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A TEORIA DE BASIL BERNSTEIN:

alguns aspectos fundamentais

Ana Maria Morais *


Isabel Pestana Neves **

Resumo
O artigo começa por fazer uma referência às obras de Basil Bernstein que constituem os marcos fundamentais da
evolução do seu pensamento. Segue-se uma descrição pormenorizada dos modelos que contêm os principais con-
ceitos da sua teoria – Modelo de Reprodução e Transformação Cultural e Modelo do Discurso Pedagógico – em
que se explicita o significado teórico desses modelos e conceitos e se apresentam exemplos que concretizam a
sua expressão ao nível de textos e contextos pedagógicos. O artigo inclui também os desenvolvimentos mais re-
centes do pensamento de Bernstein, explicitando as suas ideias sobre as formas que os discursos, sujeitos à
transformação pedagógica, podem assumir - Discursos Verticais e Discursos Horizontais. Finalmente, aborda-se a
teoria de Bernstein no quadro da investigação empírica, salientando-se o seu posicionamento epistemológico e
explicitando o modelo de metodologia que ele preconizava como “motor” do desenvolvimento de qualquer teoria.
Palavras-chave: Teoria de Basil Bernstein, discurso pedagógico, investigação empírica.

Abstract
The article begins with a reference to the pieces of work that Basil Bernstein considered to have been the land-
marks of the evolution of his thought. This is followed by a detailed description of the two models that contain the
main concepts of his theory – Model of Cultural Reproduction and Transformation and Model of Pedagogic Dis-
course – where the theoretical meaning of these models and concepts is explained and where are given some
examples of how to put them into practice at the level of pedagogic texts and contexts. The article also includes
the most recent developments of Bernstein’s thought by explaining his ideas about the forms discourses can take
– Vertical and Horizontal Discourses. Finally, Bernstein’s theory is approached within the framework of the empiri-
cal research, highlighting his epistemological positioning and explicating the methodological model that he sug-
gested should be the driving force of any theory.
Key words: Theory of Basil Bernstein, pedagogic discourse, empirical research

Introdução Bernstein considera que o seu trabalho inicial na


Sociological Research Unit cristalizou no artigo Clas-
A evolução do pensamento de Bernstein aparece sification and Framing, onde conseguiu libertar-se
fundamentalmente em cinco volumes, referidos em das imperfeições da teorização sócio-linguística,
conjunto como Class, Codes and Control, I-V. A fazer a distinção entre poder e controlo, distinção
primeira edição do Volume I foi publicada em 1971 e que considerava ser absolutamente necessária, e
a segunda edição do último volume em 2000. Em mostrar que podia haver várias modalidades de
retrospectiva, (Bernstein, 2001b) considera que há código elaborado. Desta forma, a questão consistia
quatro dos seus artigos que constituem marcos da em descobrir quais eram os princípios de selecção e
teoria: porque razão uma determinada modalidade de códi-
go era institucionalizada para grupos particulares de
1971 - On the classification and framing of educati- alunos.
onal knowledge
Embora Bernstein considere este um artigo fun-
1981 - Codes, modalities and the process of cultural damental, pensa que o artigo mais importante foi
reproduction: A model Codes, Modalities and the Process of Cultural Repro-
1986 - On pedagogic discourse duction: A Model. Os dois estão separados por um
período de tempo de dez anos. Bernstein afirma que
1999 - Vertical and horizontal discourse: An essay este artigo olhou para o que tinha sido feito e deu

