E URBANISMO

TEORIA DO URBANISMO
ANTONIO CASTELNOU
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
ARQUITETURA E URBANISMO

TEORIA DO URBANISMO
ANTONIO CASTELNOU
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
ARQUITETURA E URBANISMO

TEORIA DO
URBANISMO

ANTONIO CASTELNOU
CURITIBA 2007
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SUMÁRIO

01 Introdução 05

02 Cidade Antiga 09

03 Cidade Clássica 13

04 Cidade Muçulmana 19

05 Cidade Medieval 23

06 Cidade Renascentista 29

07 Cidade Colonial 35

08 Cidade Barroca 41

09 Cidade Iluminista 47

10 Cidade Industrial 53

11 Cidade Americana 57

12 Cidade Brasileira 63

13 Pré-Urbanismo 71

14 Urbanismo Moderno 77

15 Desurbanismo 83

16 Urbanismo Celebralista 89

17 Planejamento Urbano 93

18 Multidisciplinaridade 99

19 Desenho Urbano 105

20 Morfologia Urbana 109

21 Conservação Integrada 115

22 Urbanismo Pós-Moderno 123

23 Cidade do Futuro 129

24 Conclusões 135

Referências Bibliográficas 137

3
4
INTRODUÇÃO Atualmente, a CIDADE é vista como uma
entidade global, representando o ponto crítico
das relações sociais, econômicas e políticas,
as quais se expressam a partir de sua
Pode-se afirmar que foi somente em espacialização e que é etapa fundamental de
meados do século XIX, com as várias um processo histórico irreversível e dinâmico
transformações decorrentes do processo (MUMFORD, 2001).
de industrialização, que nasceram teorias
de bases científicas sobre a questão
urbana, embora a prática do
URBANISMO seja bastante antiga,
datando dos primórdios da humanidade.
 Desde a Antiguidade, o homem viu
o ESPAÇO URBANO como campo de
intervenção, projetando cidades novas
ou ainda fazendo modificações nos
traçados das antigas. Porém, tais
experiências eram fundamentadas
somente em questões técnicas e O Planejamento Urbano torna a cidade
estéticas, sem terem uma visão social, um objeto de estudo multidisciplinar, ou
política e econômica ao se abordar o seja, da aplicação de conhecimentos
fenômeno. históricos, sociológicos, econômicos,
psicológicos e tecnológicos, entre outros,
Até então, o URBANISMO era visto enquanto o Desenho Urbano é
somente como um conjunto de normas de responsável pelas propostas projetuais
composição arquitetônica, baseadas em (configuração) em nível físico-espacial.
critérios funcionais, construtivos ou
estéticos; estes definidos em parte na  Historicamente, o surgimento das
primeiras cidades coincidiu com o
Idade Antiga, como a planta ortogonal e
início da CIVILIZAÇÃO (civitas =
zoneamento funcional; ou a partir do „cidade‟ em latim), o que representou o
Renascimento, como a aplicação de eixos aparecimento de novos valores de
perspectivos e normas de composição identidade àqueles indivíduos que
geométrica (GOITIA, 2003). passaram a ser denominados de
cidadãos (ou civis).

ALDEIA METÁPOLE MEGALÓPOLE


(do árabe ad-daí) (do gr. meta; (do gr. megalon;
assentamento; mudança da polis) gigantesca polis)
aldeamento rede (F. ASCHER) conj. metrópoles

VILA CIDADE METRÓPOLE


(do latim villa) (do latim civitas) (do gr. metropolis;
povoado; vilarejo centro urbano; cidade-mãe)
(setores 1º e 2º ) urbe (+2.000 hab) área conurbada

5
Estudar a HISTÓRIA DAS CIDADES é o Os povos primitivos demonstraram
mesmo que estudar a história da acentuada predileção pela curva na
civilização humana, já que o homem construção e disposição de suas moradias
passou a ser considerado civilizado (choças), resultando em aldeias
somente quando começou a habitar em geralmente circulares, tanto por questões
aglomerados urbanos, os quais se práticas (proteção da comunidade por
caracterizavam por sua maior densidade cercas ou paliçadas) como religiosas
de ocupação e sua diferenciação espacial, (fases cíclicas da natureza, o movimento
além da forte dependência com o entorno circular de renovação da vida e a
próximo ou longínquo. localização central dos rituais sagrados).
 CIDADES são lugares onde existe
uma divisão social do trabalho por
meio de atividades especializadas,
cujas bases são econômicas
(produção agrícola intensiva, extração
de minerais, industrialização, trocas
comerciais, prestação de serviços ou
símbolos do poder temporal e/ou
religioso). Atualmente, a metade da
população do mundo mora em
cidades. Para o ano 2025, esta cifra
aumentará para 75%. O número de
brasileiros vivendo em áreas urbanas,
que hoje está em torno de 80%,
chegará a 90% já em 2010. A configuração formal das primeiras
aldeias revela as relações de parentesco
A principal função da cidade é converter o (clãs), fator determinante na localização
poder em forma, a energia em cultura, das moradias, assim como as
a matéria inanimada em símbolos vivos de interrelações do grupo, baseadas na
arte, e a reprodução biológica em criatividade propriedade comunal (GUIMARÃES, 2004).
social – LEWIS MUMFORD, em The culture of
cities (1938).  A REVOLUÇÃO URBANA, ou seja,
a transformação das aldeias em
Há mais de 10.000 anos atrás, no cidades primitivas, ocorrida por volta
Mesolítico (entre o período paleolítico e de 4000-3500 a.C., não se deu por
neolítico), a população do mundo não crescimento, mas sim pelo
passava de 5 a 8 milhões de habitantes. estabelecimento de um local
Inicialmente nômade, caçador e coletor de aparelhado, mais diferenciado e
privilegiado, que se tornou sede da
alimentos, o ser humano vivia em bandos
autoridade de um grupo que passou a
formados por não mais que 50 indivíduos, ser dominante em relação a outro
que se abrigavam em cavernas ou (CHILDE, 1981).
construções provisórias
Nas cidades primitivas, que apareceram
 A REVOLUÇÃO AGRÍCOLA teve junto à escrita, nasceram as indústrias e
início aproximadamente em 8000 a.C., os serviços, que não eram mais
na Fase da Pedra Polida ou Barbárie
(Neolítico), caracterizando-se pelo
executados pelas pessoas que cultivavam
surgimento do cultivo de grãos e pela a terra, mas por outras, que passaram a
domesticação de animais, processos ser mantidas pelas primeiras com o
que conduziram à sedentarização do excedente acumulado do produto total.
homem e, finalmente, ao aparecimento
 Nesse momento, surgiram
das primeiras ALDEIAS, ou seja, um
aglomerado uniforme de casas. também classes ligadas ao poder
Supõe-se que as primeiras aldeias religioso e/ou temporal, que se
agrícolas permanentes tenham surgido tornaram os líderes espirituais e os
nas regiões do Oriente Médio e do nobres, os quais estabelecem leis
Nordeste africano. e regras urbanas.

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PRIMEIRAS CIDADES
Tradicionalmente, considera-se Jericó,
em Canaã (Cisjordânia), como a cidade
mais antiga do mundo, datada de cerca
de 8000 a.C. Contudo, a cidade original,
muito citada na Bíblia, foi destruída e
abandonada várias vezes. Restaram
Na MESOPOTÂMIA, o excedente da
apenas algumas ruínas, desabitadas,
produção agrícola acabou nas mãos dos
como uma muralha que comprova se
governantes das cidades –
tratar de uma cidade de 2.000 a 3.000
representantes do deus local, que viviam
habitantes. Com o tempo, o centro urbano
em um palácio-fortaleza –, os quais
foi se deslocando e a cidade atual
administravam as riquezas e construíam
encontra-se a 2 km de suas origens.
benfeitorias, tais como templos religiosos
 A maior parte das cidades (ziggurat), monumentos, armazéns e
primitivas desenvolveram-se por volta canais, além de muros circundantes que
de 4000 a.C., originadas de aldeias ao individualizavam toda a área urbana,
leste das montanhas sumerianas,
defendendo-a de inimigos.
entre os rios Tigres e Eufrates, no
Oriente Médio. Lá também surgiram:
Nipur, Isin, Churupak, Uruk e Ur, ao
sul do atual Iraque. São igualmente
antigas: Ombos (Egito), Damasco
(Síria); Byblos, a 50 km de Beirute
(Líbano); e Sanaa (Iêmen).
Essas cidades desenvolveram-se em vales de
rios, o que garantia a fertilidade do solo, a UR
facilidade de irrigação e a possibilidade de
transporte, tornando-se centros simbólicos e Por volta de 3000 a.C., as cidades
locais para o comércio e fabricação de sumerianas já eram bastante grandes,
artefatos, além da prestação de serviços distinguindo-se na sua aparência o
religiosos e militares (FERRARI, 1991). conjunto emaranhado de casas comuns,
feitas em barro, e os edifícios sagrados,
de massa maior e mais elevada. Ur
possuía cerca de 100 hectares e abrigava
milhares habitantes, sendo protegida por
uma muralha e um fosso. Seus terrenos
eram divididos individualmente entre seus
cidadãos, enquanto o campo (pomares e
pastagens) era administrado em comum
por conta das divindades.
 Somente a partir de 2000 a.C. que
a Suméria encontrou alguma
estabilidade com Sargão de Acad, o
que possibilitou a fundação de novas
cidades, onde a estrutura dominante
As cidades primitivas eram geralmente
não era o templo mas o palácio do rei.
unidades políticas independentes Como exemplos: Khorsabad (721-705
(cidades-estado), baseadas em uma a.C.), cidade-palácio fundada por
organização familiar. Seus integrantes Sargão II, perto de Nínive; e, mais
formavam associações de caráter restrito, tarde, Pasárgada e Persépolis, dos
moldadas em estruturas de reis persas. Com o fortalecimento do
consangüinidade. Dominavam extensas império, ocorreu a ampliação de
terras à sua volta e administravam seus capitais como Nínive e Babilônia, que
negócios como nações independentes. se tornaram grandes metrópoles.

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BABILÔNIA Absorvendo os poderes mágicos das
divindades locais, os faraós tinham grande
domínio sobre o território e recebiam muito
Capital de Hamurabi, foi planificada por mais excedentes que os dos sacerdotes
volta de 2000 a.C., tornando-se a maior asiáticos. Com isto, construíram grandes obras
cidade da Antigüidade, alcançando meio públicas, templos e cidades, além de sua
milhão de habitantes. Tendo sido tumba monumental, a pirâmide em pedra,
destruída e reconstruída várias vezes, símbolo da imortalidade (PEVSNER, 1988).
devido à sua importância como centro  Diferenciando-se da Suméria, os
religioso, consistia basicamente em um monumentos egípcios não formavam o
grande retângulo de 1,5 x 2,5 km, dividido centro da cidade, mas eram dispostos
em duas metades pelo rio Eufrates. de per si como uma cidade
independente, divina e eterna,
construída em blocos de pedra, que
dominava e tornava insignificante a
cidade transitória dos homens,
construída em tijolos, inclusive os
palácios dos faraós no poder.

A superfície contida pelos muros era de


aproximadamente 400 hectares, havendo
outro muro mais extenso (com 21, com 80 m
de altura e 20 m de espessura, com 110
portões maciços de cobre) compreendendo
quase o dobro da área. Foi traçada com
regularidade geométrica, com ruas retas e de
largura constante, desaparecendo a distinção A CIDADE DIVINA do antigo Egito – a
entre os monumentos e as zonas habitadas única sobrevivente nos dias de hoje – era
pelas pessoas comuns (FERRARI,1991).
uma cópia fiel da cidade humana, onde
 Babilônia era formada por uma todos os personagens e objetos da vida
série de recintos, os mais externos cotidiana eram reproduzidos e mantidos
abertos a todos e os mais internos imutáveis. Feita em pedra para
reservados aos reis e sacerdotes. As permanecer imutável com o tempo e
casas particulares reproduziam em habitada pelos mortos, era feita para ser
pequena escala a forma dos templos e
vista de longe e povoada de formas
palácios, com pátios internos e
pequenos muros. geométricas simples (prismas, pirâmides,
obeliscos ou estátuas gigantescas).
No EGITO, as primeiras cidades datam de
3500 a.C., e diferenciam-se das  Os esforços em construir uma
cópia perfeita e estável da vida
mesopotâmicas pelos seus vestígios humana acabaram consumindo
terem desaparecido devido às enchentes recursos e, sob o Médio Império, em
anuais do rio Nilo. Sobraram como cerca de 2000 a.C., as duas cidades
testemunhos do passado as construções separadas tenderam a se unir em uma
em pedra dos grandes centros mais cidade única.
recentes, como Menfis, Tebas e Cairo.
A capital do Médio Império, Tebas que em
 Os soberanos egípcios (faraós) não 1600 a.C. já possuía 250.000 habitantes –, era
eram representantes de um deus, dividida em dois setores: o povoado à margem
como os governantes sumerianos, direita do Nilo, onde se destacam os templos
mas eram eles mesmos os deuses, de Karnak e de Luxor (el-Aqsar); e a necrópole
com poderes mágicos como os de nos vales da margem esquerda, onde estão as
controlarem as inundações do Nilo. tumbas dos faraós.

8
Provavelmente criada por volta de 3000
2 a.C., a cidade de Mohenjo-Daro, situada
no Vale do Indo (Paquistão), possuía duas
CIDADE ANTIGA zonas distintas: a alta e a baixa,
apresentando traçado mais regular do que
se apresentava nas cidades primitivas.
Identificam-se três ruas principais
orientadas no sentido Norte-Sul e outra
perpendicular a elas, que cortam um
conjunto de pequenas ruelas que
constituem núcleos mais primitivos.
 Seu traçado uniforme e as ruínas
de construções em ladrilho (cerâmica
artesanal) e adobe (tijolos de barro
cru) apontam para uma civilização
emergente, cuja cidade já apresentava
preocupações com a pavimentação de
Do VI ao IV século a.C., todo o Oriente ruas e com o escoamento das águas,
Médio foi unificado pelo IMPÉRIO assim como balneários públicos
(GOITIA, 2003).
PERSA, que se estendeu do Egito até o
Vale do Indo. Seu centro político
concentrava-se na região onde
atualmente se encontra o Irã. Durante
esta fase, toda região gozou de um longo
período de paz e administração uniforme,
permitindo a circulação de homens,
mercadorias e idéias de uma extremidade
a outra (BENEVOLO, 2001).
 Na cidade-palácio monumental dos reis
persas, Persépolis, os modelos
arquitetônicos dos vários países do
império foram combinados entre si dentro
de um rígido esquema cerimonial,
marcado pela exatidão e pela
ortogonalidade compositiva. Eram estas as características das cidades
antigas do Oriente Próximo:
A religião persa tinha como livro sagrado o
Avesta, de autoria atribuída a Zoroastro – ou a) Localização estratégica, derivada de
condicionantes naturais (clima, fertilidade
Zaratustra –, que dispensava templos e
do solo, proximidade com rios, etc.) e da
defendia uma crença na vida extraterrena e na afirmação simbólica (sede de poder, de
imortalidade da alma. riqueza e de proteção militar);
A CAPADÓCIA, região localizada no b) Inexistência de um conceito unitário de
planejamento urbano, resultando em uma
planalto central da Turquia, cujo relevo planimetria irregular e um traçado
acidentado foi esculpido pela ação da espontâneo predominante;
erosão e por atividades vulcânicas, possui c) Segregação nítida entre o recinto da
peculiaridades representadas por uma cidade e o campo, devido à muralha, mas
intricada rede de cavernas que penetram completa dependência entre ambos;
dezenas de metros no interior da terra d) Apesar da variedade, os palácios, os
templos e as principais moradias
para formar verdadeiras cidades apresentavam forte configuração
subterrâneas, as quais foram ocupadas geométrica e simetria axial;
pelos hititas, a partir de 2500 a.C.; e pelos e) Imponência das edificações que
persas, até a libertação por Alexandre, o representavam o poder e a presença de
Grande, em 334 a.C., os quais foram uma avenida monumental destinada a
desfiles triunfais e cortejos religiosos.
sucedidos pelos romanos.

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No EXTREMO ORIENTE – que abrange a
Índia, a Indochina, a China e o Japão –, a
civilização urbana começou mais tarde do
que a zona compreendida entre o
Mediterrâneo e o Golfo Pérsico, por volta
de 2000 a.C., isto devido a diferenças
geográficas (territórios tropicais), opções
econômicas de agricultura (plantações
extensivas) e diretivas culturais (preceitos
religiosos) (JELLICOE & JELLICOE, 1995).
 Essa região mais quente e úmida
que a precedente, isolada do resto da
Ásia pelo grande sistema montanhoso No Extremo Oriente, a ordem latente do
do Himalaia e regada por rios, universo tornou-se uma ordem visível,
bastante impetuosos e inconstantes, geométrica e arquitetônica. Os eixos de
devido ao clima de monções, permitiu simetria ligavam a cidade aos pontos cardeais
o estabelecimento de populações (o “universo celeste”); os muros imprimem-lhe
numerosas em planícies irrigáveis uma forma regular e a defendem dos inimigos;
(favoráveis ao cultivo do arroz), a multiplicidade dos espaços e dos edifícios
circundadas por montes em que revela a complexidade das funções civis e
permaneceram habitantes incultos e religiosas, com seu minucioso cerimonial
nômades não-civilizados. (BENEVOLO, 2001).

Tal organização econômica permitiu a A CIVILIZAÇÃO CHINESA nasceu às


formação de grandes Estados unitários, onde margens dos rios Amarelo (Huang-He) e
a classe dirigente era composta por aqueles Azul (Yang-Tsé-Kiang), sendo sua
que concentraram em suas mãos um enorme tradição cultural codificada após a
excedente que garantia as condições de unificação do império no século III a.C.,
sobrevivência. Estabeleceu-se um contraste
permanecendo substancialmente a
fundamental: ao norte, as montanhas hostis e
desconhecidas, de onde vinham ventos frios, mesma em toda a sua história, apesar
animais selvagens e inimigos; e, ao sul, a das crises e das revoluções políticas e
planície cultivada, o mar e o calor. religiosas. Mesmo invasões como as dos
mongóis no século XIII não interromperam
Desde o início, a relação entre poder, a sua continuidade.
prosperidade e virtude dominou a cultura
oriental, que sempre buscou assegurar a  As regras urbanísticas e de
paz e a harmonia social através da construção chinesas formaram-se na
era Chu (1050-350 a.C.), sendo
mediação entre os princípios opostos do transmitidas até hoje. As cidades
YIN e do YANG (o frio e o calor, a sombra nasceram como refúgio, residência
e a luz, o descanso e a atividade, etc.). estável da classe dirigente
 Por esta razão, os assentamentos (sacerdotes, guerreiros e técnicos)
humanos orientais deveriam garantir o temporariamente capaz de acolher a
justo equilíbrio entre o norte e o sul, população camponesa do distrito
mantendo à distância os perigos do circundante (FERRARI, 1991).
primeiro, refreando em canais as As antigas cidades chinesas eram
águas que desciam dos altiplanos e rigorosamente quadradas e compostas
transformando-as em elemento de
por dois cinturões de muros: um interno,
vida no sul.
que encerrava a cidade habitada; e um
No seu desenvolvimento geral, a CIDADE externo, que rodeava um espaço vazio de
ORIENTAL tornou-se um posto dominante hortas e pomares.
e de grande quantidade de significados  As regras foram descritas pelo
utilitários e simbólicos, pois era a sede do literato chinês Meng-Tsi (372-289
poder e, logo, a mediação entre opostos, a.C.), empregando a unidade de
que regulava e representava todo o medida urbanística denominada li,
território. correspondendo a cerca de 530 m.

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Segundo sua grandeza, as cidades chinesas
podiam ser de três categorias: tscheng (cujo
cinturão interno teria perímetro de 1 li e
externo de 3 li, podendo chegar a 7 li); ji (a
intermediária, com cinturão interno de 7 li e
externo de 11 li); e tu (com cinturão interno de
11 li e externo de 14 li) (BENEVOLO, 2001).

A espinha dorsal do complexo são dois


Os ambientes individuais ou coletivos da conjuntos de três palácios no centro da
cidade chinesa conservavam sua forma estrutura predominantemente simétrica e
regular e simétrica, mas o conjunto cujo acesso principal se dá pelo Portão
adquiria um aspecto irregular devido às Meridional ou da Paz Celestial, com 34 m
características do local. O paisagismo de altura e que conduz ao Palácio da
tornava-se então o elemento vinculador. Suprema Harmonia, local do trabalho do
 Tais regras repetiam-se tanto nos imperador e onde se celebravam as
conjuntos monumentais (palácios do festividades reais, situando-se ali, em uma
imperador, que era a suprema de suas 44 salas, o trono imperial.
autoridade religiosa e civil) como nos
edifícios e espaços para a vida  O Portão da Divina Coragem, no
privada, buscando a harmonia do lado oposto à entrada principal, leva ao
ambiente cósmico. Jardim Imperial e a três palácios – da
Pureza Celestial, da Tranqüilidade
Algumas capitais imperiais da China, como Terrena e da União Celestial e Terrena
Chang-Na, Hang-Chu e Beijing (que recebeu –, que eram usados como aposentos
vários nomes, como Ki-Yen, Yen-King, Chung- pela família imperial.
Tu e Khan-Balik, além de Pequim) chegaram a
superar um milhão de habitantes. No JAPÃO, a falta de grandes espaços e
de rios navegáveis excluiu inicialmente a
A CIDADE PROIBIDA, situada na capital existência de grandes cidades. Com a
chinesa, foi a residência oficial de 24 unificação do país, no final do século III
imperadores das dinastias Ming e Qing, a.C., surgiu a exigência de uma cidade
de 1420 até 1911. Rodeada por um largo capital, esta projetada segundo as regras
canal e uma muralha de 10 m de altura, rígidas dos antigos chineses.
cuja extensão de 3,4 km encerra uma
área de 720.000 m2 (equivalente a 90  Do século VI ao VIII d.C., várias
capitais (Naniwa ou Osaka, Otsu,
campos de futebol), este recinto reúne
Fujiwara, Nara, Shigaraki, Nagaoka e
seis palácios e mais de 800 edifícios, Kyoto) foram fundadas na região
perfazendo 9.999 aposentos antes Yamato, no centro do Japão, segundo
freqüentados apenas pelo imperador, a esse modelo caracterizado pela
família real e os funcionários palacianos. simetria e extrema ortogonalidade.

11
Na ÍNDIA antiga e medieval, todo artefato Com a perda de influência de Monte
importante – desde o templo até a cidade Albán, a cidade-estado de Mitla e outros
– deveria corresponder ao mandala, que vilarejos passaram a disputar o poder,
exprimia a estrutura do universo e que porém foi a cultura maia que acabou se
assumia uma variedade muito grande de transformando na civilização mais
formas, desde o quadrado (o “palácio influente, cujo poderio estendeu-se de
humano”, cujas portas devem se abrir cerca de 200 a.C. a 900 d.C.
para os quatro pontos cardeais) até o
No IMPÉRIO MAIA, não havia propriamente
círculo (o “ambiente cósmico”). cidades, mas centros de culto compostos por
templos, palácios, observatórios, praças e
campos de jogos. Os camponeses viviam em
choças de palha que não sobreviveram.

TEMPLO DE BAYON, ANGKOR (CAMBOJA)

Na AMÉRICA, as civilizações pré-  Sua maior metrópole, fundada em


colombianas criaram grandes centros, cerca de 200 a.C., foi Teotihuacán
cuja arquitetura em pedra era (“local onde os homens tornam-se
estritamente ligada ao culto religioso e deuses”), cujo apogeu ocorreu entre
determinada por cálculos matemáticos e 400 e 500 d.C., atingindo 125.000
astronômicos. Os monumentos (pirâmides habitantes e influenciando uma vasta
região até a atual Guatemala.
escalonadas) eram erguidos em locais
Composta por templos, palácios e
elevados e dispostos de modo rígido e pirâmides, foi abandonada em 650
ortogonal cujo enfileiramento simbolizava d.C., caracterizando-se por seu
os níveis do universo (JORDAN, 1979). aspecto monumental e retilíneo.
 No México, a primeira civilização O colapso maia foi seguido por uma fase
que se desenvolveu foi a olmeca que, de fragmentação e militarização, em que
de 1000 a 400 a.C. ocupou a Costa do cidades-estado da cultura tolteca
Golfo e fundou cidades como San
Lorenzo e La Venta, importantes
prosperaram, como Cacaxtla e
centros políticos e religiosos que Xochicalco, além de Tula, seu maior
declinaram com a ascensão da centro, com cerca de 40.000 habitantes e
civilização zapoteca e acabaram incendiado em 1100. Seu poderio foi
sendo parcialmente destruídos. sucedido por Chichén Itzá, mais tarde
superada pelas vizinhas Mayapán, Izamel
A maior cidade zapoteca foi Monte Albán,
e outras da Península de Yucatán.
criada no topo de uma montanha de 400m
no Vale de Oaxaca, por volta de 500 a.C.  O asteca foi o último império da
De traçado regular e monumentos Mesoamérica, prosperando até a
escalonados, controlava a vida cultural, chegada dos espanhóis. Em 1325,
religiosa e econômica da região, fundou Tenochtitlán em uma ilha do
lago Texcoco, da qual se desenvolveu
acabando por entrar em declínio com o a Cidade do México.
poderio dos maias. Abandonada por volta
de 800 d.C., foi ocupada pelo povo No Peru, o IMPÉRIO INCA encontrou seu
misteca, que a transformou em um local apogeu somente no século XV, período em
para suas cerimônias fúnebres. que foi erguida sua maior cidade, Machu
Picchu, a 2.400 m de altitude.

12
Pode-se dizer que, além das suas cidades
3 conquistadas, a civilização egéia pouco
influenciou na formação da grega, que
CIDADE CLÁSSICA emergiu no começo do século VIII a.C. do
povo micênico, guerreiros que se
instalaram na região após o declínio
A civilização grega foi precedida pela minuano, provenientes do Oriente Médio.
cretense (minuana) ou egéia, que surgiu a  A cultura grega derivou da
partir de 2000 a.C., quando foram civilização que tinha sua capital na
fundadas diversas cidades na ilha de cidade de Micenas (1600-1200 a.C.),
Creta e no sul da Grécia atual. Devido ao acabando por ocupar toda a região da
terreno acidentado composto por vales península Balcânica, as ilhas do mar
fragmentados, não se formou um Estado Egeu e o litoral da Ásia menor. Seus
unificado, mas pequenas cidades-estado períodos de evolução histórica foram:
independentes que prosperaram graças  Geométrico (1200-700 a.C.)
ao comércio marítimo.  Arcaico (700-500 a.C.)
 Pré-clássico (500-450 a.C.),
 As cidades cretenses tinham traçado
quando da conquista dos persas
irregular, com ruas em curvas de nível,
pavimentadas e servidas por redes de  Clássico (450-200 a.C.)
água e esgoto. Não apresentavam  Helênico (200 a.C. até o Cristianismo)
muralhas e deram origem às primeiras
cidades gregas (PEVSNER, 1988). Denomina-se CLASSICISMO o realismo
nacionalista dos gregos, depois incorporado
pelos romanos, em que a arte era tão
importante quanto a ciência, ambas se
importando acima de tudo com a harmonia, a
unidade, a exatidão e a perfeição, orientadas
essencialmente por uma filosofia que
relacionava tudo ao homem.

PALÁCIO DE CNOSSOS
Os maiores centros minoanos em Creta foram
Cnossos, Festo, Mália e Gournia, nos quais
era possível identificar a existência de uma
praça pública, além de templos e palácios,
estes decorados em afrescos de cores vivas
com uma grande percepção da natureza.
O núcleo da cidade grega (polis) era a
Por volta de 1600 a.C., povos pastores ACRÓPOLE, um morro defensável, sem
indo-europeus – jônicos, aqueus e ser muito alto, que era uma praça forte
predominantemente dóricos – infiltraram- que mantinha a vigilância sobre a cidade
se na península Balcânica e acabaram e seus campos cultivados, além de se
invadindo Creta, em 1450 a.C., destruindo constituir em refúgio e domicílio do rei nos
Cnossos e se estabelecendo como povo tempos primitivos. No período clássico,
dominante. passou a abrigar os templos ao invés dos
 Com a derrota do povo egeu, a palácios governantes e tornou-se o
civilização da Grécia continental entrou símbolo da vida democrática e igualdade
em decadência, ressurgindo somente dos cidadãos. O restante da cidade
vários séculos depois (GOITIA, 2003). aglomerava-se em sua encosta

13
A mais popular e admirada das acrópoles De formatos bastante variados – mas sempre
foi a de Atenas, em grande parte devido à se evitando a monumentalidade axial –, a
sua liderança e enriquecimento após a ágora possuía prédios públicos articulados
guerra contra os persas, o que coincidiu entre si, além de templos, pequenos
com a era de Péricles na política; de santuários, chafarizes, esculturas e stoas
(extensão coberta da ágora em colunata).
Sócrates e Platão na filosofia; de Sófocles
no drama; de Aristófanes na comédia; e De modo geral, as cidades gregas tinham
de Ictino e Fídias nas artes. traçado irregular e eram cercadas por
 A acrópole ateniense é uma colina altas e majestosas muralhas, de cujo
natural transformada em santuário já portão principal partia o caminho para a
no período arcaico, cujos templos ágora. A acrópole erguia-se sobre um
foram destruídos em 480 a.C. pelos morro, em cuja encosta construía-se o
persas. Com o restabelecimento da teatro. Outros focos de atração
democracia, Péricles erigiu novos espalhavam-se e algumas funções que
templos – o Parthenon (447-32 a.C.) e necessitavam de muito espaço, como o
o Erechtheum (430-20 a.C.), além do estadium e o gynansium (centro
Propylaea (437-32 a.C.), que
funcionava como porta principal.
educacional, cultural e atlético), situavam-
se na periferia ou nos limites urbanos.
Os templos gregos não se destinavam ao uso
ou habitação, mas eram voltados ao impacto  As áreas residenciais eram
visual, o que lhes conferia um lugar de modestas se comparadas ao
visibilidade e evidência na estrutura urbana. tratamento dos lugares públicos,
Para isto, seu acesso era organizado em sendo seu tecido uniforme e ordenado
percursos sinuosos, com vistas de escorço sem pretensões tanto nos traçados
(perspectiva) e em diferença de cota, em que regulares e repetitivos (Miletus,
se vai descobrindo o monumento de pontos Olynthus e Priene) como nos
inferiores, reforçando a monumentalidade irregulares (Atenas).

Antes mesmo do período clássico, em


princípios do século V a.C., os gregos já
tinham começado a dispor algumas CIDADES-
COLÔNIA – como capitais para nações-estado
ou substituição de cidades destruídas pelos
O centro da cidade baixa era a ÁGORA; persas e outros – em um plano organizado,
com ruas que se cruzavam regularmente a
praça do mercado, local de assembléia e
ângulos retos. No século IV a.C., cidades
encontro comunal, onde a população cuidadosamente planejadas e espaços cívicos
urbana se juntava. Com o passar do tinham se tornado a regra urbana na Grécia
tempo, na passagem da aristocracia para antiga.
a democracia, a ágora tornou-se enfim o
núcleo cívico, restando à acrópole o papel Coube ao jônio Hipódamos, suposto
reconstrutor de Miletus (c.479 a.C.)
de centro religioso e simbólico.
após sua destruição pelos persas, o
 Coração vivo da polis (cidade livre princípio básico que norteava o
grega) e foco de toda a atividade planejamento das novas cidades
cívica, a ágora era o cenário gregas: a configuração ortogonal em
permanente da vida social, comercial, “tabuleiro de xadrez”, inclusive em
política, administrativa, legislativa, terrenos acidentados, o que exigia o
jurídica e religiosa da comunidade. emprego de terraços (altiplanos).

14
O HELENISMO como forma de vida e
cultura criou raízes e se propagou,
especialmente pela sua adoção por povos
de outras origens. Alexandre, o Grande, e
seus sucessores criaram não só inúmeras
colônias, como também grandes
metrópoles que rivalizaram com as
grandes capitais do Oriente.

Como regras básicas para a fundação de


colônias gregas, como as de Rodes,
Agrigento, Pesto, Neapolis e Pompeii,
destacavam-se as seguintes idéias:
a) Ruas sempre traçadas em ângulo reto e
de dimensões modestas, com poucas
vias principais (largura de 5 a 10 m) no
sentido do comprimento, que dividiriam a
cidade em faixas paralelas, e um número
maior de vias secundárias transversais  Supõe-se que Alexandria cobria
(largura de 3 a 5 m); uma superfície de até 900 hectares,
b) Grade de quarteirões retangulares e sendo cercada por uma ampla área
uniformes, a qual poderia variar nos urbanizada que pode ter atingido de
casos concretos para se adaptar ao meio a um milhão de moradores. Até
terreno e às outras exigências hoje ela mantém-se como importante
particulares (a distância menor desses centro econômico do Mediterrâneo.
quarteirões – a distância entre as vias
secundárias – deveria ser suficiente para Antioquia possuía de 200.000 a 300.000
uma ou duas casas individuais, ou seja, habitantes, atingindo suas principais ruas,
de 30-35 m; e a distância entre as vias como em Alexandria, até 30 m de largura por 4
principais deveria ser de 50 a 300 m);
a 5 km de extensão. Já Pergamum era uma
c) As áreas especializadas, civis e cidade secundária, embora seus monumentos
religiosas, deveriam se adaptar à grade distribuídos sobre um morro com mais de 250
comum, sendo muitas vezes dispostas
em um ou mais quarteirões normais (as
m de desnível conformassem um esplêndido
ruas principais não entrariam nestas conjunto cenográfico.
áreas, mas seriam a elas tangentes);
d) O perímetro da cidade – que não deveria
ultrapassar 10.000 habitantes – não
precisaria seguir uma figura regular,
podendo os lotes terminarem de maneira
irregular perto dos obstáculos naturais
(montes e encostas);
e) Os muros deveriam correr rentes aos
lotes, unindo as alturas mais defensáveis,
mesmo a uma certa distância do
povoado, razão porque tinham
costumeiramente um traçado mais
irregular. PERGAMUM, TURQUIA
A constância da grade colonial grega, definida Os romanos foram os mais importantes
por Hipódamos, confirmava a unidade do de todos os conversos pela civilização
organismo urbano e a uniformidade de todas helênica, a qual foi a maior responsável
as áreas e das propriedades particulares pela homogeneização de sua sociedade,
perante a regra comum, imposta pelo poder cujas bases encontravam-se na
público. Tal REGULARIDADE não
civilização etrusca, surgida no século IX
comprometia a hierarquia entre o homem e o
mundo, pois permitia conceber, padronizar a.C., na costa tirrênica, e depois
e/ou expandir uma cidade, mesmo grande. expandida para o interior entre os séculos
VII e VI a.C.

15
Na Etrúria, existiam muitas cidades-estado O FORUM ROMANUM, equivalente à
(Volterra, Arezzo, Cordona, Chiusi, Perugia, ágora grega, passou por várias
etc.), governadas de modo aristocrático e transformações, passando de certa
unidas por uma liga religiosa. De traçado irregularidade para uma preocupação
irregular e cercadas de muralhas, foram
cada vez maior com a simetria formal, a a
profundamente modificadas pelos romanos.
perpendicularidade de eixos, a
Encontra-se nos etruscos a origem de monumentalidade dos edifícios públicos e
muitas regras romanas para o traçado de o fechamento de seu recito ao tráfego.
cidades novas – tanto colônias latinas  Sua monumentalidade era
autônomas (não soberanas) como enfatizada por plataformas elevadas,
colônias militares – devido à sua grande sobre as quais se construíam os
expansão territorial: prédios públicos, estes acessados por
 Inauguratio (consultar os deuses para escadarias, compostas por vários
fundar novas cidades) stylobatos (NORBERG-SCHULZ, 1983).
 Limitatio (traçar perímetros exteriores e
interiores)
A disposição regular e ortogonal dos
 Consecratio (celebrar sacrifícios na
castrum originou-se dos acampamentos
recém-fundada cidade) romanos, que também se desenvolviam
em forma quadrada, cujas vias principais
A fundação de cidades-colônia romanas partiam da tenda do general. Dando maior
representava um ato político e a escolha flexibilidade ao modelo grego, os
de seu local era essencialmente de romanos deram grande importância à
natureza prática, variando conforme as orientação no planejamento urbano,
comunicações, a riqueza agrícola, o atentando para a salubridade, a higiene e
controle da travessia de um rio ou a a exposição ao sol, aos ventos e à
existência de um porto natural. umidade do terreno, além da topografia.
 As novas cidades romanas  Outros critérios para a orientação
(castrum) eram traçadas a partir de das novas cidades eram o caimento
duas grandes vias (Cardo Maximus e (facilidade de drenagem), a travessia
Decumanus Maximus) que se de uma estrada principal ou a testada
cortavam em ângulo reto junto ao para o mar. No plano das edificações,
forum (BENEVOLO, 2001). orientava-se para o sul (sol de inverno)
Da mesma forma, os traçados retilíneos os principais aposentos das moradias
das estradas principais serviam de linhas e para o leste os templos. O
abastecimento de água dava-se por
de referência para a divisão racional do aquedutos e as ruas eram calçadas e
território cultivável do Império (a pavimentadas (BENEVOLO, 1982).
centuriatio), onde este era atribuído aos
colonos romanos ou latinos enviados aos
territórios de conquista.

TIMBAG, ALGÉRIA
Destacaram-se as colônias romanas de
Timbag, situada na Argélia, Aosta (Itália),
Agrippina (hoje Köln ou Colônia, Alemanha),
além de Venta Silvurum (hoje Caerwent),
FORUM DE TRAJANO, ROMA Chester, Silchester e Colchester (Inglaterra).

16
ROMA
Surgiu como um pequeno povoado,
situado entre os territórios ocupados pelos
etruscos, sabinos, latinos e as colônias
gregas localizadas ao sul da península
itálica. Seu crescimento foi lento: de
pequeno aglomerado em 754 a.C. até a
maior metrópole do mundo antigo entre os
séculos II e III d.C.
 Nascida estrategicamente à
margem direita do rio Tibre (Tevere)
em uma região com várias colinas –
MARCUS VITRUVIUS POLLIO (c. 90-20 destacando-se os setes montes:
a.C.) foi autor do primeiro tratado de Caelius, Cispius, Oppius, Aventinus,
arquitetura da história e responsável pela Palatinus, Quirinalis e Viminalis –,
Roma era cercada por muralhas e
sistematização do pensamento clássico tinha seu centro no fórum, o qual
aplicado à construção, inclusive no que se desempenhava as funções vinculadas
refere às normas urbanísticas. ao sistema comercial legal e religioso
 Nos dez livros que compõem sua do Estado, incluindo assembléias.
obra fundamental, De architettura
(c.30-25 a.C.) – a qual foi “perdida”
durante a Idade Média, “redescoberta”
em 1412 e impressa “reformulada” em
1521 –, concebia a CIDADE IDEAL
como aquela dotada de planta
octogonal e rodeada de muralhas, por
motivos não somente defensivos,
como também meteorológicos, já que
visava protegê-la dos ventos
predominantes (BENEVOLO, 1981).

Dotada de um sistema eficaz de muralhas e


aquedutos, além de grandes estruturas
públicas (circus maximus, campo marzio,
templos, teatros, anfiteatros, fóruns e termas),
a cidade foi sucessivamente acrescida de
melhorias pelos seus governantes como
Cláudio e Júlio César.
 Durante toda a era republicana,
Posteriormente, as idéias de Vitrúvio de 508 a 44 a.C., Roma foi
influenciaram todos os arquitetos da embelezada com novos edifícios e
Renascença; e seus escritos tornaram-se um estruturas majestosas, voltadas a
verdadeiro texto sagrado àqueles que queriam cortejos triunfais e festividades. A
basear seus projetos na antiguidade clássica. rede de esgotos, iniciada no século
Partiu dele a inspiração para algumas
V a.C. foi continuamente ampliada,
soluções urbanas utópicas renascentistas,
com plantas circulares e poligonais dentro das assim como os aquedutos, que
quais se situavam quarteirões em trama ou chegaram ao total de 13
dispostos em linhas radiais. (1.000.000 m3).

17
No primeiro século do Império, Roma cresceu Em meados do século XV, quando Nápoles,
de 400.000 para 1.200.000 habitantes (Séc. II Veneza e Florença já eram grandes cidades
d.C.). O reinado de Augusto, fundador do totalmente formadas, Roma ainda era um
sistema imperial, estabeleceu um padrão de pequeno centro, abandonado e empobrecido
embelezamento da capital que acabou sendo pela longa ausência do poder papal. Sua
seguido pelos imperadores subseqüentes, que paisagem citadina era dominada pelas ruínas
fizeram uma série de reformas voltadas ao antigas e igrejas do primeiro cristianismo; e
luxo e à grandiloqüência da cidade. seus habitantes – menos de 40.000 –
concentravam-se nas duas planícies à
 Após o incêndio de 64 d.C., Nero margem do rio (Campo Marzio e Trastevere)
(37-68 d.C.) alargou ruas, abriu praças em uma área de 1.300 hectares.
e construiu novas edificações,
inclusive a sua residência (Domus  A partir de 1420, com a volta dos
Aurea). Seus sucessores, os papas e, especialmente no papado de
imperadores flávios – Vespasiano, Nicolaus V (1397-1455), começado em
Domiciano, Trajano e Adriano –, 1447, iniciou-se um programa de
prosseguiram seus trabalhos e criaram reconstrução da cidade imperial, onde
novas estruturas, como a do anfiteatro se restaurou e recuperou benfeitorias
Coliseo (78-80 d.C.). e monumentos antigos (muros, ruas,
pontes, aquedutos, basílicas e igrejas)
Iniciou-se a construção, nas proximidades de
São Pedro, sobre a colina do Vaticano, a
citadela da corte papal, embora a cidade
permanecesse secundária por todo o século
XV. Entre 1471 e 1484, Sixtus IV (1414-84)
empreendeu várias reconstruções e
benfeitorias, inclusive iniciando a retificação de
algumas vias no labirinto do conjunto
habitacional medieval

Nesse período, Roma atinge seu máximo


poderio, o que acaba se refletindo em seu
aspecto físico e territorial. Paralelamente
às construções públicas, desenvolve-se a
construção de moradias – tanto as domus
(casas individuais térreas ou
assobradadas, agrupadas em torno do
atrium e do peristilum) como as insulae CIDADE DO VATICANO
(casas coletivas de vários andares, No fim do século XV, as atividades
surgidas no século IV a.C., formadas por romanas de construção aumentaram para
um térreo comercial, tabernae, com a preparação do Ano Santo de 1500,
apartamentos superiores, cenacula). convocando-se grandes artistas
 No início da era cristã, a cidade renascentistas – como Donato Bramante
crescia congestionada e a rede viária (1444-1515), Michelangelo Buonarroti
tornou-se insuficiente. Surgiram (1475-1564) e Rafael Sanzio (1483-1520)
problemas de moradia, limpeza e –, os quais foram chamados
abastecimento. A decadência do
sistematicamente a partir de Julius II
Império Romano, iniciada após o
reinado de Marco Aurélio (121-180
(1443-1513), sobrinho de Sixtus IV, para
d.C.) conduziu ao seu colapso e ao conferir a Roma seu aspecto moderno. O
progressivo desprestígio de Roma, tecido humilde e emaranhado acabou
cuja população diminuiu até 25.000 cortado sem hesitação, dando lugar a
pessoas em plena Idade Média. novas ruas retilíneas e edifícios regulares.

18
A cidade passou a ser chamada popularmente
4 de Constantinopla quando, entre 324 e 330
d.C., Constantino fez uma série de
CIDADE MUÇULMANA intervenções para transformá-la na “Nova
Roma”, como a ampliação das muralhas, a
abertura de um novo fórum e a reorganização
da acrópole, do palácio imperial e do
Desde finais do século II d.C., Roma vinha hipódromo. Seu sucessor Teodósio I continuou
perdendo seu caráter de capital única, já os trabalhos até o século IV d.C.
que os tetrarcas, que compartilhavam a  Apesar da queda do Império
administração imperial com Diocleciano, Romano do Ocidente, em 476 d.C., a
residiam em outras cidades. Em 313 d.C., cidade permaneceu como o centro
seu império acabou dividido em dois: o político e econômico da parte oriental,
Ocidental, cuja capital passou a ser alcançando seu ápice no século VI
Ravenna; e o Oriental, liderado por d.C. com Justinianus I (483-565 d.C.),
Bizâncio (mais tarde rebatizado como que levou o poder bizantino à sua
maior extensão, incluindo Síria,
Constantinopla).
Palestina, Ásia Menor, Grécia, os
 Ravenna era uma cidade romana Bálcãs, Itália, sul da Espanha e
secundária, fundada entre os pântanos territórios do norte da África, inclusive
da Costa Adriática e transformada na o Egito (BENEVOLO, 2001).
nova capital ocidental por Honório em
Aprimorada e embelezada por cerca
402 d.C. Mais tarde, tornou-se a
de 1000 anos, Constantinopla foi
capital do reino ostrogodo e das
sempre cercada de inimigos, tendo
províncias bizantinas da Itália.
sido sitiada por eslavos, árabes,
Hoje um centro industrial italiano em búlgaros, persas e russos, caindo para
ascensão, a cidade encontrou seu apogeu os otomanos (turcos) em 1453 d.C.,
entre os séculos V e VI d.C., vinculando-se à quando passou a se chamar Istambul.
sorte do domínio bizantino. Seus palácios reais
Com o esfacelamento do poderio romano
e imperiais desapareceram, mas sobreviveram
as igrejas, cujos exteriores carecem de
e início da Idade Média, a unidade do
ornamentação, mas os interiores são mundo mediterrânico foi interrompida,
ricamente revestidos em mármore. intensificando-se a expansão da
CIVILIZAÇÃO ISLÂMICA. Os árabes
invadiram as costas do Mediterrâneo a
partir da metade do século VII d.C. e
apoderaram-se de várias áreas
urbanizadas do Oriente helenístico, como
Alexandria, Antioquia, Tesifo, Damasco
e Jerusalém, entre outras cidades.
 Damasco, situada na atual Síria,
foi a primeira capital dos califas
Omíadas, de 660 a 750, em cujo
recinto sagrado foi construída a
primeira mesquita do Islão.
Mais tarde, com a conquista de mais
 Bizâncio era uma das cidades
territórios, os árabes preferiram fundar
coloniais gregas mais importantes e
novas cidades, como: Kairouan
ricas, fundada pelo explorador Bizas
(Tunísia, 670); Xiraz (Pérsia, 674);
em cerca de 667 a.C. numa
Bagdá, (Mesopotâmia, 762); Fez
localização estratégica no estreito de
Bósforo, na passagem entre os mares (Marrocos, 808) e Fustat ou Cairo
Negro e de Mármara, que se ligava ao (Egito, 969). Na Espanha, a partir de
Mediterrâneo e garantia sua expansão 711, e na Sicília, em 827, escolheram
até virar uma cidade-estado como capitais cidades secundárias –
independente (KOSTOF, 1991; JELLICOE respectivamente, Córdoba e Palermo –
& JELLICOE, 1995). e a transformaram em grandes e
populosas metrópoles muçulmanas.

19
cidade torna-se um agregado de casas,
geralmente de um andar só (como
prescreve a religião), que se voltam para o
interior e mantêm fachadas austeras; e as
ruas são estreitas (sete pés, conforme a
regra de Maomé), sendo algumas
cobertas, formando um labirinto de
passagens cobertas que não permitem
uma orientação e uma visão de conjunto
do bairro.
e) O organismo urbano torna-se compacto e
fechado por um ou mais muros que
As cidades islâmicas fundadas ou diferenciam vários recintos (o mais interno
transformadas pelos árabes, do Atlântico chama-se madina ou medina). As lojas
até a Índia, eram muito semelhantes entre dos comerciantes não são agrupadas em
uma praça, mas sim alinhadas em uma ou
si e conservam a sua estrutura originária mais ruas, cobertas ou não, cujo conjunto
até a época moderna, bastante forma o bazar. Nessa tessitura irregular,
semelhante a das cidades antigas. Suas abrem-se e se valorizam os grandes pátios
características mais importantes são: regulares das mesquitas.

a) Todo o conjunto urbano da construção,


incluindo casas, palácios e edifícios
públicos, forma uma série de recintos que
se voltam para os ambientes internos
(pátios) e não para o espaço externo;
b) Suas praças (ágoras, foros e mercados)
são recintos maiores e não se confundem
com as ruas, as quais são corredores
apenas suficientes para a passagem de
pedestres e tráfego, sendo raras as praças
As MESQUITAS (mezquitas) constituem-se em
alongadas ou as grandes ruas porticadas;
locais de culto muçulmano compostos por pátios
c) A simplicidade e o isolamento do novo porticados, com um pórtico mais profundo dividido
sistema cultural defendido pelo Alcorão, por muitas fileiras de colunas, onde os fiéis
livro sagrado do islamismo, acabaram por individualmente ou em grupos encontram um local
reduzir todas as relações sociais, o que isolado para rezar. Diferenciam-se assim dos
fez com que se diminuísse a complexidade templos pagãos (edifícios fechados ao público, que
e a uniformidade das cidades helenísticas se olham do lado de fora) e das igrejas cristãs
e romanas. O Islão acentua o caráter (espaços fechados unitários, onde todos os fiéis
reservado e secreto da vida familiar participam de uma cerimônia coletiva).
Ao invés de basílicas, teatros ou estádios, a cidade f) Dentro do tecido urbano emaranhado,
muçulmana enfatiza as habitações particulares cada grupo étnico religioso tem seu bairro
(casas e palácios), além de dois tipos de edifícios distinto e o príncipe geralmente reside em
públicos: os banhos para as necessidades do uma zona periférica (maghzen), protegida
corpo, que correspondiam às antigas termas; e as por muros. A porta de entrada da cidade
mesquitas para o culto religioso; (bab) é muitas vezes um edifício
monumental e complicado (com uma porta
externa um ou mais pátios intermediários e
uma porta interna), de cuja entrada nasce
a rede de ruas a partir de onde não são
mais possíveis o encontro e a parada;
g) A proibição religiosa da representação da
forma humana impede o desenvolvimento
das artes figurativas (pintura e escultura) e
promove uma decoração abstrata
composta de figuras geométricas e de
sinais da escrita (arabescos), com notável
uniformidade e totalmente integrada com a
arquitetura.

Entre as cidades muçulmanas mais


características, além de algumas já citadas,
destacam-se: Toledo (Espanha), Casbah e
d) Perde-se a regularidade em grande escala Ghardaia (Argélia), Marrakesh (Marrocos),
das cidades helenísticas assim como uma Tunis (Tunísia), Trípoli (Líbia) e Alepo (Síria).
administração municipal para impô-la. A

20
A queda do Império Romano deixou a
Espanha (Hispania) nas mãos dos
visigodos, invasores bárbaros do norte,
mas sua desorganização os fez serem
vencidos pelos árabes e berberes do
norte africano (mouros), em 711 d.C.
Iniciou-se assim a história de Al-Andalus,
nome dado à Espanha pelos
colonizadores muçulmanos, os quais
O ISLÃO interrompeu o processo de
permaneceram no poder até sua expulsão
colonização ocidental do Mediterrâneo e
definitiva, em 1212 (embora Granada
do Oriente Médio, desenvolvendo um
tenha permanecido em mãos árabes até o
império que se estende, do século VIII ao
século XV).
XII, por uma ampla região que abrange
 Um rico e poderoso califado parte da Europa, Ásia e África.
estabeleceu-se em Córdoba e várias
cidades mouriscas foram fundadas na  Bem mais parecida com a cidade
região hoje conhecida como primitiva oriental do que com a
ANDALUZIA, destacando-se: clássica, a CIDADE MUÇULMANA é
Granada, Sevilha, Málaga, Almería, uma cidade secreta, de caráter privado
Zaragoza e Jaén, além de Toledo, e hermético; e fez aflorar a tradição
depois transformada em capital cristã. mais antiga das regiões onde se tinha
iniciado, 4.000 anos antes, a
civilização humana. Proliferando-se
por todos os domínios árabes, mantém
suas características peculiares até
hoje (GOITIA, 2003).

EL-ALHAMBRA, GRANADA
Na Espanha mourisca, alcazaba era o
castelo construído pelos muçulmanos
dentro da cidade árabe fortificada,
geralmente protegido por outras
muralhas. Ele constitui-se em um
importante elemento de arquitetura Bagdá foi fundada em 762 d.C.
islâmica, assim como as mesquitas e segundo um ambicioso plano
os palácios construídos em Córdoba urbanístico circular, com mais 2,5 km
(el-Alcazar) e Granada (el-Alhambra). de diâmetro, tendo sido destruída
Denomina-se moçárabe (do árabe mustarib; pelos mongóis em 1258 e reconstruída
arabizado) a arte e a arquitetura realizadas no mesmo lugar sem reproduzir a
pelos cristãos da península ibérica, de língua originária regularidade. Como a nova
árabe, que conservaram sua religião sob a capital dos califas Abássidas, teve
dominação islâmica do século X ao século mais de um milhão de habitantes e foi,
XI.Já mudéjar (do árabe mudejan) designa por longo período, o mais importante
aquelas que foram feitas pelos muçulmanos centro de comércio e cultura mundial.
que permaneceram na Espanha depois da Depois das Cruzadas e da destruição de
reconquista cristã, do século XII ao XIV. Bagdá, o Islão continuou se expandindo,
Estilos medievais bastante decorativos, mas somente para o Oriente (leste). Os
caracterizavam-se pela sua exuberância, impérios muçulmanos dos séculos XVI e
intrincados ornatos e respectivos motivos XVII – o dos Safâwidas no Irã e o dos
religiosos, tanto em edificações, sacras ou Moghul na Índia – realizaram seus últimos
não, como no mobiliário. arranjos em Isfahan, Agra e Delhi.

21
Na Era Moderna, as cidades islâmicas JERUSALÉM
orientais adquiriram maior uniformidade e
uma regularidade geométrica em grande Berço das três maiores religiões do
escala, principalmente por influência mundo – o cristianismo, o islamismo e o
clássica, o que muitas vezes acabou judaísmo – a cidade teve sua origem por
entrando em conflito com o tecido volta de 3000 a.C., quando tribos
tradicional das cidades muçulmanas já nômades da Palestina, originalmente
formadas, associando assim influências pastores, passaram a viver da agricultura.
dos arranjos barrocos europeus aos
modelos persas e indianos.  Segundo a tradição bíblica, em
cerca de 1000 a.C., o rei hebreu Davi,
da casa de Judá, escolheu este
povoado às margens do deserto da
Judéia como capital de seu reinado,
seguido pelo do seu filho, Salomão,
que construiu um templo em adoração
a Deus, transformando a cidade no
centro da religião judaica. Daquele, só
o Muro das Lamentações teria restado,
sendo assim sagrado.
Por volta do ano 30 d.C., Jerusalém foi palco
PALÁCIO DE FATEHPUR SIKRI, AGRA da crucificação de Jesus, tornando-se também
sagrada para os cristãos. Em 335, ergueu-se a
No final do século XVI, a cidade de Isfahan foi
Igreja do santo Sepulcro, no local do seu
escolhida para a nova capital do reino do Xá
sepultamento. No século II, após uma série de
Abas I, o que fez com que o organismo da
revoltas contra o domínio romano, os judeus
cidade medieval, concentrado em torno da
foram expulsos da Terra Santa e, com a
mesquita principal fosse ampliado para o
expansão muçulmana, o Islão chegou à cidade
oeste por meio de uma série de episódios
no século VII. Os árabes ergueram sobre a
simétricos e geométricos, como a nova
pedra onde Maomé supostamente teria subido
mesquita real e a praça Meidan-i-Xá.
ao céu o Domo da Rocha em 691.
 Os novos ambientes iranianos
acabaram sobressaindo-se no tecido
urbano, não por sua consistência
volumétrica, mas pelo seu traçado
rigoroso, que exprimia o caráter
eminente do poder, aos moldes do
barroco ocidental.

Durante as Cruzadas foi alvo da disputa acirrada


JARDINS DO TAJ MAHAL, AGRA entre cristãos e muçulmanos tendo sido
Na ÍNDIA moderna, os imperadores conquistada 25 vezes e destruída cerca de 17
vezes ao total. Seu aspecto remonta da era
Moghul (Akbar e Jahan) realizaram bizantina e suas muralhas erguidas no século XVI.
importantes conjuntos urbanos no século O núcleo histórico está divido em quatro bairros,
XVII, grandiosos e regulares, como o ocupados por muçulmanos, cristãos, judeus e
Forte Vermelho (1639) e a Grande armênios. Ao sul e leste da Cidade Velha estão os
montes das Oliveiras e Sion; e ao norte e oeste a
Mesquita (1656) de Dehli; e a Cidadela- Jerusalém moderna. A criação do Estado de
Palácio e o célebre Taj Mahal (1631/56), ISRAEL em 1948 até hoje mantém a situação de
tumba da esposa do Xá Johan, em Agra. conflito e disputa na região.

22
 Esses mosteiros românicos e
5 principalmente os bizantinos eram
ricamente decorados (mosaicos) e
constituíam-se em grandes complexos
CIDADE MEDIEVAL formados por uma igreja, algumas
moradias e unidades produtivas.

No século IV d.C., devido às inúmeras e A economia feudal baseava-se no feudum, que era
a sua unidade produtiva enraizada na agricultura
constantes invasões bárbaras e às graves de subsistência (latifundium), que geralmente
crises de administração interna, o Império pertencia a senhores de terras, tanto laicos como
Romano acabou dividido entre leste e religiosos (CHILDE, 1981; PIRENNE, 1997).
oeste. A parte oriental, conhecida como
Nessa época, as relações de produção
Império Bizantino, sobreviveu à queda voltaram-se para a exploração do solo e a
do Ocidente em 476 d.C. e existiu até a organização social definiu-se entre
conquista de Constantinopla (Bizâncio) proprietários de terras (castelãos), servos
em 1453 d.C. pelos turcos (otomanos). e camadas intermediárias (artistas,
Esse período que compreende cerca de aprendizes e mestres de ofícios).
dez séculos correspondeu à chamada
IDADE MÉDIA.  Apareceram os BURGOS, recintos
amuralhados de perímetro pouco
 Com o fim do poderio romano, extenso, em cujo centro se erguia uma
iniciou-se a era medieval, na qual torre com a guarnição de defesa, além
sucumbiu toda a cultura clássica do castelo do senhor feudal.
promovida pela civilização greco-
romana e se iniciou um lento processo
de despovoação das cidades e
mudança social e econômica
(Feudalismo).
As tribos bárbaras – inicialmente
visigodos, vândalos e francos, seguidos
pelos normandos (vikings), eslavos e
mongóis – levaram Roma ao declínio,
assim como à formação da CIVILIZAÇÃO
MEDIEVAL, cuja história propriamente
dita começou com a coração de Carlos Durante a ALTA IDADE MÉDIA, não
Magno, rei franco entre 742 e 814 d.C. havia cidades no sentido social,
 Do século VI ao XI, durante a econômico ou jurídico, mas somente os
estagnação cultural e econômica que centros eclesiásticos (mosteiros) e os
se seguiu ao esfacelamento do mundo burgos (castelos), que não eram mais que
clássico, foi a Igreja que preservou o fortalezas de defesa e sedes de
latim, disseminou o cristianismo e administração feudo-religiosa.
garantiu a sobrevivência das
chamadas cidades eclesiásticas, que  De início uma instituição militar, os
eram comunidades religiosas burgos transformaram-se em centros
formadas em torno de mosteiros, cuja políticos, onde o castelão (castellanus)
vida girava em torno da religião. passava de simples comandante para
alguém com autoridade financeira e
judiciária sobre um território mais ou
menos extenso, em volta das
muralhas, que, a partir do século X,
denominou-se castelania.
Esta dependia do burgo assim como o bispado
dependia da cidade romana antiga. Em caso de
guerra, os habitantes vizinhos buscavam-lhe
abrigo, sendo mais uma população de fortaleza do
que de cidade, já que não havia nem produção
nem comércio.

23
Nesse período histórico – que abrange as Além disso, a existência de um comércio
dinastias Visigótica (410-711), Merovíngia ambulante e ocasional; e a realização de
(481-751), Lombarda (568-774), Asturiana feiras medievais que promoviam a troca
(718-910), Carolíngia (775-825) e periódica de mercadorias foram outros
finalmente Moçárabe (800-980) –, fatos que fizeram a economia renascer.
desapareceram tanto a diferença jurídica
 Tornou-se indispensável um lugar
como a física entre cidade e campo. fixo para os viajantes, que se
 A disposição das comunidades estabeleceram em aglomerações
urbanas, menores e mais pobres, na comerciais à volta dos burgos,
estruturas remanescentes das cidades formando o novus burgus (forisburgus
romanas e a formação das aldeias ou suburbium), em contraposição ao
rurais nos feudos desenvolveram-se vestus burgus (BENEVOLO, 2001).
de modo muito semelhante, marcado
Aos poucos, os comerciantes libertaram-se da
pelo caráter espontâneo, despreocupa
vida campesina e tornaram-se privilegiados,
e bastante naturalista, tanto em
escapando do poder privado e senhorial. Os
traçado como arquitetura.
habitantes dos subúrbios passaram a serem
chamados de burgueses (burguenses) e os do
velho burgo de castellani ou castrenses.

No final do século X, início da BAIXA


IDADE MÉDIA, começou o renascimento
econômico da Europa, promovendo o
aumento da produção agrícola, o
desenvolvimento progressivo do comércio O surgimento desses mercadores fez
e o crescimento da população que, de com que o comércio se intensificasse
cerca de 22 milhões em 950, atingiria e as antigas vilas aumentassem,
transformando-se em novos centros
aproximadamente 55 milhões em 1350.
econômicos. Ocorria uma mudança no
Os burgos passaram a abrigar artesãos, modo de produção, que de tributário
os quais se associaram em corporações feudal tornou-se mercantil simples.
de ofício, assim como os comerciantes
reuniam-se em guildas, voltadas a Essa transformação mudou radicalmente
defender os interesses de cada profissão. o sistema das possessões, tanto na
cidade como no campo, fazendo se
 São apontadas várias ordens de desenvolverem, a partir do século XI,
causas para tal mudança, que
algumas CIDADES-ESTADO, frutos da
conduziria ao fim da era medieval:
concentração de pessoas provenientes do
a) Estabilização dos últimos povos meio rural, artesãos e mercadores.
invasores(húngaros, árabes e eslavos)
b) Inovações técnicas na agricultura  Nestas novas cidades, essa
(rotação trienal de culturas, difusão de população burguesa passou a gozar
moinhos d‟água e novos sistemas de de novas condições sociais e
arados e transportes eqüestres) econômicas (liberdade pessoal, além
c) Influência de cidades costeiras de autonomia judiciária e
(Veneza, Gênova, Napoli, Amalfi, etc.), administrativa) e, pelo embate com os
que mantiveram os contatos com o bispos e os príncipes feudais, adquiriu
comércio internacional do o poder público, fazendo nascer as
Mediterrâneo, o que incentivou o
comunas, ou seja, Estados com uma
renascimento das outras cidades como
centros comerciais. lei própria que defendia interesses
econômicos (NORBERG-SCHULZ, 1983).

