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com o pão da palavra e o pão eucarístico. Pela repetição sem-
pre renovada dos encontros, uma verdadeira amizade fiel se
cria; aqui os dois se movimentam e^ interpenetram cada vez
mais. O movimento de Jesus é a revelação progressiva do Es
pírito de Deus que se processa nos corações dos fiéis e nas
comunidades de fé e dá-lhes testemunho de que são filhos de
Deus (Rm 8., 16). Doutro lado, os cristãos se movimentam e
se aproximam, como se a jvida fosse uma romaria que ainda
não chegou ao santuário. Vivendo no mundo e passando por
ele, procuram penetrar no mistério do Deus de amor, e com
preender sua largura, comprimento, altura e profundidade, em
bora a visão seja, por ora, de maneira confusa e por espelho
(Ef 5,18; ICor 13,12). Colaborando com a graça é que hão
de se libertar, com toda a criação, dã~ escravidão da corrup
ção, esculpindo em si mesmos a imagem e semelhança escon
didas de Deus, a esperança da perfeição.
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tiplicam as injustiças j violências.^tanto maior_é a tentação
de se acomodar, entrando na dança comum da corrupçãoTmas
também tanto maior é a responsabilidade de cada um de aju
dar a consertar a máquina social e criar, pela sua vida ho
nesta, justa e sóbria, uma convivência mais humana, especial
mente para os mais pobres e fracos. Numa sociedade de clas
ses, a responsabilidade de irradiar suas virtudes se torna maior
na medida em que as pessoas ocupam postos mais altos e
têm maior poder decisório. Se a corrupção do maior é pior,
também sua virtude tem um raio mais extenso de penetração.
Os catálogos de virtudes, comunicados no Novo Testam en
to, não servem apenas para uso particular, mas para serem
praticados na convivência comunitária dos irmãos.. Os cris
tãos que procuram ' vTveT-sinceramente sua fé, inspiram espe
rança, são honestos, justos, simples, de coração aberto para
com os outros, têm forca paradigmática na comunidade e atra
em pela sua autenticidade humanãT ־No sentido paulino, eles
edificam os outros, como são edificados pelos outros e, juntos,
edificam a Igreja sobre a pedra angular que é o próprio Cristo
Jesus (Ef 2,19-22). Ninguém aprende as virtudes por si mes
mo, mas conforme os exemplos que,'desde joverh7~recebe no
espaço de sua família, sua comunidade, a parcela do m undo
em que jvive. Também ninguém 'pratica a~ virtude para si
mesmo num enriquecimento avaro, mas pratica-a, servindo aos
seus próximos, para o bem e a edificação deles (Rm 15,2).
Pela edificação m útua, o corpo de Cristo se realiza. A coor
denação e o conjunto das atividades virtuosas de cada m em
bro e de todos os membros fazem com que a Igreja irradie
a força e a luz de Deus sobre a humanidade em procura do
bem e da felicidade.
Tanto dentro, quanto fora da Igreja, a convivência com os
outros inclui o risco da tentação e da sedução do mal que
puxam as pessoas para baixo, pois o mal possui sua própria
atração contam inadora. Mas a força do mal opera dentro de
qualquer cristão, santo e pecador, e é do coração de cada um
que surgem os males que mancham e intoxicam o homem
(Mc 7 ). Mais forte, porém, do que o medo dos contatos com
os outros, é a solidariedade para com os outros, baseada no
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poder de Cristo Jesus, a fim de que todos cresçam e se esfor
cem por distinguir-se na prática do bem (Tt 3,8). Se a ma
lícia e fraqueza humanas causam escândalos na história, mais
vale a afirmação: “ Quem ama seu irmão permanece na luz e
não se tom a pedra de tropeço” (Mt 18,1-9; ljo 2,10).
