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E ESTADO
PETRÓLEO
E ESTADO
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP
PETRÓLEO E ESTADO
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www.anp.gov.br
Petróleo e Estado / Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Rio de Janeiro: ANP, 2015.
Bibliografia: p. 300-312
1. Petróleo – História – Brasil. 2. Gás natural – História - Brasil. 3. Biocombustíveis – História – Brasil. 4. Combustíveis – História – Brasil. 5. Pré-sal – História
– Brasil. 6. Petróleo – Rodadas de Licitações – Brasil. 7. Indústria do petróleo – Regulação – Brasil. 8. Conselho Nacional do Petróleo – História. 9. Departamento
Nacional de Combustíveis – História. 10. Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – História. I. Título.
CDD 338.272820981
É permitida a reprodução do conteúdo desta publicação desde que obrigatoriamente citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são rigorosamente proibidas.
Superintendente-adjunta
Pesquisa iconográfica
Rose Pires Ribeiro
Rafael Nunan do Nascimento Silva e Roberta Alleixo
Supervisão
PRODUÇÃO GRÁFICA
João Carlos de Souza Machado
Stilgraf
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Diretora-Geral
Diretores
José Gutman
Com a publicação do livro “Petróleo e Estado”, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis dá uma colaboração importante para a historiografia desses setores no Brasil,
que ainda é pequena se comparada à sua importância na trajetória econômica, social e política do
nosso país.
Resultado de uma extensa pesquisa feita em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, o livro faz
um retrospecto da evolução da indústria do petróleo em diversas épocas da história do Brasil, co-
meçando no Segundo Reinado (1840 a 1889), até meados de 2014.
A ANP é criada neste contexto, em 1997, com atribuições envolvendo um amplo escopo de ativida-
des regulatórias em toda a cadeia da indústria de petróleo e gás natural, abrangendo mais adiante
também os biocombustíveis.
O leitor poderá notar que ao longo das sucessivas épocas retratadas neste livro, diversos protago-
nistas em variados contextos históricos, com diferentes concepções ideológicas, perseguiram um
objetivo comum: a autossuficiência.
Ao resgatar a história das relações entre petróleo e Estado no Brasil, a ANP espera destacar o
papel dos que participaram dessa trajetória e permitir uma visão mais profunda do desenvol-
vimento dessa indústria estratégica para o Brasil.
1 1850-1937
OS PRIMEIROS TEMPOS
CAPÍTULO 1
2 1938-1943
O CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO
CAPÍTULO 4
CONCESSÕES PIONEIRAS ANOS DE ESTRUTURAÇÃO E FORTALECIMENTO
17 A Comissão Geológica do Brasil e a Escola de Minas 53 Diretrizes que nortearam a formação do CNP
de Ouro Preto
57 Um marco da entrada do Estado no setor de petróleo
20 As últimas concessões do Império 60 Estrutura e funcionamento
21 O consumo de derivados de petróleo: primeiros 63 A questão do Imposto Único
momentos
65 A questão do refino
CAPÍTULO 2
OS PRIMEIROS ANOS DA REPÚBLICA CAPÍTULO 5
A DESCOBERTA EM LOBATO
22 A exploração mineral e a Constituição de 1891
70 Finalmente jorrou petróleo!
26 O Governo Federal ingressa na pesquisa de petróleo
32 Grandes companhias estrangeiras instalam-se no País
CAPÍTULO 6
34 Lei Calógeras
TEMPO DE CONFLITOS
6
162 Revogada a encampação das refinarias
163 A indústria petroquímica se estabelece no Brasil 1998-2013
165 Xisto betuminoso também não é petróleo... ANP, DA CRIAÇÃO AOS DIAS DE HOJE
168 Distribuidores de GLP se organizam CAPÍTULO 18
169 Disposições legais: atribuições e estrutura do CNP O PAPEL DO ESTADO NA REGULAÇÃO DO MERCADO
172 As crises mundiais do petróleo nos governos Geisel
e Figueiredo 204 A flexibilização do monopólio estatal
1850-1937
Os primeiros tempos
14 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 1
CONCESSÕES
PIONEIRAS
“Minas de petróleo” no Segundo Império
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por
base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do
Imperio, pela maneira seguinte.
(...)
XXII. É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legal-
mente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente
indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e
dará as regras para se determinar a indemnisação.1
Quando tiveram início as pesquisas de petró- a distinção entre propriedade territorial e pro- sos minerais, desde que se submetessem a pesa-
leo no Brasil, na segunda metade do século XIX, priedade mineral (direito dominial), herdada das taxações. Essas outorgas eram feitas por in-
estava em vigor a Constituição Imperial pro- do período colonial. Essa distinção era caracte- termédio do Ministério dos Negócios do Império
mulgada em 1824, que garantia aos cidadãos rística do sistema regalista ou feudal, que tem e, principalmente, do Ministério dos Negócios da
brasileiros o direito de propriedade, prevendo raízes no Direito Romano: “O suserano tinha a Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
uma única exceção a esse princípio básico: a faculdade de explorar diretamente os recursos
exigência de uso por interesse do “bem públi- minerais do subsolo ou atribuir a terceiros a sua Podemos identificar, já em 1854, os primórdios
co”, sempre mediante indenização prévia por exploração, mediante o recebimento de uma da regulação do setor em diretrizes governa-
parte do governo. quantia fixa ou variável.”2 mentais sobre a extração e o uso do petróleo.
O Museu Nacional, encarregado de analisar os
Ainda não havia um conjunto específico de leis Assegurava-se desse modo o domínio do Estado minerais encontrados nas diversas regiões do
regulando a exploração de recursos minerais, sobre as riquezas do subsolo, cabendo-lhe ou- País, elaborou em julho daquele ano o docu-
mas as disposições legais nesse período, den- torgar a particulares, brasileiros ou estrangeiros, mento intitulado Instruções para a extração
tro do espírito da Constituição, já estabeleciam concessões para a prospecção e lavra dos recur- do petróleo e da nafta exigidas pelo governo,
1. BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brazil: elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D.
Pedro I, em 25.03.1824. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado dos Negócios do Império do Brazil, 1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>
2. PIRES, Paulo Valois. A evolução do monopólio estatal do petróleo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2000. p. 8-9.
Capítulo 1 - Concessões pioneiras 15
Embora esses documentos já destacassem a impor- Conflitos de interesses entre propriedade territo- desenvolver os mesmos trabalhos” e que “a lavra
tância econômica do petróleo, ele não foi menciona- rial e propriedade mineral não tardaram a surgir. a que precederam não passara de uma tentativa
do explicitamente nos decretos relativos a pedidos Em 1859, três proprietários de terras, afirmando- passageira”, o governo manteve a concessão a
de concessão até o final da década de 1850. -se como os verdadeiros descobridores das minas, Edward Wilson, pois “não era de conveniência pú-
denunciaram ao Museu Nacional as concessões blica que as riquezas do mencionado solo ficassem
outorgadas a José de Barros Pimentel, Frederico sepultadas nas entranhas da terra quando empre-
Hamilton Southworth e Thomas Sargent.6 endedores ativos e capitais suficientes apareciam
...Não era de para as aproveitar eficazmente”.
Dez anos depois, quando o inglês Edward Pellew
conveniência Wilson7 recebeu autorização para lavrar por 30 Até o final da década de 1860, o Maranhão foi a
pública que as anos carvão-de-pedra, turfa e outros minerais, na única província que, além da Bahia, atraiu o inte-
riquezas ficassem região do rio Maraú, alguns proprietários locais resse de pesquisadores. Em 1867, as rochas betu-
reclamaram formalmente ao imperador D. Pedro minosas localizadas em Codó e Coroatá, no vale
sepultadas II o direito de descobridores dos minerais e pedi- do rio Itapecuru, foram objeto de um pedido de
nas entranhas ram o privilégio exclusivo para a sua extração, ou, concessão, encaminhado por Policarpo Lopes de
da terra. pelo menos, que suas terras fossem excluídas da Leão e pelo engenheiro inglês Nathaniel Plant.9
concessão, e o governo imperial foi obrigado a se
manifestar claramente sobre o assunto. Segundo No começo dos anos 1870, uma nova leva de
um parecer do Conselho de Estado, datado de 15 concessões teve como cenário a província de
A primeira referência explícita à exploração de de agosto de 1870, “a descoberta de minerais não São Paulo, onde “a expansão da rede ferroviá-
petróleo no País consta do Decreto nº 3.352-A, conferia ao descobridor o direito de extraí-los, ria e dos serviços urbanos (...), com muito mais
de 30 de novembro de 1864, que autorizava o mesmo sendo proprietário do solo”. Em feverei- força do que na Bahia, aguçava o interesse por
inglês Thomas Denny Sargent a extrair turfa, ro do ano seguinte, o Ministério dos Negócios da combustíveis minerais, destacadamente o car-
petróleo e outros minerais, pelo prazo de 90 Agricultura, Comércio e Obras Públicas, baixou um vão”.10 Quatro concessões foram registradas
anos, nas comarcas de Camamu e de Ilhéus. Aviso reafirmando que as “riquezas subterrâneas em São Paulo, na região da Bacia do Paraná,
Com 25 cláusulas, o decreto estabelecia de- e os minerais de todas as espécies” pertenciam ao conhecida pela ocorrência de exsudações de
talhes dos trabalhos de mineração e proibia Estado e que “a descoberta de minerais não con- óleo e gás. A primeira referência a petróleo está
expressamente o emprego da mão de obra feria ipso facto aos descobridores o direito de os contida no Decreto nº 4.725, de 9 de maio de
escrava nos trabalhos. Este último item estava extrair, ainda que proprietários da superfície”, sem 1871, que autorizava Antônio Cândido da Rocha
relacionado com a progressiva diminuição da autorização governamental.8 Mencionando ain- e Ângelo Tomaz do Amaral a explorarem vários
força de trabalho cativa após o fim do tráfico da que os proprietários dos terrenos “não tinham minerais em Iporanga, mas não há registros de
negreiro, ocorrido em 1850. empenhado capitais e esforços suficientes para que a concessão tenha sido levada adiante.
6. DIAS, José Luciano de Mattos; QUAGLINO, Maria Ana. A questão do petróleo no Brasil: uma história da Petrobrás. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, CPDOC: Petrobras, SERINST, 1993. p. 3
7. SABÓIA, Patrícia. A saga da Wilson Sons. Rio de Janeiro: Índex: BASI, 1997.
8. BRASIL. Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Aviso nº 53, baixado em 7 de fevereiro de 1871.
9. MOURA, Pedro de; CARNEIRO, Felisberto Olímpio. Em busca do petróleo brasileiro. Ouro Preto, MG: Fundação Gorceix, 1976. p. 55-75
10. DIAS; QUAGLINO, 1993, passim. ; FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de Mendonça. A ciência na busca do Eldorado: a institucionalização das ciências
geológicas no Brasil, 1808-1907. 1992. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
1992. p. 123-124.
Capítulo 1 - Concessões pioneiras 17
O objetivo era fazer um levantamento preliminar No mesmo ano de constituição da CGB, foi cria- nistradas, além das matérias de caráter geral, mi-
dos possíveis sítios geológicos mais acessíveis do da a Escola de Minas de Ouro Preto (EMOP), que neralogia no primeiro ano e geologia no segundo.
Império. Contudo, em janeiro de 1878 a CGB foi conferiu nova qualidade ao ensino de mineralogia Os alunos que tivessem melhor rendimento pode-
definitivamente extinta pelo governo.12 Apesar de no Brasil.14 Dedicada à formação de engenheiros riam continuar os estudos no exterior, financiados
sua curta existência, foi a principal missão cientí- de minas voltados para a exploração mineral e pelo governo imperial, assim como preferência
fica realizada no País sob os auspícios do governo trabalhos metalúrgicos, a EMOP teve como mo- para o exercício de cargos públicos. O geólogo
imperial, e a primeira no âmbito específico das ci- delo a francesa École des Mines de Saint-Etienne. francês Henri Gorceix foi o diretor da EMOP da
ências geológicas.13 Inicialmente, o curso durava dois anos, sendo mi- sua fundação até a proclamação da República.15
11. FREITAS, Marcus Vinicius de. Hartt: expedições pelo Brasil imperial (1865-1878). São Paulo: Metalivros, 2002. passim. ; FIGUEIRÔA, 1992, p. 123-124.
12. FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de Mendonça. A ciência na busca do Eldorado: a institucionalização das ciências geológicas no Brasil, 1808-1907. 1992.
Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992. 1992, p. 130.
13. Ibid., p. 123.
14. FREITAS, 2002, p. 108.
15. DIAS; QUAGLINO, 1993, p. 29-30, nota 12.; Id., 1992, p. 105.
18 Petróleo e Estado
Capítulo 1 - Concessões pioneiras 19
Flirckr/Ronald Peret
Fachada da Escola de Minas de Ouro Preto (MG). A instituição foi idealizada por D. Pedro II e fundada pelo geólogo francês Charles Henri Gorceix, em 12 de outubro de 1876
20 Petróleo e Estado
tembro de 1882, com o gás produzido pela Com- reconhecimento da “necessidade de ampliar os
panhia de Gás e Óleos Minerais daquela cidade. estímulos à mineração” eram questões que pro-
Entretanto, devido a uma série de dificuldades vocaram celeuma entre os conselheiros, bloque-
técnicas, o serviço seria interrompido em 1897.16 ando a tramitação do projeto.18
A tecnologia para iluminação estava em pau- A Bacia do Paraná, sobretudo a porção situada
ta e suscitou várias concessões nesse período. em São Paulo, continuava na mira dos interes-
Em janeiro de 1881, Antônio Lopes Cardoso teve sados em explorar petróleo,19 levando o gover-
privilégios garantidos por dez anos para desen- no provincial a convidar o geólogo norte-ame-
volver um processo químico que não deixasse o ricano Orville Adelbert Derby, antigo membro
querosene explodir. Em fevereiro do mesmo ano, da Comissão Geológica do Brasil, a organizar a
Joaquim Alves de Sousa registrou um aparelho Comissão Geográfica e Geológica da Província
inventado por ele para extrair gás de turfa. E Fran- de São Paulo. Criada em março de 1886, a Co-
cisco Marques Teixeira recebeu concessão, em missão iniciou nesse mesmo ano o levantamen-
outubro de 1882, para a pesquisa de turfa e outros to da carta geográfica, geológica e topográfica
combustíveis minerais, visando à fabricação de da província, que, porém, demoraria 34 anos
gás de iluminação nos municípios de Mangarati- para ser finalizada.20
D. Pedro II (1825-1891), último imperador do Brasil, foi um dos
ba, Itaguaí e São João do Príncipe, na província
principais incentivadores da exploração geológica no país do Rio de Janeiro.17 Entre os últimos decretos baixados pelo governo
imperial, em 1888 e 1889, figuram autorizações
Fornecer matéria-prima para uma iluminação Um projeto de lei sobre mineração, discutido para pesquisas na Bacia do Paraná e na província
mais eficiente e econômica foi o objetivo que mo- no Conselho de Estado em 1881, fazia referência do Rio de Janeiro, exploração de carvão-de-pe-
tivou a concessão de jazidas de combustíveis mi- à “exploração das turfeiras” e incluía o petróleo dra na Bacia Amazônica, exploração de petróleo
nerais desde São José dos Campos até Lorena, na “entre os minerais que constituíam propriedade e outros minerais em Tatuí, São Paulo e em São
província de São Paulo, em 1881, para Domingos nacional, assim como metais e pedras preciosas”, José da Palhoça, no estado de Santa Catarina.21 O
Moutinho, José Rodolfo Monteiro, Roberto Nor- refletindo um conhecimento mais profundo dos último de todos eles, em 9 de novembro de 1889
manton e William Burnett. Dessa vez, a explora- minerais pesquisados e das condições de sua ex- (poucos dias antes da Proclamação da Repúbli-
ção foi adiante. Com o aproveitamento industrial ploração no Brasil. No entanto, havia dificuldade ca), concedia permissão para pesquisa de petró-
dos folhelhos pirobetuminosos encontrados na em aceitar uma limitação explícita ao direito de leo, carvão-de-pedra e outros minerais no municí-
bacia terciária do vale do Paraíba, entre Jacareí propriedade: a preocupação em “não ferir os di- pio de Prainha, no Pará.22
CAPÍTULO 2
OS PRIMEIROS
ANOS DA REPÚBLICA
A exploração mineral e a Constituição de 1891
Depois de proclamada a República, em 15 de no- patrimônio, virtualmente desconhecido. Outra dos proprietários era proibir qualquer atividade
vembro de 1889, as normas vigentes no Império importante alteração, transferindo para os go- desse tipo em suas terras. Denúncias de irregula-
para as atividades de mineração continuaram vernos estaduais a outorga das concessões de ridades e favorecimentos nas concessões outor-
sendo adotadas durante o Governo Provisório, exploração mineral, resultou em grande redução gadas pelos governos estaduais não tardaram a
chefiado pelo marechal Deodoro da Fonseca, das terras públicas sob jurisdição da União.24 surgir na imprensa.
até que foi promulgada a primeira constituição
republicana, em 24 de fevereiro de 1891. Inspira- As autoridades federais não mostravam preo-
da no modelo norte-americano, a carta magna cupação em adotar uma política de governo
do novo regime transformou o Brasil em uma O ideário liberal voltada para o petróleo e outros minerais, já
república federativa, com um governo central e e federativo que deixavam inteiramente com os particula-
20 estados-membros (no lugar das antigas pro- res a iniciativa da sua exploração. E foi exa-
da Constituição
víncias), que gozavam de grande autonomia ju- tamente um particular que respondeu pela
rídica, administrativa e fiscal. de 1891 modificou primeira iniciativa concreta de exploração de
profundamente petróleo no País.
O ideário liberal e federativo, presente na nova
o modus operandi
constituição, modificou profundamente o mo- Proprietário de terras em Bofete, interior de
dus operandi da mineração no Brasil, inclusive da mineração São Paulo, o fazendeiro Eugênio Ferreira de
a exploração do petróleo. A principal mudança no Brasil. Camargo contratou em 1892 um sondador
vinculava a propriedade do solo à do subsolo, norte-americano para fazer perfurações em
transferindo para as mãos dos proprietários de terrenos de uma antiga concessão para a ex-
terras a pesquisa e a exploração de minérios.23 ploração de carvão. Com base em mapeamen-
Assim, de uma hora para outra, os proprietários A nova legislação acabou dificultando ainda to de superfície elaborado pelo cientista belga
viram ser acrescido aos seus domínios um vasto mais a pesquisa de minérios, pois a tendência Auguste Collon, a operação utilizou uma sonda
23. BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Diário do Congresso Nacional, Congresso Nacional
Constituinte, Rio de Janeiro, em 24 de fev. de 1891, 3º da República. Título Iv – Dos Cidadãos Brasileiros, Seção II, art. 72, § 17.
24. Id., Dos Estados, art. 64.
Capítulo 2 - Os primeiros anos da República 23
Técnicos e auxiliares da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo fazem medições em campo na Serra do Japi, no sudeste do estado, em 1890
27. BRASIL. Decreto nº 6.336, de 21 de Janeiro de 1907. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, 21 jan. 1907.
Seção 1, p. 579.
Capítulo 2 - Os primeiros anos da República 27
teve de lidar com um sério problema de abasteci- de combustíveis provocada pela Primeira Guerra
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mento durante o conflito que envolveu as grandes Mundial. Foi nesse contexto que a Empresa Pau-
potências de todo o mundo. lista de Petróleos empreendeu uma sondagem
em Rio Claro, atingindo 300 metros de profundi-
A importância estratégica do petróleo e do mo- dade. A sonda pertencia ao governo estadual e
tor de combustão interna foi também evidencia- as operações foram acompanhadas pela Comis-
da pela Primeira Guerra Mundial, em função do são Geográfica e Geológica de São Paulo. Como
transporte mecanizado das tropas, que mudou estava sem recursos, a empresa executora reque-
“todas as dimensões do conflito armado, até mes- reu uma subvenção ao Governo Federal para dar
mo o próprio significado da mobilidade na terra, prosseguimento à perfuração. Recusado o auxílio,
no mar e no ar”.28 Diante da necessidade de com- os trabalhos foram abandonados.
bustíveis, as potências europeias promoveram
inúmeras manobras diplomáticas para garantir Em 1919, doze anos após sua criação, o SGMB efe-
fontes externas de suprimento de petróleo. tivamente se lançou na pesquisa efetiva de pe-
tróleo, perfurando em Marechal Mallet (PR). Foi a
Em 1915, Gonzaga de Campos assumiu a direção primeira sondagem de petróleo realizada por um
Epitácio Pessoa reconheceu as limitações da pesquisa de petróleo no Brasil
do SGMB, em razão do falecimento de Orville órgão público federal no País. Porém, o poço foi
Derby, e o órgão foi reestruturado, voltando-se abandonado no ano seguinte, chegando apenas a
28. YERGIN, Daniel. Petróleo: uma história de ganância, dinheiro e poder. São Paulo: Scritta, 1992. p. 161.
29. Eusébio Paulo de Oliveira, um dos mais importantes geólogos brasileiros do século XX, formado na Escola de Minas de Ouro Preto, trabalhou desde
1907 no Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil e, de 1933 a 1939, no Departamento Nacional de Produção Mineral.
30. GUIMARÃES, 1966, p. 15.
31. MOURA; CARNEIRO, 1976, p. 103.
28 Petróleo e Estado
Arquivo Shell
Caminhão-tanque para distribuição de querosene da Anglo-Mexican (atual Shell), na Praça XV, no Rio de Janeiro
Arquivo Shell
O desenvolvimento da produção e do refino ocor- em Buenos Aires foram os primeiros postos de iniciar e explorar, em todos os seus ra-
rido no México e as possibilidades de diversificação vendas da companhia norte-americana no exte- mos, os negócios de comerciantes de
do mercado consumidor de derivados de petróleo rior. Seu interesse era estabelecer refinarias que óleo e de importadores em grosso e a
levaram as grandes companhias a investirem na processassem petróleo cru norte-americano em retalho de óleo bruto e óleo combustí-
América Latina. Em curto espaço de tempo, três das países onde os impostos de importação sobre os vel, petróleo e outros óleos, nafta, gra-
maiores empresas de petróleo do mundo instala- derivados fossem elevados. No Brasil, esse plano xas, ceras, gases, substâncias minerais
ram-se no Brasil: a Standard Oil, a Shell e a Texaco. não teve sucesso e a Standard limitou-se a uma e químicas, petróleo, asfalto, benzina e
representação comercial, até que em 1912, por de- outros produtos e subprodutos de óleos
A Standard havia chegado em 1897, quando foi creto assinado pelo presidente Hermes da Fonse- (...) [e a] refinar, armazenar, transportar,
autorizada pelo governo a funcionar com o nome ca,38 passou a chamar-se Standard Oil Company vender, entregar e distribuir óleo bruto
de Empresa Industrial de Petróleo. Na ocasião, of Brazil e foi autorizada a desenvolver uma am- e óleo combustível, petróleo e seus pro-
seus escritórios comerciais no Rio de Janeiro e pla gama de atividades: dutos ou óleo de qualquer qualidade.41
38. BRASIL. Decreto nº 9.335, de 17 de Janeiro de 1912. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, 20 jan. 1912.
Seção 1, p. 1040.
39. Ibid,. p. 1040.
40. BRASIL. Decreto nº 12.438, de 1º de Abril de 1917. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, 11 abr. 1917.
Seção 1, p. 1040. ; PINHEIRO, Letícia; VIANNA, Luciana Heymann. Memória dos 75 anos da Shell Brasil S/A. Rio de Janeiro, 1987.
41. BRASIL. Decreto nº 12.438, de 1º de Abril de 1917.
Capítulo 2 - Os primeiros anos da República 33
Estadão Conteúdo
Brasil foi a comercialização do óleo combustível e
do querosene Aurora. O progressivo aumento do
consumo de petróleo colocaria os óleos combustí-
veis como principais produtos de venda da Anglo
Mexican, destacando-se a gasolina Energina. Em
1914, a empresa inaugurou o primeiro depósito de
óleo combustível do País, na Ilha do Governador,
na capital federal. Em 1919, inaugurou sua primeira
filial, em Recife, com a finalidade principal de abas-
tecer os navios que passavam pela cidade. A essa
altura, o óleo combustível se firmava como alter-
nativa ao carvão de pedra para a navegação. Nos
anos seguintes, abriu filiais em várias capitais brasi-
leiras e instalou suas primeiras bombas de gasolina
em garagens, ruas e rodovias.42
Lei Calógeras
Serviço Geológico do Brasil - CPRM/Museu de Ciências da Terra
45. BRASIL. Decreto nº 2.933, de 6 de Janeiro de 1915. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, 7 jan. 1915.
Seção 1, p. 297.
46. BRASIL. Decreto nº 4.265, de 15 de Janeiro de 1921. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, 10 fev. 1921.
Seção 1, p. 2823.
47. MOURA, Gérson. A campanha do petróleo. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 14
48. DIAS; QUAGLINO, 1993, p. 32, nota 25.
Capítulo 2 - Os primeiros anos da República 35
A Shell foi uma das primeiras empresas a fornecer gasolina de aviação no Brasil na década de 1930
Capítulo 2 - Os primeiros anos da República 37
49. LOPES, Ildefonso Simões. O petróleo brasileiro. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, 1936.
50. Ibid., p. 40.
51. Ibid., p. 82.
52. SMITH, Peter Seaborn. Petróleo e política no Brasil moderno. Rio de Janeiro: Artenova, 1978.
53. COHN, 1968, p. 31-32.
54. DIAS; QUAGLINO, 1993, p. 16.
38 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 3
ESTADO INTERVÉM
COM MAIS FORÇA
Os primeiros momentos do novo regime
A Revolução de 1930, que pôs fim à Velha Repú- tas até então. Para que as antigas concessões se movimento revolucionário, promoveu uma re-
blica, deu início a uma série de importantes mu- mantivessem legalizadas, seria necessária a auto- forma estrutural e funcional do ministério. Entre
danças políticas, sociais e econômicas na socie- rização federal.55 outros órgãos, foi criada em julho de 1933 a Di-
dade brasileira. O novo regime, comandado por retoria Geral de Produção Mineral, que passou a
Getúlio Vargas, expandiu a intervenção do Estado Em fevereiro de 1931, durante um discurso em centralizar todas as atividades da administração
no campo social e nas atividades econômicas, Belo Horizonte, Vargas enfatizou a necessidade pública federal relacionadas com a exploração
voltadas cada vez mais para a industrialização. de nacionalização das reservas minerais, sobretu- dos bens do subsolo.
do das jazidas de ferro.56 No mesmo ano, o Gover-
Se antes havia preocupações em vários setores no Provisório suspendeu todos os atos que impli- Na conclusão da reforma do Ministério da Agricul-
governamentais com a regulamentação do se- cassem transferência da propriedade a outrem ou tura,58 em março de 1934, a Diretoria Geral de Pro-
tor mineral, a partir de 1930 o governo passou a oneração de qualquer jazida mineral. No docu- dução Mineral foi transformada em Departamento
adotar uma postura mais afirmativa, passando mento, o governo Vargas anunciava a elaboração Nacional da Produção Mineral (DNPM), em cuja
a legislar de fato sobre os recursos minerais em de uma nova lei de minas, para que fosse possível estrutura havia dois órgãos voltados para a mine-
geral, além de chamar para si o planejamento e a “dar ao problema a solução reclamada pelos altos ração: o Serviço de Fomento da Produção Mineral
execução dos serviços ligados a essas atividades. interesses nacionais”.57 e o Serviço Geológico e Mineralógico. Além das
Uma das primeiras medidas, em julho de 1931, foi funções de investigação, o DNPM deveria também
suspender as atividades exploratórias dos gover- Nomeado ministro da Agricultura, o major Jua- criar normas para a aplicação das políticas de mi-
nos estaduais e cancelar todas as concessões fei- rez Távora, um dos mais destacados líderes do nérios e de petróleo, que já tomavam forma.59
60. VIVACQUA, Attilio. A nova política do sub-solo e o regime legal das minas. São Paulo, Panamericana, 1942. 637 páginas. p. 546.
Capítulo 3 - Estado intervém com mais força 41
“O aproveitamento industrial das minas e das ja- mente suspensas à data da promulgação da Consti- Poucos dias depois da promulgação da nova
zidas minerais, bem como das águas e da ener- tuição, poderiam ser exploradas independentemente Constituição, Juarez Távora foi substituído por
gia hidráulica, ainda que de propriedade privada, de autorização ou concessão; b) as minas ou jazidas Odilon Braga no Ministério da Agricultura. O novo
depende da autorização ou concessão federal na que não tivessem sido lavradas, embora continuas- titular da pasta, tão logo assumiu, promoveu a re-
forma da lei”.61 As autorizações ou concessões po- sem de propriedade privada, só poderiam ser explo- alização de um inquérito sobre a situação da ex-
deriam ser dadas exclusivamente a brasileiros ou radas mediante concessão ou autorização do gover- ploração do petróleo no País. O resultado desse
a empresas organizadas no Brasil. no, estando assegurada ao proprietário preferência trabalho foi a publicação, em 1936, do documento
pela lavra ou participação nos resultados.62 oficial Bases para o inquérito sobre o petróleo.
A Carta de 1934
Na prática, apesar das profundas mudanças mesmos estados, com o acréscimo apenas de Odilon Braga, sobre a questão do petróleo. O
institucionais, houve poucos avanços nas ati- uma perfuração no Rio Grande do Sul. presidente informa que Braga fora à reunião
vidades de mineração durante a primeira me- acompanhado de “técnicos do ministério, que
tade da década de 1930. A falta de recursos fi- Diante dos resultados poucos expressivos, o vieram com mapas e relatórios trazer informa-
nanceiros dificultava a aquisição dos materiais DNPM fez uma reavaliação no final de 1934, in- ções sobre a possibilidade da existência desse
e equipamentos necessários para a exploração dicando como áreas prioritárias para a pesquisa combustível no território do Acre, próximo à
das bacias mais promissoras, além de impedir a faixa costeira do Nordeste, de Ilhéus (BA) a fronteira com o Peru”.65
a contratação de especialistas estrangeiros Aracati (CE), e o território do Acre, mais especi-
em número suficiente para treinar técnicos ficamente a bacia do rio Javari. O baixo Amazo- Neste período, especialistas estrangeiros tive-
brasileiros em teoria e prática de geologia do nas e a bacia do Paraná, que desde a década de ram um importante papel nas pesquisas quan-
petróleo, geofísica, aerofotogrametria etc., de 1920 concentravam as atenções governamen- to às possibilidades de petróleo em território
modo a suprir as lacunas referentes aos méto- tais, ficariam agora em segundo plano.64 brasileiro, que determinaram a mudança das
dos exploratórios.63 áreas a serem exploradas. O geofísico norte-a-
No diário de Getúlio Vargas há uma anotação mericano Mark Cyril Malamphy, contratado em
Os trabalhos realizados pelo SGMB em 1930 feita por ele em 25 de fevereiro de 1936, após 1932 pelo Serviço Geológico e Mineralógico do
continuaram praticamente inalterados nos um despacho com o ministro da Agricultura, Brasil, introduziu os processos sísmicos nos
68. LOBATO, Monteiro. In: ABREU, Alzira Alves de. et al. (Coord.). Dicionário histórico e biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC, 2001. v. 3,
p. 3249-3251.
69. DIAS; QUAGLINO, 1993, p. 17.
70. Carta de 23 de março de 1932 enviada a Getúlio Vargas. MOURA; CARNEIRO, 1976, p. 177-178.
Capítulo 3 - Estado intervém com mais força 45
Arquivo ANP
Trabalhadores operam a sonda em Lobato (BA), em 1939
46 Petróleo e Estado
Arquivo ANP
Logo ter carbono é o que se impõe. pazvobis71 que praticamente só dis- Araguá, no município de São Pedro de Piraci-
Que carbono? O de mais alto índice põem dos seus fracos músculos – es- caba (SP). Porém, o DNPM divulgou um estu-
energético, [...] o mais barato – e esse tará habilitado a começar a ser algu- do que concluía pela inexistência de petróleo
é o petróleo. Daí a necessidade [...] ma coisa no mundo.72 nesse estado, o que prejudicou frontalmente
de fazer vir a superfície os milhões de a operação financeira de Lobato. Ele reagiu,
toneladas de petróleo que estão em Além de organizar com Edson de Carvalho acusando publicamente o órgão de falsificar
nosso subsolo – e que estão porque a Companhia Petróleo Nacional, lançando os laudos geológicos para boicotar as pesqui-
não podem deixar de estar. Dotados ações para arrecadar fundos, Monteiro Lo- sas desenvolvidas pelas empresas nacionais
de ferro, teremos máquina; dotados bato emitiu ações também de sua Compa- e defender os interesses dos grandes trustes
de petróleo, teremos energia para nhia de Petróleos do Brasil. Seu objetivo era estrangeiros que, segundo o escritor e em-
mover a máquina – e esta infecção levantar fundos para o prosseguimento das presário, desejavam manter inexploradas as
que é o Brasil atual – 40 milhões de pesquisas e da perfuração de um poço em reservas petrolíferas brasileiras.
71. A palavra ‘pazvobis’, usada por Lobato, é dicionarizada como ‘pax-vobis’ (pessoa simples e pacífica) e tem origem na expressão latina “pax vobis”,
a paz esteja convosco.
72. ARTUR HEHL NEIVA (1909-1967) [Arquivo AHN]. Ofício nº 10.610, do CNP. FGV-CPDOC, Arq. Arthur Heil Neiva 1942.09.00 (PI, doc. 27).
Capítulo 3 - Estado intervém com mais força 47
Outro ponto de conflito foi a edição do Códi- acusados. Nesse mesmo ano, publicou o livro O entanto, o documento acabou se perdendo nos
go de Minas, que estabelecia novos critérios escândalo do petróleo e do ferro, em que refutava meandros da burocracia. Em 1933, ele enviou uma
para a exploração das jazidas minerais e su- as afirmações do trabalho de Odilon Braga, Bases amostra do óleo para ser analisada por um pro-
bordinava a operação das companhias priva- para o inquérito sobre o petróleo.75 fessor da Escola Politécnica da Bahia. Em segui-
das ao DNPM. Lobato atacou com veemência da, comunicou sua descoberta ao presidente da
essa regulamentação, que a seu ver defendia Bolsa de Mercadorias da Bahia, Oscar Cordeiro.
os interesses estrangeiros e asfixiava as em- Juntos criaram uma sociedade para explorar as
presas nacionais. Viajou então por todo o País,
Em Lobato, no jazidas e enviaram o óleo obtido para análise no
denunciando a política oficial e tentando ob- Recôncavo Baiano, DNPM, mas tiveram negado o pedido que fizeram
ter recursos para suas empresas, mas não foi os moradores ao Departamento: um técnico e uma sonda para
bem-sucedido. realizarem uma perfuração.
usavam uma espécie
Em Alagoas a situação também estava tensa. de “lama preta” O caso repercutiu na imprensa. O DNPM, instado
O DNPM pediu de volta a sonda emprestada ao nos lampiões, em a dar um veredicto acerca do petróleo de Lobato,
governo do estado, em função de um relatório emitiu um relatório oficial em fevereiro de 1934.
pessimista do engenheiro Bourdot Dutra, en-
vez de querosene, Com base em parecer técnico, desmentiu catego-
viado a Riacho Doce para examinar a suposta para iluminar ricamente a existência do óleo na região. O geó-
descoberta. O governador Osman Loureiro ma- suas residências. logo Victor Oppenheim reiterou categoricamente
nifestou-se contra a medida, exigindo do Go- essa posição, em texto publicado no boletim ofi-
verno Federal a manutenção da sonda no local. cial do Departamento.
Em seguida, contratou os serviços da firma ale-
mã Elbof, que considerou haver “fortes possibi- Em uma localidade que, por coincidência, tinha o A situação complicou-se ainda mais em 1935 e
lidades de existência de petróleo no local”.73 O mesmo nome do escritor, a discussão a respeito 1936, quando dois geólogos estranhos aos qua-
DNPM enviou nova equipe para realizar o mes- de indícios de petróleo começou atrair as aten- dros do DNPM, Matias Roxo e Othon Leonardos,
mo tipo de trabalho, fato que só fez aumentar ções e polarizou a opinião pública de todo o País.76 visitaram Lobato e, mesmo admitindo não serem
o mal-estar. Trata-se de Lobato, no Recôncavo Baiano, assim especialistas em petróleo, recomendaram uma
chamada em homenagem ao senhor de enge- verificação mais acurada. Um novo estudo feito
Monteiro Lobato, por sua vez, prosseguia sua nho Francisco Rodrigues Lobato.77 Conta-se que por técnicos do Departamento, em 1936, dessa
campanha de denúncias. Em 1936, enviou carta os moradores locais usavam nos lampiões uma vez concluiu que era possível a existência de pe-
ao ministro da Agricultura, Odilon Braga, acu- espécie de “lama preta”, em vez de querosene, tróleo e que valia a pena uma investigação mais
sando Mark Melamphy e Victor Oppenheim,74 de para iluminar suas residências. Em 1930 o enge- detida. Mesmo assim, a questão se prolongaria
serem agentes secretos da Standard Oil. Porém, nheiro Manuel Inácio Bastos enviou um relatório por mais tempo e só seria resolvida, de uma for-
uma comissão de inquérito instalada por con- ao presidente Vargas, que o reenviou ao SGMB, ma ou de outra, em 1939, com a descoberta de
ta destas acusações concluiu pela inocência dos sobre os vestígios de óleo naquela localidade. No
petróleo por técnicos do DNPM.
73. LOUREIRO, Osman. In: ABREU, Alzira Alves de. et al. (Coord.). Dicionário histórico e biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC, 2001. v. 3,
p. 3305-3306.
74. ARTUR HEHL NEIVA (1909-1967) [Arquivo AHN]. Ofício nº 10.610, do CNP. FGV-CPDOC, Arq. Arthur Heil Neiva 1942.09.00 (PI, doc. 27).
75. COHN, 1968, p. 19-25.
76. DIAS; QUAGLINO, 1993, p. 18-19.
77. Ver capítulo 5: “A descoberta em Lobato”.
48 Petróleo e Estado
Arquivo ANP
Uma sonda americana é usada para prospecção de gás natural em Bongi, Recife (PE), em 1939
Capítulo 3 - Estado intervém com mais força 49
Arquivo Shell
não estavam muito interessadas em fazer inves-
timentos próprios em prospecção de jazidas no
País. Standard Oil78 e Anglo-Mexican (Shell) num
primeiro plano, secundadas pela Atlantic, pela Ca-
loric e pela Texaco: era o mesmo oligopólio que no
final da década de 1920 já dominava no Brasil as
vendas de gasolina, óleo combustível, óleo diesel
e lubrificantes. Esses produtos, importados de re-
finarias norte-americanas e inglesas situadas no
golfo do México e nas Antilhas Holandesas, eram
desembarcados nos principais portos brasileiros,
de onde eram distribuídos para o comércio vare-
jista, em grande parte concentrado em São Paulo.
78. Em 1930, a Standard Oil fundou uma subsidiária no Brasil, a Companhia Geral de Petróleo Pan-Brasileira S.A., que chegou a deter 96 concessões
privadas e áreas petrolíferas para exploração. Porém, com a entrada em vigor do Código de Minas todos esses contratos foram cancelados. WIRTH,
John D. A política do desenvolvimento na era de Vargas. Rio de Janeiro: FGV, 1973.
