Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
susan haack
Por Laura Talchin
Filosofia
recentemente no Brasil,
a inglesa especialista em
Lógica, Epistemologia e
para dizer
pesquisa para o ensino,
ressalta a necessidade
de clareza e objetividade
em trabalhos sérios na
o quê?
Filosofia. E aborda os
problemas no ensino da
disciplina nas universidades
E
la defende que a Filosofia é a busca pela ver- sinou na Universidade de Warwick antes de se mudar
dade, uma investigação que deve ser feita com para Miami e assumir sua posição atual de professora de
precisão e clareza. A obra da filósofa inglesa Ciências Humanas, Filosofia e Direito. Ela demonstra o
Susan Haack tem um alcance interdisciplinar, seu lado criativo em uma conversa imaginada entre os
contém trabalhos em diversas áreas, como Filo- filósofos Richard Rorty e C. S. Peirce, na qual defende o
sofia da Lógica e da Linguagem, Epistemologia, Metafísi- Pragmatismo da filosofia de C. S. Peirce. E se preocupa
ca, Filosofia da Ciência e do Direito e Pragmatismo, mas com o futuro do ensino e da pesquisa na academia.
sempre com um olhar simples. Critica o estado atual da Manifesto de uma moderada apaixonada, lançado no
Filosofia e o mau uso de termos técnicos que só podem ano passado pela Editora PUC-Rio / Edições Loyola, é o
ser entendidos por um pequeno grupo de pessoas: “A segundo livro de Haack no Brasil. Filosofia das lógicas
prioridade em escrever filosoficamente é ser o mais claro foi publicado pela UNESP em 2002, e um terceiro livro,
e exato possível; o que não significa que é necessário se Filosofia do direito: perspectivas pragmatistas, a ser publi-
adaptar ao estilo forçado, sem humor e cheio de jargões, cado pela UNISINOS, está a caminho. Em Manifesto..., a
que é recorrente em tantos escritos filosóficos profissio- professora aborda questões como multiculturalismo e fe-
nais hoje”, disse. Formada pela Universidade de Oxford minismo. Nesta obra, poderemos ter bons exemplos do
e doutora pela Universidade de Cambridge, Haack en- humor, sagacidade e clareza que marcam o seu estilo.
imagem: divulgação
Laura Talchin é americana, formada em Ciências Políticas pela Georgetown University. Atualmente, mora no Rio de Janeiro e desenvolve
pesquisas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro sobre os conceitos de cidadania e o sistema de cotas raciais, com bolsa da Fulbright.
Rachel Herdy foi pesquisadora visitante entre os anos de 2008 e 2009 na Universidade de Miami sob a orientação da professora Susan Haack.
Atualmente, é professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
www.portalcienciaevida.com.br • ciência&vida • 5
entrevista susan haack
6 • ciência&vida
Muitos escrevem somente para seus pares dentro da profissão
ou para outros membros de sua panelinha; e em um estilo de
escrita profissional pseudotécnico e enfadonho
remotamente o que tenho em mente. Mas certa- na Política? Podemos agora julgar os candidatos
mente acredito que ideias filosóficas – sejam elas não pelo seu gênero, mas por suas qualidades?
encontradas em um romance, na obra de cientis- É claro que não penso nas mulheres como “não
tas de pensamento ou juristas ou nos trabalhos diferenciadas” em relação aos homens – o que
www.portalcienciaevida.com.br • ciência&vida • 7
entrevista susan haack
8 • ciência&vida
No coração do meu feminismo está o pensamento de
que precisamos reconhecer o quanto mulheres e homens
possuem em comum enquanto seres humanos, e
o quão importante são as diferenças entre eles
a Ciência pode vir a ser distorcida. Interesses comer- explicitamente, são em alguns aspectos significati-
ciais podem incentivar estudos tendenciosamente vamente diferentes). Além do mais, reconheço que
desenhados ou a interpretação errada de dados; e “a contratação preferencial de mulheres na minha
a pressão cada vez maior sobre cientistas universitá- profissão tenha feito bem”; embora afirme, em se-
rios para publicar e conseguir bolsas pode estimular guida, que “temo que possa ter feito mais mal do
a pressa, o descuido e até mesmo a fraude. que bem” (p. 270).
Não existe qualquer maneira fácil para distinguir a Minha preocupação não é simplesmente no
investigação realizada de boa-fé da investigação fin- sentido de que tais programas “alimentam estereó
gida e fajuta. Mesmo assim, você precisa desconfiar tipos”. O que digo – e argumento em cuidadosos
um pouco de “achados” que parecem, muito conve- detalhes – é que tenho medo de que tais progra-
nientemente, politicamente corretos, ou, muito con- mas tenham fracassado “em contratar as melhores
venientemente, justamente aquilo que um fabricante pessoas...”; alimentado “a relutância dos homens
esperava por achar. Você precisa buscar as críticas em levar as mulheres a sério e a desconfiança por
de outros da mesma área, retratações e expressões parte das mulheres de suas próprias habilidades”;
de preocupação de editores de periódicos; e, se uma
conclusão depende do trabalho de outros, você pre-
cisa checar se o trabalho citado realmente diz aqui-
lo que se afirma que ele diz. (Você ficaria surpresa
diante da frequência com que isso não ocorre!). Usu-
almente, quando você não possui qualquer conhe-
cimento de uma área, há poucas opções a não ser
confiar nas opiniões de especialistas; mas, às vezes,
até mesmo uma pessoa leiga deveria estar capacitada
para perceber que um estudo é falho: por exemplo,
quando um estudo médico está baseado no relato
dos próprios pacientes sobre o que lhes acometera.