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e seu sal perder a força. Esta tentação é agravada por uma
espiritualidade de doçura e consolação, de cabelos louros e
olhos azuis, que talvez corresponda ao sentimento de um
povo oprimido e sofredor, mas não corresponde ao homem
virtuoso por excelência que foi Jesus de Nazaré, mistura de
bondade e dureza, altivez e humildade, paciência misericor
diosa e radicalidade exigente. Ele nunca se curvou diante de
nenhuma autoridade humana; curvou-se para lavar õ s jie s He
seus discípulos. Não se prostrou diante de ninguém, mas con
fessou sua fraqueza no Horto das Oliveiras. S ua"força“'"foi- o
sacrifício de sua vida até à morte na cruz, morrendo pelos
nossos pecados, para nos conduzir a Deus (lP d 3,18).
Como a história da arte cristã e da espiritualidade demons
tram, a imagem do homem virtuoso Jesus conhece suas varia
ções, conforme épocas e preferências* pessoais. A própria si
tuação dos cristãos se reflete na formação da personalidade
de Jesus, o exemplo. Pela leitura atenta da Bíblia e celebra
ção eucarística nas comunidades, os discípulos encontrarão e
reconhecerão seu Senhor, como os discípulos de Emaús, e
formarão sua m aneira de agir, conforme as condições em que
se encontram , na convicção de que Cristo está sempre unido
aos seus irmãos até o fim dos tempos.
3 . A virtude de Deus
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sopro, força, poder, virtude, espírito de Deus. No Novo Tes
tamento ela se abre para o mistério da Santíssima Trindade
que habita nos cristãos, neles opera e sc revela na fraqueza
do barro humano, para que transpareça claramente que o
verdadeiro homem virtuoso provém de Deus e não é auto-
criação dele mesmo (cf. 2Cor 4,7). Deus é o grande escultor
que liberta o s homens escravos do mármore de sua prisão,
do pecado e da morte, e forma-os para a liberdade dos filhos
de Deus. servos uns dos outros pela caridade (G1 5,13). Nas
mãos de Deus, o homem é uma obra inacabada até à morte.
Por isso, no fim de sua vida. Francisco de Assis podia dizer:
Vamos começar finalmente, porque até agora temos feito pouca
coisa.
Deus é o artista que não se repete na virtude dos homens
que cria. Desde a filosofia grega antiga, o homem ocidental
em suas limitações se vê obrigado a formar esquemas de vir
tudes, com definições, divisões e subdivisões, de inegável valor
teórico e prático. Deus não usa modelos^comuns nem trabalha
com Hnha .de_produção. Sua originalidade se expressa na uni
cidade singular de ״cada pessoa, também na configuração de
suas virtudes. É um e o mesmo Espírito que realiza a todos,
reparFindo a cada um o que lhe apraz (cf. ICor 12,11). San
tos, sejam grandes, sejam pequenos de cada dia, nunca são
iguais ־nem uniformes. Pois. pelo poder daquele que nos cha
mou à sua luz adm irável, cada um publica a grandeza de
Deus de sua m aneira e forma sua imagem de Deus entre os
homens (cf. lP d 2,9).
4 . Pedras no caminho
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a palavra que Jesus deu em resposta à mulher que lhe elo
giou a mãe: “Felizes, antes, os que ouvem a palavra de Deus
e praticam ” (Lc 11,28). A teoria possui a pãz^pãcTentê^do
papel, a prática da vida descobre as pedras e buracos no ca
minho, aqui e agora.
O jn u n d o . moderno _em que os cristãos hão de dar formas
concretas à virtude é eminentemente complexo e muda em
ritmo acelerado. Não é mais a pequena aldeia, onde o tempo
parece estar parado e o padrão dos comportamentos e rela
ções sociais é mais ou menos simples e fixo. O universo em
que o homem vive atualmente constitui uma organização com
plicada e, em boa parte, invisível de convivência, produtivi
dade, trocas e consumo. Tão complexo ficou, que os métodos
analíticos da sociologia, politologia e economia se mostram in
suficientes em caprar a engrenagem real e, às vezes, seus re
sultados se contradizem. Paralelamente, também o próprio ho
mem se complicou e se vê colocado diante de desafios que
não deixam imediatamente claros qual é o caminho certo
para a virtude certa. E tambérn_dentro da Igreja, as atitudes
e posicionamentos se dividem e nem sempre chegam a uni
ficar-se no consenso de uma prática comum.