79. BRASIL. Decreto nº 19.717, de 20 de Fevereiro de 1931. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, 13 mar.
1931. Seção 1, p. 3736.
80. CORREIO DA MANHÃ. Rio de janeiro, 1901-1974 . Periodicidade diária. 20 de fev. de 1931, p. 2.
81. DIAS; QUAGLINO, 1993, p. 50.
50 Petróleo e Estado
Capítulo 4 - Anos de estruturação e fortalecimento 51
1938-1943
O Conselho Nacional
do Petróleo
52 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 4
ANOS DE
ESTRUTURAÇÃO
E FORTALECIMENTO
O Estado Novo e a Constituição de 1937
A Constituição do Estado Novo, regime autoritário os princípios básicos da Constituição de 1934, que tituídas por acionistas brasileiros, re-
e centralizador implantado em 10 de novembro de estabelecera pela primeira vez a distinção entre servada ao proprietário preferência na
1937, consagrou o corporativismo como doutrina propriedade do solo e das riquezas do subsolo. exploração, ou participação nos lucros.
oficial do Estado Novo, garantindo ao Estado o di- A inovação estadonovista estava na exclusividade
reito de intervir diretamente na esfera da produção para brasileiros e na progressiva nacionalização Art. 144 - A lei regulará a nacionalização
para suprir deficiências da iniciativa privada. O go- dos recursos minerais e das indústrias considera- progressiva das minas, jazidas minerais
verno passou, então, a atuar como regulador das das básicas ou essenciais: e quedas d’água ou outras fontes de
atividades econômicas. Foram criados vários or- energia assim como das indústrias con-
ganismos governamentais – institutos, comissões Art. 143 - As minas e demais riquezas do sideradas básicas ou essenciais à defe-
e empresas estatais, entre outros – para atuar em subsolo, bem como as quedas d’água sa econômica ou militar da Nação.83
áreas nas quais o capital privado estava ausente constituem propriedade distinta da pro-
ou se fazia presente de forma precária, de modo a priedade do solo para o efeito de explo-
diversificar a estrutura produtiva da economia bra- ração ou aproveitamento industrial. O
No Estado Novo,
sileira e assim reduzir a dependência externa. Foi aproveitamento industrial das minas e
esse o caso da Companhia Siderúrgica Nacional das jazidas minerais, das águas e da ener- o governo passou
(CSN), da Fábrica Nacional de Motores (FNM) e da gia hidráulica, ainda que de propriedade a atuar como
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).82 privada, depende de autorização federal.
regulador
A Carta de 1937 representou, igualmente, um § 1º - A autorização só poderá ser con- das atividades
avanço das teses nacionalistas. Foram mantidos cedida a brasileiros, ou empresas cons- econômicas.
No início de 1936, quando ocupava a chefia da Di- de rumos entre o DNPM – que afirmava não haver ção constante, ininterrupta, da Standard Oil, Dutch-
retoria de Engenharia do Exército, o general Júlio petróleo no País – e o Governo Federal, responsável -Shell, Anglo-Mexican etc., pelos menores recantos
Caetano Horta Barbosa começou a se envolver na pelas concessões das autorizações para a pesquisa. de nossa pátria”. Para fins de defesa econômica e
polêmica sobre a existência de petróleo no subso- Alertava ele, no documento, que o País se encontra- militar, aconselhava a substituição desses rótulos
lo brasileiro. Nesta época, encaminhou ao ministro va em total dependência do petróleo estrangeiro, e estrangeiros por nomes brasileiros, e ante o reduzi-
da Guerra, general Eurico Dutra, o memorial “O pe- por isso mesmo tornara-se uma nação militarmente do êxito do DNPM, “quem melhor do que o Exército
tróleo e a defesa nacional”, apontando divergência fraca, que a cada instante testemunhava “a penetra- Nacional poderia dar vida a este assunto?”84
O navio-tanque argentino Tácito trouxe a primeira remessa de petróleo cru a ser refinada no Brasil
Como presidente do Clube Militar entre julho de de partida o setor de refino, mais rentável, e por que permitia a interferência dos militares na vida
1936 e janeiro de 1937, sua participação no deba- isso mesmo mais vulnerável ao interesse do ca- econômica do País. O tema da “nação em perigo”
te em torno do petróleo ficou ainda mais forte. pital estrangeiro, e potencialmente gerador dos havia sido uma constante no pensamento de Hor-
Após o golpe de Estado de novembro de 1937, capitais de que o setor de exploração se ressen- ta Barbosa ao longo de toda a sua carreira militar.
foi promovido a subchefe do Estado-Maior e, já tia. Ele defendia a construção de refinarias por Assim, não era segredo sua preferência por uma
no início de 1938, encaminhou memorando ao empresários brasileiros, impedindo as empresas solução estatal para a questão do petróleo, muito
general Góis Monteiro propondo a instituição do estrangeiras de monopolizarem esse setor.85 embora se mostrasse aberto à opção do capital
monopólio estatal do petróleo “dentro do plano privado, incluindo-se aí o capital estrangeiro, des-
nacionalista de reorganização econômica” do Suas ideias se apoiavam em estudos desenvolvi- de que sob estreita supervisão do Governo Fede-
Estado Novo. Para viabilizar o processo, Horta dos no âmbito do Estado-Maior do Exército e fo- ral e que os cargos de direção permanecessem
Barbosa sugeria que se tomasse como ponto ram favorecidas pela conjuntura do Estado Novo, em mãos brasileiras, assim como os lucros.
86. HORTA BARBOSA (1881-1965) [Arquivo HB]. Correspondência enviada pelo chefe do Estado-Maior do Exército ao secretário geral do Conselho
Superior de Segurança Nacional em 7 de janeiro de 1938. Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. Arq. Horta Barbosa, HB vp 1936.11.17, doc. 8, p. 1.
56 Petróleo e Estado
Tornou-se básico o entendimento de que, para de petróleo e derivados. Para que este controle priedade, transporte, importação de óleo
qualquer esforço voltado à estruturação do se- se fizesse eficaz, tornava-se necessário: cru e comercialização;
tor de petróleo, devia-se partir da constatação
de que o Brasil não era ainda um país produ- que as refinarias privadas brasileiras fossem que os preços dos subprodutos do petróleo
tor,87 descartando-se, assim, qualquer tentati- protegidas dos trustes estrangeiros (o capi- fossem definidos de maneira uniforme em todo
va de completa estatização. A proximidade da tal estrangeiro deveria ficar restrito aos se- o território nacional, “mediante a consolidação
guerra e a preocupação com os transtornos que tores de importação e distribuição) e o con- de todas as taxas internas numa única taxa fe-
ela provocaria no abastecimento mundial de sumidor nacional fosse protegido da ação deral fácil de arrecadar: o imposto único”.88
combustíveis também estiveram presentes ao dos capitalistas nacionais;
longo dos debates travados na Comissão, con- Essas diretrizes não apenas orientaram uma série
ferindo urgência à questão do petróleo. que a indústria do petróleo fosse imple- de projetos, sucessivamente transformados em de-
mentada de acordo com um planejamento cretos-lei que viriam a estruturar o setor, como tam-
A comissão especial do CFCE considerava abso- do Estado, a quem caberia especificar e bém serviram de norte para a criação do Conselho
lutamente necessário o estabelecimento de forte aprovar os itens sobre a produção, controle Nacional do Petróleo, que teve como seu primeiro
controle sobre o refino, transporte e distribuição de qualidade, instalações, localização, pro- presidente, de 1938 a 1943, o general Horta Barbosa.
Agêncio O Globo
capítulo com esse nome, acrescido ao Código
de Minas de 1934, preparava o arcabouço legal
para a atuação do novo órgão que seria cria-
do especialmente com esse foco. O acréscimo
foi determinado pelo Decreto-Lei nº 366, de
11/04/1938, pelo qual o governo Vargas pro-
clamava não reconhecer o domínio privado de
particulares sobre jazidas de petróleo e gases
naturais, que, quando descobertas, passariam
ao domínio dos estados ou da União. Esse ato,
marcando a entrada definitiva do Estado nas
questões ligadas ao petróleo, precisava ainda
ganhar corpo com a configuração das diretrizes
para o setor e com a criação do CNP – Conselho
Nacional do Petróleo.
No artigo 2º, estabelecia como competências nha, Fazenda, Agricultura, Viação e Obras Pú- 4.627, de 27/08/1942: regulamentou a im-
exclusivas do Governo Federal: blicas, Trabalho, Indústria e Comércio, assim portação a granel dos produtos de petróleo
como as organizações de classe da Indústria e e seus derivados.
I, autorizar, regular e controlar a im- do Comércio”.91
portação, a exportação, o transpor- Assim, se as leis criadas em 1938 tinham objeti-
te, inclusive a construção de oleodu- Criado o CNP, era preciso agora definir a sua vos de longo prazo, visando à autossuficiência e
tos, a distribuição e o comércio de estrutura interna e, em seguida, complemen- à independência econômica, as que vieram de-
petróleo e seus derivados, no terri- tar a legislação básica que daria respaldo à sua pois expressaram o exercício dos novos pode-
tório nacional; atuação. Nesse sentido, merecem destaque os res reguladores desempenhados pelo Conselho
seguintes decretos-leis:92 Nacional do Petróleo.
II, autorizar a instalação de quais-
quer refinarias ou depósitos, de- 538, de 07/07/1938: estruturou o CNP e defi-
cidindo de sua localização, assim niu suas atribuições, voltadas para a coorde-
como da capacidade de produção nação, execução e supervisão do conjunto Novos poderes
das refinarias, natureza e qualidade de empreendimentos que envolvessem as reguladores
dos produtos refinados; atividades vinculadas ao refino do petróleo.
foram atribuídos
III, estabelecer, sempre que julgar 938, de 08/12/1938: submeteu o funciona- ao CNP
conveniente, na defesa dos interesses mento das sociedades constituídas para fins nas leis criadas
da economia nacional e cercando a de mineração à autorização do Governo.
depois de 1938.
indústria de refinação de petróleo de
garantias capazes de assegurar-Ihe 4.071, de 12/05/1939: colocou o abasteci-
êxito, os limites, máximo e mínimo, mento nacional de petróleo sob o controle
dos preços de venda dos produtos do CNP.
refinados (...) tendo em vista, tanto
quanto possível, a sua uniformidade 3.236, de 07/05/1941: determinou que a pro-
em todo o território da República. priedade das jazidas de petróleo e gases na-
turais, sem exceção, passasse a pertencer à
No artigo 3º, determinava a nacionalização da União.
indústria de refinação do petróleo importado
ou de produção nacional. 4.292, de 07/06/1942: regulou o abasteci-
mento e consumo de petróleo e seus deri-
E, no artigo 4º, criava o Conselho Nacional do vados, definindo para o CNP a devida com-
Petróleo (CNP), “constituído de brasileiros na- petência para expedir recomendações e
tos, designados pelo Presidente da República, instruções às autoridades públicas (federais,
representando os Ministérios da Guerra, Mari- estaduais e municipais).
91. Em 1941, com a criação do Ministério da Aeronáutica, a nova pasta militar passou a integrar o CNP, no lugar do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio.
92. MARINHO JUNIOR, Ilmar Penna. Petróleo, soberania & desenvolvimento. Rio de Janeiro: Bloch, 1970. p. 349-350.
Capítulo 4 - Anos de estruturação e fortalecimento 59
Manchete do Jornal do Brasil, em 11 de novembro de 1937, elogia o discurso de Vargas pelo Estado Novo
60 Petróleo e Estado
Estrutura e funcionamento
Com a participação de representantes das or- Quanto ao funcionamento do CNP, para que são Econômica cabia, entre outras atribuições, o
ganizações de classe da indústria e do comércio determinado assunto fosse colocado na pauta controle da importação, exportação, transporte,
no CNP, ao lado dos representantes de órgãos das reuniões era preciso que houvesse uma re- distribuição e comércio do petróleo e seus deri-
do governo, o Estado reconhecia formalmente comendação dos técnicos. Isso significava dizer vados, o processamento das concessões relati-
a cooperação com a iniciativa privada e, por que, além dos estudos, análises e pareceres, era vas ao abastecimento nacional desses produtos,
meio dela, procurava a adesão do setor privado necessário também que houvesse alguma arti- o levantamento dos estoques existentes e o es-
brasileiro à luta contra os trustes estrangeiros. culação, já que a questão petróleo continuava tabelecimento dos estoques mínimos de petró-
Indicados como relatores das investigações, es- a envolver um forte coeficiente político. Assim, leo e seus derivados.
tes representantes classistas teriam uma atua- por exemplo, se os representantes das Forças
ção apenas consultiva. Armadas geralmente atuavam de forma coesa,
o do Ministério da Agricultura e os representan-
Os conselheiros eram investidos em caráter de tes da indústria e do comércio costumavam ter O Estado reconhecia
comissão pelo prazo de três anos, embora pu- posicionamentos discordantes. Assim, as reuni-
dessem ser substituídos ou reconduzidos, con- ões plenárias exigiam do presidente do Conse-
formalmente
forme o caso. As reuniões deveriam acontecer lho uma boa dose de habilidade na condução a cooperação com
regularmente, uma vez por semana, em sessões das discussões, de modo a garantir a aprova- a iniciativa
ordinárias, ou em caráter extraordinário, sem- ção das decisões. Caso contrário, um assunto
pre que o presidente do órgão as convocasse. poderia ser postergado para a reunião seguin-
privada e, por
te, de modo a permanecer em pauta, mas sem meio dela,
Na solenidade de instalação, em 12 de setembro chegar a ser resolvido. Segundo depoimento de procurava adesão
de 1938, no Palácio Tiradentes, Rio de Janeiro, Antônio Seabra Moggi, que entrou para o CNP
o discurso do general Horta Barbosa deu o tom em 1947, esses procedimentos faziam com que
à luta contra os
que seria seguido nas sessões do CNP: o organismo não tivesse a agilidade necessária trustes estrangeiros.
para dar conta do conjunto de atividades rela-
A amplitude de ação que lhe foi con- cionadas com o petróleo.93
ferida para solução de problemas in-
timamente ligados à prosperidade As atividades do CNP eram executadas pela
econômica do Brasil e à sua indepen- Divisão Técnica, pela Divisão Econômica e pela A criação do CNP, que nasceu diretamente subor-
dência política assinala bem a mag- Divisão Administrativa. O principal objetivo da dinado à Presidência da República, se processou
nitude de nossos encargos e revela Divisão Técnica era executar os trabalhos de à margem do Departamento Administrativo do
quão subida foi a honra com que nos pesquisa, lavra e industrialização das jazidas de Serviço Público (DASP), responsável pela padro-
distinguiu o Exmo. Chefe do Governo, petróleo e gases naturais no território nacional, nização no serviço público, pelos concursos para
designando-nos para tão difícil quão e também incentivar o estudo das jazidas de ro- seleção de funcionários e (a partir de 1939) pela
importante investidura. chas betuminosas e pirobetuminosas. Já à Divi- elaboração do orçamento do Governo Federal.
93. MOGGI, Antonio. Antonio Seabra Moggi: depoimento [1988]. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC, 1992. Programa de História Oral. p.50-53.
Capítulo 4 - Anos de estruturação e fortalecimento 61
Estes dois fatores teriam gerado uma situa- determinado pela situação de conflito mun- cial-de-gabinete do general Horta Barbosa
ção de “estranhamento” por parte dos téc- dial. Por um lado, o CNP pleiteava uma cer- no CNP, nessas circunstâncias o Presidente da
nicos do DASP, possivelmente alimentados ta liberdade na aplicação dos recursos e na República mandava ouvir o DASP, que opina-
pela concepção de Horta Barbosa de que o contratação do pessoal; e o DASP respondia va contra. Em seguida, o presidente mandava
CNP deveria ser uma organização paramilitar, que o Conselho era sujeito às mesmas regula- voltar ao CNP, que rebatia os argumentos do
criada para adequar o fornecimento de com- mentações das demais repartições públicas. DASP. Depois disso, Getúlio Vargas aprovava
bustíveis às necessidades do País, no cenário Como conta Alcy Demillicamps, que foi ofi- os expedientes do Conselho. 94
94. DEMILLICAMPS, Alcy. Alcy Demillicamps: depoimento [1987]. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC; Petrobras, SERCOM, 1988. (Projeto Memória
da Petrobras). p. 7
62 Petróleo e Estado
O crescente parque industrial brasileiro na década de 1940 exigia quantidades maiores de energia. Na imagem, as Indústrias Reunidas F. Matarazzo, em São Paulo.
Capítulo 4 - Anos de estruturação e fortalecimento 65
A questão do refino
O temor de que o refino ficasse sob o controle das ploração. As experiências do México, Argentina e de disparidade entre as tarifas sobre o petróleo cru
companhias estrangeiras fez com que o general Hor- Uruguai, em especial, serviram de base para essa e sobre os produtos refinados, podendo-se esperar,
ta Barbosa, desde o início de seu envolvimento com convicção. Horta Barbosa visitou esses três países portanto, lucros expressivos na operação. Em pouco
a questão do petróleo, elegesse este setor como um e voltou ao Brasil totalmente convencido da im- tempo, multiplicaram-se os projetos e propostas para
dos pontos mais importantes a serem examinados. portância do controle do Estado também sobre instalações de refinarias, muitos deles envolvendo o
o refino. Em relatório apresentado a Vargas, ele capital estrangeiro. Horta acreditava que esses pla-
O País possuía apenas três refinarias em seu terri- reivindicou mais recursos e a concessão de pode- nos poderiam ser uma porta dos fundos para a entra-
tório no final da década de 1930. Duas ficavam no res ainda maiores para o CNP. Era sua intenção da das companhias de petróleo estrangeiras.103
Rio Grande do Sul: a Destilaria Rio-Grandense de concentrar sob a orientação do Conselho todas as
Petróleo S.A., em Uruguaiana, fundada em 1934, e atividades relativas ao petróleo e seus derivados.
a Companhia Brasileira de Petróleos Rio Grande, Como o Brasil ainda não produzia petróleo, nada
Para o presidente
da Ipiranga S.A., fundada em 1937, em Rio Grande, mais natural que Horta Barbosa se empenhasse
ambas associadas a grupos uruguaios e argen- inicialmente na luta pelo refino, o que não significa do CNP, eram
tinos. A terceira funcionava em São Caetano, nas dizer que ele não se preocupava com a produção. ‘evidentes’ as
proximidades da cidade de São Paulo: era a refina- Pelo contrário, esta preocupação esteve sempre
vantagens da
ria das Indústrias Reunidas F. Matarazzo S.A. (IMÊ), presente e tornou-se mesmo um diferencial em
fundada em 1936, resultado da associação do Gru- relação aos demais países latino-americanos.101 indústria estatal
po Matarazzo com capitais italianos, e voltada ex- de refinação
clusivamente ao abastecimento das empresas do Se, nos primeiros tempos, Horta Barbosa admitia que
sob monopólio.
grupo. Juntas, as três refinarias processavam ape- a atividade de refino fosse desenvolvida pelo capital
nas 1.650 barris de petróleo bruto por dia. Há ainda nacional – privado ou público –, a viagem à região
informações sobre uma quarta refinaria, a Refinaria do Prata foi sem dúvida um marco para que ele mu-
Brasileira de Petróleo S.A., também localizada em dasse de ponto de vista. Em seu relatório a Vargas, O fato é que os governos dos estados de São
São Paulo, que teria encerrado suas atividades em o presidente do CNP afirmou taxativamente “que Paulo, Bahia e Rio de Janeiro tinham, cada qual,
1941 por dificuldades na obtenção de óleo cru.100 eram ‘evidentes’ as vantagens da indústria estatal a sua moderna unidade de craqueamento nas
de refinação sob monopólio”.102 O refino era o único pranchetas de desenho.104 No caso do Rio de
A priorização do setor de refino decorria do en- setor da indústria do petróleo que atraía o capital na- Janeiro, estado governado por Ernâni Amaral
tendimento de que, a partir dele, seria mais fácil cional, principalmente a partir de meados da década Peixoto, genro do presidente, as negociações
chegar-se ao setor de produção, percorrendo-se de 1930, quando a economia brasileira experimentou com um grupo estrangeiro visando à implanta-
às avessas um caminho de integração das fases franca recuperação. Como a taxação imposta pelo ção, em Niterói, de uma refinaria projetada para
produtivas. Os lucros obtidos com o refino po- governo aos produtos nacionais era bem inferior à produzir quatro mil barris/dia acabaram geran-
deriam ser empregados no financiamento da ex- dos similares importados, criava-se assim uma gran- do um desentendimento com Horta Barbosa.105
Os primeiros passos foram dados em 1938, quan- palmente por envolver o genro de Vargas. A refi- ria deixado expirar o pedido de autorização do em-
do a firma Murray-Simonsen fez os estudos pre- naria projetada para Salvador foi a primeira a ser préstimo por parte dos empresários brasileiros.108
liminares, contratando em seguida técnicos da descartada, em meados de 1939, após exame dos
empresa americana Foster Wheeller. A proposta técnicos do CNP. Neste caso, Horta Barbosa se Outro fato importante nesse momento eram as ne-
formulada pela Murray-Simonsen ao governo flu- empenhou pessoalmente e conseguiu convencer gociações entre o Brasil e a Bolívia, que vinham-se
minense, segundo depoimento do próprio Amaral o interventor Landulfo Alves de que as negocia- protelando desde antes da criação do CNP. Afinal,
Peixoto, foi a seguinte: ções para a construção da refinaria baseavam-se até este momento, o petróleo ainda não havia sido
na mesma estratégia desenvolvida pelo governo descoberto no País, e o sonho de se ter uma indús-
[...] eles construiriam a refinaria em Ni- paulista: desistir do negócio. tria petrolífera parecia ficar restrito às refinarias.
terói, explorariam durante cinco anos,
com assistência do governo do estado, Em 25 de novembro de 1937, os dois países assi-
que teria participação nos lucros. No fim naram um protocolo estabelecendo a construção,
O petróleo ainda
de cinco anos eles entregariam todo o pelo Brasil, de uma estrada de ferro entre Santa
material ao governo do estado do Rio. não havia sido Cruz de la Sierra e Corumbá, em troca de conces-
Eles seriam associados do governo do descoberto sões nos campos petrolíferos bolivianos e de pa-
estado, e toda a compra de óleo e a distri- gamento em petróleo cru.109 As notas então assi-
no País, e o sonho
buição seriam fiscalizadas em sociedade, nadas só foram ratificadas em 1938, no chamado
entre eles e o governo do estado do Rio.106 de se ter uma Acordo de Roboré. Derrotada pelo Paraguai na
indústria petrolífera guerra do Chaco (1932-1935), a Bolívia procurava
Horta Barbosa reagiu de forma negativa à pro- garantir suas fronteiras e desenvolver seus campos
parecia restrito às
posta, baseado em argumentos técnicos. Outro petrolíferos. Já o Brasil tinha interesse em contar
motivo do veto foi a questão da localização: para refinarias. com o petróleo do país vizinho, não apenas para se
ele, a instalação da refinaria na enseada de São resguardar em termos de defesa, mas como forma
Lourenço não atendia às condições estabelecidas de reduzir a influência argentina na Bolívia, espe-
pelo Estado-Maior do Exército. O projeto da refinaria em São Paulo, orçado em cialmente forte na província de Oriente.
dois milhões de dólares, tinha como financiadores
As negociações não avançaram. Segundo a ava- o Banco de São Paulo e Roberto Simonsen, pre- Mesmo sofrendo pressão da Argentina para não
liação de Amaral Peixoto, o estado do Rio perdera sidente da poderosa Federação das Indústrias do ratificar o tratado com o Brasil, o governo de La
uma oportunidade única, pois “se tivéssemos fei- Estado de São Paulo (Fiesp) e membro do CFCE. Paz acabou concordando com a exploração do
to isso quando a guerra começou, nós estaríamos petróleo por companhias mistas brasileiro-boli-
com a refinaria funcionando. [Mas] enquanto es- A unidade deveria produzir cerca de seis mil barris/ vianas, embora exigisse que o governo brasilei-
távamos discutindo isso, rebentou a guerra. Aí era dia. Tanto Simonsen quanto o banco consideraram ro criasse uma companhia oficial destinada ao
inútil qualquer tentativa”.107 os lucros inicialmente previstos insuficientes e de- transporte, processamento e comercialização
sistiram do projeto. Para Wirth, por trás desta de- do petróleo boliviano no Brasil. Exigiu, da mes-
O caso do projeto da refinaria de Niterói foi o sistência estava a pressão feita pelas companhias ma forma, que as companhias privadas fossem
mais polêmico e o que mais se prolongou, princi- petrolíferas americanas sobre o Eximbank, que te- mantidas à parte do processo, por receio de que
110. CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Ofício nº 2.664, de 10 de julho de 1941. Relatório de 1942, CNP, Brasília, 1942.
111. DIAS; QUAGLINO, 1993, p. 64.
112. CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Relatório de 1942, Brasília, p. 26.
113. CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Ofício nº 1.238, de 9 de março de 1942. Relatório de 1942, CNP, Brasília, 1942.
68 Petróleo e Estado
Capítulo 4 - Anos de estruturação e fortalecimento 69
CAPÍTULO 5
A DESCOBERTA EM LOBATO
Finalmente jorrou petróleo!
Estadão Conteúdo
Agência Petrobras
Em abril de 1938, o ministro da Agricultura Fer-
nando de Sousa Costa deu sinais de aceitação
das sugestões, autorizando Irnack do Amaral a
fazer um levantamento de preços de empresas
perfuradoras em Nova York, ao mesmo tempo
em que solicitava a Glycon de Paiva um pla-
no trienal para o desenvolvimento do setor de
petróleo.115 Esse plano, contudo, foi um pouco
além, propondo a criação de um novo órgão, o
Serviço de Pesquisa do Petróleo. Entretanto a
ideia não iria adiante, porque naquele mesmo
mês estava sendo criado o CNP.
Agência Petrobras
do rio Parnaíba, no Piauí. No Recôncavo, os es- EVOLUÇÃO DAS ÁREAS PRODUTORAS DO ESTADO DA BAHIA (1940-1942)
tudos se prolongariam até 1943. A partir de 1941,
foram feitos outros reconhecimentos geológicos, 1940 1941 1942
desta feita no estado de Mato Grosso, os quais
Lobato 2.089,12 barris 2.216,00 barris 261,00 barris
se estenderiam até 1943. Além destes estudos, o
Joanes 715,50 barris 6.886,91 barris
CNP realizou também intensa prospecção geofí-
Candeias 188,50 barris 10.037,37 barris
sica por métodos sísmicos na área que circunda
Maceió, assim como na área do contorno da Baía Aratu 13.556,61 barris
A partir da
ritmo dos trabalhos, mas também compensar caberia ao governo Vargas definir uma política
descoberta em
a insuficiência de técnicos e equipamentos. para o setor. Uma política que englobasse não ape-
Lobato, caberia nas a questão do monopólio no refino, mas tam-
ao governo definir Dos seis poços abertos em Lobato entre 1939 e bém a definição dos preços de combustíveis, seu
1941, apenas dois foram produtores. Além disso, armazenamento e racionamento, questões que o
uma política
os dados relativos à produção destes poços antes andamento da guerra só tenderiam a agravar.
para o setor. de agosto de 1940 não foram registrados, embora
tenha havido produção por meio de bombeio. Des- Os dados acima nos permitem concluir que 1942,
tes dois poços, um foi paralisado em abril de 1942, em termos efetivos, foi o primeiro ano da produ-
No entanto, as dificuldades técnicas e práti- o que justifica a brusca queda dos números totais ção de petróleo no País. No entanto, o marco zero
cas ainda persistiam e eram de grande mon- da produção naquele ano. A perfuração do campo ficou sendo, para sempre, o momento em que
ta. Enquanto a formação da mão de obra não de Joanes foi terminada em 1942, e até este ano começou a jorrar petróleo no Recôncavo Baiano,
se resolvia – por demandar uma solução de eram três os poços produtores. Descoberto em celebrado no diário do presidente Vargas em 31
médio prazo – e o governo dava andamento a 1941, Candeias possuía até o início de 1943 cinco de dezembro de 1939 como acontecimento de
negociações externas para aquisição de equi- poços produtores. Aratu também foi descoberto destaque do ano:
pamentos modernos, o CNP viabilizou a con- em 1942, e até o início de 1943 possuía sete poços
tratação de empresas prestadoras de serviços, produtores, sendo três deles de óleo e gás, e qua- E assim terminou o ano de 1939, tão rico
fazendo uso da maior flexibilidade no manejo tro apenas de gás. Itaparica foi também descober- de acontecimentos importantes para o
de seus recursos. Foram firmados contratos to em 1942, possuindo quatro poços produtores. mundo e para o Brasil. Entre estes, a
com as firmas norte-americanas Drilling and Hora do Brasil anunciou a descoberta
Exploration Co., encarregada da perfuração A confirmação de óleo em Lobato acabou por des- de uma jazida de petróleo em Lobato,
dos poços, e a United Geophysical Company locar a questão do petróleo no Brasil do terreno da na Bahia, com uma produção diária su-
of Texas, o que permitiu não apenas acelerar o geologia para o plano político. A partir de então, perior a 100 litros. [31/dez./1939].120
CAPÍTULO 6
TEMPO DE CONFLITOS
O embate com a Standard Oil
O enfrentamento entre os adeptos do nacionalis- esse aspecto da proposta da Standard Oil, que se cada vez maior, dos combustíveis lí-
mo e as correntes favoráveis ao liberalismo eco- dispunha a formar uma companhia mista, consti- quidos pelo Estado, princípio em que
nômico – que envolvia o apoio à presença do ca- tuída por capitais estrangeiros e nacionais, se baseia toda a nossa legislação, pre-
pital estrangeiro nas atividades do petróleo – teve tende-se com o referido memorando
um episódio exemplar na posição inflexível do aqueles montando a mais da metade transferir a direção desse setor a uma
CNP diante das propostas da Standard Oil para a do capital social, que tomaria a seu car- empresa em que predominariam os ca-
construção de uma refinaria em Niterói.121 go a pesquisa, a perfuração de poços pitais estrangeiros e, em última análise,
e a produção comercial do petróleo, seria o próprio truste representado pela
Em 1940, a empresa norte-americana enviou a vá- custearia todas as despesas e concor- Standard Oil e a Royal Dutch Shell.123
rias autoridades um memorando em que reforçava reria com sua experiência técnica, rece-
a oferta feita em 1936, junto ao Governo do Esta- bendo, em troca, do Governo Brasilei- Alguns meses mais tarde, já em 1941, por ocasião
do do Rio de Janeiro, propondo, dessa vez, uma ro, uma percentagem em óleo cru que de nova investida da Standard Oil,124 Horta Barbo-
revisão da legislação “exclusivista” como condição obtivesse, com o direito de dispor livre- sa escreveu um novo ofício, agora dirigido a Getú-
fundamental para que o investimento feito por eles mente dele como da sua propriedade.122 lio Vargas, argumentando que a solução indicada
pudesse se dar em “uma base sólida”. A empresa a era ilegal, pois feria a legislação em vigor (Código
ser criada poderia ter participação do capital bra- A sugestão, por parte da empresa, de se alte- de Minas, art. 6º) e sua adoção significaria “torcer
sileiro, desde que a Standard Oil Company of Brazil rar a legislação sobre o petróleo, inclusive com o rumo de nossa política do petróleo, abando-
do Brasil mantivesse o controle majoritário, com uma emenda constitucional, deu ao presidente nando a orientação nacionalista que em boa hora
liberdade de atuar em todas as fases do negócio. do CNP a oportunidade para que mais uma vez adotamos e que está em harmonia com a das de-
Em contrapartida pela construção da refinaria de reafirmar, no ofício ao chefe do Estado-Maior, mais nações da América do Sul”.125
Niterói, a empresa pretendia receber algumas con- a inexequibilidade e ilegalidade de propostas
cessões nas bacias do Amazonas e do Paraná. como estas: Até então, o CNP vinha conseguindo bloquear
as investidas do capital estrangeiro (a Texaco,
Horta Barbosa encaminhou ao general Góis Mon- [...] enquanto a tendência de todas as a Anglo-Mexican e a Atlantic também propu-
teiro um ofício confidencial em que opinava sobre nações soberanas é para o controle, seram construir grandes refinarias no Brasil).
Fundo Monteiro Lobato - CEDAE - Centro de Documentação Alexandre Eulalio - Instituto de Estudos da Linguagem - Unicamp
Octalles Ferreira, Anisio Teixeira, Monteiro Lobato e Edson de Carvalho no campo de Araquá (SP), no início da década de 1930
Fundo Monteiro Lobato - CEDAE - Centro de Documentação Alexandre Eulalio - Instituto de Estudos da Linguagem - Unicamp
Em carta a Vargas,
Monteiro Lobato
acusou
Horta Barbosa
de “atender aos
interesses do
imperialismo”.
133. FONSECA, Gondin da. O que você sabe sobre o petróleo? Rio de Janeiro: São José, 1955; WIRTH, 1973.
134. HORTA BARBOSA (1881-1965) [Arquivo HB]. Ofício do general Horta Barbosa ao presidente Getúlio Vargas, datado de 3 de abril de 1940.
FGV-CPDOC, Arq. Horta Barbosa, HB, dossiê HB pet 1936.09.16
Capítulo 6 - Tempo de conflitos 79
de dirigir o CNP por rumos que fugiam à sua mentou que o criador de Jeca Tatu inventara contra o escritor. Do processo por calúnia, re-
missão, para atender aos “interesses do imperia- “a fórmula mágica que resolveria todas as di- sultou a condenação de Lobato a seis meses
lismo da Standard Oil e da Royal Dutch”. Estas ficuldades do Brasil” e uma “receita admirável” de prisão. Preso em fevereiro de 1941 para ser
duas empresas, segundo o escritor, esperavam para suas empresas. “[...] tudo se resumiria em julgado, Lobato foi inocentado, mas voltou à
apenas que os empresários nacionais falhassem dar-lhe o que lhes falta: técnicos e dinheiro e carga com agressividade ainda maior. Por oca-
para dominar a exploração do petróleo no País. isso justamente pelo governo que o missivista sião do aniversário de Getúlio Vargas, sugeriu a
afirma não possuir recursos para tal.”135 utilização do presidente e dos demais membros
Vargas encaminhou o documento ao general do CNP como combustível para as caldeiras das
Horta Barbosa, que respondeu contestando Indignado com as acusações de Monteiro Lo- sondas. Levado a julgamento perante o Tribunal
cada uma das acusações de Lobato. Usando bato, Horta Barbosa solicitou ao Tribunal de de Segurança Nacional pela segunda vez, não
ironia em um trecho de seu longo ofício, co- Segurança Nacional a abertura de um inquérito escapa da prisão.136
135. HORTA BARBOSA (1881-1965) [Arquivo HB]. Ofício de Horta Barbosa ao presidente Getúlio Vargas, datado de 22 de agosto de 1940. FGV-
CPDOC, Arq. Horta Barbosa, HB, dossiê HB pet 1936.09.16
136. DIAS; QUAGLINO, 1993, p. 88.
80 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 7
IMPACTOS DA SEGUNDA
GUERRA MUNDIAL
Independência energética entra na pauta das discussões nacionais
téticas, ora enfatizavam a perda de potência do
Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1942/CPDoc JB.
137. BRASIL. Decreto nº 4.071, de 12 de maio de 1939. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 12 maio 1939.
Capítulo 7 - Impactos da Segunda Guerra Mundial 81
A guerra fez ressaltar também a carência de na- bustível para atender às tropas aliadas forçara a que fosse ele adicionado à gasolina, se o seu co-
vios-tanque: a frota brasileira tinha apenas 14 na- limitação no número de navios-tanque destina- mércio se conservasse livre”.139
vios, com uma capacidade de transporte de ape- dos ao fornecimento de petróleo para a América
nas 63.440 toneladas, e ficaria ainda menor com do Sul. Logo em seguida, Washington anunciava Em 7 de maio, Getúlio Vargas assinou decreto
a venda do navio Aurora, autorizada pelo governo a drástica redução na exportação para o Brasil de instituindo o racionamento do consumo do pe-
brasileiro, “atendendo ao que solicitara o governo produtos refinados, tendo em vista o agravamento tróleo e seus derivados e conferindo ao CNP ple-
americano, [...] a fim de ser empregado no trans- da situação. Era necessário implementar medidas nos poderes para assegurar, em todo o território
porte de gasolina de aviação, necessária aos ser- efetivas que reduzissem o consumo de petróleo. nacional, o abastecimento e o racionamento do
viços de guerra daquele país”.138 Embora fosse o consumo de petróleo.140 Quatro dias mais tarde, o
navio-tanque de menor capacidade de toda a frota Conselho aprovava uma série de recomendações
– apenas 440 toneladas –, o Aurora vinha sendo à Prefeitura do Distrito Federal para redução do
usado no suprimento de gasolina, querosene e
Durante a consumo de combustíveis, que iam desde a reti-
óleo diesel a granel nos portos gaúchos de Pelotas 2ª Guerra Mundial, rada de linhas de ônibus até a exigência do uso
e Porto Alegre. A pequena frota comprometia ain- foi necessário de gasogênio em caminhões para transporte de
da mais o abastecimento, porque as licenças para cargas. Além disso, o Instituto do Açúcar e do Ál-
a importação do petróleo tiveram que ser condi-
adotar medidas cool (IAA) concordava em aumentar de 20 para
cionadas à capacidade de transporte disponível. drásticas para 30% a cota de álcool, mas estava se esgotando o
Houve, assim, uma sensível redução destas auto- reduzir o consumo estoque de óleo combustível no Distrito Federal e,
rizações que, além de tudo, ainda eram repartidas a partir de julho, gasolina e álcool passaram a ser
pelo CNP entre todos os interessados.
de petróleo. misturados em partes iguais.
138. CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Relatório de 1942, CNP, Brasília, p. 32-33.
139. Id., p.50
140. BRASIL. Decreto-Lei nº 4.292, de 7 de maio de 1942. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 7 maio 1942.
141. CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Relatório de 1942, CNP, Brasília, p. 44-46.
Capítulo 7 - Impactos da Segunda Guerra Mundial 83
Agêncio O Globo
essenciais, o CNP encaminhou para aprovação de
Getúlio Vargas as seguintes medidas:
142. ARTUR HEHL NEIVA (1909-1967) [Arquivo AHN]. Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. Sigla AHN. 09.00 –P. I (doc. 11A7).
143. ENTREVISTA do Presidente do CNP, João Carlos Barreto. Estado de Minas [Jornal], Belo Horizonte, 02 de junho de 1945.
144. CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Relatório de 1942, CNP, Brasília.
84 Petróleo e Estado
Capítulo 7 - Impactos da Segunda Guerra Mundial
145. BRASIL. Decreto-Lei nº 4.750, de 28 de setembro de 1942. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 28 set. 1942.
146. ARTUR HEHL NEIVA (1909-1967) [Arquivo AHN]. Ofício nº 131/42, do Coordenador da Mobilização Econômica. FGV-CPDOC, Arq. Arthur Heil
Neiva 1942.09.00 (PI, doc. 27).
147. ARTUR HEHL NEIVA (1909-1967) [Arquivo AHN]. Ofício nº 10.610, do CNP. FGV-CPDOC, Arq. Arthur Heil Neiva 1942.09.00 (PI, doc. 27).
148. Ibid., 09.00
Capítulo 7 - Impactos da Segunda Guerra Mundial 87
Arquivo ANP
O ano de 1942 representou o início do declínio ção cada vez mais delicada, uma vez que as ini-
do poder do general Júlio Caetano Horta Bar- ciativas das grandes companhias petrolíferas no
bosa. Em meio à forte oposição que passou a plano internacional eram abertamente apoiadas
enfrentar dentro do governo e sem conseguir pelo governo norte-americano.
concretizar seus planos de construir uma refina-
ria estatal, Horta Barbosa deixou a presidência Em 1947, ao proferir conferência no Instituto de
do CNP em 30 de julho de 1943. As pressões em Engenharia de São Paulo, no âmbito da campa-
relação à questão do petróleo naquele momen- nha “O petróleo é nosso”, Horta Barbosa explicou
to não teriam sido decisivas para o afastamento os motivos de sua decisão:
de Horta, mas sim sua vontade de ocupar uma
função militar. Segundo seu oficial-de-gabinete A guerra, pareceres de órgãos não es-
Alcy Demillicamps, ele entendeu que não de- pecializados, a falta de uma política na-
veria estar ocupando um cargo civil depois da cional de energia, a campanha de zom-
declaração de guerra ao Eixo por parte do go- baria contra o órgão oficial, às vezes
verno brasileiro.149 inconscientemente feita por brasileiros
altamente colocados na administração
Sua demissão, contudo, pode ter sido uma con- pública, as solertes investidas dos trus-
sequência da aproximação entre Brasil e Estados tes, e, sobretudo, uma opinião pública
Unidos, que se intensificou durante a Segunda não preparada, impediram que o Con-
Guerra Mundial, evoluindo para a formalização de selho, até 1943, quando o deixei para ter General Horta Barbosa, presidente do CNP de 1938 a 1943
uma sólida aliança político-militar. Nesse contex- a honra de comandar a Região Militar
to, os grupos empresariais passaram a reivindicar de São Paulo, visse realizada a sua ideia
junto a Vargas, mais intensamente, o direito de [o monopólio de Estado].150
participar das várias fases de produção do petró-
leo, o que contrastava com a perspectiva estati- Designado para o comando da 2ª Região Militar,
zante defendida por Horta Barbosa. Sua posição sediada em São Paulo, Horta Barbosa permane-
assumidamente nacionalista o deixava em situa- ceu no posto até 1945, ano em que foi reformado.