www.portalcienciaevida.com.br • ciência&vida • 9
entrevista susan haack
10 • ciência&vida
As pessoas com frequência confundem ser sério com ser solene
em relação ao seu próprio trabalho, ou com o levar-se a si
mesmo a sério; mas são coisas bem diferentes
Tel: 11 3855.1000
www.escala.com.br
www.portalcienciaevida.com.br • ciência&vida • 11
entrevista susan haack
da investigação e a vida da mente, uma preocupa- como a experiência e as crenças de fundo trabalham
ção central em Manifesto, é de longa data. em conjunto. Não sei se há qualquer coisa na teori-
Não tenho (pelo menos não ainda) uma teoria zação ética que corresponda à falsa dicotomia entre
geral da Ética inteiramente desenvolvida para lhe fundacionalismo e coerentismo; então só posso dizer
oferecer. Mas acho que William James estava certo que talvez, caso eu venha um dia a desenvolver uma
em dizer que descobrir quais regras e arranjos so- teoria ética mais articulada, a analogia do jogo de pa-
ciais são moralmente melhores e quais são piores é lavras- cruzadas poderá ter algum papel.
um processo investigativo não menos falível do que
a descoberta das leis da Física; e John Dewey es- FILOSOFIA • Você emprega um senso de humor
tava certo em dizer que o que precisamos resolver e uma ironia afiada em seus escritos, até mesmo
não é, como James pensou, como melhor satisfazer quando fala de assuntos filosóficos difíceis. Você
a maior parte dos desejos, mas como melhor satisfa- vê necessidade de humor em uma disciplina tão
zer a maior parte das necessidades: quer dizer, quais séria como a Filosofia?
regras e arranjos sociais mais conduzem ao floresci- Certa vez – em “Nós, Pragmatistas”..., a con-
mento humano. A intuição por trás disso é que não versação entre C. S. Peirce e Richard Rorty que
podemos divorciar o que é bom ou correto para os compilei a partir de suas próprias palavras –, deli-
homens fazer daquilo que é bom para os homens. beradamente decidi não escrever (outro!) artigo fi-
A analogia do jogo de palavras-cruzadas (como losófico sério argumentando que o “Pragmatismo”
explico em “Verdade seca e conhecimento real”) é de Rorty é uma distorção indefensável das ideais
simplesmente uma ferramenta intelectual que usei do pragmatismo clássico, mas buscar uma maneira
no desenvolvimento de minha teoria da justificação lúdica e literária de contrastar o pensamento filo-
epistêmica – uma teoria intermediária entre as tradi- sófico profundo de Peirce com a postura fashion
cionais teorias rivais, fundacionalismo e coerentismo: de Rorty. Usualmente, no entanto, simplesmente
por exemplo, para entender como o suporte mútuo não tenho medo de mostrar meu senso de humor.
legítimo entre crenças difere de um círculo vicioso, e As pessoas com frequência confundem ser sério
12 • ciência&vida
com ser solene em relação ao seu próprio trabalho, atenção ao ensino, o qual é cada vez mais relegado a
ou com o levar-se a si mesmo a sério; mas são coi- estudantes de graduação e palestrantes temporários;
sas bem diferentes. Se você é sério em relação ao outra, que muitos docentes utilizam suas aulas, espe-
seu trabalho filosófico, você não cortará caminhos cialmente suas aulas de graduação, para falar sobre “o
ou fingirá para si mesmo, ou para os outros, que que estou trabalhando neste momento” – seja isto o
alcançou mais do que de fato alcançou. Divertir-se que os alunos precisam aprender ou não.
com a quebra de um problema difícil ou ver graça Enquanto a quantidade de pesquisa produzida su-
em alegações grotescamente exageradas é inteira- biu, a média de sua qualidade decresceu; e torna-se
mente compatível com ser sério, neste sentido. E a cada vez mais difícil encontrar o que presta. Além dis-
arrogância é uma desvantagem real para o trabalho so, muitos professores logo percebem que a maneira
filosófico sério – o qual requer que você tenha uma mais fácil de conseguir uma apresentação aprovada
mirada alta, mas também um senso realista de suas para uma conferência ou um artigo publicado é unir-
fraquezas e limitações. -se a um “cartel de citações”, onde X faz referências e
Uma consequência lamentável tem sido que mui- sos entre departamentos. Mesmo assim, embora
tos professores – cientes de que o sucesso de suas às vezes fique desanimada com a minha profissão,
carreiras depende de publicações, etc., e não de ainda acredito no valor do trabalho filosófico sério
competência em sala de aula – dão cada vez menos e na sua potencial utilidade.
www.portalcienciaevida.com.br • ciência&vida • 13