24
A cidade-estado medieval dependia do
campo para seu abastecimento e, ao
mesmo tempo, controlava um território
mais ou menos extenso à sua volta. Mas,
diferentemente da grega, não concedia
paridade de direitos aos habitantes do
campo (BENEVOLO, 2001).
 Apesar de suas relações
econômicas e políticas terem uma
escala maior, permanecia uma “cidade
fechada”, pois era guiada pelos
interesses restritos da sua população O desenvolvimento das cidades promoveu
urbana, que, por sua vez, não tinha um e acelerou mudanças no campo, já que a
corpo unitário – como a assembléia CIDADE MERCANTIL acabou importando
democrática grega –, mas era víveres e matérias-primas, assim como
heterogêneo, tanto que, em fins do exportava produtos manufaturados para
século XIV, seu governo passaria para
as populações rurais. Aumentaram-se as
as mãos de famílias aristocráticas: a
comuna evoluiu para a senhoria. áreas cultivadas e desenvolveram-se
novos vilarejos, que gozavam de maior
liberdade pessoal dos trabalhadores e
governo autônomo, geralmente por parte
de um magistrado eleito pelo povo.
 Durante os séculos XIII e XIV,
novas aldeias foram fundadas na
periferia do mundo europeu,
principalmente por motivos
econômicos ou militares:
 Anglo-Francesas (bastides), criadas
por iniciativa dos reis e dos
feudatários franceses (Aiques-
Mortes, Carcassonne, Marpazier) e
britânicos (Winchelsea, Kingston-
Do século XI ao XIV, os órgãos do upon-Hull, Flint) que se combatiam
governo dessas comunidades na Guerra dos Cem Anos;
medievais eras compostos por:
 Espanholas (poblaciones), feitas
 um conselho maior formado pelos pelos príncipes cristãos nos
representantes das famílias mais territórios tomados pouco a pouco
importantes; dos mulçumanos expulsos;
 um conselho menor, que
funcionava como junta executiva;  Alemães para a colonização oriental,
conquistadas aos eslavos pelos
 um certo número de magistrados,
cavaleiros da ordem teutônica
eleitos ou sorteados (os consoli
(Ceske Budejovice, Telc).
na Itália, os jurés na França ou os
échevins em Flandres). Até a Renascença, as cidades européias
A eles se contrapunham as associações representavam o centro ativo de uma
que representavam uma parte dos comunidade de artesãos e comerciantes
cidadãos: as corporações (arti na Itália, da classe média, que era formado por um
gilds na Inglaterra ou zünfte na Alemanha) aglomerado de casas e oficinas,
e as companhias do povo armado, que distribuídas ao longo das principais vias e
nomeavam um seu magistrado, o capitão em torno de uma piazza, onde se
do povo. Somava-se a isto o poder localizavam a catedral, o palácio municipal
religioso dos bispos e das ordens e os serviços necessários às atividades
monásticas, com sede na cidade. Como comerciais. As ruas eram estreitas e
árbitro de conflitos, nomeava-se, em tortuosas, de configuração concêntrica ou
certos casos, um magistrado forasteiro radial-concêntrica.
(podestade).

25
Constituindo-se na expressão inicial de e) Formava um espaço público comum e
um corpo político privilegiado (burguesia), complexo, que se espalhava por todo o
conjunto e no qual estavam todos os
o qual cresceu progressivamente desde o edifícios público e privados, com seus
início do século XI até a metade do século eventuais espaços internos, pátios ou
XIV, a CIDADE MEDIEVAL: jardins (espaços públicos e privados não
eram zonas contíguas e separadas como
a) Localizava-se geralmente em terrenos na cidade antiga);
irregulares e acidentados, ocupando o f) Não possuía rede de esgoto e a drenagem
topo de uma colina ou ilha, para favorecer era feita através das ruas. A água era
a sua proteção. Com exceção daquelas disponível quase que unicamente na fonte
fundadas pelos romanos (que nasciam do principal da cidade. Havia vários bairros,
cruzamento de duas vias perpendiculares
dotados de fisionomia individual, símbolos
–Cardo e Decumanus – com a Sé ou
específicos e muitas vezes organização
catedral ao centro), seguia naturalmente a política própria, os quais, a partir do século
topografia, mantendo-se o caráter XIII, tornaram-se centros secundários nos
informal. bairros periféricos.
b) Era cercada por uma muralha (obra g) Tinha uma estrutura organizativa
pública de traçado geralmente irregular e complexa, na qual se sobrepunham
arredondado) que, além de protegê-la
diversos poderes (episcopado, governo
contra roubos e invasões, controlava a
municipal, ordens religiosas, corporações),
entrada e saída de indivíduos em períodos
o que resultava em vários centros: o
de paz, a partir do pagamento de taxas.
religioso (catedral e palácio episcopal), o
Devido ao crescimento da cidade e
civil (palácio municipal) e um ou mais
conseqüente escassez de espaço interno,
comerciais (lojas e palácios das
tornava-se necessário a construção de
associações mercantis);
novos muros, para proteger novas
hospedarias , oficinas, mosteiros e outras
instituições que começassem a se
localizar fora das muralhas (faubourgs);
c) Possuía uma rede irregular de ruas que
estavam dispostas de modo a formar um
espaço unitário e homogêneo, embora
houvesse certa hierarquia de vias
(enquanto as secundárias eram simples
passagens, as demais tinham várias
funções: tráfego, comércio, reunião, etc.),
que quase sempre irradiavam a partir da
praça da catedral em direção aos portões;
d) Apresentava moradias estreitas e O número de cidades européias aumentou
apinhadas, quase sempre de muitos rapidamente no final da Idade Média, mas sua
andares, abrindo-se para o espaço público população permaneceu relativamente pequena,
e com uma fachada que contribuía para pois raramente se excedia os 50.000 habitantes.
formar o ambiente da rua ou da praça, Foi o aumento do comércio e das viagens que
sendo esta última não independente das levou ao adensamento populacional, ao
vias, mas funcionando como um tipo de congestionamento e à proliferação de epidemias
largo para o qual as ruas se convergiam; após o século XIV (JELLICOE & JELLICOE, 1995).

PRINCIPAIS CIDADES DA BAIXA IDADE MÉDIA: Séc. X-XIV


2
(Com superfície aprox. protegida pelo último cinturão de muros) 1 hectare = 10.000 m
2
100 ha. = 1 km
600 hectares Veneza (a cidade e as ilhas contíguas)
450 a 580 ha. Milão (Séc. XV), Colônia (1180), Florença (1284), Pádua (Séc. XV)
380 a 440 ha. Paris (1370), Bruxelas (1357), Bolonha (Séc. XIII), Verona (Séc. XIV)
200 a 360 ha. Bruges (1357), Nápoles (Séc. XV), Pisa (Séc. XII), Barcelona (1350)
160 a 180 ha. Siena (Séc. XIV), Lübeck (Séc. XIII), Londres (Séc. XIV), Nuremberg (1320)
140 a 150 ha. Frankfurt-am-Main (1333), Avignon (1356)
FONTE: BENEVOLO, 2001.

26
VENEZA BRUGES
Cidade excepcional, cuja forma urbana
permaneceu inalterada desde os finais do
século XI, Veneza (Venezia) surgiu a
partir de quando seus habitantes, para
fugir das incursões dos bárbaros que
entravam na península itálica, refugiaram-
se nas lagunas entre a foz do rio Pó e do
Tagliamento, que ofereciam um ambiente
protegido tanto por terra como por mar.
 Sujeita desde o início à influência
de Constantinopla, tornou-se o centro
comercial intermediário entre o
Ocidente e o Oriente, organizando-se Considerada a maior cidade mercante na
de modo livre, sem enfrentar como as Europa transalpina, desenvolveu-se de
demais cidades lutas entre os
um castelo fortificado fundado pelos
príncipes e os nobres feudais.
condes de Flandres ao longo do curso do
rio Reye, no final do século IX. De posição
altamente favorável ao comércio marítimo,
desenvolveu-se rapidamente, acabando
por se tornar uma cidade livre, com novos
núcleos em pontos elevados e unidos por
um segundo cinturão de muros, atingindo
a área de 86 hectares e 10.000 habitantes
no século XI.
 No século XIII, tornou-se o principal
porto entre a Europa e o Mar do Norte,
Seu formato característico é de um trecho de além de manter fortes relações
laguna urbanizado, localizado onde vários comerciais com as cidades da Liga
canais convergem entre si e desembocam no Henseática, formada por Hamburgo,
mar aberto. Um desses canais – o Gran Bremen e Lubeck. O organismo
Canale – entra na cidade e sinuosamente a urbano, marcado pela irregularidade
percorre por inteiro. Em sua foz, fica a Piazza medieval, expandiu-se e exigiu novas
di San Marco, o centro político da cidade; e em muralhas, as quais foram executadas
seu meio, Rialto, o centro comercial, com a junto a um novo mercado (Waterhalle),
única ponte sobre o Grande Canal. um novo palácio municipal e novas
igrejas estritamente góticas.
 Toda a malha veneziana, que
forma uma massa densa e compacta, Nos últimos decênios do século XIII, cerca de
é recortada por uma rede de canais um terço da renda municipal de Bruges era
secundários, sobre a qual se destinado a obras públicas, incluindo a
desenvolve o tráfego. A maioria de construção de muros, a pavimentação de ruas
seus edifícios, igrejas paroquiais e e o abastecimento de água. A construção de
espaços abertos (campos), foi edifícios privados era disciplinada por uma
realizada entre o fim do século XI e série de regulamentos, que incluíam de regras
início do XII (BENEVOLO, 2001). quanto à altura e disposição dos telhados até a
previsão de praças e alargamento de ruas.
Quando a prosperidade de Veneza chegou ao
ápice, no século XIII, sua fisionomia já estava  Centro de uma rica burguesia,
praticamente definida, restando aos séculos possibilitou o Renascimento flamengo
seguintes os acréscimos artísticos que a do século XV, a partir de quando seu
enriqueceram ainda mais, tornando-a um porto começou a rivalizar com o de
laboratório de experiências que somente entra Antuérpia, o que acabou
em colapso quando deixou de ser soberana, transformando a cidade lentamente,
em 1797, e sofreu com os atuais problemas. estagnando-se.

27
BOLONHA NUREMBERG

Originalmente uma colônia romana, Fundada em 1040 pelo imperador


fundada em 189 a.C., a cidade prosperou Henrique, no ponto de confluência das
e acabou se tornando uma das maiores vias de comunicação entre a Baviera, a
cidades da Itália Setentrional (Região da Francônia, a Suábia e a Boêmia, em um
Emília-Romagna), atingindo de 50 a 80 vale percorrido pelo rio Pegnitz, esta
hectares de superfície e algumas dezenas cidade alemã nasceu ao redor de um
de milhares de habitantes. mercado. Porém, no século XII, Frederico
I fundou um outro conjunto habitacional
 Após a queda do Império Romano,
entrou em ruínas, sendo apenas sua
(Lorenzerstadt) à margem oposta do rio.
parte oriental protegida por muros,  Esses dois núcleos originais, cada
elevados sob Teodorico, no início do um cercado por muralhas, acabou se
século VI. Este cinturão de quatro fundindo em 1320, quando os muros
portas permaneceu o coração da foram ligados à montante do rio e
cidade medieval e dentro dele foram formou-se o organismo unitário do
construídos seus principais Altstadt. Com o acréscimo de novos
monumentos: a catedral, San Petronio, bairros, atinge sua extensão máxima
os palazzi Público e do Rei Enzo, este (160 hectares) e uma população de
ao redor do retângulo da Praça Maior 20.000 habitantes.
que correspondia à malha romana
(BENEVOLO, 2001).
Entre o final do século X e início do XI, a
população de Bolonha (Bologna) começou a
crescer, quando a catedral, antes fora, foi
transportada para o interior dos muros; e foi
fundada sua célebre universidade. Formou-se
a Comuna bolonhesa e os dois núcleos
urbanos – o latino e o longobardo – foram
finalmente unificados e integrados por uma
segunda muralha.

A partir do século XIV, foram construídos os


principais edifícios públicos de Nuremberg,
alguns dos quais considerados entre os mais
importantes monumentos do gótico alemão
tardio, como a Igreja de Sta. Maria (1355) e a
fonte na Praça do Mercado (1385). O Palácio
Comunal, iniciado no século XIV, foi
sucessivamente ampliado até o século XVII,
com uma singular continuidade estilística.
 Na Renascença, a cidade tornou-
O desenvolvimento da cidade continuou no se ponto de passagem obrigatória do
século XII, permitindo novas edificações, comércio terrestre entre a Europa
expansões e reformulações urbanas, exigindo Setentrional, a Baviera e os países
um terceiro cinturão de muros. A crise alpinos, o que acabou enriquecendo-a
econômica iniciou-se na segunda metade do e fazendo prosperar sua vida cultural,
século XIV, comprometendo suas maiores que a transformou em um grande
instituições comunais, que acabaram nas centro de artes, ourivesaria, cartografia
mãos dos visconti de Milão e da Santa Sé. Sua e imprensa. Apesar disso, manteve a
configuração definitiva deu-se no século XV, sua configuração medieval, somente
graças ao governo papal, mas sofreu abalada com os graves bombardeios
alterações com a industrialização que da II Grande Guerra (1939/45), que
conduziram à sua remodelação atual. exigiram a sua reconstrução.

28
 Paralelamente, a cavalaria foi
6 substituída pela artilharia, o que tornou
definitivamente as muralhas obsoletas;
e os moradores das cidades desceram
CIDADE RENASCENTISTA das colinas para as planícies
(BENEVOLO, 2001).

No Início da Idade Moderna, as cidades A CIDADE TARDO-MEDIEVAL era


ocidentais renasceram graças ao lento caracterizada pelo seu singular equilíbrio
mas progressivo desenvolvimento do formal, com a Igreja e a autoridade civil
comércio, tornando-se importantes niveladas e contrapostas na forma global
centros políticos e econômicos, que e nas articulações internas, onde os
levaram à perda do poder dos senhores espaços coletivos públicos e as soluções
feudais e à decadência do feudalismo. arquitetônicas compunham-se livremente.
 Entre os séculos XIV e XV, os  O conceito do espaço urbano
movimentos comunais e a ascensão renascentista abandonou a idéia da
da burguesia reivindicaram o retorno Baixa Idade Média de conjunto vivo e
do poder municipal, passando os orientou-se para um ideal de perfeição
mercadores a financiarem a formal pura. Passou-se a predominar a
implantação de monarquias nacionais. uniformidade, os traçados regulares e
Além disso, teve início a as ruas irradiadas de uma praça
RENASCENÇA, período marcado pelo central, em que canhões defendiam
grande avanço intelectual e artístico de estrategicamente as entradas.
toda a sociedade, de bases filosóficas
(Humanismo).
Durante a Era das Navegações, o
comércio deslocou-se do Mediterrâneo
para o Atlântico e o mercantilismo
desenvolveu-se apoiado pela expansão
do Capital comercial e usurário, este
incentivado pela Reforma religiosa.
 No século XVI, um novo padrão de Na idéia renascentista de cidade, toda a
vida emergiu do novo modo de motivação de ordem sagrada e/ou
produção econômica (capitalismo religiosa sobre a vida urbana acabou
mercantilista), assim como uma nova
desaparecendo, sendo substituída por
estrutura política, expressa
principalmente pelo despotismo uma atitude científica levada ao extremo
centralizado ou pela oligarquia, em de uma racionalidade a-histórica que,
geral personificada em um Estado apesar disso, conduziu à repetição de
nacional (MUMFORD, 2001). alguns motivos geométricos arquetípicos,
principalmente o quadrado e o círculo .
Aos poucos, as cidades passaram a assumir
suas funções produtivas, em especial com o  A arte renascentista confundiu-se
aparecimento das primeiras fábricas urbanas, com a de projetar cidades, fazendo-se
ou seja, pequenas oficinas voltadas tanto ao com que as leis de perspectiva
varejo como ao atacado. acabassem se tornando regras de
construção de vias, praças e conjuntos
urbanos, segundo princípios universais
de simetria e proporção.
O novo método de projeção – estabelecido
desde os princípios do século XV – passou a
ser aplicado teoricamente a todo gênero de
objetos, dos espaços arquitetônicos à cidade e
ao território. Entretanto, por limitações
práticas, não conseguiu produzir grandes
transformações nos organismos urbanos antes
do período barroco, a partir do século XVII.

29
Foram estas as principais características
da CIDADE RENASCENTISTA:
a) Concepção urbana como aspiração de
uma geometrização geral, na qual ruas e
praças passaram a serem definidas pelos
edifícios que pareciam estar constituídos
por idênticas unidades estereométricas;
b) Aplicação das regras da perspectiva e do
processo de composição aditivo, no qual
cada elemento espacial conserva um alto
grau de independência dentro do
conjunto, o que está exemplificado na
Prospettiva di una piazza (c.1470), de
Francesco di Giorgio (1439-1501) e As idéias apresentadas sobre a cidade em
Luciano Laurana (1420-79);
De re aedificatoria (1455) eram:
c) Objeto de intenso esforço de
I. Não estabelecia diferenças relevantes entre
interpretação crítica e experimentação
as cidades do mundo clássico e aquelas
que, na prática, resultou em várias
surgidas na Idade Média, nem contrapunha
realizações fragmentárias, as quais
os novos critérios racionalizados de
exemplificam as relações adotadas entre
planejamento da Renascença aos
o assentamento e o entorno natural.
tradicionais tardo-medievais;
O primeiro tratadista da Renascença, II. Concebia a cidade como uma “grande
LEON BATTISTA ALBERTI (1404-72) casa”, ainda que de natureza composta,
além da necessidade de conciliar finitude e
sistematizou teoricamente as idéias mutação (a cidade deveria ser dotada de
artísticas do período, tanto para a pintura determinado número de casas de reserva
e a escultura (1435) como para a às exigências de seu crescimento);
arquitetura (1455). Em seu tratado em dez III. Enunciava as regras universais da cidade
livros De re aedificatoria, de inspiração quanto à sua situação ou localização, assim
como em relação à sua área, seus limites e
vitruviana, estabeleceu as premissas, nos suas “aberturas” (passagens e meios de
livros IV e VIII, do urbanismo comunicação que se constituiriam na
renascentista. dimensão-chave da cidade, ao mesmo
tempo em que seu modo de divisão: vias de
 Alberti via a ação urbanística circulação intra e extra-urbana, praças,
como uma atividade moral, na qual pontes e portos);
o arquiteto teria a função de IV. Estabelecia que na cidade, como ocorria na
unificar todos os aspectos da vida natureza, regularidade e irregularidade
deveriam se conciliarem (a obra humana
pública e privada. Definindo a deveria se adaptar suavemente ao terreno e
sociedade perfeita como ao ambiente cósmico – forma circular –,
“construção” (encaixe lógico de podendo sua muralha adaptar-se ao lugar;
afirmações morais, civis e V. Considerava que as “novas” arquiteturas
religiosas), buscou definir as seriam para a cidade o mesmo que os
“ornamentos” são aos organismos de
regras universais de construção e construção dos edifícios;
remodelação das cidades.
VI. Definia as praças (piazze) como organismos
Criando um sistema de operações aplicáveis a arquitetônicos autônomos, circundados por
todos os organismos urbanos, ele concebia a pórticos e loggias; e estabelecia três
categorias de ruas (vie), tanto para a cidade
cidade como uma totalidade irredutível, ou
como para o campo:
seja, um “edifício” público que é uma obra de
 Ruas principais (deveriam ser amplas,
arte completa, a qual supera em dignidade a
retas e bem curtas nas cidades
todas as demais edificações urbanas. grandes; e tortuosas nas pequenas);
Sua teoria urbana demonstrou-se  Ruas secundárias (deveriam ser
possível em pequenas cidades (Pienza tortuosas tanto nas cidades grandes
e Urbino), mas ineficaz nas médias como pequenas, convergindo para as
vias principais em uma linha diagonal);
(Mantova e Ferrara) e desastrosa nas
grandes (Milano e Roma), já que ali  Ruas-praças (deveriam cumprir
aplicadas acabaram rompendo a determinadas funções públicas, tais
como conduzir à igreja ou ao local
coerência e o equilíbrio dos conjuntos onde se administrava a justiça).
precedentes.

30
FLORENÇA Berço e principal centro de difusão da
Renascença européia, Florença passou
por várias lutas sociais na segunda
Colônia Romana (Florentia) fundada em
metade do século XIV, que culminaram
59 a.C. na confluência do rio Arno com o
com a revolta dos Ciompi (1378), os quais
torrente Mugnone, Firenze nasceu como
governaram pacificamente a cidade por
um pequeno quadrado orientado segundo
duas gerações até a Signoria dos Medici.
os pontos cardeais, que se desenvolveu
para um retângulo de cerca de 20  Empenhados em completar a
hectares contendo 10.000 habitantes. fisionomia traçada em fins do
século XIII, procuraram remodelar
 Sucessivamente danificada por o organismo florentino com obras
vários invasores, chegou a 5.000
pontuais que marcaram o
habitantes no período carolíngio,
quando adquiriu um segundo cinturão renascimento nas artes e ciências.
de muros. No século XI, tornou-se Nem os recursos econômicos nem os ideais
capital do marquesado de Toscana, o culturais do período permitiram realizar outra
que promoveu seu crescimento e coisa que intervenções complementares de
novas benfeitorias de características retoques da forma urbana, mas que
românicas (JELLICOE & JELLICOE, 1995) garantiram a Florença sua imagem definitiva.
Entre os artistas que estiveram empenhados
nesse programa, destacaram-se: Orcagna,
Talenti e Ghiberti; e, mais tarde, Brunelleschi,
Donatello, Masaccio e Paolo Uccello.

Os ideais urbanistas do RENASCIMENTO


somente puderam ser aplicados na prática
em projetos pontuais e algumas
experiências de transformação urbana,
estas ocorridas entre 1460 e 1470, graças
a acordos firmados entre determinados
príncipes e papas
 O aumento dos recursos
econômicos, assim como fé nas
A Comuna florentina formou-se em 1115, quando possibilidades reformadoras da
foram estabelecidas relações exatas entre os cultura artística da Renascença,
espaços públicos e privados. A partir de então, o garantiu essas realizações
crescimento foi cada vez mais rápido e, no século experimentais, mas divergências
XIII, sua população chegou a 100.000 habitantes,
graças ao crédito e à produção dos tecidos de lã. políticas acabaram por anular e/ou
Várias pontes, igrejas e conventos foram então desviar as aspirações ideais dos
realizados, abrindo-se novas ruas e praças projetistas para o campo teórico.
públicas. As cidades italianas em que as
 Nas duas últimas décadas do intervenções renascentistas foram
século XIII, o governo da cidade as mais unitárias e eficazes foram:
empenhou-se na construção de um
grande ciclo de obras públicas, que PIENZA
transformaram radicalmente a sua Em 1459, o Papa Pius II (1405-58) visitou o
forma, incluindo uma nova muralha e burgo medieval de Corsignano, no território de
praças retangulares e frontais a Siena, com cerca de 6 hectares; e resolveu
importantes igrejas, como as de Sta. reconstruí-lo como residência temporária para
Maria Novella (1278) e de Sta. Croce si e sua corte. Ali se instala um grupo de
(1295) (BENEVOLO, 1981). edifícios monumentais (a catedral e os palazzi
Piccolomini, Vescovile e del Pretoriu), além de
Iniciaram-se nesse período as obras da catedral de
Sta. Maria del Fiore (1296/1436) e do Palazzo prédios secundários, que foram dispostos de
Vecchio (1298), assim como Piazza della Signoria, modo hierárquico e harmônico com o pré-
trodas sob a supervisião de Arnolfo di Cambio existente. Concluídas as obras em 1462, a
(1232/45-1310). cidade passou a se chamar Pienza.

31
CIDADE IDEAL
Entre os séculos XV e XVI, surgiram
vários tratados sobre cidades ideais,
assentados em critérios puramente
racionais e geométricos. Em todos eles,
acreditava-se na UTOPIA* de que o
princípio da forma arquitetônica e urbana
deveria corresponder à configuração do
seu arranjo político e social.
 Na busca pela forma perfeita,
URBINO defendia-se que a CIDADE IDEAL
deveria ser a ampliação tipológica da
Cidade com cerca de 40 he., situada sobre unidade-base entre sociedade real e
duas colinas, que foi remodelada ao gosto de utopia social, ou seja, através de um
seu signore Federico de Montefeltro (1422-82), modelo unitário, geométricos e rígido,
que construiu, por volta de 1465, um conjunto no qual se excluiriam o movimento, a
retilíneo de edifícios para compor seu Palazzo variação e o acontecimento casual,
Ducale, utilizando um grupo de artistas locais e obter-se-ia ordem e justiça.
toscanos de segundo plano. O resultado foi um
arranjo harmonioso, de regularidade
geométrica e sem destruir a continuidade
visual do organismo medieval.

SFORZINDA

*UTOPIA
FERRARA
O termo utopia foi cunhado pelo inglês
Capital da signoria d‟Este, situada a montante THOMAS MORUS (1478-1535) para
do rio Pó, tornou-se um importante centro designar aquilo que “não se encontra em
cultural, o que reivindicou dois novos bairros: a nenhum lugar” , quando da publicação de
adição realizada pelo Duque de Borso, em sua obra intitulada Utopia (1516).
1451; e a do Duque Hércules I, em 1492,
De motivações estritamente econômicas e
construída gradativamente até o século XVI. A
segunda intervenção dotou a cidade de uma inspiração platônica – foi Platão (427-347
rede de ruas retilíneas que foram traçadas de a.C.) quem pela primeira vez, no século IV
modo a se integrarem harmoniosamente ao a.C., formulou as bases utópicas de uma
tecido medieval, tortuoso e irregular . sociedade ideal, em A República –, Morus
(também conhecido como More) imaginou
um país perfeito, onde imperavam a
prática agrícola e a propriedade coletiva,
sem desigualdades ou injustiças sociais
comuns à sua época.
Na Ilha de Utopia, de 3 x 30 km de
extensão, descrevia 54 cidades (civitas),
sendo a principal delas, Aircastle ou
Amaurota, caracterizada pela presença da
água, jardins e amplos cinturões verdes.

32
No plano ideal, o círculo passou a ser o Como católico, Campanella almejava uma
preferido dos projetistas por significar a República universal inspirada na Igreja; e,
redenção da sociedade; um emblema da como platônico, pensava que o homem
perfeição, do equilíbrio e da eternidade. A pudesse descobrir em seu interior as
CIDADE PERFEITA deveria ser circular; idéias divinas, postas como revelação
forma de bases cósmica e metafísica que natural. Isto o fez propor uma cidade
simbolizava, por analogia, a esfera da universal dirigida por sacerdotes, onde os
criação divina, sem começo nem fim. cidadãos viveriam em total comunidade
de bens e de mulheres com o fim de
 Em seu tratado de 1460,
evitar o instinto de aquisição do alheio.
FILARETE (1400-69), por exemplo,
propôs a cidade ideal de Sforzinda. A  Em sua proposta, a coesão social
cidade circular tornou-se uma aparecia simbolizada pela
exemplificação das leis da natureza, indiferenciação do lugar em que cada
frente à cidade medieval, então um viveria. Havia a separação entre os
considerada não-natural e locais de trabalho e moradia; e um
“decadente”. plano reticulado permitiria que todos
“se dirigissem ao seu objetivo sem ter
Modelo ideal dos arquitetos renascentistas – tanto
em propostas urbanas como em edifícios –, o de se desviar”.
círculo apareceu em todos os projetos utópicos de Sua composição espacial baseava-se em
cidades, inclusive no de Palmanova (1593), criada
vários anéis de muralhas defensivas, entre as
por VINCENZO SCAMOZZI (1552-1616) e
considerada a primeira cidade ideal a ser levada à quais se situavam os templos luxuosos do
prática (ROSENAU, 1988). Governo. De praças quadradas ou circulares,
irradiavam-se avenidas largas e retas, cuja
simetria e variedade – ou mesmo o
calçamento em pedra ou mármore – não
somente ordenavam a cidade, mas eram
também signos visíveis da ordem racional à
qual esta estava sendo subordinada.

Além de grande inovador nas ciências de


seu tempo, o inglês FRANCIS BACON
(1561-1626) redigiu outra importante
utopia seiscentista: New Atlantis (Nova
Atlântida, 1627), na qual apresentava uma
PALMANOVA sociedade regida pelos cientistas, que se
dedicavam ao acúmulo de conhecimento
Com a Reforma na Alemanha e o fato de sobre a natureza.
várias Repúblicas do norte da Itália
 Na obra, a Nova Atlântida, visitada
usufruírem da liberdade, idéias igualitárias casualmente pelo narrador em uma
acabaram se espalhando e vários textos viagem, era a ilha imaginária de
utópicos passaram a ser publicados no Bensalem, situada mais além da
decorrer século XVI, tais como I mondi i América e governada por um rei, onde
gli inferni (1552), de Anton F. Doni (1513- se mantinham as classes sociais e a
74); e La città felice (1553), de Francesco propriedade privada.
Patrizi (1529-97). Em Bensalem, funcionaria uma instituição
 A utopia urbana do espanhol poderosa, a Casa de Salomão, formada por
TOMMASO CAMPANELLA (1568- cientistas, a verdadeira elite do país. Ali, os
1639), expressa em Civitas solis: La homens voariam como pássaros, teriam
Città del Sole (1602), reorganizava as barcos que navegariam abaixo das águas e
idéias de Platão e Morus; e propunha possuiriam estranhos relógios. Conhecer-se-ia
uma cidade utópica baseada em um alguns dos segredos do movimento contínuo e
racionalismo que excluía a idéia de todos seriam capazes de imitar os movimentos
progresso, congelando o nível de vida dos seres vivos graças a reproduções de
e a satisfação pessoal envolvida pelo homens, feras, pássaros, peixes e serpentes
trabalho e pela religião. (CARANDELL, 1974).

33
Já a ilha de Christianopolis, lugar utópico  Já Paradise lost (Paraíso perdido,
a que imaginava chegar como náufrago o 1667), do britânico JOHN MILTON
autor, o alemão JOHANN VALENTIN (1608-74), pode ser considerada uma
ANDREÆ (1586-1642) era uma República utopia religiosa situada no passado,
mas que se colocava como proposta
de trabalhadores cristãos que viveriam em
para uma revolução espiritual de toda
igualdade, desejando a paz e renunciando a sociedade (CASTELNOU, 2005).
às riquezas.
Com o tempo, as UTOPIAS URBANAS
 Sua cidade, caracterizada em passaram a falar de lugares diferentes,
Reipublicæ Christianopolitanæ
descriptio (1619), estaria dividida em
apontando para diversos ideais sociais,
zonas para as indústrias leve e sistemas de valores, nostalgias e
pesada; e os trabalhadores aspirariam esperanças. No século XVIII, surgiriam
conscientemente em aplicar a ciência aqueles que passariam a considerar que
na produção, com o que lograriam um somente no campo seria possível viver
tipo de sistema muito eficiente, sem verdadeiramente, cultivar sentimentos
estarem obrigados a realizar alguma puros e desenvolver instintos nobres.
atividade produtiva.
 Para eles, o espaço urbanizado
Sistematizando as idéias de Morus e Bacon, desmoralizava, enquanto o campo
Andreæ dizia que ser sábio e trabalhar não eram preservava intactos os traços mais
necessariamente incompatíveis, se houvesse
moderação. E tal moderação somente seria
preciosos do homem. Considerando a
possível em uma república comunista como a que civilização como um pesadelo,
propunha em sua obra, esta dirigida por passaram a buscar asilo em regiões
representantes da religião, da justiça e da onde ela não havia ainda chegado.
educação.
Este lugar “maravilhoso” aparecia aos homens
sob inúmeras formas, tendo sido buscado
além do nosso planeta ou nos cantos mais
longínquos, na imaginação e na realidade, em
lugares mal definidos ou em regiões bem
conhecidas: a conquista de um novo mundo
era, ao mesmo tempo, o abandono do velho,
através de uma espécie de fuga utópica em
direção daquilo que era “natural”; ou ainda,
“selvagem”; intensificando-se no século XVIII.

Ao mesmo tempo em que as nações


européias consolidavam-se e nasciam as
capitais como os grandes lugares da
administração, o crescimento das massas
assalariadas, assim como a ampliação do
mercado com as colônias e a invenção
UTOPIA INSULAE (THOMAS MORUS) das máquinas que substituiriam os meios
No decorrer do século XVII, muitas outras de produção individuais, levou a
obras utópicas foram escritas, modificações radicais nas cidades.
destacando-se The Commonwealth of  Com a industrialização e a
Oceana (A República de Oceana, 1656), conseqüente urbanização, surgiriam
do filósofo político JAMES HARRINGTON as primeiras grandes cidades
(1611-77), que, dirigida ao ditador inglês européias, além da lógica construtiva
Oliver Cromwell (1599-1658), propunha das áreas periféricas que promoveu a
que renunciasse ao poder e instaurasse afirmação de uma nova paisagem. No
final do século XVIII, embora apenas
uma República livre, na qual a
1,7% da população mundial fosse
propriedade não seria nem dos indivíduos urbana e apenas 20 cidades
nem do Estado, mas das classes ou possuíssem mais de 100.000 pessoas,
estratos sociais; e onde o poder seria Londres já atingia 900.000 habitantes,
também exercido indiretamente pelos Paris 600.000, São Petersburgo
grupos em um parlamento. 200.000 e Berlim 150.000.

34
COLONIZAÇÃO ESPANHOLA
7
Foram Portugal e Espanha que
CIDADE COLONIAL antecederam as demais nações na
exploração colonial. Em 1494, o papa
Alexandre VI (1431-1503) estabeleceu a
Entre os séculos XV e XVI, tiveram início linha demarcatória entre as zonas
a ERA DAS NAVEGAÇÕES e a reservadas à colonização de ambos
conseqüente expansão mundial da países: o meridiano a 270 léguas para
civilização européia, impulsionada pelo além das ilhas de Açores (Tratado de
mercantilismo e pela posterior descoberta Tordesilhas).
de metais preciosos nas colônias além-  Os portugueses encontraram em
mar. Portugal, Espanha, Inglaterra, seu hemisfério territórios pobres e
França e Holanda tornaram-se grandes inóspitos, sobretudo na África
potências marítimas e partiram para o Meridional; ou Estados populosos e
domínio do NOVO MUNDO. resistentes no Oriente, os quais não
podiam ser efetivamente
 As realizações urbanísticas e de conquistados. Por isso, fundaram
construção nos territórios coloniais, em somente bases navais para controle
seu conjunto, constituíram em do comércio marítimo – tais como
importantes experiências, assim como Goa, Damão, Málaga, Salvador e Rio
nas oportunidades de aplicação na de Janeiro –, sem empreenderem uma
prática dos pressupostos ideais colonização em grande escala.
elaborados nas metrópoles.

ERA DAS NAVEGAÇÕES

Os pontos de partida dessa aventura


oceânica foram ricas cidades portuárias
européias – Antuérpia, que substituiu
Bruges como empório marítimo da Europa
Já os espanhóis encontraram em sua
central; Lisboa e Sevilha, os portos zona territórios mais adequados, estes
atlânticos da península ibérica; e Gênova constituídos pelos planaltos da
que, depois da aliança com Carlos V, América Central e Meridional, com
tornou-se a base mediterrânica mais impérios indígenas mais ricos e
importante do império espanhol. desenvolvidos, porém incapazes de
resistir à colonização européia.
 As CIDADES COLONIAIS
constituíram-se nas realizações Embora Cortez no México e Pizarro no Peru
urbanísticas mais importantes do tenham ocupado algumas grandes cidades
século XVI, já que demonstraram indígenas – respectivamente, Tenochtitlán, capital
do império asteca e que atualmente conforma a
serem – embora pobres se
Cidade do México; e Cuzco –, transformando-as
comparadas aos requintes e ambições segundo as necessidades dos colonos espanhóis,
da cultura artística européia –, as a maioria dos conjuntos urbanos esparsos no
concretizações dos ideais estéticos interior do continente foram totalmente destruídos;
almejados pelos mestres europeus da e sua população obrigada a se estabelecer em
Renascença (BENEVOLO, 1981). novas cidades mais compactas.

35
As cidades coloniais espanholas deveriam
seguir a Leys Generales de las Índias,
codificadas por Filipe II (1527-98) em
1573 e válidas até 1668, que constituíram
na primeira legislação urbanística da
Idade Moderna, baseada tanto na tradição
medieval (as novas cidades fundadas
entre os séculos XIII e XIV: as bastides
francesas e as poblaciones espanholas)
como na tratadística renascentista.
 Aspirando o ideal da regularidade
geométrica, expresso por um tabuleiro PLANO DE POBLACIÓN
de ruas retilíneas que definiam uma Como exemplos da aplicação da retícula
série de quarteirões iguais, geralmente espanhola, podem ser citadas as cidades coloniais
quadrados, tal modelo (traza) de Guadalajara e Cholula (México); Quito
apresentava a facilidade de (Equador), Santiago (Chile), Buenos Aires
implantação e o atendimento às (Argentina) e Santiago de Leon, hoje Caracas
exigências primárias de produção. (Venezuela), entre outras.

Enquanto o traçado das ruas e praças da


Eram estas as principais designações
CIDADE COLONIAL ESPANHOLA era
normativas para a fundação das novas
grandioso, as suas edificações eram
cidades espanholas na América:
baixas e modestas. Com capacidade de
a) Estabelecimento de uma retícula regular expansão ilimitada, seu contorno externo
de quarteirões iguais, em cujo centro
deveria se dispor uma grande praça aberta
era quase sempre provisório, sem a
(plaza mayor), central e de forma oblonga, necessidade de muros ou fossos
com o comprimento igual a uma vez e (somente as cidades costeiras seriam
meia a sua largura (festividades); fortificadas para proteção de piratas),
b) O tamanho da praça deveria ser além de não haver uma distinção muito
proporcional ao número de habitantes, clara entre campo e cidade.
sem esquecer seu possível crescimento
(estimava-se de 200 a 500 pés de largura
por 300 a 800 pés de comprimento, sendo
o tamanho ideal igual a 400 x 600 pés);
c) A praça seria acessada por quatro ruas,
voltadas aos quatro pontos cardeais e
cada uma disposta a partir do ponto médio
de cada lado, além de duas de cada um
dos ângulos, que deveriam desembocar
sem serem obstruídas pelos pórticos da
praça. Sua largura seria definida conforme
o clima (se quente, larga; se frio, estreita);
d) Na praça deveriam ser dispostos os As MISSÕES JESUÍTICAS construídas
edifícios mais importantes: a igreja, o paço no século XVI para a catequese indígena
municipal (cabildo) e as casas dos constituíram-se em modestos núcleos
mercadores e dos colonos mais ricos. No
caso da necessidade de conversão dos urbanos assentados em planos regulares
nativos ao cristianismo, a igreja deveria compostos por casas, igreja e colégio.
ser antecedida por um grande pátio (adro)
e ao lado da fachada estabelecida uma  Por pertencerem a uma
capela aberta (capilla de indios); congregação relativamente recente – a
e) Reservados os principais lotes edificáveis Companhia ou Sociedade de Jesus,
ao redor da praça central, os demais fundada em 1534, quando Inácio de
seriam distribuídos ao acaso para aqueles Loyola (1491-1556) e seis
colonos com condições de ali se companheiros egressos da
estabelecerem. Já os lotes não-atribuídos Universidade de Paris fizeram voto de
seriam destinados a futuros colonos. pobreza e de irem pregar o Evangelho
–, os padres jesuítas exerceram uma
intensa atividade de irradiação cristã,
em pleno espírito da Contra-Reforma.

36
COLONIZAÇÃO PORTUGUESA De acordo com REIS FILHO (1968; 2004), a
colonização portuguesa limitou-se ao
litoral, dada a sua preocupação em
Em relação ao Brasil, a ausência de
encontrar pontos estratégicos de defesa
riquezas minerais aparentes levou os
territorial. Terminado o breve Ciclo do
primeiros ocupantes a optarem por uma
Pau-Brasil, foi o açúcar que impulsionou o
colonização de baixo investimento,
desenvolvimento das vilas litorâneas, cuja
voltada exclusivamente à exploração de
sociedade era pobre, escravagista e de
suas riquezas naturais mais evidentes.
fixação rural. No interior, predominavam
 Inicialmente foram construídos as áreas agrícolas e de criação de gado.
muitos fortes e fortificações no litoral
para protegerem o território português  Quando se iniciou a colonização do
das incursões de espanhóis, franceses Brasil, Portugal, liderado por D. Manuel
e holandeses. Estas obras eram I (1495-1521), era uma nação
realizadas por engenheiros militares, mercantilista e de regime econômico
caracterizando-se por serem recintos semi-feudal, representado por uma
amuralhados (cantaria de pedra) com aristocracia patrimonial e uma
traçados geométricos de bases monarquia absoluta aliada aos
medievo-renascentistas. mercadores, na maioria, estrangeiros.
De 1580 a 1640, pertenceu aos
Limitando-se ao extrativismo, não se domínios da Espanha, submetendo-se
estabeleceram cidades propriamente ditas, mas aos reis Filipe II, III e IV, a partir de
apenas feitorias e entrepostos de extração. quando reassumiu sua soberania com
Somente em meados do século XVI que aparecem D. João IV (1604-56).
as primeiras vilas litorâneas, que acabaram
impulsionadas pelo ciclo da cana-de-açúcar do No século XVII, a fundação de cidades
século seguinte, enquanto que no sertão índios e
mestiços cuidavam do gado necessário à indústria
ganhou maior impulso, iniciando-se o
açucareira da zona fértil das matas litorâneas período com 38 núcleos e terminando
(MARX, 1980). com cerca de 60. De modo distinto que o
espanhol, as CIDADES COLONIAIS
PORTUGUESAS caracterizavam-se por:
a) Localizarem-se em sítios elevados e
apresentarem um traçado irregular de
inspiração tardo-renascentista, que se
desenvolvia funcional e organicamente em
relação aos acidentes topográficos, sem
seguir leis de ordenação territorial;
b) Terem um esquema urbano uniforme
baseado em lotes retangulares, com cerca
de 10 m de frente e longo comprimento
(30-50 m), cujas vias (sem calçada ou
passeio para pedestres) eram definidas
espacialmente pelas edificações;
c) Exporem uma aparência compacta e
homogênea de fachadas com casas e
sobrados construídos sobre o alinhamento
Ao longo do século XVI fundaram-se na Colônia das vias públicas, e os limites laterais do
apenas 18 vilas, sendo as primeiras: S. Vicente e terreno, seguindo a tradição portuguesa;
Itanhaém SP (1532); Espírito Santo, depois N. S. d) Seguirem um partido uniforme nas
da Vitória ES (1535); Iguarussu e Marin d’Olinda construções, padronizado pelas Cartas
PE (1535). Na Bahia, criaram-se: Porto Seguro Régias e/ou posturas municipais, onde se
(1535), S. Jorge dos Ilhéus e Santa Cruz, hoje previa o alinhamento com edificações
Cabrália (1536), sendo a capital, S. Salvador da vizinhas, a altura dos pavimentos e as
Bahia de Todos Santos, fundada em 1549. Mais ao dimensões e o número de aberturas;
sul apareceram as vilas de Santos (1543),
e) Manterem as igrejas dispostas geralmente
Paranaguá (1560), S. Sebastião do Rio de Janeiro
em pontos elevados, para destaque e
(1565) e Niterói (1573). Algumas cidades
observação dos visitantes. Em regiões
desenvolveram-se a partir de assentamentos dos planas, ficavam no centro, próximas à
colégios jesuítas, como foi o caso de S. Paulo de Casa de Câmara e Cadeia e em frente a
Piratininga (1554) e outras nos arredores de uma praça (adro) não monumental.
fortificações, como Natal (1598) (FERRARI, 1991).

37
No norte e nordeste, as cidades brasileiras Especialmente em Minas Gerais, o
nasceram espontaneamente de fortificações à Barroco passou a se constituir em um
beira-mar (Natal, Fortaleza e Belém) ou por
iniciativa militar (Salvador, Manaus e Santarém); ou meio de expressão, através do qual se
ainda de currais e feiras periódicas no sertão. As refletia todo um processo social em
exceções ficam por conta de São Luís (1612) e trânsito em direção à liberdade.
Recife (1645), respectivamente, de influências
francesa e holandesa. Quanto ao sudeste, foi o  Entre as vilas que evoluíram graças
caminho para as minas, a partir do século XVIII, à mineração, destacaram-se: Mariana
que trouxe o desenvolvimento (FERRARI, 1991). e Sabará, além da capital Vila Rica de
N. S. do Pilar de Ouro Preto, todas
 Com a Missão Demarcatória fundadas em 1711. A seguir vieram
enviada por D. João V (1689-1750), São João Del Rei e Serro, criadas em
intensificou-se a ocupação da região 1714, e, mais tarde Tijuco, depois
sul, acompanhada pela ação dos Diamantina, que marcou a passagem
jesuítas e da descoberta de ouro
do ciclo exclusivo da mineração
(Paranaguá e Curitiba). Assim,
aurífera para a mineração de
descenderam de reduções jesuíticas diamantes. Outros destaques foram
as cidades paulistas de Embu, São Congonhas e São José Del Rey, hoje
Miguel e Sant’Ana do Paranaíba. Tiradentes.
A partir do século XVII, iniciou-se o Os edifícios públicos do período colonial eram
processo de interiorização no país, por projetados no Reino, constituindo-se de
meio do sertanismo de contrato, que alfândegas, entrepostos fiscais, registros,
consistia no deslocamento territorial casas de câmara e cadeia, arsenais e
segundo o interesse dos produtores de fortificações, os quais serviam por várias
açúcar e criadores de gado, ou ainda pelo gerações, sendo às vezes reformados, mas
incentivo português à pesquisa mineral. dificilmente acrescidos em área. Somente com
a Independência (1822), houve a criação de
 Denominavam-se BANDEIRAS as novos quadros administrativos públicos e,
buscas de escravos indígenas assim, alterações na arquitetura oficial.
organizadas pelos proprietários de
terra e que provocaram vários conflitos  Conforme MACHADO (2003), as
com a frente pioneira hispano- cidades da zona do ouro
jesuítica. Elas foram causadas pelo reinterpretaram os princípios barrocos
encarecimento da importação de impostos pela própria natureza,
escravos; a ocupação dos portos incrustando-se nas montanhas e delas
negreiros africanos pelos holandeses e tirando sua própria fisionomia, sendo
o estímulo mercantil para a exportação inclusive os largos e os adros das
de escravos indígenas para o igrejas em declive. A rampa e a curva
Nordeste e o Rio. dominam quase toda a organização
urbanística, onde predominam as
No PERÍODO BANDEIRISTA, que se ladeiras e as voltas no morro.
estendeu até o século XVIII, muitas Entre as principais características da
cidades brasileiras nasceram do pouso de CIDADE BARROCA BRASILEIRA, LEMOS
tropeiros, os quais conduziam cabeças de (1979) sublinha o fato desta:
gado, assim como das encruzilhadas e
a) Manter o traçado espontâneo e irregular
postos de passagem para as áreas de adaptado aos terrenos acidentados da
mineração, como por exemplo: Pouso região mineira, resultando em ruas
Alegre, Pouso Alto, Passa Três, Passa estreitas e tortuosas, com grande número
Quatro, Registro, Sorocaba, Mogi-Guaçu, de curvas, becos e ladeiras íngremes;
Feira de Sant’Ana e Feira de Conquista. b) Mostrar uma paisagem homogênea
marcada pelo alinhamento do casario, de
 Por volta de 1750, o Ciclo do Ouro gabarito constante, com destaque das
promoveu o crescimento e o edificações religiosas e de controle reinol;
enriquecimento de arraiais e vilas c) Apresentar, exceto por alguns chafarizes,
mineiras (“vilas do ouro”), que se as obras públicas sem as mesmas
tornaram cidades dotadas de intenções plásticas que as igrejas
benfeitorias e de uma arquitetura barrocas, uma vez que partiam da
iniciativa portuguesa, resultando mais na
original e mais requintada.
importação de modelos europeus.

38
SALVADOR COLONIZAÇÃO BRITÂNICA
Localizada na baía de Todos os Santos, a O modelo urbano em tabuleiro, idealizado
primeira capital do Brasil foi fundada em pelos espanhóis no século XVI para traçar
1549 por Tomé de Souza, cujo plano de as novas cidades da América Central e
realização era informal e de regularidade Meridional, foi também aplicado
relativa, à maneira medieval, embora extensivamente pelos ingleses, assim
demonstrasse cuidados com a defesa, como pelos franceses e holandeses, entre
tanto na escolha do local, no alto de uma os séculos XVII e XVIII para a colonização
colina, como pela presença de muralhas. da América Setentrional.
 No primeiro século de existência,  Vários técnicos de terceira ordem,
sua economia girou em torno da emigrados para o Novo Mundo,
exportação do açúcar, garantindo o conseguiram realizar o que não era
crescimento do seu porto e sua divisão possível de ser feito na Europa da
em duas partes: a Cidade Baixa que época: reorganizar o ambiente
concentra as atividades portuária e construído com os novos princípios da
comercial, além do Mercado Modelo e simetria e da regularidade geométrica,
a feira de São Sebastião; e a Cidade que garantiam a afirmação da cultura
Alta que está constituída sobretudo por européia em todo o mundo.
bairros residenciais, além dos órgãos
administrativos e comércio varejista.

O território norte-americano também foi


Com o desenvolvimento da cultura do fumo na encontrado sem cidades, como no caso
região periférica à baía e a criação de gado no do Brasil, contudo, os colonizadores que
1
sertão, além da sua importância política, a cidade desembarcaram com o May Flower , mais
expandiu-se, fazendo seus muros serem de um século após o início da colonização
estendidos para abrigarem o colégio dos jesuítas e
o convento franciscano, com seus bairros das terras brasileiras, não permaneceram
circunvizinhos. No século XVII, recebeu a no litoral, embrenhando-se para o oeste
construção de vários palácios, solares, igrejas e no propósito de colonizar e permanecer
conventos. Tal crescimento desacelerou-se com a na sua nova pátria.
transferência da capital para o Rio de Janeiro, em
1763, retomado no final do século XVIII com a Entretanto, a eficiência e a rapidez
exportação de ouro e diamantes provenientes da da urbanização e colonização
chapada Diamantina. americanas sobre a brasileira não
O centro de Salvador (Largo do Pelourinho) advêm da superioridade anglo-
prolonga-se pela Baixa do Sapateiro, zona de saxônica em relação à portuguesa
comércio popular e de moradia da população mais (conceito equivocado e racista), mas
pobre (cortiços). A partir da industrialização, que
vem ocorrendo desde os anos 60, sua expansão
por razões bastante evidentes.
urbana aconteceu de maneira desordenada,
formando-se favelas na faixa litorânea interna à
baía, incluindo Alagados, a maior favela de
1
palafitas do país. As primeiras ações de resguarda May Flower era o nome do navio que partiu de
do Pelourinho datam de 1967, com a criação de Southampton, na Inglaterra, em 16 de setembro de
uma fundação para este fim. Porém, foi a partir de 1620, com 102 emigrantes, dentre os quais 41
1992 que se efetiva o projeto de sua recuperação, “peregrinos” ou puritanos ingleses que fundaram
com o restauro de mais de 350 unidades. Plymouth, na Nova Inglaterra (New England), em
26 de dezembro.

39
Segundo FERRARI (1991), os principais A efetiva colonização do território americano – cujo
fatores do contraste de colonização entre descobrimento deu-se em 12 de outubro de 1492,
por Cristóvão Colombo – iniciou-se com a
o Brasil e os EUA foram os seguintes: implantação de colônias espanholas (pueblos) na
 Fator orográfico: enquanto, no Brasil, as Flórida (St. Augustine, 1565), Novo México (Santa
serras do Mar, Geral e Serra da Mantiqueira Fé, 1609) e Texas (San Antonio, 1718). O primeiro
(Maciço Atlântico) representam fortes assentamento francês foi em Quebec (1608),
obstáculos naturais tanto à penetração seguido por Detroit (1701), Mobile (1711), New
como à implantação de estradas de ferro e Orleans (1722), Fort Duquesne (Pittsburgh, 1724) e
rodovias, a costa norte-americana , em uma St. Louis (1762), enquanto que o holandês deu-se
extensão de 300 km, é formada por uma na foz do Hudson, Ilha de Manhattan (1620).
planície. As cadeias dos Alleghenies e dos
Apalaches são facilmente contornáveis,
 Porém, foi o controle britânico que
seguidas por novas planícies e finalmente acabou predominando, graças às
pelas Montanhas Rochosas, já no Pacífico; cidades coloniais fundadas na Virgínia
(1607), na Nova Inglaterra (1620) e na
 Fator hidrográfico: enquanto os EUA
Pensilvânia (1681). Boston passou a
possuem a melhor rede hidrográfica do
mundo em relação a navegação fluvial, o ser a sede do governo de
que pode ser exemplificado pelo Mississipi; Massachusetts em 1630, substituíndo
o Brasil, principalmente na zona temperada, Charlestown (1629) pela boa qualidade
tem poucos rios grandes navegáveis, na de suas fontes d‟água.
maioria, com cursos irregulares e cheios de
cachoeiras. Embora o Amazonas seja o
maior rio do mundo, situa-se em terras
equatoriais, de densas florestas e de difícil
aproveitamento econômico;
 Fator climático: a diversidade do clima
norte-americano contribuiu para a formação
de uma agricultura diversificada, assim
como o frio intenso promoveu o
desenvolvimento de uma indústria para
combatê-lo (tecidos, roupas, aquecedores).
Já no Brasil, o clima tropical que, no
primeiro momento, parecia ser uma
vantagem, conduziu à monocultura Filadélfia foi fundada em 1682, na confluência dos
canavieira e inadaptabilidade dos europeus; rios Delawre e Schuylkill, por William Penn (1644-
 Fator econômico: as terras norte- 1718), em um local antes habitado por imigrantes
americanas eram ricas em petróleo e carvão suecos. De traçado uniforme e retilíneo, com ruas
de melhor qualidade que o brasileiro, o que cruzando-se em ângulo reto, possui uma grande
significou um maior incentivo colonial. Além praça central, na qual atravessam ortogonalmente
do uso desses recursos naturais, a duas grandes avenidas. O plano já apresentava
acumulação de renda foi garantida pela preocupações de hierarquização de vias e de
agricultura de exportação, cujos zoneamento, com lotes de tamanhos distintos.
execedentes permaneciam no país e eram
distribuídos igualitariamente à população. O  Savannah, fundada em 1733,
Brasil limitou-se a ser uma colônia de apresenta um traçado ortogonal em
exploração (extrativismo e matéria-prima); grelha que, embora uniforme,
demonstrava um princípio de
 Fator psicológico: enquanto os colonos
ingleses vieram com as famílias e o diferenciação de vias (principais e
propósito de lançar raízes em, sua nova secundárias), além da previsão de
pátria em virtude das perseguições jardins residenciais e três parques.
religiosas na Europa (Reforma e Contra-
Reforma), os portugueses vieram sozinhos
para cumprirem penas ou se enriquecerem
e retornarem a sua pátria;
 Fator religioso: enquanto a maioria dos
colonos dos EUA era calvinista e como tal
intransigente com os vícios (jogo, bebida,
etc.), mas polarizado pela idéia fixa de
acumular riqueza e poder, os colonos lusos
eram todos católicos, contrários à usura
(turpe lucrum) e, conseqüentemente, ao
crédito e ao financiamento.

40
Opondo-se ao classicismo, a expressão
8 barroca era mais sensual e movimentada,
sendo composta por formas esculturais
CIDADE BARROCA onduladas, composições exuberantes e
traçados grandiloqüentes. Passando a
valorizar a contribuição espontânea dos
Em finais do século XVI, a cidade era artistas – em seu sentido maneirista –, era
vista sobretudo como um espaço político, literalmente uma arte “aberta”, que
centro poderoso de decisão e de grande permitia a multiplicidade de significados.
importância estratégica. Seu traçado  A ARTE BARROCA voltou-se ao
predominantemente medieval sofreu estudo das qualidades não-objetivas,
intervenções segundo as teorias mas subjetivas e sentimentais,
renascentistas, que permitiram a abertura servindo como instrumento para
de vias e praças, edificadas dentro dos controlar os sentimentos coletivos ou
princípios da simetria e da proporção. exprimir os individuais, oscilando entre
o conformismo e a evasão ou o
 Os ideais estéticos da Renascença protesto (BENEVOLO, 2001).
defendiam o alargamento de ruas, as
quais deveriam confluir para Na época, houve inegáveis avanços nas
construções monumentais, agora ciências e na filosofia – iniciados por Galileu
destacadas em praças ajardinadas, Galilei (1564-1642) e por René Descartes
repletas de fontes esculturais, (1596-1650) –, assim como a progressiva
estátuas, obeliscos e colunatas. Sendo supressão do poder espiritual (Igreja) em
concebida como artefato humano, a detrimento dos interesses do soberano
cidade deveria ser a mais geométrica temporal (Rei), com a afirmação crescente do
possível e seu crescimento ditado pela despotismo e do absolutismo.
harmonia e Razão.
A cidade tornou-se um espetáculo para os
No urbanismo, o BARROCO, que se olhos, emocionante e dinâmico que
expandiu do século XVII a meados do utilizava um repertório mais rico que o
XVIII, promoveu um prolongamento em renascentista, composto por obeliscos,
escala do Renascimento e, embora chafarizes, estátuas, colunatas e arcadas,
negasse suas normas rígidas e além de grandes planimetrias, traçados
proporções imutáveis, manteve a radiocêntricos e ajardinamentos.
perspectiva como elemento primordial na
 Até o Renascimento, a arte dos
concepção espacial e da valorização das
jardins resumia-se na apropriação pela
vias e monumentos (KOSTOF, 1991). cidade de espaços verdes naturais,
 A classe dirigente passou a ser que eram cercados e domesticados;
formada pelos reis e suas cortes, por ou então no cultivo de áreas verdes
nobres ricos e pelo novo clero domésticas. A partir do Barroco, os
especializado da Contra-Reforma. A jardins expandiram-se em amplas
CIDADE BARROCA teve que atender praças com desenhos geométricos e
às aspirações estéticas aristocráticas escalonados em diversos planos.
pela grandiloqüência de suas formas
(expressão de poder, ordem e
controle) e, ao mesmo tempo, aos
interesses burgueses pelo seu aspecto
socioeconômico (GOITIA, 2003).
De um lado, alguns centros urbanos
europeus adquiriram as feições de
verdadeiras cidades absolutistas (Paris e
Viena) enquanto de outro, alguns centros
importantes se transformam em cidades
essencialmente liberais ou propriamente
burguesas (Amsterdã e Londres).
PIAZZA DEL CAMPIDOGLIO, ROMA
O BARROCO originou-se em Roma, Nápoles (Napoli), capital do vice-reino
motivado pela Contra-Reforma e pela espanhol, tornou-se a cidade italiana mais
interpretação pessoal dos artistas populosa do século XVII, cujo centro
maneiristas, entre os quais Michelangelo medieval conservou seu traçado reticular
(Piazza del Campidoglio). Sob o domínio greco-romano e as ruas retilíneas do
dos papas, a cidade tornou-se barroca e século XVI. Como Estado independente
sua fisionomia medieval sofreu alterações entre 1734 e 1759, sob Carlo di Borboni
radicais com o papa Sixtus V (1521-90). (1716-88) e com 300.000 habitantes,
empreendeu um ambicioso rearranjo:
 Autor da Piazza di San Pietro, no
Vaticano, Gianlorenzo Bernini (1580-  Modernização do porto e ordenação de ruas
suburbanas, além da construção de novos
1680) realizou uma série de trabalhos
edifícios públicos, como o Tribunal da
e praças barrocas, entre as quais a Saúde e o Albergue dos Pobres;
Piazza Navona. Da mesma época, são
as igrejas gêmeas da Piazza del  Realização das grandiosas villas de
Capodimonte (1743) e de Caserta (1752),
Popolo, criadas por Carlo Rainaldi
segundo desenho barroco de Luigi
(1611-91), entre outras. Vanvitelli (1700-73).
No século XVII, as duas capitais dos
Estados italianos mais importantes da Na Inglaterra, o exemplo pioneiro do
época – Turim e Nápoles – também urbanismo classicista foi o projeto de Covent
passaram por grandes reformas barrocas. Garden (1625/30), a primeira piazza londrina
de traçado regular, criada por Inigo Jones
Turim (Torino), a capital dos duques de
(1573-1652). Pertencente ao Duque de
Savóia, ainda mantinha o traçado romano Bedford, o espaço era flanqueado por arcadas,
em tabuleiro quando sofreu três inspirando-se no Palais Royale (1602-12) de
ampliações sucessivas, as quais Paris. O palacete original foi demolido em
respeitaram a retícula e anexaram 1703, substituído por moradias modestas,
espaços elegantes e a arquitetura além de ter seu uso ampliado com um
inventiva de Guarino Guarini (1624-83): mercado popular, cafeterias e teatros.
 Primeira ampliação em 1620, da autoria do
arquiteto Carlo di Castellamonte (1560- Eram estes os principais elementos do
1641), para o Duque Carlo Emanuele I di urbanismo barroco, característico da
Savoia (1562-1630): a cidade chegou a 100 Europa dos séculos XVII e XVIII:
hectares e 25.000 habitantes;
a) Traçados de bases renascentistas,
 Segunda ampliação em 1673, elaborada guiados pela perspectiva, mas dotados de
pelo filho do precedente, Amedeo di maior liberdade, movimento e escala,
Castellamonte (1610-83), no fim do reinado passando a simetria a ser relativa (em
de Carlo Emanuele II (1634-75), quando o composição, mas não em detalhes);
castelo medieval passou a ser isolado ao b) Caráter monumental expresso pela busca
centro de uma grande praça: a área amplia- da grandiosidade e pela criação de
se para 160 hectares e a população para verdadeiras “cidades-cenário”, o que foi
40.000 pessoas; obtido por meio de rasgamento e
 Terceira ampliação em 1714, empreendida alargamento de vias, assim como a
por Filippo Juvara (1678-1736) para Vittorio criação de amplos espaços públicos.
Amadeo II (1666-1732): a superfície passou c) Desenho urbano realizado com base na
a ser de 180 hectares e a população atingiu composição arquitetônica (simetria, ritmo,
cerca de 60.000 habitantes. dominância de massas compactas e
aspecto imponente e sólido das obras),
além da artificialidade dos jardins;
d) Paisagem concebida como “construção
humana”, adquirindo assim um espírito
mais arquitetônico artificial e cênico.
Proliferam eixos, ruas e avenidas radiais,
composições geométricas e a retificação
de canais, fontes e espelhos d‟água.
e) Arquitetura urbana exuberante e retórica,
de escala monumental composta por
igrejas, palácios e monumentos para os
quais convergiam alamedas arborizadas e
consistiam nos principais temas estéticos.

42
PARIS Contudo, as guerras religiosas, ocorridas
entre 1589 e 1594, danificaram
gravemente a cidade e Henri IV (1553-
1610) empreendeu um amplo programa
Mesmo ocupada desde 4.500 a.C., foi no
de renovação urbana, realizando obras
século III a.C. que ocorreu a fixação da
que embelezaram a capital.
tribo celta dos parisii na região conhecida
como Lutécia, situada na Île de la Cité, a Estes trabalhos definiram vários
qual foi saqueada e dominada pelos espaços barrocos, elegantes e
romanos em 59 a.C., na sua conquista da uniformes, consistindo em:
Gália. Estes impuseram o padrão reticular  Reorganização das ruas e das
e fortificaram a ilha e parte da margem instalações sanitárias (aqueduto e
esquerda do rio Sena (Sene), mas a vila esgotos), além da ampliação dos
somente passou a se chamar Paris com o muros do século IX, na margem
direita, incluindo os novos subúrbios
imperador Juliano, em 360 d.C. ocidentais;
 Durante a Idade Média, situada em  Construção de uma nova mansão
um ponto de cruzamento de rios, a suburbana (hôtel) em Saint-Germain
cidade tornou-se importante centro de (castelo ambientando a um jardim em
patamares de inspiração italiana);
poder político e cultural. Sofreu vários
ataques de bárbaros (muçulmanos e  Ampliação do paço do Louvre, por
normandos) e, no século XIII, meio de um conjunto quadrado
ligando o castelo real ao Palais des
finalmente pode se expandir, quando Tuileries, completado somente em fins
os pântanos (Marais) foram drenados. do século XVIII;
A catedral de Nôtre-Dame foi iniciada
 Abertura de novas praças de forma
em 1163, o mercado de Las Halles em regular e circundadas por casas de
1167, La Sorbonne em 1253 e a torre aspecto uniforme: Place Royale
da Bastilha concluída em 1380. (Places des Voges) e Place de la
Concorde (retangulares); Place
Dauphine (triangular, na ponta da Île
de la Cité); e Place de France
(semicircular, mas não realizada).