*
Professora Catedrática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Investigadora e co-fundadora do Centro de Investiga-
ção em Educação da Faculdade de Ciências da Universidade da Universidade de Lisboa. Fundadora e co-coordenadora do Grupo
ESSA – Estudos Sociológicos da Sala de Aula. E-mail: ammorais@fc.ul.pt.
**
Professora Associada da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Investigadora do Centro de Investigação em Educação
da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Co-coordenadora do Grupo ESSA – Estudos Sociológicos da Sala de Aula.
E-mail: imneves@fc.ul.pt.
Práxis Educativa, Ponta Grossa, PR, v. 2, n. 2, p. 115-130, jul.-dez. 2007.
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origem a uma teorização dos códigos muito mais Modelo de reprodução e transformação cultu-
formal e conceptualmente mais elegante. O artigo ral
sobre as modalidades de código tentou colmatar
deficiências anteriores no que respeita ao processo Central ao desenvolvimento deste modelo, está o
de transmissão/aquisição, à definição do contexto e conceito de código considerado como um princípio
às traduções macro-micro, através do desenvolvi- regulador, tacitamente adquirido, que selecciona e
mento do que considerou ser uma linguagem de integra os significados relevantes, a forma da sua
descrição mais poderosa. Ele abriu caminho à con- realização e os contextos evocadores. O código é,
ceptualização do aparelho pedagógico. assim, um regulador da relação entre contextos e
gerador de princípios orientadores da produção dos
Até aos anos 80, o trabalho foi dirigido para a
textos adequados a cada contexto. A um nível ope-
compreensão dos diferentes princípios de transmis-
racional, o código é definido pela relação entre a
são/aquisição pedagógica, dos seus contextos de
orientação de codificação e a forma como essa ori-
geração e da sua mudança. Estes princípios foram
entação é realizada, segundo a fórmula:
conceptualisados como modalidades de código. Con-
tudo, para além da classificação e enquadramento
das categorias do currículo, o que era transmitido
não foi objecto de análise. Em meados dos anos 80,
o que era transmitido passou a ser o foco da análi-
se. A teoria sobre o aparelho pedagógico, isto é, a Nesta fórmula, OE/R refere-se à orientação de co-
teoria da construção do discurso pedagógico, das dificação que pode ser restrita ou elaborada. Na
suas regras de distribuição, recontextualização e orientação restrita, os significados são particularis-
avaliação e da sua base social foi então desenvolvi- tas, dependentes do contexto e têm uma relação
da. O artigo On Pedagogic Discourse, primeiramente directa com uma base material específica. Na orien-
publicado em 1986, transformou-se numa versão tação elaborada, os significados são universalistas,
muito mais elegante em 1990. Nesta versão foi de- relativamente independentes do contexto e têm uma
senvolvida uma forma de análise em que foi feita a relação indirecta com uma base material específica.
distinção entre fracções de classe e onde se colocou Pela sua própria natureza, o discurso (e prática)
a hipótese de que a orientação ideológica, os inte- pedagógico oficial da escola institucionaliza uma
resses e modos de reprodução cultural estariam orientação elaborada. Os discursos (e práticas) pe-
relacionados com as funções dos agentes (controlo dagógicos locais na família podem corresponder a
simbólico ou economia), o seu campo de localização uma orientação restrita ou elaborada, dependente
e a sua posição hierárquica. basicamente da posição da família na divisão social
de trabalho - a uma divisão simples corresponde
Contudo, as formas dos discursos, isto é, os prin- uma orientação restrita e a uma divisão complexa
cípios internos da sua construção e da sua base corresponde uma orientação elaborada. Contudo,
social, não haviam sido analisados. Desenvolveu-se esta relação não é linear pois pode ser ultrapassada
uma análise das modalidades de código elaborado e pelo acesso da família a contextos diferenciados,
dos seus contextos sociais de geração e uma análise disponíveis quer através da educação formal quer
da construção do discurso pedagógico que as moda- através da sua participação em agências de oposi-
lidades de código elaborado pressupunham, mas ção/desafio/resistência (sindicatos, partidos políti-
não se procedeu a uma análise dos discursos sujei- cos) ou em agências de reprodução cultural (institu-
tos a transformação pedagógica. Isso foi feito no ições desportivas, religiosas). Além disso, deve no-
artigo Vertical and Horizontal Discourse: An essay. tar-se que todas as famílias utilizam uma orientação
Não é intenção deste texto apresentar a teoria de restrita, em determinados contextos de interacção.
Bernstein nas suas múltiplas facetas e desenvolvi- A orientação, elaborada ou restrita, pode dar lu-
mentos, até porque seria impossível abarcar toda a gar a uma vasta gama de realizações. A forma como
riqueza e profundidade da obra de Bernstein. O seu os significados são realizados depende da distribui-
objectivo é descrever dois dos principais modelos ção de poder e dos princípios de controlo que regu-
que sintetizam as ideias fundamentais contidas na lam as relações sociais e os contextos da interacção
sua teoria e que têm constituído o principal suporte pedagógica. Na fórmula atrás referida, C e E corres-
teórico da investigação realizada pelo Grupo ESSA - pondem aos conceitos de classificação e de enqua-
Modelo de reprodução e transformação cultural e dramento, usados para analisar respectivamente as
Modelo do discurso pedagógico. Para além da des- relações de poder e de controlo que caracterizam
crição destes modelos, é feita uma referência parti- uma dada estrutura social; +/– são os valores forte
cular a um dos desenvolvimentos mais recentes da ou fraco que a classificação e o enquadramento
teoria, incluindo as ideias de Bernstein sobre os podem tomar; i refere-se a relações internas, ou
discursos verticais e horizontais e também a impor- seja, a relações dentro de um qualquer contexto de
tância da teoria no quadro da investigação empírica. comunicação (família, escola, trabalho); e refere-se
a relações externas, isto é, a relações entre diferen-
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tes contextos comunicativos (família e escola, co- controlo é implícito e aparece como inerente a uma
munidade e escola, escola e trabalho). A classifica- pessoa e não a uma posição formal. A socialização
ção refere-se ao grau de manutenção de fronteiras dentro desta regra encoraja comportamentos espon-
entre categorias (professores, alunos, espaços, con- tâneos, a manifestação das relações sociais e o seu
teúdos de aprendizagem, escola, família, etc.). A questionamento e os tipos sociais produzidos não
classificação é forte quando há uma nítida separação são provavelmente fortes e bem marcados.
entre categorias, o que dá origem a hierarquias em
A estrutura da socialização reflecte, assim, um
que cada categoria tem um estatuto e voz específi-
conjunto de relações de classificação e de enqua-
cos e, portanto, um determinado poder; a classifica-
dramento e são estas relações que modelam as
ção é fraca quando há um esbatimento das frontei-
estruturas mentais, estabelecendo procedimentos de
ras entre categorias. O enquadramento refere-se às
codificação assentes em regras distintas. Contudo,
relações sociais entre categorias, isto é, à comunica-
por detrás de uma dada classificação e de um dado
ção entre elas. É forte quando as categorias com
enquadramento estão, respectivamente, as relações
maior estatuto têm o controlo nessa relação; é fraco
de poder e os princípios fundamentais do controlo
quando as categorias de menor estatuto também