1943-1953
Anos de redefinição
90 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 8
NACIONALISMO
QUESTIONADO
Colaboração hemisférica
A escolha do coronel João Carlos Barreto para a para a Itália no final de 1944, trouxe enormes combustíveis aos governos estaduais e a res-
presidência do CNP refletia uma mudança de po- dificuldades ao Conselho Nacional do Petró- trição do tráfego de veículos no País, medidas
sicionamento do governo brasileiro nas questões leo, principalmente em função das reduções implantadas na gestão de Horta Barbosa, mas
ligadas ao petróleo. Embora o Conselho ainda es- drásticas da exportação de petróleo pelos pa- abordou também a cooperação do governo nor-
tivesse nas mãos dos militares como ele próprio, o íses produtores e do perigo iminente de de- te-americano, que teria procurado atender aos
novo grupo dirigente se orientava pelas teses de sabastecimento interno. Não era possível, por- pedidos do Brasil em relação ao suprimento de
colaboração hemisférica, defendidas pelo gover- tanto, fugir do racionamento de combustíveis. combustíveis, mesmo em meio às dificuldades
no norte-americano, tanto no plano econômico Por isso, João Carlos Barreto não apenas o da guerra. Além disso, ele destacou a existência
quanto no militar. Foram sendo progressivamente manteve, como criou um setor específico – di- de um mercado clandestino de combustíveis, so-
colocadas de lado as posições nacionalistas, carac- retamente ligado à presidência do CNP – para bretudo de gasolina, que se estabelecera no País
terísticas da presidência de Horta Barbosa. E o vice, os assuntos relacionados com o racionamento. em consequência do racionamento, e informou
Domingos Fleury da Rocha, também se desligou Este setor funcionaria até novembro de 1945, que o CNP solicitaria providências mais rigoro-
do CNP em 1944. Ao assumir a direção do órgão, quando o racionamento como um todo foi sus- sas por parte dos órgãos de segurança para coi-
em setembro de 1943, João Carlos Barreto pro- penso no País. bir a ação desses infratores.
curou cercar-se de técnicos afinados com a nova
orientação. Se, em termos mais amplos, sua gestão Segundo palavras do próprio Barreto na apre- A estrutura de abastecimento, em 1944, con-
representou uma profunda ruptura com o período sentação do Relatório de 1944, a guerra afetou tava com instalações de armazenamento para
anterior, no terreno prático tiveram continuidade as os trabalhos do Conselho, perturbando seu ritmo combustíveis que totalizavam aproximadamente
linhas de ação definidas na gestão anterior, sobre- e o desviando do rumo principal, “em prejuízo, 815.000 m³, além de 100.000 m³ para fins milita-
tudo o racionamento de combustíveis e o progra- não raro, de questões palpitantes e de interesse res, construídas pelas forças armadas americanas.
ma de extração de petróleo no Recôncavo Baiano. para o nosso problema do petróleo”.151 Ao discor- Essas tancagens estavam espalhadas em nove es-
rer sobre as principais atividades de sua gestão, tados e no Distrito Federal, algumas junto a por-
O envolvimento do Brasil na Segunda Guerra durante entrevista ao jornal Estado de Minas,152 tos, com linhas de descarga ligando os navios aos
Mundial, que culminou com o envio de tropas o presidente do CNP citou as cotas mensais de parques de tanques.
Com a instalação das primeiras refinarias, a distribuição de petróleo passou a ser um dos principais desafios. Acima, terminal de petróleo em Itaparica (BA), em 1943
Exploração e refino
O CNP teve que reduzir drasticamente suas ativi- esbarraram na extrema morosidade para as au- No Acre, os trabalhos foram suspensos não somen-
dades durante a guerra, principalmente porque fal- torizações de licenças de exportação e de priori- te por conta da morosidade da perfuração, como
tavam verbas e sobravam dificuldades para impor- dade de embarque junto às autoridades norte-a- também devido à decisão de se deixar a explora-
tar equipamentos e contratar pessoal. Os trabalhos mericanas. Como se isso não bastasse, o governo ção naquela área para depois que fosse resolvida
de campo na Bahia, por exemplo, chegaram perto dos EUA promoveu cortes nas encomendas, re- “a situação técnica de regiões economicamente
da paralisação completa, em fins de 1943. duzindo-as em mais de 67% (de US$ 1 milhão para mais favoráveis”, conforme recomendou Everett
325 mil dólares, aproximadamente) sendo que a DeGolyer, o geólogo-chefe da empresa Golyer &
Encomendas feitas nos Estados Unidos no prin- segunda metade do material seria entregue so- Mac Naughton, contratada pelo CNP.154 Ainda em
cípio de 1943, que incluíam três novas sondas, mente no ano seguinte.153 1944, por recomendação de DeGolyer, foram feitas
Arquivo Shell
aos Estados Unidos novas encomendas de equipa-
mentos de sondagem e de transporte, no valor de
600 mil dólares, entregues em 1945.
CAPÍTULO 9
O PETRÓLEO
É NOSSO!
Intensos debates sobre essas questões também Em abril de 1946, com os trabalhos constituintes quanto às minas e jazidas, serão regula-
teriam lugar na Assembleia Nacional Constituin- já em andamento, o CNP submeteu à apreciação dos de acordo com a natureza delas.164
te, cujos trabalhos foram abertos em fevereiro do governo a permissão para que capitais exter-
de 1946. Ao elaborar a nova Constituição, o Con- nos cooperassem na exploração e no desenvolvi- A expressão “sociedades organizadas no País”
gresso eleito em dezembro de 1945 – dominado mento do petróleo no Brasil. Essa recomendação foi comemorada pelas grandes companhias pe-
por partidos de orientação liberal-conservadora acabou sendo incorporada à nova Constituição trolíferas, pois era suficientemente ampla para
– procurou, por um lado, apagar os traços au- Federal, promulgada em setembro: conferir liberdade de ação também aos grupos
toritários do Estado Novo e, por outro, revogar econômicos estrangeiros nessa área.165 Na práti-
a legislação nacionalista e as medidas de cunho As autorizações ou concessões serão ca, a nova Constituição estava abrindo as portas
social tomadas pelo governo Vargas. A orienta- conferidas exclusivamente a brasileiros de setores estratégicos da economia brasileira ao
ção geral adotada pelos constituintes foi a de ou a sociedades organizadas no País, capital internacional. Os deputados do então Par-
restaurar, no título sobre a “Ordem Econômica e assegurado ao proprietário do solo pre- tido Comunista do Brasil (PCB) e os nacionalistas,
Social”, as disposições da Constituição de 1934. ferência para a exploração. Os direitos em minoria na Assembleia Nacional Constituinte,
(Ver Capítulo 3.) de exploração do proprietário do solo, não conseguiram impedir tal fato.
A Constituição de 1946 permitiu que setores estratégicos da economia brasileira recebessem capitais internacionais. Acima, o deputado Gustavo Capanema assina a carta, em setembro daquele ano
O Estatuto do Petróleo
Promulgada a nova Constituição, decidiu-se que a vados no setor petrolífero, mas os temores dos determinar as diretrizes, os instrumentos e
questão do petróleo seria regulamentada por le- nacionalistas aumentaram ainda mais quando se os recursos para a exploração do petróleo no
gislação ordinária. Assim, foi formada uma comis- tornou pública “a participação de dois conhecidos Brasil. Segundo Artur Levy, representante do
são especial – a Comissão de Anteprojeto da Le- consultores norte-americanos , Herbert Hoover Jr. Ministério da Guerra no CNP durante a gestão
gislação do Petróleo – com a função de elaborar e Artur Curtice, na revisão da legislação”.166 de João Carlos Barreto, a Comissão do Estatuto
um anteprojeto de lei a ser enviado ao Congresso do Petróleo “tinha instruções do Estado-Maior
Nacional. Os membros da comissão, em sua maio- A comissão deveria rever as leis existentes no do Exército para facilitar o acesso das organiza-
ria, eram favoráveis à participação de capitais pri- País, ajustando-as à Constituição de 1946, e ções estrangeiras”.167
Diplomatas norte-americanos e ingleses acompanha- lio estatal indireto. A indústria do petróleo continu-
Arquivo ANP
ram de perto trabalhos da comissão. Antes mesmo aria a ser considerada de utilidade pública, e regu-
de seu início, ainda em janeiro de 1947, o presidente lada pelo CNP.171 As atividades no mercado interno
do CNP, João Carlos Barreto, levou ao conhecimento estariam abertas ao capital estrangeiro, muito em-
do plenário um memorando enviado pelo embaixa- bora a refinação e o transporte ainda permaneces-
dor William Pawley ao Itamaraty, expondo o ponto sem sob controle nacional, por meio da criação de
de vista do governo dos Estados Unidos com relação empresas estatais ou de companhias mistas, nas
à política que poderia ser adotada pelo Brasil “para quais as empresas estrangeiras poderiam deter até
dar ritmo acelerado à pesquisa, lavra e industrializa- 40% do capital, ficando os 60% restantes nas mãos
ção do petróleo, empreendimentos que requerem de empresários brasileiros. As empresas poderiam
grandes somas de capitais disponíveis, que podem, exportar o petróleo ou seus derivados, desde que
aliás, ser encontradas naquele país amigo.168 as demandas do abastecimento interno já tives-
sem sido atendidas. Em síntese, caso fosse aprova-
Durante a Conferência Interamericana pela Manu- do, o Estatuto do Petróleo abria o setor petrolífero
tenção da Paz e Segurança Continental, no mês brasileiro à participação do capital privado, fosse
de setembro, em Petrópolis, ele declarou que o ele nacional ou estrangeiro.
Brasil deveria contar com “uma legislação petro-
lífera satisfatória e que melhor se adequasse aos A intenção do governo era montar uma indústria
interesses das companhias exploradoras”.169 nacional de petróleo com tecnologia e recursos
externos. Mas isso não aconteceu. De um lado, as João Carlos Barreto foi presidente do CNP durante
grande parte da década de 1940
Além das gestões diplomáticas, as grandes em- companhias petrolíferas internacionais reivindica-
presas internacionais, que controlavam a distribui- vam uma legislação que lhes permitisse o controle
ção de petróleo e derivados no Brasil, chegaram majoritário no refino e no transporte, e liberdade
a submeter projetos de estatutos à Comissão de para vender ao mercado externo, pagando os im-
Anteprojeto da Legislação do Petróleo. Tanto a postos e royalties devidos ao governo brasileiro.
Standard Oil (Esso) quanto a Shell-Mex do Brasil Essas reivindicações tinham defensores dentro do
(Shell), as duas maiores companhias em operação governo: os titulares das pastas das Relações Exte-
no Brasil, consideraram ambíguo o texto final do riores e do Trabalho consideraram a legislação res-
Estatuto do Petróleo, como ficou conhecido o an- tritiva e capaz de afugentar “ainda mais os capitais
teprojeto de lei.170 estrangeiros”.172 Já os defensores da solução estati-
zante e os que apoiavam o capital privado nacional
Em novembro de 1947, o anteprojeto foi encami- temiam que as grandes corporações acabassem
nhado ao Presidente da República, que o remeteu controlando a indústria brasileira de petróleo, em
ao Congresso em fevereiro de 1948. Suas linhas função de seu poder econômico e da pressão polí-
mestras baseavam-se no conceito de um monopó- tica dos Estados Unidos.
168. CONSELHO NACIONAL DO PETROLÉO (Brasil). 425ª Sessão Ordinária de 23 de janeiro de 1947, Brasília, 1947, p. 2.144.
169. PAWLEY, Wiliiam. In: ABREU, Alzira Alves de. et al. (Coord.). Dicionário histórico e biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC, 2001. v.4, p. 4471
170. WIRTH, 1973, p. 145.
171. WIRTH, 1973, p. 144.
172. DIAS; QUAGLINO, 1993, p. 108.
102 Petróleo e Estado
Campanhas na mídia
A publicação de uma série de anúncios pela sis Chateaubriand. As exceções eram o Diário de por isso a melhor maneira de industrializar o pe-
Standard Oil nos principais jornais do País, entre Notícias e a Tribuna da Imprensa, que defendiam tróleo brasileiro era abrindo o setor para as em-
1949 e 1950, deu início a uma forte estratégia de o monopólio estatal do petróleo.173 presas privadas. Foi assim que a indústria petrolí-
comunicação com o objetivo de esclarecer a po- fera se desenvolveu no Oriente Médio, na Europa,
pulação brasileira sobre a sua posição em relação A Standard Oil centrava suas baterias contra a nos Estados Unidos, na Venezuela e em outros
à questão do petróleo. proibição, ainda vigente, da participação do capi- países, argumentava a empresa,175 declarando-se
tal estrangeiro no refino de petróleo e, ao mesmo contrária ao Estatuto do Petróleo. No entender da
tempo, procurava defender-se das acusações de Standard Oil, aquele projeto de lei não permitia
que tentava impedir o desenvolvimento da indús- às empresas privadas desenvolverem suas ativi-
Grandes empresas
tria petrolífera no País, conforme declarou o pre- dades com êxito, pois o setor petrolífero brasileiro
internacionais sidente da companhia no Brasil, W. M. Anderson, deveria basear-se no sistema de livre iniciativa e
buscaram apoio ao jornal A Tarde: livre concorrência.176
da opinião pública
Na verdade, a política e a ação da nossa A Shell também procurou defender seus pontos
por meio de companhia têm sido orientadas na dire- de vista. Ainda em novembro de 1946, três me-
campanhas ção oposta. Por exemplo, nos oferecemos ses antes do início dos trabalhos da Comissão de
para suprir de petróleo bruto os diversos Anteprojeto da Legislação do Petróleo, o diretor-
de comunicação.
projetos da refinaria que têm estado sob -geral da companhia no Brasil, J. C. Reed, fez a
consideração nos recentes últimos anos e seguinte declaração ao jornal A Noite:
temos declarado a nossa vontade de par-
A maior parte dos grandes jornais posicionou- ticipar desses projetos se, porventura, leis No momento, encontramo-nos numa situ-
-se favoravelmente à abertura do setor petrolí- satisfatórias assim nos autorizarem.174 ação de expectativa, esperando a legisla-
fero ao capital estrangeiro. O Estado de S. Paulo, ção do governo que venha regulamentar,
que tinha como princípios básicos o liberalismo, O novo slogan – Esso a serviço do progresso – sin- no que toca a capitais estrangeiros, a sua
o anticomunismo e o antigetulismo, sugeriu a tetizava a imagem que a Standard Oil procurava participação na indústria da exploração do
substituição da legislação restritiva por uma ou- construir, de empresa comprometida com a mo- petróleo. Desde que, como acontece (...)
tra, que possibilitasse a articulação com o capital dernização do País. Suas mensagens publicitárias em outros países, tais como a Venezuela,
estrangeiro, de modo a desenvolver as fontes de e jornalísticas transmitiam a ideia de que o Brasil Colômbia, Equador etc., sejam assegura-
energia que o País sabidamente possuía. Essa deveria explorar os seus próprios recursos petrolí- das ao capital estrangeiro as necessárias
também era a postura dos jornais O Globo, Cor- feros, mas esse trabalho exigia um grande volume condições que permitam o seu emprego,
reio da Manhã, dos periódicos do grupo Folha e de capitais e oferecia riscos aos investidores, além a nossa companhia está disposta a investir
dos Diários Associados, de propriedade de As- de pressupor conhecimentos técnicos de ponta, grandes fundos no Brasil.177
173. CARVALHO JÚNIOR, Celso. A criação da Petrobras nas páginas dos jornais O Estado de São Paulo e Diário de Notícias. São Paulo: Assis, 2005. p. 7-9.
174. A TARDE, Rio de Janeiro, 10 de julho de 1949 apud PETROBRAS, 2000, p. 45, p. 222.
175. DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1949 apud CARVALHO JÚNIOR, 2005, p. 70.
176. DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1949 apud CARVALHO JÚNIOR, 2005, p. 69.
177. A NOITE, nov. 1946 apud PINHEIRO; VIANA, 1987, p. 34.
Capítulo 9 - O petróleo é nosso! 103
A campanha “O petróleo é nosso” mobilizou toda a sociedade brasileira. Acima, manifestação popular nas ruas da Bahia na década de 1950
Capítulo 9 - O petróleo é nosso! 105
Memória Petrobras
do Estatuto do Petróleo quando o anteprojeto co-
meçou a ser debatido na Câmara dos Deputados.
Por um acordo assinado entre o PSD (situacionis-
ta) e a UDN (maior partido de oposição), além do
pequeno PR (Partido Republicano), 235 dos 286
deputados federais acompanhariam o governo
nas votações, pelos menos a princípio. A cassação
dos mandatos dos parlamentares comunistas,
depois que o registro do PCB foi declarado ilegal
pelo Superior Tribunal Eleitoral, enfraqueceu ain-
da mais a oposição.181
O início de operação da Refinaria de Mataripe, na Bahia, em 1950, foi uma das grandes conquistas da indústria do petróleo no governo Dutra
184. LEVY, Arthur. Artur Levy: depoimento [1987]. Rio de Janeiro: CPDOC: FGV, CPDOC; Petrobras, SERCOM, 1988. p. 170-171.
Capítulo 9 - O petróleo é nosso! 109
Refinaria de Mataripe
Desde 1945, antes da liberação dos recursos do de construção e montagem que couberam à sua A refinaria começou a operar oficialmente em
Plano Salte, o CNP estudava a instalação de uma subsidiária Kellog Pan American Corporation. O 17 de setembro de 1950 e, com ela, a produção
refinaria na Bahia, com uma capacidade inicial de contrato, assinado em novembro de 1947, pre- de óleo bruto dos campos da Bahia atingiu um
2.500 barris por dia. Até então, duas pequenas via que a unidade estaria pronta em 18 meses, a caráter efetivamente industrial.189 Em dezembro
refinarias haviam funcionado no Recôncavo em um custo global orçado em cerca de 2 milhões desse mesmo ano, foi assinado um novo contrato
caráter experimental: a de Aratu e a de Candeias. de dólares. Em virtude da alta dos preços dos com a M. W. Kellog Co., desta vez para a con-
Havia urgência no empreendimento. A importa- materiais nos Estados Unidos, o custo da ins strução de uma nova unidade, já voltada para a
ção de derivados de petróleo aumentava a cada talação aumentou para 2,9 milhões de dólares. ampliação da sua capacidade de processamento.
ano, chegando em 1948 a representar 44% do va-
lor de todas as matérias-primas importadas pelo
Memória Petrobras
Brasil.185 A importação de petróleo bruto custava
ao País o mesmo que se conseguia arrecadar com
toda a exportação de café: 200 milhões de dóla-
res, em 1950.186
185. MATTOS, Wilson Roberto de. et al. Uma luz na noite do Brasil: 50 anos de história da Refinaria Landulpho Alves, 1950-2000. Salvador:
Solisluna, 2000, p. 42.
186. MATTOS, Wilson, 2000, p. 42, 222.
187. BRASIL. Decreto nº 9.881, de 16 de setembro de 1946. Diário Oficial da República Federativa do Brasil , Poder Executivo, Brasília, DF, 17 set. 1946.
188. DIAS; QUAGLINO, 1993, p. 92.
189. MATTOS, Wilson, 2000, p. 57.
110 Petróleo e Estado
Em agosto de 1948, depois de dois anos de estudos, Williams Brothers Co., de Tulsa (EUA), foi encarrega- as obras tiveram início no mesmo ano. Em agosto
o CNP autorizou a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí da da execução do projeto de engenharia, sob a su- de 1951, entrou em funcionamento a linha de dez
(EFSJ) a construir e explorar um sistema de oleodu- pervisão do engenheiro norte-americano William G. polegadas (gasolina-diesel-querosene) entre San-
tos com duas linhas de dez polegadas para produtos Heltzel e a assistência de Leopoldo Américo Miguês tos e São Paulo. O traçado deste oleoduto, embora
claros e uma de 18 polegadas para óleo combustí- de Mello, engenheiro designado pelo CNP. de pequena extensão, representou um grande de-
vel, interligando Santos e São Paulo. A EFSJ, com- safio, pois além do trecho pantanoso entre Santos
panhia de propriedade da União, transportava cerca O projeto detalhado foi concluído em 1950, a com- e Cubatão, foi necessário enfrentar pela primeira
de 80% dos derivados de petróleo entre Santos e o pra do material foi feita nos Estados Unidos, exceto vez a subida da Serra do Mar, com um desnível de
planalto paulista através de sua linha férrea. A firma uma parte da tubulação adquirida na Alemanha, e 750 metros em apenas 1,5 km.
Capítulo 9 - O petróleo é nosso! 111
Refinaria de Cubatão
Enquanto a construção de Mataripe se desenvolvia e
A Refinaria de Cubatão foi a primeira grande refinaria do Brasil. A imagem data de sua construção, em julho de 1952
Agência O Globo
Quatro grupos haviam sido classificados em con-
corrência pública promovida pelo CNP no início
de 1946, para a instalação e exploração de refi-
narias em São Paulo, no então Distrito Federal e
adjacências, utilizando inicialmente petróleo im-
portado. Eram eles o grupo Ipiranga, que propu-
nha instalar uma refinaria em São Paulo, capaz de
processar 10 mil barris por dia (bpd); o grupo So-
ares Sampaio (Distrito Federal, 8 mil bpd), Drault
Ernanny (Distrito Federal, 8 mil bpd) e Raja Gaba-
glia (São Paulo, 6 mil bpd). No entanto, os grupos
Raja Gabaglia e Ipiranga desistiram de continuar
na disputa depois que o CNP apresentou novas
exigências, entre as quais um contrato definitivo
com o fornecedor de óleo cru. Grandes compa-
nhias norte-americanas faziam pressão sobre os
empresários brasileiros, aproveitando-se da obri-
gatoriedade de um contrato de fornecimento de
petróleo e da necessidade de empréstimos em
agências oficiais dos Estados Unidos.194
Repórter conversa com operários na Refinaria de Manguinhos em dezembro de 1954
Os dois concorrentes restantes organizaram as
sociedades comerciais Refinaria e Exploração de
Petróleo União (Soares Sampaio), e Refinaria de capacidade para 20 mil barris diários e mudar seu tuação irregular. Mesmo assim, pressionado pelos
Petróleo do Distrito Federal (Drault Ernanny) e local para São Paulo, tornando-se mais tarde a re- empresários e pela postura adotada pelo Conse-
receberam os títulos de autorização, em setem- finaria Capuava. lho, de defender o ingresso da iniciativa privada no
bro de 1946, para a montagem de refinarias com setor petrolífero, o Governo Federal permitiu uma
capacidade para processar 8 mil barris por dia, Pelo contrato de concessão, essas empresas te- série de facilidades aos grupos privados, entre elas
que poderia ser elevada para 10 mil bpd, assim riam um prazo de dois anos para construírem as a prorrogação das concessões sem a abertura de
que o mercado da região permitisse. Em 1947, a refinarias. Uma série de dificuldades, no entan- nova concorrência.195 Essas medidas geraram in-
Refinaria de Petróleo do Distrito Federal recebeu to, impediu o início das obras em 1949, levando tensas polêmicas na imprensa. Em diversas maté-
autorização para o início da instalação da futura os empresários a pedirem auxílio ao governo. No rias, o Diário de Notícias condenou a atuação des-
refinaria de Manguinhos. Por sua vez, a Refinaria entanto, nenhuma das duas empresas havia cum- ses grupos, os privilégios e favores que recebiam
e Exploração de Petróleo União decidiu elevar sua prido as exigências do CNP, encontrando-se em si- do governo e a instalação das refinarias privadas.196
CAPÍTULO 10
PROJETO PETROBRAS
MOBILIZA OPINIÃO
PÚBLICA
Consolida-se o nacionalismo
O retorno de Getúlio Vargas à Presidência da Re- política econômica, portanto, apresentava caracte- O crescimento
pública em janeiro de 1951, dessa vez pelo voto rísticas nacionalistas e estatizantes, muito embora
popular, significou uma profunda revisão da estivesse aberta à colaboração com o capital es-
industrial exigia
orientação adotada no plano econômico pelo trangeiro – uma dubiedade que também se fazia uma política
governo Dutra, privilegiando-se a postura nacio- sentir no setor de exploração de petróleo. eficaz de
nalista, em grande parte abandonada por este
último. Na mensagem presidencial enviada ao A decisão da Câmara dos Deputados de mandar
abastecimento.
Congresso Nacional, logo no início de seu novo arquivar o projeto do Estatuto do Petróleo tornava
mandato, Vargas anunciou um plano de desen- urgente a definição de um planejamento nacional mente dita ficaria a cargo de uma nova empresa a
volvimento econômico autônomo, vinculado à para o setor. O consumo de derivados de petróleo ser criada, a futura Petrobras. Enquanto esse pro-
construção de indústrias de base, sobretudo no praticamente triplicou entre 1945 e 1950. O cresci- jeto era desenvolvido, Vargas optou por manter
setor energético.197 mento industrial do País só agravava o problema, João Carlos Barreto na presidência do Conselho
exigindo uma política eficaz de abastecimento. Nacional do Petróleo. Contudo, Barreto enviou-
O novo governo concentrou suas ações numa cres- -lhe uma carta pedindo exoneração do cargo,
cente intervenção do Estado na economia, apa- A Assessoria Econômica da Presidência da Re- pedido aceito pelo Presidente da República.198 A
relhando-o com empresas estratégicas e órgãos pública, instalada em 1951 para formular a políti- presidência do CNP foi então assumida interina-
públicos de financiamento. Vargas, porém, admi- ca econômica do governo, decidiu desmembrar mente por Plínio Cantanhede, membro da Asses-
tia a necessidade de contar com a participação do as funções do CNP, que ficaria unicamente com soria Econômica e diretor da Divisão Econômica
capital e da tecnologia estrangeiros, bem como de as funções de normatização e de fiscalização do do Conselho, um defensor do projeto de criação
importar máquinas e outros produtos básicos. Sua setor. A execução da política petrolífera propria- da Petrobras e do monopólio estatal do petróleo.
Memória Petrobras
Getúlio ao Congresso Nacional199 em dezembro de
1951, guardava semelhanças com o Estatuto do Pe-
tróleo. Formatava a nova empresa como sociedade
de economia mista, com a participação do capital
público e privado, e definia as suas relações com o
CNP, que passaria a se encarregar da supervisão
da política petrolífera. Controlada majoritariamen-
te pela União, a Petrobras herdaria as principais
funções do CNP, além de cuidar das atividades de
refinação e da Frota Nacional de Petroleiros.200
199. BRASIL. Projeto de Lei nº 1.516, de 3 de dezembro de 1951. Diário do Congresso Nacional, dez. 1951
200. MATTOS, Wilson, 2000, p. 14.
201. BRASIL. Mensagem Presidencial nº 469 de 1951, Brasília, 1951, p. 13.
202. BRASIL. Mensagem Presidencial nº 470 de 1951, Brasília, 1951, p. 1.
203. CARVALHO, Getúlio. Petrobrás: do monopólio aos contratos de risco. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1977. p. 50.
204. MATTOS, Wilson, 2000, p. 49.
118 Petróleo e Estado
Capítulo 10 - Projeto Petrobras mobiliza opinião pública 119
Acervo Iconographia
“O Petróleo é Nosso”, porém a reação mais sur- como o que foi proferido em 6 de junho de 1952, Os meses que se seguiram foram marcados por
preendente veio da UDN, que repentinamente pelo ex-Presidente da República Artur Bernardes, uma intensa atividade política. Em junho, um co-
assumiu a bandeira do monopólio estatal, contra- então deputado federal pelo PR de Minas Gerais: mício realizado no centro do Rio de Janeiro foi
riando todas as expectativas. reprimido a tiros pela polícia. Em julho, o gover-
Está hoje provado que não necessita- no proibiu a realização da 3a Convenção Nacional
Em 4 de junho de 1952, quando o projeto do go- mos do capital estrangeiro para indus- de Defesa do Petróleo, convocada pelo CEDPEN,
verno retornava das comissões, cheio de emen- trializar o nosso petróleo. (...). Fomos os porque coincidia com a visita do secretário de Es-
das, o presidente da UDN, deputado Bilac Pinto, iniciadores da indústria ora em adianta- tado norte-americano Dean Acheson, mas teve
apresentou um substitutivo prevendo a criação da execução. Descobrimos o combustí- que recuar devido a fortes protestos. A conven-
da Empresa Nacional do Petróleo (Enape), previa vel, montamos refinarias, construímos ção foi realizada na data prevista e mais uma vez
o monopólio estatal em todas as fases da indús- oleodutos e adquirimos frota de pe- os nacionalistas condenaram o projeto governa-
tria do petróleo. troleiros. Tudo isso se fez com recursos mental, taxando-o de “impatriótico e lesivo aos
nossos, com técnicos nossos e também interesses do povo brasileiro”.209
contratados, e máquinas que adquiri-
mos. Agora que tudo está em boa mar- Vargas, por seu turno, também procurava mobilizar
cha, não necessitamos de convivas para a opinião pública a seu favor, desqualificando seus
Na campanha
a mesa posta. Os lucros integrais do adversários. Em 23 de junho, num discurso pronun-
“O petróleo é nosso”, petróleo devem ficar no Brasil, circulan- ciado em Candeias, um dos principais centros pe-
Getúlio Vargas do nas artérias da nação, estimulando trolíferos da Bahia, Vargas bateu forte nos udenistas
trabalho novo, criando novas indústrias, (”conhecidos advogados dos monopólios econômi-
foi classificado
melhorando as condições de vida do cos estrangeiros”) e comunistas (“arautos dum falso
como “aliado do seu povo e enriquecendo os brasileiros. nacionalismo que mal encobre uma filiação ideoló-
imperialismo”. Além disso, temos milhões e milhões de gica, visando novos imperialismos”):
compatriotas que morrem à fome ou
vegetam, sem roupa, sem saúde, sem Não é de espantar, pois que se levantem
O substitutivo da UDN foi apoiado por representan- escolas e devemos destinar à cura de agora uns e outros, com o objetivo de
tes de todos os partidos, inclusive por ícones dos seus males os lucros com que se quer torpedear e paralisar a atual proposta
nacionalistas, como Eusébio Rocha e Artur Bernar- presentear os trustes.208 governamental – os primeiros porque
des. A eles se uniram entidades da sociedade civil, não têm porta de acesso na nova orga-
como a UNE, o Jornal de Debates e o CEDPEN, que Nas ruas, a União Nacional dos Estudantes e o nização, e os últimos porque, para eles,
relançaram a palavra de ordem “O petróleo é nos- CEDPEN desencadearam o segundo tempo da só interessa que o petróleo seja nosso,
so”, convocando a população mais uma vez para Campanha do Petróleo, relançando o lema “O pe- mas... debaixo da terra.210
lutar em defesa da soberania nacional. tróleo é nosso”, agora com um forte sentido de
contestação a Vargas, classificado como “aliado O governo adotou então a estratégia de apressar
O Congresso voltou a ser palco de discursos contun- do imperialismo” por militares nacionalistas, co- a discussão do seu projeto, evitando a articula-
dentes em defesa do monopólio estatal do petróleo, munistas e até mesmo dirigentes do PTB. ção da oposição em torno do projeto da UDN.
208. BERNARDES, Artur. Defesa do monopólio estatal do petróleo. Brasília, Congresso Nacional, 1952. Discurso.
209. COHN, Gabriel, 1968, p. 153.
210. VARGAS, 1952, apud COHN, Gabriel, 1968, p. 145-150.
122 Petróleo e Estado
1954-1964
A mudança de
perfil do CNP
126 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 11
IMPACTOS DA
CRIAÇÃO DA
PETROBRAS
Relações tensas
Criada em outubro de 1953, foi no ano seguinte ziamento do CNP é exemplarmente enunciado pelo Sempre houve muita fricção entre o
que a Petrobras deu seus primeiros passos e o art. 50 da Lei nº 2.004, que determinava o seguinte: pessoal do CNP e a Petrobras por vá-
CNP passou a ter sua atuação restrita à orientação “Sempre que o Conselho Nacional do Petróleo tiver rias razões. Primeiro que (...) a criação
e fiscalização do monopólio da União. De 1954 até que deliberar sobre assunto de interesse da Socie- da Petrobras veio levar parte das atri-
o golpe militar de 1964, exatamente dez anos, CNP dade [a Petrobras], o presidente desta participará buições do CNP. (...) Depois, a Petro-
e Petrobras viveram um relacionamento muitas ve- das sessões plenárias, sem direito a voto”. bras nasceu com mais recursos, po-
zes tenso, marcado pela sucessiva implementação dendo pagar mais aos seus técnicos,
de novas regras. Nesses anos tumultuados, carac- Em termos práticos, a adaptação do CNP às suas pagar salários de mercado, atrativos,
terizados por profundas transformações econômi- novas atribuições acarretou-lhe uma série de pro- enquanto que os do CNP continuavam
cas e sociais no País, a concretização da política blemas, sobretudo no que se refere à organização como funcionários públicos, ganhando
nacional de petróleo sofreu avanços e retrocessos. interna e ao pessoal. Embora a maior parte do mal... (...) Também havia (...) uma inca-
corpo técnico que o órgão então dispunha tenha pacitação técnica. Como o CNP perdeu
O discurso de Getúlio Vargas anunciando a cria- sido transferida para a Petrobras, disposições le- uma grande parte do seu corpo técnico
ção da Petrobras foi apenas o primeiro de muitos gais impediam que 40% das vagas ociosas de seu para a Petrobras e não conseguia repor
passos até sua instalação oficial, em 10 de maio de quadro de funcionários fossem preenchidas.211 em função dos seus salários, sempre
1954. Para o CNP, isso determinou uma profunda re- tinha engenheiro iniciante recebendo
definição das suas atribuições. Se o campo norma- A problemática questão da transferência de mal. O CNP foi perdendo parte da sua
tivo-fiscalizador da política do petróleo continuava pessoal para a Petrobras foi assim avaliada, capacitação até de trabalhar naquela
sob a jurisdição do órgão, o campo executivo pas- 35 anos depois, por Aldo Zucca, um dos en- área essencial (...), que é a formulação
sava integralmente para a esfera da nova empresa, genheiros do quadro do CNP que optou pela das especificações, a fiscalização dos
constituída exatamente com esse objetivo. O esva- empresa estatal: produtos (...) e assim por diante (...).212
213. GETÚLIO VARGAS (1882-1954) [Arquivo GV]. Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. Sigla GV. Telegrama enviado a Vargas pelo general Horta Barbosa,
datado de 7 de outubro de 1954. FGV/CPDOC, Arq. Getúlio Vargas (GV c 1951.11.07/4, doc. 13).
214. CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Relatório de atividades [1954], Brasília, CNP, 1954.
Capítulo 11 - Impactos da criação da Petrobras 129
Em 1954 foram concluídas as obras de amplia- eram os poços pioneiros de Jacarezinho (Para- a construção de seis oleodutos: Santos-São
ção da refinaria de Mataripe, cuja capacidade de ná), Riachão (Maranhão), Alter do Chão (Pará) Paulo (construído), com prolongamento até
refino passou a ser de 5 mil barris diários, e foi e Nova Olinda (Amazonas). Além disso, prosse- Campinas e ramais para Ribeirão Preto, Ubera-
planejada para o ano seguinte a entrada em fun- guiram os estudos para o aproveitamento das ja- ba e Goiânia; Paranaguá-Curitiba, com prolon-
cionamento da refinaria de Cubatão (45 mil bpd), zidas de xisto existentes na região Taubaté-Tre- gamento a Guarapuava, Foz do Iguaçu e As-
e das refinarias privadas de Capuava (20 mil bpd), membé (SP), e foram ultimadas as providências sunção (no Paraguai); Rio de Janeiro-Juiz de
em São Paulo, e de Manguinhos (10 mil bpd), no para a montagem da Estação Experimental de Fora, com prolongamento até Belo Horizonte;
Rio de Janeiro. Processamento, também em Tremembé. Torres-Porto Alegre, com prolongamento a
Santa Maria e Uruguaiana; Salvador-Mataripe,
Ao serem transferidos para a Petrobras os tra- Também em 1954, o CNP criou a Comissão com prolongamento a Feira de Santana,
balhos de perfuração, 11 poços estavam em an- da Rede Nacional de Oleodutos (Creno), que Juazeiro, Paraguaçu, Lençóis e Barreiras; e
damento, 7 deles em território baiano. Os outros após estudos técnicos e econômicos sugeriu porto de Itaqui (MA)-Teresina.
130 Petróleo e Estado
A crise de 1954
Organizada num momento de intensa radicaliza- O ministério montado pelo novo presidente, prin- Neste seu primeiro pronunciamento institucional so-
ção política, a Petrobras logo se tornou um dos cipalmente com nomes ligados à UDN, não era bre a nova empresa, os chefes militares concluíam:
principais alvos da campanha oposicionista, mo- muito favorável à Petrobras. O próprio Café Filho
[...] ser conveniente que se mantivesse
vida pelos políticos conservadores e pela grande não via com entusiasmo a criação da estatal, as-
a atual política, apoiando-a com todos
imprensa, contra a orientação nacionalista do sim como o seu ministro da Aeronáutica, o briga-
os recursos possíveis, durante um prazo
governo Vargas. deiro Eduardo Gomes, que havia sido derrotado
mínimo, experimental. Esgotado esse
por Vargas nas eleições de 1950. O ministro da
prazo, refundir, ou não, a legislação, con-
Na carta-testamento, explicando ao povo brasilei- Fazenda, Eugênio Gudin, visto como um intran-
soante os resultados apresentados.219
ro o seu suicídio, na manhã de 24 de agosto de sigente liberal, considerava “uma política eco-
1954, Getúlio fez uma referência direta a esse fato: nômica inadequada” a participação do Estado
Em janeiro de 1955, o engenheiro Plínio Cantanhe-
na indústria do petróleo.217 Acrescente-se a esse
de deixou a direção do CNP, sendo substituído no
A campanha subterrânea dos grupos ambiente desfavorável a nomeação de Juarez Tá-
dia 27 pelo também engenheiro Adroaldo Tourinho
internacionais aliou-se à dos grupos vora, ferrenho adversário do monopólio estatal
Junqueira Ayres.
nacionais revoltados contra o regime do petróleo, para a chefia do Gabinete Militar do
de garantia do trabalho. A lei de lucros novo governo, agora com a tarefa de coordenar e Nesse mesmo ano, com a entrada em serviço das re-
extraordinários foi detida no Congresso. controlar as atividades de diversos órgãos ligados finarias Presidente Bernardes (em Cubatão), União
Contra a justiça da revisão do salário mí- diretamente à Presidência da República, entre as (Capuava) e Manguinhos (Rio), o Brasil economizou
nimo se desencadearam os ódios. Quis quais o CNP e a própria Petrobras.218 US$ 56 milhões em divisas com a importação de
criar a liberdade nacional na potencia- derivados do petróleo, comprando menos 22% do
lização das nossas riquezas através da Em seu livro de memórias, Café Filho afirma que sem- que em 1953, embora o consumo tenha aumentado.