No século XVII, Le Grand Siècle,


amadureceram os preceitos do JARDIM
FRANCÊS, caracterizado pela rígida
distribuição axial, além do uso da simetria
relativa, das proporções matemáticas e
das perspectivas grandiosas.
Demonstrando o poder do homem sobre a
Em 1353, teve início a Guerra dos Cem natureza, expressava a prosperidade e
Anos contra a Inglaterra, cujo término inflexibilidade social na França de Louis
deixou a cidade praticamente em ruínas. XIV (1638-1715), Le Roi-Soleil.
Louis XI (1423-83) procurou recuperá-la,
através de um interesse renovado pelas  O jardim barroco estabelecia-
artes e arquitetura, inspirado pela se como uma paisagem completa,
Renascença italiana, mas foi somente no simétrica e regular, na qual os
século XVI, quando François I (1494- edifícios eram vistos como
1547) começou a ampliar o antigo cenários e a natureza trabalhada
Chateau du Louvre (1528), iniciado por como massas compactas e
Pierre Lescot (1510-78), que os reis artificiais. Os cursos d‟água eram
franceses – que antes viviam nos canalizados, os percursos pré-
chateaux do Loire – instalaram-se estabelecidos e todo o desenho
definitivamente em Paris. dominado por relvados e
alamedas, canteiros floridos,
 Nessa época, a cidade de Paris chafarizes, colunatas e estátuas.
desenvolveu-se bastante, atingindo de
200.000 a 300.000 habitantes, os
quais já ultrapassavam seus muros.
43
O apogeu da expressão conceitual da Diante do palácio real, um sistema de
paisagem barroca encontra-se nas obras avenidas coordena as residências dos
de André Le Nôtre (1613-1700), funcionários da corte. O complexo, em
que viviam cerca de 20.000 pessoas,
responsável pela criação das regras para
possui mais de 1.400 fontes
o paisagismo dos espaços circundantes distribuídas regularmente.
dos palácios franceses do período,
iniciados pelo parque do Palais de Vaux Paris e Versailles foram dois organismos
(1656/60), residência do rico superintendente complementares, que revelavam as
das Finanças, Nicolas Fouquet (1615-80). possibilidades e os limites do poder
absolutista entre os séculos XVII e XVIII
 Segundo ele, os jardins
na França: exemplificam o ideal estético
franceses seriam compostos por:
barroco, mas demonstram a dificuldade
 Traçados retilíneos e radiocêntricos deste ser levado a todo conjunto urbano,
compostos por caminhos e
arruamentos de cascalhos para o
o qual se manteve como mosaico de
tráfego de cavalos e carruagens; parques e edifícios monumentais.
 Amplos revaldos, alamedas,  Durante o reinado de Louis XIV,
cercas-vivas, trepadeiras e entre 1653 e 1715, quando Paris
canteiros formando desenhos atingiu 500.000 habitantes, as
geométricos e bordaduras
intervenções pontuais prosseguiram,
curvilíneas, separados de bosques;
completando suas feições barrocas:
 Criação de cursos d‟água (canais e
lagos artificiais), assim como  Inserção de novos episódios limitados
perspectivas que destacassem as no tecido: Palais de Luxembourg
fachadas arquitetônicas, os portões (1631), Hôtel des Invalides (1671/6),
de acesso e os elementos Place Vendôme (1698), Place des
decorativos em profusão. Victoires (1685) e um novo arranjo do
Palais du Louvre;
 Demolição dos muros, os quais foram
substituídos por uma coroa de
avenidas arborizadas (os boulevards),
“abrindo” a cidade para a periferia,
descontínua e misturada ao campo.

VIENA

Embora de origem remota, por volta de


800 a.C., foi colonizada pelos celtas em
400 a.C. e incorporada pelos romanos à
província de Panônia em 15 a.C., que ali
estabeleceram, em cerca de 100 d.C., a
fortaleza de Vindobona.Tomada pelos
bárbaros (longobardos), permaneceu
insignificante até o século VIII, quando
Carlos Magno fez dela parte da fronteira
A obra-prima de Le Nôtre foi o esquema oriental do Sacro Império Romano.
paisagístico do Palais de Versailles (1662/70), feito
em continuidade compositiva com a arquitetura
proposta por Louis Le Vau (1612-70) e Jules
Hardoin-Mansart (1646-1708).

 Situado numa planície pantanosa


próxima a Paris, caracteriza-se pela
sua grandiosidade: de um grande
canal em forma de cruz (1,5 x 3 km),
irradia-se um leque de dez ruas que
avançam como raios no bosque
compacto à sua volta.

44
 Foi a partir do século XIII, sob os Além das cidades citadas, deve-se sublinhar o
640 anos de domínio Habsburgo, que projeto de Giovanni Antolini (1756-1841)
Viena (Wenia) tornou-se uma das para Milão (Milano), na Itália; assim como o
principais cidades como centro plano de Nancy, na França, considerado um
político, comercial e cultural, capital do dos conjuntos barrocos mais harmoniosos em
Império Austro-Húngaro, que atingia escala urbana da Europa, ligando duas praças
Espanha, Holanda, Borgonha, Boêmia por uma avenida arborizada, que por si mesmo
e Hungria. Sofria, entretanto, representa outra praça.
constantes ameaças, como os ataques
turcos, a Peste Negra e as disputas  O incêndio de 1720 em Rennes, na
entre protestantes e católicos, que França, possibilitou a Jacques-Anges
desestabilizaram a cidade até 1576, Gabriel (1698-1728) planejar uma
início da Contra-Reforma. remodelação barroca da cidade, assim
como o terremoto de 1755 em Lisboa
O cerco de Viena pelos turcos cessou em foi responsável pelo seu novo traçado
1683, graças à vitória do príncipe Eugenio geometrizado da autoria do Marquês
di Savoia-Carignano (1663-1736), a partir de Pombal (1699-1782). Destacaram-
de quando a cidade expandiu-se além dos se também os projetos das cidades
muros, respeitando um cinturão livre de alemãs de Mannheim, Müchen
500 m; e surgiram novos espaços (Munique), Potsdam e Karlsruhe, esta
urbanos, representados pelos subúrbios e última projetada em função do Palácio
pelas residências dos grandes do Príncipe, a partir do qual se
irradiava todo o seu traçado (1715).
dignatários, como o Palácio do Belvedere,
onde residia o príncipe de Savóia, criado
por Johann L. von Hildebrandt (1668-
1745); e o palácio Liechtenstein, projetado
por Domenico Martinelli (1694-1706),
entre outros.
 Entre 1690 e 1723, construiu-se
uma grande residência suburbana,
imersa dentro de um amplo parque
barroco semelhante a Versailles: o
Palácio de Schönbrunn, projetado pelo
arquiteto da corte Johann B. Fischer
von Erlach (1656-1723), também Paralelamente, enquanto que na maioria
responsável pelo novo paço do Palácio dos Estados europeus imperava o poder
de Hofburg, sede do poder austríaco. absoluto de monarcas, as CIDADES
No início do século XVIII, construiu-se um HOLANDESAS ainda eram governadas
segundo cinturão de muros externos, como cidades-estado medievais, ou seja,
vinculando ao seu redor uma outra faixa de o poder político ainda era administrado
respeito de 200 m, passando a cidade a coletivamente pela burguesia mercantil.
contar, já no final do século, com uma área
total de cerca de 1.800 hectares e uma  Toda grande cidade era uma
população de 200.000 pessoas. república independente, com leis e
instituições próprias, mesmo que
A CIDADE BARROCA foi a pertencente a uma federação, visando
espacialização dos ideais do absolutismo defender os comuns interesses
e seu traçado – centro urbano, palácio e econômicos e militares.
jardim – baseava-se em um conjunto de Conservando este sistema político excepcional,
eixos divergentes e convergentes que era essas cidades tornaram-se riquíssimas nos séculos
a expressão e instrumento do poder e da XVI e XVII, desenvolvendo uma cultura original,
burguesa e antimonumental, cujos principais
ordem monárquica, representando um nomes foram o do filósofo Baruch Spinoza (1632-
ponto de vista simultaneamente unívoco e 77) e dos artistas Rembrandt van Rijn (1577-
abrangente (GUIMARÃES, 2004). 1642) e Frans Hals (1581-1666), entre outros.

45
AMSTERDÃ O século XVII foi o período áureo de
Amsterdã, em que fortunas foram
acumuladas e perdidas. A cidade
continuou a crescer e um novo plano de
Nasceu aproximademente em 1200 d.C.,
expansão foi aprovado pelo governo
na foz do rio Amstel, como uma aldeia de
municipal em 1607 e pontualmente
pescadores, os quais construíram casas
executado no decorrer do século:
adaptadas às freqüentes enchentes, além
de barragens e canais. Foi lentamente  Desapropriação de terrenos para a
construção de três canais concêntricos,
crescendo e se dedicando ao comércio, com 25m de largura (04 corredores de cerca
acabando por se transformar, em cerca de 6m para tráfego de navios médios),
de 1350, num porto entreposto de grãos e começando pela extremidade ocidental e
cerveja vinda de Hamburgo. continuando por meio de cortes sucessivos
até a zona oriental;
 Os Países Baixos estavam então O canal mais interno (Canal dos Senhores)
sob o domínio dos duques da tem 3,5km de comprimento; o mediano
Borgonha, mas, no século XV, por (Canal dos Reis), 4km; e o externo (Canal
casamento, seu controle passou aos dos Príncipes), 4,5km.
Habsburgos da Áustria. Grandes  Previsão de desembarcadouros de carga e
incêndios em 1421 e em 1452 descarga em ambas margens dos canais,
destruíram dois terços da cidade, feita com 11m de largura (ao total são 25km que
toda em madeira e palha. Em 1480, chegam a permitir que 4.000 navios
foram erguidos seus primeiros muros. atraquem ao mesmo tempo); e de um
grande parque público na zona leste, além
da ampliação de todo o canteiro naval;
 Venda dos novos lotes edificáveis a
particulares (duas fileiras de 50m de
profundidade cada), recuperando assim as
quantias gastas e garantindo que as novas
construções seguissem um minuncioso
regulamento (entre as fachadas posteriores
das casas haveria um espaço livre de, no
mínimo, 48 m: 24m de jardim de cada lado)

Por volta de 1500, Amsterdã havia superado


seus rivais e se transformado no principal
poder da província da Holanda com uma
população de cerca de 12.000 pessoas. O
comércio no Báltico trouxe riqueza e a cidade
cresceu rapidamente, chegando à primeira
metade do século XVI a 40.000 habitantes.
 Os Habsburgo da Espanha
tentaram barrar a Reforma Protestante
que varria todo o norte europeu, mas a A Holanda tornou-se uma potência marítima,
resistência holandesa provocou uma colonizando as ilhas da Polinésia e parte do Brasil,
guerra civil e religiosa de 80 anos. Em além da Ilha de Manhattan; mas seu poderio
1578, os calvinistas tomaram o poder desmoronou devido à guerra com a Inglaterra. No
e expulsaram os católicos, fazendo-se final do século XVII, Amsterdã chegou a contar com
a primeira ampliação: 650 hectares de área e 200.000 habitantes,
permanecendo uma cidade rica e se transformando
 Demolição das muralhas do final do na capital financeira do mundo em meados do
século XV e transformação do fosso século XVIII. Urbanisticamente, manteve a
perimetral em um canal interno; fisionomia particular de seu característico núcleo
histórico, marcado pela arquitetura uniforme e por
 Construção de um novo cinturão de sua grande vitalidade e identidade (BENEVOLO,
muros em 1593, segundo as regras 2001).
da técnica militar moderna.

46
Como expoentes dessa arte inglesa híbrida devem
9 ser citados, além de Inigo Jones em seus trabalhos
tardios, os arquitetos Christopher Wren (1631-
1723), James Gibbs (1682-1754) e William Kent
CIDADE ILUMINISTA (1684-1748), entre vários outros.

Em meados do século XVIII, a reação


No Reino Unido, devido à sua acidentada inglesa contra os faustos barrocos tornou-
história durante os séculos XVI e XVII, na se ainda mais intensa e acabou por fazer
qual houve a sucessão de vários estilos imperarem a pureza, a contenção
artísticos, o Barroco italiano e francês foi compositiva e as restrições clássicas.
recusado. Para os britânicos, além desse Optou-se pelo NEOCLASSICISMO ou
estilo estar fortemente ligado ao Neopalladianismo, o qual se implantou
catolicismo, apresentava formas imorais, sob a direção de Lorde Burlington
uma vez que servia a uma religião de (1694-1753) e contribuiu com alguns
austeridade e humildade com toda a sorte elementos clássicos na decoração em
de sensualidade e fausto, além de Estilo Georgiano (Georgian Style).
recorrer a artifícios e falsificações para
atingir seus fins de encantamento.
 Como reação, instalou-se na
Inglaterra o PALLADIANISMO, uma
corrente classicista inspirada na
doutrina arquitetônica do tratadista da
Renascença Andrea Palladio (1508-
80), que dominou todo o país por
quase dois séculos, de 1620 a 1800,
servindo de ponte entre o  No plano urbano, as cidades
Renascimento e o Neoclassicismo do inglesas receberam intervenções
final do século XVIII. pontuais que ressaltaram os valores
Durante todo o século XVII, raramente a barrocos perspécticos, destacando-se
arquitetura palladiana foi superada por várias praças privadas em Londres,
tendências barrocas, mantendo-se sóbria tais como: Hanover Square (1717),
Grosvenor Square (1725), Berkley
e acompanhada de reminiscências Square (1739), Cavendish Square
góticas. Aos poucos, as construções (1717), Portman Square (1761) e
burguesas procuraram por maior conforto, Bedford Square (1739).
o que as fez se distanciarem do
classicismo rigoroso e combinarem os
motivos palladianos com o lirismo e o
dinamismo da Europa central,
especialmente da Baviera.
 Houve uma fusão entre as formas
clássicas e a decoração barroca, sem
nunca atingir o excesso. Várias praças
particulares foram criadas nessa
época em Londres – como a
Bloomsbury Square (1660), a St.
James Square (1662) e a Soho Square
(1681) –, que se caracterizavam pela
continuidade característica e
A cidade balneária de Bath recebeu um importante
uniformidade rítmica das fachadas e característico conjunto classicista a partir de
circunvizinhas; pelo uso e trânsito 1727, graças a John Wood, o Velho (1700-54),
exclusivo de pedestres pagantes; e este iniciado com a Queen Square (1727/34), que
pelo tratamento unitário em bloco se liga, através da Gay Street (1760), ao King’s
(street block), geralmente associado Circus (1754/60) que, por sua vez, estende-se pela
ao corpo de um palacete burguês, Brock Street (1767/68) até o Royal Crescent
igreja ou templo coletivo. (1767/74) (FERRARI, 1991).

47
No início do século XVIII, o artificialismo LONDRES
típico dos jardins clássicos atenuou-se e
apareceram parques caracterizados por
árvores, córregos e extensos prados. A história londrina iniciou-se com a
Nascia assim o JARDIM INGLÊS que se invasão da Grã-Bretanha (Britania) pelos
distanciava cada vez mais do modelo axial romanos no século I d.C., quando
e geométrico, de tradição renascentista- instalaram seu porto, Londinium, às
barroca, criada pelo poder absolutista e margens do rio Tâmisa (Thames), que se
despótico dos franceses. desenvolveu e atingiu já 50.000
 Wiliam Kent (1684-1748), um dos habitantes no século III d.C.
criadores do jardim naturalista de
 Oito séculos depois, estabeleceu-
tradição inglesa, a reação romântica
se a divisão histórica de Londres em
ao paisagismo francês, sustentava que
duas partes: a City, centro comercial
se deveria projetar de acordo com dois
correspondente ao núcleo romano, em
fatores fundamentais: a integridade
que foi construída a White Tower
moral, de origens clássicas; e o gosto
(1078); e Westminster, sede do
pelo natural.
governo, onde se construiu a abadia e
Criticando a pretensa “domesticação” das o parlamento (1240/5). Uma única
paisagens naturais empreendida pelos ponte – a London Bridge (1176) –
franceses e inspirando-se, ao mesmo transpunha o rio e levava aos
subúrbios meridionais da cidade.
tempo, na apologia ao “estado natural”
feita pelos artistas românticos e na cultura Na City medieval, instalaram-se os
e artes orientais, os ingleses defendiam a comerciantes e suas instituições e guildas,
volta do contato humano mais próximo à desenvolvendo-se como uma cidade aberta,
natureza, enfatizando as idéias de não sujeita a ameaças militares e coordenada
liberdade e movimento no paisagismo. por prefeitos. Ao seu redor, formou-se uma
coroa de subúrbios, cujo traçado seguia o das
Deste modo, os elementos do ruas dos campos. Contudo, sua população
paisagismo inglês passaram a ser: nunca ultrapassava os 50.000 habitantes,
 Traçados curvilíneos e tortuosos, devido a doenças, especialmente a Peste
objetivando surpresa, variedade de Negra, que dizimou milhares em 1348.
sensações e simulação de idílicas
perspectivas, por meio do manejo  O Renascimento inglês ocorreu no
de sinuosos contornos naturais; século XVI, quando os Tudor
 Criação de uma seqüência de restabeleceram a paz e o reinado de
experiências (qualidades de Elizabeth I (1533-1603) estava em seu
umidade, temperatura, textura e ápice, em pleno período das
som) associadas a impressões navegações. Porém, a Guerra Civil foi
visuais (luzes, sombras, cores , deflagrada em 1642, seguida pela
formas, etc.) que provocavam República de Commonwealth, que
emoções variadas e distintas; durou até 1660, quando da
 Eliminação de barreiras visuais e restauração de Charles II (1630-85).
físicas entre o jardim e o paisagem
natural, explorando seus valores Com a introdução do pallamaglio ou palle-
ecológicos e trabalhando com maille (uma combinação de críquete e golfe)
“episódios” (relvas, clareiras, na Inglaterra por Charles II, criou-se o recanto
bosques, matos, lagos, riachos, conhecido como Pall Mall ou simplesmente
cascatas, grutas, ruínas, etc.).
Mall, no St. James’s Park, originalmente um
prado alagadiço utilizado para a caça e
melhorado por volta de 1660 com arborização,
caminhos e prados para atender às
amenidades dessa diversão pública.
 Nessa época, já existiam o Hyde
Park, parque de caça real tornado
público em 1635; e os Vauxhall
Gardens, um jardim de amenidades,
criado em 1660, com o nome de New
Spring Gardens, público em 1681.
48
Em 1665, um novo surto da peste dizimou reais do mundo; e o Victoria Park (1845),
cerca de 100.000 pessoas e, em 1666, de Humphrey Repton (1725-1818).
ocorreu o Grande Incêndio de Londres,
 A capital britânica Londres pode
que desabrigou outros 100.000 e permitiu ser considerada a primeira grande
a remodelação de algumas áreas, o cidade burguesa, cuja forma urbana
alargamento de vias e a fixação de não dependeu só de grandes
regulamentos para as novas habitações. intervenções do governo , mas da
soma de um grande número de
 Baseados em modelos franceses,
pequenas intervenções particulares.
entre os exemplos barrocos em
Londres estão os jardins de Hampton Além dos já citados, outros paisagistas
Court, o palácio real de William III românticos foram Charles Bridgeman
(1650-1702) & Mary II Stuart (1662- (1690-1738); Henry Hoare II (1705-85),
94), remodelado em 1689 por
criador dos jardins de Stourhead (1725);
Christopher Wren; e os Kensington
Gardens, separados do Hyde Park no Capability “Lancelot” Brown (1716-83)
mesmo ano, além de Chartswarth e John C. Loudon (1783-1843), este o
(1680/90) e Langleat (1685/1711). introdutor inglês do Gardenesque Style,
além de Joseph Paxton (1803-65), que
foi o autor do Birkenhead Park (1844/7),
em Londres, além do Crystal Palace
(1851), construído no Hyde Park por
ocasião da Primeira Exposição Universal;
e depois transferido para Sydeham.

ROMANTISMO
PLANO DE LONDRES (WREN, 1667)

A fundação do Bank of England em 1694 As transformações decorrentes da


estimulou o crescimento da cidade e, quando REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1750-1830),
George I (1660-1727) subiu ao trono em 1714, levaram a profundas alterações espaciais
Londres já era um importante centro europeu. e socioeconômicas, caracterizadas pelo
Em fins do século XVIII, sua estrutura urbana rápido crescimento urbano, início da
já estava totalmente consolidada, estando periferização, proletarização de milhares
dividida em três setores ao redor da City, seu
principal centro administrativo e financeiro: o
de artesãos e difusão do liberalismo.
West End, o setor da nobreza e alta burguesia,  Além das mudanças urbanas, essa
o East End, o setor operário; e a zona sul do passagem do capitalismo comercial
rio, o setor comercial. para o industrial conduziu a uma maior
discussão sobre a questão da
 Foram os aristocratas de West End liberdade individual, considerada
que começaram a construir elegantes condição essencial para o
praças e mansões, inspirando-se em desenvolvimento econômico liberal.
outras capitais européias e por meio Foi a partir desse momento que se
de arquitetos como Robert Adam inseriu a concepção de “estado
(1728-98), John Soane (1753-1837) e natural”, a qual teria grande influência
John Nash (1752-1835), este último nas teorias urbanas.
responsável pelo Green Park, pelo
Regent’s Park e pela Regent Street Apesar da idéia de que os homens que
(1811/28), marcados pela combinação viviam perto da natureza seriam mais
de fachadas, terraços e paisagem. felizes do que os civilizados ser bastante
Mesmo com o término da era georgiana, antiga, ela tomou uma força sem igual
já no século XIX, vários arranjos especialmente a partir do século XVIII. Os
paisagísticos foram realizados, estes sofistas gregos já diziam que as leis e as
completamente definidos pelos ideais instituições eram criações “artificiais” que
românticos, como os Kew Gardens respondiam às necessidades humanas,
(1841), os primeiros jardins botânicos mas que não resultavam diretamente de
sua “natureza”.
49
 Esta dicotomia entre arte (artifício) Já o escritor e filósofo francês VOLTAIRE
e natureza (mundo), que também se (1694-1778), com sua novela Candide
fazia presente nos pensamentos (1759), apresentava a utopia de El
platônico e aristotélico, acabou
Dorado, um país riquíssimo de campos
conduzindo à idéia de uma
coletividade humana completamente férteis e casas luxuosas, situado em
livre de tudo que fosse “artificial”, algum lugar entre o Amazonas e o Peru,
vivendo em plena harmonia com a no qual os incas teriam mantido uma
natureza no estado que veio a ser monarquia paternalista sem os espanhóis
chamado de “natural” colonizadores darem-se conta. Em sua
(NATURALISMO). capital Manoa, fundada na nascente do rio
No século XVIII, imaginaram-se diversas Caroin, tudo seria feito de ouro.
formas para o “estado natural”, o que Contudo, segundo Voltaire, apesar de todas as
variou conforme as concepções políticas suas riquezas, os habitantes desse país – um
de seus autores que ora aboliam a povo forte e corajoso descendente da
1
propriedade privada quiçá o próprio civilização de Atlântida – não eram cobiçosos
Estado, ora defendiam a ausência de luxo e consideravam seu tesouro supérfluo. O ouro
e sofisticação em prol da simplicidade – seria usado apenas para embelezar palácios e
templos, sendo considerado por eles inferior à
ou “naturalidade” – das relações entre os comida e à bebida.
homens e as mulheres.
 O francês M. MORELLY (1717-78), Por sua vez, DENIS DIDEROT (1713-84)
através de sua obra La Bailiade (1753) defendeu o “estado natural” do homem
e, principalmente, de Le code de la em Supplément au voyage de
nature (O código da natureza, 1755), Bougainville (Suplemento à viagem de
afirmava categoricamente que a
Bougainville, 1771/72), no qual descrevia
propriedade seria “a mãe de todos os
crimes”, preconizando assim um uma ilha fantástica onde os homens
sistema comunista ao propor a cidade haviam se entregue à simplicidade dos
utópica de Basilíade. instintos primários. Com isto, contribuiu
para reforçar a crença de que em terras
Tomando como modelo o homem distantes o homem, em estado natural,
primitivo – que seria bom e viveria em era bom e valoroso (CARANDELL, 1974).
comunidade –, ele propôs a abolição de
todas as instituições que pervertiam a  Entretanto, a grande utopia
natureza humana – propriedade, política, pedagógica do século XVIII e que teve
matrimônio, privilégios ou leis –, maiores conseqüências foi a obra do
filósofo francês JEAN-JACQUES
apresentando um plano para essa nova
ROUSSEAU (1712-78) intitulada
ordem social, a partir de um sistema Emilio (1762), a qual propunha um
comunitário de bens (CASTELNOU, 2005). sistema de educação que permitisse
 Propondo um sistema de legislação ao homem manter sua bondade,
conforme as intenções naturais, inocência e virtudes naturais.
Morelly defendia o modelo ideal
renascentista da cidade monocêntrica
1
– cujo ponto central seria uma grande Denominava-se Atlântida a ilha lendária e de
praça (síntese da idéia de grandes dimensões, que teria existido no oceano
comunidade) –, de pequenas ou Atlântico, próxima ao estreito de Gibraltar. Tendo
médias dimensões, a qual se sido descrita minuciosamente, em sua organização
e riquezas, no Crítias e no Tímaios, de Platão, no
distribuiria de modo equilibrado e
século IV a.C.; após violento cataclisma, submergiu
ordenado no território, negando as no oceano – embora algumas partes sobrexistiram
forças concentradoras que agiam no –, levando consigo seu povo forte e guerreiro; fato
crescimento urbano capitalista. supostamente ocorrido por volta de 9560 a.C. De
forma um pouco elíptica, que se estendia por 533
Em seu país utópico, o governo seria km de Norte a Sul; e 355 km de Leste a Oeste, a
republicano e a sociedade organizada ilha consistia em um planalto elevado cercado de
em famílias, tribos (clãs) e cidades, montanhas escarpadas que davam para o mar. Em
cada qual definida por um tamanho 1919, Pierre Benoit completou sua descrição
ideal e previamente controlado. através de L’Atlantide (MANGUEL & GUADALUPI,
2003).

50
Rousseau intentava fazer possível a Em meados do século XVIII, tomou-se
existência do “bom selvagem” no mundo consciência de que a grande cidade havia
contemporâneo, através de um regresso se transformado em um sistema de fatos
ao seu “estado natural” com a significativos e isolados, que precisava ser
manutenção de sua independência e tratado, do ponto de vista urbanístico,
liberdade ao longo da vida. A partir de um como algo policêntrico e dinâmico.
método pedagógico que valorizava a auto-  Por este motivo, nesse período não
aprendizagem segundo a natureza e sem existiram planos gerais de construção
nunca influenciar na pureza e na de uma única cidade ideal, mas
sinceridade dos sentimentos pessoais, a somente projetos parciais, de setores
utopia rousseauniana visava aplicar-se urbanos ou inclusive de edifícios
não somente ao indivíduo, mas em toda a particulares, os quais representariam
comunidade (CASTELNOU, 2005). esses lugares significativos da “cidade
como bosque” de Laugier.
 Suas idéias influenciaram todo o
pensamento romântico e tiveram As principais experiências que devem ser
vários seguidores, entre os quais o citadas como representativas do ideal da
austríaco Johann H. Pestalozzi CIDADE NATURALISTA foram:
(1746-1827) e o alemão Johann W.
a) GIOVANNI B. PIRANESI (1720-78):
von Goethe (1749-1832).
publicou a planta do Campo Marzio
A possibilidade de ruptura com uma forma de dell’antica Roma (1757/61) e suas
organização já estabelecida, de abandono perspectivas, onde já não existia qualquer
radical das convenções e comportamentos fidelidade ao princípio tardo-barroco da
mais tradicionais, sem entretanto sequer “unidade na variedade”, uma vez que a
esboçar a possibilidade de uma ordem a ser cidade – uma Roma antiga completamente
construída, ainda que sob uma forma de reinventada – passava a ser formada pela
representação mental, deixou um espaço para bricolagem de edificações tratadas
a reflexão sobre as possibilidades e isoladamente, resultando em um conjunto
impossibilidades de uma cidade utópica. caótico e sem ligações entre si;

Essas idéias de Rousseau e dos demais


utopistas românticos tiveram grandes
repercussões na concepção do que seria
a cidade ideal setecentista, a qual deveria,
em um primeiro momento, reintegrar o
homem à natureza, idéia que acabou
influenciando o Park Movement.
 Foi MARC-ANTOINE LAUGIER
(1713-1769) quem enunciou a teoria
sobre o desenho das cidades como se
fossem bosques ou florestas, abrindo CAMPO MARZIO (PIRANESI, 1757)
oficialmente a investigação teórica da
CIDADE NATURALISTA, a qual b) PIERRE PATTE (1723-1812): realizou uma
estaria reduzida a um fenômeno proposta urbana para Paris em 1765, na
natural que superaria qualquer idéia qual a representava construída por pontos
priorística de ordenamento urbano. monumentais imersos em um tecido
homogêneo e compacto da cidade
Com seu Essai sur l’architecture (Ensaio sobre precedente. A localização das praças –
a arquitetura, 1753), Laugier inaugurava a estas concebidas como elementos
estética pitoresca, defendendo um traçado transformadores da cidade medieval,
citadino marcado pela abundância, pela isentos de seu tradicional papel utilitário e
variedade e pelo contraste, cujo resultado revestidos de conotações essencialmente
seria de uma “beleza estimulante e deliciosa” . formais – não seguia nenhuma lógica geral
Aceitava-se assim uma nova complexidade justamente porque cada uma fora prevista
urbana que serviria de estímulo à criatividade individualmente, em conformidade com a
e fundamentaria toda a teoria da construção nova concepção da cidade como um
da cidade da Ilustração (TAFURI, 1997). conjunto de vários lugares monumentais;

51
Como alternativa radical à cidade de alta
densidade, surgiu também na Ilustração a
idéia da cidade dispersa na natureza que
estabeleceria com esta uma relação de
completa imersão e adaptação. Este mito,
bastante recorrente na arte e arquitetura
do período, apareceu claramente nas
formulações utópicas de alguns
franceses, que buscaram a “imagem da
perfeição” através de propostas de casas
PLANTA DE PARIS (PATTE, 1765) isoladas imersas na paisagem.
c) JOHN GWYNN (1713-86): propôs um
plano para a parte Oeste de Londres,
 Paralelamente, a cidade ideal
publicado no London & Westminster setecentista passou a ser pensada
Improved (1776), em que reestruturava a em termos de uma nova geometria
cidade visando o resgate de sua da natureza, fundamentada na
complexidade, dividindo-a por um eixo Razão ideal, que propunha a
Norte-Sul em duas partes distintas: uma ordem das coisas e a possibilidade
mais urbanizada ao redor da Oxford Street, de reordenação através da força
que mantinha uma continuidade ao norte transformadora da sociedade.
com o tecido das Squares já construídas ao
sul da mesma; e uma parte não urbanizada a) ÉTIENNE-LOUIS BOULLÉE (1728-99):
ao redor do Hyde Park, ainda
acreditando na architecture parlante
essencialmente campo, sobre a qual se
(expressiva ou “falante”), propôs, entre
traçaria um sistema viário ortogonal de
1780 e 1790, obras enormes e
dimensões inusitadas, cujo interior
radicalmente reduzidas a formas
possuiria áreas livres para a agricultura;
volumétricas puras (pirâmides, esferas e
d) FRANCESCO MILIZIA (1725-98): cones), que simbolizavam a harmonia
defendeu o fragmatismo urbano, quando, perfeita, destacando-se o “cenotafio” da
em Principi di architettura civile (1781), Bibliothèque Nationale de Newton (1783),
escreveu que a planta da cidade deveria com 152 m de diâmetro. Em Architecture:
ser distribuída de tal modo que a essai sur l’art (1775/90), propunha como
magnificência da totalidade fosse princípios de ação os mesmos da natureza,
subdividida em uma infinitude de belezas para construir uma “segunda natureza”;
particulares, todas de fato diferentes e que
não se encontrassem nunca nos mesmos b) CLAUDE-NICOLAS LEDOUX(1736-1806):
objetos; e que a percorrendo de uma realizou uma autêntica pesquisa
extremidade à outra, se encontrasse em experimental de elementos arquitetônicos
todos os bairros algo de novo, de singular fixos que gerariam uma arquitetura
ou surpreendente. atemporal – essencialmente neoclássica –
O apelo à forma romântica da cidade e uma cidade hierárquica e harmônica. Em
serviu, em um primeiro momento, para 1774, projetou a primeira cidade ideal da
persuadir quanto às necessidades era industrial, La Saline de Chaux, perto
objetivas dos processos postos em de Besançon, na França.
movimento pela burguesia capitalista pré- Concebida como uma ville sociale, a proposta de
revolucionária, os quais seriam por fim Ledoux conservava o trabalho em seu coração
simbólico. As construções centrais para a
consolidados na CIDADE INDUSTRIAL. fabricação de sal eram rodeadas por casas e
 O naturalismo urbano, a inserção jardins dos trabalhadores; e um anel externo
do pitoresco na cidade e na arquitetura incluiria diversas construções comuns (bolsa de
valores, hospital e uma construção dedicada à
ou a valorização da paisagem na glória das mulheres), além de locais para recreação
ideologia artística, tudo tendia a negar e educação. O conjunto, baseado nas formas do
a dicotomia, já patente, entre a círculo e do quadrado, foi planejado como uma
realidade urbana e o campo. Logo, o nova síntese que reconciliaria humanidade e
verde acabaria incorporado pelo novo natureza, submetendo o ideal individual a um
organismo urbano liberal enquanto conceito coletivo, este rígido, ordenado e universal,
máquina produtora de novas formas completamente anti-romântico (CASTELNOU, 2005).
de acumulação econômica.

52
10
CIDADE INDUSTRIAL

Denomina-se REVOLUÇÃO INDUSTRIAL


a série de transformações econômicas,
políticas, sociais, culturais e tecnológicas,
que vinham se processando desde fins do
século XVIII e que culminaram na primeira
metade do século XIX, com a passagem
da produção baseada na ferramenta Esse desequilíbrio acabou se refletindo na
(artesanato/manufatura) para aquela arquitetura do século XIX, cujo sistema
baseada na máquina (indústria). era regido pelas leis naturais e pelas
 Por meio do desenvolvimento convenções imutáveis deduzidas em parte
contínuo da tecnologia para o na Antigüidade clássica e em parte
fornecimento mais rápido, em individualizadas pelo pensamento
maior quantidade e melhor renascentista, mas que passou, a partir
qualidade, de inventos para o ser do Iluminismo do século XVIII, a ser
humano, os progressos industriai analisado em suas fontes teóricas.
deram-se devido ao espírito  O resultado desse quadro foi a
empreendedor do homem, que difusão do HISTORICISMO, ou seja, a
buscou solucionar problemas negação da universalidade das regras
através do cálculo e reflexão. clássicas e a busca de outras fontes
de inspiração no passado histórico,
inicialmente através do revivalismo
Diminuição da estético (estilos neoclássico,
mortalidade a neogótico, neobarroco, etc.) para a
partir de 1750 posterior difusão da miscelânea
estilística expressa pelo ECLETISMO.
(Aumento do
crescimento Incremento
demográfico e Principalmente a partir de 1850, a arquitetura
vegetativo) perdeu o contato com a realidade de seu
industrial
tempo e o papel do arquiteto passou a ser
(Demanda por reservado somente à parte estética, deixando
Melhoria bens e serviços)
geral dos níveis para outros as questões técnicas e funcionais,
de vida o que o tornou alheio à discussão dos fins da
produção arquitetônica e apenas ligado aos
(Aumento de
Aumento dos aspectos estilísticas (BENEVOLO, 1998).
condições
processos
sanitárias)
industriais  A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
(1750-1830) consistiu em um
(Estímulo à
produção conjunto de mudanças lentas,
científica) progressivas e decisivas, as
quais aconteceram em três níveis:
 Econômico-tecnológico: aumento
Contudo, a INDUSTRIALIZAÇÃO também
da produção, da circulação e do
demonstrou decisões arriscadas e ações consumo de bens e serviços
contraditórias, que permearam os sucessos e através da invenção da máquina;
avanços com crises e sofrimento de muitas  Sócio-político: proletarização de
pessoas. Tais males ocorreram principalmente milhares de artesãos e formação de
pela falta de coordenação entre o progresso uma reserva de mão-de-obra;
científico e técnico e a organização geral da  Urbano-territorial: uma nova
sociedade, além da falta de providências distribuição da população no
administrativas adequadas para controlar as território e mudanças na infra-
conseqüências das mudanças econômicas. estrutura urbana.

53
Modificou-se radicalmente a conformação matéria em decomposição, possibilitou
usual das cidades tradicionais européias, o nascimento das primeiras Leis
fazendo com que seu antigo núcleo – formado Sanitárias inglesas (09.ago.1844 e
principalmente pelos maiores monumentos, 31.ago.1848).
pelas moradias e pelas ruas estreitas – fosse
abandonado pelas classes ricas, que
 Modificações técnico-construtivas:
acabaram se estabelecendo em bairros de  Racionalização no uso de materiais
luxo aos arredores da cidade. tradicionais, resultando na melhoria de
qualidade, acabamento e transporte;
Os edifícios e os palacetes passaram a  Emprego sistematizado de materiais novos
ser ocupados por imigrantes e (ferro, vidro e concreto armado);
trabalhadores (proletariado), tal como os  Difusão das máquinas e melhoria do
jardins públicos por depósitos e casas aparelhamento dos canteiros de obras;
mais pobres. Bairros operários compactos  Desenvolvimento das vias de transporte
e desordenados multiplicavam-se ao redor terrestre e aquático, graças aos avanços na
geometria, topografia, etc.
das cidades, ao lado de indústrias e villas
burguesas (KOSTOF, 1991).  Progressos científico-culturais:
 Tais mudanças resultaram em  Surgimento das regras de geometria
graves problemas de transporte, descritiva, por Gaspard Monge (1746-1818);
habitação, serviços e salubridade,  Difusão do sistema métrico decimal a partir
reivindicando medidas de saneamento da Revolução Francesa (1789/99);
para que os conflitos sociais não se  Desenvolvimento de novos conceitos físicos
tornassem insuportáveis. Vários desde R. Hooke (1635-1703), J. Bernoulli
governos tomaram providências a fim (1654-1705) e C. A. Coulomb (1736-1806),
de resolver essa situação – primeiro além de invenções, como a máquina a
na Inglaterra e depois nos demais vapor de James Watt (1736-1819) ;
países –, os quais puderam dar os  Cisão entre os ensinos de arquitetura e
primeiros passos de planejamento. engenharia, com a fundação das Escolas
Politécnicas e a incorporação do ensino
LEIS SANITÁRIAS passaram a vigorar, as arquitetônico às Escolas de Belas Artes a
quais não somente se preocupavam com a partir do século XIX.
higiene e a saúde dos moradores, como
cuidavam da questão habitacional, que passou
Até o surgimento das primeiras escolas
a ser subvencionada pelo Estado. Definiram- parisienses de engenharia – École des
se regulamentos para a construção mínima, Ponts et Chaussées (1747) e École des
assim como normas para a composição de Ingénieurs de Mézières (1748) –, o
conjuntos operários. arquiteto era, ao mesmo tempo, o criador
da forma e o único capacitado para
As condições críticas da CIDADE realizá-la. Contudo, sua formação acabou
INDUSTRIAL, principalmente no que se isolada do conhecimento e contato com a
referia às suas condições higiênicas e realidade cultural de renovação, assim
sanitárias, conduziram ao Movimento como dos aspectos construtivos que a
Higienista, na primeira metade do século engenharia aperfeiçoava rapidamente.
XIX, responsável pela primeira legislação
de saúde pública, que regulamentava  Os criadores da nova profissão eram
todos arquitetos construtores de linha
medidas de limpeza das cidades, definitivamente racional, tanto que
construção de esgotos e suprimentos de definiam arquitetura como a “arte de
águas livres de contaminação. construir”, onde o que mais importava era
a economia e a funcionalidade.
 A partir de 1830, de acordo com
BENEVOLO (1994), epidemias de cólera Desde seu momento inicial, a ENGENHARIA
se alastraram na Inglaterra. Com fundou-se na investigação científica dos problemas
bases estatísticas, o higienista Edwin físicos que lidava – herança dos mestres góticos –
até marcar o grande desenvolvimento do século
Chadwick (1800-90) estabeleceu a XIX e o engenheiro ser considerado o “homem
existência de uma correlação entre moderno por excelência”. Foi ele quem resolveu os
condições de vida e mortalidade. Seu novos problemas funcionais, que requeriam
trabalho, que demonstrava que as soluções originais, principalmente através das
doenças transmissíveis eram novas técnicas e materiais.
causadas por miasmas surgidos da

54
As doutrinas arquitetônicas do século XIX As transformações que marcavam a
centralizavam-se em uma postura paisagem das cidades européias, na qual
acadêmica, que ignorava a vastidão dos novos elementos – o adensamento
novos problemas sociais a que a humano, o barulho, o movimento, os
arquitetura deveria servir, numa atitude à transportes, a vida fervilhante – passaram
margem de seus fundamentos culturais. a preencher o cotidiano das avenidas,
 A nova sociedade que emergiu praças e galerias. Em 1857, o poeta e
com o capitalismo industrial fez nascer crítico francês CHARLES BAUDELAIRE
também uma nova ordem do espaço (1821-67) publicava sua principal obra,
urbano, que conduziu a uma revolução Flores do mal, tornando a cidade sua
no modo de pensar a cidade. Esta maior personagem, não como espaço
passou a ser compreendida como concreto, mas sua alegoria: a multidão
CAOS que precisava ser controlado e flutuante, instável e fulgaz, através da
dirigido, de modo a garantir o qual o poeta via Paris (CASTELNOU, 2005).
desenvolvimento das novas relações
socioeconômicas.  Por meio das imagens
momentâneas, as paisagens
Novo cenário do Capital, a CIDADE “passantes” ou os olhares furtivos que
INDUSTRIAL transformou-se em um se cruzavam nos becos e nas ruas da
emaranhado de problemas, que passou a metrópole que começava a se
ser um campo de experimentações desenhar, descrevia aquela
urbanísticas, ora a partir de modelos experiência vivida do choque da
neoclássicos de inspiração francesa, ora modernidade e, segundo o filósofo
2
por meio de amplos programas Walter Benjamin (1892-1940) , do
desenvolvimento da cultura como
habitacionais de bases britânicas; ou “mercadoria”, o que marcaria a
ainda através de traçados em retícula sociedade de massa.
ortogonal, aplicados na América.
Adotando a elegância de um dandy e uma
atitude de ócio e liberdade, Baudelaire foi
enormemente criativo. Fascinado pela
modernidade que se manifestava na
urbanização européia, atuou como verdadeiro
flâneur, ou seja, a antítese do burguês ou um
passante ocioso, perdido na grande metrópole,
livre para vaguear, observar, meditar e sonhar.
Para ele, os habitantes da cidade são vistos
como se movendo através de um espaço
fragmentado construindo a sua atividade com
base na imaginação. A flânerie seria um modo
de sociabilidade em que se guarda ciosamente
PLANO DE BARCELONA (CERDÁ, 1859) a sua individualidade e, obscurecendo-se por
detrás da máscara do anônimo e insignificante
Em meados do século XIX, nascia a disciplina do homem da multidão, envereda por um
URBANISMO, a partir de então definida como a percurso que o aliena da eventual
arte de produzir ou mudar a forma física das possibilidade de uma relação intersubjetiva
cidades, sendo assim formada por ações e práticas
mais aprofundada com os outros agentes que
de organização do espaço que se apóiam sobre um
corpo de saberes, em conjunto a técnicas e se movimentam nela.
instrumentos de intervenção, que se traduzem por
meio de prescrições dirigidas aos gestores da 2
cidade. Trata-se de uma disciplina do espaço e do O filósofo e escritor alemão de origem israelita
tempo, voltada à práxis (prática consciente) (HALL, Walter Benjamin (1892-1940) pode ser
2002). considerado um dos maiores críticos da estética do
século XX, especialmente devido à sua reflexão
 No emergir da CIDADE sobre linguagem e arte sob a ótica marxista que fez
INDUSTRIAL, liberal e capitalista, junto à Escola de Frankfurt. Particularmente
nasciam também a Sociedade da interessante foi sua contribuição com A obra de
Máquina e uma nova forma de ver, arte na época de sua reprodutibilidade técnica
sentir e viver a vida urbana (1936), em que já identificava as novas atitudes do
público, realizadores e atores, transformados pelo
(BENEVOLO, 1994; 1998). progresso técnico e estético do cinema.

55
As origens da urbanística moderna PLANO DE PARIS (HAUSSMANN, 1853)
deram-se a partir de dois grupos de
Buscando um plano unitário entendido como
agentes que se propuseram a transformar modelo urbano ideal, uniforme e regular, o
a CIDADE INDUSTRIAL, a saber: URBANISMO NEOCONSERVADOR do
a) Reformadores urbanos ou urbanistas século XIX pode ser exemplificado por:
neoconservadores: agentes e executores
Paris Georges-Eugène Haussmann
de grandes intervenções de renovação de
alguns centros europeus que, diante da (1853/69) (1809-91)
necessidade de dotar as cidades de Plano de caráter estético, técnico e higienista, que
condições para o enfrentamento das incluiu a abertura de novas artérias para o trânsito
mudanças produzidas pela industrialização, nos velhos bairros; a criação de praças e grandes
reforçaram o caráter técnico do urbanismo, parques; a urbanização de terrenos periféricos,
voltando-se para reformas grandiosas; através da construção de novos subúrbios; a
reconstrução de prédios ao longo dos recentes
b) Socialistas utópicos ou pré-urbanistas: alinhamentos; e a renovação dos sistemas de
generalistas – na maioria, historiadores, água, saneamento, iluminação e transporte
economistas e políticos – que público; além da reforma de todo o sistema
apresentaram uma série de propostas, que administrativo parisiense, com descentralização e
não passavam de obras hipotéticas, de instalação de novos edifícios públicos.
cunho essencialmente utópico já que se Viena L. C. F. Förster (1797-1863)
pensava ser possível o restabelecimento da (1857/69) e outros
“ordem”, abandonando-se a cidade
industrial e voltando-se a viver no campo, Plano de reforma urbana baseado na demolição
através de uma atitude nostálgica. das antigas muralhas da cidade e na construção
da Ringstrasse, uma rua circular ligando novas
instituições políticas e culturais.
URBANISMO NEOCONSERVADOR Barcelona Ildefons Cerdà
(1859/70) (1815-76)

Com os movimentos e revoltas sociais da Plano reticular de expansão urbana (Eixample), de


forte caráter estrutural, baseado em uma
segunda metade do século XIX, conforme inovadora proposta de distribuição e ocupação de
BENEVOLO (1994), muitos países quadras por espaços públicos.
europeus submeteram-se a uma nova
Londres London County Council –
direita, autoritária e popular, por meio da
(1863/91) LCC (1889)
qual se passou a fazer o controle direto
do Estado sobre a vida econômica e Conjunto de ações que incluíram a criação do
social, além de efetuar uma série de Metropolitan Railway (1863), o primeiro metrô do
mundo; do Peabody Buildings (1870) para abrigar
reformas de caráter coordenador e de pobres; e do primeiro borough (bairros proletários)
preocupação anti-revolucionária. do LCC (1891).
 Iniciaram-se assim grandes
intervenções urbanas visando regular O Plano de Haussmann, realizado a mando
a CIDADE INDUSTRIAL em uma de Napoleão III (1808-73), acabou se
escala apropriada à nova ordem repercutindo nos planos de Florença (1864),
socioeconômica, através da prática de Marselha (1865), Estocolmo (1866) e de
programas saneadores e de remoção Toulouse (1868); assim como influenciou as
do proletariado das áreas centrais com propostas para Roma, Bolonha, Colônia,
a demolição das áreas insalubres. Leipzig, Copenhague, Adelaide e Brisbane,
entre outras.
 Uma de suas peculiaridades foi à
busca da valorização de edifícios
monumentais, reforçando sua função
de marcos perspectivos e simbólicos.
Isto teve grande influência nas
concepções do City Beautiful
Movement, assim como conduziu a
reformas urbanas, inclusive no Brasil,
aplicando-se em cidades como Rio de
Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

56
Charleston, fundada em 1672 em um território
11 entre os rios Ashley e Cooper (South Caroline),
era formada por oito quarteirões irregulares de
perímetro fortificado. A cidade expandiu-se
CIDADE AMERICANA além dos muros a partir de 1717, quando foi
estabelecida sua praça central com mercado
em 1739.
Como colônia britânica de 1607 a 1783,  Já Detroit teve origem francesa,
os EUA tiveram como elementos de sua fundada por Antoine de La Mothe
tradição urbanística aqueles provenientes Cadillac em 1701 (Michigan),
da Inglaterra, derivados especificamente passando a pertencer aos EUA
de trama reticulada, disposta de modo somente em 1796. Em 1807, foi
rigoroso e invariável como ponto de ampliada segundo um traçado de
referência para a implantação diagonais formando uma trama de
triângulos equiláteros e uma sucessão
arquitetônica (modulação ortogonal),
de unidades radiocêntricas.
como atestam os planos de Filadélfia
(Pensilvânia, 1682), Cambridge (Mass.,
1699), Savannah (Georgia, 1732) e NOVA YORK
Reading (Pensilvânia, 1748).
 Em relação à construção, os
primeiros colonos esforçaram-se em
reproduzir sistemas convencionais,
como a cantaria e a alvenaria de
tijolos, sendo a carpintaria aquele que
se tornou mais viável. Baseada no
repertório clássico inglês, foi adaptada
às condições climáticas do local,
marcadas por invernos rigorosos e
verões quentes (uso de varandas
externas, chaminés com lareiras, etc.).
Denomina-se Baloon Frame a técnica construtiva
norte-americana em carpintaria, sendo a estrutura
externa coberta com tábuas horizontais e
internamente com revestimentos leves, deixando-
se uma câmara de ar isolante e pequenas
aberturas.
Foi criada em 1624 pelos holandeses como
Nova Amsterdã, um entreposto de peles
situado na foz do rio Hudson, ao sul da Ilha de
Manhattan, esta ocupada pelos índios
algoquianos, que a venderam em 1626.
Recebeu os primeiros escravos em 1625 e os
primeiros colonos judeus em 1654, quando
também se construiu uma paliçada contra os
índigenas, passando a rua ao seu lado
chamar-se Wall Street.
O núcleo histórico possuía um
traçado irregular e espontâneo, mas
seu excepcional crescimento exigiu
um plano retilíneo de expansão,
Fugindo do traçado urbano puramente aplicado no início do século XIX.
retilíneo, foram poucas as exceções, entre as
quais Annapolis, fundada em 1649 na foz do O Plano de Nova York (1811) caracteriza-se pela
rio Severn, na baía de Chesapeake (Maryland) retícula uniforme que desconsidera a topografia e
que foi a primeira cidade norte-americana a está composta por avenidas no sentido Norte-Sul e
ruas no sentido Leste-Oeste, com a previsão de
apresentar uma estrutura formada de duas uma ampla área em que uma parte foi
praças circulares ligadas por uma avenida posteriormente destinada ao lazer público urbano
num conjunto de ruas ortogonais. (Central ParkI).

57
Com o fim da Guerra da Independência WASHINGTON DC
Americana (1775/83), instaurou-se uma
democracia fundada na soberania popular
e nos direitos inalienáveis da pessoa Em 1790, o Congresso norte-americano
humana, o que forneceu novos ânimos decidiu construir uma capital federal perto
aos idealistas e revolucionários europeus do estuário do rio Potomac, batizada em
que lutavam contra o Ancién Régimen e homenagem a George Washington (1732-
que conduziriam à Revolução Burguesa 99), primeiro presidente dos EUA, entre
(1789/99), iniciada na França. 1789 e 1797, depois de comandar as
 As fundação das novas sedes dos forças das 13 colônias na luta pela
orgãos políticos e administrativos dos independência. A cidade foi construída de
13 estados e a nova capital do país, 1800 a 1871, mais ou menos segundo o
Washington, exigiram a adoção de plano do francês Pierre Charles l”Enfant
um novo estilo, optando-se pelo (1754-1825), elaborado em 1791.
NEOCLÁSSICO por seu significado
ideológico: símbolo da virtude  Na planificação de Washington, o
republicana de bases francesas. programa ideológico jeffersoniano foi
Nascia assim a imagem da América aceito integralmente. Através de um
“radical”, em que se buscava a difícil traçado regular, em tabuleiro de
conciliação entre as formas xadrez cortado por diagonais, em que
palladianas e o ideal democrático. se criavam jardins e esplanadas,
fundava-se um “mundo novo”, que
Foi Thomas Jefferson (1743-1826) quem correspondia a uma escolha unitária;
melhor representou essa duplicidade uma decisão que nenhuma vontade
arquitetônico-política da tradição clássica coletiva tinha apresentado na Europa.
americana, reconhecendo com extrema
lucidez o valor institucional e pedagógico
da arquitetura, ao mesmo tempo em que
adotava o neoclassicismo e a ideologia
naturalista como guias práticos para a
“construção” da democracia americana.
 Monticello, a cidade projetada e
construída por ele para si mesmo, de
1794 em diante, é um monumento a
essa utopia, em que o modelo
palladiano seria usado de modo
pragmático, já que, embora tenha a
aparência de uma villa-templo, Sua conformação urbana assumiu um significado
apresentava uma série de invenções primário e preponderante dos modelos disponíveis
técnicas e funcionais em seu esquema da cultura e da práxis urbanista européia. A partir
geométrico, integrando classicismo e da tradição americana, sobrepôs-se um quadrillage
funcionalidade, exemplificando sua colonial ao esquema, então de vanguarda, sugerido
viabilidade civil e social concreta. pelo jardim francês, pelo plano de Wren para
Londres e pela fantástica Paris de Patte. A cidade
Jefferson aceitava o aspecto heróico do tornou-se de fato uma nova natureza e os modelos
classicismo como mito europeu a “se da cultura absolutista acabaram expropriados e
traduzidos pela capital democrática (TAFURI, 1997).
tornar” americano, mas o apresentava
como Razão construída, capaz de unificar  Incendiada em 1814, a cidade foi
os ideais divergentes da jovem nação e lentamente reconstruída e só retomou
também como valor acessível e social, o seu pleno desenvolvimento após a
que pode ser igualmente observado em Guerra da Secessão (1861/65). Em
seu projeto para o novo Capitólio de 1878, Washington perdeu sua
Richmond (Virginia, 1784); ou no plano de autonomia com a criação do Distrito de
Columbia; e, a partir de 1901, sofreu
implantação da Universidade de Virginia,
intervenções segundo os preceitos do
em Charlottesville (1817/26). Beautiful City Movement.

58
 No século XVIII, a nova cultura PARK MOVEMENT
americana considerava a “grade”
(grid) como um instrumento geral,
aplicável em qualquer escala: para
desenhar uma cidade, repartir um Em meados do século XIX, os ideais
terreno agrícola ou marcar os limites românticos e naturalistas conduziram os
de um Estado. Em 1786, criou-se a americanos para o desenvolvimento do
Law Ordinance, que estabelecia a chamado Park Movement, o qual se
malha reticulada orientada segundo os contrapôs à baixa qualidade de vida nas
meridianos e paralelos como norma cidades, decorrente dos efeitos negativos
universal para colonizar os novos da industrialização, bem como dos graves
territórios do Oeste (BENEVOLO, 2001).
processos de exploração da natureza,
Cada malha continha 16 milhas quadradas e estes exercidos pela agricultura e
podia ser dividida em 2, 4, 8, 16, 32 ou 64 pecuária em expansão nos EUA.
partes menores. Ficava estabelecido assim o
padrão geométrico baseado no qual seria  Este movimento contribuiu para
construída a paisagem urbana e rural do Novo uma radical transformação no
Mundo. Muito estados do oeste e novas significado da relação entre homem e
cidades acabaram nascendo a partir desta natureza, além de promover uma
regra, como Columbia (South Caroline, 1788) grande campanha pela conservação
e Columbus (Ohio, 1812), entre outras. dos recursos naturais, assim como
pela renovação das paisagens
deterioradas pela ação humana
naquele país (FRANCO, 1997).
As bases do movimento dos parques
americanos encontravam-se nos textos de
escritores que criticavam as graves
conseqüências da industrialização:
a) George P. Marsh (1801-82): considerado
um dos fundadores do conservacionismo
norte-americano, através de seu livro Man
and nature (Homem e natureza, 1864),
atacou o mito da superabundância e,
introduzindo uma nova visão ecológica,
apontando a deterioração dos solos e as
inundações como resultado do descaso
humano em relação ao meio natural;
 A partir do século XIX, com o b) Ralph W. Emerson (1803-82): ensaísta
desenvolvimento da industrialização, que não via a natureza apenas como fonte
as cidades americanas tiveram um de satisfações espirituais e de saúde
física, mas também de lições práticas,
crescimento surpreendente, em
guardando os segredos de uma ordem
especial aquelas ligadas ao carvão da racional e justa. Para ele, a filosofia da
Pensilvânia (Filadélfia e Pittsburgh) ou natureza deveria transforma-se na moral
ao minério de ferro às margens dos de conquista e na ética do trabalho;
Grandes Lagos, em Minnesota
c) Henry D. Thoreau (1817-62): apresentou,
(Minneapolis), Wisconsin (Milwaukee), em Walden or life in the woods (Walden ou
Illinois (Chicago), Michigan (Detroit), vida nos bosques, 1854), entre outros, a
Ohio (Cleveland) e N. York (Buffalo). natureza não como um cenário impessoal
Neste período, consolidou-se ainda a emoldurar o homem, mas como alvo de
mais o papel centralizador do Capital uma experiência pessoal e direta, baseada
empresarial de New York City. na emoção. Para ele, o homem não
estaria acima da natureza, mas seria parte
Paralelamente, algumas cidades tornaram-se integrante dela.
importantes centros comerciais, seja no Golfo do
México e na bacia do Mississipi – como New
d) Walt Whitman (1819-92): poeta que
definiu a cidade como o principal produto
Orleans e Baton Rouge (Louisiana) –, seja na
da American Democracy; e a realização de
Califórnia (San Francisco e Los Angeles) ou nas
um ambiente urbano eficiente, são e
planícies centrais do país – como Kansas City e
democrático, desde então como o maior
St. Louis (Missouri); Memphis e Nashville
desafio da nova cultura na América.
(Tennessee); e Denver (Colorado).

59
Também contribuíram para o movimento Entre 1843 e 1845, Robert F. Gourlay
as experiências dos rural cemeteries e (1778-1863) elaborou os planos de
de algumas comunidades religiosas ordenação de Boston e Nova York; e em
utópicas, iniciadas nas primeiras décadas 1844, William C. Bryant (1794-1878)
do século XIX, como as dos mórmons iniciou no New York Evening Post uma
(1833/44), que têm em John Adolphus campanha a favor dos parques públicos.
Etzler suas bases teóricas mais sólidas. Já em 1851, Downing descreveu como
 Na década de 1820, fundaram-se deveria ser o parque no centro da ilha de
nos EUA algumas Horticultural Manhattan, em Nova York – o Central
3
Societies , associações que se Park4 – a projetado cinco anos após seu
posicionavam contra a ordenação falecimento, por Frederick L. Olmsted
tradicional dos cemitérios próximos às (1822-1903) e Calvert Vaux (1824-95).
igrejas urbanas e, por motivações
sócio-culturais e religiosas,  Foi sem dúvida Olmsted o arquiteto
consideravam-nos um lugar bastante paisagista que, através de seus
particular da cidade, no qual a os trabalhos em Nova York, Chicago,
elementos naturais deveriam Detroit, San Francisco, Washington,
prevalecer sobre a morte. Filadélfia e Boston, além de outras,
quem forjou um papel definitivo para
No novo conceito de “cemitério rural”, o os parques urbanos no século XIX,
visitante atravessaria primeiramente um estabelecendo-os em estreita relação
parque e, entrando na natureza, deparar-se-ia com a diminuição dos problemas
com uma paisagem de intenção mística, cujas ambientais e sociais da cidade
imagens fúnebres, eruditas e celebrativas, naquela época (KOSTOF, 1991).
converter-se-iam em uma “decoração
naturalista”. Este espírito seria traduzido
através de um respeito criterioso do projetado
e construído para com as condicionantes
geográficas e as formas ambientais.

ANDREW J. DOWNING (1815-52), editor


da revista The Horticulturist desde 1845,
foi um dos maiores propagandistas da
idéia de parque público, para a qual
preconizou o estilo a que chamou de
Beautiful, por meio de uma estética
orgânica e uma linguagem pitoresca que
traduziriam as imagens naturais, de Olmsted defendeu o uso econômico do espaço
valores religiosos e sociais, na teoria e na livre, procurando melhorar o clima urbano e minorar
a poluição do ar e da água, além de mitigar as
prática do American landscape. enchentes e proporcionar um espaço agradável
 Mesmo com poucas chances de para passeio e moradia; fornecendo um
contraponto naturalístico aos edifícios e ruas
colocar em prática suas idéias, seus congestionadas. Via nos parques a possibilidade
escritos assinalavam a importância de assegurar comodidade, segurança, ordem e
das virtudes rurais sobre os processos economia nas grandes cidades e, mais ainda, via-
de crescimento urbano e acabaram os como sinônimo de justiça social e de
influenciando o movimento nacional a participação democrática (CASTELNOU, 2005).
favor da criação de parques.

3 4
Uma das mais ativas dessas associações foi a Fruto de um concurso público em 1858, do qual o
Massachusetts Horticultural Society, criada em Greesward Plan, de Olmsted e Vaux, foi o
1829 em Boston e responsável pelo novo cemitério vencedor, o Central Park consiste basicamente de
de Cambridge, o Mount Auburn Rural Cementery. um retângulo de 750 m por 3750 m, o que perfaz
2
Outro exemplo foi o Greenwood Cemetery de cerca de 3.000.000 m , ou seja, 770 acres, dos
Brooklyn NY, no qual a irregularidade dos quais 150 foram reservados para a água. Possui
percursos, a intencional sinuosidade dos caminhos ainda a separação de sistemas viários – para
e a interferência de pequenos bosques, contrastam pedestres, cavaleiros e carruagens, assim como
com a rigidez agressiva da estrutura reticular ruas de trânsito externo e passagens em desnível
dominante dos parcelamentos urbanos. nas intersecções –, além de caminhos pitorescos.

60
A partir de Olmsted, o PARQUE URBANO WHITE CITY MOVEMENT
passou a ser símbolo de uma nova vida
comunitária e, ao mesmo tempo uma
opção urbanística que se justifica em Em fins do século XIX, diante da situação
argumentos de ordem econômico- crítica das cidades americanas industriais,
funcional, além de considerações ético- surgiram várias críticas à sua
ideológicas sobre sua função social. Um conformação, esta guiada pelo laissez-
exemplo da aplicação dessa forma de faire (“livre concorrência”) e marcada
pensar pode ser verificado através do seu profundamente pela exploração da mais
trabalho em Boston desde 1867. valia imobiliária, estando sua gestão nas
 Olmsted propôs um plano integrado mãos do chamado boss (chefe) da
de parques focado sobre seis construção, sem que houvesse nenhuma
intervenções principais, coordenadas autoridade para intervir sequer nos
na direção leste-oeste por um sistema controles parciais de ocupação do solo.
de parkways, o qual foi a primeira
expressão da exigência de se formular  Esse personagem organizava a
planos urbanístico de conjunto, visando massa de imigrantes, introduzindo-os
a reestruturação de uma cidade. A no ciclo produtivo das cidades e,
partir de 1880, Boston converteu-se em depois, na estrutura social, oferecendo
um dos centros mais dinâmicos de serviços urbanos mínimos em troca de
difusão do paisagismo. uma lealdade que se materializava em
votos (CIUCCI et al., 1975).
Além dos nomes já citados, também fizeram
parte do Park Movement: Jacob Weidenmann Contra tal situação, desenvolveu-se uma série
(1829-93), graças à sua ação propagandista e de movimentos reformadores progressistas,
obras desenvolvidas desde 1864 como entre 1890 e 1900, cujo conjunto ficou
superintendente dos parques de Hartford; conhecido como White City Movement,
Horace S. Cleveland (1814-1900), que consistindo na primeira mobilização baseada
realizou o plano de Minneapolis já com o em um controle coordenado da cidade norte-
conceito de uma “reforma urbana global”, a americana; e destinado a produzir resultados
partir de 1883; e Charles Eliot (1859-97), o nitidamente opostos à práxis do liberalismo.
intérprete e herdeiro da obra iniciada em  Tal movimento caracterizou-se pela
Boston por Olmsted (CIUCCI et al., 1975). defesa de uma ação coordenada de
Paralelamente ao movimento dos parques funções destinadas a tornar a cidade
americanos, surgiu também um conjunto higiênica e “mais saudável”, tais como
a pavimentação e iluminação das ruas;
de estudos, os quais fundamentaram o o abastecimento de água e
chamado CONSERVATION MOVEMENT, implantação da rede de esgoto; a
ou seja, o conjunto de ações pela coleta de lixo e o controle dos
conservação e/ou preservação das áreas incêndios; um conjunto de medidas
naturais nos EUA, que resultou em uma sanitárias em geral, que deveria ser
importante influência no urban planning e tratado pelas regras ditadas pela
na cultura regionalista norte-americana. ciência e tecnologia.