O que um caminhoneiro escreveu no pára-choque de seu
caminhão: “Tenho vergonha de ser honesto”, abre uma outra
perspectiva. Onde a corrupção virou uma endemia social e se
estende de cima para baixo; onde a impunidade dos podero
sos é proverbial e as prisões se enchem de pobres; onde o
sexo é artigo de venda, de propaganda comercial, de consumo
público; onde a violência está institucionalizada em muitas
formas de opressão e marginalização de grandes partes da po
pulação; onde os amigos recebem todos os favores e mordo
mias e para os inimigos restam a dureza da lei, a perseguição
e o exílio; onde a desonestidade quase é uma regra para so
breviver; comn ns homens se tomarão virtuosos_rem ando
contra a maré?
Pior ainda é a desvalorização das próprias virtudes que pe
netrou na consciência coletiva. A humildade se deformou na
atitude jdo_povo “hum irde” que abaixa a cabeça, cala-se e se
submete por medo. A obediência virou a execução das ordens
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de cima e basta para justificar qualquer violência ou injus
tiça. Apesar de ser cega, a justiça enxerga bem quem é quem
e parece trabalhar com duas medidas, como o povo pobre
sabe demais pelo que já apanhou. Um passado recente fazia
ainda da castidade curiosamente a rainha das virtudes, mas
serve “pra m ulher”. A prudência ficou a arma daqueles que
não querem correr risco e tomou a figura da covardia que
esvazia a virtude da fortaleza de enfrentar corajosamente a
vida neste mundo de hoje. Até a caridade, o princípio de
todas as virtudes para o cristão, foi reduzida, às vezes, a dar
esmola ou ajudar um pobre diabo que quer um prato de co
mida, de modo que o “slogan” conhecido do movimento ope
rário é: queremos justiça, não caridade.
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mar a fé cristã e tornar mais produtiva a caridade de certos
grupos. Mas a falta de ministros sacerdotais, as conseqüências
do desenraizamento religioso moral de milhares de migrantes,
a penetração da mentalidade secularizada que desvirtua a tra
dição religiosa, o empobrecimento e a marginalização de mi
lhões das classes populares formam obstáculos sérios ao apro
fundamento da fé, à força da esperança e à prática eficiente
da caridade. Por falta de pesquisas, o otimismo e o pessimis
mo costumam dirigir as impressões de cada um. O mesmo
vale para com a fé do povo, tão variada, geralmente subde
senvolvida e sincretista, e a penetração de seitas protestantes
novas entre os batizados católicos.
Os dois pólos da dinamização do conjunto da fé, esperança
e caridade são o povo de Deus em comunidade e a pessoa do
cristão. Nas últimas décadas, um feliz encontro se realizou
entre as iniciativas de renovação pastoral, inspirada no Con
cílio Vaticano II, da parte de muitos bispos e padres, e as
iniciativas de avivamento em muitas comunidades de base.
Também aqui o inimigo semeou joio no meio do trigo e criou
confusão (Mt 13,25). Também aqui esqueceu-se o sábio con
selho de Gamaliel (At 5,28s). Mas a série de planos pastorais
e os documentos de Medellín e Puebla deram e continuam
dando seus frutos na intensificação da vida comunitária, pela
colaboração generosa de muitos leigos.
