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INSTITUTO DE HISTÓRIA
GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
NOME: EDUARDO ANTONIO DA SILVA MATRÍCULA: 11611HIS025
TURMA: MATUTINO
DISCIPLINA: HISTÓRIA DA AMÉRICA I PROFA. DRA. ANA PAULA SPINI
1
NOGUEIRA, C. R. F. Em busca de conceitos: feitiçaria e bruxaria. In. NOGUEIRA, Carlos R. F. Bruxaria e
História: As práticas mágicas do ocidente cristão. São Paulo: Editora Ática, 1991. pp. 26-40.
2
LANCELIN, Charles. La sorcellerie des campagnes. Paris: 1911. p. 48-49
uma hierarquia feudal, aparecendo como suserano que concede amparo e
proteção em troca da submissão absoluta e entrega total. (NOGUEIRA, p. 40)
3
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes [1976]. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
4
NOGUEIRA, C. R. F. op. cit. p. 39.
5
MICHELET, Jules. A Feiticeira. Trad. de Ana Moura. São Paulo: Aquariana, 2003.
fadada a se tornar bruxa, demonstrando – a partir do que ele acredita – como a feiticeira só
poderia estar, exclusivamente, relacionada à mulher.
Com base no trecho que abre a obra de Michelet, percebe-se um discurso que torna a
mulher passiva e totalmente inerte a um destino que lhe é traçado, o destino de ser bruxa. O
pensamento de Michelet diminui a importância da mulher na imagem de bruxa, pois tira todo o
protagonismo da mesma, com a ideia de que a mulher é passiva de escolha sobre seu destino,
sendo predestinada a se tornar bruxa, sem poder de decisão sobre sua própria vida. Além de que
esse olhar anula a importância da bruxaria – para as mulheres, já que os homens que são bruxos,
são por escolha própria – como ferramenta de oposição aos ideais impostos pela sociedade da
época.
O filme As Bruxas de Salém de 1996, dirigido por Nicholas Hytner e escrito por Arthur
Miller, baseado na peça teatral (1953) escrita pelo mesmo que tinha como propósito criticar a
política de perseguição aos comunistas nos Estados Unidos durante a Guerra Fria. A obra
cinematográfica tem como objetivo demonstrar os eventos relativos aos Julgamentos de Salém
a partir do olhar de homens do século XX. É importante pontuar que o filme é feito por homens
do século XX por dois motivos. Primeiro por ser um filme sobre mulheres e é feito por homens,
portanto há uma imposição histórica aqui. “A História ocidental possui uma marca bastante
característica, que pode ser resumida, grosso modo, da seguinte afirmação: quem conta a
história é o homem”. 6 Segundo, por se tratar de uma visão posterior aos eventos, deste modo
tratamos aqui de uma interpretação dos Julgamentos de Salém e não de uma representação
pautada na verdade absoluta.
6
BOTTON, Flavio. O poder ctônico e a cultura patriarcal: A mulher e suas representações artísticas. In:
HÖFFLER, Angelica. Cinema, Literatura e História. Santo André: UniABC, 2007. p. 74
À primeira vista não há muitos problemas com o filme, entretanto se analisado com
maior energia pode-se perceber algumas problemáticas pautadas na influência do patriarcado e
até do racismo – falamos de uma obra estadunidense, país com um dos maiores índices de
racismo no mundo.
Lembrando-se sempre que a obra se trata da visão do homem sobre a mulher, abordarei
algumas questões que, a partir de todas as injustiças sociais que as mulheres sofreram ao longo
da história, o filme ajuda a perpetuar através de estereótipos relacionados a mulher.
O primeiro ponto que destacarei baseia-se no fato de que o longa-metragem aborda uma
temática feminina – no sentido de falar sobre mulheres – em que a imagem da mulher deveria
ser o foco de importância, entretanto não isso que acontece. Um fato que mostra é isso é que a
personagem Abigail Williams (Winona Ryder) que é tomada como principal, é totalmente
apagada pelo personagem do John Proctor (Daniel Day-Lewis). Isso acontece, pois, a
personagem de Winona Ryder é tida como uma criança ingênua e inconsequente que é
apaixonada pelo homem maduro e exemplo para a sociedade, personagem de Daniel Day-
Lewis. Essa visão se dá pelo motivo de que a todo momento a protagonista feminina tenta
justificar todos os seus atos como um meio de conseguir conquistar seu amado. A imagem que
o filme passa é que todo o Julgamento de Salém se deu por causa de uma criança – na verdade
por várias crianças, todas meninas – que tenta de tudo para conquistar o homem dos seus
sonhos.