 Um dos pioneiros desse movimento Bastante influenciado pelos trabalhos de


foi John W. Powell (1834-1902), Haussmann em Paris, assim como nas
representante do Geographic and grandes reformas urbanas européias, esse
Geological Survey, na região das movimento concentrava-se principalmente em
Montanhas Rochosas. Suas medidas sanitárias visando a qualidade de vida
considerações científicas foram nas cidades. Um de seus maiores expoentes
decisivas para a definição das foi DANIEL H. BURNHAM (1846-1912),
diretrizes da política de colonização do responsável por várias obras, como a
oeste americano. Da sua ação e de reconstrução grandiosa do Mall, em
seus discípulos nasceu a primeira Washington DC, iniciada em 1901, junto a
reserva natural do mundo, em Charles F. McKim (1847-1909) e Frederick L.
1872, o Yellowstone National Park, Olmsted Jr. (1870-1957); e as propostas dos
situado em Wyoming EUA. novos centros cívicos de Cleveland (1902) e
de San Francisco (1905).

61
BEAUTIFUL CITY MOVEMENT Apesar de não ter havido na Europa
muitas chances para a aplicação de seus
princípios, considera-se a reconstrução da
Tanto o Park Movement como o White Kingsway (1900/10) em Londres,
City Movement foram decisivos para a influenciada pelo movimento, assim como
afirmação da arquitetura da paisagem a arquitetura celebralista dos anos 30/40.
norte-americana e o processo moderno de  Embora de caráter superficial,
planejamento. Ambas experiências anteciparam-se muitas preocupações
igualmente conduziram ao conjunto de urbanísticas, tais como tamanho e
ações de embelezamento urbano que forma das ruas; dimensão, caráter dos
caracterizaram o chamado Beautiful City edifícios e sua localização na relação
recíproca com os espaços públicos;
Movement, que ocorreu nas primeiras
disposição das zonas sem edificação;
décadas do século XX e teve Chicago e tratamento destas com a eventual
como seu maior centro de difusão. presença de ruas e com a distribuição
 Tal movimento, como ideologia e dos objetos emergentes sobre elas.
atividade, encontrou sua máxima
interpretação nas exigências CHICAGO
pacificadoras e estabilizadoras de
Theodore Roosevelt (1858-1919),
florescendo durante cerca de 15 anos,
em parte porque as cidades nos EUA Fundada em 1804 por John Kinzie, a
– especialmente seus centros cívicos partir de um forte às margens do lago
e sedes do governo do Estado – ainda Michigan, tinha suas características
não estavam totalmente construídas e, urbanas baseadas na tradição americana
de acordo com RELPH (2002), de se dividir o terreno de modo reticular,
quaisquer idéias imaginativas sobre além de ser inteiramente em madeira, no
como construí-las eram bem-vindas. tradicional sistema do balloon frame.
Tendo como seu principal teórico Charles M.  Em 1871, um grande incêndio
Robinson (1869-1920), consistiu em uma destruiu quase que completamente a
metodologia classicista, que visava dotar a cidade, a partir de quando se inicia um
cidade de um caráter cerimonial e simbólico, período de reconstrução intensificada
retomando o vocabulário monumental e de seu centro (loop), onde arquitetos e
perspectivo. Seus ideais influenciaram engenheiros experimentaram novos
arquitetos como: Herbert Baker (1862-1946), materiais e sistemas construtivos,
cujas idéias nacionalistas, ritualistas e formando uma corrente pioneira do
imperialistas, refletiram-se nos edifícios modernismo, através da estrutura em
governamentais de Pretória, na África do Sul; aço, da bomba hidráulica, do elevador
e Edwin Lutyens (1862-1944), responsável elétrico e do arranha-céu.
pelas feições da nova capital da Índia, Nova
Dehli, depois concluídas por Baker, onde, Depois da Columbian World’s Fair (1893),
dentro de reticulados hexagonais, casas foram Chicago tornou-se uma metrópole emergente,
distribuídas segundo uma fórmula complicada a qual crescia desmensuradamente, passando
de raça, profissão e status socioeconômico. a requerer um processo de planejamento.
Daniel H. Burnham (1846-1912), que havia
 A proposta da nova capital da sido o diretor dessa exposição, tornou-se o
Austrália, Canberra, foi da autoria de responsável pela remodelação e adaptação do
Walter B. Griffin (1876-1937), norte- traçado centenário das artérias comerciais.
americano que ganhou um concurso
em 1911, juntamente com sua esposa  Junto a Edward H. Bennet (1874-
Marion L. Mahoney (1871-1961). 1954), propôs um plano para Chicago,
Entre 1913 e 1920, tentou realizar seu o qual foi gestado por cerca de uma
projeto, mas, devido a inúmeros década, publicado em 1909 e
problemas, acabou desistindo. parcialmente implementado, que
Surpreendentemente, depois de 44 buscou devolver à cidade sua “perdida
anos, seu projeto foi continuado, harmonia visual e estética”,
destacando-se sua grandiosidade, enfatizando a arborização viária e a
nobreza e elegância, sem perder o situação de prédios simbólicos
aspecto repousante (HALL, 2002). (teatros, bibliotecas e museus).
62
Apesar da Independência, a sociedade
12 brasileira permaneceu nos mesmos
padrões anteriores e a arquitetura da
CIDADE BRASILEIRA primeira metade do século XIX pode ser
considerada uma simples continuação da
estrutura colonial, uma vez que se
A chegada da Coroa portuguesa em 1808 conservou as condições de vida sócio-
provocou uma série de modificações na econômica, estas representadas pela
Colônia, tais como a abertura dos portos, agricultura de exportação e pelo trabalho
a implantação da imprensa, a criação de escravo, estendido à construção civil.
novas escolas e a chegada sistemática de  O neoclassicismo disseminou-se e
profissionais qualificados. O Rio de os proprietários rurais e elites urbanas,
Janeiro, então capital colonial, passou que já imitavam os costumes da Corte,
pela primeira vez a irradiar novos passaram a adotar os padrões de vida
e comportamento europeus. Era o
aspectos culturais para o país, incluindo
EUROPEÍSMO tomando conta do
moda, música, decoração e construção. país, no qual se desconsiderava as
 A abertura dos portos possibilitou a condições brasileiras de existência
importação de novos materiais, para reproduzir conceitos europeus,
equipamentos recentes e produtos ausentes de qualquer originalidade ou
industrializados – resultado dos valor artístico próprio. Era a negação
tratados político-comerciais feitos com da vida e da história locais em prol da
a Inglaterra –, os quais contribuíram importação de modelos estrangeiros.
para a alteração da aparência das
construções urbanas. O Estilo
Neoclássico passou a ser o oficial e
irradiou-se por toda a parte.
O NEOCLASSICISMO foi oficialmente
introduzido no Brasil através da Missão
Francesa de 1816, que consistiu em um grupo,
contratado por D. João VI (1767-1826), dirigido
por Joachin Lebreton (1760-1819) , formado
por sete professores, três auxiliares e seis
mestres artífices, entre os quais serralheiros, Paralelo a este amplo processo de
marceneiros e ferreiros. Seu objetivo principal “europeização cultural” e conseqüente
era ensinar aos brasileiros as novas aburguesamento das camadas rurais, que
manifestações artísticas, as recentes técnicas adotavam em suas moradias os mesmos
e os decorrentes aperfeiçoamentos de mão-
esquemas de vida urbana, afirmava-se o
de-obra que ocorriam na Europa.
gosto neoclássico nas construções e nas
Contudo, foi principalmente com a cidades brasileiras caracterizadas por:
INDEPENDÊNCIA (07.set.1822) que se a) Esquemas compositivos simétricos e
iniciou um verdadeiro processo de altamente contidos (clareza construtiva e
estruturação do Brasil enquanto nação, a simplicidade de formas, através do uso de
elementos clássicos, tais como frontões,
qual necessitava reorganizar-se, colunas, pilastras, platibandas e cornijas);
promovendo profundas alterações nas
b) Aperfeiçoamentos materiais (alvenarias,
velhas e pequenas cidades, designadas a telhas, metais, etc.) e técnicos (calhas,
desempenhar novas e sofisticadas rufos, vidros, etc.) nas obras importantes,
funções administrativas. devido aos profissionais estrangeiros,
incluindo detalhes em aberturas,
 Consolida-se o trabalho feito por revestimentos e coberturas;
profissionais, assim como as práticas c) Aparecimento dos primeiros jardins, na
urbanas e de criação de áreas tentativa de reproduzir a paisagem
públicas. As transformações políticas européia, e de um novo tipo de residência,
deram enfim novos significados aos que representava a transição entre os
elementos da antiga estrutura social e velhos sobrados coloniais e as casas
conteúdo à nova arte que crescia. térreas – a casa de porão alto.

63
Em novembro de 1826, fundou-se a As principais mudanças que ocorreram a
Academia Imperial de Belas-Artes do Rio partir de 1850 e influenciaram o quadro
de Janeiro, a qual passou a promover e arquitetônico e urbano brasileiro foram:
difundir a instrução e conhecimentos em a) Com a supressão do tráfico de escravos
várias áreas, destacando-se a criação do (1850) e a abolição da escravatura (1888),
primeiro curso de arquitetura do país por começou a substituição do trabalho
Auguste-Henri-Victor GRANDJEAN DE escravo pelo remunerado, surgindo as
primeiras empresas prestadoras de
MONTIGNY (1776-1850). serviços, inclusive de construção civil;
 Entretanto, foi somente na segunda b) A cultura cafeeira transferiu o pólo
metade do século XIX, quando houve econômico e político do país do Nordeste,
a passagem de uma sociedade devido às lavouras de cana, algodão e
fumo, para o Sudeste, quando os lucros do
escravocrata para uma industrial que café levaram ao surgimento de um germe
houve a adoção de novas formas de de industrialização crescente, voltado para
produção e uso da arquitetura o mercado interno;
brasileira, além da difusão do c) Além da abolição, a imigração européia
aprendizado sistemático em escolas realizada para abastecer de mão-de-obra
de nível superior e do aparecimento de das lavouras de café contribuiu para a
construtoras maiores centralizando os melhoria das condições de produção
meios de trabalho. nacional, uma vez que representou a
chegada de mão-de-obra especializada;
d) A implantação das ferrovias entre 1868 e
1875 resultou em um crescimento
vertiginoso, que trouxe indústrias e estas
atraíram imigrantes de todas as classes e
profissões, além de melhorar as condições
de transporte e troca cultural;
Nessa época, surgiram as primeiras escolas e) O Exército passava a ser, principalmente
de engenharia, com o objetivo de transmitir a depois da Guerra do Paraguai (1865/70),
uma força nova e expressiva dentro da
tecnologia européia, sobretudo no setor das
vida nacional. A partir de 1870, uma nova
construções e dos serviços urbanos. Houve burguesia, formada por militares, médicos
um aumento das campanhas para a educação e engenheiros, assumiu importante papel
popular e a preparação de quadros nacionais sobretudo no setor industrial. Esta camada
de oficiais. Em 1873, fundou-se a Sociedade utilizada uma arquitetura mais elaborada
Propagadora de Instrução Popular, que em que a neoclássica, desta vez tipicamente
1882 tornou-se o Liceu de Artes e Ofícios de urbana e sem uso do trabalho escravo: a
São Paulo, com a participação de muitos arquitetura eclética.
profissionais, entre os quais Francisco de Denomina-se ECLETISMO a miscelânea
Paula RAMOS DE AZEVEDO (1851-1928). estilística que se disseminou no país a partir
de 1875, a qual propunha uma conciliação na
Em torno das escolas superiores, polêmica sobre a adoção de estilos
formaram-se grupos entusiastas do historicistas. Inicialmente baseado nos
desenvolvimento industrial e científico princípios românticos, pois buscava uma volta
europeu, os quais se empenharam em às origens históricas e valorização da
transformar o quadro social brasileiro, expressão pessoal e liberdade criativa,
assumiu aos poucos bases construtivas mais
substituindo a ordem monárquica por uma
consistentes, com sentido racional, passando
republicana e democrática, baseando-se a ameaçar as posições acadêmicas de então.
principalmente nos ideais positivistas do
francês Auguste Comte (1798-1857).  No Brasil, o ecletismo confundiu-se
com a idéia de progresso; como se a
 A Proclamação da REPÚBLICA obediência a um só estilo fosse sinal
(15.nov.1889) permitiu grandes de atraso. A arquitetura eclética era
transformações sócio-econômicas e um fenômeno formal por meio do qual
tecnológicas ao país, as quais se abriam condições simultaneamente
modificaram totalmente a forma de para a introdução de elementos mais
viver dos brasileiros e permitiram, aperfeiçoados das construções e para
principalmente com a difusão dos a manutenção de laços de
trabalhos de Haussmann, a alteração dependência com centros europeus.
da paisagem urbana das capitais.

64
Além das mudanças construtivas (precisão das Paralelamente, com o processo de
paredes, telhas e pisos industrializados, descentralização política empreendida a
instalações, etc.) e estéticas (estilos importados,
chalets e jardins, etc.), houve várias alterações na
partir da República, destacou-se a criação
implantação das edificações urbanas. Começaram de duas novas capitais que procuravam
os primeiros esforços de libertar as construções seguir os padrões de urbanismo
dos limites dos lotes. Assim, conservando-se o considerados “modernos” para aquela
alinhamento da rua, recuava-se em uma das
laterais e as residências eram enriquecidas com
época (Beautiful City Movement):
um jardim favorecendo iluminação e ventilação.  BELO HORIZONTE (1893/97): criada a
partir do arraial de N. S. da Boa Viagem
 No final do século XIX, várias do Curral Del Rei (1750), que pertencia ao
REFORMAS URBANAS assumiram um Município de Sabará, substituiu Ouro
aspecto ideológico no país e Preto segundo o projeto de Aarão Reis
caracterizaram-se como um fenômeno de (1853-1936) e sob o nome de Cidade de
âmbito nacional e com excepcional força. Minas, trocado em 1901. O plano,
efetivado pelo engenheiro Francisco de
Destacou-se a ação do engenheiro Paula Bicalho (1847-1919), caracteriza-
sanitarista Francisco Saturnino de Brito se por uma rede de avenidas em diagonal
sobrepostas a um quadriculado de ruas,
(1864-1929), fundador do primeiro de inspiração em Washington DC, nos
escritório de engenharia consultiva do EUA; e em La Plata, na Argentina;
país e autor de Le tracé sanitaire des  GOIÂNIA (1933/37): resultante da
villes, primeiro trabalho sobre urbanismo intenção de transferência da capital do
no Brasil. Além do projeto de saneamento Estado – antes Goiás Velho, um arraial de
1727 que foi elevado à condição de Vila
da lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de
em 1739 (Vila Boa) – foi projetada com
Janeiro, e da retificação do rio Tietê, em um duplo padrão de ruas, sendo do sul de
São Paulo, suas idéias foram aplicadas Atílio Correia Lima (1901-43) e do norte,
com maestria nas reformas de: mais recente, da firma dos irmãos
Coimbra Bueno, onde do Centro Cívico
a) SANTOS (1886): situada na ilha de São
irradiam-se ruas e avenidas, inspiradas
Vicente, ao fundo da baía de Santos, foi
pelo Beautiful City. Embora a transferência
criada como embarcadouro e povoado por
da sede do governo tenha ocorrido em
Brás Cubas, tornando-se vila (1545) e
1937, a cidade foi oficialmente inaugurada
depois cidade (1839). Seu crescimento,
em 1942 (GUIMARÃES, 2004).
assim como problemas com inundações e
doenças endêmicas, conduziu a um
processo de saneamento que durou mais Na passagem do século, em plena Belle
de uma década, encabeçado por saturnino Époque, o crescimento urbano acelerou-
de Brito. Santos acabou por superar em se, sendo instaladas nas cidades redes de
1892 o Rio de Janeiro como o maior porto
brasileiro. abastecimento de água, luz e esgoto,
b) VITÓRIA (1896): vila portuária criada em
além de surgirem as primeiras linhas de
1535 por Vasco Fernandes Coutinho, transporte coletivo. As ruas passaram a
donatário da capitania do Espírito Santo, contar com arborização, jardins,
que se elevou à condição de cidade iluminação e passeios para pedestres.
somente em 1832 e também passou por
um amplo projeto de expansão em 1896,  Progressivamente, os proprietários
da autoria de Saturnino de Brito, que de terras transferiram suas residências
traçou, sob o modelo haussmanniano, um para bairros novos dos centros
plano geral cortado por eixos diagonais e urbanos, tais como Campo Elíseos,
com malhas octogonais definindo
quarteirões.
Santa Cecília e Vila Buarque, em São
Paulo; Flamengo, Botafogo e
c) RECIFE (1910): surgida como pequeno
Laranjeiras, no Rio de Janeiro; Vitória
núcleo de pescadores na foz dos rios
Capibaribe e Beberibe, por volta de 1548, e Campo Grande, em Salvador; e
a Povoação de Arrecifes transformou-se Independência, em Porto Alegre.
em porto de Olinda, sede da capitania de
Pernambuco. A partir de 1910, passou por Cresceram também os bairros populares
uma modernização da zona portuária e devido ao êxodo rural, sendo estes formados
bairros adjacentes, empreendida por pelas camadas que vinham buscar novas
Saturnino de Brito, que introduziu a oportunidades na indústria, comércio e
metodologia de zoneamento, além de uma funcionalismo público. Multiplicaram-se assim
série de obras de saneamento. favelas e cortiços na periferia dos maiores
centros urbanos do país.

65
RIO DE JANEIRO

Fundada por Estácio de Sá (1520-67) em


1565 a partir da necessidade de retomada
da baía de Guanabara, conquistada pelos
calvinistas franceses desde 1555, situava-
se originalmente no istmo entre o Morro
Cara de Cão e o Pão de Açúcar. Com a
derrota infligida à França, transferiu-se
para o alto do Morro de São Januário SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO
(depois Morro do Castelo), como fortaleza
Antes uma cidade apertada e limitada pelos
militar cercada de muros e em cujo morros, seus espaços livres ainda eram bastante
interior construíram-se a Sé, a Igreja humildes, sem grandes preocupações estéticas; e
Jesuíta e a Casa de Câmara e Cadeia. ocupados por mascates e ambulantes, nos quais
raramente se observavam comemorações de
 As condições excepcionais de caráter religioso, como procissões. Sua principal
abrigo e segurança, garantidas pela praça era o Largo do Palácio ou do Carmo (atual
quantidade de morros e pequenos Praça XV de Novembro) (GUIMARÃES, 2004).
maciços isolados favoreceram a
defesa e o desenvolvimento do porto.  Ocorreram mudanças profundas
Em princípios do século XVII, quando nas determinações legais e normas de
extravasou para a várzea, seu traçado construção no governo de Paulo
era próximo do regular, com a Fernandes Viana, entre 1808 e 1821:
paisagem marcada pelo casario  Aterramento de mangues, secagem
compacto e pelas ruas estreitas. de brejos e alargamento de ruas, que
passaram a ser calçadas;
Em virtude ao grande impulso dado à lavoura  Abertura de canais de drenagem,
e à descoberta das minas, aumentaram-se as construção de pontes e
correntes migratórias e, em 1763, transferiu-se uniformização da iluminação pública
de Salvador para o Rio de Janeiro a capital da e serviço de abastecimento de água;
Colônia. Ergueram-se edificações maiores,  “Limpeza” da cidade e imposição do
como o Palácio do Governo e os Conventos de novo estilo neoclássico, com o
Santo Antonio e de São Bento. objetivo de banir o ar orientalizante
da cidade (rótulas, urupemas e
 Sob o governo do Vice-Rei D. Luís muxarabis) e introduzir calhas e
de Vasconcelos e Silva (1745-1813), elementos de ferro.
entre 1779 e 1790, além de trabalhos
Neste contexto, fez-se melhorias no
de arquitetura militar, civil e religiosa,
realizaram-se as obras urbanísticas: Passeio Público e no Campo de Santana,
 Construção de um cais de cantaria à
situados próximos ao núcleo histórico; e
imitação de Lisboa; criou-se o Jardim Botânico (1808),
 Desmonte do Morro das Mangueiras implantado junto à lagoa Rodrigo de
para aterramento do lugar pestífero Freitas, seguindo uma nova idéia surgida
que era a Lagoa do Boqueirão; na Europa, que era a de proporcionar
 Criação das ruas do Passeio e das espaços ao ar livre para usufruto das
Belas-Noites, além do Passeio elites, onde estas pudessem exibir sua
Público (1783), do mestre Valentim
da Fonseca e Silva (1745-1813).
riqueza e poder (CASTELNOU, 2005).

Com a chegada das 15.000 pessoas que  No Segundo Império, o traçado


compunham a Corte portuguesa, em 1808, o neoclássico desses espaços acabou
Rio de Janeiro – que contava até então com alterado por influência anglo-francesa
cerca de 50.000 habitantes – tornou-se um de Auguste-François-Marie Glaziou
entreposto comercial e administrativo que se (1828-1906), que, em 1862, introduziu
transformou em uma cidade rica em recursos, elementos românticos no Passeio
conseguindo investimentos de porte vindos de Público e no Campo de Santana, este
todo o país, os quais financiaram rápidas e último transformado no primeiro
profundas transformações urbanas. parque público do país em 1873.

66
Foi a partir da difusão dos trabalhos de Tornando-se símbolo do progresso e da
Haussmann que o governo imperial promoveu modernização nacional em toda a Primeira
uma política de modernização da capital República (1889-1930), o Rio serviu de modelo
brasileira e, em 1874, formou-se a Comissão para as demais reformas urbanas que
de Melhoramentos do Rio de Janeiro, que ocorreriam nas maiores cidades do país. A
elaborou o primeiro plano de reforma urbana. expansão da cidade continuou nas
primeiras décadas do século XX, esta
 Porém, houve a necessidade de
ocorrerem as mudanças derivadas da condicionada pela topografia que não
REPÚBLICA (1889) para que se permitiu um crescimento regular, fazendo
implantassem as reformas, algumas aparecer novas favelas e sub-centros,
somente viabilizadas graças aos como Copacabana e Tijuca.
empréstimos junto à Inglaterra no
 Como uma tentativa de
governo de Campos Sales, entre 1898
uniformização, entre 1927 e 1930, o
e 1902. Na seqüência, o governo de
prefeito Antônio Prado Jr. (1880-
Rodrigues Alves, entre 1903 e 1907,
1955) contratou o francês ALFRED
empenhou-se em implementar as
medidas urbanísticas almejadas pelos D. AGACHE (1875-1959), que
republicanos, que viam no centro elaborou um plano em 1929,
carioca resquícios do período colonial intitulado Remodelação de uma
e monárquico (BRUAND, 2002). Capital, executado parcialmente:
 Remodelação de vias e praças aos
A partir de 1903, o engenheiro Francisco moldes do Beautiful City Movement,
Pereira Passos (1836-1913), então principalmente na Chicago de
nomeado prefeito pelo presidente, Burnham e na Viena de Wagner;
recebeu todo aval para iniciar uma série  Melhoria do sistema de saneamento
de remodelações na capital federal, já e iluminação pública, além do
desmonte do Morro do Castelo – que
com 500.000 habitantes, que deveria passou a ser a Esplanada do Castelo
assumir uma imagem cosmopolita como – e criação dos Jardins da Glória.
Paris. Foram estas as maiores alterações
ocorridas no Rio de Janeiro, até hoje não
superadas em escala e proporção:
a) Abertura da Avenida Central (hoje Rio
Branco) a partir da demolição de cerca de
3.000 casas por justificativas sanitárias e
de livre acesso ao porto, resultando na
expulsão de camadas populares sem Com a intensificação do processo industrial, a partir
indenizações ou planos de apoio, da década de 1940, houve a proliferação cada vez
conduzindo à favelização dos morros; maior de favelas ocupando as encostas dos morros
Quando inaugurada em 1904, a Central possuía e também de novas centralidades, como Meier,
cerca de 30 prédios prontos e quase 90 ainda em Engenho Novo, Madureira, Campo Grande e
construção, que deveriam ter obrigatoriamente Ramos. A transferência da capital federal para
estilo eclético, incluindo as sedes do Poder Brasília DF, em 1960, não minimizou o ritmo da
Legislativo e Judiciário, Escola Nacional de Belas urbanização crescente e hoje a Região
Artes, a Biblioteca Nacional e o Teatro Municipal Metropolitana do Rio de Janeiro engloba várias
(1906/10), este criado por Francisco de Oliveira cidades periféricas, constituindo-se na segunda
Passos, filho do então prefeito; maior cidade do país.
b) Criação da Avenida Beira-Mar, unida ao
novo cais do porto – cuja reforma estava
sob responsabilidade do engenheiro
Lauro Severiano Müller (1864-1926) –
pela Avenida Central, a qual estariam
ligadas duas novas praças: Mauá e
Floriano, hoje conhecida por Cinelândia;
c) Canalização de rios, criação de jardins,
construção de túneis e melhoria do
sistema viário e do saneamento urbano
com a colaboração de Oswaldo Cruz
(1872-1917) para evitar surtos de febre
amarela, varíola e peste bubônica.
VILA DE SÃO PAULO DE PIRATININGA

67
Com a monocultura do café, intensificou-se a
SÃO PAULO urbanização do interior paulista, promovendo o
desenvolvimento de novas cidades, como
Campinas, São Carlos, Araraquara, Ribeirão Preto,
Desenvolveu-se a partir da criação, pelo Marília, Bauru e, depois, as cidades do norte do
padre jesuíta Manuel da Nóbrega (1517- Paraná. Algumas já tinham sido fundadas como
70), do Colégio de São Paulo, em 1554, antigos pousos, cruzamentos de vias de transporte,
incipientes núcleos de mineração, ou ainda como
próximo ao aldeamento indígena existente
“patrimônios” doados pelos proprietários de terras
nos arredores (Piratininga). Em 1560, para sua urbanização, mas adquiriram foros de
transferiram-se para junto do colégio os cidade com a chegada do café.
moradores da vila de Santo André da  Somente por volta de 1850 que o
Borda do Campo, passando São Paulo à dinheiro do café começou a surtir
condição de vila. efeitos, juntamente com os primeiros
hotéis e imigrantes europeus. As
 Local de interesse periódico, já que
primeiras estradas de ferro e seus
era ponto de partidas de bandeiras,
construtores trouxeram inovações
nem mesmo servia como entreposto
importantes, como a técnica dos
comercial, uma vez que a economia da
tijolos, trazida pelos alemães que,
região era primária e de subsistência
junto com os italianos, começaram a
até início do século XIX. A expansão
substituir a taipa tradicional em vários
urbana deu-se de forma radiocêntrica,
estilos historicistas (ecletismo).
estendendo-se ao longo dos caminhos
que seguiam os vales e onde se A criação do Liceu de Artes e Ofícios de São
instalaram outros núcleos. Devido às Paulo (1882), voltado à difusão cultural e
inundações nas várzeas, não ocorreu utilizando principalmente a experiência de
de forma uniforme. mestres europeus, permitiu a formação de
mão-de-obra local, o que auxiliou os
Sendo uma província pobre, a vila não teve
construtores a se tornarem menos
condições de apresentar muitas construções
dependentes do exterior (FERRARI, 1991).
de porte, destacando-se algumas obras de
engenheiros militares portugueses, como o Tanto a ferrovia como a comercialização e
Mosteiro de São Bento (1775), realizado por a exportação do café fizeram de São
José Custódio de Sá e Faria (1710-92); ou o
Paulo um centro de transporte, um
Quartel Paulistana, criado por João da Costa
Ferreira, este último introdutor de elementos entreposto humano, um pólo bancário e
neoclássicos. de negócios; e, depois, núcleo da
industrialização do país. Sua população
 Suas condições de isolamento em cresceu rapidamente, promovida também
relação ao restante da colônia pela imigração estrangeira e nacional.
impuseram àquela região uma
ocupação em casas bandeiristas  Vários loteamentos surgiram, nas
isoladas no campo e muitas vilas periferias do triângulo original de São
nasceram dos locais de pouso de Paulo, do desmembramento de
tropeiros (Itu e Sorocaba) ou da chácaras pelos seus próprios
exploração do ouro (Apiaí e Eldorado proprietários, que criavam um núcleo
Paulista, antiga Xiririca). habitacional e depois exigiam do poder
municipal o fornecimento da infra-
Depois da exaustão das minas, a estrutura pública, auferindo grandes
mineração não manteve o vigor das lucros. Tal processo de especulação
cidades barrocas e saiu-se em busca de imobiliária promoveu a proliferação de
terras boas para cultura, fundando-se bairros desarticulados e alheios a um
algumas cidades paulistas (São João da plano de conjunto.
Boa Vista, Franca e Batatais) e mato- Em 1889, iniciou-se a construção do
grossenses (Santana de Parnaíba). Viaduto do Chá, para atender a expansão
 São Paulo ganhou com essa da área central; e, em 1890, criou-se da
“invasão” mineira uma arquitetura, primeira usina elétrica. Em 1891, era
baseada na estrutura autônoma de aberta a Avenida Paulista, inicialmente
madeira, a qual se fundiu com a residencial, que dividia a cidade em duas
taipa de pilão e resultou em um regiões, e onde se concentrariam os
novo partido arquitetônico do café. palacetes ecléticos.
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Entre 1899 e 1918, nas gestões dos c) Elaboração do Plano de Avenidas (1930),
prefeitos Antônio da Silva Prado (1840- pelo engenheiro Francisco Prestes Maia
(1896-1965), que, assumindo a estrutura
1929), Raymundo Duprat (1863-1926) e radiocêntrica que a cidade já possuía,
Washington Luís (1869-1957), São Paulo propunha um sistema perimetral,
sofreu grandes transformações urbanas denominado Perímetro de Irradiação,
aos moldes do Rio de Janeiro e de formado por avenidas diametrais que
ampliavam a área central para além dos
grandes cidades do mundo: seus limites. Impregnando pela
a) Implantação de bondes elétricos (1900) e mentalidade haussmanniana e pelo
remodelação do centro, a partir da Beautiful City, defendia o crescimento
construção do Teatro Municipal – de ilimitado da metrópole (SEGAWA, 2004)
Ramos de Azevedo (1851-1928) – e da
criação do Viaduto de Santa Ifigênia, além Em 1954, o urbanista Luiz de Anhaia Mello,
da reestruturação do Vale do Anhangabaú ao elaborar o PLANO REGIONAL DE SÃO
como parque público, decorrentes das PAULO (1954), conhecido posteriormente
propostas do então vereador e engenheiro como Esquema Anhaia, contrapôs-se à idéia
Augusto Carlos da Silva Telles; de expansão ilimitada de Prestes Maia ao
b) Alargamento, calçamento, retificação e estabelecer teses restritivas para a metrópole.
arborização de diversas ruas e outros Anhaia buscou estabelecer limites de
logradouros públicos – além da criação de crescimento, de gabaritos e de área edificada
parques, como Parque D. Pedro II (1914),
por lote. Seu objetivo principal foi o de
pelo arquiteto francês Francisque Cuchet
(1885-?) – consolidando a Diretoria de
substituir o conceito norte-americano de ribbon
Obras Municipais, que, na figura do development de Prestes Maia pela idéia
engenheiro Victor da Silva Freire, serviu anglo-saxônica de urban fence ou “cidade
de base para uma nova postura de verde”, criando assim uma equilibrada
administração pública no país. transição entre cidade e campo (CAPÍTULO 17).

No início do século XX, a City of San Paulo


Improvements & Freehold Land Company Limited BRASÍLIA
foi a mais importante agência urbanizadora, não só
pela quantidade de empreendimentos realizados,
mas pelo seu novo padrão urbanístico, baseado A determinação desenvolvimentista do
nos princípios do “subúrbio-jardim” inglês. Em
2 governo de Juscelino Kubitschek (1902-
1912, a City adquiriu 12.000.000 m em terrenos,
especialmente na zona Sul e Oeste, assessorada 76), entre 1956 e 1960, produziu fatos
pelo arquiteto francês Joseph-Antoine Bouvard eloqüentes no terreno da urbanização
(1839-1923), o qual havia elaborado algumas brasileira, já que a passagem do poder
propostas para a Prefeitura Municipal (Belvedere político e da iniciativa econômica para as
do Trianon, na avenida Paulista, e a praça Buenos
Aires, no bairro de Higienópolis). Entre 1917 e
mãos da burguesia industrial reforçou a
1919, criou-se o loteamento do Jardim América, cultura urbana.
seguido pelo Pacaembu e Anhangabaú para a
classe alta; e o Alto da Lapa para a classe média.
 Enquanto a população brasileira
cresceu, na década de 1950, cerca de
Entre 1924 e 1930, na gestão do prefeito 17,8%, o aumento da população
e engenheiro José Pires do Rio (1880- urbana nacional foi de 70,2%. Na
1950), São Paulo sofreu novas década seguinte, enquanto a
população aumentou 31,2%, a urbana
transformações urbanas, entre as quais:
cresceu em cerca de 62,9%. Esta
a) Abertura das suas primeiras avenidas hegemonia da cidade sobre o campo
modernas, já propostas e projetadas nos
refletiu-se no conjunto da rede urbana
anos precedentes, como a avenida São
João, que nasceu a partir da demolição do brasileira. A distribuição espacial e
cenário urbano colonial; funcional deste crescimento produziu
um quadro urbano no qual São Paulo
b) Implantação de novos edifícios públicos
em eixos principais, além de emergiu como a metrópole nacional.
equipamentos nos subúrbios nitidamente
O Plano de Metas, concebido por Kubitschek e
operários, tais como hospitais, mercados,
cemitérios e escolas, assim como o sua equipe para ser cumprido em quatro anos,
Jardim Botânico de São Paulo, de traçado continha uma "meta-síntese" de grande
nitidamente pitoresco, foi criado em 1929, impacto: a construção de Brasília (1956/60), a
depois transformado em parque público e nova capital que se constituiu nas aplicação
rebatizado como Jardim da Luz. prática dos pressupostos do funcionalismo.

69
 A nova capital foi resultado de um c) O Eixo Leste-Oeste (eixo monumental)
amplo processo que, desde o segundo decresceria em nível lentamente na direção
pós-guerra, vinha promovendo uma do Lago localizado na extremidade Leste.
Nos níveis superiores estariam os edifícios
alteração radical das bases
da Administração Municipal, seguidos do
econômicas do Brasil, com o aumento Setor Esportivo e, lateralmente, dos Jardins
das camadas médias, em particular Botânico e Zoológico;
nos Estados do sul, devido ao seu d) A junção dos dois eixos, resolvida por meio
crescimento industrial e comercial. de três plataformas, abrigaria, no nível
superior, o Setor de Diversões (cinemas,
Foram feitos investimentos pesados, tanto
teatros, restaurantes e hotéis); e, no nível
públicos como privados, visando a superior, abrir-se-ia a perspectiva da
transformação do país e a reestruturação de Esplanada dos Ministérios, tendo em
suas cidades, principalmente as de médio e primeiro plano a Catedral. Na Praça dos
grande porte, a fim de dotá-las de uma infra- Três Poderes, no extremo Leste, estariam o
estrutura funcional compatível com as novas Palácio do Congresso, o Palácio da
formas de estruturação econômica. Alvorada e a Suprema Corte.

A mudança da capital para o Centro-


Oeste, idéia existente desde a
Independência, foi um dos principais
temas arquitetônicos na década de 50.
Para tal empreendimento, criou a
Companhia de Urbanização da Nova
Capital – NOVACAP, e confiou a Oscar
Niemeyer (1907-) a direção geral dos
trabalhos de arquitetura, fato que gerou
muitos protestos, pela falta de concurso.
 Niemeyer recusou-se a elaborar o Concebida como uma verdadeira “cidade-
plano-piloto da cidade de 500.000 parque” e edificada para se tornar símbolo
habitantes, para o qual foi aberto um de poder e desenvolvimento nacional,
concurso, organizado pelo Instituto de Brasília teve sua localização estratégica
Arquitetos do Brasil – IAB, com total
justificada por questões de segurança e
liberdade de concepção para o traçado
urbano. defesa, mas também como incremento e
integração das comunicações do país,
Todos os projetos apresentados refletiram além de possibilitar a urbanização da
uma profunda influência do urbanismo região central do Brasil (BRUAND, 2002).
funcionalista da Carta de Atenas (1933).
O resultado do concurso foi divulgado em  Sua composição morfológica
exerceu um papel fundamental na
16/03/57, sendo a proposta de Lúcio construção de sua imagem, pois,
Costa (1902-88) a vencedora, por ter sido desde o início, sua planta foi descrita
considerada a mais viável, pelas como um “avião” ou “pássaro ao alçar
condições técnicas disponíveis e o tempo vôo”. Lúcio Costa afirmava que a idéia
de execução. Eram estas as principais havia nascido “do gesto primário de
características do Plano-Piloto: quem assinala um lugar ou dele toma
posse: dois eixos se cruzando em
a) Zoneamento da cidade em dois eixos ângulo reto, ou seja, o próprio sinal-da-
perpendiculares em função do sistema viário
cruz” (GUIMARÃES, 1996:39).
planejado: criação de um eixo monumental
como ponto focal da composição, dando Brasília não escapou dos mecanismos de
ênfase especial aos edifícios públicos; segregação espacial bastante evidentes na
b) O Eixo Norte-Sul (eixo rodoviário) ocupação das suas cidades-satélite; e, embora as
corresponderia ao alinhamento em quadras superquadras mostrem-se eficientes como
das áreas residenciais separadas por uma “espaços-parque” de vizinhança, outras carências
amplo cinturão verde e com blocos de ficaram evidentes, como a falta da intimidade entre
habitação dispostos sobre pilotis. Cada vizinhos, o baixo índice de apropriação e uso dos
superquadra teria área de estacionamento e espaços livres; ou a ausência de vitalidade espacial
para cada conjunto de 04 quadras seriam devido ao rigor na distribuição por zonas.
previstos igreja, escola e equipamentos de
lazer e esporte;

70
Ao mesmo tempo em que se efetivavam,
13 nas grandes capitais européias, as
medidas práticas de remodelação urbana
PRÉ-URBANISMO pelos urbanistas neoconservadores,
surgiram modelos utópicos de
comunidades alternativas, cujo conjunto
O processo de urbanização decorrente da recebe o nome de PRÉ-URBANISMO, já
REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1750-1830) que consistiam em propostas hipotéticas,
foi surpreendente. De 1830 a 1900, feitas por generalistas, na maioria de
Londres passou de dois para quatro cunho político-econômico e/ou sócio-
milhões de habitantes; e Paris, no mesmo cultural, mas que se caracterizavam como
período, passou de um milhão para pouco uma mostra de indignação diante das
mais de dois milhões. Berlim, do início do condições em que vivia o proletariado.
século XIX até 1890 teve sua população  Sua importância de estudo está no
aumentada de 150.000 para 1.300.000. fato de que, pela primeira vez na
história das cidades, tinha-se uma
 Se em 1800, não havia nenhuma visão integrada do significado das
cidade no mundo com mais de um relações sociais e econômicas na
milhão de habitantes, em 1850, já influência sobre as questões da
existiam quatro e, em 1900, 19. Esse estruturação física e estética dos
crescimento acelerado conduziu a espaços urbanos.
inúmeros problemas de habitação,
circulação, abastecimento e, em Apesar de algumas tentativas de
especial, saneamento, provocando aplicação prática e pouquíssimas
várias epidemias e fazendo nascer as bem-sucedidas, tais modelos não
primeiras LEIS SANITÁRIAS. passaram de utopia, inclusive por
Iniciadas na Inglaterra em 1844, as leis proporem uma intervenção radical não
sanitárias incidiam diretamente nas condições só na distribuição de riquezas dentro
de moradia e construção da cidade industrial, da sociedade, como também na vida
acabando por forçar os governos a agir sobre em família, por exemplo, com a
a planificação urbana, o que conduziu à divisão por sexo e idade.
formulação das primeiras leis urbanísticas na
Europa, como as da Itália (1865), Suécia  Além disso, acreditava-se que a
(1874), Prússia (1875) e Holanda (1901). iniciativa de transformação urbana
Tanto no Reino Unido como na França, tais partiria do próprio empresariado
normalizações sobre as questões urbanas (classe dominante); ou ainda se
demorou para se unificarem, ocorrendo defendia a destruição das máquinas, o
apenas, respectivamente, em 1909 e 1919. abandono da indústria e o retorno às
atividades agrícolas de subsistência,
em uma atitude nitidamente nostálgica
A teorização científica a respeito dos
termos “urbanização” e “urbanismo” na Conforme CHOAY (1998), é possível
acepção de planejamento urbano identificar duas atitudes diversas nesses
somente surgiu a partir da segunda modelos urbanos dos pré-urbanistas:
metade do século XIX, quando se
 o PROGRESSISMO, que se voltava
implementaram medidas de saneamento para o futuro, aceitando a
e grandes reformas urbanas, estas industrialização como chave dos
expressadas por meio do chamado tempos modernos, em uma atitude
URBANISMO NEOCONSERVADOR. descritiva: propostas do Conde de
Saint-Simon, Owen, Fourier e outros;
 Segundo FERRARI (1991), foi o
catalão Ildefonso Cerdá (1815-76)  o CULTURALISMO, mais voltado ao
quem primeiro empregou o termo passado, negando a indústria e
“urbanização”, em sua obra pioneira apontando a máquina como fator
intitulada Teoria geral da urbanização causador do desaparecimento de um
(1867), para explicar a organização “mundo melhor”: propostas de Ruskin
das cidades industriais em seu sentido e Morris, além dos socialistas
sociológico contemporâneo. científicos (Marx e Engels).

71
PRÉ-URBANISMO PROGRESSISTA Robert Owen (1771-1858)
Reformador galês de origem modesta, que se
tornou proprietário de uma tecelagem de algodão,
Claude Henri de Rouvroy (1760-1825) em New Lanark, Escócia, elaborando um sistema
baseado na cooperação mútua e na autogestão
Conhecido como o Conde de Saint-Simon, de bens. Em Uma nova visão da sociedade
acreditava que o avanço da ciência determinaria a (1813), defendia a idéia de que era necessário
mudança político-social, além da moral e da reconstruir o ambiente a serviço do homem, antes
religião, considerando que, no futuro, a sociedade de se pensar em qualquer vantagem econômica,
seria formada somente por cientistas e industriais. individual ou política. A partir disso, elaborou um
Quando descreveu esta nova sociedade, em seus modelo ideal de convivência, no qual as
escritos entre 1807 e 1821, imaginou uma imensa habitações seriam agrupadas ao redor de um
fábrica, na qual a exploração do homem pelo grande espaço aberto, onde se localizariam os
homem seria substituída por uma administração edifícios comunitários.
coletiva. A propriedade privada não caberia mais
nesse novo sistema industrial. Seu modelo porém As casas seriam comunais, com dormitórios,
mantinha a idéia de uma sociedade hierarquizada, refeitórios, salas e escolas. Envolvendo as
onde no topo estariam os diretores da indústria e moradias, haveria grandes jardins e hortas; e, em
produção, engenheiros, artistas e cientistas; e, um dos lados do conjunto, situar-se-iam a fábrica
mais abaixo, os trabalhadores responsáveis pela e as oficinas. Além de uma estrada, um cinturão
execução dos projetos feitos pelos inventores e agrícola circundaria todo o complexo. Nesta
diretores. Ele foi o primeiro a perceber que o comunidade de 300 a 2.000 pessoas, a
conflito de classes estava relacionado com a maquinaria para os trabalhos seria moderna e
economia e que seria nas mãos dos trabalhadores todos estariam obrigados a produzir. Em 1824,
que o futuro seria construído, embora devendo ser mudou-se para os EUA e fundou a colônia de New
guiado por alguém. Apesar de defender um “novo Harmony, em Indiana, uma cidadezinha para uma
cristianismo” que teria como imperativo a comunidade agrícola restrita.
fraternidade e a justiça social, tinha uma
concepção anti-igualitária e antidemocrática.

Etienne Cabet (1788-1856)


Francês que lançou o romance Viagem à Icaria
(1842), onde apresentava uma nação utópica
dividida em 100 províncias; e cada uma delas
possuindo dez distritos municipais, sendo que no
centro de cada um destes haveria uma capital.
A cidade de Icaria seria uma grande metrópole, FALANSTÉRIO (1829)
dividida por um rio retilíneo, com uma ilha no
meio, formada por uma retícula de ruas amplas e
rodeada por dois anéis concêntricos de Charles Fourier (1772-1837)
boulevares. Os quarteirões seriam formados por
Comerciante francês que escreveu O novo mundo
15 casas iguais, onde a vida humana seria muito
industrial e societário (1829), entre outras obras,
organizada e toda a propriedade estatal. O
em que desenvolvia uma proposta de cidade ideal,
produto do trabalho seria dividido eqüitativamente
La Falange, a qual seria desenvolvida em anéis
entre os trabalhadores, cujas roupas seriam
concêntricos, partindo de um núcleo comercial e
uniformizadas. Em 1848, mudou-se para os EUA,
administrativo, circundado pela área industrial e
onde fundou uma colônia em Nauvoo, Illinois, com
esta, por sua vez, pelo setor agrícola. Sua
500 imigrantes.
comunidade pode ser definida como um modelo de
Houve brigas e desavenças, mas a colônia habitação coletiva, de oficinas-modelo e de
conseguiu resistir até 1855. Seus discípulos foram construções rurais-tipo. Criada para cerca de 1.600
os espanhóis Narcís Monturiol i Estarriol (1819- habitantes, caracterizava-se pela disposição
85), fundador do jornal utopista La Fraternidad sistemática de lugares e atividades; assim como
(1847/8); e José Anselmo Clavé (1824-74). pelo falanstério; um edifício monumental ou
“palácio social”, no qual as pessoas viveriam de
forma comunitária. Tais idéias baseavam-se em
um sistema filosófico-político, que propunha a
união de esforços para se alcançar um estado de
harmonia universal, conseguido somente com a
satisfação de “paixões” naturais. Em 1832, passou
a publicar o semanário Le Phalanstère, o qual
pregava a formação de suas sociedades
cooperativas de produção e consumo. Foram seus
discípulos: o francês Victor Considérant (1808-
93) e o alemão Wilhelm Weitling (1808-71).
NEW HARMONY, INDIANA EUA
72
James Silk Buckingham (1786-1855)
Reformador inglês que publicou Males nacionais e
medidas práticas com um plano de uma cidade-
modelo (1849), onde propunha um novo modelo
de cidade a ser repetido em série para combater o
desemprego. Victoria, a primeira dessas cidades,
consistiria em um quadrado de uma milha de lado
destinado a abrigar 10.000 pessoas. As
habitações estariam dispostas em sete fileiras
concêntricas: no centro estariam as casa
espaçosas da classe alta, enquanto os operários FAMILISTÉRIO (1859)
de estratos inferiores viveriam na periferia,
próximos às fábricas situadas no espaço externo à Jean-Baptiste André Godin (1817-88)
cidade. Paralelamente, as escolhas estilísticas de
cada edificação seguiriam a diferença entre as Industrial francês, fabricante de fogões e
classes. Estavam previstos todos os tipos de aquecedores, que fundou uma oficina metalúrgica
serviço social e para a sua realização utilizar-se-ia em Guise, França, em 1859, seguindo os
uma técnica muito “avançada” para a época: uma princípios corporativos de Fourier, por visar
torre de 300 pés de altura, que iluminaria toda a repassar os lucros do trabalho assalariado aos
cidade da praça central. Seus principais objetivos operários. Criou o familistério, uma redução do
eram unir o máximo grau de ordem, espacialidade modelo fourierista composta por um edifício
e higiene, com a máxima abundância de luz e ar, igualmente formado por três blocos fechados, mas
além de um perfeito sistema de esgotos, com com pátios menores e cobertos por vidros,
conforto e convivência de todas as classes. desempenhando as funções das rues intérieures
de Fourier. Diversamente da vida comunitária e do
caráter agrícola, optou pelo regate da vida familiar
e serviços que facilitassem a convivência social,
além do trabalho industrial assumir um caráter
hegemônico. Publicou sua teoria através de
Soluções sociais (1870). Funcionando como
cooperativa de operários até 1968, hoje o
familistério é uma sociedade anônima, cujo
edifício em que vivem 300 famílias é tido
patrimônio da humanidade, sob cuidados da União
Européia.

No decorrer de todo o século XIX, vários


escritores europeus – como os franceses
Honoré de Balzac (1799-1850), com as
95 obras de sua Comédia Humana;
VICTORIA (1849) Victor-Marie Hugo (1082-85) e Émile
Pierre Joseph Proudhon (1809-63)
Zola (1840-1902); além do inglês Charles
Dickens (1812-70) – denunciaram em
Reformador francês considerado um dos pais do suas obras as condições da cidade liberal.
anarquismo ou comunismo libertário; um
movimento ideológico baseado na rejeição à Paralelamente, alguns utopistas passaram
autoridade e exigência da liberdade. Acreditava a utilizar repúblicas ou sociedades
que a posse individual da propriedade era a imaginárias para apresentar suas críticas
garantia essencial para a existência da sociedade políticas, destacando-se:
livre, desde que ninguém possuísse em excesso.
Suas idéias baseavam-se na luta contra o  George A. Ellis (1810-40): em New
passadismo para promover uma forma global de Britain: a narrative of a journey (1820),
existência moderna; uma racionalização das expressava uma visão das comunidades
formas de comportamento e do papel da indústria experimentais na América;
na nova cidade. Defendia a ação de minorias  Robert Pemberton (1788-1879): em The
impulsionando as massas e organizando a happy colony (1854), parodiava o
produção e o consumo em nome do federalismo. movimento utópico britânico.
Após o fracasso da Revolução de 1848, passou a
 Samuel Butler (1835-1902): em Erewhom
confiar unicamente no mutualismo e na
(1872), satirizava as injustiças da
organização do crédito gratuito como resposta ao
Inglaterra vitoriana ao descrever uma
problema da miséria social. Teve vários
sociedade, cujas leis, princípios morais e
seguidores na área política e sua influência sobre
concepções científicas tinham se
a classe operária do II Império foi considerável.
transformado na sua própria oposição.

73
PRÉ-URBANISMO CULTURALISTA O mundo do laissez-faire norte-americano
encontrou sua maior crítica através do
pensamento de três utopistas, cuja
herança teórica marcaria as idéias, ações
Karl Marx (1818-83) & e debates no campo da planificação
Friedrich Engels (1828-95)
urbana, no início do século XX:
Pensadores alemães que procuraram passar o  Henry George (1839-97): em Progress
socialismo da utopia à ciência, avaliando a crítica and poverty (Progresso e pobreza, 1880),
social dos utopistas em seu Manifesto Comunista defendia que a terra deveria pertencer a
(1848), acusando-os de não proporem meios todos, instituindo-se uma taxa única
adequados para alcançar a sociedade ideal. Seus (single-tax) sobre a renda fundiária;
escritos introduziram reivindicações futuras, como
a supressão da oposição entre campo e cidade e  Edward Bellamy (1850-98): em 2000 to
o fim da propriedade privada e do trabalho 1887 (Olhando para trás, 1888), propunha
assalariado. Embora aquém do dinamismo da uma visita à Boston do futuro, onde
realidade, suas ações desempenhariam existiria um sistema industrial perfeito, no
importante papel no movimento de tomada de qual todos viveriam iguais e em paz,
consciência pelo proletariado. através de uma forma cooperativa de
produção e distribuição socialista;
Fundaram o SOCIALISMO CIENTÍFICO, que  Thorstein Veblen (1857-1929): em The
consiste na realização daqueles objetivos no theory of leisure class (A teoria da classe
marco histórico concreto/material, negando-se a ociosa, 1899), detectou e criticou a
profetizar acerca da futura sociedade comunista tendência de formação de uma sociedade
ou a estabelecer modelos urbanos de utopia. tecnocrática, cujo poder estaria nas mãos
de empresários, banqueiros e técnicos.

John Ruskin (1819-1900)


Escritor, crítico e esteta inglês que escreveu uma COMPANY-TOWNS MOVEMENT
série de livros – entre os quais The seven lamps of
architecture (1849) e os três volumes de The Papel relevante na história do urbanismo
Stones of Venice (1851/53) – reagindo contra o desempenharam as experiências norte-
materialismo da era vitoriana e aliando a prédica
moral e as iniciativas sociais à reflexão sobre a americanas das COMPANY-TOWNS ou
arte. Defendia o resgate da Idade Média, que cidades-fábrica, que se desenvolveram no
considerava mais autêntica que a Renascença, final do século XVIII até se tornarem
apoiando o movimento pré-rafaelista. Atacava a
máquina, para ele, a causa principal da
freqüentes no século XIX, podendo ser
“degenerescência” da arte de seu tempo; e consideradas a utopia do Capital
buscava o retorno ao artesanato, propondo iniciar empenhado, desde seus primórdios, em
a reforma do sistema socioeconômico a partir da edificar um sistema econômico que
renovação das artes plásticas.
deixasse de se basear na terra e
5
passasse a ser realizado por máquinas .
William Morris (1834-96)
5
Maior discípulo de Ruskin e de Bellamy, foi um Embora anteriores, foi a partir do século XIX que
artista e ativista inglês que contribuiu para a essas comunidades difundiram-se e, mesmo
renovação das artes decorativas a partir de sua subsistindo à Guerra Civil Americana (1861/65),
ação prática em defesa do artesanato, lutando acabaram por se revestir de uma função política
contra a ausência de sentido de unidade artística. concreta, convertendo-se em um instrumento
Através de sua firma, fundada em 1861, econômico interno e típico do processo de
impulsionou o chamado ARTS & CRAFTS acumulação capitalista. Um dos primeiros
MOVEMENT. Em 1891, escreveu News from exemplos foi a “cidade-fábrica” de Paterson, criada
nowhere (Notícias de nenhuma parte), obra em New Jersey em fins dos setecentos pela
utópica e, ao mesmo tempo, poética e humana, Society for Establishing Useful Manufactures; por
em que mostrava o retorno a uma sociedade Pierre Charles L’Enfant (1754-1852) e Nehemiah
agrícola e artesanal, em cujo seio a luta de Hubbard (1721-1811). Entre as company-towns da
classes romperia com o “socialismo estatal”, além época que precedeu à guerra, destacaram-se New
de apresentar a concepção social-democrata de Manchester, onde atuou desde 1836 a Amoseag
um “programa mínimo” de reformas graduais e um Manufacturing Company; e Holyoke; e Lawrence,
“programa máximo” a ser implementado em um iniciada no final da década de 1840 pela Bay
futuro indefinido. Seu livro oferecia uma solução Satate Mills e pela Essex Company. Além disso,
para se alcançar uma genuína democracia de outros assentamentos de New Hampshire, como
trabalhadores, da mesma forma que defendia a New Ipswick e New Market, converteram-se em
vida harmoniosa junto à natureza. significativas cidades industriais naquela região.

74
As CIDADES-FÁBRICA configuraram uma
drástica ruptura em relação à tradição rural da
cultura yankee, implementando comunidades
cujas componentes sociais tradicionais
tenderiam a desaparecer. Como modelo
urbanístico básico, representavam uma
alternativa completa à cidade histórica, já que
se colocavam contra esta que significava
“continuidade”, seja em termos de
desenvolvimento econômico como de
estrutura sócio-política. LOWELL PLAN, MASS. (1823)
 Seu ideal rechaçava a civilização
Kirk Boot (1780-1837)
urbana e configurava um modelo
puramente econômico; produto de Diretor da Merrimack Manufacturing Company,
uma ideologia que tendia a anular a formada cinco anos após a morte de Lowell, que
cidade através da fábrica, fazendo-a acolheu suas idéias e propôs-se a criar uma
desaparecer e integrando o “urbano” comunidade industrial iniciada em 1823. O núcleo
no “produtivo”, priorizando os central da nova cidade de Lowell, Massachusetts,
foi a localização das instalações manufatureiras,
processos de racionalização produtiva
que foram dispostas de modo a garantir o máximo
e a maximalização da exploração. Sua aproveitamento dos recursos hídricos do rio
influência estendeu-se até a Europa Merrimack e de um sistema de canais artificiais
(CIUCCI et al., 1975). realizados na área da implantação. Ao invés de
seguir leis orgânicas de crescimento ou traçados
Paralelamente, outro fenômeno de justificativas geométrico-sociais, estabelecia-se
característico dessa época, foram as em função direta das exigências produtivas das
cidades norte-americanas ligadas à instalações industriais. Soma-se a isto uma
preocupação excessiva da Companhia em exercer
mineração, as COAL-TOWNS, assim
um controle absoluto da mão-de-obra, criando seu
como aquelas relacionadas à história do “próprio” mercado de força de trabalho, assim
petróleo, sendo a mais famosa a cidade como a consideração da moradia e dos serviços
de Pithole, na Pensilvânia, surgida em urbanos apenas como conseqüências simples e
diretas do trabalho, resultando em uma estrutura
1862 e que, após três meses de
urbana extremamente rígida, que refletia a divisão
existência, já contava com cerca de de classes.
15.000 habitantes. Houve ainda as
company-towns que surgiram ao longo
dos eixos de expansão das ferrovias:
tanto as existentes, que foram
revitalizadas com a chegada de novas
linhas, como os novos povoamentos
criados diretamente pelas companhias
ferroviárias.

Francis Cabot Lowell (1775-1817)


SALTAIRE PLAN, WEST YORKSHIRE
Típico empresário de New England EUA que, em
1814, introduziu o tear mecânico em suas Titus Salt (1803-76)
manufaturas de Waltham; fator fundamental para
tornar rentáveis as várias fábricas algodoeiras que Criador da cidade-fábrica de Saltaire, em West
se multiplicavam às margens dos rios da região, Yorkshire, perto de Shipley, Inglaterra, melhor
de modo a assegurar uma produtividade que exemplo da influência do movimento na Europa.
permitisse o nascimento de um verdadeiro sistema Construída entre 1850 e 1863, possuía a maior
urbano-industrial. Sensível aos problemas sociais, fábrica do país e casas dispostas em padrão
imaginou uma comunidade ideal dedicada ao paladiano. Tendo como princípios de composição
trabalho e concentrada ao redor das atividades o senso de liberdade, a justiça social, a pequena
produtivas, cuja principal finalidade seria alcançar escala e a vida junto à natureza, apresentava
a máxima eficiência, concebendo uma cidade algumas preocupações modernas com seus
formada por dois grupos sociais distintos, os edifícios públicos, tais como centros comunitários,
cidadãos e os assalariados, sendo a vida dos hospitais, escolas e igrejas. Usou-se como modelo
primeiros livre e a dos segundos completamente as idéias das factory villages, descritas nos
controlada pela Companhia. romances de Benjamin Disraeli (1804-81).

75
George Mortimer Pullman (1831-97) Europa como nos EUA, assim como no Brasil,
sendo suas características básicas:
Fabricante norte-americano de vagões que, a) A malha de anéis concêntricos, recortados
percebendo a necessidade de melhoria das por vias radiais;
condições dos trabalhadores para o sucesso de
seu empreendimento, fundou nas imediações de b) As demarcações precisas de setores e
Chicago, próximo ao lago Calumet, uma “cidade- limites por meio de cinturões verdes;
fábrica” homônima, Pullman, cujas obras c) A eliminação da especulação através do
iniciaram-se em 1880, segundo um projeto arrendamento dos terrenos;
elaborado por Solon Spencer Beman (1853- d) O controle de sua expansão, já que, ao se
1914) e Nathan Franklin Barrett (1845-1919) e atingir uma população de 32.000 pessoas,
que receberia, já em junho do ano seguinte, seus seria fundada uma nova comunidade,
primeiros 650 habitantes. A partir de um pioneiro ligada como satélite a um centro maior.
processo de construção planificada e de
estandardização de moradias, a cidade já
produzia a todo vapor um ano depois e, em 1884,
alcançaria uma população de 8.500 pessoas, além
de poder contar com um centro comercial, o
Arcade Building, os principais edifícios públicos, a
igreja municipal e um suntuoso teatro.

Em praticamente todos os casos das


company-towns implementadas, o mito da
cidade-modelo dedicada ao trabalho caiu por
terra pela formação da própria consciência de
classe, o que conduziu a greves e lutas por Ebenezer Howard (1850-1928)
melhores salários. Esse novo “modelo de vida
Autor do livro Amanhã: um caminho pacífico para
moderna”, que rechaçava a civilização urbana a verdadeira reforma (1898), mais tarde reeditado
em prol de uma comunidade voltada somente como Cidades-jardim de amanhã (1902), defendia
ao trabalho e à produção industrial, permitia ao a integração entre campo e cidade – considerados
mesmo tempo uma singular intensificação dos como “imãs” para a população – , através da
laços de solidariedade entre os operários, que proposta de cidades para 32.000 habitantes, com
reagiram a seu “paternalismo” e exigiram seus área aproximada de 400 ha e um cinturão agrícola
direitos como trabalhadores. de 2.000 há, com autonomia econômica. Em
1899, fundou a Garden City Association,
procurando aplicar na prática seus conceitos, os
quais não passavam de esquemas teóricos.
GARDEN-CITIES MOVEMENT Martin Wagner (1885-1957) e Ernest May (1886-
1970) podem ser considerados seguidores de
No utopismo sócio-político expresso pela Howard na Alemanha, assim como Henri Sellier
cidade oitocentista, a proposta mais (1883-1943) na França.
contundente de integração entre a cidade
e a natureza foi o modelo, de bases
Raymond Unwin (1863-1940) &
culturalistas, representado pela proposta
Barry Parker (1867-1947)
das GARDEN-CITIES ou cidades-jardim,
idealizadas pelo britânico Ebenezer Arquitetos ingleses cuja empresa durou de 1896 a
1914 e foi responsável pela criação de várias
Howard (1850-1928). “cidades-jardim”, como a primeira delas,
 Howard acreditava que todas as Letchworth, implantada em 1903, a cerca de 56
km de Londres, para uma população de 33.000
vantagens da vida mais ativa no meio
habitantes, além do subúrbio londrino de
urbano e toda a beleza e delícias do Hampstead Garden Suburb. A publicação de suas
meio rural poderiam estar combinadas idéias e trabalhos a partir de 1908 influenciou todo
de modo satisfatório, através de uma o urbanismo anglo-saxão do século XX.
nova forma de planejamento.
O Garden-City Movement foi uma das
experiências mais profícuas do século Louis de Soissons (1904-97)
passado, a qual defendia a noção de “cidade- Fundador da célebre “cidade-jardim” de Welwyn,
parque” e conduziu à formação de vários criada em 1919 e localizada a 15 km de
“bairros-jardim” em todo mundo. No início do Letchworth, Inglaterra, projetada para 40.000
século XX, os princípios deste modelo foram habitantes, com previsão de expansão para no
aplicados em protótipos urbanos tanto na máximo de 50.000 pessoas.