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1. O fortalecimento da fé
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Parasitas da fé que vêm de data mais longa são as supers
tições que formam um anel nebuloso e obscuro em redor da
vivência cristã de muitos. A fraqueza interna e o subdesen
volvimento da fé abrem um largo espaço em que também
cristãos se deixam dominar pelos mil medos que sua cami
nhada pelo mundo cria e procuram soluções de seus pro
blemas e segurança de seu futuro na base de rituais supers
ticiosos, cartomantes, astrologia, consultas em centros espíritas
e práticas de macumba. Às vezes, tais coisas são feitas sob o
manto de que “ a gente nunca sabe”, mas continua sempre a
mesma preocupação existencial, a mesma insegurança básica
da vida humana, que não encontra paz e tranqüilidade na fé
cristã que se7 confessa.
A margem ampla de sincretismo e superstição indica que
a maneira histórica de conceber e viver a autenticidade da fé
cristã na Igreja da América Latina deixa muitos batizados in
satisfeitos e subdesenvolvidos em sua capacidade de equili
brar sua existência em nome do verdadeiro Deus e Pai de
nosso Senhor Jesus Cristo. O problema pastoral e moral do
crescimento da fé pessoal e comunitária se impõe aqui com
força. Parasiticida pode ser uma tática neste campo, comba
tendo as deformações. Melhor, porém, é cumprir a missão das
comunidades eclesiais de aprofundar a verdadeira fé de seus
membros. Quanto mais a vivência e convivência da confiança
autêntica em Cristo Jesus se intensificarem, tanto mais os su
cedâneos supersticiosos perderão seu sentido de apoio e cairão
como folhas secas da árvore da vida cristã.
2. A esperança em ação
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sua frente, mas esperam dias melhores para seus filhos e fazem
sacrifícios duros, para que eles não sofram o que seus pais
agüentaram. Sempre fica algo a esperar, é preciso inventar
uma saída ou encontrar uma solução. Na vida também a ten
tação do desespero e do desânimo se apresentam, mas a von
tade de viver e sobreviver costuma vencer, custe o que custar,
a inclinação para a morte.
Na perspectiva religiosa moral, a esperança se inclina, mui
tas vezes, para a passividade de quem espera trem, parado
com sua mala na estação. Esse tipo de espera não chega à
preguiça que São Paulo criticou em certos membros da Igreja
em Tessalônica, que se ocupavam de futilidades (2Tm 3,6-12).
Deixando de lado as formas dc malandragem, o povo pobre
costuma trabalhar e trabalhar muito, gastando sua energia e
saúde em serviços, muitas vezes, brutos.
O problema está nas deficiências da visão escatológica cris
tã. O povo pobre convive ainda muito com a morte e com
seus mortos, apesar da infiltração do modernismo que tenta
tirá-los do visual da vida pública. Há certa consciência do
fim do mundo que vai acabar, até em breve, sentimento que
se repetiu já várias vezes nas culturas ocidentais no fim de
um século. Mas a expressão popular “ no fim vai dar certo”
não deixa bem elucidado que o reino de Deus vem na me
dida em que é realizado também pela cooperação no bem que
os homens fazem.
Fazendo o bem é que a humanidade constrói a estrada,
aterrando vales e aplainando montes, em direção ao cume da
montanha do tempo, em que o Senhor virá para julgar os
vivos e os mortos e a plenitude do reino se revelará. A espe
rança não é simplesmente esperar até que o Senhor venha,
mas se confirma e realiza pelas boas obras dos homens. Pelo
amor que praticam, a esperança que inspiram, a paz que co
municam, a sinceridade com que tratam os outros, a justiça
que fazem a todos, a honestidade com que trabalham, a co
ragem com que animam os irmãos na luta, mas também pelo
gesto tão singelo de dar um copo de água a quem tem sede,
continuam a construir o reino que com Jesus já veio entre
nós, como se fosse o prelúdio da grande ópera de Deus, cuja
parte final ainda falta.