RELAÇÕES
DE CLASSE

Distribuição de poder Princípio de controlo

Divisão social de trabalho Relações sociais


GERAÇÃO GERAÇÃO
DA DA
VOZ MENSAGEM
Princípios hierárquicos Princípios de comunicação

Classificação CÓDIGO Enquadramento

CONTEXTO DE COMUNICAÇÃO

Regras de reconhecimento Regras de realização

AQUISIÇÃO AQUISIÇÃO
DA Aquilo que pode ser associado Prática tácita Como as relações podem ser DA
tornadas públicas
VOZ MENSAGEM

Sintaxe de geração CÓDIGO Sintaxe de realização

Aquilo que está para ter voz Aquilo que está para ser realizado
TRANSFORMAÇÃO TRANSFORMAÇÃO
DA DA
VOZ MENSAGEM
Sintaxe de geração Sintaxe de realização

Figura 1 - Geração, aquisição e transformação do código (Bernstein, 1981)

têm algum controlo nessa relação. Entre os ex-


social. O poder mantém a classificação, isto é, os
tremos de classificações fortes e fracas e de enqua-
isolamentos, as fronteiras entre as 'coisas', sejam
dramentos fortes e fracos pó-de haver, de um ponto
elas internas ou externas ao sujeito. A modalidade
de vista analítico, toda uma gradação possível.
de socialização, isto é, a interacção pedagógica, é
Ao utilizar, nesta análise, os conceitos de classifi- regulada pela intensidade do enquadramento. Con-
cação e de enquadramento, Bernstein baseia-se em tudo, como o poder pode ser realizado através de
dois tipos ideais de estrutura social. Um dos tipos de enquadramentos de diferentes intensidades, pode
estrutura social assenta na regra "mantenham-se as ter-se uma situação em que as relações de poder se
coisas separadas". Quanto mais forte for esta regra, mantêm inalteradas mas são realizadas através de
mais fortes serão a classificação e o enquadramento uma mudança na forma de socialização.
que controlam a transmissão. O controlo é explícito
Com o modelo referente à geração e aquisi-
e aparece como inerente a uma posição formal. O
ção/transformação dos códigos (Figura 1), Bernstein
outro tipo de estrutura social assenta na regra
pretende tornar explícitas as relações entre o macro
"mantenham-se as coisas juntas". Neste caso, o
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nível institucional e o micro nível interaccional, ex- Quando a classificação é forte há um forte isolamen-
plorando a ideia de que, dependendo da estrutura to entre o discurso educacional e os discursos do
social que caracteriza uma determinada sociedade, quotidiano e, consequentemente, cada um destes
se geram determinados princípios de distribuição de discursos tem a sua voz especializada. Dessa manei-
poder e de controlo social que, ao nível do código, ra, os transmissores e os aquisidores tornam-se
se traduzirão, respectivamente, em determinados categorias especializadas, com vozes especializadas.
valores de classificação e de enquadramento. De um Do ponto de vista da aquisição da voz, a marcação
ponto de vista teórico, tal significa dizer que, numa das categorias fornece um conjunto de critérios de
sociedade caracterizada por uma distribuição equita- demarcação que permitem o reconhecimento das
tiva de poder e por princípios de controlo assentes categorias na variabilidade da sua apresentação e
em relações sociais horizontais/abertas, o código proporcionam a base para que o sujeito infira as
dominante é um código que legitima classificações e regras de reconhecimento. Estas, ao regularem a-
enquadramentos fracos. Pelo contrário, numa socie- quilo que pode ser associado, isto é, que significa-
dade caracterizada por uma distribuição hierarquiza- dos podem ser legitimamente associados, regulam
da de poder e por princípios de controlo assentes os princípios para a geração de significados legíti-
em relações sociais verticais/fechadas, o código mos, criando assim o que se designa por sintaxe de
dominante é um código que legitima classificações e geração de significados legítimos. Deste modo, pode
enquadramentos fortes. estabelecer-se uma relação entre a distribuição de
poder (externa ao sujeito) e a sintaxe de geração de
As linhas verticais do modelo indicam que a dis-
significados (interna ao sujeito), relação que passa
tribuição de poder está ligada à classificação e que
pelo princípio de classificação da divisão social de
os princípios de controlo estão ligados ao enqua-
trabalho. Contudo, pode afirmar-se que na aquisição
dramento, mostrando, no primeiro caso, a imposição
tácita de uma sintaxe específica de geração de signi-
do que tem de ser reproduzido e, no segundo caso,
ficados, não são unicamente produzidas vozes do-
o processo da sua aquisição. São os códigos que,
minantes e dominadas, mas que há igualmente, em
integrando estes dois aspectos, possibilitam que os
oposição à voz, a produção de algo que está para
sujeitos façam a leitura e criem textos que podem
ter voz e cuja sintaxe é constituída pelos isolamen-
ser legitimamente construídos, ou textos que se
tos criados pelo princípio de classificação. É a natu-
enquadrem dentro das possibilidades das sintaxes
reza arbitrária dos princípios de classificação e das
de geração e de realização, como potenciais textos
relações de poder que criam o potencial para a prá-
ortodoxos/heterodoxos. As linhas diagonais indicam
tica tácita da transformação da voz.
o processo de resistência, de desafio ou de oposi-
ção. A zona sombreada representa o processo de Embora não seja possível, ao nível do sujeito,
modelação das respostas às clivagens, às contradi- separar a voz da mensagem, é importante, de um
ções e aos dilemas que os isolamentos criados pela ponto de vista analítico, a distinção entre poder e
classificação pretendem suprimir. controlo ou seja, entre o que está para ser reprodu-
zido e a forma da sua aquisição. A mensagem cons-
É através dos códigos que os sujeitos adquirem
titui a forma de socialização no código e diz respeito
uma determinada voz e uma determinada mensa-
às relações que, ao nível da escola, correspondem a
gem. A voz é gerada pela natureza das categorias