76
No primeiro pós-guerra, o problema da
14 moradia tornou-se agudo em muitos
países europeus, graças à grande
URBANISMO MODERNO carência de habitações, tanto devido aos
danos da guerra como à paralisação da
atividade de construção durante o conflito.
Somente no final do século XIX e Isto, somado ao encarecimento dos
especialmente nas primeiras décadas do materiais, da mão-de-obra e dos terrenos,
século XX, com os problemas trazidos fez necessária a intervenção do Estado,
com a Primeira Guerra Mundial (1914/19), esta voltada a assegurar a moradia para
que as bases do urbanismo moderno se as classes mais baixas, a qual se deu de
assentaram com propostas mais realistas 02 (duas) maneiras:
e viáveis que as dos socialistas utópicos, a) Por meio de créditos e facilidades
embora algumas ainda esbarrassem nas concedidas a associações particulares,
o que ocorreu principalmente na Inglaterra,
suas condições de implementação. através de várias leis criadas entre 1919 e
 O MOVIMENTO MODERNO 1930, onde se subvencionava até 75% das
iniciativas públicas e privadas. Estas leis
(1915/45) deu-se paralelamente a um foram unificadas em 1936 através da
gradativo empenho tecnológico, sem o Housing Act. Tal sistema também foi
qual as bases funcionalistas não adotado em outros países, como a Suécia,
poderiam se afirmar. Nesse período, a Bélgica e a França.
arquitetura e engenharia reataram b) Por meio de construções de
seus vínculos, perdidos durante o alojamentos por iniciativa direta de
ecletismo do século XIX, assim como entidades públicas, o que era mais
se difundiram os princípios do adequado para a solução de situações de
funcionalismo, sendo a escola alemã emergência. Na França, fundou-se em
Staatliches Bauhaus (1919/33) seu 1914 o Office Municipale des Habitations
maior centro de reflexão e difusão. Bom Marché de Paris, que começou a
trabalhar em 1920; e, na Inglaterra, criou-
O URBANISMO MODERNO amadureceu se o London City Council que, entre 1920
principalmente nas décadas de 1910 e 1920 e 1936, construiu cerca de 70.000
em direção à busca de alternativas para a alojamentos, sendo um dos maiores o de
Becontree, em Essex, com 25.000
cidade burguesa pós-liberal, mas sem procurar
unidades. Casos semelhantes ocorreram
corrigir seus conflitos, limitando-se mais a dar na Alemanha, na Holanda e na Itália,
continuidade às idéias dos pré-urbanistas, sendo o mais destacado aquele promovido
adequando-as à realidade. pela administração socialista de Viena, em
1920.

Enquanto as intervenções públicas na


Europa pós-Primeira Guerra aumentaram
de tal modo a controlarem a maior parte
da construção de moradias e bairros
proletários, as orientações urbanísticas
através de leis e planos reguladores
UNE VILLE CONTEMPORAINE (1922) cresceram em menos intensidade.
 Ainda conforme a categorização  Na Inglaterra, entre 1919 e 1925,
de CHOAY (1998), enquanto que, para surgiram algumas leis que tornaram
os progressistas, o que interessava obrigatórios os planos de ampliação
era o rendimento máximo dos para cidades maiores. Nos demais
operários – eficiência que seria países, a legislação urbanística
conseguida através da melhoria da demorou um pouco para aparecer,
sua situação espacial, incluindo ocorrendo nos países escandinavos na
habitação e infra-estrutura –; para os década de 1930; na Itália em 1942; e
culturalistas, a preocupação girava na França somente no segundo pós-
em torno de questões morais, guerra, final da década de 1940.
especialmente ligadas às relações
sociais, em que a cidade não deveria
se sobrepropor aos seus moradores.

77
O URBANISMO MODERNO estudava a A CARTA DE ATENAS (1933) foi
cidade a partir de sua decomposição – publicada de forma anônima por Le
setores, bairros, quadras e ruas, células Corbusier (1887-1965) somente em 1943,
ou unidades elementares –; metodologia que se identificou como o autor do texto
que objetivava a economia de meios de apenas em 1957. Algumas das suas
realização, já que respondia a critérios de principais conclusões eram:
produção industrial.  A cidade e o campo dependem um do
outro e são elementos inseparáveis de
 Quando algumas idéias tornaram- uma mesma unidade regional, a qual deve
se maduras para serem colocadas em ser tratada pelo planejamento urbano;
prática, através de modelos aplicáveis  O desenvolvimento urbano de cada cidade
na realidade, a produção da depende das suas características
construção civil começou a declinar, geográficas, potencialidades econômicas
por efeito da crise econômica dos e situação política e social;
anos 30, a qual conduziu à Segunda  As chaves do urbanismo moderno
Guerra Mundial (1939/45). encontram-se em 04 (quatro) funções a
serem tratadas especificadamente:
Devido à complexidade temática e a habitação, trabalho, lazer e transporte.
necessidade de atualização constante da
arquitetura e urbanismo funcionalistas, PLANEJAMENTO URBANO ou urban
foram realizados a partir de 1928 os planning consistiria no conjunto de
CONGRESSOS INTERNACIONAIS PELA procedimentos racionais, que visam a tomada
de decisões para conduzir os processos
ARQUITETURA MODERNA – CIAM’s, urbanos segundo metas e objetivos pré-
que ocorriam periodicamente, para: estabelecidos. Ultrapassando a simples
 Confrontar de tempos em tempos as investigação sobre a cidade, o planejador
experiências modernas a fim de aprofundar urbano deve-se voltar à reflexão urbana,
os problemas surgidos com a promovendo a formulação de uma série de
industrialização (técnicas construtivas; metodologias de ação.
padronização, estandardização, etc.);
 Decidir a melhor maneira de apresentar ao Tendo como objeto fundamental a
público as soluções modernas na medida
em que estas fossem encontradas pelos organização do conjunto dos espaços
arquitetos (educação da juventude; construídos e abertos que estruturam a
influência do Estado na produção, etc.). cidade, o PLANEJAMENTO URBANO
pode ser definido como “o processo de
O primeiro CIAM foi realizado em 1928 (La decisão que objetiva causar uma
Sarraz, Suíça) e o último em 1959 (Otterloo, combinação ótima de atividades em uma
Alemanha). Os mais importantes aconteceram área específica e pelo qual a utilização
em Frankfurt (1929), Bruxelas (1930), Atenas
dos instrumentos de política seja
(1933) e Paris (1937). A adesão foi
progressiva entre os países, começando com coordenada, considerados os objetivos do
Alemanha, Áustria, Bélgica, França, Holanda, sistema e as limitações impostas pelos
6
Itália e Suíça, para posterior inclusão do grupo recursos disponíveis” .
britânico Modern Architecture Research  O urban planning também pode ser
Society – MARS, EUA, Argentina, Brasil, visto como uma “ação contínua que
Colômbia, Hungria, Polônia e demais países. serve de instrumento dirigido a
racionalizar as tomadas de decisões
 Os ideais modernos em relação à individuais ou coletivas em relação à
questão urbana tiveram sua 7
evolução de determinado objeto” – no
consagração definitiva a partir do 4º caso, a cidade.
CIAM, cujo tema central era a
Arquitetura Funcional ocorrido em
1933 em um cruzeiro marítimo de 15 6
dias entre Marselha e Atenas, onde foi HILHORST, J. G. M. Planejamento regional:
formulada a CARTA DE ATENAS, um enfoque sobre sistemas. (Trad. H. C. Pimenta).
2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
documento que reunia 95 conclusões 7
tiradas a partir da análise de 33 GONZALES, S. F. N. Considerações em torno do
cidades, trazendo os princípios e planejamento urbano. In: PLANEJAMENTO.
Brasília DF: Introdução à disciplina de
soluções para os problemas urbanos
Planejamento Urbano, Universidade de Brasília –
acumulados no último século. UnB, s.l., 1980. p.12-21.
78
URBANISMO RACIONALISTA Os racionalistas desenvolveram uma série
de propostas, principalmente no período
entre guerras, muitas das quais aplicadas
Tendo como principais precursores o na criação de novos bairros de cidades
espanhol Arturo Soria y Mata (1844- européias, voltados às classes proletárias
1920) e o francês Tony Garnier (1869- e aos refugiados de guerra.
48), assim como os pré-urbanistas  Esses NOVOS BAIRROS eram
progressistas, o urbanismo racionalista compostos de modo unitário e em
encontrou entre seus maiores expoentes, bloco (“edifícios-villas”), com cuidados
além de Le Corbusier (1887-1965), os de ventilação e iluminação, separação
de tráfego e arborização, baseados na
alemães Walter Gropius (1883-1969) e
racionalização (padronização de
Ludwig Hilberseimer (1885-1979). elementos construtivos e pré-
 Considerando essencialmente os fabricação visando a industrialização)
aspectos quantitativos da cidade, seus e na estandardização (adoção de
representantes viam o homem apenas modelos para as unidades
como uma unidade estatística, habitacionais, preferindo-se as casas
preocupando-se mais com as em fileiras ou agrupadas em blocos de
questões de circulação, habitação, até três andares) (BENEVOLO, 1998).
eficiência e produtividade (“cidades- Como exemplos podem ser citados os
máquina”). Para os racionalistas, as seguintes bairros projetados:
grandes densidades demográficas,  os conjuntos residenciais feitos em
sob o aspecto econômico, eram Tusschendijken (1920), Mathenesse
altamente aceitáveis, fazendo-se uma (1922) e Kiefhoek (1925), Holanda,
apologia do arranha-céu, este por Jacobus J. P. Oud (1890-1963);
entendido como a verdadeira “máquina  o Italiensichergarten e o
de morar”. Georgsgarten (1923/24), criados em
Zelle, na Alemanha, por Otto
Le Corbusier era fascinado pelas grandes Haesler (1880-1962);
cidades, segundo o qual seriam “células
 os Britz e Zehlendorf (1925/27),
ardentes do mundo [...] delas surge a paz ou a bairros projetados em Berlin por
guerra, a abundância ou a miséria, a glória, o Bruno Taut (1880-1938) ;
espírito triunfante ou a beleza. A grande cidade
 o Weissenhof Siedlung (1926/27),
expressa as potências do homem: as casas, bairro experimental da Deutscher
que obrigam um ardor ativo, elevam-se em Werkbund, proposto por vários
uma ordem insigne” (FERRARI, 1991). arquitetos em Stuttgart, Alemanha;
 o conjunto habitacional Törten
Os modelos das cidades racionalistas (1926/28), situado em Dessau, na
eram altamente segregacionistas, sendo Alemanha, de Walter Gropius;
posteriormente criticados por sua atitude  o bairro experimental de Wekbund
pouco democrática. Consideravam as Siedlung (1931/32), também criado
áreas verdes sob a ótica higienista e coletivamente em Viena, Áustria.
enfatizavam o zoneamento. Baseavam-se Se a década de 1920 foi um período de
em 04 postulados fundamentais: difusão e propagação do modernismo,
a) Descongestionar o centro das cidades nos anos 30, tal situação modificou-se
para fazer face às exigências da
circulação e da produtividade; devido à crise política, econômica e social
b) Aumentar a densidade do centro das
que acabou bloqueando todas as
cidades para realizar o contato exigido experiências urbanísticas concretas nos
pelos negócios; países centrais, já que o debate político
c) Aumentar os meios de circulação, ou seja, alterou-se: os partidos democráticos
modificar completamente a concepção tiveram que lutar pela sua sobrevivência
atual da rua que se encontra sem efeito
diante do novo fenômeno dos meios
graças ao surgimento de novos e
modernos de transporte (metrôs ou crescentes movimentos autoritários, que
automóveis, trens, aviões, etc.); acabaram alcançando o poder e
d) Aumentar as superfícies verdes, a única implantaram um retrógrado URBANISMO
maneira de assegurar a higiene suficiente DE CELEBRAÇÃO.
e a calma útil ao trabalho atento exigido
pelo novo sistema de negócios.
79
Arturo Soria y Mata (1844-1920)
Engenheiro espanhol que idealizou a proposta da
Ciudad Lineal, que, ao contrário dos outros
utopistas, abandonava a configuração “circular” e
adotava o formato linear como mecanismo para a
resolução de problemas como especulação
imobiliária, congestionamentos e marginalização
da população. Sua cidade ideal eliminava a
distinção entre centro e periferia já que se
caracterizava em um único e contínuo cinturão
urbano, paralelo às linhas de transporte, para ligar
os centros históricos mais antigos (“cidades- UNE VILLE CONTEMPORAINE (1922)
ponto”), ou seja, uma “cidade-rua” – que deveria
possuir uma largura média de 500 m – e que
podia ser prolongada indefinidamente. Publicado Le Corbusier (1887-1965)
em 1882 pelo jornal madrileno El progreso e
implementado a partir de 1890, o modelo previa a Arquiteto franco-suíço responsável por alguns
mecanização dos transportes e a melhoria das planos fundamentais do urbanismo racionalista,
condições higiênicas, propondo a realização de insuperáveis tanto em termos ideológicos como
um distrito alongado em 5,2 km nos arredores formais (traçados geométricos e princípios
orientais de Madri, tomando como elemento funcionalistas). Em 1922, apresentou o modelo
estruturante a linha de bonde elétrico (ferrocarril). utópico para Une ville contemporaine; um centro
A superfície interna às “triangulações” seria urbano para 3.000.000 habitantes dividido em três
destinada às atividades agrícola e industrial. setores distintos, que seriam delimitados por
cinturões verdes e interligados por uma eficiente
rede de transportes. A proposta é caracterizada
pela simetria do conjunto, a ortogonalidade das
vias e a sistematização viária, além da criação de
“prédios-villas”.
Com o Plan Voisin (1925), para Paris; e os planos
para Montevidéu, Buenos Aires, São Paulo e Rio
de Janeiro, propostos entre 1929 e 1931, formulou
a hipótese teórica mais elevada da urbanística
moderna, culminando com as experiências do
CIUDAD LINEAL (1882/90) Plan Obus (1931), para Argel; e da proposta para
La Ville Radieuse (1930/5). Extremamente
Tony Garnier (1869-48) ambicioso, o Plan Voisin (1925) substituía a
Arquiteto francês que desenvolveu, entre 1901 e tradicional rede viária parisiense por um
1904, o plano da Citè Industrielle, publicado em gigantesco sistema de auto-estradas retilíneas,
1917, o qual previa o modelo de implantação de além da demolição do centro antigo e a criação de
uma cidade para 35.000 habitantes, onde um sistema simétrico de arranha-céus em forma
preconizava o zoneamento funcional e o emprego de cruz. Os edifícios eram imersos em amplas
dos materiais modernos, além de preocupações áreas verdes e as vias de circulação
sanitárias e paisagísticas. A proposta exibia categorizadas por fluxo e tipo de tráfego.
características lineares em planta, em que se Em 1950, Le Corbusier projetou Chandigarh, a
distinguia pelo espaço verde, que separava a zona nova capital do Punjab (Índia), em substituição a
residencial da comercial; pela distribuição Lahore, que ficou em território paquistanês.
ordenada de atividades, o que setorizava a cidade Constituída de grandes edifícios públicos, a nova
em áreas distintas; e ainda por seu sistema de cidade reuniria 150.000 habitantes, com a
transportes, que caracterizava os eixos de ligação previsão de se ampliar até 500.000 e constituindo-
por meio de avenidas. se em um exemplo do urbanismo moderno.

CITE INDUSTRIELLE (1901/04) PLANO DE CHANDIGARH,ÍNDIA (1950/55)

80
URBANISMO ORGANICISTA Considerado o grande renovador da forma
urbana, o arquiteto austríaco CAMILLO
SITTE (1843-1903) propôs uma nova
Desde as décadas finais do século XIX e busca da estrutura urbana orgânica como
a profícua experiência das “cidades- reação contra a geometria racionalista e o
jardim”, liderada pelas idéias de Howard, haussmannismo.
a tradição urbana culturalista enfatizava
uma reflexão sobre a cidade de forma  Em seu livro L'art de bâtir les villes
selon sés fondements artis (A
mais humana e mais integrada ao verde, construção das cidades seguindo seus
mas não vendo a natureza somente pelo princípios artísticos, 1889), propôs a
aspecto sanitarista como também em reconquista da qualidade ambiental da
termos de harmonia e equilíbrio espiritual. cidade, por meio do resgate cultural e
artístico, além da harmonia entre
 Os organicistas, cujas idéias
cheios e vazios e o respeito às formas
difundiram-se na década de 1930,
herdadas do passado.
procuraram dar uma expressão mais
popular e cotidiana ao urbanismo
moderno, trabalhando com materiais
naturais, formas compostas e
preocupações de conforto ambiental.
Desprezaram os standards (padrões)
e passaram a defender posturas
particulares através da pluralidade de
formas onduladas e/ou oblíquas.
O conflito entre o pensamento moderno e os Camillo Sitte (1843-1903)
regimes autoritários de alguns países centro-
europeus acabou por isolar as experiências Preocupando-se com o desaparecimento da vida
modernas, chegando, por volta de 1935 e em cívica e das formas artísticas das cidades,
estudou a função e a distribuição das praças
diante, à total supressão destas (Alemanha e
públicas, colocando nelas o papel de verdadeiros
Áustria) ou ao seu desenvolvimento marginal centros cívicos; locais de encontro e passeio de
(França e Itália). Apesar dessa crise, houve o pessoas que estariam profundamente ameaçados
surgimento de uma nova vertente do com o desenvolvimento do automóvel.
funcionalismo, no trabalho de arquitetos e
urbanistas, principalmente do norte europeu. Em seus textos, censurava a falta de criatividade,
a austeridade e a monotonia dos traçados
 Propondo-se a se libertar dos retilíneos; o isolamento dos monumentos em
vastos espaços abertos; e, principalmente, a
dogmas racionalistas, os urbanistas
ausência de continuidade entre as malhas
organicistas acreditavam que a existentes e aquelas que eram propostas pelos
arquitetura não deveria negar a progressistas. Sua obra sobressaiu-se sobretudo
natureza nem a vida moderna, como uma análise morfológica de setores das
devendo se procurar conciliá-los, cidades antigas, objetivando uma definição
juntamente com as exigências consciente, tanto dos princípios como do método
individuais de seus usuários. mais adequado para a elaboração de um plano
urbanístico. Para ele, questões como zoneamento,
Respeitando os princípios gerais do infra-estrutura, densidades ou índices
funcionalismo moderno, como o zonning e urbanísticos, deveriam ser colocadas em segundo
plano (FERRARI, 1991).
a ênfase circulatória, introduziram na
discussão urbana as idéias de:
a) Valorizar as características culturais e o O urbanismo organicista encontrou um
caráter humano dos locais públicos, vasto campo de aplicação nos EUA,
especialmente as praças e os parques; sendo alimentado pelas idéias
b) Resgatar as relações de convivência entre precursoras de FRANK LLOYD WRIGHT
as pessoas, assim como o contato
humano com a natureza, buscando (1869-1959), assim como pelo trabalho de
enfatizar a noção de vizinhança; alguns planejadores que intentaram
c) Explorar a variedade formal, a viabilizar, de forma coerente e eficaz, os
multiplicidade espacial e a complexidade princípios das garden-cities em algumas
compositiva, fugindo de estereótipos. comunidades norte-americanas.

81
Clarence A. Perry (1872-1944) Durante os anos 40, paralelamente à
reconstrução do segundo pós-guerra, os
Sociólogo norte-americano que idealizou, entre países escandinavos evoluíram na pesquisa
1923 e 1929, em Nova York, a noção de
urbana através das experiências organicistas,
Neighborhood Unit ou Unidade de Vizinhança –
UV , a qual tinha como preocupação central o
cujos planos afastaram-se dos esquemas
resgate das relações sociais entre vizinhos, que geométricos dos franceses ou alemães,
para ele estavam cada vez menos intensas na apoiando uma maior integração com a
cidade moderna. Profundamente influenciado natureza, o traçado orgânico e o resgate da
pelos escritos de Charles H. Cooley (1864-1929), escala humana e sentido de comunidade.
que acentuava a importância do “grupo primário”
para a associação e cooperação íntimas de uma  Na Finlândia, destacou-se a
comunidade, partiu do pressuposto que a escola atuação de Eliel Saarinen (1873-
poderia desempenhar a função de elemento 1950), que escreveu o livro The city
centralizador da vida comunitária. (1915) e fez o plano de Munkkiniemi-
Haaga, além de Budapest (1911/15).
Outros expoentes foram Alvar Aalto,
Otto Meurman, Olli Kivinen e Aarme
Ervi, o qual criou a cidade de Tapiola
(1951). Já o melhor exemplo do
urbanismo organicista sueco foi o
bairro de Rosviks (1943/46), criado em
Estocolmo, por Ancker, Gate &
Lindegren. Na Dinarmaca, o destaque
foi Arne Jacobsem, além de E.
Köppel, que realizou o bairro de
Sölleröd (1954), em Copenhague.

Alvar Aalto (1898-1976)


Clarence Stein (1882-1975) &
Henry Wright (1878-1936) Arquiteto finlandês que demonstrou uma maior
preocupação com os valores humanos e os
Planejadores urbanos norte-americanos que espaços naturais, abandonado o vocabulário
criaram o plano da cidade de Radburn, em Nova racionalista tanto em suas edificações como nos
Jersey, entre 1928 e 1929, seguindo a tradição trabalhos urbanos, dos quais se destacaram o
das garden-cities e incorporando o conceito da plano regional do Vale do rio Kokemaki (1942), o
UV, além de inovarem por meio da separação plano da Ilha de Säynätsalo (1942/9) e o plano de
sistemática da circulação de veículos e de reconstrução de Rovaniemi (1945), entre outros.
pedestres, da criação da “superquadra”
suburbana formada por blocos habitacionais e da
ampla utilização do verde e de cul-de-sac.

A partir de Radburn e da política do New


Deal, apareceram algumas experiências
urbanas empíricas nos EUA, igualmente
de influência howardiana, em especial nas
propostas das greenbelts, cidades
inteiramente limitadas em extensão e
população, criadas depois de 1936 por PLANO DE ROVANIEMI (1945)
iniciativa estatal e parcialmente bem-
sucedidas, pois não contavam o apoio Arne Jacobsen (1902-71)
necessário das comunidades envolvidas. Arquiteto dinamarquês que procurou associar a
 Realizadas por meio do órgão tradição danesa de cuidados com os detalhes e a
escolha criteriosa dos materiais com o
federal Resettlement Administration funcionalismo, produzindo, além de uma
Communities of Greenbelt e cercadas arquitetura e design de bases orgânicas, bairros
por amplos cinturões verdes, os residenciais de caráter mais flexível e dinâmico,
melhores exemplos foram as cidades como os de: Ibstupparken II (1946, Copenhague),
de Greenbelt (Maryland), Greendale Jaegersborg (1947, Gentofte), Soholm (1950,
(Wisconsin), Greenhills (Ohio) e Copenhague), Islevvaenge (1951, Rodövre) e
Greenbrook (N. Jersey), entre outras. Allehusene (1952, Gentofte), entre outros.

82
Ao mesmo tempo, as tradicionais formas de ensino
15 – através das Academias de Belas-Artes de
Moscou e São Petersburgo, assim como da Escola
de Artes Industriais Stroganov, em Moscou, entre
DESURBANISMO outras – e as organizações de classe anteriores (a
Sociedade de Arquitetos de Moscou – MAO e a
Sociedade de Arquitetos de São Petersburgo –
PAO) foram destruídas.
Com a Revolução Russa (1917), as
utopias político-econômicas dos primeiros
anos do urbanismo soviético adotaram
formas e metodologias diferentes das
polêmicas que agitavam o ambiente
cultural da Europa no mesmo período.
 Na URSS, com a instalação do
regime comunista, a partir de outubro
de 1917, o planejamento urbano
passou a fazer parte do programa do
Estado, centralizado e autoritário, o
que fez surgir uma série de
experiências urbanas, cujo conjunto
denominou-se DESURBANISMO. No início da década de 1920, iniciou-se na
Em 19 de fevereiro de 1918, a Lei dos Direitos jovem União Soviética, um extraordinário
Fundamentais do Povo Trabalhador e período de invenção conjunta expresso
Explorado eliminou a propriedade privada em pelo produtivismo ou CONSTRUTIVISMO
todo o território soviético, passando esta a ser (Konstruktivismus), que foi fruto de um
propriedade de todo a povo, sem direito a empenho imediato e entusiasta dos
indenizações; e à disposição da coletividade. artistas russos nos acontecimentos
Ao mesmo tempo, os bens culturais e naturais
revolucionários de 1917, visando
tornaram-se propriedade nacional.
“construir as novas formas de vida a partir
Em um país predominantemente rural e dos novos princípios da arte” e
pobre, onde as participações na Primeira começando ruidosos debates sobre a
Guerra Mundial (1914/18) e depois em articulação entre a arquitetura e o poder.
uma guerra civil acabaram agravando  Ao longo de uma fase de
uma crise de abastecimentos existente experimentação que durou todos os
desde 1890, os revolucionários soviéticos anos 20, paralelamente ao lançamento
acreditavam que uma “nova” vida só seria de uma nova política econômica,
possível em novas cidades. artistas e intelectuais procuraram
pensar o quadro no qual deveria viver
 Sua vontade de "reconstruir a o "homem novo". Toda uma geração
forma de viver" fundava-se na visão globalmente designada como "de
global de uma sociedade em ruptura esquerda" rejeitou o passado para
completa com o velho mundo, fosse procurar os modelos de um radioso
esse rompimento expressa no plano futuro comunista.
político, econômico, social ou artístico.
Procuraram promover uma legislação Grupos de artistas-pintores, como Vassili
que favorecesse a mudança que Kandinsky (1866-1944) e Kasimir S.
reivindicavam e também desenvolver Malievitch (1878-1935); poetas como
uma reflexão teórica sobre as formas Vladimir V. Maïakovski (1893-1930) e Sergei
urbanas do futuro (BENEVOLO, 2001). A. Essenin (1895-1925) e escultores-
A Revolução provocou forte emigração, o que arquitetos, como Vladimir Tatlin (1885-1953)
implicou diretamente no trabalho dos e os irmãos Anton Pevsner (1884-1962) e
arquitetos e urbanistas russos, em especial Naum Gabo (1890-1977); procuraram, de uma
para atender a demanda por novos espaços forma concreta, transformar a vida e as
de moradia. Houve a recuperação de espaços cidades através de experiências novas e
públicos e a busca da descentralização, com originais em que cada pessoa fizesse
base nas idéias das cidades-jardim. necessariamente parte (BENEVOLO, 2001).

83
Em 1920, criou-se o VKHUTEMAS, curso Os CONSTRUTIVISTAS viam as cidades,
superior baseado em um sistema de assim como quaisquer outras formas de
ateliês de arte e de técnica, cujo papel foi arte que produzissem, como verdadeiros
similar ao da Bauhaus (rebatizado em “condensadores sociais" capazes de
1928 como Vkhutein); e, em 1921, transformar a humanidade enfim liberta do
organizaram-se grupos de trabalho jugo da exploração. Apóstolos da vida
ligados ao Instituto de Cultura Artística – comunitária e coletiva, exploraram as
INKHOUK. Em 1923, constituiu-se a possibilidades de alteração das relações
Associação dos Novos Arquitetos – entre indivíduos (pais e filhos, homens e
ASNOVA, destinada a lançar as bases de mulheres, etc.) e ampliaram o conceito de
um novo vocabulário formal (uso de “casa” até coincidir com o de “cidade”.
volumetria simples e expressiva).  Em meio a eles, arquitetos e
 Entre os membros da ASNOVA urbanistas ensaiaram algumas
citam-se: Konstantin Melnikov (1890- soluções formais para a sociedade
1974), Ivan Leonidov (1902-59) e os que esperavam ajudar a construir.
irmãos Leonid (1880-1930), Victor Surgiu a demanda por habitações de
(1882-1950) e Aleksandr Vesnin baixa renda, o que conduziu à criação
de conjuntos residenciais na periferia
(1883-1959), além de Tatlin, que
das grandes cidades, compostos por
propôs o projeto irrealizável de uma
apartamentos individuais, cozinhas
torre em espiral inclinada de 400 m de
comunitárias e equipamentos públicos
altura para a sede da 3ª Internacional
como escolas e serviços agregados,
Comunista (1919).
em que se aplicavam as idéias
modernas de estandardização e de
produção em larga escala.
A maior parte deles propôs novos tipos
urbanísticos de edificação, geralmente
moradias comunitárias que virtualmente
transformariam o organismo urbano e
funcionariam como novos elementos urbanos
repetíveis, embora complexos, onde um
determinado número de habitantes estaria
associado a um dado rol de serviços.
 Em 1926, a Revista SA publicou
uma pesquisa sobre essas novas
“tendências sociais” para a moradia e,
no ano seguinte, promoveu um
concurso para a proposta de novos
Em 1925, fundou-se a União dos alojamentos operários, depois
empreendidos pelo Comitê de
Arquitetos Contemporâneos (Obchestvo Construções Estatais – STROIKOM,
Sovremioneh Arkitevtorov – OSA), que então dirigido por Moïsei J. Ginzburg
compreendia, além dos arquitetos (1892-1946) (BENEVOLO, 2001).
participantes da Bauhaus, teóricos,
artistas e designers, como El Lissitski Como resultados apareceram as
idéias dos clubes operários (1927/29)
(1890-1947) e Aleksandr Rodtchenko propostos por K. Melnikov; a sede
(1891-1976). coletiva do Comissariado de Finanças
 Sua revista oficial, Arquitetura NARKOMFIN (1928/29), criado por M.
Contemporânea (Sovremennaïa J. Ginzburg & Ignati F. Milinis; as
Arkhitektura – SA), foi publicada entre casas comunitárias idealizadas por
1926 e 1931, difundindo as idéias de Mikhail A. Okhitovich (1896-1937),
seus membros, que se auto-definiam Viacheslav Vladimirov (1898-1942) e
como "construtivistas" e empenhados Mikhail O. Barshch (1904-76); ou
em reconciliar o indivíduo com a ainda o projeto do bairro-satélite de
máquina; o trabalho industrial e a Moscou feito em 1932 pelo arquiteto
criatividade pessoal. alemão Ernst May (1886-1970).

84
Em 04 de novembro de 1922, uma lei
tornou obrigatória, em todo o território dos
soviets, a planificação das cidades. Desde
então, os planos urbanísticos da URSS,
por influência dos conceitos das cidades-
jardim e da atitude anti-urbana, passaram
a traduzir uma idéia de dispersão
populacional, com a eliminação da
dicotomia campo/cidade. Um exemplo foi
a cidade-satélite de Sokol, criada em DISURBAN CONCEPT (OKHITOVICH)
1923, próxima a Moscou (FERRARI, 1991).
Ambas vertentes apresentavam, em sua
 Os urbanistas soviéticos discutiram essência, o DESURBANISMO na sua
a cidade industrial, reexaminando seu
concepção de evitar a concentração
organismo e reconhecendo sua lógica
de concentração, o que impedia a urbana e promover uma desintegração
colocação dos elementos da sua das cidades que seriam, na sua opinião,
“construção” – unidade de habitação, símbolos da exploração capitalista do
centrais de serviços, instalações trabalho. Propuseram – ou através de
produtoras – nas mesmas condições núcleos dispersos no território ou da
recíprocas para superar essa lógica. própria implosão destes – propostas para
Passaram então a propor uma nova a planificação soviética, tentando
concepção de desintegração urbana. reorganizar as cidades existentes na
URSS e idealizar as novas, exigidas pela
Até a ascensão do stalinismo na década
localização das instalações industriais.
1930, desenvolveram-se duas vertentes
do urbanismo soviético, que, apesar de  Contudo, no início dos anos 30,
coincidirem na idéia de diluição territorial ambas as teorias foram consideradas
do organismo urbano, diferenciavam-se desviacionistas pelos dirigentes
russos. E, como o regime fundiário
quanto à forma das “novas” cidades:
soviético não poderia permanecer sob
a) URBANIZAÇÃO FUNCIONAL: corrente a forma que tomara no tempo dos
defendida por Leonid M. Sabsovitch que czares, optou-se pela urbanização
propunha substituir as grandes cidades e
as aldeias soviéticas por um maior número funcional, sem substituir e/ou eliminar
de cidades médias industriais e agrícolas, as cidades, mas sim transformando o
de 40.000 a 50.000 habitantes, formadas campo de modo a acabar com a
por complexos habitacionais (casas dicotomia rural-urbano: o campo
operárias) e nas quais o consumo seria deveria se urbanizar através da
inteiramente coletivizado. Tal idéia foi a criação de cidades-agrícolas obtidas
adotada a partir dos anos 30 pelo Instituto pela industrialização da população
de Planificação Urbana, embora com agrícola.
algumas ressalvas;
b) DESURBANIZAÇÃO: propunha difundir as
unidades no território, concebendo a Leonid M. Sabsovitch
cidade mais como um agrupamento de Urbanista soviético que foi o principal defensor da
elementos distanciados e sempre em urbanização funcional, a qual considerava que o
contato direto com o meio rural, desenvolvimento industrial da URSS seria
eliminando o antagonismo entre cidade e acompanhado pelo desenvolvimento urbano das
campo. Com isso, aparecem as idéias de velhas cidades, a partir de sua polinucleação.
descentralização de grandes cidades Assim, acreditava ser possível urbanizar
(cidade-verde) e de redução da cidade a equilibradamente todo o território, sem diminuir o
uma faixa estreita ao longo das estradas e ritmo de industrialização do país. Esses núcleos
rios (cidade-linear). Tal linha encontrou intermediários entre as grandes cidades e as
maior número de defensores – como pequenas vilas seriam constituídos de casas
Ginzburg, Vladimirov, Barshch, Okhitovich operárias, ou seja, complexos comunitários em
e, principalmente, Nikolai A. Milyutin que a casa unifamiliar seria totalmente
(1889-1942) –, os quais esperavam que o coletivizada, com alojamentos individuais de 5 m
2

país escapasse aos malefícios da era das agrupados em aproximadamente 4.000 pessoas e
máquinas, transplantando as suas cidades reunidos em conjuntos de, no máximo, 40-50.000
para os espaços rurais. habitantes (FERRARI, 1991).

85
Moïsei J. Ginzburg (1892-1946)
Urbanista e pesquisador soviético que, juntamente
aos demais construtivistas, procurou encontrar os
"instrumentos arquitetônicos da nova cultura
socialista". Suas reflexões sobre o espaço de
trabalho serviram de base à ulterior edificação de
"palácios operários"; assim como aquelas que
desenvolveu a propósito dos espaços de lazer à
edificação de “clubes dos trabalhadores”; e as
suas análises do espaço familiar ao levantamento
de “alojamentos comunitários” (BENEVOLO, 2001).
CIDADE-LINEAR (MILYUTIN, 1930)
Em 1930, a Revista SA publicou um plano de
descentralização de Moscou proposto por Em 1930, publicaram-se várias propostas
Ginzburg, em conjunto com Mikhail O. Barshch
(1904-76), denominado de CIDADE-VERDE, o
para uma nova cidade soviética,
qual propunha transformar em blocos o organismo MAGNITOGORSK, sendo quase todas
centralizado da cidade distribuindo seus desurbanistas, realizadas por arquitetos
habitantes em faixas contínuas de casas baixas, como Vladimirov, Barshch e Okhitovich,
ao longo das vias de circulação.
além de Ivan Leonidov (1902-59), que
chefiou um grupo de arquitetos da OSA,
Nikolai A. Milyutin (1889-1942) os quais previam uma faixa residencial
Em seu livro Sotsgorod (Cidade socialista), complexa, com casas altas e baixas.
publicado em 1930, propôs um esquema linear em
que distribuía de forma racional as principais
 Os objetivos fundamentais do
funções da cidade industrial: a produtiva e a desurbanismo soviético eram:
residencial. Visava assim criar uma cidade  Distribuir uniformemente a
racional e econômica, que funcionasse em um população em todo o território,
sistema linear que evitasse o desperdício de descentralizando a produção
dinheiro e de tempo no transporte. Essa CIDADE- industrial e integrando-a à agrícola;
LINEAR consistia em uma formação peri-urbana  Integrar, por meio de vias de
alongada composta de uma série de setores comunicação, todo o campo,
paralelos funcionalmente especializados, retirando a população rural dos
dispostos ao longo de um rio e de acordo com as camponeses (sovkhoz farmers) do
condicionantes naturais de iluminação e isolamento e torpor tradicional;
ventilação. Segundo FERRARI (1991), os setores  Priorizar a racionalidade, a
seriam basicamente em número de 06 (seis): funcionalidade e o coletivismo,
 uma zona segregada de ferrovias; propondo espaços comunitários,
 uma zona de produção e empresas tais como cozinhas, refeitórios,
comunitárias, com instituições educacionais, bibliotecas e clubes coletivos, além
científicas e técnicas correspondentes; de transformar os apartamentos em
células habitacionais.
 uma highway principal ou cinturão verde;
 uma zona residencial incluindo uma faixa de Os ideais construtivistas de abstração
instituições sociais, uma faixa de edifícios geométrica e de utilitarismo determinaram
residenciais e uma “faixa infantil”; uma atitude estética que influenciou boa
 um parque; parte da produção artística e da
 uma zona agrícola com parques e sovkhozy sensibilidade visual moderna do começo
(fazendas estatais). do século passado. Considerados pelo
Tal proposta não pode ser vista como um poder stalinista como utópicos e contra-
desurbanismo puro, já que não abolia a cidade
revolucionários, acabaram suprimidos.
para criar um “puro campo socialista
industrializado”, como queria Okhitovich. Buscava  Em 29 de maio de 1930, o comitê
mais limitar o crescimento urbano, considerado o central do Partido Comunista
fruto das contradições do capital e uma das
razões da opressão do proletariado. Buscava
declararia como antiproletárias as
reformar o estilo de vida urbana aproximando-o do pesquisas sobre essa almejada
campo pelo compartilhamento de instituições reconstrução do modo de vida; e as
sociais e residenciais; e deixava de lado o associações livres de arquitetos foram
contraste entre organização coletiva e individual – imediatamente dissolvidas, uma após
e entre densidade forte ou fraca –, mas insistindo as outras. Em 1931, a OSA foi
na alternativa entre distribuição centralizada substituída pelo Instituto de Arquitetura
(hierárquica) e distribuição linear (igualitária). e Construção – VASI.

86
MOSCOU Após a vitória de outubro de 1917 em
Petrogrado, os bolcheviques sediaram seu
poder em Moscou, que se tornou a sede do
Conselho dos Comissionários do Povo e a
Mencionada pela primeira vez em 1147, capital da Rússia soviética –URSS, de 1922 a
Moscou (Moscovo) desenvolveu-se 1991 –, assumindo o papel de centro
graças à sua situação geográfica, às revolucionário com a criação do Komintern
margens do rio Moscova, em uma posição (1919) por Vladimir I. Lênin (1870-1924).
de entroncamento de grandes vias fluviais
 Em 1918, Boris V. Sakulin propôs
da Rússia, como o Volga e o Dnieper-
um plano regional para Moscou que,
Volkhov. No início do século XIII, embora não totalmente realizado, teve
constituiu-se no centro de um principado grande influência. Consistia na
doado ao grão-príncipe da cidade de proposta de um triplo cinturão de
Novgorod (hoje Vladimir). “cidades-satélites” organizadas ao
redor do núcleo histórico, integrando
 Em 1326, transformou-se na capital residências e indústrias por meio de
da Igreja Católica Ortodoxa, quando uma sólida infra-estrutura: uma ampla
seu metropolita, Ivan III, o Grande rede ferroviária separava as áreas
(1440-1505), que residia em Vladimir urbanas de um cinturão verde.
desde a queda de Kiev, mudou-se
para lá. Desde então, seus grãos- O planejamento da industrialização regional de
príncipes coordenaram as bases de Moscou acabou influenciando as análises
formação de um Estado centralizado, espaciais de regiões econômicas em todo o
chegando a Ivan IV, o Terrível (1523- mundo, tendo seus fundamentos nas idéias de
84), que se tornou o primeiro czar em economistas russos como Stanislav G.
1547. Strumilin (1877-1974), autor do plano de
descentralização moscovita de 1930.

 Entre 1922 e 1925, uma comissão


para o PLANO DA NOVA MOSCOU,
composta por Aleksei V. Shchusev
(1873-1949) e Andrei V. Shestakov
(1877-1941), entre outros, orientou os
programas para transformá-la em uma
cidade terciária e simbólica, com uma
população prevista de 200.000
habitantes para 1945. No plano,
consolidava-se a idéia de um núcleo
A cidade medieval desenvolveu-se ao redor do central e várias cidades-jardim
Kremlin, atual sede do governo, da Praça Vermelha separadas entre si por grandes
e da Igreja do Bem-Aventurado Sto. Basílio (1554), parques urbanos (BENEVOLO, 2001).
transformando-se em um importante centro
comercial e político. Entre os séculos XVI e XVII, A Moscou moderna passou a ser um organismo
foram construídas suas três linhas de defesa polinucleado e policêntrico, cercado por sucessivos
concêntricas, que delimitavam para além do anéis concêntricos formados por distritos
Kremlin: Kitaigorod (a cidade chinesa), Bielyigorod residenciais e industriais, todos imersos em uma
(a cidade branca) e Zemlianoigorod (a cidade da rede contínua de áreas verdes (886 km ) e
2

terra). Seu poderio religioso e econômico acabou projetados para uma massa indiferenciada de
por rivalizar com os de Roma e Constantinopla. pessoas. No centro, ficariam os principais órgãos
administrativos, as mais altas instituições sociais e
 Em 1712, Peter, o Grande (1672- culturais e os grandes armazéns.
1725), deixou-a por sua capital, São
Petersburgo; e Moscou tornou-se a Os distritos residenciais abrigam de 2.000 a 6.000
segunda cidade do Império. São desta pessoas e possuem restaurantes, creches, postos
de saúde, armazéns, etc. As escolas primárias
época muitos de seus castelos e servem ao mesmo tempo a mais de um distrito e
palácios, incluindo a universidade de situam-se separadas por áreas verdes. Esse
1755. Ocupada pelo exército de conjunto de distritos servidos por uma escola
Napoleão em 1812, foi então primária e outros equipamentos comunitários
devastada por um imenso incêndio e (clube, correio, posto de saúde, etc.) recebe o
depois remodelada por Ossip nome de radio (de 8.000 a 12.000 habitantes), que
Ivanovich Senkovsky (1800-58), corresponde à unidade de vizinhança ocidental.
arquiteto do Teatro Bolshoi (1821).
87
Um dos precursores do movimento foi o
ANTI-URBANISMO AMERICANO economista e experimentalista Ralph Borsodi
(1886-1977) que, rechaçando completamente a
cidade em que vivia – a Nova York dos anos 20,
Entre as décadas de 1920 e 1930, surgiu marcada por vários problemas, greves e protestos
nos EUA uma corrente teórica que se –, fundou Suffern, uma pequena comunidade auto-
sustentável de 8 acres nas imediações da
expressou através de uma abordagem metrópole, baseada no trabalho agrícola e na
“antiurbana” que buscava a integração da produção própria de instrumentos para viver e
cidade com o meio natural e acabou trabalhar. Defendia assim o conceito de voluntary
influenciando a constituição da paisagem simplify, fundado nos ideais de descentralização,
comunitarismo e volta à natureza, relatado em seus
norte-americana contemporânea, em livros The ugly civilization (A civilização feia, 1929)
especial a formação dos subúrbios. e Flight from the city (Vôo da cidade, 1932), os
quais tiveram grande repercussão nos EUA,
 Defendida principalmente pelos incentivando várias famílias a seguirem seu
8
Southern Agrarians , esta corrente exemplo no período da Grande Depressão.
teve como principal modelo urbano a
Broadacre City (1932/34), proposta por  Após anos de pesquisa – do Japão
FRANK LLOYD WRIGHT (1869- antigo à civilização maia; dos índios
1959), arquiteto que, desde meados americanos à Idade Média –, Wright
dos anos 20, concebeu a utopia de concluiu que a América somente
9
Usonia , sintetizada no livro The poderia sobreviver à crise da relação
disappearing city (1932), segundo a entre campo e cidade se adotasse
qual seria possível o retorno do uma democracia baseada na
homem americano à vida no campo. agricultura, na pequena propriedade e
na descentralização das indústrias.
Para ele, as possibilidades da máquina
permitiriam construir um “novo mundo”
mais belo e próspero, mediante uma
reorganização espacial, mas este
somente nasceria da união com a
NATUREZA; único precedente da
cultura americana autóctone e que
estaria no deserto sua possibilidade de
concretização (HALL, 2002).

Inspirado pela experiência das garden-cities e


partilhando algumas idéias com os desurbanistas
soviéticos e outros teóricos naturalistas, Wright
8 defendia a fuga da cidade grande a partir dos
Denominavam-se Southern Agrarians os
escritores e poetas que formaram um grupo em efeitos libertadores da tecnologia moderna, como a
torno da Vanderbilt University, em Nashiville eletricidade e o automóvel, os quais deveriam ser
(Tennessee), e da revista The American Review, no empregados no desenvolvimento estético da vida.
final da década de 1920, que se voltaram para a Sua proposta apontava para a desintegração da
Idade Média européia – que representava o mundo cidade, com sua total imersão no território, onde as
da arte, da aprendizagem e da moral – e para a pessoas passariam a viver em latifúndios e em
New England puritana e o Sul antes da Guerra Civil contato direto com a natureza. Propunha uma total
(1861/65). Seus principais membros foram Stark dissolução das funções urbanas no meio natural, o
Young (1881-1963) , John G. Fletcher (1886- qual seria respeitado integralmente, tanto pelo
1950), Allen Tate (1899-1979) e Robert P. predomínio absoluto da horizontalidade das
Warren (1905-1989). Todos eles coincidiam na edificações como pela baixa densidade urbana.
postura anti-industrialização, em favor de um ideal
de vida alcançável através da volta à terra e à Além disto, todas as moradias seriam particulares,
home-production (CIUCCI et al., 1975). construídas em grandes lotes; ligadas por vias
rápidas a centros comerciais, sociais e culturais; e
9
Usonia era o termo que Wright empregava para voltadas à realização de atividades profissionais
descrever a “Terra Prometida” dos americanos e em suas dependências. Wright procurou viabilizar
que expressava sua visão sobre a paisagem norte- algumas de suas idéias fundando, junto a seus
americana, tanto para o planejamento urbano como colaboradores, Ocotillo Camp (1927), uma
para a arquitetura. Provavelmente em 1927, criou o comunidade experimental autônoma em Salt
adjetivo usonian em substituição a American para Range (Arizona), cujas soluções precederam o
descrever o caráter particular de Novo Mundo Taliesin West (1938), sua residência de veraneio
representado pela América (USA), de modo livre e criada em Maricopa Mesa, no deserto do Arizona.
distinto das convenções anteriores.

88
CIDADE STALINISTA
16
URBANISMO CELEBRALISTA Apesar da pesquisa moderna ter sido
acelerada logo após a Revolução Russa
(1917) – a qual derrubou o último czar,
A restrição ao campo de trabalho dos Nicolau III (1894-1917) –, isto devido ao
modernos e a pressão política de regimes seu interesse coletivo e também à
ditatoriais, na década de 1930 e início dos atuação radical dos construtivistas, o
anos 40, fizeram ressurgir nos países autoritarismo de Iossif Stalin (1879-
centrais da Europa um academicismo 1953), a partir dos anos 30, acabou por
decorativista, representado por uma cercear o pensamento funcionalista e
ARQUITETURA DE CELEBRAÇÃO, impor uma mediocridade oficial.
tipicamente monumental, neoclássica e
tradicionalista (BENEVOLO, 1998).
 Em 1932, foi fundada a União de
Arquitetos Soviéticos – SSA, que
 Paralelamente, houve a absorção considerava contra-revolucionários
dos preceitos formais e funcionais da todos os grupos isolados,
arquitetura moderna pelo repertório promulgando formalismos acadêmicos
eclético ainda presente em muitos (simetria, monumentalidade, etc.). A
países, diminuindo a polêmica em arquitetura stalinista, cujo maior
relação aos conteúdos e limitando a expoente foi Boris M. Iofan (1891-
discussão a certos esquematismos 1976) – responsável pelo projeto do
representados pelo estilo Art Déco. Palácio dos Sovietes (1933) – via nos
estilos clássicos a conveniência das
Entre 1925 e 1930, ao mesmo tempo em que formas e símbolos associados às
a arquitetura funcional invadiu livros e revistas, virtudes aspiradas pelo novo regime.
jovens designers e arquitetos de formação
eclética absorveram alguns de seus elementos Quanto às teorias urbanas, embora por
lingüísticos e somaram-nos a inspirações alguns anos as autoridades soviéticas
exóticas (folclore ameríndio e estilos orientais), tenham concedido um espaço marginal às
criando uma espécie de moderno “adocicado” experiências desurbanistas do esquema
expresso através do ART DÉCO, que acolhia
linear de Milyutin, acabaram voltando a
sua contribuições formais (superfícies claras e
texturizadas, tetos planos e contornos valorizar, cada vez com maior decisão, os
ortogonais), mas sem se empenhar nos esquemas centralizadores.
problemas substanciais (metodologia,  Ao mesmo tempo, procuraram
funcionalismo, economia, etc.). limitar a dimensão tanto das cidades
existentes como das novas (entre
1917 e 1965, foram fundadas na
URSS mais de 900 cidades novas). A
lógica do crescimento concêntrico
impôs suas exigências e os urbanistas
acabaram constrangidos a intervir com
os instrumentos convencionais do
planning, como o zoneamento
PLANO DE BERLIM (1938) funcional e a implantação da
regularidade geométrica dos traçados.
Em meados dos anos 30, nos ambientes
europeus onde as ditaduras instalaram- Até o final dos anos 20, a URSS era um país
se, a arquitetura moderna não sobreviveu de economia preponderantemente agrícola e,
nem marginalmente, sendo totalmente com o primeiro Plano Qüinqüenal (1928),
substituída por uma arquitetura passou-se a buscar o desenvolvimento da
indústria pesada e a criação de novas zonas
monumental e celebralista – em especial
industriais nas regiões orientais, menos
na URSSS stalinista, na Alemanha nazista desenvolvidas. Com os novos planos
e na Itália fascista – o que acabou se qüinqüenais, iniciou-se um amplo processo de
refletindo nas práticas urbanas por meio urbanização e, entre 1926 e 1938, a população
do URBANISMO CELEBRALISTA. urbana cresceu 33%.

89
CIDADE NAZISTA
Embora a Alemanha tenha sido o berço
fértil do modernismo, a ascensão do
comunismo, facilitada pela então
desorganização financeira promovida pela
Crise de 1929, somada ao desemprego e
à miséria, redundou na formação de um
movimento de caráter radical e
PLANO REGULADOR DE MOSCOU (1935) conservador, o NAZISMO ou NACIONAL-
SOCIALISMO, que levaria ao
Em 1935, foi aprovado o novo PLANO nacionalismo exacerbado.
REGULADOR DE MOSCOU, considerado  A subida ao poder de Adolf Hitler
tecnicamente notável pelo zoneamento (1889-1945) em 1933 estabeleceu um
perspicaz e pela abundância de zonas regime ditatorial e anárquico (III
verdes, mas afligido por formalismos Reich), sustentado por uma política
acadêmicos. Da Praça Vermelha às repressiva e um aparelho paramilitar.
colinas de Lênin, foi traçado um eixo A arquitetura moderna que dependia
monumental de mais de 20 km, semeado inicialmente do poder político, viu-se, a
de grandes praças e palácios imensos, partir dos anos 30, restringida
como o Meyerhold Theater (1932), o totalmente pelo interesse nazista por
uma arquitetura de celebração,
edifício do Comissariado da Agricultura
tradicionalista e estritamente alemã.
(1933) e o Moscow Hotel (1935), obras de
Aleksei V. Shchusev (1873-1949). A Bauhaus foi fechada em 1933; e professores
e arquitetos modernos acabaram emigrando,
 A idéia da unidade de habitação principalmente para os EUA ou a URSS. Hitler
sobreviveu somente como indicação levou o pan-germanismo (exaltação da
quantitativa e transformou-se no superioridade da raça germânica em
conceito de super-bloco formado por detrimento das estrangeiras, notadamente dos
edifícios tradicionais, empregado de judeus) a limites extremos, acabando por
agora em diante nos planos desencadear a Segunda Guerra Mundial
reguladores soviéticos. No segundo (1939/45).
pós-guerra, a maior parte da
reconstrução das edificações na URSS
foi realizada durante o quarto Plano
Qüinqüenal (1946/50), ainda em pleno
regime stalinista.
Desde o início, a operação foi
rigidamente controlada pelo governo e
voltada a projetos de abrigos de
emergência, resultando em obras
racionalizadas, através de casas  O principal expoente da arquitetura
padronizadas de baixo padrão, este nazista foi Albert Speer (1905-81),
denunciado em 1948. nomeado diretor-geral da construção
civil de Berlim em 1937, produzindo
A partir daí, a Academia de Arquitetura da um estilo neoclássico colossal,
URSS passou a ser encarregada de preparar principalmente nos edifícios públicos.
os projetos, aprovando-se uma série de 50 Ele considerava a arquitetura
projetos-tipo para moradias e 200 projetos-tipo sobretudo um “instrumento do poder”,
para edifícios públicos, os quais mantiveram sendo nomeado em 1942 o Ministro
características clássicas, inclusive nas casas dos Armamentos. Com o término do
pré-fabricadas. Na década de 1950, somente conflito, foi condenado a 20 anos por
após a morte de Stalin e o novo curso da crimes de guerra. O Pavilhão Alemão
política interna soviética, a situação alterou-se, da Exposição Universal de Paris
quando se denunciou com clareza os (1937) e a proposta da Grosser Halle
excessos estilísticos da reconstrução stalinista (1939) são exemplos máximos do tipo
e defendeu-se a eliminação do supérfluo. de arquitetura defendida por Speer.

90
No segundo pós-guerra, a reconstrução CIDADE FASCISTA
alemã atrelou-se aos princípios da
CARTA DE ATENAS (1933), os quais
foram aplicados em 1945 nos planos de A Itália iniciou o século XX com certa
reconstrução de Hanover, de renovação estabilidade política, o que favoreceu a
de Kreuzkirche e de ampliação de industrialização e uma política reformista,
Hemmingen-Westerfeld, além dos bairros o que satisfez a direita nacionalista, uma
residenciais de Hamburgo e de Berlim corrente cuja força ansiosa por
(Markisches Viertel, ao Norte; e Britz- reconquistar as terras austríacas,
Buckow-Rudow, a Sudeste). conduziu o país para a Primeira Guerra
 Foram realizados ainda muitos Mundial (1914/18). Porém, nos anos 20,
projetos de recuperação de áreas uma grave depressão econômica atingiu o
centrais, como aqueles ocorridos nas país e os antigos partidos revelaram-se
cidades de Munique, Essen, Bremem, incapazes de enfrentar a situação.
Colônia, Kassel e Dusseldorf. O plano
de Buckow-Rudow, à Sudeste de  Benito Mussolini (1883-1945),
Berlim Ocidental, ficou conhecido com seus fascios, acabou sendo
como Plano Gropius, tendo sido reconhecido como o único recurso
elaborado pelo mestre alemão. “face à desordem”. Gradualmente, um
novo regime ditatorial e corporativista,
Outros planejadores que se destacaram na o FASCISMO, instaurou-se em torno
Alemanha Ocidental após a guerra foram: Franz
do Duce que, devido a realizações
Reichel (1901-65), criador do plano da comunidade
de Langwasser (1955), situada a Sudeste de
internas, conseguiu a adesão popular.
Nuremberg, para 60.000 habitantes; Walter O modernismo, que vinha se
Schwagenscheidt (1886-1968) & Tassilo afirmando através da atuação do
Sittmann, responsáveis pelo Plano de Frankfurt Gruppo Sette, liderado por Giuseppe
(1959); Fritz Eggeling (1913-66), que criou a nova Terragni (1904-42), acabou adquirindo
cidade de Wulfen (1960); e Hans B. Reichow
um significado político, associando as
(1899-1974), que elaborou a proposta da nova
cidade de Sennestadt (1956/73).
características racionalistas aos ideais
fascistas. Em 1931, foi fundado o
Movimento Italiano pela Arquitetura
Racionalista – MIAR, com 47
membros, aproximando ainda mais o
debate arquitetônico ao político e
tornando os encargos públicos cada
vez mais freqüentes.
Entretanto, entre 1930 e 1936, as críticas
dos arquitetos Giuseppe Pagano (1896-
1945) e Edouardo Persico (1900-36)
publicadas na revista italiana Casabella,
acabaram por abrir a consciência italiana
para o movimento funcionalista europeu,
tornando insustentável a aliança entre
modernismo e fascismo. A situação
agravou-se após o exílio de Pagano e a
PLANO DE SENNESTADT (1956/73) morte de Persico, estes considerados
antifascistas pelo regime, que começou a
Na Alemanha Oriental, um dos mais importantes
planos urbanísticos implantados foi o da
pregar o conformismo neoclássico.
reconstrução do centro de Dresden. De modo  A partir de 1937, a arquitetura
análogo, algumas novas cidades foram projetadas
e construídas, tais como Schwarze Pumpe, fascista adquiriu conceitos
Houerswerda, Schwedt e Halle-Neustadt. monumentais, planimetrias simétricas
Destacaram-se também o projeto de expansão de e projetos retóricos e academicistas. O
Rostock (1957/60), o mais importante porto da maior expoente desses exercícios
Alemanha Oriental; e o plano de renovação urbana superficiais foi Marcello Piacentini
de Erfurt (FERRARI, 1991). (1881-1960), oportunista político, cuja
atuação fez-se sempre ambígua.
91
O maior exemplo italiano do URBANISMO Já nos anos 40, iniciaram-se pesquisas dos
CELEBRALISTA foi o projeto de Piacentini para o processos de construção tipicamente italianos, em
bairro da Esposizione Universale di Roma – EUR, termos técnicos e funcionais, visando-se extrair
planejada para 1942 e nunca realizada devido à uma teoria de projeto da prática corrente, o que
guerra. O Palazzo della Civiltà del Lavoro e o conduziu, na década de 1950, a uma arquitetura
Museo della Civiltà Romana, ambos situados no chamada neorealista, defendida por arquitetos
EUR, são as obras mais características dessa como Mário Ridolfi (1904-84), Ignazio Gardella
arquitetura monumental fascista (BENEVOLO, 2001). (1905-99) e Franco Albini (1905-77) entre outros.

 Em 1942, foi promulgada a


primeira lei urbanística geral da Itália,
a qual previa uma hierarquia de planos
de várias ordens – territoriais,
intercomunais, comunais e
particularizados – e que se tornou um
instrumento técnico novo e avançado
para regular as cidades italianas.
Posteriormente, no setor das
construções populares, depois de
várias experiências conduzidas com
critérios principalmente quantitativos,
instituiu-se, em 1949, o INA-Casa, um
novo órgão responsável pelo controle
técnico e econômico dos trabalhos.
Os primeiros bairros projetados no início dos anos
50 demonstraram uma grande liberdade concebida
aos arquitetos, os quais procuraram se inspirar em
organismos tradicionais, justificando-se através de
teorias contextuais que inter-relacionavam os
No segundo pós-guerra, as destruições edifícios ao ambiente urbano. O maior exemplo foi
na Itália não foram muito graves – apenas o Bairro Tiburtino em Roma, projetado por vários
cerca de 5% das habitações foram arquitetos, como Carlo Chiarini (1925-) e Carlo
demolidas –, mas o abalo político e social Aymonino (1926-). Outros bairros feitos pelo INA-
foi bastante forte, já que o longo regime Casa entre 1949 e 1956 foram: o Tuscolano em
Roma; o Ponticelli em Nápoles; o Cesate em Milão;
autoritário desmoronou e deixou à vista a o Falchera em Turim; o Villa Bernabó em Gênova;
precariedade de seus fundamentos, e o Borgo Paniale em Bolonha, entre outros.
especialmente quanto à carência de
construções e à fragilidade das
instituições urbanísticas.
 Mais do que sanar destruições, a
Itália viu-se em frente aos problemas
trazidos pelo fim da ditadura e sua
substituição por uma nova classe
dirigente entusiasmada, mas ainda
inexperiente. Surgiu a sensação de se
ter retomado o contato com a
realidade e “ver com novos olhos” –
como se fosse a primeira vez – as
Deste modo, nos anos 50, surgiu o tema da
coisas circundantes e sobretudo mais MEMÓRIA COLETIVA na arquitetura e urbanismo
próximas, até então mascaradas pela italianos, aparecendo experiências de reutilização
retórica patriótica e pelo clima artificial de formas e esquemas urbanos tradicionais. A
de protecionismo fascista; ou cobertas partir da década seguinte, a crítica mudou a ênfase
pelo véus dos lugares comuns. das questões ditas técnicas para as relações entre
o espaço construído e a sociedade, dentro de uma
Nasceu assim o NEOREALISMO, cujos perspectiva mais cultural, dando origem ao
pressupostos podiam ser encontrados em movimento NUOVA TENDENZA, centralizado em
outras esferas da arte italiana, como o teatro e Milão, que teve como expoentes foram Luigi
o cinema, por meio das obras de Eduardo De Moretti (1907-73), Ernesto N. Rogers (1909-69),
Filippo (1900-84), Vittorio De Sica (1901-74), Saverio Muratori (1910-73) e Ludovico Quaroni
Roberto Rossellini (1906-77), etc. (1911-87), entre outros (CAPÍTULO 20).

92
Quanto à legislação urbanística, a
17 INGLATERRA é considerada a nação
pioneira, uma vez que, já em 1909, surgiu
PLANEJAMENTO URBANO o Town Planning Act, legislação que
autorizava os governos locais a
elaborarem planos de ordenação do solo,
Do que foi abordado até agora, conclui-se de saneamento básico e de proteção da
que a atividade do PLANEJAMENTO estética urbana; sendo fundado, em 1913,
URBANO nasceu com o urbanismo o Royal Town Planning Institute.
moderno, desenvolvendo-se nas primeiras  Tanto as idéias das garden-cities
décadas do século passado. Com o como os princípios corbusierianos
objetivo de retomar a visão global do foram aproveitados mais tarde em
fenômeno urbano, além de um contato algumas das NEW TOWNS inglesas.
direto com a realidade através da Já em fins da década de 1920, o
observação in loco dos processos, o conceito de “cidade-satélite” surgiu dos
estudos de planejamento regional,
urban planning visa principalmente a sendo aplicado em algumas dessas
predominância da prática. “novas cidades”, como foi o caso de
 Sua associação ao Poder Público Wythenshawe, uma cidade-satélite
na definição dos problemas da cidade implantada próxima a Manchester.
e na proposição de soluções para Considera-se também que as POLÍTICAS
estes dá-se justamente devido ao
intuito da sua efetiva aplicabilidade por
DE DESENVOLVIMENTO URBANO-
meio da intervenção na realidade. REGIONAL tiveram seu surgimento na
Inglaterra da década de 1930 e suas
Todo PLANO URBANO é dinâmico e primeiras aplicações na reconstrução
envolve racionalidade suficiente para a
britânica do segundo pós-guerra.
seleção de alternativas, cujos
pressupostos básicos devem ser:  Suas precursoras foram as idéias
 exequibilidade de Patrick Geddes (1854-1932), as
(técnica e econômica); quais fundamentaram o chamado
 adequação a seus próprios fins; URBANISMO HUMANISTA; e as
 eficácia teorias de Georg Simmel (1858-
(maximização de resultados com 1918), que influenciaram a sociologia
minimização de custos); norte-americana no período entre-
 Coerência com objetivos do guerras, com a denominada Chicago
próprio plano ou de outros de School (ESCOLA DE CHICAGO).
maior abrangência;
 aceitação política (atendimento A Segunda Guerra Mundial (1939/45)
aos anseios da comunidade).
provocou uma destruição material muito
maior que a primeira, contudo, o auxílio
FERRARI (1991) destaca que o
americano e o progresso da técnica
planejamento trata-se de um método –
moderna possibilitaram um período de
não é um fim em si mesmo, mas um meio
expansão econômica que impôs grandes
para atingir determinado fim – e também
transformações sociais, mais rápidas e
um processo constante e dinâmico, não
profundas em alguns países, que
sendo o PLANO URBANO definitivo e sim empreenderam um amplo processo de
contínuo, pois exige revisão, atualização e reconstrução e planificação urbana.
retro-alimentação.
 Na Grã-Bretanha, a tradição das
 Complementa, ainda, que se cidades-jardim, defendida pelos
constitui na passagem de uma
discípulos de Howard, Charles B.
„previsão ordenada‟ (projeto) para uma
Purdom (1883-1965) e Frederic J.
„prescrição para ação‟ (plano), o que
Osborn (1885-1978), além dos
deve ser feito com adequação
debates sobre a legislação urbanística,
conforme funções existentes (ação
perduraram durante todas as décadas
integrada) e com antecipação de
de 1930 e 1940.
resultados (relacionada ao futuro).