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3. Caridade e história
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O problema premente do analfabetismo, enfrentado pelo
Movimento de Educação de Base e o método Paulo Freire,
descortinou uma outra sombra da vivência histórica da cari
dade. Essa não só conhecia a generosidade da doação, a de
dicação que não mede sacrifício, mas também se vestia do
paternalismo que concede favores aos subalternos e deixa-os
no estado de dependência em que estão presos. O povo
aprendeu a cantar que o amor liberta. Esta libertação traz
consigo o respeito pela pessoa dos outros, especialmente dos
mais fracos e mais necessitados. Enquanto for possível, eles
precisam ser ajudados a andarem em liberdade pelas suas
próprias pernas, ganharem seu lugar para participar da vida
comum e chegarem à autonomia de agir e manterem-se na ־so
ciedade. A preocupação econômica pensa em aumentar o
número de braços e cabeças para. produzir em dependência
do sistema capitalista. O amor cria nos outros a consciência
de ser “gente" que se comunica com os demais em pé de
igualdade e assume sua parte responsável na formação de
uma nova civilização de amor humanizante para todos.
Entendido no contexto atual da América Latina, o impulso
do amor fraterno leva a inculturar esta energia, por extensão,
na ação política. Em países de pluripartidarismo, ao menos,
isso significa uma opção política partidária, pois tal situação
não permite neutralidade. Pelo mesmo amor samaritano, esta
opção será em favor preferencial pelas classes eufemisticamen-
te chamadas menos favorecidas, para dar-lhes a face de pes
soas de pleno direito e de participantes ativos da sociedade,
não só enquanto produzem, mas também enquanto comparti
lham justamente dos frutos de seu trabalho. Se a lei de Cristo
nos obriga a ajudar-nos uns aos outros a carregar os nossos
fardos (Gl 6,2), a lógica exige que sejam ajudados primei
ramente aqueles que mais sofrem sob a carga que levam na
caminhada da vida.
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fortaleza, podem dar a impressão de serem quatro virtudes
autônomas e independentes. De fato, como a própria palavra
“cardo" indica, são o conjunto de eixos em que o agir e fazer
humanos estão engrenados; unidas formam a espinha dorsal
do homem virtuoso. Delas, as ações humanas são como frutos
do mesmo tronco comum e tiram sua energia, seu equilíbrio
e justa medida. Agindo e construindo, os homens realizam
em liberdade os desejos e projetos pelos quais optaram, com
as forças de que dispõem e dentro das proporções justas.
Desde a antiga filosofia grega, formou-se uma longa tra
dição expositiva destas quatro qualidades de todo agir virtuo
so das pessoas humanas. Os tempos mudam, as situações são
outras. Por isso, em vez de repetir o que está consagrado
pela teologia moral herdada é mais útil analisar apenas alguns
aspectos que merecem especial atenção nas condições da vida
latino-americana. Pois, como as pessoas, suas portadoras e
agentes, as virtudes não são abstrações que independem das
categorias do tempo e do espaço vividos, mas se formam e
realizam em situações históricas concretas e determinadas
épocas.
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crítica começa a ser tolerada, às vezes, contanto que seja
“construtiva”, conforme o esquema mental dominante de ver,
optar e fazer as coisas. Como se faz uma crítica construtiva
à repressão policial, à tortura, à exploração de trabalhadores,
à miséria de tantas famílias?
Crítica é uma qualidade inata nas pessoas humanas. Na
narração de Adão e Eva já consta sua presença simbólica na
forma da árvore do conhecimento do bem e do mal. Confor
me a raiz original grega, significa separar, como a mulher faz
catando arroz na peneira; examinar para ver o que presta e
não presta; distinguir o que é verdadeiro, digno, justo, ho
nesto, virtuoso de tudo quanto há de mentiroso, falso, indig
no, malicioso na complexa realidade humana, sempre mis
tura de luzes e sombras; discernir entre o bem e o mal e,
em função deste discernimento, decidir e agir; julgar o que
tem acontecido e o que há de se fazer; formar sua opinião,
tomar posição na situação, como se apresenta. Evidentemente,
estas atividades originais humanas serão tanto mais necessá
rias, quanto maior for a crise em que a pessoa, a sociedade
se encontra. O fato de que crítica e crise provêm do mesmo
verbo grego “krinein” tem um profundo sentido existencial.