relações pedagógicas. Os princípios de controlo es-
criadas pelos princípios da divisão social de trabalho.
tabelecem a forma das relações sociais entre cate-
Se as categorias - agentes ou discursos - são espe-
gorias, isto é estabelecem os princípios de comuni-
cializadas, cada um tem a sua identidade específica
cação que traduzem uma determinada mensagem.
e esta identidade só pode ser mantida e reproduzida
As relações pedagógicas que têm lugar na sala de
se o isolamento entre as categorias for conservado.
aula podem exemplificar a relação entre controlo,
É a força do isolamento entre categorias (classifica-
enquadramento e mensagem.
ção) que confere especificidade à categoria, dando-
lhe uma determinada voz. Assim, os vários graus de No mesmo modelo é explícita a ideia de que, de-
isolamento entre categorias dizem respeito a diver- pendendo dos valores de classificação e de enqua-
sos princípios de classificação. Vê-se assim que as dramento que caracterizam o código regulador de
relações de poder regulam os princípios de classifi- um determinado contexto de comunicação, são ad-
cação, através da conservação ou da mudança dos quiridas ao nível dos sujeitos regras de reconheci-
graus de isolamento entre categorias criadas pela mento e de realização que serão função daqueles
divisão social de trabalho. As relações de poder es- valores. De acordo com Bernstein, são os valores da
tabelecem a voz de uma categoria posicionando os classificação e do enquadramento que vão definir o
sujeitos através dos princípios de classificação que modo de transmissão-aquisição ou prática nos con-
estabelecem. textos básicos de comunicação. Os valores de classi-
ficação de uma determinada prática pedagógica
A divisão social de trabalho na educação pode
criam regras de reconhecimento específicas que
exemplificar a relação entre poder, classificação e
permitem ao aluno reconhecer a especificidade de
voz. Esta divisão social de trabalho é composta na
um contexto particular. Quando os valores de classi-
escola por categorias de agentes e de discursos.
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ficação mudam de fortes para fracos, também mu- Ao focar-se a atenção na componente intra-pessoal
dam os contextos e as regras de reconhecimento. do modelo desenvolvido por Bernstein, é de interes-
Os valores de enquadramento modelam a forma de se explicitar de uma forma mais pormenorizada a
comunicação pedagógica num determinado contex- relação que nele é estabelecida entre a orientação
to. Valores distintos de enquadramento transmitem específica de codificação e o texto entendido como
regras diferentes para a criação de textos, quer legítimo em contextos de comunicação (por exem-
esses textos sejam instrucionais ou reguladores. Tal plo, em contextos educacionais).
como valores distintos de classificação produzem e
De acordo com Bernstein, a produção textual
pressupõem diferentes regras de reconhecimento
num dado contexto depende da posse da orientação
por parte do aluno, também valores distintos de
de codificação específica para esse contexto. Isto
enquadramento produzem e pressupõem diferentes
significa que os sujeitos têm que ter quer as regras
regras de realização por parte do aluno.
de reconhecimento, isto é têm que ser capazes de
De uma forma global, pode afirmar-se que en- reconhecer o contexto, quer as regras de realização,
quanto a parte do modelo que relaciona a estrutura isto é têm que ser capazes de produzir o texto ade-
social com o código, corresponde ao nível de gera- quado àquele contexto. As regras de realização di-
ção do código, a parte do modelo que relaciona o zem respeito não só à selecção, mas também à pro-
contexto de comunicação com a orientação específi- dução de significados. Os sujeitos têm que seleccio-
ca de codificação, corresponde ao nível de aquisição nar os significados adequados e produzir os textos
do código. Ao interligar estas duas partes, Bernstein de acordo com esses significados, mostrando assim
pretende tornar explícitos os mecanismos que são um desempenho correcto no contexto e demons-
responsáveis pela reprodução social e cultural. Con- trando possuir regras de reconhecimento e de reali-
tudo, ao considerar, no mesmo modelo, relações zação. A falha em mostrar desempenho pode indicar
recíprocas entre diferentes componentes, e diferen- falta de regras de reconhecimento ou de realização
tes níveis, pretende igualmente salientar os meca- ou ambas. Quanto às regras de realização, os sujei-
nismos que podem conduzir a situações potenciais tos podem não ser capazes de seleccionar os signifi-
de mudança e, portanto, à transformação social e cados ou de os produzir ou ambas as coisas. Se são
cultural. Este é um aspecto de crucial importância capazes de seleccionar os significados mas não são
no desenvolvimento deste modelo porque mostra capazes de produzir o texto, dizemos que têm uma
como as relações geradas ao nível estrutural se realização passiva. Se o texto é produzido mostram
podem reproduzir, mas também transformar-se, ao ter realização activa. Contudo, para que se verifique
nível interaccional. É também importante, na análise a produção do texto, os sujeitos têm também que
deste modelo, referir que o código contém uma possuir as disposições sócio-afectivas específicas do
dimensão inter-pessoal e uma dimensão intra- contexto, isto é, têm que ter as aspirações, motiva-
pessoal. A primeira é de natureza social e reflecte as ções e valores apropriados. As regras de reconheci-
relações criadas pelo tipo de estrutura da sociedade, mento regulam as regras de realização. Estes dois
sendo por isso exterior ao sujeito; a segunda, embo- princípios e as necessárias disposições sócio-
ra socialmente determinada, reflecte o que ocorre afectivas são adquiridas socialmente e tornam-se
ao nível do sujeito, sendo portanto interna a ele. parte das estruturas internas do sujeito.