Petrobras e, mal começa esta a funcio- pre defendeu a posição de que a Petrobras deveria A produção das sete unidades de refino instaladas
nar, a onda de agitação se avoluma (...).215 adquirir maior experiência, para que então o governo no Brasil220 – as três novas, somando-se às de Uru-
pudesse avaliá-la corretamente, e assim decidir quanto guaiana e Rio Grande (RS), a do grupo Matarazzo
A ascensão do vice-presidente João Café Filho ao à oportunidade da revisão ou não da legislação sobre o (SP) e a refinaria de Mataripe (BA) – chegou a quase
poder representou, mais uma vez, uma redefinição petróleo. Era essa também a opinião das Forças Arma- 4 bilhões de litros de derivados de petróleo (gasoli-
da política econômica brasileira, marcada por tenta- das. Em 9 de novembro de 1954, o general Canrobert na comum, querosene, óleo diesel, óleo combustí-
tivas de estabilização monetária centradas no com- Pereira da Costa, chefe do Estado-Maior das Forças vel, gás liquefeito, solvente e asfalto), muito acima
bate à inflação e por medidas em direção oposta ao Armadas (EMFA), entregou-lhe um documento se- dos 392 milhões de litros do ano anterior. Para isso
rumo que vinha sendo seguido no segundo governo gundo o qual os chefes militares consideravam inopor- foi necessário importar 3.370.000 toneladas de pe-
Vargas. Foi este o caso do favorecimento à entrada tuna, naquele momento, qualquer alteração da lei do tróleo, quase 12 vezes mais do que o total de 281.188
de maquinaria e capitais externos no País.216 monopólio estatal da exploração do petróleo. toneladas do ano anterior.
215. PETROBRAS 50 anos: uma construção da inteligência brasileira. Rio de Janeiro: Petrobras, 2003, p. 109-110.
216. SUPERINTENDÊNCIA DA MOEDA E DO CRÉDITO (SUMOC). In: ABREU, Alzira Alves de. et al. (Coord.). Dicionário histórico e biográfico
brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC, 2001. v. 5, p. 5612-5616.
217. CARVALHO, G., 1977, p. 83.
218. Sobre Juarez Távora, ver também capítulos 3 e 9.
219. CAFÉ FILHO, João. Do sindicato ao Catete: memórias políticas e confissões humanas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1966. v. 2, p. 468.
220. CARVALHO, Ernani Filgueiras de; SALA, Janaina Francisco. Política para a ampliação do parque de refino nacional: uma proposta. In: SUSLICK,
Saul B. (Org.). Regulação em petróleo e gás natural. Campinas: Komedi, 2001.
Capítulo 11 - Impactos da criação da Petrobras 131
Cópia do manuscrito da carta-testamento ao povo brasileiro, com a qual Vargas se despediu antes de tirar a própria vida em 24 de agosto de 1954
132 Petróleo e Estado
Capítulo 11 - Impactos da criação da Petrobras 133
Arquivo ANP
Com a morte de Vargas, Café Filho assumiu a Presidência da República. Na imagem, aparece ao lado de comitiva em visita oficial às instalações da recém-criada Petrobras
134 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 12
GOVERNO JK:
EXPANSÃO DO REFINO
O Plano de Metas
As eleições presidenciais de outubro de 1955 objetivo central era estimular o desenvolvimento Para atender às
transcorreram em clima de acentuada radicaliza- das indústrias de bens de produção e de bens de demandas do
ção política entre trabalhistas e udenistas. Estes, consumo duráveis, com destaque para os setores
sob a liderança de Carlos Lacerda, juntamente automobilísticos, de construção naval e de mecâ-
desenvolvimento,
com alguns militares, eram contrários à posse do nica pesada, que viriam a ser os mais dinâmicos era urgente
candidato eleito, Juscelino Kubitschek, e do seu da indústria brasileira nos anos seguintes. Caberia aumentar a produção
vice João Goulart. Para garantir o cumprimento ao Estado definir as prioridades de investimento,
do resultado das urnas, foi deflagrado um mo- fazendo a mediação entre as empresas públicas
de petróleo e a
vimento militar liderado pelo general Henrique e as empresas privadas, nacionais e estrangeiras. capacidade das
Teixeira Lott, afastando o presidente em exercí- A mobilização dos capitais privados deveria ser refinarias.
cio, Carlos Luz. Café Filho estava licenciado por impulsionada por um audacioso programa de in-
problemas de saúde e apresentou melhora, mas a vestimentos públicos em infraestrutura, com prio-
Câmara e o Senado aprovaram um impeachment ridade para os setores de energia e transporte.
para evitar que ele voltasse à Presidência da Re- gia, que incluía cinco metas: energia elétrica;
pública, que ficou interinamente com o vice-pre- O Plano de Metas, nome do programa do go- energia nuclear; carvão; produção de petróleo;
sidente do Senado, Nereu Ramos, até a posse de verno instituído por JK, compreendia um am- e refino de petróleo. 222 Estas duas últimas me-
JK, em janeiro de 1956.221 plo projeto de reformas destinadas a ativar o tas, referentes ao petróleo, visavam estabilizar
desenvolvimento do País em tempo recorde: o custo das importações no nível registrado
O País viveu um acelerado processo de indus- 50 anos em cinco. Eram 31 metas, reunidas em em 1956 (US$ 270 milhões) e atender à de-
trialização durante o governo JK (1956-1961). Seu seis grupos, o primeiro deles referente a ener- manda adicional que seria gerada pela expan-
221. MOVIMENTO DO 11 DE NOVEMBRO. In: ABREU, Alzira Alves de. et al. (Coord.). Dicionário histórico e biográfico brasileiro. Rio de Janeiro:
FGV, CPDOC, 2001. v. 4, p. 3965-3975.
222. PROGRAMA DE METAS. In: ABREU, Alzira Alves de. et al. (Coord.). Dicionário histórico e biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC,
2001. v.4, p. 4801-4807
Capítulo 12 - Governo JK: expansão do refino 135
Acervo Memorial JK
são da produção nacional. Segundo estudos
de um grupo de técnicos do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e da
Comissão Econômica para a América Latina
(Cepal), o consumo de petróleo cresceria em
torno de 7,2% por ano, naquele quinquênio.
225. FIGUEIREDO, M. Poppe de. Brasil, um gigante que despertou. Rio de Janeiro: Símbolo Agência de Comunicação, 1972. p. 228.
226. BRASIL. Decreto nº 40.845, de 28 de janeiro de 1957. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 31 jan. 1957.
Capítulo 12 - Governo JK: expansão do refino 137
A entrada em operação das primeiras unidades petroquímicas marcou o amadurecimento da indústria do petróleo no Brasil. Na imagem, unidade em Duque de Caxias (RJ), em 1962
Capítulo 12 - Governo JK: expansão do refino 139
227. PERRONE, Otto. Otto Perrone: depoimento [2005]. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC, 2005. (Projeto Agência Nacional do Petróleo).
228. BRASIL. Decreto nº 41, de 04 junho de 1957. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 05 jun. 1957.
229. OTTO PERRONE [Coleção]. Pasta de pareceres do conselheiro Ernesto Geisel no plenário do CNP. Rio de Janeiro: FGV-CPDOC, 1957-1958.
230. VIEIRA, Carlos Meirelles. Carlos Meirelles Vieira: depoimento [2005]. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC, 2005. (Projeto Agência Nacional do Petróleo).
140 Petróleo e Estado
Capítulo 12 - Governo JK: expansão do refino 141
231. CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Resolução nº 3, de 13 de abr. de 1954, Brasília, 1954.
232. PERRONE, 2005.
233. CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Resolução nº 1, de 30 de jan. de 1955, Brasília, 1957.
234. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Página de Legislação Federal. Disponível em: <http://
anp.gov.br/?id=478> . Acesso em 29 out. 2005.
Capítulo 12 - Governo JK: expansão do refino 143
Esta resolução justificava-se, segundo o CNP, capital e não ofereceriam vantagens em rela- sibilidade da instalação integral da referida in-
pela grande importância econômica da indús- ção ao dispêndio de divisas. Ele recomendava dústria. Em abril, a estatal pleiteou atribuição
tria petroquímica para a economia do País, as- atribuir à Petrobras “a instalação e exploração para o empreendimento. O CNP examinou o as-
sim como pela existência de condições propícias da indústria de borracha sintética, com o apro- sunto e o submeteu à apreciação de Kubitschek,
de mercado e de produção das matérias-primas veitamento dos subprodutos da Refinaria Du- que em junho autorizaria a Petrobras a instalar
básicas. A presença da Petrobras também era que de Caxias, em construção no estado do Rio e explorar a fábrica de borracha sintética.
considerada extremamente importante nesse de Janeiro”. Sugeria também que a produção e
campo, “principalmente para fazer as matérias- a instalação da indústria ocorressem até 31 de Coube também a Geisel o parecer sobre o pleito
-primas petroquímicas e também para fazer até dezembro de 1960, coincidindo com o início de da Petrosil, que foi indeferido pelo Plenário, em
os produtos essenciais, quando não houvesse funcionamento da Reduc. Afirmava ainda que abril, porque – na avaliação dos conselheiros do
interesse da iniciativa privada”. Por outro lado, a Petrobras deveria organizar uma subsidiária CNP – não possuía fundamento legal, era inopor-
o Conselho entendia que a indústria petroquí- para essa atividade.237 tuno e não convinha aos interesses da Petrobras.
mica não constituía monopólio da União e que
sua implantação no País deveria caber, “tanto Enquanto as empresas eram convidadas a apre- De qualquer forma, a Resolução nº 1/57 serviu
quanto possível”, à iniciativa privada. Entretan- sentar propostas de instalação e exploração da de base para que 11 empresas solicitassem e
to, era preciso evitar a formação de monopó- indústria de borracha sintética, a Petrobras foi obtivessem registros junto ao CNP, conforme o
lios, alertava o CNP, que se tornou, então, “um instada a encaminhar um relatório sobre a pos- quadro abaixo:
fórum de julgamentos de projetos nessa área” e
“supervisionou o desenvolvimento das primei-
ras plantas petroquímicas do Brasil”.235
NOME DA EMPRESA ESTADO PRODUTOS
Além da Petrosil, que continuava insistindo por Alba S. A. Indústria e Comércio São Paulo metano
todos os meios para a aprovação de seu proje- Bakol S. A. Indústria e Comércio São Paulo poliestireno e polieteno
to petroquímico, em 1958 surgiram propostas –
Petroclor Indústria e Comércio S. A. São Paulo polieteno
estimuladas pelo CNP, por determinação de JK
Companhia Brasileira de Estireno São Paulo álcool isopropílico e acetona
– para a construção de uma planta de borracha
sintética, com capacidade para produzir 40 mil Nitrogênio S.A. Indústria Brasileira Bahia amônia e ácido nítrico
de Produtos Químicos e Fertilizantes
toneladas por ano. A própria Petrobras e dois
Companhia Brasileira de Estireno São Paulo estireno e tolueno
grupos se apresentaram.236
Companhia Brasileira de Plásticos Koppers São Paulo poliestireno
Ernesto Geisel, conselheiro encarregado de Union Carbide do Brasil S. A. São Paulo polieteno
estudar essas propostas, em seu primeiro pa-
Companhia Petroquímica Brasileira - Copebrás São Paulo negro de fumo
recer considerou que, apesar de serem bem
Petroclor - Indústria Petroquímica S. A. São Paulo dicloretano
embasadas do ponto de vista técnico, as pro-
postas apresentadas pelas empresas privadas Petróleo Brasileiro S. A. - Petrobras São Paulo propeno
O presidente Juscelino Kubitschek hasteia a bandeira nacional em cerimônia de inauguração da Refinaria Duque de Caxias, a maior do estado do Rio de Janeiro
Já integrava o parque petroquímico nacional a Fá- Contudo, Poppe de Figueiredo não permanece- do coronel Geisel sobre o problema da borracha
brica de Amônia e Fertilizantes da Petrobras, em ca- ria no cargo mais do que 20 meses. Chamado ao sintética, que recebeu a aprovação unânime do
ráter experimental desde dezembro de 1957, produ- palácio presidencial no dia 7 de maio, foi instado Plenário. Poppe de Figueiredo deixou ainda as-
zindo fertilizantes nitrogenados, nitrato de amônia e por Juscelino a pedir demissão da presidência do sinadas duas exposições de motivos, que seriam
hidrogênio. Nesse mesmo ano, a Petrobras iniciou e Conselho, cargo para o qual já havia sido convi- aprovadas por Juscelino: uma sobre a indústria
concluiu a construção da Fábrica de Eteno, também dado o coronel José Alexínio Bittencourt. No dia petroquímica, envolvendo a pretensão da Petro-
junto à refinaria de Cubatão. Formava-se assim um seguinte, 8 de maio, ele presidiu sua última ses- sil, e a outra sobre a decisão relativa à fábrica de
núcleo petroquímico no estado de São Paulo. são no CNP, durante a qual foi lido o parecer final borracha sintética.
Capítulo 12 - Governo JK: expansão do refino 145
Flirckr/José Fernades
O Acordo de Roboré
A exploração do petróleo boliviano por empresas
brasileiras foi outra questão controversa enfren-
tada pelo CNP durante a gestão de Poppe de Fi-
gueiredo. O tema veio à tona em janeiro de 1955,
quando os presidentes Café Filho e Victor Paz
Estensoro inauguraram o trecho ferroviário Co-
rumbá-Santa Cruz. Dias mais tarde, o presidente
da Bolívia enviou um documento, por intermédio
de seu embaixador no Brasil, insistindo na neces-
sidade de se rever o Tratado sobre Saída e Apro-
veitamento do Petróleo Boliviano, que havia sido
firmado entre os dois países em fevereiro de 1938.
Estensoro considerava o tratado obsoleto frente
às novas condições econômicas dos dois países.
238. CAMPOS, Roberto. In: ABREU, Alzira Alves de. et al. (Coord.). Dicionário histórico e biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC, 2001. v.
1, p. 1026-1035.
146 Petróleo e Estado
O Relatório Alexínio
Ao declarar que as atribuições legais do Conselho As críticas a Janary Nunes foram formalizadas
Banco de Imagens Petrobras
seriam “levadas a sério” em sua gestão, o coronel pelo presidente do CNP, no documento conheci-
José Alexínio Bittencourt, já no seu discurso de do como Relatório Alexínio, que ele enviou a Jus-
posse como novo presidente do CNP, em maio de celino no dia 4 de outubro de 1958:
1958, indicava que o convívio com a Petrobras es-
tava deixando de ser amistoso. (...) a política nacional do petróleo está
seriamente ameaçada de fracasso, em
O clima na área petrolífera do governo já não era consequência da maneira pela qual
dos melhores. Um dos diretores da Petrobras, vem sendo conduzida e dirigida a em-
João Neiva de Figueiredo, havia encaminhado a presa incumbida de executá-la, a Petró-
Kubitschek seu pedido de demissão, acusando o leo Brasileiro S.A. (...) O programa ora
presidente da empresa, Janary Gentil Nunes, de em marcha estabelecido pela presidên-
cometer irregularidades administrativas. Em se- cia da empresa representa um agrava-
guida, o diretor Irnack Carvalho do Amaral tam- mento da crise cambial do País; uma
bém se demitiu pelos mesmos motivos. O coronel ameaça ao êxito da Petrobras, através
Janary, segundo eles, tomava decisões sem con- da descoordenação e do descontrole
Janary Nunes, presidente da Petrobras, não aceitava os termos do Acordo
de Roboré. Mais tarde, foi acusado de irregularidades administrativas
sultar o Conselho de Administração da empresa, dos seus investimentos; um prejuízo ao
definia prioridades com base em critérios políti- consumo, através de um aumento arti-
cos e não em laudos técnicos, e anunciara prema- ficial de preços com graves reflexos na
Arquivo ANP
Juscelino, tentando contemporizar, demitiu os Roberto Campos encontra-se com o presidente americano John Kennedy, na Casa Branca, em outubro de 1961.
Taxado de “entreguista”, Campos ganhou o apelido pejorativo de “Bobby Fields”
dois presidentes. O CNP passou a ser presidi-
do pelo tenente-brigadeiro Henrique Fleiuss,
enquanto o coronel Idálio Sardenberg assumia atualizações do acordo caracterizaram um novo presidência do BNDE, em julho de 1959. A conjun-
a presidência da Petrobras. Mas estas mudan- compromisso internacional e que, portanto, de- tura marcada pelo abandono da política de esta-
ças não foram suficientes para arrefecer a crise penderiam da aprovação prévia do Congresso bilização monetária do governo levou também à
provocada pelo Acordo de Roboré. No Congres- Nacional. No entanto, o início da campanha para saída de Lucas Lopes do Ministério da Fazenda e
so Nacional, por iniciativa do deputado Gabriel as eleições presidenciais deixaria em compasso ao rompimento do Brasil com o Fundo Monetário
Passos e com o apoio da Frente Parlamentar Na- de espera as discussões em torno do Acordo de Internacional (FMI), medida amplamente festeja-
cionalista,242 foi criada, em outubro de 1959, uma Roboré, criticado tanto pelo marechal Henrique da pelos setores nacionalistas.
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para Lott – candidato da coligação PTB/PSD – quanto
apurar a extensão dos compromissos firmados por Jânio Quadros, candidato da UDN. A partir da criação do Ministério das Minas e Ener-
em La Paz. Ao longo dos trabalhos, Gabriel Pas- gia (MME),243 o CNP deixou de ser diretamente su-
sos solicitou que o CNP fornecesse informações A campanha da União Nacional dos Estudantes bordinado à Presidência da República, passando,
sobre as empresas brasileiras indicadas para (UNE) contra Roberto Campos, acusando-o de juntamente com a Petrobras, à esfera da nova pas-
participar da exploração do petróleo boliviano. defender interesses de companhias petrolíferas ta. Até então, os assuntos de minas e energia eram
A CPI concluiu os trabalhos afirmando que as americanas, acabou provocando sua demissão da da competência do Ministério da Agricultura.
241. NUNES, Janary. Defesa dos programas da Petrobras. Rio de Janeiro: Borsoi, 1959.
242. FRENTE PARLAMENTAR NACIONALISTA (FPN). In: ABREU, Alzira Alves de. et al. (Coord.). Dicionário histórico e biográfico brasileiro. Rio
de Janeiro: FGV, CPDOC, 2001. v. 2, p. 2397-2403.
243. BRASIL. Lei nº 3.782, de 22 de agosto de 1960. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 22 de jul 1960.
148 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 13
A CONSOLIDAÇÃO
DO MONOPÓLIO
ESTATAL
Fortalecimento da Petrobras
A situação de desencontro entre CNP e Petro- para a Petrobras. Algumas providências do CNP
Em 1961, o CNP
bras, enfrentada por Kubitschek inclusive com ainda nos primeiros meses do ano contribuíram
demissões, chegou a dar sinais de agravamento para diminuir o problema de caixa da Petrobras autorizou
durante o breve governo de Jânio Quadros, em- e fortalecer a empresa. Diante de significativas o ingresso
possado como Presidente da República em 31 de alterações no sistema cambial, que estavam sen-
da Petrobras
janeiro de 1961. Depois de ter prometido a Jo- do promovidas com vistas à unificação da taxa
saphat Marinho a presidência da Petrobras, ele de câmbio, o CNP promoveu o levantamento dos no mercado
recuou e entregou o cargo a Geonísio Barroso. estoques de petróleo e seus derivados, existentes distribuidor
Marinho acabou sendo chamado por Jânio para no mercado nacional; efetuou também a revisão
de derivados
assumir a presidência do CNP, com a missão de dos preços dos derivados para ajustá-los à nova
“desenvolver uma política em favor do monopó- realidade cambial e fiscal; e atuou na fiscalização do petróleo.
lio”.244 De modo geral, durante a gestão de Josa- dos recolhimentos, ao Banco do Brasil, das dife-
phat foram sendo construídas bases efetivas de renças de preços dos derivados, que, por meio delas ao royalty pela exploração dos poços si-
cooperação entre o CNP e a Petrobras. O Con- de um plano de contas, fazia a movimentação de tuados na plataforma submarina. Na ocasião, o
selho, ao responder afirmativamente às medidas transferência dos recursos para a Petrobras. estado da Bahia seria o único beneficiado, pois
solicitadas pela empresa estatal, comprometia- era o único estado produtor de petróleo. Ainda
-se com o crescimento da Petrobras. Josaphat Marinho conseguiu ainda que o pre- nesse período, o Plenário do CNP autorizou, em
sidente Jânio Quadros aprovasse o reajuste, de 18 de junho de 1961, o ingresso da Petrobras no
A falta de coordenação no setor do petróleo re- 5% para 8%, da indenização devida às regiões mercado distribuidor de derivados do petróleo
fletia-se em uma política de preços absoluta- produtoras de petróleo, de xisto betuminoso e mediante a construção de uma rede de postos
mente inadequada, gerando problemas de caixa de gás, assim como o reconhecimento do direito de vendas e serviços.
244. VIEIRA, Carlos Meirelles. Carlos Meirelles Vieira: depoimento [2005]. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC, 2005. (Projeto Agência Nacional do Petróleo).
Capítulo 13 - A consolidação do monopólio estatal 149
Em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros re- manifestações em todo o País. A solução para Para o Ministério das Minas e Energia, Tancredo Ne-
nunciou à Presidência da República, assu- a crise veio com a aprovação, pelo Congres- ves nomeou um dos mais destacados políticos da
mindo interinamente o cargo Ranieri Mazzili, so, de emenda constitucional instaurando o corrente nacionalista, o deputado mineiro Gabriel
presidente da Câmara dos Deputados. João regime parlamentarista. Goulart tomou posse Passos, que solicitou a Josaphat Marinho sua perma-
Goulart, vice-presidente, encontrava-se na como presidente no dia 7 de setembro e, no nência na presidência do CNP. No entanto, Josaphat
China em missão diplomática e os ministros dia seguinte, Tancredo Neves foi eleito primei- havia pedido demissão logo após a renúncia da Jâ-
militares eram contra a sua posse, o que gerou ro-ministro, pela Câmara dos Deputados. nio, e não tinha interesse em permanecer no cargo.
150 Petróleo e Estado
Mesmo assim, permaneceu no Conselho até 18 de Assim, por meio de um simples telex, o ministro
FGV/CPDOC - Arquivo Gabriel Passos
dezembro, não sem antes haver apresentado ao Gabriel Passos quebrou o encaminhamento pro-
novo ministro um relatório, datado de setembro tocolar, determinando que Meireles Vieira per-
de 1961, no qual assinalava as medidas que havia manecesse no cargo. Alguns meses depois, em
tomado à frente do CNP. junho de 1962, Gabriel Passos viria a falecer. Seu
filho e chefe de gabinete, Celso Passos, assumi-
Carlos César Meireles Vieira, chefe de gabinete ria interinamente a pasta das Minas e Energia.
na gestão de Josaphat Marinho, assumiu a pre-
sidência do CNP em caráter interino e só poderia
ocupar o cargo durante 30 dias, de acordo com
No governo
o regimento. Quando esse prazo estava prestes a
expirar, ele procurou expor a situação ao ministro de João Goulart,
Gabriel Passos. O diálogo entre ambos é reprodu- o CNP reforçou
zido abaixo:
sua política
“Olha, (...) há uma série de providências a nacionalista,
serem tomadas no Conselho. (...) o pro- fortalecendo
fessor Josaphat deixou um alicerce admi-
Gabriel Passos foi deputado federal e ministro das Minas e Energia
no governo de João Goulart a Petrobras
rável, para que a gente possa incrementar
(...) uma política nacionalista, resguardar e o monopólio.
a Petrobras [e] fortalecer o monopólio.
Arquivo ANP
245. Ibid.
Capítulo 13 - A consolidação do monopólio estatal 151
Mercedes-Benz
Em janeiro de 1961, ao apagar das luzes da ges-
tão de Henrique Fleiuss, o CNP havia emitido uma
norma que disciplinava as atividades de distribui-
ção e comércio do GLP, a granel ou envasilhado,
incluindo a compra e venda do produto, seu ar-
mazenamento, engarrafamento, manuseio, trans-
porte e entrega, além da manutenção do equi-
pamento empregado.246 Essas atividades seriam
exercidas por empresas distribuidoras, segundo
regras determinadas pelo próprio CNP. Segundo
depoimento de Meireles Vieira, “essa portaria do
gás fora feita sem os estudos necessários das áre-
as técnicas e (...) o Plenário não chegou a aprovar
a resolução. Isso demandou uma série de dificul-
dades, de entrechoques, na própria Petrobras,
com as empresas de gás”.247
um forte movimento para que seus navios nal dos derivados de petróleo, o CNP criou a
passassem a ser abastecidos pela Petrobras. O Comissão de Coordenação do Abastecimento
ministro, almirante Pedro Paulo de Araújo Su- dos Derivados de Petróleo (Cadepe), a quem
zano, perguntava por que os navios de guerra caberia disciplinar as atividades produtoras,
brasileiros, em sua grande maioria atracados importadoras, industriais, comerciais e de
no Rio de Janeiro, no cais do Arsenal, estavam transporte. Em dezembro de 1962, a Cadepe
sendo abastecidos pela Esso, Shell, Atlantic e apresentou o Plano Nacional de Abastecimen-
Texaco, se a Petrobras produzia óleo combus- to dos Derivados de Petróleo, a ser executado
tível em quantidades suficientes. A proposta a partir do ano seguinte, de modo a norma-
do ministro recebeu apoio imediato dos sin- lizar o processo de distribuição de derivados
dicados, mas foi alvo de uma forte campanha em todo o País.
contrária nas páginas dos principais jornais.
Agência O Globo
to de 6 de janeiro de 1963, Jango recuperou a
plenitude de seus poderes como Presidente da
República, e a partir de então tentou pôr em
prática o Plano Trienal, elaborado pelo ministro
extraordinário do Planejamento, Celso Furtado.
Este plano tinha como principais objetivos: man-
ter uma elevada taxa de crescimento do Produto
Interno Bruto, combater progressivamente a in-
flação, reduzir o custo social do desenvolvimen-
to e melhorar sua distribuição, para diminuir as
desigualdades regionais. No entanto, a política
de combate à inflação adotada pelo governo se-
ria de curta duração devido às crescentes pres-
sões dos setores industriais e dos trabalhadores.
Os partidos políticos de direita e de esquerda e
O presidente Jânio Quadros condecora o guerrilheiro comunista Ernesto “Che” Guevara, em março de 1961,
a própria sociedade entraram em um processo
desagradando os setores mais conservadores da sociedade brasileira
progressivo de radicalização. Tornavam-se cada
vez mais intensas as campanhas contra o capital
Mais de 150 mil pessoas se reuniram em frente à Central do Brasil, no Rio de Janeiro, para ouvir o presidente João Goulart, em 13 de março de 1964
Capítulo 13 - A consolidação do monopólio estatal 157
Ainda em 1963, uma comissão especial analisou Todas as áreas da indústria do petróleo estavam
252. Ibid.
158 Petróleo e Estado
Capítulo 14 - O “milagre brasileiro” e os choques do petróleo 159
1964-1997
CNP e DNC: do regime
militar à Nova República
160 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 14
O “MILAGRE BRASILEIRO”
E OS CHOQUES DO PETRÓLEO
Da recessão ao crescimento
Os militares que assumiram o poder em abril de eficácia do mercado como elemento ordenador da
Arquivo ANP
1964 não haviam definido, por ocasião do golpe, os economia. Estabelecia-se dessa forma uma nova
detalhes de um novo modelo de desenvolvimento estratégia nas relações Estado-empresariado, que
para o País. O foco naquele momento era a crise procurava facilitar a organização e a gestão da vida
política, embora os problemas econômicos, sociais econômica com base na hegemonia de poucas e
e políticos estivessem combinados, influencian- grandes empresas em cada setor.
do-se reciprocamente e gerando uma situação de
crise. O processo de substituição de importações, De 1964 a 1967, a crise foi enfrentada praticando-se
de vital importância para o desenvolvimento eco- uma recessão calculada, considerada necessária ao
nômico brasileiro do pós-guerra, dava claros sinais estabelecimento de um novo ciclo econômico. O
de esgotamento. Entre 1957 e 1961, a média anual de final da década de 1960 e os primeiros anos da dé-
crescimento da economia havia sido de aproxima- cada seguinte, mais precisamente entre os anos de
damente 6,9 %, porém, nos anos de 1962 a 1964, ela 1968 e 1974, registraram taxas recordes de cresci-
caiu para menos da metade: 3,4%. Foi nesse quadro mento econômico. Esse período ficou conhecido
recessivo da economia nacional, agravado pela crise como o “milagre” brasileiro. Em 1973, o crescimen-
política e por uma crescente mobilização social, que to da economia chegou aos 11,4%, algo inédito na
ocorreu a deposição do presidente João Goulart. história do País. Os principais responsáveis por esse
boom foram a neutralização da taxa de inflação, o
O acentuado fortalecimento do Executivo garantiu estímulo às exportações (sobretudo de manufatu-
O general Araken de Oliveira foi presidente do CNP
ao governo militar condições para a formulação e a rados), o incremento das poupanças privadas, os
e posteriormente da Petrobras execução de uma política econômica, sem espaço vultosos investimentos públicos em obras de in-
para contestações, calcada em duas linhas-mes- fraestrutura e a importação de capitais. Com efeito,
tras: criar condições para financiar os investimentos as empresas multinacionais desempenharam um
necessários à retomada do crescimento; e fornecer papel central na expansão da economia brasileira
as bases institucionais adequadas à instauração da durante esses anos.253
A Refinaria União (atual Refinaria de Capuava) atraiu outras indústrias para a região de Mauá (SP), formando um dos maiores polos petroquímicos do País
254. BRASIL. Decreto nº 56.570, de 9 de julho de 1964. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, de 9 de
jul. 1965. apud BARRETO, C. E. P., 2001, p.60-61.
255. PETROBRAS. In: ABREU, Alzira Alves de. et al. (Coord.). Dicionário histórico e biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC, 2001.
v. 4, p. 4596-4607.
256. BRASIL. Decreto-Lei nº 61, de 21 de novembro de 1966. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, de 22 nov. 1966.
257. PETROBRAS, 2001. v. 4, p. 4596-4607.
Capítulo 14 - O “milagre brasileiro” e os choques do petróleo 163
258. PROGRAMA DE AÇÃO ECONÔMICA DO GOVERNO (PAEG). In: ABREU, Alzira Alves de. et al. (Coord.). Dicionário histórico e biográfico
brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC, 2001. v. 4, p. 4.797-4.799
259. CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Portaria nº 144, de 13 de outubro de 1964.
260. CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Resolução nº 5, de 06 de maio de 1965.
164 Petróleo e Estado
As diretrizes previstas na resolução do CNP fo- Art. 6º. Compete ao Conselho Nacional de de fabricar e comercializar, transportar e distri-
ram transformadas em um decreto, 261 em julho Petróleo superintender o abastecimento buir produtos básicos para a indústria petroquí-
de 1965, que dava mais força à regulamenta- nacional de matérias-primas e produtos mica. Surgiu assim, sob a forma de sociedade de
ção e previa claramente a participação conjun- básicos (...), para as indústrias petroquí- ações de economia mista, a Petrobras Química
ta da iniciativa privada – nacional e estrangeira micas podendo fixar, para tanto, preços S/A – Petroquisa, tendo mais de 99% do seu capi-
– e do Estado, para as atividades do setor pe- para as matérias-primas em condições tal integralizados pela Petrobras, e o restante por
troquímico. Essa questão havia sido objeto de competitivas com o mercado internacio- subscrições particulares ou públicas.265
discussão no governo, nos meses anteriores, nal, estabelecendo normas de controle e
em torno de um documento elaborado pelo fiscalização da produção e do consumo e Com os incentivos dados aos investimentos pri-
Geiquim, no qual se admitia o monopólio esta- podendo autorizar importações e expor- vados, o projeto da Petroquímica União foi apro-
tal da petroquímica. Essa orientação esbarrou tações das referidas matérias-primas. vado em janeiro de 1967, mas esbarrou na falta de
na oposição do ministro das Minas e Energia, recursos, solucionada através da associação com
Mauro Thibau, e de seus colegas da Fazenda, Art. 7º. Os produtos e subprodutos do a Petroquisa, em julho de 1968. Estava aberto o
Octavio Gouvêa de Bulhões, e do Planejamen- petróleo, sujeitos ao monopólio da União, caminho para a implantação do primeiro polo pe-
to, Roberto Campos, que consideravam que, resultantes das operações industriais pe- troquímico brasileiro.266
naquele momento, “o mais importante (...) troquímicas, serão devolvidos à refinaria
era favorecer a iniciativa privada para melhor de origem da matéria-prima pelo preço O setor petroquímico se expandiu principalmen-
atrair o capital estrangeiro”. O impasse chegou desta por unidade de peso, admitindo-se te a partir de 1971, com o início das operações
ao fim com o parecer da comissão formada no um acréscimo de, no máximo, 20% (vinte de três unidades industriais: produção de fenol
âmbito do CNP, “que recomendava a livre par- por cento), para os produtos que a crité- e acetona pela Rhodia (SP); produção de me-
ticipação tanto da iniciativa privada quanto do rio do Conselho Nacional de Petróleo jus- tanol pela Prosint (GB); e produção de amônia
Estado na implantação e no desenvolvimento tifiquem melhoria de preço.264 pelo Conjunto Petroquímico da Bahia (Copeb),
da indústria petroquímica”. 262 pertencente à Petroquisa. A Petroquisa assumiu
Ao CNP caberia autorizar a instalação, a expan- o controle acionário da Coperbo, fábrica de bor-
Mas havia ainda uma indefinição quanto aos são e a operação de empresas que se propuses- racha sintética de Pernambuco, e iniciou estudos
produtos combustíveis que fossem produ- sem a obter ou industrializar produtos básicos, para a implantação de uma central petroquímica
zidos concomitantemente à fabricação de bem como de empresas que utilizassem aque- na Bahia. Continuaram a ser implementadas a
petroquímicos básicos. 263 Finalmente, em las matérias-primas para obtenção de produtos Petroquímica União, a Cia. Brasileira de Estireno,
dezembro de 1967, esses e outros detalhes não básicos. a Copamo, a Brasivil, a Eletrocloro, a Eletroteno
foram regulamentados por decreto, estabele- e a Poliolefinas no estado de São Paulo. Já na
cendo as condições para expansão do parque Por esse mesmo decreto, a Petrobras foi autori- Bahia, estavam sendo construídas a Copeb, a Fi-
petroquímico no País: zada a constituir uma subsidiária, com a função siba, a Paskin e a Ciquine.267
Memória Petrobras
A região de Irati (PR) concentra grande formação de xisto betuminoso, o que levou a Petrobras a construir uma unidade de processamento no município vizinho de São Mateus do Sul
Memória Petrobras
Construção do Edifício Sede (Edise), da Petrobras, no centro do Rio de Janeiro, em outubro de 1969
168 Petróleo e Estado
272. GONÇALVES, Nilson. Alguns dos aspectos mais importantes da administração Oziel Almeida Costa. Atualidades do CNP, Brasília, DF, v. 16, n.
92, p. 4-11, mar./abr. 1985.
170 Petróleo e Estado
Capítulo 14 - O “milagre brasileiro” e os choques do petróleo 171
No final de 1973, a economia mundial foi forte- estabeleceu quotas de produção e quadruplicou mento de 10% nos preços dos derivados de petró-
mente abalada pelo chamado “primeiro choque os preços, provocando um déficit de quase US$ leo.273 A partir de então, a conjuntura econômica
do petróleo”. A crise foi provocada pelo embargo 40 bilhões, em 1974, nos balanços de pagamentos extremamente difícil tornaria evidentes os pontos
no fornecimento de petróleo, decidido pelas na- dos países em desenvolvimento. frágeis do “milagre brasileiro”, como a excessiva
ções árabes, membros da Organização dos Países dependência do sistema financeiro mundial e do
Exportadores de Petróleo (Opep), em represália No início da crise, o CNP chegou a divulgar, em comércio internacional. O Brasil importava cerca
ao apoio dado por países ocidentais à ocupa- nota oficial, que não haveria elevação do preço da de 80% do petróleo necessário ao consumo in-
ção de territórios palestinos por Israel, durante gasolina. No entanto, duas semanas mais tarde, terno e os aumentos de preço provocaram forte
a Guerra do Yom Kipur. Com o embargo, a Opep em 21 de novembro, o órgão estabeleceu um au- impacto sobre nossas contas externas.274
Em 15 de março de 1974, foi empossado na Pre- US$32, atingindo níveis recordes e agravando Inaugurado sob o signo do segundo choque
sidência da República o general Ernesto Geisel, a recessão econômica mundial no início da dé- de petróleo, o governo do general João Bati-
ex-conselheiro do CNP e ex-presidente da Pe- cada de 1980. Em decorrência dessa crise, o sta Figueiredo concentrou esforços, em seus
trobras. Seu ministério foi integrado por uma governo brasileiro anunciou o congelamento primeiros meses, no combate irrestrito à espiral
mistura de técnicos e políticos, alguns oriundos das importações de petróleo. Quase no final inflacionária e à recessão econômica. Em julho
dos governos anteriores. Para a pasta das Minas do ano, o preço da gasolina subiu 58% e, em de 1979, o novo presidente anunciou o congela-
e Energia foi nomeado Shigeaki Ueki. outubro de 1980, tinha aumentado 100%. O mento das importações de petróleo e a criação
Brasil passou a ser o segundo país com a ga- do Conselho Nacional de Energia, encarregado
As metas da política econômica do governo solina mais cara do mundo. 275 de elaborar programas de pesquisa e investi-
Geisel foram sistematizadas no II Plano Na- mento em fontes energéticas alternativas.
cional de Desenvolvimento (II PND), que pro-
curou adequar o funcionamento da economia
O choque do
brasileira ao impacto da crise do petróleo. Re-
cusando-se a imprimir uma orientação reces- petróleo tornou
siva à economia, o II PND jogou suas fichas no evidentes os
desenvolvimento das indústrias básicas, das
pontos frágeis
comunicações, das ferrovias da navegação
e dos portos. Tinha como matriz principal a do “milagre
procura pela independência energética, pro- brasileiro”.
movendo construções de usinas hidrelétricas,
o desenvolvimento de um programa nuclear e
projetos paralelos como o Programa do Álcool
(Pró-Álcool). Em março de 1979, o governo Geisel chegava
ao fim. Ao longo do quinquênio, o PIB brasileiro
O segundo choque do petróleo, ocorrido em tinha crescido mais de 40%, cinco milhões de
julho de 1979, complicou ainda mais a situação novos empregos tinham sido criados e o valor
do País, que ainda não se tinha recuperado do das exportações era 50% maior, porém a taxa
choque de 1973. Dessa vez, a crise foi provo- de inflação anual situava-se em torno de 40%.
cada pela revolução iraniana, que derrubou o Porém, para conter a inflação nesse patamar, o
xá Reza Pahlevi e instalou uma república is- Governo Federal lançou mão de uma série de
lâmica. Segundo maior exportador da Opep, artifícios, como a venda de produtos das em-
atrás apenas da Arábia Saudita, o Irã ficou presas estatais por preços abaixo do custo, o
praticamente fora do mercado, o que afetou que tornava essas empresas cada vez mais de-
gravemente a produção de petróleo. O preço ficitárias, participando de uma dívida externa
do barril de petróleo duplicou de US$16 para que chegava a US$ 43 bilhões.276
275. O AUMENTO gigante. Veja, São Paulo, p. 164, 28 nov. 1979. Economia e Negócios; OUTRO aperto no cinto, Veja, São Paulo, p. 120, 08 out.