O instrumental humano para fazer críticas é bastante variá
vel. Há a racionalidade fria que observa os fatos, analisa
uma realidade, faz pesquisas, julga conforme critérios prees
tabelecidos. leis ou normas, usa argumentos objetivos ou apre
sentados como tais. Há o bom senso com que o povo roda,
muitas vezes, a espiral do ver, julgar e agir de sua vida. O
coração, a sensibilidade, as emoções têm tanta influência que
a única explicação da crítica pode ser: eu sinto assim. A
espontaneidade da indignação pessoal diante de cenas de vio
lência, miséria de favela, mais um desastre com caminhão de
bóias-frias, ao lado do gosto pelo bem, desempenha seu papel,
pois quanto mais crítica é a situação, tanto mais crítica pro
voca. Em termos de instrumento, os cristãos estão numa po
sição especial pela vivência de sua fé eclesial que implica a
normatividade da Igreja.
O ponto nevrálgico da atividade crítica está na autocrítica
ou na capacidade de incluir o sujeito no pensamento critico.
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A herança filosófica grega e, mais ainda, as ciências empí
ricas modernas colocaram a objetividade no centro de modo
tal que a subjetividade, o sujeito humano, que observa, julga,
decide, ficou marginalizado. Para o lado negativo vale a obser
vação evangélica: “Tira em primeiro lugar a trave de teu
próprio olho, antes de tentar tirar o cisco do olho de teu
irmão" (Mt 7,3). Para o lado positivo, como base de qualquer
crítica, funciona o aviso: examine-se cada um a si mesmo
(num contexto mais estreito: ICor 11,28).
Numa sociedade de classes ou de hierarquia de poder, esta
regra é mais rigorosa ainda, porque o lugar, a posição social
e o ângulo de aproximação da realidade complexa da vida hu
mana condicionam o processo da crítica e a aceitação ou re
jeição da crítica feita por outros. A percepção e o julgamento
das pessoas são diferentes também conforme o esquema men
tal, a experiência existencial, a história de cada um, cada
grupo ou classe. Por isso, a crítica supõe que, olhando em
redor de si, o sujeito inclusivamente se analisa a si mesmo
no universo observado e se conscientiza de seus próprios
óculos.
Para vencer este limite-obstáculo, a hum ildade de escutar
os outros e compreendê-los presta bom serviço. A realidade
eclesial e política, econômica, social contém uma grande massa
de conflitos e contrastes, que nenhuma ideologia de ordem e
paz chega a camuflar. Nesta situação complexa, o simples
bom senso tirará o absolutismo das próprias afirmações e
abrirá os ouvidos para prestar atenção aos outros que ocupam
outro lugar no m undo do convívio humano. Assim, o cami
nho para um relativo consenso comum se iniciará, a fim de
formar uma base suficiente para agir sobre a realidade his
tórica e fazer, pela colaboração mais ampla possível, as re
formas de que a hum anidade está precisando urgentemente.
Aprender dos outros e com os outros também é caridade
cristã, seja no campo da fé e da construção da Igreja, seja no
terreno da sociedade política e econômica.
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m uro, sem participação ativa no jogo. A responsabilidade do
povo de Deus pela realização progressiva do reino de Deus
entre os homens não perm ite a situação côm oda de ser mero
público falante, produtor de discursos. A expressão de que
não há inocentes na história talvez seja chocante, mas ao
menos desperta a consciência dos cristãos para não repetir o
gesto de Pilatos. A crítica envolve o crítico nos acontecimen
tos, seja confirm ando o rumo da hum anidade pela sua cola
boração ativa, seja quebrando a continuidade e criando outro
rum o, m ais evangélico e hum ano. Crítica inclui a lealdade de
cooperar e a coragem de rem ar contra a m aré ao mesmo
tempo, visto que na realidade presente da Igreja e da socie
dade o bem e o mal, a vida e a m orte se confundem .