ORIENTAÇÃO ESPECÍFICA DE CODIFICAÇÃO DISPOSIÇÕES SÓCIO-AFECTIVAS

REGRAS DE REGRAS DE REALIZAÇÃO


RECONHECIMENTO

Selecção dos Produção


significados textual
(realização passiva) (realização activa)

Esempenho do aluno
COMPETÊNCIAS COGNITIVAS E
SÓCIO-AFECTIVAS

Figura 2 - Orientação específica de codificação, disposições sócio-afectivas e desempenho dos alunos em co


tos específicos de aprendizagem (Morais & Neves, 2001)
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A Figura 2 mostra as relações entre a orientação A posse de regras de reconhecimento e de reali-
específica de codificação e as disposições sócio- zação para contextos locais, conduz à aquisição de
afectivas no desempenho do aluno em contextos uma orientação restrita, enquanto a posse daquelas
particulares de aprendizagem. A inter-relação evi- regras para contextos generalizados conduz o sujei-
dente no modelo entre a orientação específica de to à aquisição de uma orientação elaborada.
codificação e as disposições sócio-afectivas procura
Outro aspecto crucial, contemplado no modelo
realçar a sua influência mútua. Embora constituindo
de reprodução e transformação cultural, refere-se à
realidades diferentes no interior do sujeito, a posse
relação "estrutura social - posicionamento - código".
da orientação de codificação específica pode ser
Tal relação traduz a ideia que o posicionamento dos
limitada pelas disposições sócio-afectivas, que, por
sujeitos (determinado pelos princípios de poder e de
sua vez, são limitadas pela orientação de codifica-
controlo que caracterizam uma dada estrutura soci-
ção.
al) é determinante do código que regula a sua forma
Exemplificando estas relações, no caso das com- de interacção com outros sujeitos. Neste sentido, e
petências cognitivas exigidas em contextos específi- considerando a macro estrutura hierárquica da soci-
cos da sala de aula, diríamos que os alunos que edade, sujeitos com diferentes posicionamentos
estão a receber uma prática pedagógica que requer, nessa estrutura tenderão a ter acesso a códigos
por exemplo, a competência de resolução de pro- diferentes, revelando, em contextos de comunica-
blemas são bem sucedidos (revelam um desempe- ção, uma orientação específica de codificação (re-
nho adequado) quando: (a) reconhecem a especifi- gras de reconhecimento e de realização) que tende
cidade do micro-contexto de resolução de problemas a variar em função desse posicionamento. Contudo,
no âmbito daquela prática (regras de reconhecimen- o modelo permite igualmente considerar uma rela-
to); (b) seleccionam os significados adequados à- ção de sentido inverso entre posicionamento e códi-
quele micro-contexto, isto é, sabem como proceder go. Com efeito, o acesso a contextos de educação
para resolver problemas correctamente (realização formal ou a participação em agências de oposi-
passiva); (c) produzem o texto, isto é, apresentam ção/desafio/resistência (sindicatos, partidos políti-
uma solução correcta para o problema (realização cos) ou em agências de reprodução cultural (institu-
activa); e (d) possuem disposições sócio-afectivas ições desportivas, religiosas), pode conduzir a uma
favoráveis àquela realização (motivações, aspira- mudança do código inicialmente adquirido pelos
ções, valores). No caso das competências sócio- sujeitos e essa mudança pode, por sua vez, influen-
afectivas, os alunos que recebem uma prática peda- ciar o seu posicionamento e, consequentemente, a
gógica que requer, por exemplo, a competência de forma da sua relação com outros sujeitos em con-
cooperação, são bem sucedidos (revelam um de- textos específicos de comunicação.
sempenho adequado) se (a) reconhecem a especifi-
A aplicação do modelo descrito à análise de con-
cidade do micro-contexto da cooperação no âmbito
textos de comunicação na família, na escola e na
do contexto regulador da sua prática (regras de
formação de professores (como por exemplo, ao
reconhecimento); (b) seleccionam os significados
nível da relação pai/mãe-filho, da relação professor-
apropriados a esse contexto, isto é, sabem o que
aluno ou da relação formador-professor), pressupõe
devem fazer para cooperar (realização passiva); (c)
considerar que qualquer contexto de interacção
produzem o texto, isto é, cooperam de acordo com
pedagógica reflecte também uma estrutura social
as regras da aula (realização activa); e (d) têm dis-
com uma determinada organização hierárquica.
posições sócio-afectivas em relação àquela realiza-