93
Em 1937, nomeou-se a Barlow Real Sob o aspecto do planejamento urbano-
Commission com o intuito de estudar a regional, o PLANO REGULADOR DE
distribuição da população industrial de LONDRES (1941/44), composto pelos
Londres, cujo relatório, publicado em 1940, planos do Condado de Londres (London
descrevia as desvantagens da concentração
County Plan) e da Grande Londres
demográfica e econômica ao redor das
grandes cidades e sugeriu a criação de uma (Greater London Plan), elaborados
autoridade central que controlasse os terrenos respectivamente em 1943 e 1944,
edificáveis, defendendo a formação de NEW sintetiza de forma abrangente todas as
TOWNS ou a expansão das cidades médias. correntes de pensamento urbanístico
vigorantes até então (BENEVOLO, 2001).
Com os maciços bombardeios de Londres
e Coventry, esse relatório deixou de ser  Iniciado com uma proposta teórica
apenas uma recomendação teórica e teve do grupo MARS, em 1941, que,
papel fundamental para a formação de inspirada pelas garden-cities,
fragmentava a continuidade do tecido
novas leis urbanísticas na Inglaterra. No
urbano londrino em uma série de
início dos anos 40, criaram-se dois bairros separados por zonas verdes e
comitês de análise, que publicaram seus ligadas, como um pente, a um eixo
importantes relatórios: principal que atravessava o centro
 Scott Committee (1941): que, estudando o
histórico (city) e as zonas industriais,
uso do solo nas áreas rurais inglesas, correndo ao longo do rio Tâmisa, esse
concluiu estar a agricultura gravemente plano foi definido em 1944 a partir da
ameaçada por loteamentos indiscriminados, adoção pelo London County Council
afirmando a necessidade de que a do plano de sir Leslie Patrick
distribuição (descentralização) das Abercrombie (1879-1957).
atividades industriais sobre o território
agrícola fosse regulamentada por um plano
nacional.
 Uthwatt Committee (1942): que, visando
solucionar o problema das indenizações, do
qual dependia a possibilidade de um
controle urbanístico sobre o uso do solo,
conceituou de forma global a intervenção
pública, considerando-a necessária ao
interesse coletivo e ao bem-estar individual,
o que implicava na subordinação dos
interesses pessoais e dos desejos dos
proprietários ao Poder Público.

Nos anos 40, instituiu-se uma nova autoridade


central em matéria de planificação inglesa,
iniciada em 1941 no governo de sir Winston
Churchill (1874-1965) até a criação em 1943
do Town & Country Planning Ministry. Em
1944, uma lei autorizou a expropriação de Baseando-se em uma minuciosa investigação
terrenos danificados para a reconstrução; e, sobre as edificações pré-existentes, esse plano
em 1946, aprovou-se o New Towns Act. afastava-se dos conceitos de regularidade
geométrica e de toda intervenção demasiado
 Essa nova lei instituiu enfim a radical nas zonas já construídas, propondo-se mais
Development Corporation, uma a inverter o processo de concentração até então
entidade específica, independente das seguido, por meio de uma série de providências em
escala regional.
administrações locais e ligada ao
governo central, que poderia adquirir  Basicamente, o plano propôs a
terrenos, preparar planos de uso do criação de subúrbios-satélites nas
solo e construir bairros residenciais cidades existentes próximas ao
subvencionados e/ou new towns. Em greenbelt (“cinturão verde”) de
1947, por fim, era aprovada a nova Lei Londres, além de sugerir a criação e
Urbanística inglesa que acabou localização de new towns (“novas
unificando os métodos de planificação cidades”). Nele, é possível distinguir
em todo o território nacional. 04 (quatro) zonas concêntricas:

94
a) Inner Ring: que inclui toda a área do O principal objetivo do PLANO
Condado de Londres (London County),
caracterizada por excessiva densidade, a
REGULADOR DE LONDRES (1941/44)
qual deveria ser progressivamente aliviada era evitar o crescimento difuso,
com afastamento de cerca de 40.000 desordenado e degradante da cidade, que
habitantes (densidade de 75 a 100 caracterizava muitos centros urbanos
pessoas/acre);
ocidentais, procurando assim redirecionar
b) Suburban Ring: que consiste na zona dos a expansão industrial para diversas
subúrbios, com uma densidade satisfatória,
mas que exigia ser reordenada e disposta “cidades novas” construídas além do
convenientemente (densidade de até 50 cinturão verde e que agora constituem a
pessoas/acre); chamada Outer Metropolitan Area.
c) Greenbelt: que se constitui em uma vasta
área verde (1/3 da Grande Londres), que  Dentro da Greater London, a
circundaria a cidade e deveria permanecer população enfrentou mudanças
sem construções – exceto pequenas towns substanciais entre 1967 e 1981,
já existentes –, adotando-se o modelo quando as áreas centrais perderam
howardiano de “cidade-célula”; cerca de 250.000 habitantes. Até os
d) Outer Ring: que seria desenvolvido através subúrbios da outer Londres
de novos centros, mas não em forma de apresentaram decréscimo de
subúrbios-dormitórios, mas de 07 (sete) new população, ao mesmo tempo em que
towns, suficientemente grandes para terem cresceu o desemprego entre os
uma vida auto-suficiente. Eram estas: trabalhadores manuais não-
Stevenage, Crawley, Hemel-Hampsted,
especializados (GUIMARÃES, 2004).
Harlow, Hatfiel, Basildon e Bracknell
(densidade de até 20 pessoas/acre). Ao final Entre 1965 e 1973, foi concebido um extenso plano
de 1954, cerca da metade de sua população de ring roads (“rodovias de contorno‟) nas regiões
prevista já estava assentada. central (city), inner e outer de Londres, cujo objetivo
era canalizar o tráfego e fazê-lo contornar núcleos
Com esse plano de descentralização, a densidade
vitais da cidade, deixando as ruas locais livres da
populacional da Greater London seria reduzida
ação intrusiva do automóvel, além de permitir a
para um máximo de 136 pessoas/acre; e a rede
circulação sem congestionamentos e não perturbar
viária basear-se-ia em um sistema de vias
as células vitais da comunidade. Contudo, os
expressas, ligadas por um anel interno, encaixado
custos financeiros e sociais com as demolições e
no Inner Ring; e por um anel externo, situado entre
deslocamentos populacionais conseqüentes
o Greenbelt e o Outer Ring (GUIMARÃES, 2004).
geraram protestos e preferiu-se fazer algumas
intervenções radicais e projetos de revitalização de
A evolução do planejamento das new alto padrão em locais de habitações esparsas e/ou
towns inglesas pode ser dividida em 03 decadência física e econômica, como exemplo, as
zonas portuárias.
(três) fases, correspondentes a distintos
conceitos de planejamento:
 Nas décadas de 1980 e 1990, o
 Até 1945: Fase marcada por cidades emprego pós-industrial absorveu uma
projetadas segundo o modelo das garden- proporção crescente da economia,
cities e o conceito de UV, com populações- sem compensar entretanto a perda do
limite de 60-80.000 habitantes e baixa
densidade (75 hab./ha), exemplificadas
setor industrial na Inglaterra. Ocorreu
pelas 07 (sete) new towns originais, uma estagnação geral, com a perda
criticadas pela falta de coesão; progressiva da vitalidade pós-
 De 1946 a 1960: Fase caracterizada pelo industrial, o que aconteceu também
abandono das formas de baixa densidade, em cidades como Nova York e Paris.
preferindo-se a forma linear compacta com
área residencial concentrada em volta do
centro e população de 80-100.000 pessoas
PARIS
(abandono do conceito de UV). São
exemplos, as new towns de Cumbernauld,
Hook e Skelmersdale, entre outras. Na França, devido à sua estrutura
 De 1961 a 1970: Fase em que predominou o governamental altamente centralizada e a
traçado em tabuleiro de xadrez, com malha
proeminência histórica de sua capital, a
viária de 1 km e população final de 250.000
habitantes, enfatizando-se os região parisiense é caracterizada por sua
deslocamentos, a UV e a hierarquização das posição de centralidade econômica e
vias urbanas. Exemplos: Milton Keynes, cultural no país, para a qual converge
Newton, Peterborough, Redditch, , etc. toda a rede rodoviária e ferroviária e
acabando por atrair todas as indústrias.
95
Possuindo uma das mais altas NOVA YORK
densidades urbanas no mundo ocidental,
caracterizando-se como uma cidade Os EUA caracterizam-se por sua
densa e compacta, carente de áreas administração regional descentralizada,
verdes para recreação e lazer nos bairros marcada por jurisdições autônomas e
(arrondissements), Paris precisou de um fragmentadas, já que o controle sobre o
plano urbano-regional que possibilitasse a uso do solo e desenvolvimento urbano
descentralização de empregos e moradia. são prerrogativas dos governos locais.
 A solução, adotada durante o  Embora perca em coordenação
governo de Charles De Gaulle e unidade, essa flexibilidade
(1890-1970), nos anos 60, foi a favorece a competição entre as
criação de novas cidades aos localidades pela atração de
arredores de Paris, para onde a investimentos e fontes de
população poderia se transferir. produção e emprego, adaptando-
Essas comunidades-satélite, além de
se zoneamentos, diminuindo-se
oferecerem melhores e mais baratas
condições de moradia (baixos preços aluguéis e reduzindo-se impostos.
de aluguel e compra), atraíram Nesses termos, a área central de Manhattan
indústrias e escritórios, que antes acabou alcançando, a partir dos anos 60,
ocupavam as áreas congestionadas de contínua proeminência como fonte de riqueza
Paris (GUIMARÃES, 2004). e trabalho. Porém, enquanto o centro de Nova
Enquanto em Londres as new towns são York (Central Business District – CBD)
isoladas e distantes de 60-80 km do centro apresentou um crescimento vertiginoso,
histórico, na França as villes nouvelles foram recebendo grande prosperidade social e
planejadas para funcionar como extensões de melhorias ambientais urbanas, os demais
Paris, em uma distância de até 30 km, e municípios (counties) da região metropolitana
ligando-se a esta por meio de auto-estradas, (New York Standard Consolidated Area –
enfatizando-se o transporte coletivo. NYSCA) tornaram-se verdadeiros enclaves da
pobreza e suas conseqüências.
 Além da construção desses novos  O desenvolvimento pós-industrial
“bairros”, foram planejados pólos de em Nova York é desigual e irregular,
crescimento ou centres restructeurs favorecendo o surgimento de pólos
(“centros reestruturadores”), os quais locais (Brooklyn e Queens), enquanto
reuniam, em contraste com as cidades outros se constituem em centros
novas, poucas residências e eram marcados pela degradação física e
localizados em áreas de baixa social (Bronx). Atualmente, ao modo
densidade industrial, criadas para dos ingleses, os americanos passaram
atender prioritariamente ao a projetar e implantar novas cidades
crescimento de indústrias leves. como satélites das metrópoles
congestionadas, tais como: Jonathan
Abandonando-se a concepção haussmanniana de
(Minnesota), Saint Charles (Maryland),
Paris como único centro, optou-se pela construção
de multicentros urbanos, que não pode ser Maumelle Little Rock (Arkansas),
confundida com a idéia de desenvolvimento Woodlands (Texas), Park Forest South
suburbano americana ou brasileira. Paralelamente, (Illinois), Rivertone e Ganada
investiu-se na preservação do setor histórico de (Rochester NY), entre muitas outras.
Paris. Em 1962, o ministro da cultura André-
Georges Malraux (1901-76) iniciou um amplo Tanto as new towns britânicas como os pólos de
programa de renovação urbana, com a criação de crescimento parisienses representam métodos de
atrações culturais e novas opções de lazer,as quais direcionamento populacional e de desenvolvimento
somente foram concluídas nos anos 80, no governo para locais específicos e previamente planejados.
de François Miterrand (1916-96). Enquanto os ingleses buscaram criar comunidades
Bairros dilapidados, como Le Marais, foram autônomas e desvinculadas, na medida do
restaurados, assim como ampliados os acessos a possível, do centro (núcleo urbano) – o que é
monumentos, incluindo o Louvre e o Orsay. Criou- intensificado pela existência dos greenbelts e foi
se o Fórum Les Haulles e o Centre Beaubourg copiado pelos americanos –, os franceses
Georges Pompidou (1977), além do Parc de La enfatizaram a integração urbana e localizaram suas
Villette e o novo bairro de La Defense, uma zona “cidades novas” em um corredor que as mantém
de concentração de estruturas e serviços terciários. ligadas a Paris (GUIMARÃES, 2004).

96
URBANISMO HUMANISTA Lewis Mumford (1895-1990)
Jornalista-sociólogo norte-americano que foi
capaz de dar uma forma coerente aos
Apoiando-se na crítica ao movimento pensamentos de Geddes, difundindo-o nos anos
50 e possibilitando a formação de um pequeno
progressista e ao urbanismo racionalista mas brilhante e devotado grupo de planejadores
através da antropologia, da sociologia, da sediados em Nova York, por meio da Regional
psicologia e da história, expandiu-se Planning Association of América – RPAA, a qual
principalmente na década de 1950 e trabalhou em inúmeras administrações públicas
municipais e regionais. Sua metodologia soube
girava em torno da idéia de antrópolis, ou fundir-se às idéias intimamente correlatas de
melhor, da cidade que é dirigida ao Howard e espalhou-se por toda a América e pelo
homem e não à máquina ou à indústria. mundo afora.
 Rejeitando os modelos urbanos Privilegiando um enfoque cultural, fundado nas
propostos pelos urbanistas modernos, Ciências Humanas, considerava que a cidade não
deveria ser concebida, em primeiro lugar, como
defendia a criação de PLANOS
um local de negócios ou de governo, mas como
REGIONAIS, nos quais deveriam ser um órgão essencial de expressão e atualização da
levados em consideração os aspectos nova personalidade humana: a do “Homem de um
sociais através de uma metodologia Mundo Só”. Para ele, as antigas divisões entre
multidisciplinar, que privilegiasse os homem e natureza, citadino e rústico, cidadão e
métodos dos chamados sociological forasteiro, e grego e bárbaro não teriam mais
surveys (pesquisas e investigações sentido no planeta agora transformado em aldeia.
baseadas na geografia, história, Assim, até a menor vizinhança ou distrito urbano
deveria ser planejado como um modelo funcional
economia e sociologia estética).
do mundo maior (CASTELNOU, 2005).
Os humanistas, entre os quais Patrick
Geddes (1854-1932), passaram a propor
A atitude humanista permitiu uma
um sistema de POLINUCLEÍSMO urbano,
avaliação mais precisa da cidade
na perspectiva de uma cidade regional, a
industrial, que passou a se desenvolver a
qual seria um sistema que unisse cidade e
partir de uma METODOLOGIA
campo em um vasto conjunto, na escala
MULTIDISCIPLINAR. Assim, o urban
da região, ou seja, um organismo de
planning toma a cidade contemporânea
múltiplos centros, mas que funcionasse
como objeto de conhecimentos históricos,
como um todo.
políticos e tecnológicos, entre outros.
Patrick Geddes (1854-1932)  Entre os novos enfoques que
Cientista escocês de múltiplas especialidades vieram auxiliar o planejador na
(sociólogo, biólogo, sexólogo, naturalista, compreensão dos problemas urbanos,
urbanista, etc.), considerado o fundador do destacaram-se as visões geográfica,
regional planning, que, graças aos seus contatos sociológica e econômica. Tal postura
com os geógrafos franceses na virada do século, multidisciplinar foi complementada,
absorveu o credo do comunismo anarquista nas
livres confederações de regiões autônomas. Em
principalmente a partir da década de
1910, escreveu o livro intitulado Evolução das 1960, por nomes como Jane B.
cidades, depois republicado em 1949 como Cities Jacobs (1916-2006) e Kevin Lynch
in evolution, o qual chamou a atenção para o fato (1918-84), entre outros, os quais
do planejamento urbano e regional necessitar de contribuíram enormemente com as
pesquisas multidisciplinares (FERRARI, 1991). idéias do urbanismo humanista através
Anunciando o nascimento de uma nova era de seus textos, que criticavam o
industrial – a ordem neotécnica, que viria substituir zoneamento funcional e a perda da
a anterior ordem paleotécnica –, em que as qualidade ambiental.
estruturas tradicionais de educação, trabalho e
moradia, guiadas essencialmente por valores A multidisciplinaridade auxilia ao arquiteto
quantitativos, seriam ultrapassadas por novas no entendimento da complexidade do
formas de organização e planejamento, as quais fenômeno urbano, mas não substitui a
enfatizariam questões qualitativas, apontava para
a importância do PLANEJAMENTO REGIONAL,
necessidade de propor, de desenhar e de
cujas aplicações (levantamento regional, projetar os espaços urbanos. Nos anos
urbanização rural, planejamento urbano, projeto 60, nasceu então o DESENHO URBANO
municipal, etc.) tornar-se-iam os pensamentos- ou urban design (KOHLSDORF, 1996).
chave para o desenvolvimento humano.

97
ESCOLA DE CHICAGO Seus maiores expoentes – William I. Thomas
(1863-1947), Robert E. Park (1864-1944),
Florian W. Znaniecki (1882-1958), Louis
Wirth (1897-1952), Everett Hughes (1897-
A noção da existência de uma cultura 1983), Ernest W. Burgess (1911-2000) e
especificamente urbana desenvolveu-se a Robert T. McKenzie (1917-81), entre outros –
partir dos escritos do filósofo e sociólogo colocaram o acento em uma sociabilidade no
alemão Georg Simmel (1858-1918), que interior dos grupos.
dizia haver traços essenciais que
definiriam a organização social e  Para eles, a metrópole seria um
mosaico de grupos diferenciados,
personalidade urbanas, representados de
dentro de cada qual se desenvolveria
modo arquetípico nas metrópoles. um espaço de identidade e relação
 Em The metropolis and mental life mais forte. Baseavam-se no
(1917), Simmel analisou a interação pressuposto de que a cidade possuía
entre consciências individuais e a uma organização física e uma ordem
cidade moderna, estudando a postura moral que se interagiam mutuamente
mental do homem que vivia na grande para se moldarem e se modificarem,
cidade e o modelo de relação que ou seja, que a organização física tem
estabelecia com os outros, fundando sua base na natureza humana.
assim a SOCIOLOGIA URBANA. Segundo Robert E. Park (1864-1944), toda
comunidade urbana dividir-se-ia em um mosaico de
Para Simmel, na cidade, os laços formais comunidades menores (sub-communities), muitas
entre indivíduos substituíram os laços afetivos das quais impressionavelmente distintas entre si,
mais tradicionais; e com a ascensão da mas todas mais ou menos típicas. Para ele, quase
burocracia e da ciência, a vida tornar-se-ia todas as cidades teriam estas “áreas naturais”, que
altamente diferenciada: não possuiria mais um podem ser o centro de negócios, as zonas
conteúdo fixo, mas seria, antes, caracterizada residenciais, os distritos industriais, as cidades-
por formas abstratas, das quais o dinheiro satélite, os slums ou as colônias de imigrantes.
seria a mais importante. Estas seriam definidas como “naturais” porque
seriam resultado – mais do que de uma
 De seus estudos, conclui-se que o planificação – de um processo “ecológico”, o qual
habitante da metrópole seria uma influencia sobre uma ordenada distribuição de
população e de funções relacionadas à cidade.
espécie de “estrangeiro” que vive na
sociedade, sem lhe pertencer,  A CHICAGO SCHOOL criou as
mantendo certa reserva e bases para o estudo sociológico do
distanciamento civilizado face ao ambiente urbano, fundamentando-se
outro, o que contribuiria para a em avaliações estatísticas,
autonomia de cada um e para o principalmente de áreas industriais,
funcionamento da comunidade. comerciais e habitacionais. Alguns de
A urbanidade seria uma mistura de seus representantes escreveram uma
indiferença e de tolerância; e a vida na série de artigos sobre a influência de
cidade provocaria uma disposição situações sociais sobre o
psicológica fundamentalmente nova: a comportamento individual.
atitude blasée, que seria o resultado
Na análise das estruturas urbanas, o modelo de
da libertação do indivíduo do tempo da desenvolvimento da cidade em círculos
tradição e a imersão no tempo da concêntricos, elaborado por Ernest W. Burgess
cidade contemporânea. (1911-2000), apontava para a segregação espacial
produzida no espaço urbano, com o surgimento
Foi a partir das pesquisas de Simmel e de dos guetos étnicos e de grupos sociais
seus discípulos que se formou, durante os semelhantes que se agrupavam. Além deste
anos 20 e 30, um grupo de sociólogos da modelo dos “círculos concêntricos” (1923), foram
University of Chicago que chamaram seu propostos outros modelos como o de Homer Hoyt
campo de estudos como ECOLOGIA (1895-1984) ou dos “setores” (1939); e o de Harris
& Ullmann ou dos “núcleos múltiplos” (1945).
HUMANA ou URBANA, cujo enfoque
intenta até hoje compreender a Muitas das idéias defendidas somente foram
reprodução da “sociedade urbana”, refinadas ou rejeitadas nos anos 50 em diante,
através da denominada NOVA SOCIOLOGIA
associando as preocupações da
URBANA e do urbanismo pós-moderno da Los
geografia, da sociologia e da ecologia. Angeles School ou Escola de Los Angeles.

98
ENFOQUE GEOGRÁFICO
18
MULTIDISCIPLINARIDADE Para a GEOGRAFIA moderna, a cidade
consiste em um conjunto complexo de
assentamentos urbanos e áreas rurais,
Com o surgimento e afirmação do cujo inter-relacionamento constitui cenário
PLANEJAMENTO URBANO, a cidade físico-espacial das ações humanas.
passou a ser encarada como o ponto Interessando-se mais pelas formas urbanas
crítico das relações políticas e dos seus objetos de conhecimento do que
propriamente por sua formação e evolução, tal
socioeconômicas, que é etapa de um conceito fez com que surgissem 02 (dois)
processo histórico dinâmico e irreversível. enfoques fundamentais dos geógrafos
Ao mesmo tempo, instalou-se uma contemporâneos sobre o fenômeno urbano:
metodologia de trabalho baseada na
a) ENFOQUE INTRA-URBANO: trata a cidade
multidisciplinaridade de saberes, que de forma isolada em relação ao local ou
passou a fundamentar quaisquer região em que se insere, sem se preocupar
intervenções sobre a cidade desde então. ou procurar explicar as atividades que nela
se desenvolvem (funções urbanas), qual sua
 Principalmente a partir da década origem ou ainda quais as relações que a
de 1940, a cidade tornou-se objeto de cidade mantém com o campo.
investigação multidisciplinar, sendo
compreendida como a estrutura Tal enfoque derivou dos primórdios da geografia
física-espacial de forças sociais, moderna, que tem nos alemães Whilhelm von
Humboldt (1767-1835), Carl Ritter (1779-1859) e
políticas e econômicas que
Friedrich Ratzel (1844-1904) seus maiores
determinariam suas condições e fundadores (Geografia Física), aos quais se
características de desenvolvimento. juntaram os geógrafos anarquistas Elisée Reclus
Logo, geógrafos, sociólogos e (1830-1905) e Pyotr Kropotkin (1842-1921).
economistas passaram a desenvolver
teorias para estudo e análise do Sua continuidade deu-se através da Geografia
fenômeno urbano, que se Humana ou Antropogeografia desenvolvida pelo
geógrafo francês Paul Vidal de la Blanche (1845-
disseminaram nos anos 50 e 60.
1918) e exemplificada pelo historiador francês
Essa MULTIDISCIPLINARIDADE do Fernand Braudel (1902-85), cujas idéias tiveram
urban planning veio responder a uma ampla influência até os anos 50, quando surgiram
as críticas humanistas (KOHLSDORF, 1985).
espécie de especialização do urbanismo,
de pretensões científicas, que acabou
resultando na arbitrariedade de alguns de
seus postulados e em seu distanciamento
da realidade prática. Tal abertura a outras
disciplinas levou, especialmente depois da
década de 1950, a uma crise na
participação do arquiteto no planejamento,
devido à ausência da definição de seu
b) ENFOQUE EXTRA-URBANO ou
enfoque sobre o fenômeno urbano, o que REGIONAL: considera o espaço citadino
o limitava a compreender o espaço da como o conjunto de assentamentos urbanos
cidade como reflexo e resultado. e áreas rurais, sendo os primeiros os pontos
de amarração da estrutura de ocupação
territorial (redes urbanas), utilizando-se de
Em meados dos anos 60, surgiram críticas
características abstratas que distanciam-no
sobre o planejamento urbano de sistemas, da natureza física do objeto geográfico.
principalmente por não levar em consideração
a realidade política. A reação imediata da Neste enfoque, predominante nos anos 50 e 60,
introduziram-se técnicas de análise quantitativa da
esquerda foi a de convocar os próprios cidade, tais como a Análise de Regressão ou a
planejadores para virarem a mesa e Análise Fatorial e de Agrupamento. Também
praticarem o planejamento “de baixo para surgiram teorias especiais, como a Teoria dos
cima”, transformando-se em “planejadores- Grafos, onde grafo é um conjunto de pontos
orientadores” (advocacy planners). (vértices ou nós) conectados por linhas (arestas ou
arcos), o qual simula uma rede urbana.

99
 Em meados dos anos 60, b) ENFOQUE ECOLÓGICO: explica as
especialmente na Inglaterra e nos organizações sociais urbanas a partir de
EUA, os estudos humanistas da princípios ecológicos (identificação da
população como organização social e da
Antropogeografia reapareceram e
cidade como o ecossistema meio +
geógrafos como David Harvey (1935-) sociedade), fundando a Ecologia Humana.
e Doreen E. Massey (1938-) voltaram Tal enfoque não considera a estrutura de
a explicar o crescimento e a classes ou a divisão social do trabalho, mas
transformação urbana em termos de sim abstrações de aspectos psicossociais
circulação do Capital além de em estudos de Sociologia Urbana.
destacarem aspectos sociais e Seus precursores foram os cientistas da Escola
culturais, contribuindo para os estudos de Chicago, nas décadas de 1920 e 1930, tais
urbanos pós-modernos seguintes. como Robert E. Park (1864-1944), Everett
Hughes (1897-1983), Ernest Burgess (1911-
ENFOQUE SOCIOLÓGICO 2000) e Robert T. McKenzie (1917-81), entre
outros, mas seu desenvolvimento deu-se
especialmente nos anos 50 e 60 graças à Neo-
Ecologia, expressa nas obras de Amos H.
A SOCIOLOGIA moderna concebe a Hawley (1910-78), como Human ecology: a
theory of community structure (1950).
cidade como a expressão da estrutura
social que é produzida pelos elementos
c) ENFOQUE FÍSICO ou EMPÍRICO: analisa a
dos sistemas econômico, político e questão urbana a partir de indicadores
ideológico. Seus expoentes passaram a mensuráveis e sob uma ótica
aplicar suas teorias de estruturação social eminentemente prática, utilizando-se de
sobre o espaço urbano contemporâneo, classificações baseadas em determinados
“indicadores”, como, por exemplo, o
tentando explicar a cidade a partir das tamanho do espaço ocupado por certo
relações sociais e de suas implicações no grupo social. Tal ponto de vista acabou
decorrer da história. Isto gerou 03 (três) demonstrando-se incapaz de propor
abordagens sociológicas que “indicadores” para os fatores fundamentais
da sociedade urbana.
influenciaram a atividade de planejamento
urbano no século passado: Predominante nos anos 40 e 50, este enfoque
procurou desenvolver modelos empíricos e
a) ENFOQUE SOCIAL: procura inserir o fato analógicos que estudassem os padrões dos
urbano na globalidade dos próprios deslocamentos de pessoas e de bens (desde
processos sociais, tomando entretanto o as migrações até os movimentos pendulares
aspecto ambiental (as diferenças entre o intra-urbanos e, em alguns casos, os padrões
meio urbano e o rural) como elemento espaciais de difusão cultural, por exemplo, a
diferenciador e fazendo nascer a chamada disseminação das inovações), chegando a criar
Sociologia Urbana. Seus maiores modelos econométricos para a localização das
representantes foram Herbert Spencer atividades produtivas e residenciais.
(1820-1903), Émile Durkheim (1858-1917),
Baseados nos estudos pioneiros dos
Max Weber (1864-1920) e Kingsley Davis economistas Henry C. Carey (1793-1879) e
(1908-97), os quais se fundamentaram nas Ernest G. Ravenstein (1834-1913), seus
contribuições de Karl Marx (1818-83) e trabalhos mais significativos foram: as “leis
Friedrich Engels (1828-95). empíricas” das densidades urbanas (1941/51),
de John Q. Stewart (1894-1972) & Colin G.
Clark (1905-89); e os padrões espaciais dos
fluxos regionais (1946), de George K. Zipf
(1902-50) (KOHLSDORF, 1985).

 Entre as décadas de 1970 e 1980,


novas concepções sociológicas sobre
planejamento – como as de John
A Sociologia Urbana do final do século XIX
Friedmann (1913-), da University of
encontrou sua continuidade através da teorização
sobre “cultura urbana”, esta empreendida por Los Angeles – forneceram as bases
Georg Simmel (1858-1918), na década de 1910, filosóficas do chamado “aprendizado
cujas idéias foram continuadas por Louis Wirth social” ou enfoque neo-humanista, o
(1897-1952), o qual postulou que o urbanismo qual salientava a importância do
como “modo de vida” haveria surgido de certas conhecimento de sistemas no estudo
características essenciais, como magnitude do ambiente turbulento das cidades.
populacional, sua densidade e sua
heterogeneidade (1938).

100
ENFOQUE ECONÔMICO
Para a ECONOMIA moderna, a cidade é
a concretização dos processos sociais de
produção e reflexo das relações
econômicas da sociedade. Tal fenômeno
é analisado através do estudo da
distribuição espacial das atividades
produtivas, que tem entre os economistas
clássicos – Adam Smith (1723-1790) e
David Ricardo (1772-1823) – seus TEORIAS DE SISTEMAS COMPLEXOS
maiores precursores, sem contar a
contribuição das teorias marxistas.
Basicamente, as análises econômicas A multidisciplinaridade do fenômeno
sobre a cidades têm 02 (dois) níveis: urbano conduziu ao surgimento de várias
teorias que buscaram modelos empíricos
a) ENFOQUE MACROECONÔMICO: segue as
teorias regionais baseadas nas relações
e analógicos das distribuições e fluxos
econômicas internacionais, como as teorias urbanos, estas resultantes de métodos
neoclássicas e keynesianas – de John M. quantitativos de análise da cidade que
Keyne (1883-1946) –; ou a Teoria do Ciclo tiveram grande repercussão nas décadas
do Produto (1966), de Raymond Vernon de 1950 e 1960. Como precursoras
(1914-99), que procura diferenciar
espacialmente os elementos sociais, tais
dessas teorias urbanas destacam-se:
como níveis de renda, fontes de  TEORIAS MARGINALISTAS: surgidas no
informações, etc. final do século XIX, definiam o espaço
b) ENFOQUE MICROECONÔMICO: procura através de coordenadas geográficas, efeitos
seguir as chamadas Teorias de Localização, de cruzamento de processos de produção/
formuladas especialmente pelos alemães, valorização e da idéia de marginalização,
tomando como elemento básico de análise
como Ludwig Von Thünem (1780-1850),
as relações de distância entre os
que criou um modelo concêntrico ao redor
componentes de produção e suas
do mercado para o uso do solo agrícola
conseqüências sobre os custos econômicos,
(1826); ou Alfred Weber (1868-1958), que
sem levar em consideração a constituição
trabalhou com a questão da indústria
do espaço social. Seus maiores defensores
(1909). Essas teorias inscrevem a economia
foram Leon Walras (1834-1910) e Vilfredo
de forma material no espaço e influenciaram
enormemente o planejamento urbano dos F. D. Pareto (1848-1923), entre outros
anos 50 em diante. (Escola de Lausanne);
 TEORIAS DO LUGAR CENTRAL: surgidas
Os economistas vêem a cidade como um entre os anos 30 e 40, conceituavam espaço
conceito matemático e abstrato, aplicando como uma “rede de sistemas” que estrutura
sobre ela as teorias ligadas às idéias de o espaço geográfico humano de maneira
funcional e pouco concreta. Tais idéias
marginalização, renda do solo agrário, foram defendidas por Walter Christaller
rede de sistemas e equilíbrio econômico. (1893-1969), que lançou sua teoria em
1933; e August Lösch (1906-45),
 Neófitos dos princípios do
responsável por outra teoria de localização
positivismo lógico, eles sugerem que de 1940, assim como outros economistas
se deixe de se preocupar com (Escola de Jena). Em 1968, Jean Tricart
descrições da diferenciação (1920-2003) & Michel Rochefort (1927-)
pormenorizada da superfície terrestre; lançaram sua própria teoria do lugar central.
e se comece a desenvolver hipóteses
gerais sobre distribuições espaciais Entre 1953 e 1957, Isard criou uma nova disciplina
que possam, em seguida, ser universitária que unia a nova geografia à tradição
germânica da economia locacional. Mais
rigorosamente testadas em confronto precisamente, cidades e regiões passaram a ser
com a realidade. Tais idéias foram vistas como SISTEMAS COMPLEXOS – nada mais
brilhantemente sintetizadas pelo eram que um sub-conjunto particular, fundado
economista norte-americano Walter espacialmente, de toda uma classe geral de
Isard (1919-), em Location and space sistemas – derivados de uma ciência que nascia,
economy (1956). desenvolvida por Norbert Wiener (1894-1964), a
Cibernética.

101
Desde então, a visão da engenharia URBANISMO NEOMARXISTA
computacional invadiu o território
profissional do planejador urbano e
modelos de interação espacial ou Entre as décadas de 1960 e 1970, os
MODELOS OPERATIVOS URBANOS – planejadores foram progressivamente
MOU passaram a fazer parte do urban passando do ponto de vista meramente
planning. Entre as principais teorias físico para o social e o econômico.
urbanas de sistemas complexos, cita-se: Paralelamente, ocorreu um notável
ressurgimento de estudos marxistas,
a) TEORIA DO TRÁFEGO URBANO (1954):
Robert Mitchell (1906-) e Chester Rapkin
especialmente na França, através de
(1918-) publicaram Urban traffic: a function sociólogos como HENRI LEFÉBVRE
of land use (Tráfego urbano: uma função do (1901-91) e MANUEL CASTELLS (1942-
uso da terra), onde sugeriam que os ).
modelos de tráfego urbano eram função
direta e mensurável do modelo das  Os neomarxistas voltaram-se para
atividades – e portanto, dos usos do solo – a discussão materialista da cidade
que os geravam. Acoplada a um trabalho como local de reprodução capitalista e
anterior sobre modelos de interação
redirigiram a atenção para as classes
espacial; e usando, pela primeira vez, os
poderes de processamento computacional, trabalhadoras e suas possibilidades de
essa obra produziu uma nova ciência do transformação socioeconômica.
planejamento do transporte urbano, que
reivindicava o direito de ser cientificamente Henri Lefébvre (1901-91)
capaz de predizer os futuros modelos de
tráfego nas cidades. Um dos primeiros pensadores franceses a
b) TEORIA DOS PÓLOS DE rediscutir as questões da Escola de Chicago sob a
DESENVOLVIMENTO (1955), de François ótica do materialismo histórico, sendo um dos
Perroux (1903-87) & Jean H. P. Paelinck maiores difusores do marxismo na França. A partir
de 1968, do mundo rural passou a pesquisar a
(1930-): conceitua espaço como algo 10
cidade , subordinando-a à lógica da reprodução
abstrato e relativo, visando, de modo
do Capital, enquanto seu cenário e suporte.
idealista, um equilíbrio social a partir de uma
Seguindo Marx, compreendia a cidade como
situação econômica harmoniosa.
aglomeração da população, dos instrumentos de
c) TEORIA DO CAMPO DE TENSÕES (1960), produção, dos prazeres e das necessidades,
do economista americano William Alonso considerando-a um problema novo, sobre o qual
(1933-99): conceitua espaço como um era necessário pesquisar.
continuum de duas dimensões, no qual a Em La pensée marxiste et la ville (A cidade do
renda do solo agrário seria a responsável capital, 1972), ofereceu um instrumental heurístico
pelos processos sociais de produção da importante para a análise dos mecanismos de
cidade, sem considerar que o processo de democratização da cidade, enfatizando as
divisão econômica do espaço também é categorias de produção, na sua acepção restrita e
efeito da formação social. ampliada; e as relações de produção. Além disto,
d) TEORIA DE GARIN-LOWRY (1966), trabalhou a propriedade do solo e a renda
formulada a partir do modelo proposto por fundiária no quadro urbano, focalizando a
Ira S. Lowry, em 1964 para a região de formação, realização e distribuição da mais-valia.
Pittsburgh EUA, que consistia em uma série Ele antecipou como as forças produtivas
de 12 avaliações que se utilizava para atingiriam uma tal potência para a produção do
derivar a localização da população e do espaço em escala mundial, que criariam uma
emprego (industrial, comercial e de serviços) contradição principal – o espaço produzido
em zonas urbanas. R. A. Garin reformulou globalmente e suas fragmentações, pulverizações
este modelo, integrando explicitamente as e despedaçamentos –, resultante do capitalismo.
teorias de interação espacial e de base
econômica, resultando no Modelo de Garin-
Lowry, o qual se tornou a base de inúmeros 10
Sobre o fenômeno urbano, Lefébvre escreveu O
MOU posteriores em cidades norte- direito à cidade (1968), Do rural ao urbano (1970),
americanas, tais como Pittsburgh , para São A revolução urbana (1970), Espaço e política
Francisco, Filadélfia, Seattle, Houston e (1972) e A produção do espaço (1974), entre
Washington. outros. Foram igualmente importantes seus
e) Outras teorias similares: Lowdon Wingo estudos sobre uma teoria do espaço urbano que o
(1962), René Mayer (1965), J. Jacques colocava embasado na experiência individual do
Grenelle (1967), Richard F. Mutrh (1961), habitante, perseguindo os nexos existentes entre
J. W. Forrester (1969) e P. Hagget (1965). espacialidade e experiência. Destacaram-se seus
livros sobre a vida cotidiana, como: Fundamentos
de uma sociologia do cotidiano (1961) e A vida
cotidiana no mundo moderno (1968).
102
Manuel Castells (1942-) No Brasil, os estudos urbanos foram
amplamente impulsionados pelo geógrafo
Sociólogo catalão que se tornou uma das maiores
autoridades na análise das novas tecnologias e baiano MILTON SANTOS (1926-2001), o
seu impacto sobre as sociedades urbanas, maior expoente do movimento de
particularmente por fazê-lo sob o foco marxista. renovação crítica da Geografia e
Suas contribuições iniciaram-se com La cuestión reconhecido internacionalmente por ter
urbana (A questão urbana, 1974) e prosseguiram
até sua trilogia sobre La era de la información (A publicado trabalhos sobre a metodologia
era da informação, 1999). Para ele, a questão dessa disciplina, assim como textos
urbana possui 03 instâncias: a ideológica, da qual críticos dos problemas urbanos nos
viria a “cultura urbana”, marcada pela países subdesenvolvidos.
heterogeneidade e associativismo; a político-
jurídica, que se caracterizaria por ser uma  Também formado em Direito
“superestrutura” que busca legitimar o sistema (1948), descendente de escravos
capitalista; e a econômica, ligada diretamente libertos antes da Abolição e ativista
com o urbano, já que a este conotaria os estudantil, foi doutor pelo Instituto de
processos de reprodução da força de trabalho. Geografia da Universidade de
Assim, o “sistema urbano” não seria mais que a
Strasbourg, na França. De volta ao
articulação de instâncias de uma estrutura social
dentro de uma unidade reprodutora de força de Brasil, em 1958, iniciou o Laboratório
trabalho que se reflete na sua estrutura espacial. de Geomorfologia e Estudos Regionais
da UFBA, impulsionando a Geografia
Depois, concluiu que 03 processos independentes como disciplina; e, em 1963, tornou-se
começaram a se formar no final dos anos 60 e
o presidente da Associação de
princípios dos 70, os quais convergiriam para a
“gênese de um novo mundo”: Geógrafos Brasileiros – AGB, além de
combinar as atividades de professor
 a revolução das tecnologias da informação,
que atuaria remodelando as bases universitário e de redator do jornal A
materiais da sociedade e induzindo a Tarde, em Salvador BA, defendendo
emergência do informacionalismo, o qual posições nacionalistas.
teria uma importância igual ou superior à
da Revolução Industrial ; Com o GOLPE DE 64, Santos foi preso e exilado
 a crise dos modelos de desenvolvimento político, indo trabalhar na Universidade de
econômico, tanto do capitalismo quanto do Toulouse Le Mirail, na França,onde recebeu o
estatismo, o que fez com que ambos a se primeiro dos 20 títulos de Dr. Honoris Causa que
reestruturarem, levando a uma nova forma receberia durante toda a vida. Depois das
do capitalismo informacional caracterizado universidades de Bordeaux e Paris, lecionou no
pela globalização das atividades MIT (Cambridge, 1971/72), Toronto (Canadá,
econômicas centrais, uma flexibilidade 1972), Lima (Peru, 1973), Dar-es-Salaam
organizacional e um maior poder para o (Tanzânia, 1974/76) e Columbia (NY, 1976/77),
gerenciamento em suas relações com o além de prestar consultorias à OEA e à ONU.
trabalho; Depois de 13 anos de exílio, voltou à Bahia com
 O florescimento de movimentos um livro revolucionário: Por uma geografia nova
socioculturais, como o feminismo, o (1978). Contudo, a UFBA não se interessou por
ambientalismo, a defesa dos direitos reintegrá-lo como professor, ao contrário do Rio
humanos e das liberdades sexuais, os Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, que o
quais se iniciaram em 1968 e reagiram de contratam como consultor.
múltiplas formas contra o uso arbitrário da Finalmente, em 1984, tornou-se professor titular na
autoridade, revoltando-se contra a injustiça FFLCH-USP, onde criou e manteve um grupo de
e procurando a liberdade para a pesquisadores até recentemente, além de se tornar
experimentação pessoal. professor visitante em diversas universidades
estrangeiras.
 Com o NEOMARXISMO, os  Em 1994, Milton Santos recebeu o
advocacy planners passaram a intervir Prêmio Internacional Vautrin Lud,
das mais variadas maneiras: correspondente ao Nobel da
ajudariam a informar o público sobre Geografia, sendo o primeiro geógrafo
as alternativas urbanas; forçariam as nem francês ou norte-americano a
secretarias de planejamento a recebê-lo. Ao todo, ganhou mais de
competirem pelo subúrbio; e ajudariam duas dezenas de medalhas de mérito,
os críticos em realizar e implementar tanto no Brasil como no mundo, além
planos que fossem superiores aos de publicar mais de 40 livros e cerca
oficiais. Destacaram-se os trabalhos de 300 artigos em revistas cientificas,
de Paul Vieille (1970) e Christian em várias línguas, na Europa,
Topalov (1984). América, Ásia e África.
103
No conjunto de sua obra, Santos buscou Entre as várias contribuições miltonianas
basicamente 04 (quatro) objetivos: para o estudo das cidades, destacam-se:
a) Afirmar e caracterizar a Geografia como I. Formulou uma teoria válida do espaço
disciplina epistemológica, a partir da baseada no estudo de sua formação social
compreensão da totalidade do espaço e do e econômica, mais preocupada com sua
período histórico da segunda metade do estrutura do que com sua forma (defesa dos
século XX, defendo a idéia do espaço como espaciólogos ao invés dos espacialistas);
“instância social” e o papel do geógrafo na II. Estudou as relações entre técnica e espaço
análise da formação do território e não da (repercussões espaciais da revolução
sua forma. Para tanto, escreveu: Por uma tecnológica), consagrando o período
geografia nova (1978), Pensando o espaço histórico presente como “técnico-científico-
do homem (1979), Espaço e método (1985), informacional”; um novo ciclo da civilização e
Metamorfoses do espaço habitado (1988); produto espacial de uma fase marcada pela
Técnica, espaço e tempo (1994) e, sua obra globalização da produção e consumo;
síntese A natureza do espaço (1996); III. Definiu a tecnoesfera como o produto da
b) Formular e descrever os aspectos e faces crescente artificialização do meio ambiente,
da desigualdade no Terceiro Mundo, tanto a qual seria marcada pela presença de
na América Latina como na África; e os grandes objetos geográficos, idealizados e
impactos e repercussões sobre o território, construídos pelo homem, articulados entre si
analisando de modo interdisciplinar a em sistemas; e explicou o espaço a partir do
estrutura interna das cidades, o processo de par dialético “sistemas de objetos” e
urbanização e a rede urbana nos países “sistemas de ação”, ou seja, o espaço seria
pobres. Para tanto, Santos escreveu: A o conjunto indissociável de sistemas de
cidade nos países subdesenvolvidos (1965), objetos naturais ou fabricados e de sistemas
O trabalho do geógrafo do Terceiro Mundo de ações, deliberadas ou não;
(1971), Pobreza urbana (1978), Espaço e IV. Considerou o espaço geográfico como a
sociedade (1979), A urbanização desigual “funcionalização da globalização”, já que
(1980) e Ensaios sobre a urbanização latino- permite fluir suas necessidades, viabilizando
americana (1982), entre outros livros; seus 03 (três) pressupostos: a unicidade
técnica (capacidade de instalar qualquer
c) Estudar e criticar os problemas urbanos e instrumento técnico produtivo em qualquer
regionais do país, abrangendo, de modo parte do mundo); a convergência dos
empírico, a escala local inicialmente voltada momentos (capacidade de comunicação em
à realidade baiana (região cacaueira e tempo real); e a unicidade do motor
Salvador), na década de 1950, para depois (capacidade de direção centralizada do
intensificar a observação e análise de todo o mundo financeiro pelos interesses das
território brasileiro, enfatizando São Paulo. empresas transnacionais);
Escreveu: A urbanização brasileira (1993) e
Por uma economia política da cidade (1994), V. Apontou para a dialética existente em todos
entre outros. O esforço para a compreensão os níveis e a contradição de que, quanto
do território brasileiro completou-se com a mais os lugares se globalizam, mais se
publicação do último livro Brasil: sociedade tornam singulares, já que o arranjo que os
e território no início do século XXI (2001); elementos componentes do território têm em
um determinado lugar é único. Assim, a
d) Difundir e lutar pela construção da própria globalização acaba por produzir a
cidadania e da ética, buscando um mundo fragmentação (Todos os lugares são
diferente daquele em que vivemos. Para mundiais mas não há um espaço mundial:
isso, tratou da GLOBALIZAÇÃO, abordando quem se globaliza são as pessoas);
seus aspectos econômicos e analisando o VI. Criou vários conceitos e categorias
papel das empresas na internacionalização (tecnoesfera e tecnificação do território,
do capital, além dos fluxos financeiros e metrópoles globais, etc.), além de analisar e
suas implicações na cultura local; e, sintetizar sobre a evolução do território e da
propondo, ao final de sua vida, uma urbanização do país, a qual se mostraria
globalização solidária, voltada à sua corporativa, desigual e segregacional;
dimensão cultural, baseada em outros
valores que a da hegemônica, de cunho VII. Apontou para um futuro de esperança,
meramente econômico. Propondo uma conclamando todos para a busca de uma
revisão da globalização, que deveria ser outra globalização, na qual não haveria lugar
"mais humana", sem descartar a base para o globalitarismo, mas para a
técnica que sustenta a globalização solidariedade local e a desalienação dos
econômica e financeira, escreveu O espaço indivíduos. Ao mesmo tempo em que se
do cidadão (1987) e Por uma outra globalizam a taxa de lucro, a exploração, a
globalização: do pensamento único à miséria e a exclusão social, globalizam-se as
consciência universal (2000). lutas sociais, a conscientização e a busca
por um mundo melhor e mais justo.

104
O DESENHO URBANO apareceu como
19 instrumento de interpretação, através da
linguagem arquitetônica, do contexto
DESENHO URBANO urbano visando tanto objetivos estético-
formais como sócio-funcionais; e que
considera comportamentos, hábitos e
A análise da cidade a partir de bases processos da população, a manter ou
multidisciplinares levou muitos arquitetos modificar, de acordo com metas sociais e
a migrarem para a área de planejamento culturais explícitas.
em nível social e econômico, sem retorno  O designer ou desenhista urbano
ao seu campo inicial, ou seja, da atua como planejador, no sentido do
conformação e projeto de espaços, da profissional que trabalha nos limites do
mesma forma que os colocou em uma campo de outras áreas de estudo
posição de total independência da perfeitamente definidas, tentando
ajustar sua integração, e também
tridimensionalidade da arquitetura. Isto
como arquiteto, ao passo que procura
conduziu a um comprometimento da dar forma ao espaço urbano. Utiliza-se
própria concepção da cidade, que perdia de todas as disciplinas que se
seu caráter propriamente físico. interessam pela melhoria da vida das
pessoas nas cidades e no campo,
 Do mesmo modo que a ignorância como a psicologia, a sociologia, a
do conteúdo social e econômico do
economia, o direito, o paisagismo, etc.
espaço físico para a vida urbana
transformou o urbanismo em um
fenômeno marginal, o conhecimento
da cidade a partir de outros campos
(Geografia, Sociologia, Economia,
Antropologia, Engenharia, etc.), levou
o planejador a repudiar a arquitetura
urbana como espaço físico, tornando-
se impotente no trato das proposições
ao nível de desenho. No campo de ação do DESENHO
Se em 1955, o típico planejador urbano URBANO, não se pode projetar em um
recém-formado debruçava-se sobre a tempo e construir muito depois, como é
prancheta para produzir um diagrama possível para um edifício. Para a sua
sobre usos do solo desejados; em 1965, realização, necessita-se de um tripé
passava a analisar os dados de saída do formado pelos planejadores, pelos
computador sobre modelos de tráfego e, políticos e pelos cidadãos. Em sua
em 1975, ficava conversando até tarde da prática, o uso do solo é alterado, os
noite com grupos comunitários, na padrões culturais são afetados e a escala
tentativa de organizar-lhes a resistência de intervenção vai da rua à região.
contra as forças hostis do mundo.  Basicamente, ele possui 02
 Logo, em meados dos anos 70, (dois) momentos básicos em seu
era preciso uma nova teoria que processo de trabalho, a saber:
procurasse servir de ponte entre as  Enquanto arquitetura da cidade, onde
estratégias de planejamento e os há grande interação com disciplinas do
sistemas urbanos, entidades físicas e campo das Ciências Humanas
sociais ao mesmo tempo: o urban (História, Geografia, Sociologia,
design ou DESENHO URBANO. Psicologia, etc.) e da Tecnologia
(Saneamento, Tráfego, Geologia,
No último quartel do século passado, surgiu a Estruturas, etc.);
necessidade de co-existir ambos conceitos: o  Enquanto processo de
da cidade como estrutura de forças sociais, implementação e política urbana,
econômicas e políticas, as quais determinam pois há interações com o Planejamento
suas condições e características de Urbano-regional e com as disciplinas
ligadas aos processos de decisão
desenvolvimento; e o da cidade como espaço
(Política, Direito, etc.)
físico em que se habita, vivifica e transforma.

105
Todo trabalho de desenho urbano corre As bases do estudos de DESENHO
o risco de não ser aceito por desajuste ao URBANO encontram-se em meados da
sistema global, mas também pode ser década de 1950, quando apareceram
aceito e executado, constituindo – ao nível críticas neo-humanistas sobre o
de uso, linguagem e estruturação física – urbanismo moderno, principalmente
objeto de transformação da vida urbana, quanto à questão do zonning, e o
adquirindo assim uma função sócio- interesse pela análise da PAISAGEM
política e cultural. URBANA (urban landscape).
 Ele pode abranger 03 (três) áreas  Críticos como Gordon Cullen
da cidade em geral: (1914-94), Jane B. Jacobs (1916-
 Aquelas destinadas às pessoas
2006) e Kevin R. Lynch (1918-94)
(locais calçados ou não que devem passaram a defender a questão da
ser analisados quanto à sua necessidade de espaços de
funcionalidade); convivência e de significado simbólico
 Aquelas destinadas aos veículos dentro da cidade contemporânea.
(garagens e estacionamentos de
automóveis ou outros tipos de
Entre os anos 50 e 70, a reflexão urbana
veículos, que devem ser voltou-se principalmente para as relações
dimensionados adequadamente); estabelecidas entre os usuários e o
 Aquelas destinadas à vegetação espaço urbano de consumo, procurando-
(praças, parques e demais espaços se avaliar as ligações entre causa e efeito
verdes urbanos, o que engloba e enfatizando-se aspectos relacionados à
toda a área de paisagismo).
Psicologia, Antropologia e Ecologia. Para
KOHLSDORF (1985), destacaram-se 02
O objetivo de todo desenhista ambiental
correntes de pensamento nesse período:
urbano é harmonizar intimamente os
a) COMPORTAMENTALISMO: Também
aspectos funcionais e utilitários com as denominado de determinismo, propunha-
questões formais e estéticas, além de se a estudar os supostos efeitos da cidade
relacioná-las aos interesses econômicos e enquanto espaço construído sobre o
comerciais. A partir de um processo de comportamento humano. Seus
defensores, surgidos em meados da
análise, deve saber onde colocar a década de 1950, passaram também a ser
ênfase, preferencialmente sobre a parte conhecidos como urbanistas da higiene
ativa e positiva destes fatores de projeto. mental, cujas principais preocupações
Entre suas principais preocupações entravam-se na garantia da segurança
emocional dos usuários e nas influências
estariam as de:
da primeira infância e da Psicologia Social
a) Criar espaços suficientemente apontados nos trabalhos pioneiros de
dimensionados, que permitam a Anna Freud (1895-1982) e John Bowlby
circulação e ao mesmo tempo (1907-90).
propiciem áreas de estar e lazer, São desse período, os estudos, todos com
quando conveniente e possível; bases empíricas, de: Festinger & Caplow
(1950), Barker & Wright (1951),
b) Projetar e distribuir equipamentos, Gullahorn (1952), Blumenfeld (1953),
que, além de serem funcionais e de Wenner (1954), Byrne (1956), Black
estética agradável, devem promover (1956) e Sommmer & Ross (1958).
durabilidade e segurança em seu uso;
c) Prever um sistema de informação e Nos anos 60, o environmentalismo (environment =
meio ambiente) veio substituir as determinações
sinalização, que auxilie às pessoas
comportamentais pelas influências do meio
dirigirem-se ao seu destino, assim ambiente sobre seus usuários e, em um enfoque
como tomar conhecimento dos conhecido como possibilista ou pragmático,
serviços e elementos constituintes do considerava o meio como um conjunto de
espaço público; possibilidades e limitações ao homem, o qual teria
a capacidade de transformar a natureza. Nesta
d) Adequar todas as soluções projetuais corrente, não se trabalhava com as estruturas
aos diferentes usuários, procurando sociais ou culturais, pois não se definiam os
atender a maior parte das expectativas usuários nas situações estudadas através de suas
e aspirações da população-alvo. características reais, ou seja, de classes sociais.

106
Fazia-se mais um levantamento de algumas Os trabalhos desse enfoque procuraram
influências do meio sobre o comportamento de investigar sobre as qualidades espaciais,
seus usuários, estes vistos em categorias ideais
(“homens-tipo”). Pioneiros nesta linha foram os
partindo do ponto de vista dos usuários de
trabalhos de Dykman & Rossow (1961), seguidos situações urbanas reais. Procurando
pela crítica de cientistas sociais como Werber, recolocar a questão estética como atitude
Broady e Ganz, além das contribuições de Jacobs necessariamente existente, em toda
(1961) e de Alexander (1969), para o qual “todo relação do homem com a natureza, seja
efeito do meio ambiente sobre o comportamento
humano é complexo e envolve influências sociais e esta a primitiva ou a socialmente
psicológicas tanto quanto as do meio ambiente transformada, e mantendo a preocupação
físico“ (ALEXANDER apud KOHLSDORF, 1985:46). com dimensões psicológicas, essa
tendência sofreu uma bifurcação de
b) PSIQUISMO: abordava os aspectos caminhos em termos metodológicos:
psicológicos das relações entre os
indivíduos e o ambiente urbano, I. Por meio das Escolas de Bom Desenho,
colocando seus objetivos na área também chamadas de pragmáticas, que
psicológica e diluindo consideravelmente surgiram e se concentraram na Inglaterra,
as influências deterministas. Situados no retomando a herança do espaço anglo-
final dos anos 60, seus defensores saxônico que havia sido historicamente
consideravam o meio ambiente como algo diluído entre as guerras.
psíquico ou percebido, a partir da
decodificação pelos indivíduos e do Seu maior representante foi GORDON CULLEN
estabelecimento de sinais comunicativos. (1914-94), especialmente com seu livro
Townscape (Paisagem urbana, 1961), que
Foi dentro deste contexto que surgiu o alimentava a polêmica entre a teoria de desenho
chamado ecologismo, o qual considerava o clássica – que propunha a clareza como
edifício ou mesmo a cidade como meio que qualidade-síntese – e a teoria de desenho
interage com outros fatores e que influencia pictórica, que propunha a complexidade.
outras inter-relações. As preocupações
estavam nas idéias de privacidade, Seu trabalho e de seus discípulos efetuaram uma
orientabilidade e noção de território; além dos análise morfológica detalhada de sítios antigos e
efeitos de aglomeração e do sentido de um estudo crítico das realizações tecnocratas
“qualidade ambiental” (soma entre os aspectos como a versão atual do progressismo.
sensoriais do meio e qualidades estéticas). Conseguiram detectar as qualidades espaciais das
Tratava-se de um enfoque que dava mais antigas cidades e codificá-las sob novos tipos de
ênfase aos aspectos visuais do que aos espaços, chegando à formulação de novos
requisitos funcionais do meio urbano, princípios de projeto baseados na análise histórica
fundamentando-se em discussões sobre de espaços, embora vistos como normas
imagens mentais e visões seriais. universalmente aceitas.
Destacaram-se os trabalhos de Rosegren II. Por meio das Escolas de Análise da
& Devault (1963), Wecker (1964), Berger Percepção, que surgiram junto às
(1966), Ittelson & Proshansky (1966), anteriores, mas inicialmente nos EUA para
Altman & Hawthorne (1967), Pastalan depois chegarem à Europa. Tomando a
(1968), Ross (1969), Kuper (1969) e percepção como elemento mediador
Rapoport (1969). fundamental entre os homens e o meio
urbano, diferenciam-se por não
considerarem as qualidades e as
necessidades absolutamente consensuais,
mas sim variáveis entre grupos, culturas e
épocas. A partir de métodos
experimentais, seus estudos concluiram:
 Que qualquer interpretação ou ação
sobre o espaço urbano deve ser
precedida da ação cognitiva sobre o
mesmo, e, nesta, o ponto de partida
é a percepção. Todos os estudos
Fruto dos estudos do psiquismo, nasceu em nesse sentido – como os de
meados da década de 1960 uma tendência em Boulding (1964), Shafer & Burke
enfatizar os aspectos visuais do meio (1965), Holmberg (1966),
ambiente urbano, reagindo às idéias Jeanpierre (1968) e Winkel (1969),
dominantes no urbanismo moderno que entre outros – demonstraram a
limitavam as estruturas espaciais urbanas a extrema complexidade, variabilidade
requisitos funcionais, construtivos e e relatividade da percepção e do
processo cognitivo.
econômicos (KOHLSDORF, 1985).

107
 Que a visão é predominante na Jane Jacobs identificou no cotidiano das
percepção, ainda que participem deste metrópoles as razões de sua violência, sujeira e
fenômeno os demais órgãos dos abandono – frutos do esquematismo dos modos de
sentidos. Isto foi comprovado pelos vida moderna que os planejadores previam em
trabalhos de Arnheim (1965), Rapoport seus modelos ideais –; e observou uma vida rica e
& Kantor (1967) e Southwood (1969), densa de significados no caos e microcosmos dos
além de vários outros. bairros populares, concluindo assim pela vitalidade
urbana, baseada na diversidade funcional,
A tendência a enfatizar os aspectos visuais do acompanhada pela alta concentração; valorização
espaço urbano recebeu muitas contribuições que de ruas, esquinas e percursos; e multiplicidade de
inclusive se mesclaram com as idéias das escolas tipos de edificações, estilos e usos combinados.
anteriores. Conceitos como os de “imagens“ ou
“mapas mentais” foram amplamente aplicados e Para ela, o grau de urbanidade de uma cidade ou
compreendidos como possíveis veículos de bairro dependia intrinsecamente do grau de
detecção de supostas necessidades de vitalidade urbana ali presente. Acreditada que, a
configuração por parte dos usuários dos espaços partir das interações produzidas nas ruas, pelo
urbanos, sendo o estudo mais conhecido aquele contato com estranhos, produzir-se-ia sistemas
empreendido por KEVIN LYNCH (1918-94), através emergentes, onde as calçadas funcionavam como
de principalmente The image of the city (A imagem “condutoras primárias” do fluxo de informações
da cidade, 1960). entre os habitantes.
Lynch trabalhou com a idéia de que o objetivo final Jacobs defendia a complexidade urbana, que
de um plano não deveria ser a forma física em si, deveria ser buscada através de planos e projetos
mas a qualidade da imagem mental que ela suscita que reconhecessem as ações e situações capazes
nos habitantes. Seus textos giram em torno do de gerar ou destruir a vitalidade de uma cidade.
conceito de “forma sensível”, ou seja, da coerência Relacionando as atividades e seus espaços,
perceptiva das paisagens, conforme a qualidade e procurou mostrar que as atividades regem a vida
vitalidade dos espaços, o sentido de lugar e a urbana e que os espaços que as acolhem devem
diversidade de sensações que provoca. estabelecer com elas inter-relações.