1980. Economia e Negócios.
276. PETROBRAS 50 anos: uma construção da inteligência brasileira. Rio de Janeiro: Petrobras, 2003, p. 165.
174 Petróleo e Estado
Persistência recompensada
Teve início em 1971, na gestão do general Er- A intenção de abandonar os trabalhos de per- impressionou. Quando cheguei aqui,
nesto Geisel como presidente da Petrobras, a furação na bacia de Campos chegou ao conhe- (...) o homem que controlava os po-
perfuração do primeiro poço na Bacia de Cam- cimento do chefe da Divisão de Exploração da ços pioneiros em perfuração pôs em
pos, com base em levantamentos geológicos, Petrobras, Carlos Walter Marinho Campos. Ele cima da minha mesa um telex, dizen-
sísmicos e gravimétricos que vinham sen- estivera em viagem de observação no Oriente do: “Abandonar o poço Rio de Janei-
do feitos desde 1968. Dois anos depois, sete Médio, onde verificou que poços de até 5 mil ro nº 7.” E eu achei que não, que se
poços – em profundidades de lâmina d’água metros de profundidade, em zonas calcárias, devia furar mais duzentos metros.
pouco superiores a 60 metros – não tiveram estavam produzindo grandes volumes de pe- Furaram-se mais duzentos metros e
sucesso: foram considerados secos. tróleo. Para se alcançar o calcário da Forma- houve uma indicação magnífica de
ção Macaé, faltavam 200 metros. A decisão petróleo no topo do calcário Macaé,
da Petrobras foi continuar a perfuração até a que é um calcário produtor de petró-
profundidade prevista, como ele mesmo conta leo na bacia do Rio de Janeiro. Nos
Para se alcançar
em depoimento ao CPDOC/FGV: testes com esse poço não se conse-
o calcário da guiu produzir petróleo: era micropo-
Formação Macaé, O general Geisel achou que eu, como rosidade, não era, discute-se e tal,
chefe da ExpIoração, devia conhecer não se conseguiu. Mas houve o pri-
faltavam 200
as outras partes do mundo, conver- meiro show de petróleo realmente
metros. A decisão sar com outras pessoas, e me man- bom na bacia de Campos. Em vista
foi continuar dou fazer uma viagem com o diretor disso, a sonda, que já estava abando-
da Braspetro José Inácio Fonseca. nando o poço para mudar de bacia,
a perfuração.
(...) Eu fiquei impressionado, no Ira- porque já era o sétimo poço, foi para
que, com a produção de óleo de cal- a locação Rio de Janeiro nº 9, que foi
Outros poços começaram a ser perfurados em cário em profundidades da ordem o poço descobridor.278
1973, pois havia possibilidade de se encontrar de quatro, cinco mil metros, quando
petróleo nas rochas calcárias da Formação Ma- geralmente o arenito, que é o nos- Aquela zona calcária saturada de óleo a 3.500
caé, a 3.500 metros de profundidade, mas a per- so produtor tradicional, abaixo de metros de profundidade, no poço 1-RJS-9, em-
furação era difícil e avançava muito lentamente. 2.500, três mil metros, já vai ficando bora não tivesse vazão comercial, justificava
Parte da equipe da plataforma Petrobras II (na- com uma porosidade e permeabili- o prosseguimento das perfurações. O ano de
vio-sonda construído no Japão, em 1971) queria dade reduzidas. Praticamente não 1974 já chegava ao fim quando, em novembro,
interromper as operações, que já se estendiam se conhecia produção de petróleo o poço chegou a 3.750 metros e encontrou o
por vários meses naquela área, sem resultado.277 nessas profundidades e aquilo me campo de petróleo de Garoupa: uma coluna de
277. MORAIS, José Mauro de. Petróleo em águas profundas: uma história tecnológica da Petrobras na exploração e produção offshore. Brasília,
DF: IPEA: Petrobras, 2013. p. 114.
278. CAMPOS, Carlos Walter Marinho. Carlos Walter Marinho Campos: depoimento [1988]. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC; Petrobras, SERCOM, 1988. p 146.
Capítulo 14 - O “milagre brasileiro” e os choques do petróleo 175
Memória Petrobras
petróleo de mais de 100 metros de espessu-
ra, com reservas estimadas em torno de 100
milhões de barris.
CAPÍTULO 15
RESPOSTAS
PARA A CRISE
Os novos desafios do CNP
anteriores. Porém, diante dos impactos da tras duas metas, o CNP foi um dos principais
Arquivo ANP
279. TUDO em segredo [petróleo]. Veja, São Paulo, 23 jun. 1976. p. 86-88.
Capítulo 15 - Respostas para a crise 177
O presidente da Petrobras, Shigeaki Ueki, abastece automóvel Fiat 147 com álcool em 1979
Capítulo 15 - Respostas para a crise 179
Agência Petrobras
redução do consumo de derivados de petróleo
foi a utilização de álcool anidro, em larga escala,
como combustível dos veículos automotivos. Em
novembro de 1975, nascia o Programa Nacional
do Álcool (Proálcool),280 que concedia incentivos
à produção de álcool nas unidades açucareiras e
destilarias independentes, e financiava o desen-
volvimento de motores apropriados pela indús-
tria automobilística e a instalação de uma exten-
sa rede de distribuição do novo combustível.
Em novembro
de 1975, nascia
o Programa
Nacional do Álcool
(Proálcool).
280. BRASIL. Decreto nº 76.593, de 14 de novembro de 1975. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, de 14 nov. 1965.
281. O PETRÓLEO da cana. Veja, São Paulo, p. 92-101, 13 jun. 1979.
282. Sobre o uso obrigatório do álcool, ver também capítulos 3 (tópico “A atuação das empresas estrangeiras”) e 7 (“Independência energética
entra na pauta das discussões nacionais”).
180 Petróleo e Estado
Agência Petrobras
283. GONÇALVES, Nilson. Alguns dos aspectos mais importantes da administração Oziel Almeida Costa. Atualidades do CNP, Brasília, DF, v. 16, n.
92, p. 4-11, mar./abr. 1985.
284. NAS MALHAS da racionalização. Veja, São Paulo, p .76-78, 26 jan. 1977.
Capítulo 15 - Respostas para a crise 181
Manchete do extinto Jornal da Tarde sobre a segunda crise do petróleo, em 04 de agosto de 1979
182 Petróleo e Estado
Agência Petrobras
À medida que a crise de desabastecimento foi afastada, os incentivos econômicos dados ao álcool deixaram de fazer sentido
alguns militares reformados. Eles fiscalizavam passava para a órbita do Conselho toda a fis- al, foi construído um edifício-anexo, inaugura-
tudo: distribuidoras de combustíveis líquidos, calização da atividade alcooleira: assegurar o do em 1984, com uma área de 8.400 m². Em
refinarias, postos de gasolina e revendedores escoamento de todo álcool anidro produzido 1985, o Conselho Nacional do Petróleo conta-
de gás de cozinha etc. No início dos anos 1980, nas destilarias; fixar e efetivar o suprimento das va com cerca de 600 funcionários lotados em
foi firmado um convênio com o Instituto Nacio- quotas de álcool para a indústria química; fixar Brasília e mais 195 distribuídos nos escritórios
nal de Pesos e Medidas, que passou a participar preços do produto; fixar percentual de álcool de representação. 286
das operações inclusive fornecendo os recursos anidro a ser utilizado na mistura carburante;
de transporte (até então, tanto o fiscal quanto entre outras responsabilidades. Sua estrutura
o motorista eram dos quadros do CNP). Mais básica também foi ampliada e assim se mante-
tarde, foi firmado também um convênio com ve até 1990. Todos os diretores eram militares,
O CNP precisou
o Instituto Nacional de Metrologia, Normaliza- coronéis e generais, sobretudo do Exército. estruturar
ção e Qualidade Industrial (Inmetro), que durou sua fiscalização
menos de um ano, devido à diferença de proce- Em 1978, o CNP inaugurou seu novo edifício-
dimentos entre os dois órgãos. -sede, com uma área de mais de 13 mil m², e
para dar conta
o Centro de Pesquisas e Análises Tecnológicas da intensificação
Com o Proálcool, a abrangência das atividades – Cepat, com mais de 2.800 m². Devido ao au- de suas atividades
do CNP ampliou-se ainda mais. De acordo com mento do número de funcionários e à neces-
o novo regimento interno aprovado em feverei- sidade de mais espaço, principalmente para a
nos últimos anos
ro de 1977 pelo ministro de Minas e Energia,285 Diretoria de Fiscalização e a Divisão de Pesso- do governo militar.
285. CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Portaria nº 235, de 17 de fevereiro de 1977. Brasília, DF, [1977].
286. GONÇALVES, N.,1985, p. 8
184 Petróleo e Estado
Capítulo 15 - Respostas para a crise 185
Arquivo ANP
Fachada do novo edifício sede do CNP, em Brasília, em 1978
186 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 16
DESESTATIZAÇÕES
NA NOVA REPÚBLICA
A campanha das diretas e o governo Sarney
Os problemas econômicos, políticos e sociais acu- a presença do Estado deveria ser reduzida, por II - concorrer para diminuição do déficit
mulados em duas décadas de regime militar, além meio de políticas de desregulamentação em público;
do anseio pela democracia plena, desembocaram diversos setores, privatização de empresas es-
na campanha das Diretas-Já, que mobilizou ex- tatais e concessões de atividades econômicas III - propiciar a conversão de parte da
pressiva parcela da população brasileira. Embora e serviços públicos, com vistas à contenção do dívida externa do setor público federal
a emenda constitucional das eleições diretas para déficit público, além do incremento dos inves- em investimentos de risco, resguardado
a Presidência da República não tenha obtido vo- timentos, da eficiência e da competitividade. o interesse nacional;
tos suficientes no Congresso Nacional, os militares
não continuariam no poder: em janeiro de 1985, o O I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova (...)
Colégio Eleitoral elegeu para a chefia do governo República, baixado ainda em 1985, já deixava
um líder da oposição moderada, Tancredo Neves, clara essa orientação. O Estado passaria a atuar VII - proceder à execução indireta de
que adoeceu antes de tomar posse, vindo depois como prestador de serviços públicos essenciais, serviços públicos por meio de conces-
a falecer, e foi substituído pelo vice-presidente só desempenhando atividades produtivas naque- são ou permissão;
eleito José Sarney. las áreas consideradas estratégicas para o desen-
volvimento nacional de longo prazo, e de forma VIII - promover a privatização de
As tentativas de combate à inflação durante complementar à iniciativa privada. Essa perspec- atividades econômicas exploradas,
o governo Sarney (1985-1990), em sucessivos tiva também estava presente no Programa Fe- com exclusividade, por empresas
planos de estabilização econômica, refletiram- deral de Desestatização, instituído em março de estatais, ressalvados os monopólios
-se no desempenho das empresas estatais e 1988, que tinha por objetivos: constitucionais. 287
colocaram em xeque o papel do Estado bra-
sileiro como agente primordial do desenvolvi- I - transferir para a iniciativa privada Ao longo do governo Sarney, foram privatiza-
mento. Gradativamente se impôs no governo e atividades econômicas exploradas pelo das 17 empresas públicas produtoras de bens
em alguns setores da sociedade a visão de que setor público; industriais.
287. BRASIL. Decreto nº 95.886, de 29 de Março de 1988. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 30 mar.
1988. Seção 1, p. 5837.
Capítulo 16 - Desestatizações na Nova República 187
ganizado por Tancredo Neves, incluiu políticos frente do CNP durante todo o governo Sarney.
que haviam apoiado o regime militar. Era este o Logo no início de sua gestão, ele determinou
caso de Aureliano Chaves, Vice-Presidente da a volta ao funcionamento normal dos postos
República durante o governo do general João de serviços. O racionamento de gasolina havia
Batista Figueiredo, que foi nomeado para a pas- terminado e não havia mais necessidade de se
ta das Minas e Energia no primeiro governo civil restringir o horário de funcionamento, mas os
em 20 anos. Em junho de 1985, a presidência donos de muitos postos continuavam fechando
do CNP, órgão que fazia parte da estrutura do os estabelecimentos aos sábados e domingos,
MME, foi confiada ao general Roberto França porque era mais econômico mantê-los fecha-
Domingues, indicado pelo próprio Aureliano. dos. Foi necessário que o CNP atuasse com ri-
gor para conseguir que os postos voltassem a
A nomeação de um general para o primeiro atender todos os dias.
mandato do CNP na Nova República mantinha
uma longa tradição: em toda a existência do Desde 1986, o CNP passou a integrar a Comis-
Conselho, de 1938 a 1990, apenas um presiden- são Nacional de Energia, órgão de natureza
te não era militar. Na própria Petrobras, a tutela transitória, com a finalidade de “assessorar o
França Domingues
militar esteve presente em diversos períodos. Presidente da República na formulação e exe-
De 1969 a 1973, por exemplo, a empresa intensi- cução de uma Política Nacional de Energia,
ficou a exploração no mar e ampliou sua atua- bem como no estabelecimento de diretrizes
ção por meio de novas subsidiárias, sob a presi- com vistas à obtenção da autossuficiência
dência do gen. Ernesto Geisel, que logo depois nacional em matéria de energia”. 289 As subco-
assumiria a Presidência da República. missões temáticas, que estudavam os diversos
segmentos energéticos, como energia nucle-
Além da tradição e das preocupações de se- ar, carvão, petróleo e álcool, traziam aporte
gurança nacional, a presença militar no setor de conhecimento à Comissão. Além do CNP,
do petróleo tinha outro motivo: tratava-se de tinham assento nessa Comissão o Departa-
cargos mal remunerados, que não despertavam mento Nacional de Águas e Energia Elétrica
ambições de profissionais de outras áreas. Cabe (DNAEE), o Departamento Nacional de Pro-
salientar que a presença de militares não se res- dução Mineral (DNPM), Petrobras, Eletrobrás,
tringia à presidência do Conselho: na última di- Siderbrás, Ministério da Fazenda, Ministério do
retoria do CNP, quatro dos cinco diretores eram Planejamento, Ministério da Indústria e Comér-
coronéis, assim como o chefe de gabinete e o cio e segmentos da área privada. Foi extinta ao
chefe da Divisão de Administração.288 final do governo Sarney. 290
288. CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Conselho Nacional do Petróleo: 50 anos de história. Brasília, 1988.
289. BRASIL. Decreto nº 92.404, de 19 de fevereiro de 1986. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 20
fev. 1986. Seção 1, p. 2701.
290. SILVA, Carlos Orlando. Carlos Orlando Silva: depoimento [2005]. Rio de Janeiro; FGV, CPDOC, 2005. (Projeto Agência Nacional do Petróleo).
Capítulo 16 - Desestatizações na Nova República 189
Na distribuição,
o mercado
era atendido
pela estatal BR,
além de quatro
multinacionais
e oito nacionais
privadas.
Desde sua criação, a determinação dos preços e a nafta. Além disso, “um terço do preço final mensais de todos os combustíveis. Todos esses
dos derivados do petróleo era uma responsabi- da gasolina correspondia a impostos, contribui- reajustes de preços, que hoje são determinados
lidade do CNP. Já no governo Sarney, o controle ções fiscais e parafiscais, como o imposto único pela Presidência da República, eram naquela épo-
dos preços tinha um papel importantíssimo na sobre combustíveis, o empréstimo compulsório ca decididos pelo CNP.
política de combate à inflação, e os recursos e o PIS/PASEP”.291
provenientes da venda desses produtos repre- A contenção dos valores de venda dos deriva-
sentavam a maior fonte de receitas da Petro- As relações entre o CNP e a Petrobras eram pau- dos de petróleo foi iniciada antes mesmo do
bras. O agravamento da crise econômica no tadas pelo papel que cada uma dessas organiza- Plano Cruzado. Em 1985, os preços permanece-
início de 1987 afetou profundamente o sistema ções desempenhava na execução da política na- ram inalterados durante quase cinco meses, ten-
de preços da Petrobras, que era calcado na ga- cional do petróleo. Segundo a avaliação de França do como cenário uma inflação de 234% ao ano.
solina, cuja venda gerava excedentes que eram Domingues, as relações eram muito boas, mesmo Em seguida, os preços de venda do etanol e dos deri-
transferidos para outros produtos, principal- nos momentos difíceis em que a inflação chegava vados de petróleo foram reajustados em níveis mui-
mente o GLP, o diesel, o querosene combustível a 80% ao mês, o que obrigava a fazer reajustes to abaixo da inflação: 147% e 132%, respectivamente.
291. PETROBRAS 50 anos: uma construção da inteligência brasileira. Rio de Janeiro: Petrobras, 2003. 256 p.
192 Petróleo e Estado
A conta petróleo entrou em grande déficit, já que com os recursos da conta petróleo.
Cláudia Martins/Banco de Imagens Petrobras
292. BRASIL. Lei nº 4.452, de 5 de novembro de 1964. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 9 nov. 1964.
Seção 1, p. 10065.
293. MOURA, 2003, p. 192.
Capítulo 16 - Desestatizações na Nova República 193
Memória Petrobras
O monopólio do petróleo voltou a ser discutido durante a Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, e foi reafirmado por esmagadora maioria na Constituição de 1988
central da empresa, no centro do Rio de Janeiro, varejo de combustíveis líquidos e gasosos, o qual à aprovação de postos de gasolina, pagamento de
e conseguiram reunir uma ampla base de apoio não incidia apenas sobre as operações com o óleo ressarcimento e estudos de preços. As decisões
entre os parlamentares. A Constituição de 1988 diesel, de competência municipal.294 relativas a preços passaram a ser tomadas pelos
acabou não só reafirmando o monopólio como ministérios da Fazenda ou do Planejamento, por
também proibindo a assinatura de novos contra- As medidas tomadas nesse período em relação causa das implicações na taxa de inflação.295
tos de risco por esmagadora maioria: 441 votos a ao setor de petróleo provocaram uma perda fi-
favor, sete contra e seis abstenções. nanceira e decisória para o CNP, que passou a de- No início da gestão de França Domingues, o CNP
pender exclusivamente de recursos do Orçamen- contava com mais de mil funcionários, grande
Além disso, na reforma tributária da Constituição to da União. Ao mesmo tempo, o CNP ficou sem parte em Brasília. O corpo técnico mais capacita-
de 1988 foi abolido o imposto único sobre os com- ter como cumprir suas obrigações, devido à im- do era constituído por cerca de 800 com nível de
bustíveis e lubrificantes, que passaram a ser tribu- possibilidade de realização de concursos públicos Função de Assessoramento Superior (FAS). No
tados pelo Imposto sobre Circulação de Mercado- e à perda de técnicos, ocasionada pela mudança início do governo de Fernando Collor de Mello, a
rias e Serviços – ICMS, de competência estadual. para Brasília. Tudo isso provocou um esvaziamen- FAS foi extinta e o órgão passou a contar apenas
Foi também instituído o imposto sobre vendas a to do órgão, tendo suas atividades se restringido com servidores públicos de carreira.296
294. BARBOSA, Fernando de Holanda. Aspectos econômicos das empresas estatais no Brasil: telecomunicações, eletricidade e petróleo. Rio de
Janeiro: FGV: EPGE, 1991.
295. VIEIRA, 2005.
296. SILVA, 2005.
194 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 17
O DEPARTAMENTO
NACIONAL DE
COMBUSTÍVEIS
Início da desregulamentação do setor de petróleo
Em seu discurso de posse, no dia 15 de março Era esse o espírito das medidas então adotadas
Collor reduziu
de 1990, o presidente Fernando Collor de Mello por Fernando Collor, como a extinção de 24 ór-
prometeu combater a inflação – que havia su- gãos e empresas públicas, inclusive o Conselho a presença do
perado o índice de 80% ao mês e atingido, em Nacional do Petróleo (CNP), com a demissão Estado na
cinco anos, uma taxa superior a 1.000.000% – e dos funcionários que não estivessem protegi-
economia
modernizar o País. No dia seguinte, anunciou o dos pelas regras da estabilidade; a redução da
Plano de Estabilização Econômica, cujos objeti- presença do Estado na economia, por meio da e extinguiu
vos estratégicos estavam sintonizados com as privatização de empresas estatais; e a abertura 24 órgãos e
recomendações do Consenso de Washington, econômica para o exterior, com a redução pro-
empresas públicas,
denominação dada às conclusões do seminário gressiva das alíquotas de importação.
que, em novembro de 1989, reuniu técnicos do inclusive o CNP.
FMI, do Banco Mundial, do BID e do governo A criação da pasta da Infraestrutura foi uma das
dos Estados Unidos, além de economistas de principais novidades da reforma ministerial em-
países latino-americanos, para avaliar as reformas preendida no início do governo Collor. O novo e
econômicas em curso no continente. As medidas imenso ministério – que incorporou as pastas das
recomendadas pelo Consenso de Washington, Minas e Energia, Transportes e Comunicações,
como requisitos para o estabelecimento de laços extintas na mesma ocasião – foi confiado ao te
de cooperação financeira, giravam em torno nente-coronel da Aeronáutica, já na reserva, Osíris
de três eixos principais: a retirada do Estado Silva. Em seu discurso de posse, afinado com o do
das atividades econômicas; a liberalização dos Presidente da República na mesma solenidade,
mercados nacionais à importação de bens e anunciou a privatização da maioria das empresas
serviços e à entrada de capitais de risco; e a ob- estatais (entre elas diversas subsidiárias da Petro-
tenção da estabilidade monetária, por meio do bras), exceto as que precisavam de autorização
combate intransigente à inflação. do Congresso, e a revisão do Proálcool.
Capítulo 17 - O Departamento Nacional de Combustíveis 195
299. BRASIL. Decreto nº 99.179, de 15 de março de 1990. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 14 mar.
1990. Seção 1, p. 5363.
300. VIEIRA, Maria Auxiliadora Jacobina. O processo de desequalização dos preços dos combustíveis automotivos no Brasil. Brasília, DF, 1992. p. 8.
301. VIEIRA, 2005.
302. VEIRA, 1992.
198 Petróleo e Estado
Arquivo Shell
Caminhão-tanque abastece posto revendedor de combustíveis
Também no caso do GLP, o processo de desregula- O GLP era o único derivado de petróleo que a Petro- Um problema sério, que repercutia diretamente nos
mentação gerou bastante discussão com distribui- bras não distribuía. Esse mercado apresentava par- consumidores, dizia respeito exatamente aos boti-
dores e revendedores. Por meio de portaria do Minis- ticularidades com as quais o DNC teve dificuldades jões. Se o consumidor comprasse gás engarrafado
tério da Infraestrutura,303 ficou estabelecido que os em lidar, como a existência de um grande número por uma empresa e, depois, trocasse o botijão vazio
litígios entre produtores, distribuidoras, revendedo- de distribuidoras privadas, sendo que apenas quat- por um cheio de outra distribuidora, de quem seria
res e consumidores “seriam resolvidos entre as par- ro delas dominavam quase totalmente as vendas: a a responsabilidade por sua manutenção? Sem uma
tes, intervindo o DNC, exclusivamente, em caso de Nortegás, a Ultragaz, a Supergasbras e a Liquigás definição a respeito disso, os botijões iam-se deteri-
risco para o abastecimento nacional”. Por outro lado, (então controlada pela Agip Petroli, multinacional orando, tendo problemas de segurança, vazamento
outro artigo da mesma portaria determinava que “o italiana pertencente ao conglomerado estatal Ente de válvula, ferrugem, amassados, furos etc. O DNC
DNC poderia fixar o preço do GLP no nível dos pro- Nazionale Idrocarburi – ENI). Essas distribuidoras criou então um grupo de trabalho para tratar da
dutores, nas bases das distribuidoras e nos postos re- abasteciam-se do produto nas refinarias da Petro- requalificação dos botijões, mas naquele momento
vendedores”, podendo ainda “fixar a taxa de entrega bras ou nos terminais marítimos e o transportavam era difícil chegar a um consenso com as grandes,
domiciliar sempre que achasse necessário”. para suas bases de engarrafamento de botijões. médias e pequenas distribuidoras.
303. BRASIL. Ministério de Infra-Estrutura. Portaria nº 843 de 31 de outubro de 1990. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder
Executivo, Brasília, DF, 1 nov. 1990. Seção 1.
Capítulo 17 - O Departamento Nacional de Combustíveis 199
A continuidade da desregulamentação
Em crescente desgaste desde meados de 1991 janeiro de 1993. O novo diretor considerava que o Vale-Gás, utilizando para isso uma parte dos
e sem ter conseguido conter a inflação, o go- mercado de distribuição de combustíveis deveria recursos que eram gastos no subsídio do frete.
verno de Fernando Collor foi alvo de denún- contar com a participação de novos agentes, para Assim, o número de famílias beneficiadas pelo
cias que levaram à formação de uma Comissão diminuir a preponderância das multinacionais. Fo- programa subiu de 4,7 milhões para 6 milhões.
Parlamentar de Inquérito. A CPI recomendou ram então abrandadas as exigências de natureza
seu afastamento, em 1992, e ele renunciou à técnica para abertura de companhias distribui- Durante a gestão de Motoki no DNC, entre os
Presidência da República, sendo substituído doras e o número de empresas passou de cerca preparativos para a liberação de preços no se-
pelo vice-presidente Itamar Franco. Durante o de dez para cerca de 400. A competição acirrada tor, foi constituído um grupo de auditoria, por
governo de Itamar, foi executado um programa desse novo cenário, no entanto, não representou ordem do Presidente da República, para um
de privatizações que atingiu a Companhia Si- ganhos para o consumidor em termos de preço levantamento minucioso das práticas da Pe-
derúrgica Nacional (CSN), a Aço Minas Gerais e qualidade.304 Em novembro de 1993, Guimarães trobras nos cálculos de preço, conta petróleo
(Açominas) e a Companhia Siderúrgica Paulis- deixou a direção do DNC, sendo substituído inte- etc. Paulo Motoki tinha como parceiro o secre-
ta (Cosipa). Duas empresas ligadas ao sistema rinamente por José César da Fonseca até abril de tário-geral de Preços do Ministério da Fazenda,
Petrobras, a Petroquímica União e a Ultrafértil, 1994, quando o economista Paulo Toshio Motoki Milton Dallari, e os dois buscaram diminuir gra-
foram vendidas. foi nomeado para o cargo. dualmente o subsídio ao frete, aplicando nisso
uma parte do aumento do preço final da gaso-
Ainda na gestão do diretor interino, foi anuncia- lina.306 Outra medida importante, em 1995, foi a
do o fim do subsídio dos fretes do GLP, medida liberação do preço da nafta petroquímica, aos
Duas empresas
que resultaria em preços diferenciados para o níveis do mercado internacional.
ligadas ao produto conforme a região do País. Até então,
sistema Petrobras para equalizar os preços, o Governo Federal Paulo Motoki deixou a direção do DNC em
subsidiava integralmente o frete do gás, o que agosto de 1995, durante a gestão do ministro de
foram vendidas
onerava os cofres públicos em mais de US$ 11 Minas e Energia Raimundo Brito, já no governo
no governo Itamar: milhões mensais.305 O fim do subsídio visava Fernando Henrique Cardoso.
a Petroquímica evitar fraudes na distribuição de GLP: segundo
o então ministro interino de Minas e Energia,
União e a
José Israel Vargas, a emissão de notas falsas
Ultrafértil. de frete causava prejuízos de US$ 35 milhões a
US$ 40 milhões por ano. Esse tipo de subsídio
para o GLP foi mantido apenas nas regiões mais
Auxiliadora Vieira deixou a direção do DNC em distantes, onde o valor do frete fosse superior
dezembro de 1992, já no governo Itamar Franco, e a 20% do preço do botijão de gás no posto de
o ministro de Minas e Energia, Paulino Cícero, no- revenda. Nas demais regiões, o governo decidiu
meou Marcello Guimarães Mello para o cargo, em ampliar o universo de aplicação do chamado
O Real (R$) começou a circular em 1º de julho de 1994, marcando o início de um novo ciclo na economia do País
Como ministro da Fazenda do governo de Ita- Vitorioso nas eleições de 1994, Fernando Henri- faziam parte desse conjunto de medidas, visando
mar Franco, Fernando Henrique Cardoso pôs que assumiu a Presidência da República com o a uma alteração estrutural do Estado brasileiro.
em execução o Programa de Estabilização Eco- compromisso de dar prosseguimento ao progra-
nômica, preparando a economia para a entra- ma de estabilização da moeda e, simultaneamen- A consolidação do regime da livre concorrência no
da em circulação de uma nova moeda, o real, te, promover o crescimento econômico. Além dis- setor do petróleo foi um dos traços marcantes da
precedida pela adoção da Unidade Real de Va- so, enviou para aprovação do Congresso Nacional gestão do novo diretor do DNC, Ricardo Pinto Pi-
lor (URV). Essa etapa de mudança do padrão uma série de medidas que implicavam mudanças nheiro, nomeado em setembro de 1995 pelo minis-
monetário nacional exigiu especial atenção do na Constituição de 1988, inclusive o fim do mo- tro de Minas e Energia, Raimundo Brito. Em março
DNC, encarregado de converter em URV todos nopólio da Petrobras.307 A reforma administrativa, de 1996 ocorreu a liberação do preço do querosene
os componentes dos preços de combustíveis, a desregulamentação de mercados e a flexibiliza- de aviação em 85% do mercado e a sua vinculação
inclusive os custos e as margens da Petrobras, ção do monopólio estatal também nas áreas de aos preços praticados no mercado internacional.
dos distribuidores e dos revendedores. siderurgia, energia elétrica e telecomunicações No mês seguinte, foram liberados os preços da
gasolina e do álcool hidratado, a partir da refina- tos de fornecimento. As distribuidoras tornaram- As unidades de refino – onze da Petrobras e duas
ria, em 92% do mercado. Em agosto, teve lugar a -se responsáveis pela mistura do álcool anidro à particulares – encontravam-se interligadas por
eliminação do controle, pelo Governo Federal, das gasolina em todo o Brasil, utilizando os dutos, ter- dutovias aos terminais marítimos, dos quais rece-
margens de distribuição, revenda e fretes de GLP, minais e navios da Petrobras. biam o petróleo a ser processado. Em 1995, a ca-
e três meses depois foram iniciados os processos pacidade total de refino era de aproximadamente
de destroca e de requalificação de botijões, com 1.560.000 barris por dia.
vistas à liberação do preço do produto.
O DNC tinha sob sua supervisão um amplo siste-
Além disso, tiveram prosseguimento várias medi-
O fim do monopólio ma de distribuição, constituído por nove terminais
das iniciadas anteriormente, como a redução do da Petrobras foi marítimos e 13 refinarias. Os terminais, todos de
subsídio ao álcool combustível; a vinculação do uma das medidas propriedade da Petrobras e distribuídos ao longo
preço do asfalto no mercado brasileiro aos preços do litoral brasileiro, desempenhavam importan-
do mercado internacional; e a flexibilização da lo-
do governo te função no abastecimento, já que 40% do pe-
gística de suprimento de álcool anidro, tornando de Fernando tróleo consumido no País provinham do exterior
possível a compra direta do produto pelas distri- Henrique Cardoso. por via marítima (dados de 1995). Os terminais
buidoras junto aos produtores. eram também responsáveis pela movimentação
dos derivados produzidos nas refinarias, tanto os
Outras importantes iniciativas no campo da des- que atendiam à navegação de cabotagem quanto
regulamentação do álcool anidro foram tomadas Em janeiro de 1997, os postos foram liberados aqueles direcionados para exportação.
em 1997 pelo DNC, juntamente com a Secretaria para comercializar combustível de qualquer dis-
de Acompanhamento Econômico (Seae), do Mi- tribuidora. Essa medida do DNC visava aumentar Para fazer frente a essas atribuições, o DNC con-
nistério da Fazenda, o Ministério da Indústria, Ci- a concorrência, mas não foi bem recebida pelas tava com apenas 232 funcionários em 1997, sen-
ência e Tecnologia e a Petrobras. Assim, o regime grandes distribuidoras, que apontavam o risco de do 99 de nível superior e 133 de nível médio. Um
de preços liberados para os produtores do álco- ter seus produtos misturados a outros de qualida- número muito baixo em relação à equipe do CNP
ol anidro, misturado à gasolina na proporção de de não assegurada.308 nos anos 1980, que chegou a comportar cerca de
22%, entrou em vigor no dia 1º de maio, após nove 1.000 pessoas. Em 14 de janeiro de 1998, o Depar-
meses de discussão envolvendo, além dos órgãos Nessa ocasião, a revenda de derivados de petróleo tamento Nacional de Combustíveis foi extinto e
governamentais, representantes de produtores era feita por aproximadamente 64 mil empresas foi criada a Agência Nacional do Petróleo – ANP.
de cana, fabricantes de álcool e distribuidoras de (micro e pequenas empresas, em sua grande maio-
combustíveis. Até então, a Petrobras fazia a in- ria), vinculadas a uma distribuidora específica. O
termediação, adquirindo de usinas e destilarias o DNC acompanhava as atividades desenvolvidas em
álcool anidro e revendendo o produto às distribui- um grande número de bases de distribuição, princi-
doras de combustíveis. Com a liberação, o preço pais e secundárias, localizadas em todo o território
deixou de ser fixado pelo governo, sendo nego- brasileiro. Em 1995, 70 distribuidoras de combustí-
ciado entre as partes envolvidas. Por conseguinte, veis líquidos e 18 de GLP possuíam e operavam cer-
as vendas passaram a ser feitas diretamente pelos ca de 200 instalações destinadas ao recebimento,
produtores às distribuidoras por meio de contra- armazenamento e movimentação desses produtos.
308. ROCHA, Juliana Alves da. Padrões de concorrência e estratégias empresariais no setor de distribuição de derivados de petróleo no Brasil.
Rio de Janeiro, 2002.
202 Petróleo e Estado
Capítulo 18 - O papel do Estado na regulação do mercado 203
1998-2013
ANP, da criação
aos dias de hoje
204 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 18
O PAPEL DO ESTADO
NA REGULAÇÃO DO
MERCADO
A flexibilização do monopólio estatal
A criação das agências reguladoras no Bra- do crédito estatal –, deficiência das condições A reforma proposta pela equipe de governo311 foi
sil, no final da década de 1990, foi uma con- de intervenção e obsolescência da burocracia subdividida em quatro grandes eixos: a reforma
sequência direta da crise do Estado, iniciada vigente até então. 309 administrativa, a reforma fiscal, a reforma previ-
vinte anos antes, e do processo de globaliza- denciária e as privatizações. A flexibilização da
ção da economia, que passou a exigir maior A redefinição do papel do Estado na economia execução do monopólio estatal do petróleo e
competitividade das nações. A intensificação brasileira foi uma marca do governo do Presiden- criação da Agência Nacional do Petróleo inserem-
do comércio exterior, dos financiamentos in- te Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Se- -se neste novo contexto histórico.
ternacionais e dos investimentos diretos das gundo Luiz Carlos Bresser Pereira, então à frente
empresas multinacionais, acarretando a reor- do Ministério da Administração Federal e Reforma A indústria do petróleo, entre outros setores, era
ganização da produção mundial em uma esca- do Estado (MARE), o objetivo era tornar o Estado afetada pelo esgotamento da capacidade do in-
la jamais imaginada, contribuiu para o desgas- mais eficiente. Bresser foi o principal articulador vestimento em setores de infraestrutura e em ser-
te do modelo de Estado intervencionista, que de um modelo “social-liberal”, que pudesse com- viços públicos até então operados de modo ex-
busca promover o desenvolvimento econômi- plementar e corrigir efetivamente as falhas de clusivo ou parcial pelo Estado. Havia necessidade
co pela produção de bens e serviços públicos. mercado. Social, explicava ele, porque continua- de recursos em montante superior à capacidade
No Brasil, a máquina pública havia crescido ria a proteger os direitos sociais e a promover o de financiamento exclusivo da Petrobras e, para
em demasia para cumprir suas funções e os desenvolvimento econômico; liberal, porque uti- viabilizar esses investimentos, seria preciso atrair
reflexos mais evidentes do esgotamento desse lizaria mais os controles de mercado e menos os capitais privados. Estes eram os principais argu-
modelo foram a crise fiscal – gerando perda controles administrativos governamentais.310 mentos para a mudança na Constituição.
309. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A Reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Ministério da Administração Federal
e Reforma do Estado, 1997.
310. Id., 1997.
311. BRASIL. Decreto 1.738, de 8 dezembro de 1995.Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 11 dez. 1995.
Capítulo 18 - O papel do Estado na regulação do mercado 205
Arquivo ANP
Solenidade de implantação da ANP em 1997. Da esquerda para a direita, o primeiro diretor-geral da Agência, David Zylberstajn, o presidente da Petrobras, Joel Rennó, e o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso
206 Petróleo e Estado
Em 1995 e 1996,
o monopólio estatal
do petróleo voltou a
ser intensamente
debatido no
Congresso Nacional.
312. BRASIL. Exposição de Motivos nº 39, de 16 de fevereiro de 1995. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_
mostrarintegra;jsessionid=0FA55C0AB587C7EEFE9ACAC24AFFFAB5.proposicoesWeb2?codteor=1242703&filename=Dossie+-PEC+6/1995>
313. NUNES, Edson. O Quarto Poder: gênese, contexto, perspectivas e controle das agências regulatórias. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE
AGÊNCIAS REGULADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS, 2., 2001, Brasília, DF. [Trabalhos apresentados]... Brasília, DF, Instituto Hélio Beltrão, 2001
Capítulo 18 - O papel do Estado na regulação do mercado 207
314. BRASIL. Congresso. Senado. Proposta de Emenda à Constituição PEC 6/95, de 16 de fevereiro de 1995. Diário Oficial [da República
Federativa do Brasil], Brasília, DF, 16 ago. 1995. Seção 1 - 16/8/1995, p. 12353; BRASIL. CONGRESSO. SENADO. Emenda Constitucional n° 9,
de 9 de novembro de 1995. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 10 nov. 1995.
315. BRASIL. Congresso. Projeto de Lei nº 2.142/1996. Dispõe sobre as atividades econômicas relativas ao monopólio do petróleo, institui a agência
nacional do petróleo e dá outras providências. Diário da Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 19 jul. 1996. Ano LI, n. 131, 19 jul. 1996. p. 20559
316. BRASIL. Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 14 jan. 2005.
317. BRASIL. Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 7 ago. 1997. Capítulo III - Da
titularidade e do monopólio do petróleo e do gás natural, Artigo 3º.
318. BRASIL. Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. Artigo 4º.
208 Petróleo e Estado
Agência Petrobras
Arquivo ANP
desde sua criação, um amplo escopo de atividades nais, nível hierárquico mínimo, autonomia ge-
regulatórias ao longo de toda a cadeia da indústria rencial dos administradores e atuação orientada
do petróleo e do gás natural, passando a abranger, para a obtenção de resultados. A ANP surge as-
mais adiante, também os biocombustíveis.319 Os sim como uma autarquia federal dotada de uma
debates sobre a estruturação da Agência se deram direção colegiada, observando princípios como a
em torno de alguns temas básicos e fundamentais “satisfação da demanda atual da sociedade, sem
para o seu funcionamento: a necessidade de au- comprometer o atendimento da demanda das
tonomia, suas atribuições e as características dos futuras gerações”; o uso da comunicação para
mandatos dos seus dirigentes. Era imprescindível estabelecer um relacionamento adequado com
que ela fosse constituída com independência deci- agentes econômicos, órgãos do governo e socie-
sória e o máximo possível de autonomia, dentro da dade; a “regulação pautada na livre concorrência,
estrutura do Estado brasileiro, para não ficar sujeita na objetividade, na praticidade, na transparência,
a pressões nem do centro do poder político nem do na ausência de duplicidade, na consistência e no
centro do poder econômico. Não se tratava apenas atendimento das necessidades dos consumido-
de um novo órgão. A continuidade da experiência res e usuários”; a modicidade dos preços sem
acumulada nas atividades do CNP (Conselho Na- prejuízo da oferta e da qualidade; a “fiscalização
cional do Petróleo), de 1938 a 1990, e do DNC (De- exercida no sentido da educação e orientação dos
partamento Nacional de Combustíveis), de 1990 a agentes econômicos, bem como na prevenção e David Zylberstajn, diretor-geral da ANP, de 1997 a 2002
1997, a partir deste momento seria aplicada a um repressão de condutas violadoras da legislação”
modelo de gestão completamente distinto. A cria- e dos contratos firmados; a criação de ambiente
ção da ANP, juntamente com as demais agências propício a investimentos no setor.321
reguladoras, representava uma nova concepção do
papel do Estado, gerando profundas mudanças no Essas diretrizes serviram de base para a publica-
ambiente institucional brasileiro. ção do Decreto no 2.455/1998, que regulamentou
o funcionamento da ANP, aprovando sua estru-
Estruturar-se para o desempenho de sua missão tura regimental. O decreto criou seis superinten-
era o primeiro desafio do nascente órgão. Pou- dências destinadas à área de exploração e pro-
cos dias após a aprovação da Lei do Petróleo, em dução, três para organizar o segmento de refino,
agosto de 1997, o Ministério de Minas e Energia processamento, transporte e armazenamento,
e o DNC promoveram seminário para debater as três para a área de abastecimento, e quatro para
linhas gerais da estruturação e funcionamento atividades gerenciais da Agência, totalizando 16
da ANP.320 O encontro definiu conceitos básicos unidades organizacionais.322
319. A ANP recebeu novas atribuições legais em 2004, 2005, 2009, 2010 e 2011.
320. PINHEIRO, R. P., 1997.
321. BRASIL. Decreto nº 2.455, de 14 de janeiro de 1998. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 15 jan. 1998. Seção 1, p. 1 .