Neste sentido, da mesma forma que ao macro-nível
ção (motivações, aspirações, valores).
da estrutura social se criam princípios de poder e de
Desta forma, estabelece-se uma relação de con- controlo que são geradores do código, também ao
tinuidade entre a família e a escola sempre que está nível dos contextos da família e da escola existem
presente na primeira uma orientação elaborada e relações de poder e de controlo que irão determinar
sempre que as duas práticas respectivas são con- o código regulador das interacções pedagógicas
vergentes em termos das relações de classificação e presentes nesses contextos. Neste caso, falar de
de enquadramento presentes nos seus processos de código significa falar do princípio que regula os dis-
socialização. Contudo, uma relação de descontinui- cursos e práticas presentes em contextos de trans-
dade não é determinante para o insucesso escolar missão-aquisição na família e na escola e que con-
dos alunos, isto é, não é uma determinante do não duzirá à aquisição, por parte de fi-
reconhecimento e da não realização nos contextos lhos/alunos/professores, da orientação específica de
escolares específicos nos quais os alunos são avalia- codificação para esses contextos. Além disso, da
dos. Características específicas das práticas pedagó- mesma forma que ao macro-nível da estrutura social
gicas escolares podem ser favoráveis à aquisição existe uma organização hierárquica, em que os dife-
das regras de reconhecimento e de realização ne- rentes sujeitos ocupam posições diferentes, também
cessárias ao desenvolvimento de competências cog- ao nível dos vários contextos da família e da escola
nitivas e sócio-afectivas. existe um tipo semelhante de organização, em que
pais e filhos, professores e alunos, formadores e
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professores ocupam determinadas posições hierár- recontextualização, constituem os princípios funda-
quicas. Assim, falar de posicionamento na família, mentais de ordenação de qualquer discurso pedagó-
na escola ou no contexto de formação de professo- gico, regulando as práticas pedagógicas específicas,
res significa falar de uma posição assumida pelo isto é, a relação entre a transmissão e a aquisição
sujeito na interacção com outros sujeitos diferenci- dos discursos pedagógicos específicos. O aparelho
almente posicionados. pedagógico, ao regular a relação entre as regras de
distribuição, de recontextualização e de avaliação,
A aplicação do modelo à análise das relações so-
estabelece a relação entre poder, conhecimento e
ciais que caracterizam um qualquer contexto peda-
consciência e, desta forma, constitui um instrumento
gógico, mostra que, tal como ao macro-nível da
crucial de reprodução cultural. É o aparelho pedagó-
estrutura da sociedade, também ao micro-nível das
gico que, através das regras de distribuição, distribui
estruturas educacionais, é a natureza dessas rela-
o poder. Este embebido no conhecimento educacio-
ções que irá determinar, em grande parte, o papel
nal, de acordo com os princípios de recontextualiza-
reprodutor ou transformador da estrutura social. Daí
ção do discurso pedagógico, é inculcado nos sujeitos
o interesse que deve ser atribuído, no contexto edu-
quando, através das regras de avaliação, são dife-
cacional, ao tipo de interacções que se estabelecem.
rencialmente posicionados, adquirindo uma consci-
ência específica.
Modelo do discurso pedagógico
Para se compreender a importância do discurso
pedagógico como instrumento dominante na regula-
Com o modelo do discurso pedagógico, directa-
ção da reprodução cultural, torna-se necessário
mente centrado no que é transmitido como conhe-
compreender como ele é produzido e reproduzido. O
cimento educacional, Bernstein desenvolve uma
modelo representado na Figura 3 refere-se à produ-
teoria sobre a produção e reprodução do discurso
ção e reprodução do discurso pedagógico oficial em
pedagógico, considerando que a gramática interna
sociedades contemporâneas desenvolvidas e assenta
desse discurso é fornecida pelo aparelho pedagógi-
em dois pressupostos fundamentais.
co, através de regras de distribuição, de recontextu-
alização e de avaliação. São as regras de distribui- Um dos pressupostos é que o contexto geral con-
ção que marcam e
especializam, para grupos dife-
rentes, o pensável/impensável
Campo Internacional
e respectivas práticas, através
de agências pedagógicas
Geração
Nível I