Entretanto, a abordagem de tentar diminuir a mulher nas representações artísticas não é
uma exclusividade do século XX e nem do cinema. A partir de Botton podemos perceber que
essa é uma prática que recorrente desde os primórdios da humanidade, e que isso teria partido
da ideia de que “não exista relações sociais, na cultura ocidental, que não sejam relações de
exploração ou conflito”. Com base nisso ele afirma que o apagamento da mulher nas artes pode
ser explicado por duas ideias, uma chamada de “sexual” e outra de “social”. Para ele a primeira
se dá pelas “diferenças biológicas e fisiológicas existentes entre os sexos como ponto de partida
para explicar todo o posicionamento da mulher na sociedade”. 7 Nessa visão, citando Camille
Paglia8, relaciona-se a tentativa de dominação masculina sob o feminino a partir do “’medo
ctônico’, [...], aquilo que está escondido nas ‘entranhas da terra’, na natureza, identificado como
feminino”. E na visão “social” Botton pontua que
7
Ibidem. p. 75
8
PAGLIA, Camille. Personas Sexuais: Arte e decadência de Nerfetite e Emily Dickinson. São Paulo: Cia das
Letras, 2001.
A ‘exclusão’ da mulher se deve à estrutura patriarcal da família burguesa e
capitalista. Nessa estrutura, a mulher está em segundo plano, não fazendo
parte da facção ativa que controla o capital, os meios de produção, nem mesmo
participa como força de trabalho (fato que só irá começar a se modificar no
período da Segunda Guerra Mundial). Dentro dessa hipótese, a mulher é
identificada, muitas vezes, como objeto de status, que, quanto mais adornada,
mais recebe valor. A sua possibilidade de realização tem ainda, situação que
obviamente está há muito tempo se alterando, sido relegada, dentro desse
sistema, unicamente ao casamento. (BOTTON, p. 76)
Outro ponto importante que passa despercebido, mas se analisado a fundo é bastante
problemático. É o fato de a “bruxaria” – explicarei mais à frente o porquê das aspas –, no filme,
ser somente praticada por “classes” consideradas inferiores na sociedade. Isto pois, a “bruxaria”
que é mostrada no começo do filme é somente praticada pelas meninas jovens e, o pior disso
tudo, de certa forma lideradas pela única personagem negra do filme, Tituba. E esse é outro
fator muito problemático pois, há uma grande divergência da real origem de Tituba, ela pode
ter sido negra ou não, e a escolha de representa-la como uma escrava negra no filme certamente
retrata um racismo estrutural, onde o negro sempre é representado negativamente.
Negativamente porque, a partir da visão do longa, Tituba teria sido quem apresentou e
introduziu as jovens à bruxaria.
Enfim, tocarei no ponto da bruxaria demonstrada no filme. Bruxaria, de fato, não há. Na
verdade, a única personagem que de fato pratica algo relacionado a magia, é Tituba. Fora isso,
todo o longa baseia-se em falsas acusações de bruxaria pautadas nos interesses das jovens que
teriam sido acusadas no primeiro momento. Entende-se, que isso acontece devido o contexto
histórico que a produção da peça teatral que deu origem ao filme está inserida, o contexto da
Guerra Fria, e que com essas obras buscava-se criticar a perseguição aos comunistas nos
Estados Unidos, que é considerada infundada pelo autor. Entretanto, apesar disso, o longa
perpetua uma imagem negativa da ideia de bruxa, e esse é um grande agravante na luta das
mulheres. Mostrar as “jovens bruxas” como crianças inconsequentes é relegar todo o legado
das bruxas como forma de oposição aos padrões impostos pela sociedade.
9
ZENDRON, Mariane; NOGUEIRA, Renata. Mais do que terror, filme “A Bruxa” é uma discussão sobre
feminismo. Disponível em: <https://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2016/03/08/mais-do-filme-de-terror-
filme-a-bruxa-e-uma-discussao-sobre-o-feminismo.htm>. Acesso em 31 de jul. 2017.
10
Idem.