322. BRASIL. Decreto nº 2.455, de 14 de janeiro de 1997. Seção IX, Artigo 12.
210 Petróleo e Estado
Era um conceito novo para o País, segundo David Qual é a virtude de uma agência regu-
Arquivo ANP
Zylbersztajn, que havia participado do proces- ladora? Tem que ser, mais do que tudo,
so de discussão que resultou na Lei do Petróleo, neutra. Tem que aplicar a lei, a legisla-
desde os seus primeiros momentos, e viria a ser o ção, a técnica. Não deve ser uma entida-
primeiro diretor-geral da ANP. Em seu depoimen- de política. É claro que não existe nada
to ao CPDOC, Zylbersztajn reconstitui um pouco fora da política, mas, teoricamente, não
este processo: deve ser política. Então, a maneira de se
ter uma agência com essa característica
[...] A questão era saber os níveis de é proteger o regulador. Como é que se
controle do Estado sobre os novos protege o regulador? Dando a ele um
agentes. Quando eu digo “novos agen- mandato que é aprovado pelo Senado
tes” é para fazer um contraponto ao Es- Federal e que o faz livre de injunções
tado que era tudo, que planejava, indu- políticas do governo do momento.324
zia, executava, fiscalizava, operava... [...]
Agora, com a definição de uma políti-
ca de incorporação do capital privado,
você tinha de necessariamente criar um A agência
agente de Estado que pudesse garantir reguladora deve
a qualidade, a disponibilização do ser-
viço, o custo associado a esse serviço,
ter o máximo
Sebastião do Rego Barros, diretor-geral da ANP, de 2002 a 2007
enfim... E é na infraestrutura que os possível de
órgãos reguladores têm uma atuação autonomia, na
mais significativa. [...] A ANP entra na
esteira dessa história aí. O fim do mono-
estrutura do
pólio do petróleo, na realidade, quebrou Estado brasileiro.
o monopólio de execução da Petrobras.
[...] O monopólio ainda é da União.323
323. ZYLBERSZTAJN, D. David Zylbersztajn: depoimento [2005]. Rio de Janeiro: FGV, CPDOC, 2005.
324. BARROS, S. do R. Sebastião do Rego Barros : depoimento [2005]. Rio de Janeiro, FGV, CPDOC, 2005.
Capítulo 18 - O papel do Estado na regulação do mercado 211
Memória Petrobras
Medição do grau de API, no campo de Urucu (AM)
212 Petróleo e Estado
Funcionamento da Agência
Arquivo ANP
330. SALGADO, L. H.; SEROA DA MOTTA, R. (Org.). Marcos regulatórios no Brasil: o que foi feito e o que falta fazer. Rio de Janeiro: Ipea, 2005.
331. BRASIL. Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 23 dez. 2010.
214 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 19
UMA INDÚSTRIA
QUE GERA
DESENVOLVIMENTO
Expansão das atividades de exploração e produção
Exploração e produção constituem a base da in- conhecimento geológico das bacias sedimentares (A arrecadação de royalties e participações espe-
dústria do petróleo. Grandes recursos são investi- – tarefa também a cargo da ANP. ciais compreende o período entre 2000 e maio
dos em desenvolvimento tecnológico, na amplia- de 2014. Parte destes recursos alimenta a forma-
ção do conhecimento geológico e na formação As concessões geram um efeito multiplicador na ção de recursos humanos e o desenvolvimento de
de uma cadeia de bens e serviços que lhe dê su- economia do País: mantêm o fluxo de investimen- pesquisas que permitem novos saltos explorató-
porte. Esta dinâmica pode ser estratégica para o tos, atraem empresas petrolíferas e incentivam a rios para a indústria.
desenvolvimento econômico e social das nações. consolidação de uma indústria nacional de bens
No Brasil, desde 1998, o papel de promover a ex- e serviços para o mercado. Só a demanda por Quando o assunto é a exploração da camada
pansão dessas atividades é da ANP, com a reali- bens e serviços para a indústria, nos próximos dez pré-sal – cujo leilão, que inaugurou o modelo do
zação de Rodadas de Licitações para exploração anos, está estimada em US$ 400 bilhões (cerca contrato de partilha,333 arrecadou R$ 15 bilhões
e produção de petróleo e gás. de R$ 880 bilhões). Não por acaso, a indústria do só em bônus de assinatura –, os horizontes para
petróleo foi a principal responsável pelo renasci- a indústria e para o País tornam-se proporcio-
Em 14 leilões realizados pela Agência, de 1999 a mento da indústria naval brasileira. nalmente gigantescos. Em quinze anos, o Cam-
2013 (Tabela 19.1), 84 empresas, entre elas 41 de po de Libra deverá estar produzindo cerca de
origem nacional, adquiriram o direito de atuar Entre 1999 e 2013, os cofres públicos arrecada- 1,4 milhão de barris por dia, dois terços da pro-
como concessionárias no mercado de exploração ram, com a produção de petróleo e gás natural, dução atual de petróleo no Brasil. Parte signifi-
e produção de petróleo e gás. A exploração dos mais de R$ 250 bilhões em participações go- cativa desses recursos será destinada à saúde,
campos concedidos, que até a 14a Rodada de Lici- vernamentais – bônus de assinatura, royalties e à educação e ao combate à pobreza, conforme
tações totalizava uma área de aproximadamente participações especiais – oriundas dos contra- estabelece o novo marco regulatório, aprovado
350 mil quilômetros quadrados, ajuda a ampliar o tos de concessões resultantes das licitações.332 em 2010 pelo Congresso Nacional.334
332. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Consolidação das participações governamentais e de
terceiros. Rio de Janeiro, [2014?]. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/?id=522>
333. BRASIL. Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010.
334. Leia mais sobre marco regulatório do Pré-Sal no capítulo 20.
Capítulo 19 - Uma indústria que gera desenvolvimento 215
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Agência Petrobras
A diversificação da industria do petróleo no Brasil permite a participação de empresas de diversos portes na exploração e produção em campos terrestres e marítmos
As descobertas dos últimos anos, dentro e fora receber R$ 835 bilhões em investimentos, se- do brasileiro a partir de 1977. Nesse período, a ANP
do polígono do pré-sal, aumentaram as reservas gundo o Plano Decenal de Expansão de Energia criou as normas gerais das licitações e vários meca-
provadas nacionais de petróleo, que saltaram de da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE).336 nismos de estímulos ao desenvolvimento da indús-
7,1 bilhões de barris em fins de 1997 para 15,3 bi- tria, como a cláusula de conteúdo local e as regras
lhões de barris em fins de 2012, enquanto as de As rodadas de licitações realizadas pela ANP pro- de repasses para pesquisas em tecnologia. Investiu
gás natural passaram de 227,7 bilhões de metros moveram significativa expansão das atividades de em estudos geológicos que ampliaram o conheci-
cúbicos para 459 bilhões no mesmo período.335 exploração e produção no Brasil. O ingresso de 83 mento sobre nossas bacias sedimentares e criou e
Nos próximos anos, a produção dos novos cam- empresas de diversos portes neste mercado, além modernizou seu banco de dados. Fez valer o respei-
pos colocará o Brasil entre os maiores produtores da Petrobras, e a ampliação das reservas provadas to ao meio ambiente, cobrou a aplicação das me-
mundiais de petróleo, fortalecendo ainda mais a de petróleo e gás indicam que a Agência atuou de lhores práticas de segurança operacional e garantiu
posição brasileira no cenário energético interna- acordo com suas atribuições337 e em consonância que todos os processos sob a sua responsabilidade
cional. Até 2022, a indústria de óleo e gás deve com as políticas setoriais estabelecidas pelo Esta- ocorrerão sempre com total transparência.
335. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Anuário estatístico brasileiro do petróleo, gás natural
e biocombustíveis: 2013. Rio de Janeiro, c2013.
336. EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (Brasil). Plano decenal de expansão de energia 2022. Disponível em: <http://www.epe.gov.br/
PDEE/20140124_1.pdf>.
337. BRASIL. Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. Artigo 8º, Inciso I -Implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo e
gás, emanada do Conselho Nacional de Política Energética.
216 Petróleo e Estado
1ª Rodada
2005 3.045.804,00 61.820.000,00338 64.865.804,00
Campos Marginais
2ª Rodada
2006 10.677.058,00 24.000.000,00339 34.677.058,00
Campos Marginais
1ª Rodada
2013 15.000.000.000,00 610.903.087,00 15.610.903.087,00
Pré-Sal
Obs.: Valores arrecadados com a assinatura de 62 contratos até junho de 2014. Ver adiante, neste mesmo capítulo, item “Três rodadas com diferentes desfechos”.
338. O investimento nas áreas de acumulação marginal é denominado Plano de Trabalho Inicial, com previsão de dois anos.
339. Idem.
Capítulo 19 - Uma indústria que gera desenvolvimento 217
res e a consolidação do processo de licitação. exploratórias (bacias pouco exploradas), ao divididos em R$ 8,3 bilhões em royalties (taxa en-
O incentivo à indústria nacional de bens e ser- todo 23 blocos localizados em nove bacias fo- tre 5% e 10% sobre a produção de qualquer cam-
viços também já estava presente nas primeiras ram colocados em oferta. Destes, apenas dois po), R$ 1,5 bilhão em bônus de assinatura (oferta
rodadas. Os percentuais de conteúdo local ofe- não receberam ofertas. Poucos anos depois, pela proposta das empresas na licitação); e R$ 5,2
recidos pelas empresas concorrentes represen- na Bacia de Santos, cujos blocos foram arre- bilhões em participações especiais (taxa recebida
tavam um peso de 15% na pontuação final das matados pela Petrobras, seriam descobertas de campos com grande produção e rentabilida-
ofertas para aquisição dos blocos. as imensas jazidas do pré-sal. de). Os investimentos das empresas vencedoras
na fase de exploração dos 88 blocos arrematados
A ANP lançou mão de várias estratégias para A Terceira Rodada trouxe novas alterações para entre 1998 e 2002 somavam R$ 3,2 bilhões.347
atingir estes objetivos iniciais. beneficiar as empresas de menor porte: em fun-
ção de dados sísmicos mais precisos, os blocos
Na Primeira Rodada, exigiu que as empresas e/ oferecidos tinham cerca de um terço do tama-
ou consórcios investissem entre US$ 3 milhões nho das áreas da primeira licitação; além disso,
e US$ 15 milhões no custeio da exploração sís- foi reduzida a necessidade de poços na terceira
mica ou na perfuração de poços, para ampliar o fase exploratória, de três para dois anos, e con- O incentivo à
conhecimento geológico. firmada a opção de devolução dos blocos após
indústria nacional
um ano de exploração, caso as empresas não
Na Segunda Rodada, lançou incentivos à par- considerassem satisfatórias as condições. de bens e serviços
ticipação de pequenas empresas: redução da também já
taxa de inscrição para os blocos localizados A estratégia de atrair empresas de perfis varia-
estava presente
nas bacias maduras (Potiguar, Sergipe-Alago- dos se repetiu na Quarta Rodada,345 com a oferta
as e Recôncavo); exigência de um capital mí- de 54 áreas localizadas em 18 bacias. No entanto, nas primeiras
nimo diferenciado (de US$ 3 milhões a US$ 10 verificou-se uma redução no número de partici- rodadas.
milhões, de acordo com o bloco de interesse); pantes, em comparação com a rodada anterior.
prazo de um ano após a licitação para que as Segundo avaliações da própria ANP, esta redu-
empresas pudessem analisar os dados e deci- ção foi causada pelas fusões e incorporações
dir se realmente iriam explorar as áreas, sem ocorridas no setor empresarial de petróleo e
que tivessem a obrigatoriedade de realizar in- também pelos “comprometimentos elevados
vestimentos no primeiro ano. 344 A grande dife- com atividades exploratórias das companhias
rença em relação à Primeira Rodada foi o perfil internacionais que já atuavam no País”.346
variado do cardápio: em águas rasas, águas
profundas, em terra, em bacias maduras (es- Nas quatro primeiras rodadas, foram arrecadados
tágio avançado de exploração) e em fronteiras R$ 15 bilhões em participações governamentais,
344. PETRO & QUÍMICA. São Paulo: Valete, p. 63, nov. 1999.
345. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Aspectos gerais do contrato de concessão sob o novo modelo. Rio de Janeiro, 2003.
[Disponível em: <http://www.anp.gov.br/brasil-rounds/round5/round5/apresentacoes.asp>.
346. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Relatório anual 2002. Rio de Janeiro, 2002.
347. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Aspectos gerais do contrato de concessão sob o novo
modelo. Rio de Janeiro, 2003.
220 Petróleo e Estado
Arquivo ANP
A 9ª Rodada de Licitações, realizada em 2007, obteve a maior arrecadação até então: R$ 2,1 bilhões em bônus de assinatura.
Diretrizes do CNPE
A partir de 2003, as Rodadas de Licitações da trataram da organização das licitações de pe- exploratória”.349 O documento determinou que
ANP passariam a cumprir uma série de diretri- tróleo e gás. a ANP elaborasse os processos licitatórios e os
zes definidas pelo Conselho Nacional de Polí- contratos de concessões com base em seis dire-
tica Energética (CNPE), órgão que desde sua A primeira orientação veio na Resolução no 8, trizes: fixar percentual mínimo de conteúdo local
criação tem a atribuição de definir estratégias e de 2003, que estabeleceu como política nacio- a ser contratado pelas empresas concessionárias
políticas de desenvolvimento econômico e tec- nal “a expansão da produção de petróleo e gás (compra de bens e serviços da indústria nacio-
nológico da indústria do petróleo e gás natu- natural de forma a atingir e manter a autossu- nal); oferecer modelo de delimitação de blocos
ral.348 Entre 2003 e 2013, 19 resoluções do CNPE ficiência do País e a intensificação da atividade que permita ao licitante flexibilidade de esco-
lha; fixar critérios, no processo de julgamento (PEM) como critério de avaliação para as ofertas A partir da
das propostas, que estimulem investimentos em das empresas nas licitações, com peso de 30%
conhecimento geológico das bacias exploradas; na nota final da empresa. O PEM é o conjunto
Quinta Rodada,
incluir áreas em bacias de fronteira tecnológica, de atividades empregadas na primeira fase do a oferta de
na margem continental, de forma a atrair inves- contrato de concessão, o período de exploração. blocos menores
timentos nestas áreas, elevando o conhecimen- Também a partir da Quinta Rodada as empresas
to geológico disponível; incluir áreas produtoras passaram a planejar seus próprios programas –
proporcionou
em bacias maduras – com baixo risco explorató- até então o PEM era pré-definido pela ANP. oportunidades
rio – para incentivar a participação de pequenas a empresas de
e médias empresas no mercado; e, na seleção de A partir de 2004, a ANP intensificou os estu-
áreas para licitação, adotar eventuais exclusões dos para inclusão de áreas que atendessem
diferentes portes.
em função de restrições ambientais, sustentadas às orientações do CNPE. A disponibilidade de
em manifestação conjunta da ANP com órgãos dados geológicos e geofísicos, a avaliação do
ambientais de âmbito federal e estadual. potencial e considerações preliminares sobre
condicionantes ambientais são alguns dos fa-
A resolução também referendou a Quinta Ro- tores considerados na delimitação das áreas a
dada de Licitações, cujas etapas já estavam em serem licitadas.
andamento, por entender que os critérios da
Agência estavam em consonância com as dire- Já para a Sexta Rodada, foram oferecidas áre-
trizes formuladas pelo CNPE. Esta rodada foi a as com elevado potencial para petróleo, bacias
primeira a adotar o novo modelo de definição maduras e de novas fronteiras tecnológicas,
das áreas oferecidas. As bacias sedimentares com o objetivo de estimular a participação de
foram divididas em setores, subdivididos por empresas de todos os perfis e dar continuidade
sua vez em blocos desenhados de acordo com às atividades de exploração e produção nesses
uma grade fixa. Na prática, os blocos ofertados locais.350 A oferta de bacias com essas carac-
a partir da Quinta Rodada ficaram menores, terísticas foi sendo ampliada gradativamente,
proporcionando mais oportunidades às empre- graças ao conhecimento adquirido pelo con-
sas de diferentes portes. Com mais áreas arre- junto da atividade exploratória e pelos estudos
matadas, aumentaram os compromissos explo- contratados pela Agência.
ratórios das empresas, a produção de petróleo
e gás e a arrecadação da União, estados e mu- Na Sétima Rodada, o CNPE incluiu a oferta de
nicípios com participações governamentais, em áreas em bacias de elevado potencial de des-
especial os royalties. cobertas para gás natural e petróleo, com foco
na produção de gás, para “recompor as reser-
Outra novidade implantada a partir de 2003 foi vas nacionais e o atendimento da crescente de-
a inclusão do Programa Exploratório Mínimo manda interna”.351
350. FRANKE, M. Sexta Rodada de Licitações: visão geral do processo. Rio de Janeiro: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis,
2004. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/brasil-rounds/round6/apresentacoes.asp>.
351. FRANKE, M. Sexta Rodada de Licitações: visão geral do processo. Rio de Janeiro: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis,
2004. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/brasil-rounds/round6/apresentacoes.asp>.
222 Petróleo e Estado
Arquivo ANP
“Rodadinhas”
Campos marginais de petróleo e gás natural – que A partir do sucesso da primeira Rodadinha, que Nessas duas primeiras rodadas especiais foram
poderiam representar oportunidades interessan- licitou 17 campos, sob a denominação de “Áre- licitadas áreas nas bacias sedimentares de Bar-
tes a pequenas e médias empresas embora não as inativas contendo acumulações marginais”, a reirinhas (MA), Potiguar (RN), Recôncavo e Tuca-
mais tivessem interesse comercial para as gran- ANP decidiu realizar outras rodadas periódicas no-sul (BA), Sergipe-Alagoas e Espírito Santo. O
des empresas devido à pequena produção – tam- desse tipo, com cronograma próprio e desvincu- total de investimentos então previstos pelas em-
bém foram oferecidos por ocasião da Sétima ladas das Rodadas de Licitações de Áreas com presas superava R$ 85 milhões.
Rodada,352 em processo que ficou conhecido in- Risco Exploratório. Na segunda Rodadinha, em
formalmente como Rodadinha. junho de 2006, foram oferecidas 14 áreas.353
352. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 2, de 8 de dezembro de 2004. Diário Oficial [da República
Federativa do Brasil], Brasília, DF, 23 fev. 2005. Seção 1, p. 3.
353. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 1, de 23 de fevereiro de 2006. Diário Oficial [da República
Federativa do Brasil], Brasília, DF, 6 mar. 2006. Seção 1, p. 3.
Capítulo 19 - Uma indústria que gera desenvolvimento 223
354. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 3, de 18 de maio de 2006. Diário Oficial [da República Federativa
do Brasil], Brasília, DF, 28 jul. 2006. Seção 1, p. 4.
355. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Edital de licitações para a outorga dos contratos de
concessão. Rio de Janeiro, 13 out. 2006. Cláusula 4.8. Disponível em: <http://www.brazilrounds.gov.br/round8/portugues_r8/edital.asp>.
356. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução de Diretoria da ANP nº 1.024, de 22 de
outubro de 2004. Rio de Janeiro, 2004.
357. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 9, de 9 de dezembro de 2009. Diário Oficial [da República
Federativa do Brasil], Brasília, DF, 22 jan. 2010. Seção 1, p. 130.
358. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 2, de 18 de dezembro de 2012. Diário Oficial [da República
Federativa do Brasil], Brasília, DF, 11 jan. 2013. Seção 1, p. 51-52.
359. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 2, de 25 de junho de 2007. Diário Oficial [da República Federativa
do Brasil], Brasília, DF, 18 jul. 2007. Seção 1, p. 93.
360. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 6, de 8 de novembro de 2007. Diário Oficial [da República
Federativa do Brasil], Brasília, DF, 14 nov. 2007. Seção 1, p. 24-25.
361. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 10, de 3 de setembro de 2008. Diário Oficial [da República
Federativa do Brasil], Brasília, DF, 18 set. 2008. Seção 1, p. 102.
224 Petróleo e Estado
Agência Petrobras
Diretrizes ambientais
Para assegurar a proteção do meio ambiente, ambiental. São parâmetros revisados e atualiza- ção de blocos e o licenciamento ambiental das
conforme as determinações do CNPE, as áreas li- dos a cada rodada de licitações, acompanhando áreas a serem exploradas.362
citadas a partir de 2003 passaram a ser definidas as alterações na legislação pertinente, que permi-
somente após análise conjunta da ANP e do Ins- tem ao futuro concessionário incluir corretamente A criação de áreas protegidas, a evolução do conhe-
tituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur- a variável ambiental em seus estudos. cimento sobre os ecossistemas e as tecnologias de
sos Naturais Renováveis (Ibama), com o Instituto exploração e produção, assim como a realidade so-
Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade Em 2008, o Ministério do Meio Ambiente criou, cioeconômica, são fatores dinâmicos que também
(ICMBio) e com órgãos ambientais estaduais. Esse com a participação do Ibama e do ICMbio, um influenciam diretamente o nível de exigência para o
trabalho resultou na elaboração de diretrizes e grupo de trabalho que desenvolveu diretrizes licenciamento ambiental, que é uma obrigação legal
guias contendo os aspectos socioambientais das técnicas mais completas para a análise das após a assinatura do contrato de concessão entre a
áreas e o nível de exigência para o licenciamento questões ambientais relacionadas com a defini- ANP e as empresas vencedoras nas licitações.
362. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria nº 119, de 24 de abril de 2008. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF,
25 abr. 2008. Seção 2, p. 34-35.
Capítulo 19 - Uma indústria que gera desenvolvimento 225
363. BRASIL. Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 7 ago. 1997, Seção 1, p. 16925-16932.
364. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 8, de 21 de julho de 2003. Diário Oficial [da República Federativa
do Brasil], Brasília, DF, 7 ago. 2003. Seção 1, p. 50.
226 Petróleo e Estado
abriram para os
anos seguintes
um novo ciclo
de investimentos.
365. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 3, de 18 de dezembro de 2012. Diário Oficial [da
República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 11 jan. 2013. Seção 1, p. 51-52.
Capítulo 19 - Uma indústria que gera desenvolvimento 227
Novos parâmetros
de segurança
operacional foram
regulamentados
para reservatórios
não convencionais.
368. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 6, de 25 de junho de 2013. Diário Oficial [da República Federativa
do Brasil], Brasília, DF, 7 ago. 2013. Seção 1, p. 1-2.
369. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 21, de 10 de abril de 2014. Diário Oficial [da
República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 11 abr. 2014. Seção 1, p. 91-93.
Capítulo 19 - Uma indústria que gera desenvolvimento 229
Arquivo ANP
Com 4,5 petabytes em informações geofísicas, ge- confidenciais, durante o período de confidenciali-
ológicas e geoquímicas – um volume equivalente dade que for previsto para cada tipo de informa-
a mais de vinte bilhões de fotografias digitais ou ção (entre dois e dez anos), só pode ser feito pela
mais de dois milhões de DVDs – o Banco de Da- própria ANP e pela proprietária dos dados, ou seja,
dos de Exploração e Produção (BDEP) da ANP é a empresa que os forneceu à Agência.370 Depois,
um dos maiores do mundo na área de exploração os dados técnicos tornam-se públicos, ou seja, são
e produção de petróleo e gás natural. Criado em incorporados ao acervo do banco e ficam à dispo-
maio de 2000, o BDEP vem sendo modernizado sição para consulta e aquisição.371 As universidades
desde 2003 para atender à crescente demanda contam com uma política de cessão gratuita de da-
por dados técnicos, gerada pela descoberta das dos para fomentar os estudos de profissionais das
reservas do pré-sal e pela exploração de novas áreas de Agronomia, Computação, Geociências,
fronteiras nas bacias sedimentares terrestres do Engenharia Civil, Engenharia Química, Engenharia
Brasil. A preparação dos pacotes de dados téc- do Petróleo e Engenharia Sanitária.372
nicos para as Rodadas de Licitações promovidas
pela ANP é uma das principais funções do BDEP. Desde 2003, pode ser acessado no sítio eletrônico
O acesso rápido ao seu acervo é essencial para o do BDEP373 um serviço de mapas interativos, que
processo decisório das empresas que participam apresentam dados culturais (coordenadas e resul-
das licitações ou que pesquisam determinadas tados dos poços, entre outros) ou metadados. Pelo
áreas. Os dados técnicos, após análise e processa- BBDEP WebMaps, os interessados podem identifi-
O servidor de armazenamento do BDEP reúne mais de 4,5 petabytes
mento, ajudam a determinar as áreas das bacias car dados disponíveis sobre áreas e regiões diver- em informações geofísicas, geológicas e geoquímicas
sedimentares em que há mais probabilidade de sas e blocos de petróleo e gás em exploração.
ocorrer petróleo e gás natural.
Em 2009, o BDEP realizou seu primeiro plane-
O BDEP armazena dados técnicos obtidos tanto jamento estratégico, compreendendo projetos,
pelas empresas concessionárias, durante a fase de ações e serviços para o período 2009-2014. O bacias sedimentares brasileiras, para fomentar e
exploração das áreas arrematadas nas Rodadas planejamento definiu como missão tornar o ban- subsidiar a indústria de petróleo e gás natural no
de Licitações, como por empresas capacitadas co um “centro de referência internacional em Brasil”. Além disso, a aquisição de dados e a ges-
para a aquisição de dados, mediante autorização inovação tecnológica, pesquisa, recebimento, ar- tão desse acervo garantem ao Brasil o domínio
da ANP. Os dados coletados por essas empresas mazenamento, disponibilização, processamento sobre o conhecimento produzido a respeito do
são vendidos para o mercado. O acesso aos dados e interpretação de dados técnicos adquiridos nas seu potencial em hidrocarbonetos.
370. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 11, de 17 de fevereiro de 2011. Diário Oficial
[da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 18 fev. 2011. Seção 1, p. 103-105.
371. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Portaria ANP nº 114, de 5 de julho de 2000. Diário Oficial
[da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 6 jul. 2000. Seção 1, p. 27-28.
372. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 23, de 14 de julho de 2009. Diário Oficial
[da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 15 jul. 2009. Seção 1, p. 149-150.
373. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Banco de Dados de Exploração e Produção. BDEP. Rio de
Janeiro, 2014. Disponível em: <http://www.bdep.gov.br>.
230 Petróleo e Estado
Conteúdo Local
Como fazer com que dezenas de empresas interna- (Onip), sociedade civil sem fins lucrativos cujo ob- rem de fornecedores brasileiros ou estabelecidos
cionais operando no Brasil, em um setor que exige jetivo era atuar como um fórum de articulação e no Brasil. A cláusula obriga os operadores dos
tecnologia de ponta, contratassem fornecedores cooperação entre companhias operadoras do se- blocos a adquirirem um percentual de bens e ser-
nacionais? O que fazer para evitar o uso quase ex- tor de petróleo e derivados, fornecedores de bens viços de fornecedores brasileiros, desde que estes
clusivo de fornecedores estrangeiros, que limitaria e serviços, órgãos governamentais e agências de ofereçam condições de preço, prazo e qualidade
as possibilidades de crescimento da indústria na- fomento. Fundada em maio de 1999, sua finalidade compatíveis com os de fornecedores estrangeiros.
cional? A reserva de mercado seria uma solução? é “contribuir para o aumento da competitividade e Os percentuais a serem cumpridos, propostos pe-
sustentabilidade da indústria nacional, para a ma- las empresas durante o processo de licitação dos
Para refletir sobre essas questões, a ANP realizou em ximização do conteúdo local e para a geração de blocos de petróleo e gás, são fiscalizados pela ANP
março de 1999 um seminário sobre políticas de incen- emprego e renda no setor de petróleo e gás”.375 ao longo da execução do contrato de concessão.
tivo à indústria nacional fornecedora de máquinas e
equipamentos para o setor de petróleo. A proposta Mecanismos até então inéditos para o estímulo da Até a Quarta Rodada, em 2002, os concorrentes
do seminário era debater políticas voltadas para a ca- indústria nacional foram criados pela ANP, como podiam ofertar livremente valores de bens e ser-
pacitação da indústria nacional, de modo que o País a possibilidade de maior número de pontos aos viços a serem adquiridos de empresas brasileiras
se apropriasse mais efetivamente do incremento das concessionários que, no processo de licitação, se para a realização das atividades de exploração e
atividades do setor. Nos preparativos do evento, po- comprometessem a empregar equipamentos e desenvolvimento da produção. Os percentuais de
rém, a ANP havia encomendado à PUC-Rio um levan- serviços nacionais. Este incentivo garantiria um conteúdo local oferecidos pelas empresas partici-
tamento de várias experiências internacionais e um patamar mínimo de contratação para a indús- pantes representavam um peso de 15% na pontu-
diagnóstico sobre a indústria de base brasileira. tria nacional, próximo de 30%. Com base nessa ação final das ofertas para aquisição dos blocos.
premissa, o conceito de conteúdo local tem sido
Após a apresentação dos resultados da pesquisa, aplicado pela ANP desde a Primeira Rodada de A primeira grande mudança aconteceu em 2003,
o diagnóstico não recomendava qualquer tentati- Licitações. Já em 1999, a chamada cláusula de quando o CNPE determinou que a ANP fixasse
va de reserva de mercado, mas sim a adoção de conteúdo local – com exigência de investimentos um percentual mínimo de conteúdo nacional para
políticas explícitas de incentivo para que a indús- em bens e serviços nacionais – fazia parte dos as propostas a serem apresentadas na Quinta Ro-
tria nacional pudesse produzir com qualidade e contratos de concessão firmados entre a ANP, em dada de Licitações.376 Os percentuais fixados pela
preços compatíveis com os do mercado interna- nome da União, e as companhias ou os consórcios ANP ficaram assim:
cional.374 Segundo o estudo, a indústria nacional vencedores das Rodadas.
blocos terrestres: 70% na fase de exploração e
teria capacidade de atender satisfatoriamente a
70% na etapa de desenvolvimento;
60% da demanda do setor; no segmento da en- O conteúdo local, nos empreendimentos de pe-
genharia, esta capacidade chegava a 100%. tróleo e gás natural, corresponde ao conjunto dos blocos em águas rasas: 50% em exploração e
materiais, equipamentos, sistemas e serviços, pro- 60% em desenvolvimento;
A partir desses debates, a ANP incentivou a criação duzidos em território nacional, que as empresas blocos em águas profundas: 30% em cada
da Organização Nacional da Indústria do Petróleo concessionárias em exploração e produção adqui- uma das fases.
374. ANP e o incentivo à indústria. Petro & Química, São Paulo, v. 21, n. 210, p. 51., mar. 1999.
375. ORGANIZAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO (Brasil). Quem somos. Rio de Janeiro, [entre 1999 e 2015]. Disponível em: <http://
www1.onip.org.br/quem-somos/>.
376. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 8, de 21 de julho de 2003. Diário Oficial [da República Federativa
do Brasil], Brasília, DF, 7 ago. 2003. Seção 1, p. 50.
Capítulo 19 - Uma indústria que gera desenvolvimento 231
Agência Petrobras
Construção da Refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca (PE), 2009
As ofertas de conteúdo local passaram a ter peso diversos agentes atuantes no setor de petróleo 2021 e de 59% para os módulos desta mesma eta-
de 40% na pontuação final das propostas das em- e gás natural do Brasil, diante da exigência de pa que iniciarem até 2022. Não houve definição
presas. As mesmas regras valeram também para conteúdo local mínimo nos contratos de conces- de percentuais máximos.378
a Sexta Rodada, realizada em 2004. Para a Sétima são dos blocos exploratórios. Em 2007, a cartilha
Rodada, em 2005, a ANP introduziu mais inova- foi retirada dos novos contratos de concessão e Um dos efeitos mais visíveis da dinâmica da in-
ções, como a definição de limites máximos para a incorporada a um regulamento da ANP,377 que dústria do petróleo na primeira década do século
oferta de conteúdo local, de modo a inibir a oferta determina sua utilização pelas certificadoras XXI foi o ressurgimento da indústria naval brasi-
de índices muito difíceis de serem cumpridos no credenciadas pela Agência para emitir os certi- leira, que havia sido uma das maiores do mundo
decorrer do contrato. Esta regra foi mantida pelo ficados de conteúdo local. O sistema começou a entre o final da década de 1960 e o início dos anos
CNPE para todas as rodadas seguintes realizadas vigorar em setembro de 2008 e já emitiu, em seis 1980, mas enfrentou forte declínio nas duas déca-
sob o modelo de concessão. anos, cerca de 45 mil certificados, que compro- das seguintes. Uma série de encomendas da Pe-
vam investimentos de aproximadamente R$ 42 trobras a estaleiros locais marcou essa retomada,
A novidade mais importante, porém, foi a Carti- bilhões na indústria nacional. no ano 2000. Com o lançamento do Programa
lha de Conteúdo Local, desenvolvida em 2004 no de Modernização e Expansão da Frota (Promef),
âmbito do Programa de Mobilização da Indústria Para a Rodada do Pré-Sal, realizada sob o modelo da Transpetro, em 2003, as encomendas de pla-
Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), de partilha em 2013, o conteúdo local mínimo exi- taformas, sondas, navios-petroleiros e navios de
criado em 2003 pelo Governo Federal. Sua ela- gido foi de 37% para fase de exploração e de 15% apoio foram ampliadas. O conteúdo local médio
boração atendeu à necessidade de se adotar para o teste de longa duração que será realizado de navios-petroleiros, embarcações de apoio e
uma forma única de medição que assegurasse nesta etapa; de 55% para os módulos da etapa de unidades de produção, depois de montados nos
uniformidade, transparência e credibilidade aos desenvolvimento que iniciarem a produção até estaleiros, fica acima dos 60%.
377. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 36, de 13 de novembro de 2007. Diário
Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 16 nov. 2007. Seção 1, p. 26. Substituída pela Resolução nº 19/2013.
378. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 5, de 25 de junho de 2013. Diário Oficial [da República Federativa
do Brasil], Brasília, DF, 4 jul. 2013. Seção 1, p. 1
232 Petróleo e Estado
Agência Petrobras
Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras (CENPES), na Ilha do Fundão, Cidade Universitária, Rio de Janeiro (RJ), 2010
A regulamentação dessa cláusula, em 2005, TABELA 19.2 – OBRIGAÇÃO DE INVESTIMENTO EM P,D&I GERADA POR ANO – 1999/2013
permitiu às empresas mais flexibilidade para es-
truturar sua carteira de projetos, investindo di- ANO PETROBRAS OUTRAS CONCESSIONÁRIAS TOTAL (R$)
retamente nas instituições de pesquisa e desen-
volvimento.379 Por outro lado, as instituições de 1998 1.884.529 1.884.529
Fonte: ANP
Diante do cenário de expansão da ativida- Já o Programa de Recursos Humanos da ANP lhões provenientes desta cláusula em outros
de exploratória, a ANP decidiu reformular as (PRH-ANP/MCTI) incentiva, desde 1999, a for- projetos de capacitação para profissionais de
regras iniciais da cláusula de P,D&I, para que mação e a capacitação de profissionais para o todos os níveis de escolaridade, como o PFRH
seus resultados sejam ainda mais relevantes. O setor de petróleo, gás natural e biocombustí- (Nível Técnico), PRH-Petrobras, Prominp,
contrato da 11ª Rodada de Licitações, realiza- veis. Este programa aplica recursos oriundos Centro de Instrução Almirante Graça Aranha
da em 2013, estabelece que 10% dos recursos dos royalties para estimular a inclusão de dis- (Ciaga), Centro de Instrução Almirante Braz
arrecadados por essa cláusula tenham como ciplinas específicas nos cursos de graduação, de Aguiar (Ciaba).
destino as empresas fornecedoras da indús- mestrado e doutorado. Mais de R$ 233 mi-
tria do petróleo, com o objetivo de fortalecer a lhões, na forma de 5.038 bolsas de estudo e
política de conteúdo local. O mesmo contrato taxas de bancada em 55 programas de nível
também prevê a criação de um comitê técni- superior, foram destinados a 32 instituições Recursos oriundos
co-científico que deverá estabelecer diretrizes em 16 estados do País, até 2013.
para a aplicação dos recursos de P,D&I, além
dos royalties e da
de preparar e divulgar anualmente uma rela- Recursos oriundos da Cláusula de P,D&I tam- cláusula de P,D&I
ção de áreas prioritárias, projetos de interesse bém passaram a subsidiar o PRH-ANP a par- são aplicados na
e temas relevantes em pesquisa, desenvolvi- tir de 2010. Desde então, a Agência também
mento e inovação para a indústria do setor. autorizou a aplicação de mais de R$ 890 mi-
capacitação de
profissionais
de todos os níveis
FIGURA 19.1 - PREVISÃO DE OBRIGAÇÃO DE INVESTIMENTOS EM P,D&I ACUMULADA de escolaridade.
35
Agência Petrobras
Há riscos operacionais em todas as atividades da
indústria do petróleo, gás natural e biocombustí-
veis; portanto, os padrões e procedimentos a se-
rem seguidos pelas empresas são fundamentais
para garantir a segurança do seu pessoal, do meio
ambiente e das instalações. Uma das atribuições
legais da ANP, desde 1998, é zelar pelo cumprimen-
to das melhores práticas da indústria no campo
da segurança operacional.380 Para isso, a Agência
formula mecanismos de controle das operações
e fiscaliza o cumprimento dessas obrigações nas
instalações marítimas e terrestres.
As duas instituições também realizaram investiga- de perfuração e de produção offshore. Quando montou uma sala de monitoramento do tráfego
ções conjuntas sobre os acidentes envolvendo as identificados desvios dos sistemas de gestão de marítimo que permite a visualização, em tempo
plataformas da Petrobras P-36 e P-34, em 2001 e segurança operacional, petroleiras e empresas real, de todas as plataformas e embarcações que
2002, respectivamente. Os episódios serviram de de perfuração são responsáveis por solucionar as atuam na indústria do petróleo.
aprendizado para que a ANP adotasse medidas não conformidades constatadas, nos prazos esta-
corretivas e regulamentações visando à melhoria belecidos pela ANP. O controle ambiental das atividades marítimas é
das práticas e procedimentos operacionais nas ati- responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio
vidades marítimas de exploração e produção de Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
petróleo e gás natural.383 (Ibama). Para as instalações de exploração e pro-
dução em terra, a ANP estabeleceu o Regulamen-
Ainda em 2001, a consultoria American Bureau of As normas de to Técnico do Sistema de Gerenciamento da In-
Shipping (ABS) desenvolveu um estudo minucio- segurança tegridade estrutural das Instalações Terrestres de
so, contratado pela ANP, para identificar os parâ- Produção de Petróleo e Gás Natural.385
metros de legislação e as melhores práticas de en-
operacional
genharia, no âmbito da segurança operacional de offshore no Brasil Ao lado de instituições semelhantes de outros
E&P, aplicados na Austrália, Canadá, Reino Unido foram elaboradas países, a ANP participa do Fórum Internacional
e Estados Unidos. O estudo, concluído em 2002, de Reguladores (IRF), em que são discutidos e
reuniu subsídios para que a ANP desse início à ela-
com base em um tratados temas de segurança operacional. Com-
boração do arcabouço regulatório específico para estudo minucioso partilhando experiências e conhecimentos, além
segurança operacional offshore no Brasil. das melhores de promover treinamentos de seus técnicos em
instituições internacionalmente reconhecidas, a
Depois de amplo e extenso debate setorial e o
práticas em E&P ANP se mantém atualizada e em condições de
cumprimento de consultas públicas, entre 2003 adotadas no mundo. aperfeiçoar continuamente o sistema regulatório
e 2007, a ANP instituiu o Regime de Segurança de segurança operacional do upstream brasileiro.