A americana JANE JACOBS (1916- Contra o bucolismo das “cidades-jardins”


2006), em seu livro Death and life of great ou o funcionalismo corbusieriano, Jacobs
american cities (Morte e vida das grandes mostrava-se convencida que a cidade
cidades americanas, 1961), desenvolveu grande expressava caos. Sem indicar
uma série de críticas ao urbanismo nenhum modelo urbano, acreditava que o
moderno, especialmente ao zonning que, planning deveria partir das ruas em suas
para ela, dissociava a habitação das interações econômicas locais, encarando
demais funções urbanas. o bairro a partir de uma visão button-up
(“de baixo para cima”). Sua configuração
 Usando o contexto do programa deveria ser pensada em uma ótica que
norte-americano de renovação das
áreas centrais baseado em
partisse das relações socioeconômicas e
megaprojetos ,
11
analisou o culturais do local; e não de um modelo
crescimento capitalista das cidades ideal, buscando-se 04 (quatro) condições
ocidentais e concluiu que a “vitalidade” indispensáveis para a vitalidade urbana:
urbana está ligada á sua “diversidade”. a) Cada bairro deveria atender as
necessidades socioeconômicas de seus
habitantes, garantindo a circulação em
variados horários e destinos diversos,
11
Nos EUA, o processo de renovação urbana teve utilizando sua infra-estrutura de serviços;
início por volta dos anos 40, seguindo a tradição do b) Quadras e ruas deveriam ser curtas, com
planejamento “de cima para baixo”, baseado em o maior número possível de esquinas
critérios de desempenho técnico, bem possibilitando ampla visibilidade e
representados nos esquemas de remodelação de desfavorecendo a ação de meliantes;
áreas e implantação de vias-expressas. Robert
c) Edifícios novos e antigos, em estados de
Moses (1888-1981) foi seu maior expoente,
conservação variáveis, deveriam coexistir
considerado por muito, após cerca de 50 anos de em uma mistura compacta, gerando
atividades, “o maior construtor da América”. Em variados rendimentos econômicos e
Nova York, além de vários conjuntos habitacionais, interesses sócio-culturais no local;
construiu inúmeros viadutos, elevados, túneis e
pontes, sem contar as enormes parkways. Até a d) Deveria haver uma densidade alta de
crítica empreendida por Jacobs, tais programas de pessoas nos mais variados negócios,
remodelação urbana foram amplamente aplicados, incluindo os moradores, abandonando-se
o que promoveu um profundo processo de o zonning moderno.
elitização, através da expulsão de minorias, idosos,
locatários e a classe trabalhadora.
108
A MORFOLOGIA URBANA (do grego:
20 morphos, forma; + logos, estudo) nasceu
no contexto de crítica ao funcionalismo
MORFOLOGIA URBANA entre os anos 50 e 60, estreitamente
ligada às questões preservacionistas
européias. Seu principal objeto de estudo
No segundo pós-guerra, a reconstrução é a “forma” da cidade constituída ao longo
das cidades européias promoveu uma da história, por marcas, sinais e símbolos
série de iniciativas de renovação urbana deixados por culturas do passado e do
(urban renewal), que passaram a dominar presente, proporcionando conhecimento e
as intervenções urbanísticas até os anos levando à reflexão de como intervir no
60, a maior parte delas baseada na futuro (LAMAS, 2000).
destruição das estruturas pré-existentes e  O objetivo do estudo morfológico
remoção das comunidades instaladas, é analisar a evolução das cidades
geralmente de baixa renda. partindo de seus princípios
formadores, considerando suas
 Muitas dessas ações tiveram constantes transformações (mutações)
conseqüências terríveis para a vida e identificando seus vários elementos
dos centros históricos, que foram constitutivos (edificações, ruas e áreas
abandonados ou transformados em livres), os quais se transformam ao
objeto de especulação. Diante desse longo do tempo. Como o “lugar do
processo de degradação física e habitar humano”, a cidade é vista
social, surgiram questionamentos e como a acumulação e integração de
debates sobre a preservação e muitas ações individuais e coletivas,
remodelação urbana, promovidos por guiadas por tradições culturais e
fortes reações populares. moldadas por forças socioeconômicas
no decorrer da história (morfogênese).
Desde então, estudos interdisciplinares
passaram a ser feitos, criticando os
Trata-se de um método de análise que
efeitos do urbanismo moderno. A ruptura
investiga as componentes físico-espaciais
da postura funcionalista deu-se por meio (lotes, ruas e tipologias edilícias) e sócio-
de intervenções pontuais com a culturais (usos, ocupações e apropriações) da
implantação de projetos urbanos que forma urbana e como elas se relacionam de
passaram a exigir 02 (duas) áreas do modo recíproco (espaços públicos e privados,
conhecimento de desenho urbano: abertos e fechados, construídos ou não, etc.) e
em função do tempo, a partir de suas
 o processo de formação da cidade, que é
permanências, mutações e transformações,
histórico e sociocultural, relacionado às
formas utilizadas no passado e que estão auxiliando intervenções sobre a cidade.
disponíveis como material da arquitetura;
 a reflexão sobre a forma urbana enquanto Segundo DEL RIO (1999), são 04 (quatro)
objetivo do urbanismo, que é o corpo ou os temas de pesquisa contemporânea da
materialização da cidade, capaz de morfologia urbana:
determinar a vida urbana em comunidade.
a) Crescimento: modos, intensidades e
Em meados da década de 1960, surgiu direções; elementos geradores e
uma maior consciência do patrimônio reguladores, limites e sua superação,
cultural e ambiental, levando à reação modificação de estruturas e pontos de
cristalização;
contra o racionalismo tecnicista e a uma
b) Traçado e parcelamento: ordenadores do
necessidade de retomada da arquitetura espaço, estrutura fundiária, relações,
como expressão cultural e formal. distâncias, circulação e acessibilidade;
 Na procura por alternativas c) Tipologias dos elementos urbanos:
metodológicas, nasceram as inventário e categorização de tipologias
edilícias (residência, comércio), de lotes e
pesquisas de MORFOLOGIA sua ocupação, de praças e de esquinas;
URBANA e de TIPOLOGIA EDILÍCIA
d) Articulações: relações entre elementos,
(relativa à construção, à reciclagem e hierarquias, domínios do público e privado,
à revitalização de edificações), densidades, relações entre cheios e vazios.
principalmente na Itália e na França.

109
A análise morfológica resgatou o conceito Os estudos urbanos tipo-mofológicos
de TIPO, formulado pelo tratadista francês partem do princípio de que a forma do espaço
do século XVIII Antoine Quatremère de é uma realidade para a qual contribui um
conjunto de fatores socioeconômicos, políticos
Quincy (1755-1849) e que consiste na e culturais, além de ser o resultado de uma
estrutura organizativa de determinado produção voluntária compreendida como um
tema arquitetônico (moradia, teatro, processo que organiza os objetivos do
templo, etc.), a qual permanece constante planejamento, utilizando conhecimentos
e imutável na história. próprios e dando-lhes enfim a sua forma.
 Diferente de um modelo – que seria  Seus maiores expoentes foram
um padrão a ser repetido de forma os arquitetos italianos da Nuova
idêntica e exata –, o tipo permite Tendenza, entre os quais Saverio
mutações, ou melhor, a produção
Muratori (1910-73), seguidos do
imprecisa de objetos distintos que
mantêm relações similares. Entender a francês Philippe Panerai (1940-) e
relação entre um tipo arquitetônico e a do catalão Manuel de Solà-Morales i
forma da cidade tornou-se Rubió (1939-), entre outros, que
fundamental para compreender a constituíram instrumentais no
estruturação de um tecido urbano e desenvolvimento de conceitos e
subsidiar a metodologia do projeto metodologias para analisar a forma
arquitetônico e urbanístico (MONTANER, urbana como lógica evolutiva das
2002). forças sociais e propor ações de
intervenção sobre a mesma.
O estudo da sucessão histórica dos diferentes
tipos de edificação, no qual se busca analisar
como determinadas formas, sistemas e
relações espaciais evoluem na morfologia
urbana denomina-se TIPOLOGIA EDILÍCIA.

O conceito de MORFOLOGIA nasceu de


uma categoria de análise urbana por parte
de geógrafos alemães e ingleses –
destacando-se o pioneirismo de Michael
R. G. Conzen (1907-2000) – no primeiro
quartel do século passado, a qual se
desenvolveu no âmbito da arquitetura e Considera-se a Operazione Bologna, que
urbanismo a partir da década de 1960, promoveu a recuperação do centro histórico dessa
inicialmente na Itália e na França e, cidade italiana, em fins dos anos 60, o marco
depois, na Espanha. Desde então se histórico das iniciativas de REVITALIZAÇÃO
URBANA e de criação de uma legislação para
incorporou definitivamente nos planos e
evitar as transformações de caráter espontâneo, o
políticas públicas de recuperação e que se tornou comum a outros planos urbanísticos
renovação de núcleos históricos. desenvolvidos nas décadas seguintes.
Os maiores exemplos que sucederam Bolonha
 Conzen foi um geórgrafo alemão foram os trabalhos realizados, a partir da década
que migrou para a Inglaterra antes da de 1970, em várias cidades italianas (Roma,
Segunda Guerra Mundial (1939/45) Veneza, Firenze, Genova, etc.) e nos centros
para estudar e aplicar os métodos de históricos de Paris (França), Londres e Glasgow
planejamento urbano, tornando-se (Grã-Bretanha), Berlim e Hamburgo (Alemanha),
conhecido a partir de seu detalhado Barcelona e Bilbao (Espanha), Lisboa e Porto
estudo da cidade-mercado de (Portugal) e o Darling Harbor de Sidney (Austrália).
Alnwick, Northumberland, no nordeste Na América, foram fundamentais as experiências
de renovação de Boston, Baltimore, Miami e São
da Grã-Bretanha. Realizada em 1960,
Francisco, que serviram de referência para projetos
sua análise resistiu à linha quantitativa similares tantos nos EUA como na Europa.
que predominava na geografia, Destacaram-se também as remodelações de
baseando-se em uma pesquisa Vancouver e Toronto (Canadá) e de Puerto
intuitiva e empírica, por muitos Madero, em Buenos Aires. Houve também reflexos
considerada ausente de rigor e força no Brasil, através de ações em São Luís, Recife,
na elaboração de prognósticos. Salvador, Curitiba e Rio de Janeiro.

110
OPERAZIONE BOLOGNA ESCOLA ITALIANA
O ambiente italiano do segundo pós-guerra foi
Plano implementado pelo governo municipal,
bastante propício ao debate crítico sobre a
segundo as diretrizes do Partido Comunista
arquitetura e urbanismo modernos. Depois do
Italiano e dirigido por Pier Luigi Cervellati, período da ditadura fascista, a reconstrução
consistiu em um conjunto de ações para a política, econômica e social, do país
conservação do centro histórico da cidade de possibilitou uma discussão nacional sobre a
Bolonha, no norte da Itália, fundamentadas em cidade como lugar do coletivo, expressão da
um estudo meticuloso sobre a evolução das sociedade livre e patrimônio da cultura, o que
formas e tipologias existentes no tecido
se intensificou com o NEOREALISMO.
urbano.
 De bases romanas, a corrente
A Operazione Bologna recolocou
o centro histórico como definidor da neorealista relativamente efêmera
política urbana da cidade como um influenciou a arte e a arquitetura,
todo, retomando o significado da área destacando valores populares que,
central como elemento irradiador de no norte da Itália (Milano, Genova e
toda a ordenação urbana. Torino), revestiu-se de um caráter
mais elitista e dedicado à recuperação
Visando preservar o patrimônio construído, dos materiais e configurações
melhorar as condições de vida da população neoracionalistas. Em 1944, criou-se
trabalhadora e refrear a especulação imobiliária,
priorizou-se a produção de grande número de
em Milão o Movimiento Studi per
unidades habitacionais diferentes dos padrões l’Architettura – MSA, que se converteu,
sociais. Suas principais medidas incluíram: junto à revista Casabella, em um
a) a categorização de todas as construções do importante catalisador do debate
setor, onde foram identificados os cultural italiano.
contenitori (grandes complexos edificados,
tais como palácios e monastérios), além de Ao final da guerra, surgiu em Roma uma tendência
conjuntos de pequeno porte, com pátios neo-organicista que se propunha pós-racionalista,
internos e testadas de 10-15 m, que foram global e renovadora, liderada por Bruno Zevi
preservados e restaurados; (1918-2000) arquiteto italiano formado em Harvard,
b) a demolição de construções sem interesse autor de Saber ver a arquitetura (1948) e História
histórico que foram substituídas por serviços da arquitetura moderna (1950). Em 1945, fundou-
sociais, promovendo a criação de se a Associação para a Arquitetura Orgânica –
“corredores” para a instalação de novas APAO, que, inspirada pelos trabalhos de Frank
redes de infra-estrutura; Lloyd Wright (18969-1959), passou a defender o
uso de superfícies inclinadas, ângulos agudos e
c) a revisão das leis de zoneamento e uso do
concreto aparente, em composições múltiplas e
solo urbano, assim como a criação de novos
agregadas, inclusive em nível urbano.
espaços públicos para descongestionar o
núcleo histórico; Além de Zevi, os maiores expoentes desse neo-
organicismo italiano foram os arquitetos: Giuseppe
d) a remodelação das casas dos artesãos
(casas geminadas e estreitas, de testadas Samoná (1898-1983), Carlo Scarpa (1906-78),
de 4-8 m, de 30-40 a 80-100 m ), que
2 Giovanni Astengo (1915-), Vittoriano Viganò
tiveram suas fachadas, pátios internos e (1919-96) e Giancarlo De Carlo (1919-2005), entre
elementos estruturais (escadas e outros. Os neoracionalistas do norte italiano
corredores) preservados; e seu interior opuseram-se à "americanização" da tendência
reestruturado para comércio e serviços, orgânica, o que acabou fazendo com que tal
voltados a diferentes públicos (idosos, corrente, de caráter brutalista, tivesse pouca
solteiros, jovens casais, famílias e turistas). atuação, dado seu caráter polêmico.

Destacaram-se a efetiva participação popular, Em meados dos anos 50, surgiu um grupo de
a definição clara entre espaços coletivos e arquitetos que resultou no movimento Nuova
privados e o controle da densidade de Tendenza, cujo esforço foi para construir uma
ocupação do solo, o que garantiu a eficácia do teoria da arquitetura que respondesse às
plano em seus primeiros anos. Contudo, o exigências internas da disciplina e que, ao
crescimento do terciário sofisticado da cidade, mesmo tempo, se alinhasse com os objetivos
nos anos 80 e 90, e a forte expansão da sociais, culturais e políticos que a oposição
universidade, provocaram uma mudança de esquerdista propôs como resposta ao
uso dos imóveis e uma sofisticação da área crescimento do capitalismo do pós-guerra.
(residências estudantis, restaurantes, bares, Esta geração empenhou-se em associar teoria
lojas, livrarias e galerias). e prática, incorporando a história no projeto.

111
Os arquitetos italianos da Nuova Tendenza Saverio Muratori (1910-73)
consideravam a HISTÓRIA como meio de
reforçar o senso de continuidade da prática Arquiteto italiano que foi o primeiro, nos anos 50, a
arquitetônica, o qual tinha sido perdido com o adotar o método tipo-morfológico para a análise
da arquitetura e do projeto urbano. Diante da
modernismo, que negava ter referências
grande variedade de formas existentes, procurou
culturais baseadas em raízes históricas, definir critérios para a identificação e sua
acabando por levar ao progressivo classificação em algumas categorias analíticas,
empobrecimento da prática arquitetônica. criando uma nova estrutura teórica para a
Essa geração pós-moderna entendia a compreensão sistemática das leis históricas que
arquitetura como processo de conhecimento, deveriam ser aplicadas na arquitetura.
recusando-se a separar teoria e realidade, Entre 1944 e 1946, escreveu alguns ensaios onde
classificando a crítica e história como surgiram os conceitos de cidades como
instrumentos de projeto (MONTANER, 2002). organismos vivos e como trabalhos coletivos de
arte, além da idéia de planejar novos edifícios
como continuidade da cultura construtiva do lugar.
Em 1952, tornou-se catedrático em Veneza, onde
iniciou uma série de pesquisas, publicadas em
Studi per una storia operante urbana di Venezia
(1959), nas quais reexaminou o centro da cidade,
empregando os conceitos fundamentais de tipo,
tecido, organismo e história operante. Procurando
integrar as disciplinas técnicas às históricas e
teóricas, empreendeu um profundo estudo do
tecido urbano veneziano, baseado no método
tipológico, do qual concluiu que:
 a validade de um tipo somente ocorre quando
é analisado dentro da sua aplicação concreta,
Ernesto Nathan Rogers (1909-69) ou seja, inserido no tecido construído;

Arquiteto e editor da revista Casabella-Continuitá,  o tecido urbano por sua vez não se caracteriza
entre 1953 e 1964, seus artigos tornaram-se fora de seu quadro concreto, isto é, fora do
referências para a cultura arquitetônica italiana estudo do conjunto da estrutura urbana;
dada a enorme coerência e lucidez de suas  a estrutura urbana somente se concebe no
propostas, acabando por influenciar a geração de contexto histórico, pois sua realidade se funda
arquitetos que introduziu a revisão dos princípios no tempo por uma sucessão de reações e
modernistas, defendendo que suas utopias e crescimentos a partir de um estado anterior.
propostas universais deviam se atualizar com o
modo de pensar e viver do seu tempo. Dos As idéias de Muratori repercutiram em Roma,
mestres, mais do que suas propostas formais, inclusive criando reações entre os neo-
devia-se aprender seus ensinamentos morais e organicistas liderados por Zevi, que as tacharam
metodológicos, reintegrando-se projeto e cidade. de “tradicionalistas”. Mesmo assim, seu método de
Em sintonia com as idéias de Antonio Gramsci trabalho, objetivo e verificável, baseado na
pesquisa histórica, influenciou muitos trabalhos de
(1891-1937), Rogers acreditava que o papel do
renovação urbana, como aqueles empreendidos
intelectual estava no estabelecimento de uma
por Gianfranco Caniggia (1933-87) na análise da
ponte entre a tradição – como acúmulo do esforço
humano – e a modernidade – como ânsia e cidade de Como, em 1963; ou mesmo na profícua
necessidade de transformação e melhora coletiva. experiência de Bolonha.
Um de seus conceitos fundamentais foi a idéia de A “herança muratoriana” do uso de procedimentos
pré-existências ambientais, estas compreendidas tipológicos acabou influenciando muitos projetos
como “presenças respeitosas” da cidade urbanos em cidades italianas e do norte da África,
tradicional, tanto as naturais como aquelas criadas conduzida por colegas e ex-alunos, entre os quais
historicamente pelo homem. Giancarlo Cataldi e Gian Luigi Maffei. Uma
Rogers participou, entre 1939 e 1969 – junto a terceira geração de arquitetos italianos acabou
Gian Luigi Banfi (1910-45), Lodovico Barbiano incorporando o estudo tipo-morfológico em seus
trabalhos, incluindo nomes como os de Carlo
di Belgiojoso (1909-2004) e Enrico Peressutti
Aymonino (1926-), Gae Aulenti (1927-), Vittorio
(1908-76) – do STUDIO BBPR, grupo que se
empenhou em atualizar o repertório modernista, Gregotti (1927-), Aldo Rossi (1931-97), Enzo
contextualizando-o com a realidade italiana, Bonfatti (1932-), Giorgio Grassi (1935-),
através da superação do “esquematismo” abstrato Manfredo Tafuri (1935-94), Franco Purini (1941-)
da sua linguagem. O grupo realizou um grande e Massimo Scolari (1943-). Foi a partir de seu
número de edifícios residenciais, que, embora trabalho de classificação tipológica resumido no
tenham sido realizados dentro do método Tabeloni que enfim nasceu a metodologia tipo-
racionalista, adotaram referencias historicistas, morfológica até hoje empregada em planos para a
como a famosa Torre Velasca (1951/57, Milão). recomposição de tecidos urbanos deteriorados.

112
Giulio Carlo Argan (1909-92) Vittorio Gregotti (1927-)
Arquiteto e teórico italiano, cujas concepções Arquiteto italiano que abandonou a temática do
sobre cultura e arte, e sua relação com a neorealismo (Neo-Liberty) no final dos anos 50
sociedade e a produção industrial, tornaram-se pela vontade de se opor à desagregação pluralista
básicas para sustentar muitas idéias pós- do modernismo, defendendo a reintegração do
modernas. A partir de seu livro Progetto e destino originário programa racionalista acrescentado pela
(1965), difundiu a expressão “tipologia preocupação contextual. Em seu livro Territorio
arquitetônica” (tipologia architettonica), integrando- della architettura (1966) esforça-se em entender a
a, por meio da clareza de critérios metodológicos, arquitetura como fato cultural que se fundamenta
a uma visão global da arte e arquitetura. na sua capacidade em intervir no território para
Assim, propôs um método que consistiria em propor uma prática de absorção de elementos
apresentar a história como síntese da regionalistas. Projetando grandes conjuntos
interpretação formalista – que avalia a capacidade industriais e centros universitários, apresentou
criativa do artista junto às características formais propostas mais concretas e intensas que muitos
de cada obra – e da corrente de raiz marxista que de seus colegas da Nuova Tendenza.
se baseia na análise da evolução da arte em suas
relações com a sociedade, o poder, o trabalho e a
luta de classes. Sua insistência na perda da
qualidade conceitual da cultura contemporânea
em função do pragmatismo; sua defesa do
trabalho artesanal frente à perda da dimensão
artística que comporta a indústria; ou sua crítica
às leis da sociedade de consumo, são idéias
sintonizadas com a nostalgia e o idealismo
historicista de parte dos arquitetos italianos, ainda
que também expressem uma crítica séria às leis
da sociedade capitalista (Storia dell’arte come
storia della città, 1983) (ARGAN, 2005).

Carlo Aymonino (1926-) Paolo Portoghesi (1931-)


Arquiteto e crítico italiano, o qual defende o uso de
Arquiteto italiano cuja importância está no estudo
tecnologias locais na finalidade de se obter novas
que fez das relações existentes entre as
formas, recorrendo assim à história. Em suas
características morfológicas da cidade e as
obras, busca significados extravagantes,
identidades tipológicas de alguns fatos edilícios
trabalhando com ornamentos não-convencionais,
(prédios, praças, bairros, etc.), verificando se
tais como símbolos esotéricos e componentes
estes poderiam ser avaliados enquanto constantes
kitsch. Em seu livro Dopo l’architettura moderna
no tempo e nas diversas condições históricas.
(1980-), constata que arquitetura moderna como
Dando à tipologia um caráter mais instrumental,
estilo de uma civilização tecnológica morreu.
voltado a um método de análise do que à mera
Destacaram-se suas casas Baldi (1960, Roma),
categorização, procurou estabelecer uma relação
entre morfologia e significado. Bevilacqua (Gaeta, 1964), Andreis (Riete-
Scandriglia, 1965) e Papanice (1970, Roma).
Em seu livro Il significato delle città (1975), diz que
o significado da cidade, em seu âmbito físico,
deriva da relação entre a análise morfológica do Aldo Rossi (1931-97)
conjunto e a classificação tipológica dos seus
componentes. Para ele, somente a partir de uma Arquiteto italiano que estudou a arquitetura da
série de análises específicas, capazes de definir cidade e sua continuidade histórica, tornando-se
as transformações urbanas através dos tempos figura exponencial na discussão pós-moderna
como testemunhas físicas de condicionamentos quanto à reapropriação da história graças à
socioeconômicos, é que se pode conseguir publicação de L’Architettura della città (1968), livro
compreender o verdadeiro significado das cidades no qual traça uma série de critérios metodológicos
e promover uma atuação conscienciosa. para a análise e intervenção urbana.
Concentrando seu estudo nas praças – os Com base nas idéias de seus colegas e também
elementos formadores e espaços coletivos por nos artigos que publicou na revista Casabella, foi
excelência, que são a máxima expressão da influenciado pelo pensamento filosófico da Escola
dimensão cívica e pública das cidades – concluiu de Frankfurt, em especial por Mínima moradia, de
que a cidade possui significado se puder ser Theodor W. Adorno (1903-69), que criticava o
encontrada uma relação precisa e homogênea funcionalismo ingênuo, afirmando que não existiria
entre sua forma urbana e a escala dos seus uma relação unívoca e linear entre formas e
edifícios-símbolo (monumentos integrados na funções. Além disso, integra também
paisagem que são componentes validados pela contribuições de Kevin Lynch, utilizando para a
experiência da cidade). interpretação da cidade os critérios psicológicos e
geométricos, fortemente influenciados pelas
teorias perceptivas da Gestalt.

113
O livro de Rossi está dividido em 04 (quatro)
partes: na primeira, define os termos a serem ESCOLA FRANCESA
utilizados com base na discussão da tipologia. Na
segunda, olha a estrutura da cidade como um todo A baixa qualidade da construção habitacional
e em relação a seus diferentes elementos e, na do segundo pós-guerra francês, baseada na
terceira, examina a arquitetura da cidade e seu produção em massa de moradias sociais
locus (sítio urbano). Na última parte, verifica os
projetadas segundo os padrões mínimos em
problemas da dinâmica urbana que o levam a
discutir as políticas de escolha do sítio. conjuntos urbanísticos racionalistas, levou a
uma reflexão teórica, antes inexistente, no final
Estudando a cidade a partir de seus elementos
constituintes (fatos urbanos), reforça seu caráter
da década de 1960.
histórico e coletivo, assim como suas relações  Os estudos pioneiros foram
com a tradição e o modo como se agrupam para realizados pelos arquitetos Philippe
formar vizinhanças. Cria assim um método
projetual baseado na capacidade da arquitetura Panerai (1940-) e Jean Castex (1942-
assumir valores, significados e usos diversos, ), os quais fundaram, juntamente ao
tornando-se elementos (arquétipos) que são ao sociólogo Jean-Charles Depaule
mesmo tempo gerados e geradores da forma (1945-), uma escola de arquitetura em
urbana. As principais idéias destacadas são: Versalhes (Versailles), dissidente da
a) A cidade é uma grande manufatura, que se École des Beaux-Arts parisiense em
desenvolve com o tempo a partir da inter- que ainda predominavam os princípios
relação entre os fatos urbanos (ruas, praças, funcionalistas.
edifícios, bairros, etc.), caracterizados por
uma arquitetura ou forma própria. A Enquanto se dedicavam à pesquisa sobre a
individualidade de cada fato urbano reside na evolução histórica dos arredores de Paris,
sua forma, complexa e organizada no espaço Panerai e Castex tiveram contato com os
e no tempo, a qual nasce da vida trabalhos de Muratori; e passaram a analisar a
inconsciente, primeiramente no nível da tipologia e escala das cidades antigas e pré-
comunidade, ou seja, coletivamente; e industriais, criticando os alojamentos coletivos
depois do indivíduo, particularmente; monumentais e defendendo a residência
b) A cidade é o locus da “memória coletiva” unifamiliar. Em Formes urbaines: de l´îlot a la
ligada a acontecimentos e lugares e barre (1975), denunciam o declínio da quadra
responsável pela transformação do espaço
(îlot) por meio da revisão de um século de
por obra da coletividade. As cidades
modificam-se no decorrer dos tempos, com intervenção urbanística, resgatando a noção
velocidade variável e conforme muitas forças de bairro e a relação dos edifícios com o solo e
que nela intervêm, seja de natureza do espaço público com o privado.
econômica, política ou outra: “a forma da
cidade é sempre a forma de um tempo da A escola tipo-morfológica na França foi marcada
cidade”; também por uma série de estudos teóricos
c) A cidade cresce mediante a contínua tensão empreendidos por Bernard Huet (1939-2001), que
dos elementos primários; ou seja, obras que escreveu vários artigos quando editor da revista
se constituem em um acontecimento Architecture D´Aujourd´hui, nos anos 70; além de
originário na conformação urbana e que outros livros, como Morfologia urbana e tipologia
permanecem e se caracterizam no tempo, arquitetônica (1977), de Ahmet Gulgonen e
inclusive transformando sua função. São François Laisney; e Elementos de análise urbana
atividades fixas (edifícios comerciais e (1980), de Panerai e Depaule, em conjunto com
públicos) que têm caráter coletivo e de Marcelle Demorgon. Todos defendiam o estudo da
natureza essencialmente urbana, capazes de forma urbana a partir da identificação de sua
acelerar o processo de urbanização e organização e seus elementos de composição,
caracterizando inclusive a transformação demonstrando sua lógica e descrevendo sua
espacial do território (ROSSI, 2001); estrutura formal.
d) Os monumentos são elementos primários A importância da pesquisa francesa está
pertencentes à esfera pública que crescem especialmente no tratamento que foi dado à
sempre pontualmente e que constituem morfogênese urbana, onde se fez uma minuciosa
operações únicas promovidas por análise do cadastro fundiário e das suas
destacados esforços coletivos. Somente implantações arquitetônicas ditas ordinárias. Não
compreendendo-os como fato urbano se limitando aos monumentos ou obras singulares,
singular e permanente, pode-se estabelecer observou-se tipologias simples que se
um sentido na arquitetura da cidade. A forma concretizaram a partir dos parcelamentos do solo e
arquitetônica da cidade deve ser exemplar se constituíram em elementos de composição do
em cada monumento, embora cada um dos agregado. De modo diferente de Rossi, para os
quais seja uma individualidade em si: “a franceses, não será o monumento que definirá o
arquitetura pressupõe a cidade”. local, mas sim o parcelamento do solo, o sistema
vário e as constantes tipológicas.

114
Podem ser apontadas como as causas
21 para a difusão de planos e projetos de
REABILITAÇÃO URBANA nos anos 70:
CONSERVAÇÃO INTEGRADA a) Esgotamento do modelo econômico fordista
voltado a um intenso crescimento baseado
na massificação da produção e consumo
(ideal positivista e de lógica racional-
Nascida a partir da experiência de tecnicista), devido à crise do petróleo e os
Bolonha, a chamada CONSERVAÇÃO problemas ambientais dos anos 60 e 70;
INTEGRADA – CI, corresponde a uma b) Efeitos negativos de políticas urbanas
modernas equivocadas que resultaram em
metodologia de intervenção e renovação projetos traumáticos (arrasa-quarteirão) ,
urbana baseada em uma visão baseados em uma arquitetura distanciada
interdisciplinar e multisensorial da cidade, de lastros históricos e dos valores da
cujos princípios passaram a ser população ou ainda exageradamente
conservacionistas;
amplamente aplicados nos anos 70 e 80,
c) Renovação indiscriminada da cidade
inicialmente em cidades do norte da Itália existente (urban renewal), que substituiu a
(Siena, Piacenza, Ferrara e Brescia), riqueza físico-espacial e a pluralidade
depois na França e Espanha; e finalmente sociocultural das áreas centrais tradicionais,
no resto do mundo. já desvalorizadas e esvaziadas de suas
funções originais, com ambientes frios,
 Descrita e caracterizada pela monofuncionais e simplistas;
Declaração de Amsterdã (1975), a CI d) Falência do Estado e emergência do
serviu como argumento teórico e mercado globalizado, fazendo com que o
prático para as administrações novo capitalismo neoliberal percebesse, por
municipais de esquerda, visando a um lado, os potenciais do patrimônio
criação de uma imagem política de instalado, a acessibilidade e o simbolismo
eficiência administrativa, justiça social das áreas centrais e, pelo outro, os vazios,
as descontinuidades e os limites internos ao
e participação popular nas decisões do
crescimento e à expansão da economia;
planejamento urbano-regional.
e) Expansão da conscientização popular e da
As primeiras aplicações da CONSERVAÇÃO consolidação dos movimentos comunitários
URBANA deram-se em áreas residenciais antigas e ambientalistas, que, inseridos no
dos centros históricos e sua respectiva periferia, paradigma do desenvolvimento sustentável,
preocupando-se em manter a população de baixa voltaram-se para a reutilização das áreas
renda original desses locais. Até meados da centrais, a recuperação de suas arquiteturas
década de 1980, foi progressivamente expandida e a valorização cultural de suas ambiências;
para outras partes da cidade, em especial f) Gestão da cidade segundo uma lógica
conjuntos habitacionais modernos, construídos nos neoliberal, cuja prática urbanística passa a
anos 50 e 60 nas periferias das cidades européias, ser fragmentada e dispersa, conforme as
passando a enfatizar os espaços públicos, as áreas oportunidades, as vantagens competitivas e
verdes e a conversão de grandes edificações as respostas de um mercado consumidor
(conventos, quartéis, etc.) em equipamentos cada vez mais globalizado, embora de
sociais de uso coletivo; e buscando uma integração expressões localizadas como, por exemplo,
das áreas periféricas aos centros urbanos e aos na instituição de espacialidades propícias
locais de concentração de equipamentos coletivos, para novos pólos financeiros e imobiliários
por meio de políticas especiais de transporte transnacionais; ou de intenso turismo
coletivo. cultural-recreativo.
Nas décadas de 1980 e 1990, a CI perdeu seu Os exemplos contemporâneos de CI expressam um
cunho social e passou a ser encarada como uma planejamento e desenho urbano baseados na
forma de revitalização de áreas centrais deprimidas cultura do agente público como empreendedor,
ou obsoletas, associando-se à recuperação mas que mantém uma associação livre junto à
econômica e do valor imobiliário dos estoques de iniciativa privada nos processos de revitalização e
construções, especialmente daqueles protegidos reabilitação urbana. O interesse renovado pela CI
por instrumentos legais de tombamento localizados associou-se à questão do DESENVOLVIMENTO
em áreas centrais; e a sua conversão a usos do SUSTENTÁVEL já que, em termos de estruturas
terciário moderno. Tornou-se assim um dos esteios urbanas, isso significa que estas devem ser
das políticas neoliberais em nível municipal, utilizadas na atualidade e transformadas, no que for
transformando a revitalização urbana em uma necessário, para a satisfação das necessidades
estratégia de agregação de valor à economia atuais, sem que as gerações futuras possam
urbana das localidades e em um instrumento receber um patrimônio que comprometa a sua
poderoso de atração de investimentos privados liberdade de utilização, memória e identidade.
supra-regionais ou internacionais.

115
Quinze anos após a realização bem- Dentre os setores de maior interesse para
sucedida da Operazione Bologna, em a revitalização, as áreas portuárias
meados dos anos 80, houve uma assumiram um papel estratégico,
alteração do perfil do centro histórico de principalmente devido ao seu contínuo
Bolonha, quando a área recuperada de processo de esvaziamento, causado pelas
residência popular acabou sendo ocupada dificuldades de acomodar as novas
por novos usos (habitação estudantil, logísticas portuárias às suas limitadas
livrarias, lojas e bares) que a instalações, além da conteinerização, dos
transformaram em uma das regiões mais gigantescos navios de carga e da difícil
sofisticadas da Itália, reforçando um acessibilidade dos meios de transportes
processo de GENTRIFICAÇÃO URBANA. de apoio (ferroviário e rodoviário).
 Essa perda de homogeneidade  Sua situação de abandono e
de uso no setor de uma cidade, deterioração provoca limitantes sociais
representada pela gentrificação, e econômicos, mas sua transferência
trata-se de um resultado inevitável da pode gerar importantes oportunidades
própria revitalização de áreas de expansão urbana, para novas
históricas, antes deterioradas ou funções e inversões imobiliárias, indo
obsoletas. A menos que haja edifícios ao encontro do novo
vazios, ocorrerão vetores de PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
deslocamento (atração e repulsão), já dos modelos de oportunidade e das
que assim que uma área é revitalizada operações de revitalização urbana.
ela passará por um processo de Coroados com novas visibilidades,
aumento dos valores das propriedades esses investimentos assumem grande
imobiliárias e atrairá usuários que poder de atração e lucram com seu
desejam pagar rendas mais altas. poder multiplicador.
Atualmente, os planos e projetos de
revitalização urbana caracterizam-se por:
a) Buscarem a requalificação de espaços
através de intervenções pontuais e inseridas
em um planejamento estratégico, integrado
e contínuo, que dispensa à existência de
um plano no sentido tradicional;
b) Basearem-se em uma concentração de
investimentos e esforços para a ocupação
dos vazios e a reutilização do patrimônio
PUERTO MADERO, BUENOS AIRES instalado, principalmente áreas portuárias
Desde Bolonha e as demais experiências centrais e suas frentes marítimas;
italianas com a conservação integrada, a c) Favorecerem a intensificação e mistura dos
política traçada para os centros históricos não usos, gerando impactos positivos e
pôde mais ser tratada de maneira autônoma e crescentes em seu entorno, a partir de um
processo de realimentação que atrai novos
marginal à política territorial. Vários governos, investidores, moradores e consumidores,
tanto na Europa como fora dela, passaram a gerando, por sua vez, novos projetos;
renovar áreas urbanas problemáticas de suas
d) Nascerem da colaboração entre o poder
grandes cidades, através de amplos público (viabilizadores), a esfera privada
programas de REABILITAÇÃO URBANA. (investidores) e a participação da
comunidade (moradores e usuários), o que
 Os casos mais emblemáticos garante a identificação de planos e
desse novo perfil da CI são as obras programas que maximizam e compatibilizam
renovadoras de Paris e o conjunto das esforços e investimentos, norteando a
Docklands de Londres e Liverpool, implementação integrada de ações a curto,
feitas entre os anos 70 e 80; o Parc médio e longo prazos;
Olimpic de Barcelona; o Plano e) Promoverem uma redefinição da imagem da
Estratégico de Lisboa e o Puerto cidade, qualificando-a ao crescimento do
Madero de Buenos Aires, nos anos 90; turismo cultural, recreativo e temático, além
além do Inner Harbor Redevelopment de aumentarem suas potencialidades
de Baltimore, a reestruturação do paisagísticas, lúdicas, logísticas e
imobiliárias (revalorização mediática do seu
waterfront de Boston e o South Street
capital simbólico).
Seaport de Nova York, nos EUA.

116
FRANÇA INGLATERRA

O processo de renovação de Paris iniciou-se


Grande parte de Londres foi arrasada por
em 1962 e durou cerca de duas décadas, a
bombas na Segunda Guerra Mundial
partir de um amplo programa dirigido pelo
(1939/45), o que levou a várias iniciativas de
ministro da cultura André-Georges Malraux
reconstrução funcionalista, além de grandes
(1901-76), o qual procurou restaurar antigos
eventos para o desenvolvimento da cidade,
monumentos, ampliar seus acessos e reciclar
como os Jogos Olímpicos (1948) e o Festival
suas estruturas, além de promover a
da Grã-Bretanha (1951), para o qual foi
revitalização de alguns bairros com base nas
construído o Royal Festival Hall, de Robert
idéias difundidas por Panerai e Castex.
Matthew (1906-75) e Leslie Martin (1908-99).
Somente na década de 1980, no governo de
François Miterrand (1916-96), que algumas  Em meados dos anos 60,
obras foram concluídas. quando Londres liderava o mundo
 Uma das primeiras áreas a ser da moda e da música popular, uma
remodelada foi a do antigo mercado de série de relatórios – o de Milner
Les Halles, que funcionava no mesmo Holland (1965) sobre a habitação em
local desde 1183, no Beaubourg, Londres; o de Plowden (1967) sobre
próximo ao Le Marais, dando lugar a escolas primárias; o de Seebohm
um complexo de uso misto inaugurado (1968) sobre serviços sociais –
em 1979. marcou a redescoberta oficial da
pobreza por parte do establishment
Problemas de tráfego fizeram com que fosse britânico, que promoveu alguns
transferido para os subúrbios e, entre 1963 e 1969,
projetos de renovação urbana.
organizações municipais, iniciadas pela Société
Civile d’Études pour l’Aménagement du Quartier
des Halles – SEAH, fizeram estudos para a área
até a instalação de uma nova estação de
baldeação da Rede Expressa Regional – RER.Em
1969, os históricos pavilhões de vidro do mercado
geral de gêneros alimentícios foram demolidos,
gerando muitos protestos. Em seu lugar, nasceu
um complexo elitista de lojas e lazer, o Forum Les
Halles, com sete hectares, criado pelo Taller de
Arquitectura de Ricardo Bofill (1939-) e que
demorou cerca de dez anos para estar
completamente concluído.
Iniciados em 1969 e interrompidos em 1976, os
Community Development Projects – CDP (Projetos
Também compuseram o PLANO DE
de Urbanização Comunitária) visavam despertar a
RENOVAÇÃO DE PARIS as obras de: consciência das comunidades carentes locais,
a) Construção da Tour Montparnasse (1973) e promovendo sua participação no planejamento
do Centre Georges Pompidou (1972/77), urbano. As equipes que os implementavam
este um polêmico edifício high-tech, proclamavam que o problema – de Saltley, em
projetado por Richard Rogers (1933-) e Birmingham; ou Benwell, em Newcastle-upon-Tyne,
Renzo Piano (1937-), em pleno coração do por exemplo – era “estrutural”: a nova palavra em
Le Marais, que foi totalmente remodelado; voga nas universidades e que passava a integrar o
b) Ampliação e modernização do Mussé du vocabulário urbanístico. A orientação e controle do
Louvre, em 1981, as quais incluíram a crescimento urbano passaram a ser
transferência do Ministério das Finanças que repentinamente substituídos pela obsessão de
ocupava a Ala Richelieu e a criação de uma encorajá-lo a todo custo (HALL, 2002).
nova entrada em forma de pirâmide,
projetada pelo arquiteto I. M. Pei (1917-) ; A partir de então, a receita mágica para a
revitalização urbana passou a ser um novo tipo
c) Criação de novos museus, como o Musée
Picasso e o Musée d’Orsay, de Gae Aulenti
de parceria criativa entre o governo municipal
(1927-), ambos frutos de reciclagens de e o setor privado. Os chamados YUPPIES ou
prédios antigos em 1986; além do Parc de young urban professional people (“jovens
La Villette (1984) e do novo bairro de La profissionais urbanos”) elitizariam as
Defense (1989); degradadas áreas residenciais vitorianas
d) Inauguração em 1989 da Ópera de Paris próximas do centro de Londres; e injetariam
Bastille, criada por Richard Meier (1934-). seu dinheiro em lojas, bares e restaurantes,
como ocorreu em Covent Garden.

117
O Covent Garden fora, desde o século XVII, o Rob (1938-) & Leon Krier (1945-)
maior mercado atacadista de frutas e verduras de
Londres. Em 1962, uma Secretaria Autônoma Os irmãos Krier são arquitetos ingleses que
assumiu a tarefa de preparar sua mudança para sofreram grande influência dos estudos tipo-
outro lugar, o que aconteceu precisamente em morfológicos dos italianos e franceses na sua
1974. Quando os empreendedores imobiliários formação profissional. Ambos têm em comum a
descobriram que restaurar custava menos da paixão pela cidade entendida como continuum,
metade que reurbanizar, mas podia gerar quase os cujos elementos primários são a rua e a praça, em
mesmos rendimentos, o comércio foi sendo relação aos quais os monumentos exerceriam a
substituído por butiques e lojas de artesanato; e o função de pontos de referência. Em seus
local transformou-se em um ponto de compras da trabalhos, defendem a criação de bairros ou
moda e em uma concorrida zona turística. distritos como unidades autônomas, formal e
politicamente, assim como mini-cidades dentro de
uma cidade-mãe.
Entretanto, o caso mais espetacular foi o das
London Docklands. O porto, outrora o maior do Baseado nas idéias de Sitte, Rob desenvolveu
trabalhos de pesquisa sobre as relações entre
mundo com seus 13 km ao longo do rio figura-fundo visando estabelecer uma tipologia de
Tamisa, fora arruinado pelas disputas praças nas cidades européias. Em 1987,
trabalhistas e pela transferência do comércio coordenou o redesenho do bairro do Tiergarten
para outros locais ao sul do Inglaterra, como Sul na exposição do International Bauaussatellung
Southampton e Felixstowe, acabando por se – IBA de Berlim. Com idéias mais arraigadas no
transferir todas as operações remanescentes passado, Leon empregou tipologias históricas
para Tilbury. No final da década de 1970, para propor a salvação das cidades européias.
instaurou-se um plano de reurbanização, o Através dos seus contatos pessoais com o
Príncipe Charles, conseguiu recriar uma cidade do
qual precisava ser oportunista em relação às
século XVIII através do projeto de Poundburry.
propostas vindas dos empreendedores. Outras obras: os novos bairros do Mercado
 Após projetos pontuais de Comum Europeu (1978, Luxemburgo); moradias
revitalização, como Saint Katherine’s da Royal Ment Square (1974, Londres) e as vias
Condotte e Corso de Rione (1978, Roma).
Dock, um complexo multifuncional
junto à Tower Bridge, foi instituída em
1981, pelo governo conservador de
Margaret Tatcher (1925-), a London
Docklands Development Corporation,
que tomou o controle da área e buscou
condicionar o mercado por meio de
pesados investimentos públicos para
torná-la um centro mundial de
operações financeiras.
Alavancada pela reestruturação econômica ESPANHA
mundial, atraíram-se investimentos privados
através de uma enterprise zone (área sem
controles urbanísticos onde valiam somente A reação espanhola ao modernismo deu-se
incentivos), que renegou o planejamento ou
por meio do regionalismo crítico, este
qualquer tipo de princípio regulador, gerando
conflitos internos, enorme especulação imobiliária e representado pela fundação em 1952 do
resultados urbanísticos questionáveis, como a Grupo R em Barcelona, que iniciou um
área de Cannary Wharf (1985), um conjunto movimento nacionalista catalão, liderado por
comercial, monumental e de alta densidade, Josep M. Sostres (1915-84) e Oriol Bohigas
totalmente desvinculado do resto de Londres, (1925-), que procurava, ao mesmo tempo,
projetado pelos escritórios norte-americanos de reviver os valores e procedimentos
Skimore, Owings & Merrill e Pei, Cobb & Freed. racionalistas da GATEPAC – a ala espanhola
 A experiência, acusada de mera pré-guerra dos CIAM –, e evocar uma
“yuppieficação” do East End londrino, arquitetura regional acessível à população.
acabou demonstrando ao governo  Porém, a ditadura franquista não
neoliberal os riscos de uma perdoou os antagonismos e, nos anos
privatização exagerada, além de 1960, o prefeito Josep M. de Porcioles
mostrar que os investidores, os favoreceu a especulação, a imigração
empreendedores imobiliários e o descontrolada e o abandono da malha
público em geral querem um na expansão dos subúrbios, sendo
planejamento estratégico e garantias que os industriais ao longo da costa
de regras urbanísticas claras. eliminaram a relação com o mar.

118
Já no final do franquismo, em 1968, foi fundado o O conjunto do plano de Barcelona, que foi
Laboratório de Urbanismo – LUB, da Escola internacionalmente reconhecido por várias
Técnica Superior de Arquitetura da Universitat premiações, tentou aprofundar o caráter
Politécnica de Catalunya, tendo como diretor sustentável e ecológico dos projetos, através da
Manuel de Solà-Morales i Rubió (1939-), que teria adoção de tecnologias “limpas” em sua infra-
um papel fundamental na recuperação urbanística estrutura, além da reciclagem de obsoletas
de Barcelona, com a retomada da democracia e a instalações industriais e portuárias. Iniciativas de
administração socialista após 1975, que permitiram grande porte garantiram a interconexão das
a intervenção dos planejadores para reverter o periferias às áreas centrais por meio de um novo e
processo de degradação da cidade e resgatar os avançado sistema de túneis e vias rápidas, assim
valores estéticos e funcionais da malha do como a convivência de múltiplas funções urbanas,
Ensanche. incluindo comércio, serviços, educação e moradia.

 Surgiu a idéia de um projeto  Apesar de criticado por autores


estratégico, em substituição ao como Josep María Montaner (1924-)
tradicional planejamento urbano, e Manuel Vázquez Montalbán (1939-
que proporia várias intervenções 2003), que denunciaram uma
desenvolvidas em curto e médio prazo, impositiva homogeneidade do plano, a
apoiadas economicamente pela falta de participação popular, o caráter
prefeitura e pela iniciativa privada, cenográfico das intervenções e a
compostas por ações de desenho excessiva incidência da especulação
urbano e arquitetônico. Além de imobiliária, o sucesso da experiência e
Bohigas e Solà-Morales, participaram sua difusão mundial fizeram continuar
Jordi Borja e Joan Busquets, entre os projetos de revitalização urbana de
muitos outros planejadores. áreas periféricas e portuárias.

Manuel de Solà-Morales i Rubió (1939-)


O conjunto de Plans i Projectes per a
Barcelona, empreendido entre 1979 e 1992, Arquiteto espanhol formado em Harvard que se
baseado em um investimento misto de 3,2 tornou figura proeminente na elaboração teórica
bilhões de euros, tinha os objetivos de: do Plã General Metropolitã e que passou nos anos
70 a descartar, por influência italiana, esquemas
a) Manter o equilíbrio entre transformação e
urbanos ideais e funcionalistas. A partir de seu
inovação, conservando ao máximo as infra-
texto Sobre metodologia urbanística (1969),
estruturas urbanas existentes (Casc Antic),
voltou-se ao estudo da dinâmica das cidades
valorizando a malha de Cerdà sobre a
espanholas, invalidando todo o planejamento que
individualidade dos novos edifícios e
propusesse uma forma urbana fixa e estável,
reativando o Port Vell, transformado em
incorporando assim a questão do crescimento.
centro cultural e gastronômico;
Estudando a forma (estrutura física) do território,
b) Recuperar o bairro popular e de indústrias relacionou a morfologia do dinamismo urbano com
desativadas de Poble Nou, conforme uma as forças socioeconômicas que interagem sobre a
proposta de Borja Carreras-Moysi e Josep cidade, procurando esclarecer o conteúdo social
Anton Acebillo, que o transformava no das diferentes tipologias e formatos urbanos, além
Distrito BCN 22@, um centro de serviços e do papel profissional do arquiteto. Analisou as
estruturas produtivas virtuais,contendo mais relações entre as diferentes formas (morfologia)
40.000 moradias (SUBIRÓS, 1998); de expansão da cidade e as forças sociais,
c) Expandir a cidade ao longo da costa em econômicas, políticas e culturais, que constituem
direção à nova área do Fórum, criado por seu motor e conteúdo, a partir da análise concreta
Enric Miralles (1955-2000) e outros de exemplos históricos recentes.
arquitetos, onde se localizariam uma central A metodologia analítica e operativa proposta por
elétrica, uma estação de tratamento de Solà-Morales enfatiza a idéia do conhecimento da
esgotos e um centro de processamento de identidade do território como possibilidade para a
lixo com preocupações de sustentabilidade; sua própria transformação, a partir da
d) Implantar o Parc Olimpic segundo projeto da decomposição conceitual da forma urbana como
Martorell, Bohigas & Mackay, tendo em síntese U+P+E (urbanização + parcelamento +
vista a celebração das Olimpíadas em 1992, edificação). A cidade deixa de ter um conceito
cujas primeiras instalações foram feitas em ideal unitário e passa a ser vista como "uma soma
Montjuic em um conjunto arquitetônico com conflitiva de fragmentos reais", ou seja, de uma
a participação de vários arquitetos cidade que se constrói e se consolida através de
internacionais; projetos parciais. Essa decomposição conceitual
da forma urbana em três níveis superpostos
e) Criar novas centralidades metropolitanas,
permitiu uma nova abordagem do fenômeno
como a Placa de las Glorias Catalanas, a
urbano, permitindo a identificação e tratamento de
estação intermodal La Sagrera e a Torre
desequilíbrios regionais e políticas públicas.
Agbar, de Jean Nouvel (1945-).

119
PORTUGAL

Após o regime opressivo do primeiro-ministro


António Salazar (1889-1970), que terminou em
1968; e a vitória da Revolução dos Cravos, em
1974, a democracia retornou a Portugal
finalmente com o governo socialista de Mário
Soares (1924-). Iniciou-se assim um processo
de modernização do país, que culminou com
sua entrada para a Comunidade Européia em
1986.
 Em 1988, um grande incêndio no EUA
bairro histórico do Chiado, em Lisboa,
conduziu a obras públicas de
recuperação e saneamento, que As prefeituras norte-americanas destinam a
abrangeram também a Baixa e a implementação dos chamados opportunity
Avenida da Liberdade, onde ocorreu a projects (planos e projetos especiais), em
recuperação de edificações para o uso áreas geograficamente demarcadas, à gestão
de comércio e serviços, além da de uma empresa ou agência de
criação de grandes obras realizadas desenvolvimento de capital misto, destinada a
por arquitetos do circuito internacional. programas especiais de financiamento para a
recuperação de setores degradados e que
A partir de então a municipalidade lisboeta produziu funciona com grandes agentes imobiliários.
um plano diretor e um plano estratégico: o primeiro
regulou a forma geral de ocupação do solo em toda  Contando com a prefeitura como
cidade e o segundo identificou os projetos em que co-investidora, atuam como empresas
se poderiam formalizar pactos com a iniciativa do mercado, não onerando o custo do
privada e com a comunidade dos bairros. Para
serviço público e possuindo grande
cada tipo de projeto, foi construída uma estrutura
de gestão e administração, relativamente independência e agilidade para
independente, que acomodou os interesses perseguir suas estratégias de
conflitantes dos atores envolvidos. desenvolvimento. Podem comprar e
alienar terrenos, negociar alterações
Os bairros populares históricos (Alfama, Castelo,
de legislação e promover pacotes
Bairro Alto e Madragoa), que contornam as áreas
centrais, receberam um tratamento de CI no
especiais de incentivos diversos.
sentido ortodoxo, tendo sido criada uma Em meados da década de 1960, surgiu um forte
administração “paralela” à prefeitura municipal para movimento de resistência à destruição do
sua coordenação, a Direção de Reabilitação patrimônio urbano como reação à demolição
Urbana – DRU. Nesses bairros, por influência do indiscriminada de monumentos consagrados, como
Partido Socialista Português, todas as ações da os terminais nova-iorquinos da Grand Central
municipalidade foram discutidas com a participação Station e da Pennsylvania Station, este último
popular e decididas no âmbito dos escritórios locais demolido. Na falta de uma legislação pertinente
da DRU, inclusive as obras de infra-estrutura e que salvaguardasse estas edificações, as
serviços urbanos. Nas áreas degradadas da empresas proprietárias rendiam-se às ofertas
periferia de Lisboa, foram implantados programas tentadoras dos incorporadores imobiliários.
de revitalização urbana, como, por exemplo, o
recinto da EXPO’98 e as docas de Alcântara.  Paralelamente, um movimento de
O ponto forte do PLANO DE REVITALIZAÇÃO DE cunho comunitário vicinal, liderado por
LISBOA está na forma institucional e instrumentos um grupo de intelectuais e artistas
urbanísticos utilizados. A segmentação da cidade, inspirados por Jane Jacobs (1916-
em áreas com diversos tipos de projetos urbanos 2006), opunha-se com veemência aos
permitiu a realização dos investimentos em um programas de renovação urbana
clima de poucos conflitos, especialmente com a (urban renewal), que contavam com
inversão de vultosos recursos na conservação das fundos federais para a construção de
áreas populares e degradadas. A experiência
vias expressas e infra-estrutura.
portuguesa mostrou que instrumentos como o
plano estratégico podem ser de fundamental Contra todas as expectativas, esse movimento
importância para a mudança de um contexto de conseguiu reverter o poderoso programa federal e
desenvolvimento de uma cidade, e não simples restabelecer um equilíbrio entre o benefício de
instrumento de poder e manipulação econômica. preservar comunidades urbanas e seus bairros,
além da realização de um programa de obras
publicas de escala metropolitana.

120
Entre os anos 70 e 80, os empresários norte- Neste quadro, papel fundamental teve a figura
americanos começaram a compreender que, na de James W. Rouse (1914-96), um
lógica econômica consumista, o comércio varejista empreendedor já célebre desde finais dos
possui um papel fundamental em regenerar as anos 60 por ter construído a comunidade de
cidades graças a seu apelo ao turismo cultural,
Columbia, uma das bem-sucedidas cidades
recreativo e de compras. Isto fez nascerem os
malls comerciais abertos, ou seja, grandes criadas por iniciativa privada nos EUA. Através
conjuntos de lojas, bares e restaurantes da firma Rouse Company e de um estudado
especializados, integrados a praças cobertas e/ou apoio popular, especializou-se na construção
monumentos históricos restaurados. de festival malls, ou seja, complexos
multifuncionais que associam entretenimento,
Desde então, apareceram nos EUA vários comércio e cultura.
planos de revitalização urbana, os quais
procuraram reforçar a convivência  Incorporando o novo conceito de
estabelecida nos espaços públicos, “reutilização adaptável“ (restauro e
considerada como um dos pilares de reciclagem de antigas estruturas para
sustentação de comunidades locais, além de novos usos), a ROUSEFICAÇÃO
promover a combinação múltipla de atividades afirmou-se como a criação bem-
em novos espaços projetados para recreação, sucedida e deliberada da “cidade-
cultura, compras e habitação voltada a como-palco” ou “cidade-cenário”.
moradores de renda mista.
 Visando reverter os quadros de Boston, Massachusetts
deterioração e obsolescência física de Na década de 1960, um projeto de renovação
distritos centrais e antigas áreas previu a demolição e “modernização” de
industriais, manufatureiras ou praticamente toda a área central da cidade,
portuárias, com relativo baixo nível de iniciada com a criação do novo centro cívico
ocupação, surgiram planos e projetos municipal por I. M. Pei (1917-) em 1963. Porém, a
de requalificação urbana, os quais Prefeitura e a Câmara de Comércio contrataram
incluíam desde a construção de novas uma equipe de consultores liderada por Kevin R.
estruturas como a reciclagem de Lynch (1918-94) e John G. Myers (1928-),
professores do MIT, para um plano de
monumentos históricos. recuperação do waterfront, que acabou propondo
Vários desses processos de remodelação a preservação de edificações históricas e a
ocorreram de forma gradual, quando as estruturas integração da cidade com o mar.
antigas foram sendo adquiridas e ocupadas por Através de novas visualidades, usos públicos e
empresas e famílias; e os trabalhos de restauro e continuidade espaciais, propôs-se o PLANO
adaptação realizados paulatinamente pelos ESTRATÉGICO DE BOSTON (1965), além da
próprios usuários, cabendo ao poder público fazer constituição de uma agência especial, a Boston
obras de melhoria de provisão de serviços públicos, Redevelopment Authority, para a sua efetivação.
iluminação e segurança. Destacaram-se os O plano geral, cujos custos chegaram a US$ 7
empreendimentos realizados no bairro de North bilhões, ainda em execução, caracteriza-se por:
End, em Boston; e em Grenwich Village, SoHo e
Chelsea, situados em Nova York. a) Criação do New England Aquarium (1969),
pela Cambridge Sevem Co., que se tornou
a primeira experiência no gênero nos EUA,
revitalizando o píer central e inspirando
muitos empreendimentos no país e exterior
(Baltimore, Osaka, Lisboa).
b) Recuperação da área central e do
waterfront, através da demolição de uma
expressway e sua construção subterrânea,
liberando a superfície para parques e
novas construções, incluindo o complexo
multifuncional de Rowes Wharf, com 03
novos centros de convenções e 05 hotéis.
c) Restauro e revitalização das edificações
Paralelamente, iniciaram-se nos anos 70, amplos e
antigas do Quincy Market e Faneuil Hall
ambiciosos programas de REVITALIZAÇÃO
(1820) como um conjunto gastronômico e
URBANA baseados nas experiências européias de
comercial (Boston Market Place),
conservação integrada e que promoveram a
coordenadas pelo arquiteto local Benjamin
requalificação de várias cidades norte-americanas,
C. Thompson (1918-) e implementadas
especialmente de suas áreas portuárias, sendo
pioneiras as experiências de Boston, Baltimore, pela Rouse Company, especializada na
Nova York, Miami e São Francisco (W RENN, 1983). construção de shoppings centrais.

121
Baltimore, Maryland Nova York, NY State
No final dos anos 50, um grupo de empresários Foi somente a partir do século XIX que o porto
locais uniu-se para enfrentar a decadência da área nova-iorquino adquiriu considerável importância e,
central, contratando um plano diretor de David em 1825, a via em que ele se localizava, a South
Wallace (1919-), eventualmente encampado pela Street, passou a ser conhecida como a “Rua dos
Prefeitura, que recomendou a renovação de Navios”. Quando a navegação deixou de ser um
algumas quadras antigas. negócio lucrativo, a região portuária declinou.
Passando a ser administrada por uma agência Nos anos 60, iniciou-se uma reforma ambiciosa e
própria, a Charles Center & Inner Harbor um programa de revitalização para a toda a área,
Management Inc., a área recebeu o primeiro começando com a expansão da Wall Street,
projeto de renovação urbana nos EUA que conformando-se um distrito empresarial e uma
conservou edifícios não tombados e buscou a comunidade residencial. Além disso, as lojas e
mescla de usos comerciais e residenciais. restaurantes da área portuária foram remodelados
e ocorreu um verdadeiro renascimento do bairro
Criaram-se praças ladeadas de lojas e bares, com inteiro. O complexo passou a ser chamado de
garagens públicas no subsolo; e iniciou-se um South Street Seaport, resultado da reciclagem de
pioneiro sistema de passarelas interligando os antigos armazéns, que se transformaram em um
prédios na direção à área do porto, o Inner Harbor. museu, fundado em 1967, associando-se a um
O plano prosseguiu pelos anos 60 e 70, correndo festival mall, conhecido como PIER 17,
paralelo ao de Boston e, nos anos 80, foi lançado implementado também por Thompston e Rouse
um programa pioneiro de urban homesteading no como um conjunto de bares, restaurantes, lojas e
bairro de Otterbein, próximo ao waterfront, voltado butiques, além da exposição de navios antigos. O
à recuperação de suas moradias, na maioria Fulton Market, originalmente construído em 1822,
transformadas em lofts, conservando-se suas foi reciclado em 1983, passando a abrigar um
fachadas e respeitando-se a tipologia histórica do centro de eventos e gastronomia.
bairro.
A renovação atingiu Fells Point, um tradicional
bairro portuário de usos mistos e comunidades Buenos Aires, Argentina
étnicas, que acabou se tornando em importante
foco turístico (FRIEDEN & SAGALYN, 1989). Historicamente, a cidade desenvolveu-se a partir
de sua estreita ligação com o porto, principal
Entre as iniciativas desenvolvidas em Baltimore, escoadouro da Bacia del Plata para a produção do
destacam-se: território argentino e que guiou, junto à rede
a) Promoção em 1961 de uma concorrência ferroviária, a expansão urbana da sua malha
pública de propostas imobiliárias (projeto, uniforme e reticular. Nos anos 80, observou-se a
construção, viabilidade econômica e decadência e degeneração de suas estruturas
financeira) para a construção do primeiro portuárias e, aos moldes norte-americanos, em
edifício comercial no novo Charles Center, 1989, foi constituída a Corporación de Antiguo
cujo projeto vencedor foi da firma de Mies Puerto Madero S.A., uma empresa cujo principal
Van der Rohe (1886-1969), cujo grande objetivo foi implementar um processo de
prestígio internacional acabou chamando a revitalização urbana do antigo porto, processo que
atenção da mídia para o que estava duraria mais de uma década.
ocorrendo em Baltimore. Ocupando cerca de 170 hectares, a região
b) Revitalização do waterfront a partir de 1973, portuária teve seu traçado definido em meados do
com a demolição de edificações século XIX, a partir do alargamento do Canal de
abandonadas e construção de novos Riachuelo, no Bairro de La Boca, por iniciativa de
empreendimentos no Inner Harbor, que se um comerciante chamado Eduardo Madero.
tornou o ponto de atração da cidade, Vários armazéns foram executados pela firma
reunindo obras como o Maryland Science britânica Hawkshow, Son & Freytang, os quais, um
Center (1976), seguido pela torre do World século depois, a partir de 1993, foram reciclados
Trade Center, projeto de I. M. Pei (1917-); como lofts, escritórios, bares e restaurantes de
pelo novo Convention Center (1979 ) e o luxo, além da implantação de uma universidade e
Hyatt Regent Hotel (1981). um centro de convenções.
c) Inauguração em 1980 do Harbor Place, um Atualmente, a região de Puerto Madero tornou-se
festival mall projetado por Benjamin C. um das mais caras para se viver e uma das mais
Thompson (1918-) e viabilizado pela badaladas da capital portenha. Em uma das suas
Rouse Company, complexo comercial extremidades, fica atracado um navio-cassino, o
formado por dois pavilhões inspirados em Estrella de la Fortuna, além do local comportar
antigos mercados, além da construção do uma movimentada casa noturna e o Museu
National Aquarium (1981), fruto de Frafata Sarmiento, um barco-escola datado de
concurso ganho pela Cambridge Seven 1897, atracado no dique três. O projeto ainda
Co. e formado por um conjunto para prevê vários parques, um estádio coberto, mais
exposições marinhas e marina pública. museus e quatro hotéis de luxo.