CAMPO
diferentemente especializadas. DO ESTADO

Ao regularem oficialmente o
P
R
Campo da Campo do
grau de classificação entre o
O
Economia Controlo
D
Simbólico
pensável e o impensável (e U
Ç PRINCÍPIOS
DOMINANTES
respectivas práticas) e, Ã
O
(DRG)

portanto, o grau de isolamento D


entre grupos, práticas e
Recontextualização

O Campo de Recontextualização
Oficial
contextos e entre princípios de D
Nível II

P
comunicação diferentemente DISCURSO
PEDAGÓGICO OFICIAL
especializados, as regras de (DPO)

distribuição constituem um
princípio de classificação básica Campo de Recontextualização
Pedagógica
que regula as relações entre a
distribuição de poder, o conhe- R
DISCURSO PEDAGÓGICO DE REPRODUÇÃO
DI
cimento e as formas de E
P
Dimensão estrutural
Classificação
Dimensão interaccional
Enquadramento
DR
consciência. As regras de R
O
recontextualização, que são
Transmissão

D
U Transmissores
Nível III

reguladas pelas regras de Ç


Ã
Espaços/Agências
Regras
discursivas
distribuição, regulam a
Discursos
O Código Pedagógico
Sujeitos Regras
constituição dos discursos pe- D
O
hierárquicas

dagógicos específicos, isto é, D


Aquisidores

regulam o que (discursos a P

serem transmitidos-adquiridos) Campo de Recontextualização

e o como da transmissão- Campo de Contextualização Primária


aquisição (discursos que regu- (Família/Comunidade)