Operacional e aprovou o Regulamento Técnico
do SGSO das Instalações Marítimas de Perfu-
ração e Produção de Petróleo e Gás Natural.384 Em 2009, foi contratada a Bureau Veritas, empre-
Como um instrumento extremamente moderno sa líder mundial em serviços ligados a qualidade,
de prevenção, o SGSO inaugurou uma nova fase meio ambiente, segurança ocupacional, respon-
nas atividades de segurança operacional da ANP, sabilidade social e outros. A certificadora pas-
tornando-se obrigatório nos contratos de conces- sou a ter representantes na equipe de bordo da
são. Os concessionários devem comprovar que ANP, acompanhando os engenheiros da Agência
mantêm controlados os riscos advindos de toda e prestando apoio técnico durante as atividades
e qualquer operação executada nas instalações de fiscalização de segurança operacional. A ANP
383. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Análise do acidente com a plataforma P-36: relatório
da Comissão de Investigação ANP/DPC. Rio de Janeiro: ANP, 2001. 24 p. Disponível em: <www.anp.gov.br/?dw=23386>.
384. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 43, de 6 de dezembro de 2007. Diário
Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 7 dez. 2007. Seção 1. p. 82. Retificada em 10 e 12 de dezembro de 2007.
385. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 2, de 14 de janeiro de 2010. Diário Oficial
[da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 18 jan. 2010. Seção 1. p. 116-117.
Capítulo 19 - Uma indústria que gera desenvolvimento 237
Responsabilidade ambiental
O impacto do acidente no Golfo do México em o vazamento e mitigar as suas consequências.
Agência O Globo
2010, com 11 vítimas fatais e o vazamento de 4,9 Com os primeiros resultados da investigação
milhões de barris de óleo bruto, levou os gover- apontando a responsabilidade da Chevron, a
nos a redobrarem os cuidados com a produção de Agência determinou a suspensão imediata das
petróleo e gás em alto-mar. A ANP acompanhou atividades de perfuração da empresa no Campo
de perto esse episódio, e foi a primeira instituição de Frade e em todo o território nacional até que
fora dos Estados Unidos a receber, em setembro fossem identificadas as causas e os responsáveis
de 2010, um relato detalhado do incidente e das pelo vazamento e restabelecidas as condições
medidas tomadas para a sua contenção. de segurança na área. Na mesma reunião em
que essas decisões foram tomadas, a diretoria
Foram então adotadas ações para o aprofunda- da ANP rejeitou pedido da concessionária para
mento de diversos aspectos relacionados com a perfurar novo poço no Campo de Frade com o
segurança operacional, inclusive um convênio de objetivo de atingir o pré-sal, por entender que a
cooperação entre a ANP e os órgãos de controle perfuração de reservatórios no pré-sal implica-
ambiental. Também foi produzido um inventário ria riscos de natureza idêntica aos ocorridos no
geral dos equipamentos, materiais e embarca- poço que originou o vazamento, porém agrava-
ções existentes no País, além de mapas estraté- dos pela extrema profundidade.
gicos de sensibilidade ambiental das principais
bacias hidrográficas brasileiras.
CAPÍTULO 20
O MARCO REGULATÓRIO
DO PRÉ-SAL
Encontro histórico
O dia 8 de novembro de 2007 entrou para a história reservas descobertas poderiam chegar a mais de 50 prerrogativas à ANP para revogar no todo ou em
recente do Brasil quando técnicos da Petrobras co- bilhões de barris. O Brasil teria uma das dez maiores parte uma licitação, sempre que fossem verificadas
meçaram a apresentar, em reunião extraordinária do reservas petrolíferas do mundo! razões de interesse público decorrentes de fato su-
Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), os perveniente, devidamente comprovado, pertinente
detalhes da descoberta de jazidas na área então co- No encontro, dirigido pelo Presidente da Repú- e suficiente para justificar tal conduta.388
nhecida como Tupi. As prospecções no bloco BM-S- blica Luiz Inácio Lula da Silva, estavam presentes
11 desse reservatório, localizado na Bacia de Santos, oito ministros de Estado e as direções da ANP, do Ali mesmo, na reunião, foi escrita e aprovada a Re-
a 286 quilômetros da costa, indicavam um potencial BNDES e de outros órgãos federais da área de solução nº 6, do CNPE, orientando a ANP a excluir
de óleo recuperável, de boa qualidade (28 graus energia.387 Diante da enorme gama de possibili- os blocos da Nona Rodada que estivessem den-
API),386 da ordem de 5 a 8 bilhões de barris equi- dades que o potencial econômico e a importância tro ou próximos da área do pré-sal. A resolução
valentes, o que representava, na época, um volume estratégica daquela descoberta representavam, também determinou que o Ministério de Minas e
superior a 50% de todas as reservas de petróleo do surgiu uma questão a ser resolvida com urgência: Energia analisasse, no prazo mais curto possível,
País. O potencial petrolífero da área do pré-sal situ- 41 blocos daquela área estavam na pauta da Nona as mudanças necessárias no marco legal para que
ada nas bacias de Santos e Campos (entre Florianó- Rodada de Licitações, que aconteceria 19 dias de- fosse adotado um novo paradigma de exploração
polis e Espírito Santo), medindo aproximadamente pois. A reunião decidiu então que aqueles blocos e produção de petróleo e gás natural, aberto pela
800 km de comprimento por 200 km de largura, se- seriam excluídos do leilão. Uma decisão tomada descoberta da nova província petrolífera, respei-
gundo estimativas da Petrobras, indicavam que as com base no próprio edital da Rodada, que dava tando-se os contratos em vigor.389
386. API – American Petroleum Institute. Na escala API, o grau é mais alto quanto mais leve é o petróleo.
387. Estavam presentes na reunião, realizada na sede da Petrobras, no Rio de Janeiro: Nelson Hubner, ministro interino de Minas e Energia e
presidente do CNPE; Dilma Rousseff, da Casa Civil; Paulo Bernardo, do Planejamento; Guido Mantega, da Fazenda; Sergio Rezende, da
Ciência e Tecnologia; Geddel Vieira Lima, da Integração Nacional; Reinhold Stephanes, da Agricultura; e Franklin Martins, da Secretaria de
Comunicação Social da Presidência da República; Cláudio Langone, representante do Ministério do Meio Ambiente; Haroldo Lima, diretor-
geral da ANP; Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE); Luciano Coutinho, presidente do BNDES; Hermes
Chipp, diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS); e o anfitrião Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras.
388. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). BrasilRound9. Rio de Janeiro, [2007]. Disponível em: <http://www.
brasil-rounds.gov.br/round9/portugues_r9/edital.asp>. Edital do contrato de concessão.
389. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 6, de 8 de novembro de 2007. Diário Oficial [da República
Federativa do Brasil], Brasília, DF, 14 nov. 2007. Seção 1, p. 24-25.
Capítulo 20 - O marco regulatório do Pré-Sal 239
Agência Petrobras
Tipo especial de tubulação de aço (steel lazy wave riser), utilizado em águas profundas, por onde passa produção de petróleo e gás dos poços até a plataforma
Na ponta da broca
O caminho percorrido até o anúncio das descobertas petição no setor e a diminuição de suas reservas, a vessar o basalto foi um trabalho que demorou meses.
do pré-sal remonta a uma saga exploratória iniciada Petrobras estabeleceu metas exploratórias para con- As brocas, contratadas por aluguel diário em torno
em 2000, na Segunda Rodada de Licitações de Pe- quistar novas áreas.391 O sofisticado programa de da- de R$ 1,1 milhão, quebravam, aumentando o atraso e
tróleo e Gás da ANP, na qual a Petrobras arrematou dos sísmicos em 3D levou dois anos para gerar o ma- os custos. Mais de US$ 100 milhões haviam sido de-
quatro blocos na bacia de Santos, em quatro con- peamento que apontaria o potencial petrolífero entre sembolsados, em meados de 2005, pelas empresas
sórcios diferentes, com as empresas Chevron, Shell, 5 e 7 mil metros de profundidade, a 300 quilômetros Petrobras, Chevron e British Gas.
Petrogal, British Gas e Repsol, pelo valor total de da costa. Os desafios tecnológicos eram imensos. O
R$ 352 milhões. O programa exploratório recorde mundial de perfuração – até então, da pró- Finalmente, em agosto de 2005, foram encontrados
mínimo de cada bloco para a fase de exploração pria Petrobras – era de 1.800 metros. E não se sabia os primeiros indícios de petróleo no pré-sal na Bacia
foi estimado em US$ 5 milhões (cerca de R$ 11 como a camada de sal se comportaria. de Santos, no bloco BM-S-10 – Parati. A partir dali,
milhões, pela cotação do dólar a R$ 2,25). 390 as descobertas foram se sucedendo. Em julho
Depois de treinar equipes e testar equipamentos, a de 2006 foi encontrada uma jazida de óleo leve
A bacia de Santos era, então, considerada uma fron- Petrobras enviou um navio-sonda ao campo de Para- no bloco BM-S-11 – Tupi, e outra em setembro de
teira exploratória. A Petrobras havia sondado a região ti, em dezembro de 2004. As primeiras perfurações, 2007, no bloco BM-S-9 – Carioca. Ainda naquele
em décadas passadas, mas os investimentos da em- em rochas do pós-sal, foram malsucedidas. Decidiu- ano, a Petrobras encontraria duas jazidas no pré-
presa na região foram concentrados na produção e -se, então, perfurar as rochas do pré-sal. A equipe en- -sal da Bacia de Campos: em Caxaréu e Pirambu.
não na exploração. Naquele início de década, porém, controu 500 metros de basalto, rocha duríssima que A conclusão das análises de Tupi, em novembro
o cenário estava mudando. Com a abertura da com- fica normalmente no fundo dos reservatórios. Atra- daquele ano, coroou o esforço exploratório da
Petrobras e parceiras.
390. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resultados da Segunda Rodada de Licitações. Rio de
Janeiro, [2000]. Disponível em: <http://www.brazil-rounds.gov.br/Resultado_Rodadas/RESUMO_round2_resultados.asp>.
391. DIEGUEZ, 2009, p. 30.
240 Petróleo e Estado
Agência Petrobras
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, comemora a extração do primeiro óleo da camada pré-sal do Campo Baleia Franca, em 2010
Agência Petrobras
ção internacional do País e manter atrativa um sistema misto:
a atividade de exploração e produção. 392
o sistema de partilha da produção prevaleceria
Técnicos de diversas áreas da ANP forneceram para a área do pré-sal e outras que viessem a ser
aos integrantes da comissão os subsídios neces- consideradas estratégicas devido ao seu baixo
sários. Detalhes do marco regulatório de países risco exploratório;
como Noruega, Rússia, Estados Unidos, Canadá,
Inglaterra, Nova Zelândia e Angola, entre outros, o modelo de concessões, em vigor desde 1997,
foram analisados minuciosamente. Por fim, a co- permaneceria para as demais áreas.
Propriedade do petróleo
Do concessionário Do Estado
e do gás natural
Gerenciamento e controle
Menor controle do governo Maior controle do governo
da produção
Fonte: ANP
392. BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Exposição de Motivos nº 38, de 31 de agosto de 1995 [Projeto de Lei 5938/2009]. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/expmotiv/emi/2009/38%20-%20mme%20mf%20mdic%20mp%20ccivil.htm>
242 Petróleo e Estado
As leis do pré-sal
Com base nas propostas encaminhadas pela a ANP; determina o papel da Pré-Sal Petróleo S/A No sistema de
comissão interministerial, quatro projetos de lei (PPSA); e confere à Petrobras o papel de opera-
partilha, o Estado
relativos ao pré-sal foram enviados pelo Poder dora única de todos os blocos contratados neste
Executivo ao Congresso, em setembro de 2009. novo regime. tem mais controle
Depois de amplo debate na Câmara dos Deputa- sobre as atividades
dos e no Senado Federal, e grande repercussão na As principais justificativas da introdução do con-
de exploração
sociedade, os projetos foram aprovados em 2010 trato de partilha na exploração de petróleo e gás
e deram origem a três novas leis que, em conjunto do pré-sal foram as perspectivas de rentabilidade e produção.
com a Lei do Petróleo,393 passaram a constituir o e o baixo risco geológico. A combinação desses
marco regulatório da indústria de petróleo e gás dois elementos gera excedentes de renda signifi-
natural no Brasil. cativos que devem ser maximizados pelo Estado
e revertidos para a sociedade sob a forma de be- Um fundo para o futuro
nefícios sociais. O modelo de concessão, em vigor
desde 1998, foi concebido quando o País tinha Também criado pela Lei nº 12.351/2010, junto
Lei nº 12.351/2010 – o regime de partilha produção relativamente pequena, o barril de pe- com o regime de partilha, o Fundo Social tem
tróleo era cotado em torno de 19 dólares e o risco o objetivo de contribuir para que várias gera-
O petróleo extraído é propriedade do Estado bra- exploratório era considerado elevado.394 ções de brasileiros possam se beneficiar da
sileiro, e não da concessionária. Esse é o ponto exploração dos recursos do pré-sal. Para tan-
central do sistema de partilha, que permite ao No contrato de partilha, o Estado tem mais con- to, é necessário que a riqueza do petróleo seja
governo controlar o ritmo de produção e, simul- trole sobre as atividades de exploração e produ- transformada em ativo cujo usufruto possa
taneamente, desenvolver uma política industrial ção. A companhia ou consórcio que executa as ser estendido no tempo, mesmo depois que o
que gere empregos, com um padrão tecnológico atividades assume o risco exploratório e, em caso petróleo estiver esgotado. Os principais obje-
que permita a fabricação de produtos de alto va- de sucesso, tem os seus investimentos e custos tivos do Fundo Social são: a oferta regular de
lor agregado. ressarcidos em óleo, chamado de “óleo-custo”. O recursos para projetos e programas nas áreas
lucro, resultante da diferença entre a receita total de combate à pobreza e de desenvolvimento da
A lei estabelece o regime de partilha para as áreas da produção e os investimentos e custos, também educação, da cultura, da ciência e tecnologia e
não concedidas do pré-sal e outras áreas consi- é convertido em óleo, chamado de “óleo-lucro”, da sustentabilidade ambiental; e o controle do
deradas estratégicas; define novas funções para que é repartido entre a(s) empresa(s) e o gover- impacto cambial das operações relativas ao se-
o Ministério de Minas e Energia (MME), o CNPE e no, em percentagens variáveis. tor petrolífero.395
393. BRASIL. Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 7 ago. 1997. Seção 1, 16925-16932.
394. BRASIL. Exposição de Motivos nº 38, de 31 de agosto de 1995 [Projeto de Lei 5938/2009]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/projetos/expmotiv/emi/2009/38%20-%20mme%20mf%20mdic%20mp%20ccivil.htm>
395. BRASIL. Exposição de Motivos nº 119, de 31 de agosto de 2009 [Projeto de Lei 5940/2009]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/EMI/2009/119%20-%20MF%20MME%20MP%20MDIC%20CCIVIL.htm>
Capítulo 20 - O marco regulatório do Pré-Sal 243
Lei nº 12.304/2010 – cria a Pré-Sal Petróleo custos de investimentos do contrato de partilha Outros modelos
S/A (PPSA) e as operações, custos e preços de venda do
petróleo e gás da União. A nova estatal também Cerca de quarenta países adotam o modelo de
Cria e define as atribuições da empresa pública representará a União nos procedimentos de in- partilha ou sistemas mistos – que podem mistu-
PPSA para representar a União na gestão dos dividualização da produção e quando houver rar características de mais um modelo. Além do
contratos de partilha celebrados com as empre- necessidade de acordo sobre jazidas do pré-sal modelo de concessão, onde o contratado paga
sas de exploração e produção e dos contratos que se estenderem por áreas não concedidas.396 royalties e outras participações governamentais
para a comercialização do petróleo, do gás na- em contrapartida à produção, existe o sistema
tural e de outros hidrocarbonetos fluidos de pro- de prestação de serviços, no qual uma empresa
priedade da União. Entre outras missões, a PPSA é contratada para realizar as atividades de ex-
fará parte dos consórcios formados para execu- Lei nº 12.276/2010 – Cessão onerosa e capitali- ploração e produção e tem seus serviços pagos
tar os contratos de partilha e representar a União zação da Petrobras segundo metodologias contratuais pré-defini-
nos comitês operacionais desses consórcios. das. Nesse modelo, toda a produção normal-
Essa lei autorizou a União a ceder à Petrobras, mente é de propriedade do Estado.
A criação de uma estatal para representar a em caráter oneroso, o direito de extrair até cin-
União nos contratos de partilha foi considera- co bilhões de barris de óleo equivalente (boe)
da essencial para o sucesso do novo modelo, de áreas não concedidas localizadas no pré-sal.
no qual o contratado tem seus custos e inves- Ao viabilizar a cessão onerosa, a União cria as
timentos ressarcidos em óleo, além do exce- condições para a exploração do pré-sal, otimi-
dente estabelecido no contrato. Dessa forma, zando a participação da sociedade brasileira
é necessário o monitoramento permanente das nas receitas decorrentes dessas riquezas, pois a
atividades, de forma que a eficiência esteja pre- imediata exploração das áreas com baixo risco
sente em todas as etapas. exploratório permite antecipar o usufruto dos
benefícios representados pelas reservas de pe-
A PPSA fará avaliação técnica e econômica dos tróleo e gás. A lei também permite à União au-
planos de exploração, avaliação, desenvolvi- mentar sua participação na Petrobras, através
mento e produção de petróleo e gás natural, a da integralização do capital social da empresa
serem aprovados pela ANP. Além disso, deverá com títulos da dívida pública e ampliá-lo por
monitorar e auditar a execução dos projetos, os meio da emissão de novas ações.397
396. BRASIL. Exposição de Motivos nº 40, de 31 de agosto de 2009 [Projeto de Lei 5939/2009]. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/
proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=447935>.
397. BRASIL. Exposição de Motivos nº 39, de 16 de fevereiro de 1995. Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 06/95). Disponível em: <http://
www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=0FA55C0AB587C7EEFE9ACAC24AFFFAB5.proposicoesWeb2?codte
or=1242703&filename=Dossie+-PEC+6/1995>
244 Petróleo e Estado
398. GAFFNEY, CLINE & ASSOCIATES. Exame e avaliação de dez descobertas e prospectos selecionados no play do pré-sal em águas
profundas na Bacia de Santos, Brasil. Houston, 2010, 106 p.
Capítulo 20 - O marco regulatório do Pré-Sal 245
Agência Petrobras
leo e gás no Brasil, a ANP mantém as atribui-
ções estabelecidas pela Lei nº 9.478/1997 e as-
sume novas missões na exploração e produção.
Continuam sob o regime de concessão todas as
áreas fora do polígono do pré-sal, localizadas
em 27 bacias sedimentares. As novas atribui-
ções399 são semelhantes às existentes no mo-
delo de contrato de concessão, cabendo à ANP,
principalmente, regular e fiscalizar, de acordo
com as melhores práticas da indústria do pe-
tróleo, as atividades de E&P realizadas sob o
regime de partilha, a saber:
Na fase pré-contratual
399. BRASIL. Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 23 dez. 2010. Seção 1, p. 1
246 Petróleo e Estado
O pré-sal hoje
A produção no pré-sal é uma realidade que ajuda- de produção, o percentual médio global do conteúdo Entorno de Iara 3, a 2,3 mil metros de profundidade,
rá o País, nos próximos anos, a se posicionar entre local deverá ser de 65%, no mínimo. onde encontrou petróleo com 27º API.
as seis maiores reservas provadas de petróleo do
mundo – cerca de 30 bilhões de barris. A província Na atual fase, a de exploração, a Petrobras já decla- O Consórcio de Libra aprovou para a fase explo-
tem 149 mil km². Destes, 41.772 km² (28% do total), rou a comercialidade de parte dos volumes contra- ratória um orçamento global entre 400 e 500
estão sob as regras do modelo de concessão. A tados, referentes à área de Franco (atual campo de milhões de dólares para o ano de 2014. O pro-
produção de 34 poços representa 19% da produção Búzios) com 3,058 bilhões de boe, e à área sul de grama exploratório mínimo prevê levantamentos
anual do país e tem batido sucessivos recordes de Tupi (atual campo Sul de Lula) com 128 milhões de sísmicos 3D em toda a área do bloco, dois poços
produção.400 O salto foi rápido. Em 2008, esse per- boe. A empresa já perfurou 16 poços nas seis áreas exploratórios e um teste de longa duração (TLD),
centual era de apenas 0,4%. Até 2018, o pré-sal deve de cessão onerosa, com índice de sucesso de 100%. previsto para dezembro de 2016. O primeiro siste-
produzir 1,6 bilhão de barris diários, volume que cor- ma de produção definitivo deverá operar a partir
responde a 52% da produção nacional, estimada em No primeiro semestre de 2014, duas perfurações, de 2020. A primeira estimativa da Petrobras con-
cerca de 3,2 milhões de barris por dia. Neste perío- em Florim 2 e no Entorno de Iara 2, comprovaram sidera 12 sistemas de produção em Libra, cada um
do, os investimentos da indústria em exploração e descoberta de petróleo de boa qualidade (29º e 26º com capacidade de produção de 150 mil barris de
produção devem superar R$ 400 bilhões. API). Os poços estão a mais de 200 quilômetros da óleo por dia. A declaração de comercialidade do
costa do estado do Rio de Janeiro, com profundi- campo está prevista para ocorrer em dezembro
O novo marco regulatório do pré-sal já passou pe- dades entre 5,6 e 5,9 mil metros. Recentemente, a de 2017 e o sistema piloto está programado para
los primeiros testes práticos. Em 3 de setembro de Petrobras concluiu a perfuração do terceiro poço no entrar em produção em 2020.403
2010, foi assinado o contrato de cessão onerosa en-
tre a União e a Petrobras, após a aprovação dos seus
TABELA 20.1 – PRODUÇÃO ANUAL DE PETRÓLEO – PRÉ-SAL E TOTAL BRASIL
termos pelo CNPE, que ratificou a certificação feita
na área pela ANP.401 Como está previsto na lei, o con- PRODUÇÃO PRÉ-SAL /
PRÉ-SAL TOTAL BRASIL
trato e sua revisão devem ser submetidos à prévia PRODUÇÃO TOTAL (%)
apreciação do Conselho.402 Petróleo Gás Natural Petróleo Gás natural
Ano Petróleo Gás natural
(bbl) (Mm³) (bbl) (Mm³)
O contrato tem a duração de 40 anos, prorrogáveis 2008 2.558.243 117.666 663.559.525 21.598.154 0,4% 0,5%
por, no máximo, cinco anos. Após a extração dos cinco 2009 6.756.421 266.705 711.887.817 21.141.581 0,9% 1,2%
bilhões de barris de óleo equivalentes (boe), a Petro- 2010 16.316.817 648.524 749.952.398 22.938.446 2,2% 2,8%
bras fica proibida de produzir até que se estabeleçam 2011 44.393.880 1.387.662 768.466.692 24.073.685 5,8% 5,7%
outros termos para o contrato. Na fase de exploração, 2012 62.487.761 2.078.001 754.407.172 25.833.222 8,3% 8,0%
de quatro anos, os investimentos mínimos em conteú- 2013 110.538.225 3.710.092 738.713.382 28.174.244 14,9% 13,2%
2014 (jan a maio) 60.482.285 2.125.593 320.073.453 12.513.994 18,9% 16,9%
do local são de 37%. Para a etapa de desenvolvimento
Fonte: ANP
400. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO. GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Boletim da produção de petróleo e gás natural. Rio de
Janeiro, abr. 2014
401. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 6, de 8 de novembro de 2007. Diário Oficial [da República
Federativa do Brasil], Brasília, DF, 14 nov. 2007. Seção 1, p. 24.
402. BRASIL. Lei nº 12.276, de 30 de junho de 2010. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 30 jun. 2010. Seção 1, p. 1.
403. PETROBRAS. Pré-sal. Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/areas-de-atuacao/exploracao-
e-producao-de-petroleo-e-gas/pre-sal/>
Capítulo 20 - O marco regulatório do Pré-Sal 247
Agência Petrobras
Plataforma de produção da Petrobras (FPSO Cidade São Vicente), Campo de Tupi, 2009 (pré-sal)
248 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 21
A INDÚSTRIA
DO GÁS NO BRASIL
Gás natural em novo patamar
Ainda estava abaixo de 3% a participação do gás vistas pela Lei do Petróleo, destaca-se a outorga instalações de transporte dutoviário de gás natural,
natural na matriz energética brasileira ao final do de autorização das atividades de importação, pro- a cessão de capacidade contratada de transporte
século XX.404 A produção e a oferta haviam cres- cessamento, construção e operação de instalações nos gasodutos e os critérios para cálculo de tari-
cido significativamente desde a década de 1970, de transporte. Vale lembrar que, por determinação fas desse tipo de transporte.407 Essas regras per-
a partir da descoberta de reservas na Bacia de constitucional, os governos estaduais também exer- mitiram a expansão de gasodutos do Consórcio
Campos, mas a precária infraestrutura de trans- cem ação regulatória na indústria do gás natural e Malhas Sudeste-Nordeste, a partir de 2006, e do
porte do produto no território nacional restringia detêm o poder de concessão da distribuição aos trecho Sul do Gasoduto Brasil-Bolívia (Gasbol), em
bastante o mercado de distribuição aos poten- consumidores finais em cada estado.406 2007. Além do aumento da capacidade de trans-
ciais consumidores industriais ou residenciais. porte, houve avanços na integração das malhas
Além de abrir para a livre concorrência o mercado existentes, viabilizando o fluxo do produto entre
Este cenário de preocupação com a expansão da de exploração e produção de petróleo e gás, a lei as regiões Sudeste e Nordeste. [Ver mais adiante:
indústria, diante do potencial energético deste com- permitiu o acesso de terceiros a dutos de transpor- “Aumento de reservas e da malha dutoviária impul-
bustível e da necessidade cada vez maior de se di- te, mediante pagamento de tarifas. Desde o início sionam participação do gás na matriz energética”.]
versificar a matriz energética do País, foi expresso de suas atividades regulatórias, em 1998, a ANP
na Lei do Petróleo, que determinou, como um dos vem emitindo normas relacionadas com o tema. As autorizações para construção e operação de
objetivos da política energética nacional, “incre- Em outubro de 2005, depois de amplo debate novos dutos, nos anos seguintes, conciliaram o
mentar, em bases econômicas, a utilização do gás com o mercado, a regulamentação foi aperfeiço- rigor técnico e a evolução do arcabouço regulató-
natural”.405 Dentre outras atribuições da ANP pre- ada por meio de três resoluções sobre o uso das rio com a urgência do desenvolvimento da indús-
404. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Dois anos: 1998-2000. Rio de Janeiro, 2000. 67 p.
405. BRASIL. Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 7 ago. 1997. Seção 1, p. 16925.
406. BRASIL, 1997, Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. art. 25, parágrafo 2.
407. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Resolução nº 27, de 14 out. 2005. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília,
DF, 17 out. 2005. Seção 1, p. 57.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Resolução nº 28, de 14 out. 2005. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília,
DF, 17 out. 2005. Seção 1, p. 57.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Resolução nº 29, de 14 out. 2005. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília,
DF, 17 out. 2005. Seção 1, p. 57-58.
Capítulo 21 - A indústria do gás no Brasil 249
Agência Petrobras
Serviço de reparo no gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), em dezembro de 2006
tria gasífera nacional. Esta agenda tornou-se prio- fornecer à diretoria da Agência todas as infor-
Para garantir o
ritária para o Governo Federal e para a economia mações relacionadas com o andamento do pro-
brasileira diante da decisão da Bolívia de nacio- jeto, o cumprimento de prazos de implantação suprimento no
nalizar ativos naquele país e assumir a operação e a sua aderência regulatória.408 O Plangás es- mercado nacional,
do trecho boliviano do Gasbol – medida que criou tabeleceu em 1.292 km a ampliação da rede de
foi preciso expandir
uma percepção de risco no suprimento do produ- dutos. A oferta de gás, focada na região Sudeste,
to para o mercado nacional. foi estimada em 40 milhões de metros cúbicos com urgência
por dia, em 2008, subindo para 55 milhões de a produção de gás
Neste contexto, a ANP criou um grupo de tra- m³/dia em 2010. Vários campos novos começa-
e a infraestrutura
balho interno para acompanhar a implantação ram a produzir, com destaque para os de gás não
e os desdobramentos do Plangás – Plano de associado de Canapu e Camarupim, no Espírito de transporte.
Antecipação da Produção de Gás, desenvolvido Santo, e de Mexilhão, Uruguá e Tambaú, na Bacia
pela Petrobras. A tarefa primordial do grupo era de Santos.408
408. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Balanço de gestão da ANP: 2003-2010. Rio de Janeiro, [2011].
250 Petróleo e Estado
Com esse sentido de urgência, a Petrobras ini- A execução dos projetos de GNL no Brasil, em
ciou a construção de duas instalações de rega- tempo hábil para atender ao crescimento da de-
seificação de GNL, uma em Pecém (CE), e outra manda, particularmente a termelétrica, também
na Baía de Guanabara (RJ). Ambos os projetos exigiu bastante agilidade da ANP, que mobilizou
409. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 4, de 21 de novembro de 2006. Diário Oficial [da República
Federativa do Brasil], Brasília, DF, 24 nov. 2006. Seção 1, p. 167.
410. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). O gás liquefeito no Brasil: experiência da ANP na
implantação dos projetos de importação de GNL. Rio de Janeiro: ANP, 2010.2010. p. : il. (Séries ANP ; 4).
Capítulo 21 - A indústria do gás no Brasil 251
Agência Petrobras
Navio de regaseificação de GNL, Golar Spirit, no Terminal de Pecém
252 Petróleo e Estado
411. BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Exposição de motivos nº 0009, de 21 fev. 2006 . Brasília, DF, 2006. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/EXPMOTIV/Mme/2006/9.htm>
412. BRASIL. Lei nº 11.909, de 4 de março de 2009. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 5 mar. 2009. Seção 1, p. 1
413. BRASIL. Decreto nº 7.382, de 2 de dezembro de 2010. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 3 dez. 2010. Seção 1, p. 14.
Capítulo 21 - A indústria do gás no Brasil 253
Agência Petrobras
Dutos utilizados no Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), 2011
414. BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Portaria nº 317, de 13 de setembro de 2013 . Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília,
DF, 16 set. 2013. Seção 1, p. 101.
415. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 51, de 26 dezembro de 2013. Diário Oficial
[da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 27 dez. 2013. Seção 1, p. 283-286.
254 Petróleo e Estado
Capítulo 21 - A indústria do gás no Brasil 255
Agência Petrobras
Obras no Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), 2011
256 Petróleo e Estado
9.489
9.295
9.244
sável por 71% do consumo energético brasileiro, 10.000
7.696
EXTENSÃO TOTAL DE MALHA (KM)
8.000
Em 1º de maio de 2006, o governo da Bolívia
7.000
anunciou a nacionalização dos hidrocarbonetos,
5.431
6.000
refinarias, postos e distribuidores de petróleo, gás
e derivados naquele país, e assumiu a operação 5.000
RECLASSIFICAÇÃO
as condições de segurança do abastecimento e
1.446
2.000
do suprimento do gás natural boliviano. O cenário
GASBOL
GASENE
496
1.000
era preocupante, uma vez que mais da metade do
1970 20
CAPÍTULO 22
ABASTECIMENTO:
UM DESAFIO DO
TAMANHO DO BRASIL
Esforço logístico
Abastecer um país com as dimensões con- comercializados mais de 20 bilhões de litros de Considerado de importância estratégica, o
tinentais do Brasil é um desafio contínuo. O etanol anidro e hidratado e pouco mais de três abastecimento de combustíveis é declarado
crescimento econômico e a diversificação dos bilhões de litros de biodiesel. como de utilidade pública pela legislação bra-
combustíveis impulsionaram o consumo inter- sileira.419 Desde 1997, ele é submetido aos atos
no de forma inédita, exigindo respostas cada Neste mesmo período, a frota de veículos deu normativos e às ações fiscalizadoras de com-
vez mais rápidas do mercado e dos entes pú- um enorme salto, chegando a 84 milhões de petência exclusiva da ANP, quanto à garantia
blicos envolvidos. unidades em 2013, contra apenas 24 milhões de oferta de combustíveis, aos preços (que não
em 1998. 417 Não por acaso, o setor de trans- são fixados, mas monitorados pela Agência) e à
A evolução deste mercado revela números ex- portes representa 32% do consumo nacional qualidade dos produtos.
pressivos nos últimos 15 anos. A comercialização de energia. Vale lembrar ainda que o gás li-
de combustíveis derivados de petróleo alcançou quefeito de petróleo (GLP), popularmente co- Mais de cem mil agentes econômicos – que
em 2013 o volume de 125,4 bilhões de litros, 45% nhecido como gás de cozinha, é responsável operam em diferentes níveis, como se pode ver
a mais do que em 1998, registrando seus maiores por 27,5% de todo o consumo residencial de na Tabela 22.1 – formam o sistema nacional de
saltos nos últimos quatro anos.416 Foram também energia do País. 418 abastecimento de combustíveis.
416. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Anuário estatístico brasileiro do petróleo, gás natural
e biocombustíveis: 2014. Rio de Janeiro, c2014.
417. DEPARTAMENTO NACIONAL DE TRÂNSITO (Brasil). Frota de Veículos. Brasília, DF, 2014. Disponível em : <http://www.denatran.gov.br/frota.
htm> Balanço Energético Nacional 2014. Disponível em https://ben.epe.gov.br/
418. EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (Brasil). Balanço energético nacional 2014. Rio de Janeiro, 2013. Disponível em <https://ben.epe.gov.br/>.
419. BRASIL, Lei nº 9.478, 1997.
Capítulo 22 - Abastecimento: um desafio do tamanho do Brasil 259
• 16 refinarias de petróleo
• 409 usinas de etanol
• 292 importadores e exportadores de petróleo e de-
Este segmento é composto por produtores de rivados
combustíveis fósseis (gasolina, diesel etc.) e • 1 produtor de óleo básico
PRODUTORES E IMPORTADORES
biocombustíveis (etanol e biodiesel), além de • 145 produtores de lubrificantes
importadores e exportadores. • 81 importadores de óleo básico
• 163 importadores de lubrificantes
• 19 rerrefinadores de lubrificantes
• 63 produtores de biodiesel
Estão nesta categoria as empresas com necessi- • 9.994 pontos de abastecimento (instalações)
CONSUMIDORES dade de armazenar combustíveis para abastecer • 32 consumidores de solventes
frota própria, que recebem da ANP autorização
para instalação de pontos de abastecimento.
260 Petróleo e Estado
420. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Autorização nº 02, de 02 fev. 1998. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil],
Brasília, DF, 06 fev. 1998. Seção 1, p. 7.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Autorização nº 03, de 02 fev. 1998. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil],
Brasília, DF, 06 fev. 1998. Seção 1, p. 7-11.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Autorização nº 04, de 04 fev. 1998. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil],
Brasília, DF, 06 fev. 1998. Seção 1, p. 48-55.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Portaria nº 04, de 04 fev. 1998. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília,
DF, 05 fev. 1998. Seção 1, p. 48-55.
421. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Autorizações para refino de petróleo, processamento
de gás natural e produção de derivados. Rio de Janeiro: ANP, 2010. Disponível em : <http://www.anp.gov.br/?id=400>
422. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Portaria nº 28, de 05 fev. 1999. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF,
08 fev. 1999. Seção 1, p. 29.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 16, de 10 jun. 2010. Diário Oficial [da
República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 11 jun. 2010. Seção 1, p. 62-64.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 17, de 10 jun. 2010. Diário Oficial [da
República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 11 jun. 2010. Seção 1, p. 64-66.
Capítulo 22 - Abastecimento: um desafio do tamanho do Brasil 261
Agência Petrobras
Canteiro de obras da Refinaria I do Comperj, 2011
262 Petróleo e Estado
423. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Dois anos: 1998-2000. Rio de Janeiro, 2000. 67 p.
424. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Portaria nº 72, de 20 maio 1998. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília,
DF, 22 maio 1998. Seção 1, p. 7.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Portaria nº 73, de 20 maio 1998. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília,
DF, 22 maio 1998. Seção 1, p. 7
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Portaria ANP nº 63, 08 de abr. 1999. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil],
Brasília, DF, 09 abr. 1999. Seção 1, p. 69.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Portaria ANP nº 170, de 20 out. 1999. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil],
Brasília, DF, 21 out. 1999. Seção 1, p. 24.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (Brasil). Portaria ANP nº 171, de 20 out. 1999. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil],
Brasília, DF, 21 out. 1999. Seção 1, p. 24.
425. BRASIL. Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 14 jan. 2005. Seção 1, p. 8.
426. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 6, de 16 de setembro de 2009. Diário Oficial [da República
Federativa do Brasil], Brasília, DF, 26 out. 2009. Seção 1, p. 99.
Capítulo 22 - Abastecimento: um desafio do tamanho do Brasil 263
Agência Petrobras
industriais produtoras de etanol, 427 exercendo
assim competência completa sobre a cadeia
produtiva deste combustível.
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Forças-tarefa ampliam
leque das fiscalizações
Somar esforços para realizar ações conjuntas
e complementares de fiscalização é o objeti-
vo principal das forças-tarefa, uma parceria
que reúne ANP, ANTT, Polícia Civil, Prefeituras,
Ministério Público (recebendo denúncias da
sociedade), Secretarias de Fazenda, Inmetro,
Corpo de Bombeiros e outros órgãos, e que al-
cança, além das revendas varejistas de combus-
tíveis e de GLP, distribuidores (de combustíveis
líquidos e GLP), TRR, pontos de abastecimento
e outros agentes econômicos.
“Bandeira branca”
No contexto da desregulamentação do merca- combustíveis, em conjunto com órgãos de repres-
A ANP atuou
do de combustíveis, em que o Estado deixou de são aos crimes contra o consumidor, representan-
ser operador e passou a atuar principalmente tes do Ministério Público de vários estados e da com grande rigor
como regulador da atuação dos agentes priva- União, além de outras instituições da sociedade contra fraudes
dos, foram revogadas algumas exigências que civil e autoridades do poder público, inclusive
na distribuição
impediam a participação no mercado de dis- parlamentares integrantes de CPIs dos Combus-
tribuidoras de pequeno porte.431 Entre outras tíveis que se formaram em vários estados. Vários e na revenda
medidas, foi autorizado o funcionamento dos postos foram fechados e os responsáveis foram de combustíveis.
chamados “postos de bandeira branca”. 432 presos, com grande repercussão na mídia.
Vários postos
Também chamado de posto independente, Depois de uma série de audiências e consultas foram fechados
esse tipo de posto não está filiado a qualquer públicas, a ANP reforçou e alterou pontos regu- e os responsáveis
distribuidora, não pode exibir a marca comer- lamentados pela Portaria nº 116/2000. Os reven-
foram presos.
cial das distribuidoras, mas tem liberdade para dedores que “clonavam” marcas alheias foram
comprar de qualquer companhia. Deve infor- intimados a retirar em curto prazo todas as re-
mar na bomba a origem do produto.433 Até ferências visuais que pudessem confundir o con-
2001, eles representavam menos de 18% do to- sumidor. E os que optassem por ostentar marca
tal; no ano seguinte, já se encontravam em pri- própria (bandeira branca) deveriam apresentar
meiro lugar, com mais de 26% de participação; uma identidade visual suficientemente singular.
e já superavam os 30% em 2003. Segundo vá- Além dessas medidas,434 o rigor no monitora-
rios estudos, a presença de postos de bandei- mento da qualidade e nas ações de fiscalização
ra branca acirra a concorrência, resultando em reduziu drasticamente os casos de irregularida-
preços menores. Inicialmente, alguns desses des nos postos de revenda de combustíveis.
postos tornaram-se motivo de preocupação,
por imitarem as cores e a logomarca de gran-
des distribuidoras, com o intuito de confundir
o consumidor.