122
O abandono de grandes modelos
22 filosóficos explicativos, os quais se
autolegitimavam e supervalorizavam um
URBANISMO PÓS-MODERNO alcance global, além da necessidade de
se romper com valores universalizantes12
foram as premissas assumidas pelos
Desde meados dos anos 50, um novo teóricos do PÓS-MODERNISMO.
panorama descortinou-se em todo o  Reagindo ao estabelecimento de
Ocidente, este caracterizado por várias um modelo universal, o qual se
mudanças nas ciências, nas artes e na pretendia unitário e integrador, em
sociedade em geral, cujo conjunto passou todos os níveis, do plano estético ao
a ser comumente chamado de PÓS- sócio-político, os pós-modernos se
empenham em ressaltar diferenças.
MODERNIDADE.
A diversidade, antes sufocada pela padronização
 Seus pressupostos encontravam- totalitarista capaz de conduzir a produção e nortear
se na Filosofia que, a partir da década o consumo de massa, tornou-se o elemento
de 1970, passou a identificar uma fundante de uma nova dinâmica espacial,
série de transformações que vinham propondo também uma nova constituição do
se processando no pensamento urbano. Paralelamente, as mudanças tecnológicas
mundial desde o segundo pós-guerra. inauguram novas relações entre tempo e espaço, o
que acaba por ampliar a dimensão escalar dessas
Jean-François Lyotard (1924-98), em La condition categorias tradicionais, que são recontextualizadas
post-moderne (1979), apontou para um crescente na fragmentação e descentralização atuais.
rompimento com os ideais universais do início do
século XX. Para ele, enquanto a ciência moderna
Para PORTOGHESI (2002), as premissas
afirmava que a natureza possuía uma linguagem metodológicas da arquitetura e cidade
única e universal que, se aprendida, forneceria a pós-modernas foram as constatações por
capacidade absoluta de controlar o mundo, desde parte dos arquitetos da existência de:
então se percebeu a multiplicidade de novas
formas de expressão e comunicação. a) Diversas e diferentes culturas no mundo
atual, inclusive a “banal”, e não só a de
Na sociedade de consumo, composta por “elite”, que devem ser reconhecidas e
diferentes grupos – culturais, sexuais, étnicos, etc. analisadas como fatores de identidade, além
–, as necessidades e desejos humanos de ter suas relações estudadas;
diversificaram-se, assim como as velhas fronteiras
econômicas dos Estados nacionais foram b) Uma produção coletiva de obras de
eclipsadas pela globalização, fazendo com que interesse estético e que está ligada a
grandes projetos universais tornarem-se supérfluos processos subjetivos, mediados por
e impotentes diante da economia global, cujo instituições e formas de agregamentos
controle estaria fora de seu alcance. sociais novas;
Além de Lyotard, outros pensadores reforçaram a c) Um papel determinante que as
transformações ambientais em seu conjunto
“condição pós-moderna”, como David Harvey
tem sobre a produção cultural “oficial”, que é
(1935-), com seu livro The condition of
produto de novos sinais e formas resultantes
postmodernity (1989); Fredric Jameson (1934-), de novas necessidades e desejos da
através de Post-modernism (1991); e Perry sociedade atual;
Anderson (1940-), com The origins of
postmodernity (1998), além do filósofo francês d) Uma civilização industrial já madura, não
mais representável esquematicamente como
Jean Baudrillard (1929-), que se tornou famoso
o “universo da máquina”, mas como um
por seus conceitos de hiper-realidade, que se
conjunto contraditório e dinâmico.
referia à natureza virtual ou irreal da cultura
contemporânea (CASTELNOU, 2005).

 Desde então, definiu-se como


pós-moderna a condição sócio-cultural 12
Como marco do pós-modernismo na arquitetura,
e estética do estágio recente do em 1977, Charles Jencks (1939-) lançou seu livro
CAPITALISMO PÓS-INDUSTRIAL, A linguagem da arquitetura pós-moderna, no qual
típico dos centros europeus, EUA e constatava a “morte” do modernismo, não
Japão, onde a tecnociência aplicada à centralizado nas reais exigências humanas, mas
comunicação acaba por manipular a em um mítico homem moderno. Ironicamente,
sociedade através da saturação de estabelecia como marco o dia 15/07/72, às
informações, diversões e serviços. 3h32min, por ocasião da demolição do Complexo
Habitacional de Pruitt-Igoe (1955/61), em St. Louis
EUA, obra de Minoru Yamazaki (1912-86).

123
Com o PÓS-MODERNISMO, houve uma David Harvey (1935-)
(re)aproximação entre a cultura popular e
Geógrafo americano que procurou explicar a
a erudita, onde se passou a buscar uma forma urbana contemporânea através de dois
reintegração à cotidianidade dos fatores: o processo de acumulação do capital e a
indivíduos, concretizando uma relação de luta de classes, identificando a era pós-moderna
simultânea influência entre o produtor como aquela caracterizada pela celebração da
diferença, da efemeridade, da moda, do
cultural e a população em geral, espetáculo e da mercantilização das formas
materializada através dos meios de culturais, além de uma intensa compressão do
informação e comunicação de massa. tempo-espaço, sentida através das acelerações
do “ritmo de vida” – que passa a ter um sentido de
 Em relação aos estudos urbanos, rapidez e brevidade – e do “tempo de giro” dos
conforme CAMPOS VENUTI (1994), vive- objetos – que passam a ter uma vida útil menor,
se hoje uma “terceira geração da além de se tornarem descartáveis –, resultando
urbanística”, que assinala a passagem em mudanças profundas nas relações de trabalho
da cultura da expansão para a cultura e de consumo, principalmente nos valores e
13
da transformação , o que substitui o virtudes da instantaneidade e da descartabilidade.
urbanismo das quantidades pelo das Diante desse mundo efêmero e transitório,
qualidades, este caracterizado por: intensifica-se, segundo o Harvey, a atitude blasée
 A descentralização industrial das grandes e o bloqueio dos estímulos sensoriais já
cidades, acompanhada da formação de enunciados por Simmel, assim como a
novos grupos de trabalhadores industriais especialização míope, a reversão a imagens de
nas cidades médias e pequenas, em um passado perdido – o que passa a
regiões tradicionalmente agrícolas; supervalorizar memoriais, museus e ruínas – e a
excessiva simplificação (na apresentação de si
 A criação de novas centralidades e a mesmo ou na interpretação dos eventos). No
terceirização diferenciada dos lugares PÓS-MODERNISMO, a competição no mercado
centrais das grandes cidades, com a da construção de imagens passou a ser um
criação de serviços privados elitizados em aspecto vital da concorrência entre as empresas;
oposição a serviços sociais de massa; assim como a afirmação da massa cultural.
 O aumento da demanda produtiva e
popular pelos transportes de massa (intra
e inter-urbanos) e pela recuperação e
melhoria da qualidade das áreas naturais
e de uso recreativo, ou de reserva
ambiental;
 A reutilização do estoque de construções
abandonadas ou subutilizadas e
aproveitamento dos interstícios vazios no
interior das áreas urbanas para uso social
ou de novas centralidades terciárias;
 A ênfase na solução de problemas da Christopher W. Alexander (1936-)
produção da economia urbana, em
oposição aos problemas “sociais”, Arquiteto anglo-austríaco e professor da University
inclusive assumindo caráter global e of Califórnia, em Berkeley EUA, que, em conjunto
ultrapassando os limites de geração de com seus colegas do Center for Environmental
recursos locais. Structure, publicou, em 1976, A pattern language
(Uma linguagem padrão), em que defendia que as
Além dos autores já citados, sublinhando a pessoas poderiam projetar e construir para si suas
importância de Jane Jacobs (1916-2006) e próprias casas, ruas e comunidades.
Kevin Lynch (1918-94), dois nomes
Essa idéia, que a princípio parece radical,
realizaram importantes pesquisas que foram
baseava-se no pressuposto de que, criando seus
aplicadas aos planos urbanos: David Harvey próprios ambientes, as pessoas sempre contariam
(1935-) e Christopher Alexander (1936-). com determinadas “linguagens-padrão”, as quais,
assim como na linguagem falada, permitem a
articulação e a comunicação de uma infinita
13
Por cultura da expansão o autor entende o variedade de desenhos dentro de um sistema
planejamento urbano das quantidades que formal que lhes dá mais coerência e permite
procurava responder aos problemas de resolver as necessidades de privacidade e de
crescimento urbano e de infra-estrutura por meio relação individuais e coletivas. Assim, seria
da criação de novas áreas urbanizadas; e por preciso redescobrir e tornar explícitos tais padrões
cultura da transformação o reconhecimento de que de refamiliarização das pessoas ao que se
a cidade é um fato físico existente que pode e deve chamou the timeless way of building (“o eterno
ser reutilizado mediante processo de qualificação estilo de construir”).
das estruturas urbanas existentes. Em seu doutoramento, Alexander desenvolveu um
124
programa computacional que tentava estudar e Entre as principais críticas sobre os
criar ambientes novos baseando-se na análise pressupostos do urbanismo moderno, que
programática lógica. Tal interesse marcaria todos foram empreendidas a partir de meados dos
seus trabalhos futuros, porém substituiu os anos 50, destacaram-se aquelas que
métodos informáticos de pesquisa pelo
levantamento empírico na identificação de
apontavam para o fato de ter ocorrido a
PATTERNS (“padrões”). supressão de valores individuais, culturais e
históricos; além da padronização das formas
Voltando a atenção dos arquitetos para a
construção popular, ele chegou a uma coleção de
de habitação, com conseqüente perda de
235 “padrões”, cada qual descrevendo um identidade, da priorização do sistema viário em
problema – seja de “espaço” seja de “evento” – detrimento da escala humana, da
que ocorre repetidamente em nosso ambiente e estandartização e racionalização de
que possibilita uma infinidade de combinações. equipamentos urbanos, e da descontinuidade
Ordenados linearmente – começando pelo maior, visual devido ao predomínio de áreas verdes.
para regiões e cidades; diminuindo para bairros,
vizinhanças, conjuntos habitacionais, prédios,  Isto – somando às discussões
apartamentos e dormitórios; e terminando para ecológicas que marcaram o ambiente
detalhes construtivos – tais padrões estariam histórico do final da década de 1960 e,
individualmente conectados a um outro padrão principalmente, os anos 70 –, serviu de
maior – que vem acima na linguagem – e a um base para o nascimento do New
menor – que vem abaixo. Nenhum padrão seria
uma entidade isolada. Além disso, cada padrão
urbanism ou URBANISMO
tem um nome, um diagrama do seu layout NEOTRADICIONALISTA.
espacial, o propósito ou a razão da sua inclusão, e
a especificação das conexões entre um padrão e
outro a ele relacionado em uma escala maior ou
menor (CASTELNOU, 2005).

A importância de Alexander está no fato


de ter comprovado a extraordinária
COMPLEXIDADE das relações humanas
que se produzem na cidade, frente a qual
resulta totalmente inadequado o
esquematismo dos que se dedicam a NEW URBANISM
projetar cidades; e por deduzir uma série
de fórmulas que, fundadas nas próprias A década de 1980 viu florescer o New
necessidades individuais ou culturais, Urbanism Movement, que, inspirado por
permitem que cada membro construa sua Jacobs e Alexander, entre outros,
própria moradia ou conjunto habitacional, apresentou uma nova abordagem sobre a
deixando para os arquitetos o papel criação e a remodelação das
unicamente de ajuda para a construção comunidades norte-americanas. Essa
propriamente dita. corrente de teoria passou a defender a
 Essa proposta representa uma requalificação e a revalorização de áreas
humanização da arquitetura e sua urbanas através do resgate de formas
íntima e harmoniosa fusão com a tradicionais, reafirmando antigos
natureza, o que influenciaria os conceitos antes menosprezados pelo
estudos arquitetônicos e urbanos modernismo, tais como: comunidade,
principalmente a partir dos anos 80. lugar, história, memória, uso misto e
Para ele, não se deve esquecer toda a qualidade ambiental (ELLIN, 1999).
vida e alma de um espaço; todas as
experiências que ocorrem ale e que  Tendo como seus maiores
não dependem simplesmente de uma expoentes os arquitetos Andrés M.
forma isolada ou do ambiente físico, Duany (1949-) e sua esposa
mas dos padrões de eventos que lá se Elizabeth Plater-Zyberk (1953-), suas
vivencia. Toda ação e seu espaço são propostas – como Seaside (1981) e
indivisíveis: toda ação é suportada por Kentland (1988), nos EUA –, além de
um tipo de espaço, o qual suporta outros conjuntos urbanos, como
esse tipo de ação, mas um não é Windsor Palms, de Scott Merrill &
necessariamente causa do outro. Georg Pastor, e Celebration Disney,
de Robert A. M. Stern (1939-),
baseavam-se nos seguintes pontos:
125
a) Criação de “realidades” agradáveis (fuga O processo de privatização do espaço público
dos problemas urbanos); teve início a partir da ascensão da burguesia do
b) Reconstituição de ambientes do passado século XVIII em diante, tendo sido acelerado com a
(uso de estilos múltiplos e grande emergência da sociedade de massas do século XX,
variabilidade ambiental); fenômeno em estreita relação com o
c) Proliferação de comunidades fechadas desenvolvimento do mercado. Desde então, o
criadas em pequena escala; espaço público tradicional vêm sendo
desvalorizado enquanto bem-estar social e
d) Ênfase em questões como segurança, redefinido como um problema de planejamento, o
conforto e tranqüilidade (sociabilidade que levou a uma crescente transformação da
vigiada); cidade (ELLIN, 1999).
e) Desenvolvimento de modos de controle e
14
segregação (território da exclusão) .  A privatização do espaço público
conduziu a outro fenômeno: a
A partir de então, foi possível observar DISNEIFICAÇÃO, que consiste no
novos fenômenos ocorrendo no espaço processo de criação de lugares
público, o qual passou a sofrer um cenográficos através de temas
processo de privatização, ao mesmo arquitetônicos deslocados de seus
tempo em que ocorreu uma espécie de locais geográficos originais, aos
moldes dos parques temáticos do Walt
“publicização” do espaço privado, isto Disney World. Cria-se uma “paisagem
devido ao desenvolvimento de novas de sonho”, cujo consumo visual
sociabilidades urbanas. somente é possível àqueles que detém
 Tradicionalmente, consideravam- o poder econômico e os meios de
acessibilidade (GHIRARDO, 1996).
se públicos os espaços abertos a
todos – e que se constituíam no palco Exemplificada pela Universal Walk City, Los
democrático de práticas sociais, Angeles, Cal. EUA, criada em 1988, por Jon
políticas, econômicas e culturais –, Jerde, a disneificação caracteriza-se por:
sendo representado principalmente
pelas ruas, praças, parques, locais de a) Criação artificial de um clima de perfeição e
normalidade;
lazer e de transporte urbano.
b) Supressão de todos e quaisquer elementos
Atualmente, seu conceito também se negativos ou indesejáveis da vida coletiva
relaciona ao de novos espaços privados (problemas sociais, manifestações políticas,
atividades industriais ou religiosas);
ou semi-privados, que abrigam a vida
c) Programação de atividades consumistas e
coletiva urbana, abertos de maneira de valorização do prazer (hedonismo)
aparentemente irrestrita ao público e que
d) Reprodução de “mundos ideais” (hiper-
funcionam como palco de grandes realidades fechadas)
eventos profissionais ou familiares. Em
outras palavras, consistem em espaços
coletivos abertos no interior de áreas
comerciais (shopping centers, hotéis,
museus, bufês, casas de recepção, etc.)
ou mesmo residenciais (condomínios
horizontais e verticais).

14
Várias comunidades foram concebidas a partir
dos pressupostos do NEW URBANISM,
principalmente a partir da década de 1980 nos
EUA, tais como Haile Village Center, em Um dos maiores precursores na incorporação de
Gainesville, Flórida; Celebration, em Orlando, espaços pseudo-naturais e pseudo-públicos em
Flórida; Loreto Bay, em Loreto, Califórnia; Serenbe, arranha-céus, ou seja, da publicização de espaços
em Palmetto, Geórgia; Harbor Town, em Memphis, privados foi o arquiteto norte-americano Jonh
Tennessee; King Farm, em Rockville, Maryland;
Portman (1924-). Entre suas obras, destacam-se:
Addison Circle, em Addison, Texas; Orenco Station,
Hyatt Regency Hotel (1968, Atlanta), o Hyatt
em Hillsboro, Oregon; Mashpee Commons, em
Regency Hotel (1972, S. Francisco), o Renaissance
Mashpee, Massachusetts; The Cotton District, em
Center (1973/77, Detroit), o Westin Bonaventure
Starkville, Mississippi; The Waters, em
Hotel (1977/80, Los Angeles) e o Mariott Hotel
Montgomery, Alabama; e Cherry Hill Village, em
(1986, Atlanta) (CASTELNOU, 2005).
Canton, Michigan; entre muitas outras.

126
Tanto o fenômeno de privatização dos espaços
públicos como o da “publicização” dos espaços
BRASIL
privados associam-se a novas condições urbanas,
definidas em parte por James Jameson (1987; Desde os anos 60, despontou uma
1990), que apontava para os fenômenos pós- corrente forte da arquitetura brasileira,
modernos da multifuncionalidade espacial e da
esteticização da vida; e por Richard Sennet
que pregava a conciliação entre o
(1993), que observou o declínio do homem público pensamento moderno e as tradições
como desdobramento lógico do cosmopolitismo nacionais, que iam desde as
urbano moderno, o que vinha ocorrendo desde a características climáticas regionais até a
flânerie de Baudelaire.
tradição colonial luso-brasileira.
 Fundamentado nas idéias sempre
defendidas por Lúcio Costa (1902-
88), o REGIONALISMO, constituiu-se
em uma das vertentes pós-Brasília,
indo ao encontro das preocupações
pós-modernas de revalorização das
culturas locais e ênfase nos usos e
costumes do passado.
Nas últimas décadas do século XX,
devido à industrialização que se estendeu
em boa parte do país, assim como a
disseminação de novos profissionais, a
KENTLANDS (DUANY & PLATER-ZYBERK) linguagem moderna de origens comuns
Os efeitos mais nítidos dessa nova enquadrou-se em novos contextos. As
concepção urbanística são: diferenças climáticas, tecnológicas, sócio-
a) Progressiva degradação dos espaços econômicas e programáticas conduziram
públicos centrais (ruas, praças e centros a um processo amplo e progressivo de
históricos) pela diminuição de investimentos REGIONALIZAÇÃO.
públicos;
b) Proliferação de programas de revitalização  Mesmo assim o ambiente brasileiro
e/ou ressurreição de espaços centrais, ainda carece em reflexão conceitual
através da parceria entre público e privado; sobre as práticas arquitetônicas e
c) Expulsão e/ou segregação sócio-econômica urbanísticas, devido à postura
dos moradores originais principalmente pragmática que ainda predomina nos
devido à exploração fundiária desses novos círculos profissionais e a à carência de
locais; pesquisas teóricas em nossas
d) Disseminação de áreas e condomínios universidades. De qualquer forma, o
fechados devido à crescente eutanásia atual crescimento do quadro de
espacial (obsolescência provocada ou arquitetos no país aponta para uma
induzida de locais). possibilidade de conscientização.

PRIVATIZAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO PUBLICIZAÇÃO DO ESPAÇO PRIVADO


 Neutralização das tensões sócio-econômicas  Idealização do mundo real (hiper-realidade)
 Auto-segregação espacial da elite  Elitização do espaço (controle e segurança)
 Refúgio da vida citadina (criação de bolhas)  Negação da vida citadina pública
(criação de cenários)
 Impulso anti-urbano (cidades sitiadas)
 Reprodução da cidade/natureza em escala
 Pseudocoletividade
(viver isolado em conjunto)  Participação de experiências simultâneas
 Sobreposição do individual sobre o coletivo  Triunfo de objetivos particulares sobre
públicos
New Urbanism ou Neotradicionalismo Disneificação ou Rouseficação
 Condomínios fechados, comunidades  Parques temáticos, shopping centers e resorts
particulares e clubes recreativos
 Empreendimentos culturais (museus, etc.),
 Locais privativos com aspectos públicos Bufês, flats e restaurantes self-service
127
Os estudos de MORFOLOGIA URBANA e Apesar da variedade de experiências nacionais e
TIPOLOGIA EDILÍCIA foram pouco difundidos no locais, pode-se afirmar que a maioria delas está
Brasil, passando a ser melhor conhecidos somente calcada na idéia de criar valores para as
com a realização do I e II Seminários sobre especificidades municipais, além da questão da
Desenho Urbano – SEDUR, promovidos pelo DAU- formação de uma nova “imagem” da cidade, isto é,
UnB, organizados por Benamy Turkienicz e em um mundo globalizado, onde localidades
Maurício Malta respectivamente em 1984 e 1986. competem diretamente por investimentos
produtivos, o que decide o jogo da competição são
Depois dos trabalhos pioneiros de Nestor Goulart as especificidades das localidades e suas imagens,
Reis Filho, como Evolução urbana do Brasil (1968) porque são elas que as diferenciam de outras com
e Quadro da arquitetura no Brasil (1970), em que atributos econômicos similares (treinamento de
apresentava a evolução tipológica desde o Império mão-de-obra, infra-estruturas, incentivos fiscais,
até os anos 40, relacionando arquitetura com as concentração de atividades, inserção em regiões
estruturas urbanas e as condições socioculturais, deprimidas ou em expansão e outras).
os primeiros trabalhos a abordar o desenho urbano
foram os de Carlos Nelson Ferreira dos Santos Entre os planos e projetos de revitalização
(Cidade como um Jogo de Cartas , 1988); pós-moderna no país, destacam-se:
Candido Malta Campos Filho (Cidades
brasileiras: seu controle ou o caos, 1988); e,
a) Projeto Praia Grande (São Luís, 1979):
visava promover ações de urbanização e
finalmente, Vicente Del Rio (Introdução do
preservação nas áreas centrais e em outros
desenho urbano no processo de planejamento , setores históricos, caracterizando-se pela
1999), o qual relata as primeiras experiências restauração de edifícios públicos,
brasileiras. Desde os anos 90, Maria Elaine transformados em centros culturais;
Khorlsdorf e os pesquisadores vinculados à construção de habitações para população
Associação Nacional de Pós-Graduação e encortiçada; e reconstituição de calçadas
Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional – originais e praças, além da criação de
ANPUR vêm intensificando os estudos urbanos. incentivos legais para os proprietários de
imóveis que investissem em conservação;
 Tanto o despertar ecológico como a
discussão pós-moderna demorou
b) Projeto Corredor Cultural (Rio de Janeiro,
1982): garantiu que cerca de 4.000 imóveis
cerca de uma década para aportar no no centro tivessem a sua preservação e
país, devido às suas próprias reciclagem controladas por diretrizes
condições socioculturais e o quadro especiais de projeto, incentivadas através
político, caracterizado pelas limitações de isenção de impostos, em um processo
da ditadura militar de 20 anos. Mesmo diferenciado de gestão urbana, este
assim , alguns planos e projetos de complementado pelo tratamento dos
intervenção em áreas centrais já espaços públicos e fomento à implantação
de centros culturais e atividades afins;
aconteceram no final dos anos 70.
c) Projeto Pelourinho (Salvador, 1983):
A partir de 1988, com a Nova Constituição desenvolvido inicialmente por Lina Bo Bardi
Brasileira, o governo central desobrigou-se das (1914-92), integrava o uso popular do local
políticas públicas locais, transferindo essa com propostas de preservação e
responsabilidade para as instâncias sub- recuperação inovadoras, acabando por se
nacionais, em particular para os municípios. tornar bastante polêmico pelo impacto social
Assim, as municipalidades, particularmente as causado pela transferência da população
das grandes cidades, foram forçadas a tradicional da área e pela descaracterização
elaborar estratégias específicas de e perda de autenticidade do patrimônio.
Nesse projeto, o Governo obteve a
desenvolvimento local (MOTTA, 1999).
propriedade dos imóveis, passando a
 Depois de uma experiência de investir em sua recuperação física para
pequena escala limitada ao centro cedê-los ou alugá-los a instituições culturais
e empresas de serviço e comércio a preços
histórico de Curitiba, em meados dos
abaixo do mercado.
anos 70, o modelo da revitalização só
viria a se consolidar com os projetos d) Projeto Reviver (Recife, 1990): preferindo a
em São Luís MA e no Rio de Janeiro parceria com a iniciativa privada, promoveu
investimentos públicos pequenos, mas que
RJ. Mais recentemente, outras cidades
tiveram um efeito multiplicador substancial.
brasileiras têm buscado implantar A ação pública concentrou-se basicamente
projetos neste sentido – embora sob na melhoria da infra-estrutura e na
diferentes condicionantes, inspirações qualificação dos espaços públicos, além da
e alcances – tais como Salvador na recuperação direta de alguns imóveis, que
área do Pelourinho; Recife e Belém na acabaram atraindo investimentos privados,
área junto ao rio; e os centros de que têm sido realizados por meio de
Santos e São Paulo. negociação continuada da municipalidade.

128
Herbert Marcuse (1898-1979)
23 Pensador alemão naturalizado norte-americano
que lançou em 1964 sua obra utópica One
CIDADE DO FUTURO dimensional man. Como filósofo freudiano-
marxista que colocava a questão de que não se
tratava da utopia poder ou não ser implantada
como alternativa ao mundo tal como é, mas desta
O último quartel do século passado foi realidade poder sair a via utópica por meio da
marcado pela intensificação do debate ciência em seu estado atual de desenvolvimento.
sobre a relação entre CIDADE e MEIO Afirmava que qualquer cientista contemporâneo
aceitava ser possível eliminar a miséria e a fome,
AMBIENTE, fruto dos questionamentos
assim como o trabalho alienado, opondo-se a isto
dos princípios do urbanismo moderno, somente a organização sócio-política implantada
dada a crescente situação catastrófica em todo o mundo. Seria preciso, para tanto,
das metrópoles e o quadro de alienação suprimir essa organização para instaurar uma
sociedade do tipo socialista, onde se produza a
do homem contemporâneo.
equivalência e a mistura da técnica com a arte, o
 A segregação espacial, tanto étnica trabalho e o lazer. Com isto, Marcuse aproximava-
quanto social, nas grandes se extraordinariamente de Fourier, ao mesmo
tempo em que coincidia com os ideais dos jovens
concentrações urbanas, assim como
rebeldes e revolucionários representados pelos
os problemas decorrentes de uma 15 16
beatniks e hippies , além dos anarquistas do
postura predadora em relação à Maio de 68, o movimento ocorrido no governo de
natureza e seus recursos, fizeram com Charles De Gaulle (1890-1970) guiado pelos
que surgissem críticas, desde o ideais existencialistas e situacionistas,
segundo pós-guerra, ao funcionalismo, respectivamente, de Jean-Paul Sartre (1905-80) e
estandardização e suburbanização da Guy Debord (1931-94).
cidade, alegando sua monotonia e
forte ênfase ao individualismo.
Paralelamente à abertura interdisciplinar 15
A palavra beatnik deriva da expressão norte-
que ocorreu na área do planejamento americana beat generation, a qual foi lançada em
urbano e o amplo desenvolvimento do 1952 pelo New York Times para designar – por
desenho urbano, ocorridos entre as analogia com à lost generation dos anos 20 e 30,
representada pelos escritores americanos que
décadas de 1960 e 1970, as UTOPIAS viveram em Paris, como F. Scott Fitzgerald (1896-
URBANAS eclodiram com o avanço da 1940) e Ernest Hemingway (1899-1961) – um
Era da Informática, da Contra-Cultura, da movimento social e literário que surgiu nos EUA.
crise energética e do despertar ecológico. Comum a partir de 1958, o termo – cujo sufixo nik
derivaria do iídiche – passou a se referir a um
 Embasadas pelas críticas grupo de pintores gestuais e escritores – como
empreendidas pelo urbanismo William S. Burroughs (1914-1997) e Jack Kerouac
humanista, assim com pelas idéias (1922-1969) –, além de vários adolescentes
nômades e rebeldes, em torno de exigências de
difundidas desde dos anos 50 por
liberdade e de espontaneidade, guiados por
nomes como Herbert Marcuse (1898- filósofos orientais e pelas experiências vividas com
1979), Burrhus F. Skinner (1904-90), o uso de drogas. Essa nova “onda” romântica
David Riesman (1909-2002) e os proclamava a impossibilidade de sua inserção na
irmãos Goodman, surgiram 02 (duas) sociedade moderna (to beat; bater) e seu desejo
vertentes utópicas: exasperado (beat evocaria o ritmo do jazz) de
absoluto (beat seria abreviatura de beatific).
 TECNOTOPIA: solucionava os 16
problemas através da tecnificação O movimento hippie – do termo inglês hippy –
de ambientes (tecnocentrismo); teve início nos EUA, na segunda metade da
década de 1960, caracterizando-se pela oposição
 ECOTOPIA: voltava-se para o radical à militarização da sociedade e à Guerra do
resgate da relação harmoniosa com Vietnã (1957/75). Da América, passou para a
a natureza (ecocentrismo). Europa e difundiu-se por todo o mundo,
A idéia de assentamentos humanos sociais e influenciando várias áreas culturais, tais como
ecologicamente sustentáveis ganhou força a partir música, pintura e teatro. Seus adeptos valorizavam
dos anos 70, em especial, após a Contra-Cultura, a vida em comunidade, além de uma moral e
que apresentou comunidades alternativas, costumes não-conformistas, baseados na não-
embasadas no desejo de se abandonar um modelo violência e na oposição à sociedade industrial e
de vida dominante e apontar um possível caminho aos valores tradicionais, preconizando a liberdade
para a sustentabilidade urbana. em todos os domínios. Seu lema Make love not war
foi um dos mais característicos dos anos 60.

129
Burrhus Frederic Skinner (1904-90) Paul Goodman (1911-72)
Psicólogo norte-americano que, influenciado por Sociólogo norte-americano que, junto com seu
John B. Watson (1878-1958) e pelos trabalhos de irmão, o arquiteto Percival Goodman (1904-89),
Ivan V. Pavlov (1849--1936) sobre o lançou Communitas: means of livelihood and ways
comportamento condicionado, desenvolveu uma of life (Communitas: meios de subsistência e
nova corrente de comportamentalismo, segundo a modos de vida, 1947) que pode ser considerada
qual seria possível guiá-lo através de reforços uma das primeiras utopias a ressaltar os valores e
(estímulos) positivos ou negativos, influenciando os objetivos de ordem moral e política que
bastante as teorias de aprendizado. deveriam reger todo o esforço de planificação
Em 1948, lançou Walden Two, cujo título referia- urbana da atualidade. Ambos consideravam o
se à obra de Henry D. Thoreau (1817-62), plano de uma cidade não como um simples
Walden or life in the woods (Walden ou vida nos agrupamento de ruas e casas, mas o invólucro
bosques, 1854), em que descrevia uma exterior ou o próprio corpo da atividade humana.
comunidade fictícia de 1.000 habitantes projetada Para eles, os planos obedeciam a concepções
segundo os princípios behavioristas. Baseando-se diversas (quadriculada, radial, sinuosa, cidades-
no mínimo consumo e na baixa poluição, através satélite ou concentrações gigantescas), mas o
de uma economia que combinava agricultura e mais importante era como as atividades urbanas
indústria, caracterizava-se pela divisão igualitária poderiam ser alteradas por meio deles. Analisando
do trabalho, inclusive entre as crianças; e pela as três principais fórmulas do urbanismo moderno:
completa igualdade entre homens e mulheres, o plano das cidades-jardim (culturalismo), o plano
além do exercício físico diário obrigatório, o industrial (progressismo) e o plano integrado
aumento expressivo de crianças, o casamento (anti-urbanismo norte-americano), propuseram 03
precoce para evitar problemas de adolescência e (três) diferentes fórmulas de comunidade ideal:
um sistema educacional que ensinava paciência e  a “cidade do consumo eficiente”, que quase
como lidar com emoções destrutivas. Conforme não diferia da maioria das cidades atuais da
esse modelo skinneriano, instalou-se em 1967 na Europa e dos EUA;
Virginia, EUA, a comunidade de Twin Oaks que,
pôde praticar alguns aspectos utópicos, como um  a “nova comuna”, que estava baseada em
sistema de créditos de trabalho, a organização uma micro-economia artesanal;
laboral, a igualdade social entre os sexos e a  a “cidade do máximo de segurança e mínimo
progressiva supressão dos laços familiares. de regras”, que propunha uma economia em
dois estágios: de base (produção
comunitária) e de luxo (consumo individual).
David Riesman (1909-2002) De acordo com CARANDELL (1974), os irmãos
Goodman defendiam a adoção de uma
Sociólogo norte-americano que lançou A multidão imaginação ativa e equilibrada no intuito de
solitária (1950), interessando-se essencialmente propor novas possibilidades sociais e, embora não
pela maneira como as sociedades conformam a revolucionários nem interessados em uma
personalidade de seus membros e identificando os mudança das estruturas básicas, suas propostas
mecanismos que assegurariam a conformidade acabaram por conduzir quase inevitavelmente a
(adoção por todos de um mesmo modo de pensar uma transformação radical. Tanto nesse livro
e agir) de seus integrantes ou que permitiriam a como nos seguintes de Paul Goodman – em
renovação de seus hábitos. especial, Utopian essays & practical proposals
O destaque de Riesman está mais pelo fato de ter (Ensaios utópicos e propostas práticas, 1962),
sido um grande defensor da utopia do que um entre outros –, a utopia era expressa através de
verdadeiro inventor de propostas utópicas. análises teóricas e fantasias literárias que
Segundo ele, a burguesia capitalista teria adotado almejavam ser realistas e levadas à prática.
o mito utópico com o fim de oferecer uma utopia
real ao público por meio da sociedade de
consumo, escamoteando as questões de base, ao A UTOPIA URBANA explodiu nos anos 60 em
mesmo tempo em que os socialistas e comunistas conseqüência da crise cultural que atingiu a
que haviam chegado no poder utilizariam a utopia profissão do arquiteto e urbanista, em paralelo
com o fim de ocultar o verdadeiro progresso em aos debates sobre a preservação e renovação
direção à sociedade utópica. de centros históricos e à avaliação crítica das
Do mesmo modo, os intelectuais e a casta culta cidades criadas durante o Movimento Moderno
em geral adotariam posturas realistas e cínicas (1915/45), estando na destruição da memória
considerando a utopia como uma espécie de
urbana, na proliferação das periferias, nos
“sonho ingênuo”, enquanto os especialistas, por
sua vez, preocupar-se-iam apenas com problemas crescentes de circulação e
determinados aspectos setoriais da mesma, sem abastecimento, e nas implicações ambientais,
se dirigir à realidade global. Todos negariam, de os principais condicionantes para a utopia da
uma forma ou outra o que deveria presidir o CIDADE DO FUTURO.
pensamento e a ação social: a proposta utópica
de uma nova sociedade.

130
Entre as derivações tecnotópicas, podem ser
TECNOTOPIA citadas: a Intrapolis (1960), de Walter Jonas
(1923-) ; a Space City (1960/63), de Yona
Em meados da década de 1960, uma Friedman (1923-); a cidade de Ragnitz
nova geração de arquitetos apresentou a (1963/69), de Günther Domenig (1934-) ; e as
utopia em resposta ao descontentamento propostas do suíço Justus Dahinden (1925-),
como o Swimming Hotel Cairo (1972), a Akro-
produzido pela situação da arquitetura e
polis Leisure City (1974) e a Kiryat Ono
urbanística modernas. Suas proposições Leisure City (1984), próxima a Tel Aviv, em
– na maioria inviáveis – serviram de Israel. Um destaque especial representou o
germe do futuro, associando algumas modelo Habitat 67, idealizado pelo israelense
aspirações físico-espaciais com Moshe Safdie (1938-), concretizado na
possibilidades científico-tecnológicas, as Expo‟67, ocorrida em Montreal, Canadá.
quais ocorreriam num futuro próximo.
 Denominou-se TECNOTOPIA o Richard Buckminster Füller (1895-1983)
conjunto dessas propostas que, Engenheiro, matemático, cartógrafo, ecologista e
baseando-se em parâmetros técnico- pensador norte-americano que dedicou toda sua
construtivos, desenvolveu propostas vida criando soluções técnicas para os problemas
de espaços fantásticos, especialmente contemporâneos, explorando especialmente as
através de grupos de vanguarda. A potencialidades da estrutura metálica espacial e
arquitetura tecnotópica fez pesquisas das cúpulas geodésicas, sua principal contribuição
ao ideário utopista, desenvolvida a partir de 1954.
sobre novas tecnologias e
Um de seus trabalhos mais difundido foi a
agenciamentos espaciais, acabando proposta da Dymaxion House (1929/32), que
por influenciar toda a produção consistia em uma unidade de habitação fabricada
ficcional, em especial, a televisão e o em série que exigia um mínimo de infra-estrutura e
17
cinema dos anos 60 em diante. serviços, mas supunha a existência de um
complexo industrial nas imediações. Outros
Os tecnotopistas propunham espaços variáveis e trabalhos de destaque foram: o Dymaxion Car
multifuncionais, principalmente através da (1937); a Füller House (1946); e sua obra-prima, a
reciclagem de elementos móveis, que seriam geodésia do pavilhão americano na Expo 67,
agregados a estruturas primárias fixas ocorrida em Montreal, Quebec – Canadá (ZEVI,
normalmente destinadas à circulação e aos 1979).
serviços; além de criarem megaestruturas
adaptáveis por encaixes, deslizamentos ou
acoplamentos; e emprego de películas
pneumáticas móveis e de “células” sintéticas.

 Criticados por desconsiderarem os


pontos de vista de sociólogos e
psicólogos, criaram uma metodologia
pseudo-científica que incentivava
escolhas libertadoras em prol da
fundação de uma civilização urbana
não-alienada, associada à máquina e
voltada à eficiência técnica e à METABOLISMO (1959)
qualidade do ambiente construído.
Conjunto de idéias de um grupo de arquitetos e
urbanistas japoneses que reuniram por volta de
1959 na busca de uma visão futura da cidade
17
Entre 1965 e 1968, foi produzida a série habitada pela sociedade de massa, que se
televisiva de ficção científica Lost in Space caracterizaria por grandes estruturas flexíveis e
(Perdidos no Espaço) e, entre inúmeros filmes e extensíveis, as quais permitiriam um processo de
séries, seu produtor, Irwin Allen (1916-91), crescimento orgânico. Tomando como base a
também produziu: Viagem ao fundo do mar idéia de que as leis tradicionais de forma e função
(1964/68), Túnel do tempo (1966/67) e Terra dos estavam obsoletas, o Metabolist Movement
gigantes (1967/70). Em 1966, surgia a clássica apoiava suas propostas nos conceitos de
saga de Star Trek (Jornada nas Estrelas), criada reciclagem e flexibilidade constantes, inspirando-
por Gene Roddenberry (1921-91), que duraria até se na filosofia do xintoísmo, que pregava a
1969 para depois reeditada em 1973 e através de mudança eterna de tudo e a continuidade do
várias derivações até hoje. No cinema, em 1968, o eterno no transitório; e na analogia sistêmica. A
filme 2001, uma odisséia no espaço, baseado nos cidade era considerada um sistema aberto que
escritos de Arthur C. Clark (1917-) e dirigido por permitia transformações periódicas, nas quais a
Stanley Kubrik (1928-99), marcaria uma geração. ordenação do tráfego era essencial.

131
Entre os metabolistas, um dos maiores destaques Inicialmente formado por Warren Chalk (1927-87),
foi Kenzo Tange (1913-2005) que, através do seu Ron Herron (1930-95), Dennis Crompton (1935-
megaplano para Tóquio de 1960, propôs a ), Peter Cook (1936-), David Greene (1937-) e
ampliação da cidade sobre o mar. O arquiteto e Mike Webb (1937-), sua primeira grande
engenheiro japonês Kiyonori Kikutake (1928-) foi exposição denominou-se Living City (Cidade Viva),
o fundador e principal teórico do grupo ocorrendo em 1963, a qual trouxe bastante
metabolista. Além de propor a Tower City, polêmica ao ambiente londrino.
escreveu Metabolism (1960), Floating architecture Os principais projetos de Cook foram a Living Pod
(1973) e Community and civilization (1975). e a Capsule Tower (1964/66), além das Trickling
Entre as propostas do Metabolism Movement mais Towers e da Layer City (1978/82). Sua Plug-in-City
difundidas estão as idéias da “cidade flutuante”, (1964) constituía-se de uma grande trama, na qual
através do Unabara Project; da “cidade agrícola” e as edificações em forma de “células” deveriam ser
da “cidade-parede”, além daquelas relacionadas à acopladas; as máquinas assumiriam o controle e
proposta do Living in a capsule (Vivendo em uma às pessoas, transformadas em matéria-prima,
cápsula), criadas em 1966, por Akira Shibuya; em restaria “apreciar a experiência”. Herron, por sua
1967, por Youji Watanabe, principalmente, por vez, contribui com as propostas da Instant City e
Kisho Kurokawa (1934-), entre 1970 e 1972; este da Walking City (1964/6), esta última uma cidade
responsável pela proposta utópica da Helix City, ambulante, surgida das cinzas de uma civilização
além do Takara Pavillion (1967), realizado na pós-nuclear, formada por edifícios inteligentes na
Expo‟67; e da experimental Nakagin Capsule forma de cápsulas gigantes móveis. Seu formato
Tower (1972/74), construída em Tóquio. Outros derivava da combinação entre inseto e máquina,
arquitetos de bases metabolistas são Masato em uma interpretação literal da idéia de Le
Ohtaka (1923-), Fumihiko Maki (1928-) e Arata Corbusier de que a casa era uma “máquina de
Isozaki (1930-) , entre outros. morar”.

ARCHIGRAM (1961)
Grupo vanguardista com bases na London
Architectural Association, que foi considerado
futurista, anti-heróico e pró-consumista, ao tirar
sua inspiração da tecnologia para criar uma
realidade nova, a qual foi expressa somente
através de projetos hipotéticos. Seu nome referia-
se a uma publicação contestatória de ficção
científica em forma de comic strips, destinada a
fazer propaganda comercial nos EUA que, através
de um idealismo estético-tecnocrático, duas
páginas e periodicidade irregular, trazia desenhos ECOTOPIA
e manifestos pop. Seu maior defensor foi o crítico
britânico Reyner Banham (1922-88), um dos
responsáveis pela divulgação da revista e dos A defesa do retorno do ser humano à
trabalhos do grupo, os quais propunham cidades natureza esteve sempre presente na
fantásticas, transitórias e auto-reguláveis, que se
diferenciavam das propostas metabolistas por
evolução do pensamento utópico desde a
serem mais conceituais que concretas. Renascença, mas foi a partir da
Seu principal objetivo não era o interesse Revolução Industrial (1750-1830) e de
profissional, mas a descoberta de uma linguagem suas conseqüências que passou a ser
contemporânea que resolvesse o brusco teorizada por meio dos ideais românticos
crescimento populacional e urbano através de
megaestruturas neutras, feitas de materiais
e naturalistas, revestindo-se de uma força
sintéticos e infláveis. A partir da fantasia sem igual na década de 1960, quando o
tecnológica, que encontrava referências nos colapso do modelo econômico capitalista
trabalhos futuristas do arquiteto italiano Antonio e a situação catastrófica das metrópoles
Sant’Elia (1888-1916) ou nas investigações pareciam inevitáveis (CASTELNOU, 2005).
tecnológicas de Buckmister Füller (geodésicas) ou
ainda nas tenso-estruturas do alemão Frei Otto  A palavra ECOTOPIA foi utilizada
(1925-), seus ambientes urbanos – ou computer pela primeira vez em 1877 no livro A
cities – eram caracterizados pela ênfase crystal age (Uma era de cristal) , do
circulatória, disposições transitórias e robôs ornitologista e escritor naturalista
acionados por computadores. Seus trabalhos,
bastante influenciados pela Pop Art, ofereciam
britânico, de origem argentina, William
uma visão sedutora de uma idade de máquina H. Hudson (1841-1922) , que ficou
futura e fascinante, mas que deixava temas mais conhecido por seus romances
sociais e ambientais de lado. exóticos, embora tenha escrito sobre
ornitologia e ruralismo.
132
Com o despertar ecológico da década de Rejeitando a resignação ou a luta, os back-to-
1970, a ECOTOPIA passou a ser uma landers aspiraram pela reconexão com o mundo
natural, voltando a viver no campo e
das alternativas de postura em relação ao transformando-se em trabalhadores autônomos de
acelerado avanço da tecnologia e da uma indústria caseira, construindo sua própria casa
sociedade de massa, fortemente marcada e produzindo seu próprio alimento. Preferindo-se
pelos mecanismos de alienação e fontes energéticas alternativas, passaram a viver
em comunidades agrárias, através de um sistema
consumo. Com bases literárias bastante de trocas de bens e serviços, sem uso do dinheiro.
fortes18, encontrou subsídios para se Alguns desenvolviam atividades flexíveis, como
difundir como uma nova proposta de escritor ou artista, enquanto outros mantinham
reintegração homem/natureza e do empregos na cidade. Porém, a maioria estava
despreparada para esse estilo de vida; e os
restabelecimento da harmonia ambiental. problemas relacionados a custos – maquinário,
 Denominou-se Back-to-the-land sementes, suplementos e despesas domésticas –,
acabaram forçando a volta para as cidades ou para
Movement o fenômeno social que as comunidades rurais mais próximas (COFFEY,
correu entre os anos 60 e 70 nos EUA 1996).
que consistiu no aumento das
migrações das cidades em direção ao
campo, através de um forte êxodo
urbano naquele país que coincidia com
a Contra-Cultura e tinha forte apelo de
bases contestatórias e literárias,
incluindo as idéias pioneiras de Henry
D. Thoureau (1817-62) e Ralph
Borsodi (1886-1977).
As pessoas começaram a achar que, vivendo na Paolo Soleri (1919-)
cidade ou subúrbio, faltava-lhes alguma
familiaridade com os princípios básicos da vida, Arquiteto e urbanista visionário, de origem italiana,
como as fontes naturais de alimentação ou um que, nos anos 70, cunhou o termo arcology
maior contato com a natureza. Além disso, (“arcologia”), resultado da junção das palavras
recusavam alguns aspectos negativos da vida “arquitetura” e “ecologia”, especialmente para
moderna, como consumismo em excesso; falhas descrever seu maior projeto, Arcosanti, um edifício
do governo e sociedade, como a Guerra do Vietnã suficientemente grande para manter uma ecologia
(1957/75); e preocupação crescente com a interna, assim como uma alta densidade
poluição. Somaram-se a isto o escândalo de populacional. Seu conceito baseava-se na idéia de
Watergate e a crise energética de 1973. que a urbanização estaria reivindicando cada vez
mais uma maior extensão da Terra, a qual deveria
ser usada de forma mais sábia e menos
impactante. Em Arcology: the city in the image of
man (1970), descrevia os modos de compactação
18
Em 1947, Betty MacDonald (1908-58) lançou das cidades em três dimensões, combatendo as
The egg and I, que se tornaria um bestseller ao soluções propostas por planos bidimensionais.
contar a história de sua mudança para uma
Soleri estabeleceu-se nos EUA em 1956, abrindo
pequena fazenda na Olympic Península, no Estado
seu estúdio Cosanti a 10 km de Phoenix, em
de Washington; e, em 1948, o ecólogo Aldo
Scottsdale, Arizona, no qual iniciou uma série de
Leopold (1886-1948) publicou A Sand County projetos baseados em princípios bioclimáticos. A
Almanac, uma profunda e comovente declaração partir de então, passou a perseguir as questões de
ambientalista, que foi sucedida, seis anos depois, implosão humana e intensidade social mediante a
por Living the good life (1954), um livro que contava densificação tridimensional em edificações
sobre a mudança de seus autores, o casal Helen visionárias, procurando maximizar a interação
(1904-95) e Scott Nearing (1883-1983), para uma humana e os acessos a serviços, através de
cottage na área rural de Vermont. Soma-se a isto o macroestruturas que minimizariam o uso de
papel que tiveram os Whole Earth Catalogs energias, materiais construtivos e impactos
(1968/72) escritos por Stewart Brand (1938-) e ambientais, além de se integrar à paisagem local.
que se propunham a oferecer “instrumentos”
(almanaques, ferramentas e implementos de Desde 1970, Arcosanti, seu experimento urbano
jardinagem) para se alcançar uma vida contínuo para 6.000 pessoas, vem sendo
“sustentável”. Em 1970, Robert Heilbroner (1919- construído, estando, em 2005, apenas 1%
2005) lançou Ecological Armageddon, que concluído, o que ocupa uma área de 25 acres,
prenunciava, de alguma forma, os conturbados equivalendo a menos de 0,1% dos 4060 acres –
2
anos 70, quando a crise do petróleo abalou a ou 16 km – previstos para o projeto final. Cerca
ordem mundial. Depois, o lançamento de Ecotopia de 50.000 pessoas visitam anualmente Arcosanti,
(1975), de Ernest Callenbach (1929-) marcaria cujos fundos retornam para a sua construção.
definitivamente o início da utopia ecológica.

133
A partir dos anos 80, o desenvolvimento do SURVIVALISMO
movimento ambientalista, assim como a
difusão da idéia de sustentabilidade urbana, Movimento ecotopista surgido entre os anos 70 e
fez se aumentar o interesse pela chamada 80 nos EUA, formado pelos auto-intitulados
survivalistas, pessoas que, antecipando uma
GREEN ARCHITECTURE, a qual procura
ruptura radical da sociedade local, regional ou
incorporar as preocupações com o desperdício mundial, propõe-se a tomar medidas visando
energético, o reaproveitamento de resíduos e “sobreviver” (to survive) a situações drásticas
a reciclagem de materiais no projeto e imprevisíveis. O termo nasceu do periódico The
construção, inclusive a nível urbano, fazendo Survival (1975), publicado por Karl Saxon, além
crescer o eco-urbanismo. de vários artigos e livros – como Famine and
survival in America (1974), de Howard J. Ruff – ,
 Contribuiu para a consolidação do que denunciariam os riscos contemporânea.
pensamento ecológico a crescente
Embora tendo acesso às facilidades da vida
afirmação do Ecovillage Movement, moderna, os survivalistas preparam-se para uma
que teve como um dos principais eminente perda futura, tomando como bases
estopins a publicação em 1991 de acontecimentos históricos ou simplesmente se
Ecovillages and sustainable propondo a resistir em condições extremas, como
communities, de Robert Gilman em pleno mar ou sob um inverno intenso; ou ainda
(1945-). Considerado um visionário, se oferecendo como voluntários para programas
especiais do governo. As preocupações
ele começou a difundir uma rede
específicas de cada grupo survivalista dependem
internacional de ecovilas ou do tipo de risco a que se supõe estar correndo,
“comunidades ecológicas” baseadas enquadrando-se geralmente em três categorias:
nas idéias de uma vida comunitária em catástrofes naturais (furacões , terremotos, etc.);
harmonia com a natureza. desastres de origem antrópica (guerras, atentados
terroristas ou poluição radioativa) e colapsos na
Por ECOVILA (ecovillage) entende-se um estrutura sócio-política (falta de combustível,
assentamento completo e em escala humana, água, comida, etc.).
no qual as atividades de produção e consumo
estejam harmonicamente integradas ao mundo
natural, de modo a possibilitar um
desenvolvimento saudável e que permitam ser ECO-ANARQUISMO
continuado prosperamente no futuro indefinido, Movimento ecotopista da década de 1990, cujas
consistindo no conceito-chave do ecotopismo bases encontram-se no anarquismo, ou seja, no
contemporâneo. Seus maiores princípios conjunto de teorias e correntes que defendem a
seriam os seguintes: abolição do governo e toda forma de hierarquia
a) Independência da infra-estrutura e do modo em prol de relações éticas fundadas na
de vida, o qual deve ser sustentável e associação voluntária, cujos precursores foram o
baseado na “simplicidade voluntária” e na mutualismo de Pierre-Joseph Proudhon (1809-
“cohabitação”, com um mínimo de troca com 65), o anarco-sindicalismo de Mikhail A. Bakunin
a área local exterior ou eco-região; (1814-76) e o anarco-comunismo de Pietor
Kropotkin (1842-1912).
b) Sustentabilidade baseada na agricultura
orgânica, na auto-construção e em outras A green anarchy fundamenta-se na rejeição da
atividades que permitam a biodiversidade e idéia de que a humanidade seria superior do
a função ecossistêmica, incluindo “infra- restante do mundo natural, pregando a criação de
estrutura verde”, edificações autônomas e comunidades projetadas para funcionar junto às
alojamentos agrupados de modo a usar forças da natureza: ecovillages de até 100
energia renovável e evitar desperdícios; habitantes. Defendido por nomes como Murray
c) Organização “eco-anarquista”, consistindo Bookchin (1921-), John Zerzan (1943-) e Derrick
na produção e distribuição local de Jensen (1960-), apóia os conceitos de
alimentos; trocas internas e incentivo moral fraternidade homem-fera, democracia bioregional
para evitar consumo excessivo, além de e tribalismo, estes enunciados em Ismael (1991) e
governo baseado no consenso e escolhas New Tribal Revolution (1997), livros de Daniel
que respeitem a diversidade. Quinn (1935-), aos quais se associaram os ideais
pós-68 de pacifismo e ecofeminismo.
Desses princípios gerais, organizaram-se inúmeras
ecovillages em todo o mundo, como a de Alguns dissidentes do grupo se autodenominaram
Eartheaven, fundada em 1994 na parte ocidental anarco-primitivistas, passando a criticar todas as
de North Carolina EUA, com cerca de 320 acres e instituições de dominação que compõem a
150 pessoas distribuídas em 50 moradias. Outras sociedade, cujo conjunto chamam genericamente
ainda estão em fase de implementação, como a de “civilização”, acabando por rejeitar o progresso
proposta pela ACE Incorporate em NW Calgary, tecnológico e negar completamente a chamada
Alberta (Canadá), projetada em 2000 por Jorg green technology, preferindo ao invés disso
Ostrowski, originalmente para Bear‟s Paw. recursos baixos (low) ou nulos (no-techonology).

134
CONCLUSÕES Neste início de milênio, os novos
paradigmas que surgem na área do
urbanismo constituem-se em:
a) A associação entre os setores público e
Atualmente, as atividades de desenho privado no financiamento, execução e
urbano e planejamento regional são de gestão dos novos sistemas de transporte,
fundamental importância, assim como a saneamento e serviços sociais, devido aos
revalorização dos núcleos urbanos é um elevados recursos necessários à
modernização de infra-estrutura;
fato incontestável. Hoje em dia, a
b) A conservação e remodelação de áreas
população urbana mundial está crescendo degradadas, tais como docas portuárias e
à razão de cerca de 7% ao ano, o que faz zonas industriais desativadas,
com que as discussões nesta área se reestruturando-as para receberem
tornem prioritárias. modernas instalações residenciais, centros
de eventos e complexos multifuncionais;
 Devido à consolidação de novas c) A regeneração de antigos centros históricos
centralidades, a intensificação dos por meio da introdução de equipamentos
fluxos financeiros, a liberalização das culturais, além da preservação de áreas
trocas comerciais e os progressos verdes e de locais de interesse turístico,
tecnológicos em comunicação, procurando-se integrar espaços de trabalho,
moradia, lazer e cultura.
conduziram ao surgimento da nova
divisão de trabalho entre produção e Resolver a congestão e a poluição dos núcleos
consumo em nível global, o que centrais das grandes cidades é um dos pontos
determinou a afirmação de cidades- críticos dos atuais planos de revitalização urbana,
centros sub-regionais e mundiais. nos quais se tornaram prioritários a relocação de
indústrias poluentes e a substituição de sistemas
As metrópoles de hoje são caducos de transporte coletivo.
simultaneamente importantes centros de
O planejamento alternativo – que
decisão, de inovação tecnológica e de é, ao mesmo tempo, ambiental,
produção e consumo, além de locais estratégico e participativo – associa-se
atraentes para sediar eventos à mais avançada tecnologia de
internacionais e receber grandes fluxos de construção no intuito de afirmar um
visitantes. Os processos mais novo espírito de modernidade, reflexo
convencionais de urban planning, os quais do progresso atual e da criação de
eram concebidos com metas rígidas e uma nova IMAGEM URBANA (como
dependentes da inversão de recursos exemplos: as reformas urbanas dos
últimos 15 anos de cidades como
públicos, não mais atendem essa
Barcelona, Bilbao, Shangai, etc.)
realidade complexa e em constante (SOUZA, 2002; 2003).
transformação em todo o mundo.

PLANEJAMENTO URBANO CONVENCIONAL PLANEJAMENTO URBANO ALTERNATIVO

Busca a racionalidade e a ordem, adequando-se Busca a justiça social como prioridade máxima.
às exigências do capitalismo comercial/industrial.
Distribui melhor a infra-estrutura e os serviços
Separa rigidamente as funções urbanas (zonning) públicos para minimizar a segregação residen-
de habitar, produzir, circular e recrear-se. cial e facilitar o acesso aos equipamentos.

Entende-se como o momento de elaboração de Compreende-se como o processo de elaboração,


um documento técnico (plano). atualização e revisão de diretrizes técnico-políti-
cas, cuja implementação deve ser acompanhada.
Ignora que a realidade é marcada por conflitos,
servindo como ferramenta de criação de harmo- Procura explicitar os conflitos, funcionando como
nias artificiais, com base puramente na raciona- instrumento orientador da negociação política em
lidade técnica (impositivo). torno dos destinos da cidade (participativo).

Vê a cidade como máquina (artificial). Vê a cidade como organismo vivo (natural). 135
Nesta transformação das teorias e práticas Segundo GILBERT (1989); os elementos
urbanas, verifica-se o importante papel exercido que compõem o ecossistema urbano são:
pelos movimentos sociais urbanos, cujas
reivindicações, contrapondo-se aos interesses a) CLIMA E AR: o adensamento de volumes
imobiliários, lutam pela proteção de conjuntos construídos provoca uma série de
históricos, sítios sagrados e/ou áreas naturais de alterações microclimáticas, envolvendo
conservação. Há uma forte ligação entre os características de temperatura (formação de
movimentos ecológicos e os de preservação de "ilhas de calor"), precipitação, umidade
patrimônio histórico e cultural, especialmente a relativa do ar, nebulosidade, radiação,
partir dos anos 70 e 80, cujas ações vieram se regime de ventos, etc. A emissão de
integrar à busca da SUSTENTABILIDADE. poluentes gasosos e de materiais
particulados à atmosfera gera a deterioração
Recentemente, o conceito da cidade da qualidade atmosférica, assim como a
geração intensa de ruídos conduz à poluição
passou a ser de um ORGANISMO VIVO; sonora.
ou ainda como um “gigantesco animal b) ÁGUA, SOLO E SUBSOLO: alterações da
imóvel que consome oxigênio, água, água superficial e subterrânea são
combustíveis, energia e alimentos; e determinadas pela impermeabilização
excreta despejos orgânicos e gases extensiva do solo, rebaixamento do lençol
freático e emissão de poluentes hídricos. As
poluentes, o qual não sobrevive sem a transformações da conformação original da
entrada, nesse complexo sistema, dos superfície, as modificações nos níveis de
19
recursos naturais dos quais depende” . consistência, a compacidade e a
transmissividade hidráulica do solo, além da
 Trata-se de um ECOSSISTEMA emissão de poluentes edáficos, promovem
que tende a uma complexidade natural alterações físicas, químicas e biológicas do
decrescente e a um aumento cada vez solo e subsolo.
maior de elementos e estruturas c) FAUNA E FLORA: a redução da diversidade
artificiais. É um sistema autocontido, biológica pela eliminação gradativa da flora
porém não fechado, e altamente inter- nativa é uma das principais características
relacionado, formado por elementos do ecossistema urbano. A fauna urbana é
naturais e antrópicos, em distintas normalmente remanescente de
combinações. comunidades primitivas, com componentes
animais mais generalistas devido ao alto
A cidade difere-se dos ecossistemas heterotróficos grau de modificação dos ecossistemas
comuns por apresentar um metabolismo muito mais naturais. Caracterizam-se por um elevado
intenso por unidade de área, exigindo um influxo grau de sinantropismo, apresentando
maior de insumos energéticos e grande elementos com potencial de transmissão de
necessidade de entrada de materiais, com zoonoses.
dispersão significativa de energia. d) ASPECTOS TERRITORIAIS: relacionam-se
ao uso (aspecto qualitativo) e ocupação
 Nos aglomerados urbanos, a (aspecto quantitativo) do solo e à infra-
intervenção humana causa profunda estrutura e serviços urbanos. Quanto ao
modificação do biótopo natural, primeiro aspecto, verifica-se que a
substituindo-se a comunidade biótica multiplicação dos elementos construídos e
anterior e diversificada por outra com atividades no ambiente urbano propicia o
dominância humana (antropocenose); desconforto ambiental das edificações, a
e mudando substancialmente as inter- degradação da paisagem e a poluição
relações dos organismos e meio. visual. Em relação à infra-estrutura e
serviços urbanos, a expansão da cidade e
o crescimento da população provocam uma
O MEIO AMBIENTE URBANO consiste na
pressão constante que determina a
organização dos significados, do espaço e do
tendência à deficiência dos sistemas. No
tempo dentro da cidade, sendo extensão do meio
sistema de circulação (sistema viário e
ambiente natural. Esta organização depende de
transportes), são crescentes as dificuldades
valores e normas de diferentes grupos, pois há
de deslocamento pelo aumento progressivo
diversas formas de compreender e classificar o
da intensidade de fluxos. No sistema de
espaço urbano, o que influencia nas expectativas,
saneamento são várias as insuficiências,
comportamentos e significados das pessoas.
com a impermeabilização excessiva do solo,
erosão e inundações comprometendo a
drenagem urbana; a degradação de
mananciais provocando reflexos imediatos
19 no abastecimento d‟água; o acréscimo
BOYDEN, S.; MILLAR, S.; NEWCOMBE, K.; constante de efluentes líquidos orgânicos
O'NEIL, B. The ecology of a city and its pressionando o esgotamento sanitário; e a
people. Canberra: Australian National quantidade crescente de lixo saturando as
University, 1981. 437p. condições de coleta, tratamento e

136
disposição final de resíduos sólidos. No Das críticas ao planejamento urbano moderno
sistema de energia, verifica-se o acentuado – então denominado convencional ou radical –
desperdício e a crescente importação de
principalmente devido ao seu desapego pelas
eletricidade e de insumos para fins
térmicos (combustíveis fósseis e vegetais); características físicas e históricas dos
e, nos sistemas de comunicações, através conjuntos pré-existentes, visível na maioria
de seus meios indiretos, há a redução da expressiva dos projetos de renovação urbana
diversidade de formas de sociabilidade. do segundo pós-guerra, nasceu neste início de
e) ASPECTOS SOCIAIS: referem-se século o PLANEJAMENTO ALTERNATIVO,
principalmente à população e aos mais interessado no impacto dos
equipamentos e serviços sociais. Nas empreendimentos sobre o meio ambiente e a
cidades, ao mesmo tempo em que há a vida das comunidades, assim como na própria
tendência ao crescimento e à concentração qualidade dos espaços urbanos e arquitetura.
populacional, os equipamentos e serviços
sociais (educação e atendimento infantil,
saúde, assistência social e previdência,
abastecimento alimentar, segurança, cultura
e lazer, habitação) oscilam entre a
otimização e a deficiência, esta provocada REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
pelo aumento das necessidades, que são
pressionadas por demandas crescentes.
f) ASPECTOS ECONÔMICOS: relacionam-se ARGAN, G. C. História da arte como história
aos setores produtivos e as características
da cidade. 5a. ed. São Paulo: Martins Fontes,
de renda e ocupação. Os setores
produtivos nos grandes centros urbanos
2005. 280p.
são especialmente representados pelo BENEVOLO, L. As origens da urbanística
secundário e pelo terciário. Em situações moderna. Lisboa: Presença, 1994. 172p.
especiais, ainda é marcante o terciário
superior. A concentração urbana e suas _____. Diseño de la ciudad. 3a. ed.
relações regionais promovem a chamada Barcelona: Gustavo Gilli, v. I, 1982. 248p.
economia de escala. Entretanto, em casos _____. História da arquitetura moderna. 3a.
de superação de limites de atendimento de ed. São Paulo: Perspectiva, 1998. 813p.
infra-estrutura e serviços, pode-se atingir a
própria deseconomia de escala em áreas _____. História da cidade. São Paulo:
urbanas. Determinadas cidades deparam- Perspectiva, 2001. 730p.
se com a concentração da pobreza e com _____. Historia de la arquitectura del
falta de ocupação (desemprego), na maioria
Renacimiento. Barcelona: Gustavo Gilli, 1981.
das vezes associados à maior estratificação
da renda. 552p.
g) ASPECTOS INSTITUCIONAIS: ligam-se às BRUAND, Y. Arquitetura contemporânea no
condições dos setores públicos e dos Brasil. 4a. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.
instrumentos normativos e legais de gestão 398p.
das cidades. Quanto mais complexa se CAMPUS VENUTI, G. La terza generazione
torna a estrutura urbana, presenciam-se
problemas variados nos setores públicos, dell’urbanistica. Milano: Franco Angeli, 1994.
principalmente de administração e finanças, 224p.
em especial pela baixa capacidade de CARANDELL, J. M. Las utopías. Barcelona:
gestão de seus responsáveis diretos. Além Salvat, 1974. 117p.
disso, muitas vezes ocorrem conflitos entre
os instrumentos normativos e legais CASTELNOU, A. M. N. Ecotopias urbanas.
específicos, além da falta de adequada Curitiba: Tese de Doutorado em Meio
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