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poder de m ando. Depois de séculos de repressão, tais m ovi
m entos de libertação podem ter seus excessos, mas esses são
as som bras de um novo senso de justiça que está brotando
entre o povo oprim ido. Doutro lado, a sociedade de classes,
concentradora do poder político-econômico, conhece a justiça
de classes: favores, vantagens e lucros para uns e deveres,
sacrifícios e exploração para os outros.
O ponto central é a ligação que há entre direitos e deve
res (Jo 2 3 ). N a prática é costume que, se um reclam a seus
direitos, o outro exige que ele cum pra seus deveres. T oda
via, a relação entre direito e dever ultrapassa em m uito este
tipo de troca. De fato, a relação se desenvolve em três dim en
sões do agir hum ano:
a. Q uem tem o direito, tem o dever de cuidar bem dele.
Se o direito é apenas teoria, deve lutar para que se torne
realidade. A transição de o que os antigos juristas rom a
nos cham aram o “ ius ad re m ” para o “ius in r e ” h á de
ser feita em prim eiro lugar pela ação responsável da pró
p ria pessoa ou classe social. Ninguém pode ficar de b ra
ços cruzados, esperando m ilagre ou que outros lutem por
ele.
b. A segunda dim ensão é sugerida pela Regra Á urea (M t
7 ,1 2 ). D ireitos hum anos não são propriedade particular,
m as supõem reciprocidade. O que um a pessoa exige como
seu direito, há de conhecer e respeitar tam bém com o di
reito dos outros. O senso de justiça quer igualdade de
todos e não conhece acepção de pessoas ou de classes,
nem discrim inação de sexo, cor ou raça, porque a digni
dade hum ana é com um a todos.
c. O am or cristão exige solidariedade, especialm ente para
com aqueles cujos direitos legítimos são lesados, e leva a
lu tar ao lado deles, para que obtenham espaço para viver
e liberdade de participar da form ação de um a sociedade
justa. A realização deste projeto tem seu preço, às vezes,
bem alto. O exem plo por excelência desta solidariedade
foi dado p o r Jesus de N azaré que sacrificou sua vida p ara
lib ertar seus irm ãos de ontem , hoje e am anhã de todos
os m ales e até da m orte.
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3. A coragem de viver
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nhor, m inha força; Senhor, minha rocha, minha cidadela, meu
libertador, meu Deus, meu rochedo onde me refugio, meu
escudo, força de minha salvação, minha fortaleza” (SI 17,2-
5). E a gratidão para com esta comunicação contínua da
força de Deus faz assumir a lei, gravada nos corações: “Ama
rás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a
tua alma e de todas as tuas forças” (Dt 6,5; Mt 22,37 e par.).
Nesta convicção, continua a viver e lutar o povo de Deus
da Nova Aliança, encontrando no evangelho a força de sua
salvação e liberdade (cf. Rm 1,16). Eles sabem que o ho
mem prudente constrói sua casa sobre a rocha que é Cristo
Jesus, a força de Deus encarnada (cf. Mt 7,24). Na peregri
nação por este mundo, funciona também a força das trevas
da qual até Jesus foi vítima (Lc 22,53). Seu poder é tão
grande, que São Pedro o compara com um leão que ruge,
buscando a quem devorar, e São João com uma fera que
recebe do dragão sua força, seu trono e poder (lP d 5,8; Ap
13). Mas pela graça do Senhor Jesus, os cristãos estão firmes.