431. BRASIL. Mistério de Minas e Energia. Portaria nº 258 de 29 de julho de 1993. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder
Executivo, Brasília, DF, 30 jul. 1993. Seção 1, p. 10893.
432. BRASIL. Mistério de Minas e Energia. Portaria nº 362, de 3 de novembro de 1993 . Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder
Executivo, Brasília, DF, 12 nov. 1993. Seção 1, p. 17093. ;AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil).
Portaria nº 116 de 5 de julho de 2000. Regulamenta o exercício da atividade de revenda varejista de combustível automotivo. Diário Oficial [da
República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 6 jul. 2000. Seção 1, p. 29.
433. FEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO DE COMBUSTÍVEIS E LUBRIFICANTES. Relatório 2010. Rio de janeiro, 2010. Disponível em: <http://
www.fecombustiveis.org.br/relatorio-2010/glossario/glossario.html>.
434. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 33, de 13 de novembro de 2008. Diário
Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 14 nov. 2000. Seção 1, p. 92.
Capítulo 22 - Abastecimento: um desafio do tamanho do Brasil 269
“Álcool molhado”
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A fraude do “álcool molhado” é um importan-
te exemplo da atuação da ANP em defesa da
qualidade dos combustíveis. Em 2005, o PMQC
começou a detectar índices anormais de não
conformidade no etanol hidratado. A Agência
descobriu que os altos índices vinham da mis-
tura irregular de água no etanol anidro, fraude
que ficou popularmente conhecida como “ál-
cool molhado”. Distribuidoras trabalhando na
ilegalidade compravam o etanol anidro (o que
é misturado à gasolina) sem impostos, mistu-
ravam água e vendiam o produto como se fos-
se hidratado (aquele encontrado nas bombas
como combustível).435
435. ÁLCOOL molhado dá um salto de 50%. O Globo, Rio de Janeiro, 20 nov. 2005.
436. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 36, de 6 de dezembro de 2005. Diário
Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 07 dez. 2005. Seção 1, p. 137.
270 Petróleo e Estado
Entre os diversos produtos que chegam ao consumi- ao direito do consumidor e à sua segurança, qua- substituiu até 2013 mais de 125 milhões de boti-
dor brasileiro pelas redes de distribuição integrantes lidade do produto, livre concorrência etc. jões de gás de 13 kg, resultando em significativa
do sistema nacional de abastecimento de derivados redução dos índices de acidentes residenciais.
de petróleo e biocombustíveis, um exemplo de no- Em 1996, antes da entrada da ANP nesse cenário,
tável capilaridade é o GLP, que chega à totalidade as empresas integrantes do Sindicato Nacional Além de reforçar a fiscalização e de aplicar severas
dos municípios do território nacional – inclusive os das Empresas Distribuidoras de GLP (Sindigás) medidas contra as revendas clandestinas de boti-
rincões mais isolados da Amazônia, cumprindo lon- haviam firmado um Código de Autorregulamen- jões de GLP, a ANP deu apoio, em 2010, ao Progra-
gas travessias em canoas – e atende regularmente a tação, com aval do Governo Federal, para impedir ma Gás Legal, uma das maiores ações de combate
98% das residências brasileiras (mais de 182 milhões o uso desordenado de botijões por algumas em- à informalidade já realizadas no Brasil. Os resulta-
de pessoas), além de 150 mil empresas. presas, prática que estava provocando acidentes dos apurados no primeiro ano do programa, no
domésticos com botijões de gás em todo o Brasil. cenário da revenda de GLP em todo o Brasil, já in-
Em 2003, a ANP estabeleceu os marcos para a Fazia parte do compromisso das distribuidoras dicavam a redução do comércio ilegal em 59%. Em
autorização de funcionamento dos revendedores um amplo Programa de Requalificação de bo- 2013 e início de 2014, a ANP debateu com o mer-
de GLP.437 Até então, o cadastramento do reven- tijões, com investimentos privados superiores a cado de GLP a implantação de critérios mais rigo-
dedor ficava a cargo das distribuidoras. A regu- R$ 1 bilhão em requalificação e R$ 1,2 bilhão em rosos para a avaliação da regularidade dos botijões
lamentação da ANP estabeleceu requisitos e res- reposição dos botijões inutilizados, posteriormen- e a obrigatoriedade de formação e manutenção de
ponsabilidades para o exercício da atividade de te encaminhados como sucata para siderúrgicas. estoques semanais do produto, para a garantia do
revenda do produto, considerando fatores ligados O programa, implantado em 1997, recuperou ou abastecimento nacional do produto.
437. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Portaria nº 297, de 18 de novembro de 2003. Diário
Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 20 nov. 2003. Seção 1, p. 96.
Capítulo 22 - Abastecimento: um desafio do tamanho do Brasil 271
Agora com mais de 15 anos de existência, o TABELA 22.2 – HISTÓRICO DOS ÍNDICES DE NÃO CONFORMIDADE NO BRASIL
PMQC firmou-se como importante ferramenta
de monitoramento, não apenas pela abrangên-
cia territorial e pela quantidade de amostras
coletadas e analisadas, mas também pela eficá- 14
cia no combate a práticas anticompetitivas e à
12
adulteração de combustíveis. Sua efetividade é
comprovada pela diminuição, ano após ano, dos 10
índices de não conformidade dos combustíveis
comercializados em território nacional, como se 8
pode ver na Tabela 22.2.
6
438. DUAILIBE, Allan Kardec (Org.). Combustíveis no Brasil: desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: Synergia, 2012.
439. CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (Brasil). Resolução nº 18, de 6 de maio de 1986. Diário Oficial [da República Federativa do
Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 17 jun. 1986. Seção 1, p. 8792-8795.
440. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 50, de 23 de dezembro de 2013. Diário
Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 24 dez. 2013. Seção 1, p. 104.
441. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 46, de 20 de dezembro de 2012. Diário
Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 21 dez. 2012. Seção 1, p. 839.
442. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 40, de 25 de outubro de 2013. Diário Oficial
[da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 30 out. 2013. Seção 1, p. 55.
274 Petróleo e Estado
COMERCIALIZAÇÃO VOLUNTÁRIA
OBRIGADOS A COMERCIALIZAR
Capítulo 22 - Abastecimento: um desafio do tamanho do Brasil 275
Arquivo ANP
Juntamente com o monitoramento da quali-
dade dos produtos e a fiscalização dos agen-
tes econômicos para evitar fraudes, a garantia
de concorrência é também um fator essencial
para o desenvolvimento dos mercados regu-
lados pela ANP. A Agência atua tanto preven-
tivamente – analisando o impacto das ope-
rações de fusão e aquisição de empresas do
setor para evitar o surgimento de estruturas
que prejudiquem o processo concorrencial –
quanto no aspecto repressivo, combatendo
condutas anticompetitivas.
443. BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 1 dez. 2011. Seção 1, p. 1.
444. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Portaria nº 202, de 15 de agosto de 2000. Diário Oficial
[da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 16 ago. 2000. Seção 1, p. 50.
276 Petróleo e Estado
CAPÍTULO 23
BIOCOMBUSTÍVEIS
Energia limpa e renovável
As fontes renováveis de energia, na média mundial, que colaborou permanentemente com essa mo- cial do governo, a adoção da inclusão social e do
correspondem a 14% da matriz energética, enquan- bilização ao lado de representantes de entidades desenvolvimento regional como princípios orien-
to este índice no Brasil já chega a 45%.445 Ou seja, de estudo e pesquisa, produtores rurais, fabri- tadores básicos das ações para o novo combustí-
quase metade de toda a energia consumida em cantes de automóveis e de óleos vegetais, téc- vel, o estabelecimento de normas, regulamentos
nosso país é renovável, e continua sendo ampliada a nicos da Petrobras e da indústria sucroalcooleira. e padrões de qualidade, e a implementação de
utilização de fontes renováveis. Duas dessas fontes políticas públicas direcionadas a aumentar a efi-
são biocombustíveis: o biodiesel e o etanol. Coube à ANP especificar as características físico- ciência na produção, entre outras.448
-químicas do novo produto e traçar o arcabou-
No caso do biodiesel, a história do seu uso extensi- ço regulatório. A Agência também fez parte do Em setembro de 2004, o Governo Federal edi-
vo e comercial começou em julho de 2003, quan- grupo temático que tratou do desenvolvimento tou a Medida Provisória449 alterando a Lei do
do o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou um tecnológico do biodiesel, coordenado pelo Mi- Petróleo e determinando à ANP a ampliação do
Grupo de Trabalho Interministerial (GTI)446 para nistério da Ciência e Tecnologia.447 Nos outros seu âmbito de atuação. Entre os principais argu-
estudar as possibilidades de introdução desse grupos, os temas estudados foram: capacidade mentos para a inserção do biodiesel na matriz
combustível na matriz energética brasileira. Foi de produção agrícola; incentivos ao emprego do energética, estão a melhoria da qualidade de
este o passo inicial para a implantação do Pro- biodiesel como combustível; financiamento e re- vida dos grandes centros urbanos – proporcio-
grama Nacional de Produção e Uso de Biodiesel percussões econômicas. nada pela substituição gradual de um combus-
(PNPB), criado pelo Governo Federal em 2004. tível fóssil por outro menos poluente – e a cons-
Em dezembro de 2003, o relatório final do GTI fez tituição de uma fonte energética alternativa e ao
O GTI reuniu 11 ministérios e a Casa Civil da Presi- 11 recomendações ao Governo Federal, como a in- mesmo tempo economicamente estratégica, já
dência da República, com a participação da ANP, corporação imediata do biodiesel na agenda ofi- que o biodiesel é renovável.450
445. BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Ministro Edson Lobão. O Brasil e as fontes renováveis de energia. Disponível em: < http://web.archive.
org/web/20120316170713/http://www.mme.gov.br/mme/galerias/arquivos/Artigos/O_Brasil_e_as_fontes_renovxveis_de_energia.pdf>.
446. BRASIL. Presidência da República. Decreto de 2 de julho de 2003. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder Executivo,
Brasília, DF, 3 jul. 2003. Seção 1, p. 4.
447. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Grupo de Trabalho Interministerial - Biodiesel. Relatório final : Anexo III : relatórios finais dos
subgrupos. [2003]. p. 12-17, anexo III. Disponível em: <http://web.archive.org/web/*/https://www.planalto.gov.br/casacivil/site/static/anexo3.pdf >
448. Ibid
449. BRASIL. Medida provisória nº 214, de 13 de setembro de 2004 . Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília,
DF, 14 set. 2004. Seção 1, p. 1.
450. BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Exposição de motivos nº 44, de 9 de set. de 2004. Portal da Legislação. Brasília, DF, 2004. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Exm/EM-44-MME-04.htm>
Capítulo 23 - Biocombustíveis 277
Agência Petrobras
Trabalhador em cooperativa de biodiesel no Rio Grande do Norte
Novas atribuições, novo nome. Como a Agência pas- mercialização, foram acrescentadas ao escopo da após a publicação da lei (ou seja, 2008), seria de
sou a ser responsável também pelas atividades regu- ANP. Como desdobramento do novo marco regula- 2% o percentual mínimo intermediário, para se
latórias ligadas aos biocombustíveis, o texto da MP, tório, a ANP criou a figura do produtor de biodiesel452 chegar, em oito anos (2013), ao percentual de
transformada em lei no início de 2005,451 já se refere e empreendeu a revisão de 18 resoluções sobre com- 5%, em volume. A meta de 2013 foi alcançada em
à ANP com nome ampliado: Agência Nacional de Pe- bustíveis líquidos, para incluir o biodiesel. 2010, três anos antes do previsto. Em 2014, o per-
tróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. As atividades centual de mistura subiu a 6%, a partir de julho, e
de produção e comercialização de biodiesel, a cons- Ficou estabelecido pela nova legislação um per- a 7% a partir de novembro.453 A meta para 2020 é
trução, modificação, expansão e operação das usinas centual mínimo obrigatório de adição de biodie- de 20%. Os índices e prazos da mistura também
de produção, além da fiscalização das atividades de sel ao óleo diesel comercializado em qualquer são definidos pelo Conselho Nacional de Política
importação, exportação, distribuição, revenda e co- parte do território nacional. No prazo de três anos Energética e fiscalizados pela ANP.
451. BRASIL. Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 14 jan. 2005. Seção 1, p. 8.
452. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 25, de 2 de setembro de 2008. Diário Oficial
[da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 3 set. 2008. Seção 1, p. 67-69.
453. BRASIL. Medida provisória nº 647, de 28 de maio de 2014. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF,
29 maio 2014. Seção 1, p. 1-2.
278 Petróleo e Estado
Agência Petrobras
Sementes de mamona. Matéria-prima do biodiesel, também usada na indústria farmacêutica, a mamona (Ricinus communis L.) é uma fonte de renda na agricultura familiar
Capítulo 23 - Biocombustíveis 279
Leilões de biodiesel
Além de ter colaborado com o Governo Fede-
Ascom/MDA
ral na implementação do PNPB, a ANP conti-
nua atuando intensamente no processo de in-
cremento da participação dos biocombustíveis
em bases econômicas, sociais e ambientais.
Uma de suas atividades nesse sentido é a re-
alização dos leilões de venda do combustível
pelas unidades produtoras, de modo a garan-
tir o abastecimento do mercado, assegurando
a disponibilidade de biodiesel em quantidade
suficiente para compor a mistura determina-
da por lei, além de estimular o segmento pro-
dutor de biodiesel e zelar pela qualidade do
biodiesel vendido no mercado brasileiro. Re-
gulamentados e autorizados pelo CNPE e pelo
MME, os leilões são efetuados na modalidade
pregão, por oferta de menor preço, presenciais
ou eletrônicos.454
454. CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (Brasil). Resolução nº 5, de 3 de outubro de 2007. Diário Oficial [da República Federativa
do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 5 out. 2007. Seção 1, p. 127-128.
455. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Biodiesel: produtor de biodiesel. Rio de Janeiro, [2013].
Disponível em: < http://www.anp.gov.br/?id=472>
280 Petróleo e Estado
Fetranspor
Ônibus do BRT Transcarioca que utiliza experimentalmente combustível à base de cana-de-açúcar. O projeto BRT + Verde é uma parceria entre a Prefeitura do Rio de Janeiro, a Federação das
Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), o Sindicato das Empresas de Ônibus do Rio de Janeiro (Rio Ônibus) e as empresas Amyris, Shell-Raízen e Ipiranga
Capítulo 23 - Biocombustíveis 281
Experiências pioneiras
Diversas variáveis influenciam a consolidação do combustível ao diesel de petróleo. É o caso dos alcançar a meta de 8.500 ônibus movidos a biodie-
biodiesel como combustível alternativo. Entre exemplos citados a seguir. sel em 2016, ano dos Jogos Olímpicos, poupando a
elas, podemos destacar: queima de aproximadamente 55 milhões de litros
Em agosto de 2009, a prefeitura de Curitiba im- de diesel por ano, o que corresponde a uma redução
a disponibilidade da oferta de matéria-prima;
plantou o B100 (100% de biodiesel), em caráter de 148 mil toneladas nas emissões de CO2.458
a capacidade industrial de produção do experimental, em seis ônibus. Nos anos de 2010 e
combustível; 2011, sucessivos testes constataram significativa re- A Vale, empresa de mineração que atua também
o desempenho dos motores em relação aos dução nos índices de opacidade e de emissões de em energia, logística e siderurgia, é pioneira no uso
percentuais de mistura vigentes; e monóxido de carbono nos veículos que operavam de misturas de biodiesel acima do nível estabelecido
com B100, em relação aos demais ônibus. Foi então pela legislação em vigor, para uso na frota de loco-
a capacidade da indústria de produzir ino-
solicitada a autorização da ANP para um aumento motivas, caminhões fora-de-estrada e equipamentos
vações tecnológicas para viabilizar o uso de
no volume consumido de biodiesel. Em 2013, a fro- de grande porte, inclusive para geração elétrica. Em
grandes teores de biodiesel.
ta de ônibus movidos a biodiesel B100 na cidade 2007, a empresa passou a usar o B2 (mistura 2% de
De modo a consolidar o uso do biodiesel na ma- de Curitiba já totalizava 34 veículos, percorrendo biodiesel e 98% de diesel comum). Além disso, firmou
triz energética brasileira, a ANP estabeleceu crité- uma quilometragem de 228,5 mil km/mês e consu- parceria com a Petrobras para uso do B20 nas loco-
rios para o uso experimental e específico de B100 mindo aproximadamente 191 mil litros do combus- motivas das estradas de ferro Vitória a Minas e Cara-
e suas misturas com diesel em teores diversos do tível por mês. A cidade tinha sido pioneira também jás, utilizando essa mistura até dezembro do mesmo
percentual que estava autorizado na legislação. no uso do B20 (20% da biodiesel) desde 1998, em ano. Em 2008, o B2 foi substituído pelo B3. Em 2009,
Hoje, em todo o país, existem várias iniciativas de seu sistema de transporte coletivo.457 a empresa anunciou planos para a produção de bio-
uso experimental e específico.456 Em 2011, a ANP diesel com vistas ao abastecimento de suas oper-
estabeleceu uma especificação voltada para as No Rio de Janeiro, em 2007, uma frota de 3.500 ôni- ações e projetos na Região Norte do Brasil, a partir de
misturas de óleo diesel/biodiesel com teores de bus do transporte coletivo do estado do Rio passou 2014, utilizando óleo de palma como matéria-prima.
6% a 20%, em volume, destinadas ao uso expe- a utilizar a mistura de 5% de biodiesel (B5), anteci- Em 2011, realizou a colheita dos primeiros frutos e a
rimental, atendendo ao crescente interesse do pando-se à meta prevista pelo Governo Federal. Em produção do óleo. No mesmo ano, solicitou autor-
mercado em utilizar misturas com teores diversos 2009 foi implantado o Programa Experimental Bio- ização para utilizar a mistura B25 (25% de biodiesel).
de 5%, conforme estabelece o CNPE. diesel 20%, em parceria da Federação das Empre- O objetivo da Vale é tornar-se autossuficiente na pro-
sas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio dução do biodiesel já em 2014, passando a utilizar o
Essas experiências, autorizadas pela Agência, de Janeiro (Fetranspor) com o Governo do Estado, B20 em suas operações normais e antecipando-se à
estão sendo acompanhadas e vão gerar informa- BR Distribuidora, Shell, Ipiranga, Mercedes Benz e regulamentação que prevê a composição obrigatória
ções para aumentar o percentual de adição do Volkswagen Caminhões e Ônibus. O programa visa de 20% de biodiesel no diesel a partir de 2020.459
456. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 18, de 22 de junho de 2007. Diário Oficial
[da República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 25 jun. 2007. Seção 1, p. 77-78. ; AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS
NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 2, de 29 de janeiro de 2008. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Poder
Executivo, Brasília, DF, 30 jan. 2008. Seção 1, p. 128-129.
457. URBANIZAÇÃO DE CURITIBA S/A. Sustentabilidade. Curitiba, 2015. Disponível em: <http://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/transporte/sustentabilidade>.
458. FEDERAÇÃO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES DE PASSAGEIROS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Programa ambiental. Rio de Janeiro,
2014. Disponível em: <http://www.fetranspor.com.br/programa-ambiental>.
459. VALE. Sala de imprensa da Vale. Rio de janeiro, 2014. Disponível em: <http://saladeimprensa.vale.com/pt/versao_impressao/prt_detail.
asp?tipo=2&id=19190>.
282 Petróleo e Estado
50
da, desenvolvimento regional e inserção qualifica-
40
da de agricultores familiares na cadeia de produ-
30
ção, é o objetivo do Selo Combustível Social, que 15,46%
20
integra as ações desenvolvidas pelo Ministério 10 6,13% 2,73% 0,39%
do Desenvolvimento Agrário (MDA). A iniciativa 0 Fonte: SAF/MDA
compõe o PNPB. SUL NORDESTE CENTRO SUDESTE NORTE
OESTE
1520
1500
Em 2013, as 45 usinas participantes do Selo Com-
bustível Social respondiam por aproximadamen- 1060
1000
te 99% da produção do biodiesel brasileiro, be- 667,3
Agência Petrobras
Cultura de girassol, matéria-prima do biodiesel
284 Petróleo e Estado
Regulação do etanol
Criado pelo Governo Federal em 1975, o Proálcool460 mercialização, da distribuição e da revenda, além do As obrigações do produtor de etanol estão cen-
tinha como objetivo garantir o suprimento de eta- controle da qualidade. Até que, em abril de 2011, por tradas na garantia do abastecimento do mercado.
nol no processo de substituição da gasolina, para determinação do Governo Federal,461 a ANP passou Os agentes devem informar anualmente à ANP as
fazer frente aos sucessivos aumentos do preço do a regular toda a cadeia do etanol, incluindo a fisca- capacidades relacionadas com a produção de eta-
petróleo. A ênfase do programa, que inicialmente lização de 416 instalações industriais produtoras do nol, o período de safra e o planejamento de pro-
era produzir etanol anidro para ser misturado à ga- combustível no País, com capacidade de produção dução, bem como os dados de geração de energia
solina, a partir de 1979 passou a ser a produção de de cerca de 28 milhões de metros cúbicos. As atri- elétrica. Foram estabelecidos compromissos dos
etanol hidratado, usado puro em motores adapta- buições da ANP passavam a envolver todo o con- produtores em função da capacidade de abasteci-
dos para o combustível. Entre 1983 e 1988, mais de junto de atividades econômicas relacionadas com mento definida para cada um, expressa pela razão
90% dos automóveis vendidos no País eram movi- produção, importação, exportação, transferência, entre a produção total de etanol durante a safra e o
dos a etanol. Porém, nos anos seguintes, a queda do transporte, armazenagem, comercialização, distri- número de dias do ano comercial (360 dias). Com
preço do petróleo e o aumento do preço do açúcar buição, avaliação de conformidade e certificação o objetivo de permitir a formação de estoque pelo
no mercado internacional fizeram com que o etanol de qualidade dos biocombustíveis em geral. Em se- produtor, foi determinada uma tancagem mínima
deixasse de ser vantajoso tanto para o consumidor tembro do mesmo ano, as novas funções atribuídas de etanol de 120 dias de autonomia de sua produ-
quanto para o produtor. No fim da década de 1990, inicialmente por Medida Provisória foram aprovadas ção. As usinas produtoras de pequena escala, com
caiu para 1% a venda de carros movidos a esse com- pelo Congresso na forma da Lei nº 12.490/2011. capacidade limitada a 200 metros cúbicos de eta-
bustível. Apesar dessas flutuações conjunturais, o nol por dia, não precisam solicitar autorização para
etanol manteve-se como importante componente Logo após a publicação da lei pelo Diário Oficial, no construção ou operação de suas instalações mas
na matriz energética brasileira, uma vez que passou dia 11/09/2011, a ANP elaborou três resoluções para estão sujeitas às demais obrigações. O novo regu-
a ser misturado à gasolina em percentuais de até adequar o mercado à nova realidade, submeten- lamento prevê ainda regras para comercialização
25%. Além disso, o lançamento dos carros flex (bi- do-as a consultas públicas para captar sugestões de etanol entre produtores, e de produtores com
combustíveis) pela indústria automobilística voltou de segmentos do mercado e de outros setores da fornecedores cadastrados, distribuidores autoriza-
a impulsionar o escoamento da produção de etanol sociedade envolvidos no processo de regulação. dos e com o mercado externo.
e ampliou a liberdade de escolha dos consumidores. Com essas resoluções, foram estabelecidos requisi-
tos para o cadastramento de fornecedores, comer- A ANP especifica o produto, monitora e fiscaliza
A Lei nº 11.097/2005 incluiu os biocombustíveis no cialização e envio de dados de etanol combustível sua qualidade nas distribuidoras e nos postos de
campo de atuação da ANP, porém não deixou sob à ANP;462 os critérios para a aquisição e formação revenda de combustíveis de todo o País. Presente
a responsabilidade da Agência a fiscalização da de estoque de etanol anidro;463 e a obrigatoriedade no mercado brasileiro desde a década de 1970, o
produção de etanol. No caso desse combustível, a de autorização da Agência para o exercício da ati- etanol pode ser consumido em motores desen-
função da ANP ficou restrita à fiscalização da co- vidade de produção de etanol.464 volvidos para este fim específico; ou em motores
Agência Petrobras
com tecnologia flex (na versão álcool hidratado),
adicionado ou não à gasolina, em qualquer pro-
porção; ou utilizado, como etanol anidro, na mis-
tura com a gasolina A, para produzir a gasolina C.
Agência Petrobras
Tanques de biodiesel na planta experimental do polo industrial de Guamaré (RN)
288 Petróleo e Estado
Vanguarda internacional
“Incrementar, em bases econômicas, sociais e ações do governo, bem como dar transparência
ambientais, a participação dos biocombustíveis de dados ao mercado, aos novos investidores e
A harmonização
na matriz energética nacional”. Este item foi à sociedade. de normas e a
acrescentado, em 2005, aos demais objetivos eliminação das
que já vinham norteando os trabalhos da ANP O transporte aéreo é um mercado novo e pro-
desde sua criação. Entre as atividades direcio- missor para os biocombustíveis. A Resolução
barreiras técnicas
nadas a esse objetivo, a Agência desenvolve ANP nº 20/2013,467 alinhada com as normas da são vitais para
estudos que servem de subsídios à especifica- ASTM International, especifica os querosenes a aceitação dos
ção dos novos combustíveis, elabora normas de aviação alternativos e suas misturas com o
que estimulam a inovação e participa de fóruns querosene de aviação (QAV-1) para o consumo
biocombustíveis
internacionais – como a Internacional Organi- em turbinas de aeronaves, bem como as obri- no mercado mundial.
zation for Standardization (ISO) e a American gações quanto ao controle da qualidade. Os
Society for Testing and Materials (ASTM Inter- querosenes de aviação alternativos – derivados
national). Este intercâmbio, que mantém a ANP da biomassa (bioquerosene de aviação) ou de
alinhada com a vanguarda mundial em termos fontes não renováveis, como carvão e gás natu-
de biocombustíveis, busca um padrão regula- ral – podem ser adicionados ao QAV-1 até o li-
tório internacional. Os grupos técnicos da ISO mite máximo de 50% em volume. O aumento do
para análise do etanol e do biodiesel são atu- tráfego aéreo e da demanda por combustíveis
almente coordenados pela ANP. Embora as es- de aviação cria um cenário atrativo para o de-
pecificações de cada país sejam diferentes, os senvolvimento das novas tecnologias combus-
técnicos brasileiros presentes nesses fóruns de- tíveis renováveis, propiciando maior segurança
fendem que as metodologias sejam as mesmas. energética e ambiental. Porém, o custo do bio-
A harmonização de normas e a eliminação das querosene de aviação ainda é um desafio para
barreiras técnicas são vitais para a aceitação sua aceitação em larga escala.
dos biocombustíveis no mercado mundial: tor-
nando-se commodities, o biodiesel e o etanol
poderão ser itens importantes da pauta brasi-
leira de exportações.
467. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Resolução nº 20, de 24 de junho de 2013. Diário Oficial [da
República Federativa do Brasil], Poder Executivo, Brasília, DF, 25 jun. 2013. Seção 1, p. 48-51.
Capítulo 23 - Biocombustíveis 289
Vantagens ambientais
Agência Petrobras
A incorporação dos biocombustíveis na matriz
energética brasileira traz consigo uma série de
vantagens, principalmente de cunho ambiental:
produzidos a partir de fontes renováveis, eles
emitem menos gases poluentes do que os com-
bustíveis fósseis na combustão dos motores, e
seu processo de produção tende a ser mais limpo.
468. ALBUQUERQUE, Carlos. Estudo da Embrapa quantifica vantagem ambiental do etanol sobre a gasolina. O Globo, Rio de Janeiro, abr. 2009. Disponível
em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-anteriores/21071-estudo-da-embrapa-quantifica-vantagem-ambiental-do-etanol-sobre-a-gasolina>.
469. BRASIL. Ministério da Agricultura. Brasil é líder mundial no setor de agroenergia. Brasília, DF, 2011. Disponível em: <http://www.agricultura.
gov.br/comunicacao/noticias/2011/12/brasil-e-lider-mundial-no-setor-de-agroenergia>.
290 Petróleo e Estado
Agência Petrobras
Planejando o futuro
Responder com eficiência ao crescimento das compromisso com a promoção de um am- Diagnóstico da concorrência na distribuição
suas responsabilidades e atribuições, desde sua biente regulatório seguro e estável, segundo e revenda de combustíveis automotivos, para
criação, em 1998, é um desafio que vem exigin- padrões, regras e procedimentos claros, pre- permitir maior agilidade nas análises de defe-
do da ANP um constante aprimoramento dos estabelecidos e públicos. sa da concorrência, por meio da identificação
processos de gestão e interfaces com a socieda- da situação concorrencial no Brasil e em paí-
de. Com ampla participação dos seus gestores e Os resultados que a ANP pretende alcançar nos ses selecionados.
servidores em seminários de planejamento, ofici- próximos anos foram articulados com iniciativas
nas e reuniões de trabalho, a ANP deu início, em estratégicas nas diversas áreas de atuação, como Novos programas de monitoramento da qua-
julho de 2013, à elaboração do seu primeiro Pla- os seguintes programas e projetos, entre outros: lidade, em particular no que se refere à fun-
nejamento Estratégico. Os agentes econômicos damentação conceitual, métodos e técnicas
do setor regulado pela Agência foram também Monitoramento dos fluxos logísticos de distribui- analíticas, logística de execução, contratos e
consultados, por meio de pesquisa no primeiro ção para aprimorar o abastecimento nacional. mecanismos de transparência na divulgação
trimestre de 2014. dos resultados, buscando redução de custos.
Implantação de modelos de projeção da de-
A missão da ANP, entre os fundamentos que manda de combustíveis para o Brasil, por meio Programa de Qualidade Regulatória: implan-
sustentam e direcionam esse processo de pla- de ferramentas e técnicas econométricas. tação das melhores práticas de elaboração e
nejamento, sintetiza o seu propósito e seu pa- monitoramento de agendas regulatórias, de
pel na sociedade: Tramitação eletrônica dos processos de fisca- utilização da Análise de Impacto Regulatório
lização, pelas unidades organizacionais, desde (AIR), de gestão do estoque regulatório, de
Regular as atividades econômicas das a autuação até o seu encerramento e a centra- participação social na gestão e de simplifica-
indústrias do petróleo e gás natural e lização dos dados de diferentes fontes. ção administrativa.
dos biocombustíveis de forma trans-
parente e efetiva, promovendo o inte- Reestruturação e aprimoramento dos canais Com este novo modelo, a ANP passa a monito-
resse público e atraindo investimen- de comunicação interna e externa. rar seu desempenho e seus resultados de forma
tos para o desenvolvimento destas sistêmica, colocando a estratégia no centro da
indústrias no Brasil.470 Fiscalização da obrigação de investimentos em agenda corporativa e transformando a melho-
P&D, por meio de sistema que permita o acom- ria da gestão em processo contínuo. Além de se
A transparência e a efetividade na promoção panhamento da execução técnica e financeira manter em sintonia com as demandas do presen-
do interesse público fazem parte da visão dos projetos e programas executados. te, a Agência desenvolve sua visão de longo prazo
definida pela Agência para 2018, de modo a e se prepara para o futuro.
tornar-se uma referência internacional de re- Aprimoramento dos processos de regulamen-
gulação, reconhecida pela sociedade e agen- tação da Segurança Operacional, expandindo
tes regulados por sua solidez técnica. Neste para outros setores regulados pela Agência os
sentido, algumas atitudes foram considera- conceitos já consolidados na área de Seguran-
das fundamentais, como a previsibilidade, um ça Operacional e Meio Ambiente.
470. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil). Agenda estratégica da ANP: planejamento estratégico
ANP 2014-2018, construindo o futuro agora. Rio de Janeiro, 2015. 26 p.
292 Petróleo e Estado
PERSPECTIVAS
E DESAFIOS
O setor de petróleo e gás desempenhou papel mercado de exploração e produção de petróleo
fundamental no desenvolvimento do País ao lon- e gás, por intermédio das rodadas de licitações
go deste século e meio de atividades. A implan- realizadas pela ANP, dinamizou e ampliou a ati-
tação de uma infraestrutura na área de energia, vidade exploratória no Brasil, contribuindo para o
estratégica para qualquer nação, trouxe consigo desenvolvimento econômico e social. A eficácia
a criação de uma cadeia produtiva que integra do novo modelo foi demonstrada por fatos como
a indústria de bens de capital e o segmento de a duplicação das reservas provadas nacionais, en-
prestação de serviços, responsáveis pela geração tre 1997 e 2013, e a conquista da autossuficiência
de emprego e pela manutenção da capacidade da produção de petróleo.
de crescimento econômico no longo prazo.
Aceleradas mudanças seriam desencadeadas na
No Brasil, durante boa parte de nossa história o primeira década do século XXI pela implantação
desenvolvimento da indústria do petróleo foi ca- da Lei do Petróleo, exigindo da Agência um per-
pitaneado pelo investimento público, cujo marco manente esforço de adaptação, que teve início
mais significativo foi a criação da Petrobras, em com sua estruturação organizacional. Esse esfor-
1953. Este modelo permitiu ao Estado brasileiro ço garantiu, para a ANP, mais robustez, credibili-
tomar decisões que garantiram, mesmo nos pe- dade técnica e respeito da indústria, dentro e fora
ríodos de crise econômica aguda, o crescimento do País. A fase atual é marcada pela preocupa-
contínuo do setor, o desenvolvimento de tecnolo- ção com a segurança do abastecimento nacional;
gia e a conquista de novas fronteiras, como ocor- pela ampliação do escopo de atuação regulató-
reu na exploração na Bacia de Campos, no início ria (com a introdução do biodiesel e do etanol na
da década de 1970, quando o País produzia 160 matriz energética); pela aplicação de recursos fe-
mil barris diários. Em 1981, a produção marítima derais para o conhecimento geológico e pela ge-
já superava a terrestre e, em 1984, a produção na- ração de recursos inéditos que contribuem para
cional alcançava meio milhão de barris diários. a promoção do desenvolvimento econômico e
social, graças à realização dos leilões de petróleo
No final da década de 1990, o novo arcabouço e gás, que incentivaram o ingresso de mais de 80
legal do setor possibilitou à indústria novos avan- empresas nas atividades do setor.
ços e conquistas para o País. A liderança tecno-
lógica na exploração de águas ultraprofundas Nestes 16 anos de atuação da ANP, a indústria do
e as descobertas no pré-sal da Bacia de Santos petróleo passou por grandes transformações.
são exemplos do sucesso dessa estratégia. Além Em 1998, o barril do petróleo custava cerca de
disso, a entrada de novas concessionárias no US$ 15,00. Já esteve acima dos US$ 140,00 em
Perspectivas e desafios 293
2008 e, em meados de 2014, caiu para cerca de Na outra ponta, a do abastecimento nacional, não
US$ 100,00. Os prazos de maturação dos proje- são menores os desafios da indústria. O aumen-
tos mudaram diante do aumento da exploração to da renda e a melhoria das condições econô-
em águas profundas, ultraprofundas e não con- micas da sociedade brasileira impulsionaram um
vencionais, que por sua complexidade também expressivo salto do consumo de combustíveis,
exigem mais aportes e uma incessante evolu- que exige enormes investimentos na logística de
ção tecnológica. distribuição e na infraestrutura de portos, ferro-
vias e estruturas de armazenamento. Garantir
A demanda por gás natural cresceu mais que a que os combustíveis cheguem a todo o território
do petróleo entre 2000 e 2015, e a dinâmica de nacional, rigorosamente dentro dos padrões de
precificação, em alguns mercados, desatrelou-se qualidade estabelecidos, é uma das tarefas mais
dos fatores ligados ao petróleo e seus derivados, desafiadoras que a ANP tem enfrentado.
passando a se definir por determinantes próprios.
Se o crescimento dos países asiáticos, especial- Para poder exercer de maneira cada vez melhor a
mente China e Índia, alavancou nos últimos anos atribuição legal de implementar a política energé-
a demanda de petróleo bruto, por outro lado os tica em seu setor de atuação, a ANP precisará re-
Estados Unidos reduziram drasticamente sua de- forçar, nos próximos anos, o debate com diversas
pendência externa, com o aumento exponencial esferas de governo, com a indústria e com a so-
da produção de petróleo não convencional. ciedade. Juntos, esses agentes devem contribuir
para a formulação estratégica e o constante apri-
A descoberta e a exploração das jazidas do pré- moramento de uma agenda de temas energéticos
-sal posicionaram o Brasil em situação privilegia- e industriais para o futuro do Brasil.
da no mapa geopolítico da indústria. Nos próxi-
mos dez anos, o País deverá dobrar sua produção A redução de entraves burocráticos, a formação
de petróleo, tornando-se exportador de relevân- de mão de obra qualificada, o direcionamento
cia internacional. Esse protagonismo terá reflexos dos recursos para pesquisa e desenvolvimento
extremamente positivos em toda a economia bra- em novas áreas do conhecimento, e a incorpora-
sileira, gerando receitas para a balança comercial, ção cada vez maior dos biocombustíveis na ma-
além de abrir novas possibilidades de inserção triz energética são algumas das condições que
produtiva e tecnológica para diversos setores. devem ser observadas ou aprimoradas em sin-
tonia com a construção de políticas econômicas,
As perspectivas exploratórias nacionais vão mui- ambientais, tecnológicas e sociais.
to além do pré-sal. Hoje, 20 estados brasileiros
mantêm programas de exploração e produção, A regulação pode e deve funcionar como fator
fato inimaginável há alguns anos. Ao promover de indução deste novo ciclo de expansão, que
rodadas de licitação para o desenvolvimento de trará desafios e oportunidades para todos os se-
novas fronteiras exploratórias, como as margens tores, especialmente no que se refere ao avanço
Equatorial e Leste, um dos desafios assumidos tecnológico e à capacitação de recursos huma-
pela Agência neste novo cenário é o de sinalizar nos. Diante da complexidade de uma indústria
e ampliar progressivamente as melhores oportu- cada vez maior, a otimização dos investimentos
nidades de exploração e produção de petróleo previstos para os próximos anos é um compro-
e gás, sem deixar de zelar pelas condições ade- misso que deve unir a iniciativa privada e o poder
quadas de segurança operacional e respeito ao público, de modo a acelerar o desenvolvimento
meio ambiente. econômico do País.
294 Petróleo e Estado
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Abertura: Arquivo ANP
Página 59: Jornal do Brasil, 11 Nov 1937/CPDoc JB.
Página 62: Arquivo ANP
PARTE 3
1943-1953 - Anos de redefinição
Abertura: Arquivo ANP
Página 103: Agência O Globo
Página 123: Memória Petrobras
PARTE 4
1954-1964 - A mudança de perfil do CNP
Abertura: Banco de Imagens Petrobras
Página 131: FGV/CPDOC - Arquivo Getúlio Vargas
Página 155: Jornal do Brasil, 14 março 1964/CPDoc JB.
PARTE 5
1964-1997 - CNP e DNC: do regime militar à Nova República
Abertura: Hipólito Pereira/Agência O Globo
Página 181: Estadão Conteúdo
Página 190: Memória Petrobras
Página 195: Estadão Conteúdo
PARTE 6
1998-2013 - ANP, da criação aos dias de hoje
Abertura: Agência Petrobras
Página 266-267: Diário do Vale
Jornal de Brasília
Estadão Conteúdo
Arquivo JCOM/D.A Press
Arquivo JCOM/D.A Press
Estadão Conteúdo
O Popular
Gazeta MT
Correio do Povo
O Estado do Maranhão
O Liberal
Jornal Folha do Estado
ZM Notícias
FolhaPress
Jornal Correio
CONTEÚDO FINALIZADO EM JUNHO DE 2014.