Por último, de forma pontual, demonstrarei como a representação da bruxa e de seus
coven – nome dado aos clãs de bruxas – foram utilizados na série para televisão American
Horror Story: Coven como ferramenta de protagonismo feminino. Também traçada pela ficção,
American Horror Story: Coven, narra a história de bruxas que são descendentes das bruxas de
Salém e em uma escola no mundo contemporâneo essas são recrutadas para se reunirem nesse
coven. Tirando todos esses clichês de fantasia comercial à la Harry Potter, a imagem passada
pela série é de união feminina como forma de proteção, que é de fato muito interessante e bem
distante da visão de As Bruxas de Salém, em que a trama principal se foca em jovens garotas
que por inimizades acusam outras mulheres de serem bruxas causando assim a morte dessas.
Em American Horror Story, a mensagem passada é muito mais positiva e que agrega mais
importância as bruxas da história.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, após o resgate da origem do termo bruxa, da análise do filme, das comparações
cabíveis, podemos de certa maneira pontuar que a ideia de bruxa, quando deixado de lado todo
o místico, o fantasioso, foi de fato uma terminologia muito perigosa em relação as mulheres da
época e até hoje – apesar de algumas exceções.
Essa terminologia rebaixando a mulher desde o período medieval, até os dias de hoje está
intrínseca no imaginário popular, isto é, até o presente se usa o conceito de bruxa – apesar de
estar mais associada ao pejorativo e menos a figura da bruxa em si – como ofensa às mulheres.
E isso é um problema, pois, como muitos autores abordam que a estereotipação da mulher
como bruxa está diretamente relacionada a ideia de que a mulher é mais propensa – ou seja,
mais fraca – aos “encantos” do Diabo, seja por ser mais vulnerável mentalmente e muitas vezes
relacionado a sexualidade, tornando a mulher mais ligada aos prazeres da carne, desse modo
tirando a racionalidade da mulher.
Intimamente relacionada com o erotismo e elemento condicionante deste,
encontramos a sexualidade feminina, o elo mais importante entre a
sensualidade e mundo mágico, produto do destino lamentável das mulheres
(cujo número entre os praticantes da feitiçaria e da bruxaria é constantemente
superior ao de homens). É curioso que os mesmos autores que propõem a
revolta feminina contra a misoginia medieval como sendo a origem da
bruxaria utilizam-se de teorias pseudopsicológicas, ou argumentos de ordem
biológica, para afirmar que as mulheres apresentam uma tendência física que
as predispõe, mais do que os homens, ao fantástico, ao sobrenatural, que as
transforma em um ser delirante. 11 Caberia perguntar se estas argumentações
não configuram um ‘antifeminismo’ mascado por uma pretensa defesa do
elemento feminino que, por sua ‘fragilidade natural’, não deveria ser punido,
mas sim protegido. (NOGUEIRA, p. 104)
11
FINNÉ, Jacques. Erotisme et sorcellerie. Paris, 1973.
PALOU, Jean. La sorcellerie. Paris, 1973.
5. REFERÊNCIAS
A Bruxa (título original: The Witch: A New-England Folktale). Estados Unidos; Canadá;
Brasil. 2015.
American Horror Story: Coven. Estados Unidos: FX, 2013.
As Bruxas de Salém (título original: The Crucible). Estados Unidos. 1996.
BOTTON, Flavio. O poder ctônico e a cultura patriarcal: A mulher e suas representações
artísticas. In: HÖFFLER, Angelica (org.). Cinema, Literatura e História. Santo André:
UniABC, 2007.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes [1976]. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
LANCELIN, Charles. La sorcellerie des campagnes. Paris: 1911.
MICHELET, Jules. A Feiticeira. Trad. de Ana Moura. São Paulo: Aquariana, 2003.
NOGUEIRA, Carlos R. F. Bruxaria e História: As práticas mágicas do ocidente cristão. São
Paulo: Editora Ática, 1991.
PAGLIA, Camille. Personas Sexuais: Arte e decadência de Nerfetite e Emily Dickinson. São
Paulo: Cia das Letras, 2001.
ZENDRON, Mariane; NOGUEIRA, Renata. Mais do que terror, filme “A Bruxa” é uma
discussão sobre feminismo. Disponível em:
<https://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2016/03/08/mais-do-filme-de-terror-filme-a-
bruxa-e-uma-discussao-sobre-o-feminismo.htm>. Acesso em 31 de jul. 2017.