Sabem que a tribulação produz constância, a constância prova
a fidelidade, e a fidelidade comprovada produz a esperança
que não ilude, porque o amor de Deus foi derram ado em
seus corações pelo Espírito Santo que lhes foi dado (cf. Rm
5,1-5).
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O mundo atual do qual todos fazem parte, cada um de sua
maneira, forma um grande quadro destemperado de contras
tes gritantes, que causa angústia e náusea. A liberdade é o
valor central da vida das pessoas e base da sua moral, mas
estão presentes tanto as violações dos direitos humanos nas
ditaduras, como os abusos da liberdade de explorar os fracos,
m anipular a opinião pública, abusar dos outros como objetos
e todas as formas de egoísmo que a civilização burguesa co
nhece. O consumismo leva a uma saturação em que as m aio
res extravagâncias e desperdícios são possíveis e, assim mes
mo, deixam apenas um sentimento de tédio. Mas na mesma
cidade, gente vira latas de lixo à procura de comida, como
se fosse cachorro sem pedigree. No campo sexual os extremos
se tocam, do tabu e da libertinagem. Um poeta escreveu com
“spray” no m uro: “Triste sina da nossa geração, perdemos o
medo de transar e descobrimos o medo de am ar”. O sexo se
tornou passatem po, sem assumir a responsabilidade de uma
relação mais profunda e duradoura entre as pessoas.
A energia vital das pessoas e dos povos que os impulsio
na a se realizarem , criando sociedade e cultura, conhece um
vasto espectro de atividades humanas e integra um a grande
variação de motivos desde a caridade de Cristo (2Cor 5,14)
até a mais simples necessidade de comer e dorm ir. Neste pro
cesso, manifestam-se a grandeza e a m iséria dos hom ens, a
altura que sabem alcançar e a baixeza a que podem chegar,
as virtudes e os vícios que a experiência hum ana acumulou
na história da paz e da guerra, do am or e do ódio. Os de
sejos, impulsos e propensões que as pessoas sentem e as forças
que nelas operam orientam sua cam inhada para o bem ou
para o m al, para sua libertação ou destruição. Sem eles, o
ser hum ano não vive e não realiza nada; com eles, ele é o
cavaleiro que há de pôr cabresto, freio e rédeas para, sen
tado neles, m antê-los sob seu domínio, guiá-los e viajar longe
sem tropeço ou queda.
O antigo adágio de que a virtude está no meio, im plica a
tem perança como o fiel perm anente de todo agir m oral. Na
práxis, o fiel do equilíbrio não é indicador igual a todos;
varia de acordo com pessoas e situações. A tem perança é como
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a tem peratura do corpo que permite ligeiras variações, sem
atingir a saúde. Deus não trabalha com clichês, mas com
filhos vivos que, andando passo a passo, precisam equilibrar-
se sempre de novo na realização dos projetos que o Espírito
lhes inspira. Provocações não lhes faltam , nem de dentro, nem
de fora. Mas desvencilhando-se das cadeias do pecado e ar
mando-se de paciência e sobriedade, eles assumem a luta que
lhes é proposta, com o olhar fixo no autor e consum ador de
sua fé, Jesus (cf. Hb 12,1).
219
1,52, etc.). Aos discípulos não resta outra atitude senão seguir
seu Mestre que duplam ente e de modo inimitável se hum i
lhou. Sendo de condição divina, aniquilou-se a si mesmo, as
sum indo a condição de escravo; mas, reconhecido como ho
mem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a
m orte e m orte de cruz (F1 2,5-11).
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Para crescer e ficar forte, o corpo hum ano precisa de exer
cícios, esporte, ginástica, andar a pé, além de um a boa ali
mentação. Para o devir do homem virtuoso, a alimentação é
o Espírito Santo prom etido por Jesus, a Palavra de Deus, a
celebração eucarística com os irmãos.
BIBLIOGRAFIA
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M OUNIER, E. O compromisso da fé, Duas Cidades, São Paulo, 1971.
,?3, O C ) r'2^
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