lam os princípios da
transmissão-aquisição). As Figura 3 - Modelo do discurso pedagógico de Bernstein (1986, adapt. por
regras de avaliação, por sua
vez reguladas pelas regras de Morais & Neves)
122
temporâneo de reprodução educacional está relacio- recontextualização. Neste processo intervêm, direc-
nado com o campo da economia e com o campo do tamente, dois campos - o campo de recontextualiza-
controlo simbólico. O primeiro refere-se à produção ção oficial, directamente controlado pelo Estado, e o
de bens e de serviços e à distribuição e circulação campo de recontextualização pedagógica. Ambos
de capital económico e, no segundo, tem lugar a são influenciados pelos campos da economia e do
criação, distribuição, reprodução e mudança legíti- controlo simbólico e a sua principal actividade é a
mas da consciência através de meios simbólicos, isto definição do que e do como do discurso pedagógico.
é, de princípios de comunicação. O outro pressupos- Quando os discursos pedagógicos produzidos ao
to é o de que o contexto de reprodução educacional nível dos campos de recontextualização oficial e
tem como objectivo geral posicionar os sujeitos pedagógica são inseridos no nível de transmissão,
(professores e alunos) em referência a um conjunto eles podem sofrer ainda um processo de recontex-
de significados (discursos recontextualizados, geral- tualização, que depende do contexto específico de
mente designados por conhecimento educacional cada escola e da prática pedagógica de cada profes-
transmitido pela escola) e de relações sociais (práti- sor. Desta forma, o discurso reproduzido nas esco-
cas específicas reguladoras da transmissão-aquisição las, e salas de aula, é influenciado pelas relações
dos significados legítimos e da constituição da or- que caracterizam os contextos específicos da sua
dem, relação e identidade). Implícito aos significa- transmissão. Também pode ser influenciado pelas
dos e às relações sociais está o código pedagógico relações que se estabelecem entre os contextos da
que é tacitamente adquirido pelos alunos. O modelo escola e da família e comunidade.
engloba três níveis fundamentais de análise - gera-
O modelo sugere que a produção e reprodução
ção, recontextualização e transmissão - e mostra
do discurso pedagógico envolvem processos extre-
que o discurso pedagógico é determinado por um
mamente dinâmicos. Por um lado, os princípios do-
conjunto complexo de relações que pressupõem a
minantes que são transmitidos pelo discurso regula-
intervenção de diferentes campos e contextos. Os
dor geral reflectem posições de conflito e não rela-
dois primeiros níveis de análise estão associados à
ções estáveis. Por outro lado, há sempre fontes
produção do discurso pedagógico e o terceiro nível à
potenciais ou reais de conflito, resistência e inércia
sua reprodução.
entre os agentes políticos e administrativos do cam-
O modelo, embora primariamente construído pa- po de recontextualização oficial, entre os diversos
ra o sistema de educação formal, pode ser (e tem agentes do campo de recontextualização pedagógica
sido) estendido a outros contextos de reprodução e entre o contexto primário do aquisidor e os princí-
cultural, nomeadamente ao contexto da famí- pios e práticas da escola. Além disso, os professores
lia/comunidade. Assim, as análises que tomam como e os autores de manuais escolares podem sentir-se
referência este modelo têm potencialmente a capa- incapazes ou relutantes em reproduzir o código de
cidade de estabelecer relações aos vários níveis da transmissão educacional subjacente ao discurso
intervenção educativa, quer internamente ao siste- pedagógico oficial. É este dinamismo que permite
ma educacional formal, quer entre a educação for- que a mudança tenha lugar. De acordo com Berns-
mal e a educação familiar. tein, um aparelho pedagógico que ofereça maiores
possibilidades de recontextualização, através de um
Focando-se nas características distintivas que
maior número de campos e contextos envolvidos,
constituem e distinguem a forma especializada de
e/ou uma sociedade caracterizada por um regime
comunicação, que é realizada pelo discurso pedagó-
político pluralista, pode conduzir a um grau mais
gico, este modelo procura mostrar as múltiplas e
elevado de recontextualização e, portanto, a um
complexas relações que intervêm na produção e
maior espaço de mudança.
reprodução daquele discurso. No modelo, a produ-
ção do discurso pedagógico oficial é vista como o Ao nível da transmissão do discurso, o código,
resultado de relações que se estabelecem nos níveis um conceito central à teoria de Bernstein, surge na
de geração e de recontextualização do discurso re- sua dimensão pedagógica como o princípio que re-
gulador geral. O discurso regulador geral contém os gula a relação entre transmissores e aquisidores
princípios dominantes da sociedade e é gerado co- (sejam eles professores-alunos, pais-filhos, formado-
mo resultado das relações e influências entre o res de professores-professores) que tem lugar, du-
campo do Estado e os campos da economia (recur- rante um certo período de tempo, em contex-
sos físicos) e do controlo simbólico (recursos discur- tos/espaços especializados. O discurso pedagógico,
sivos). Está também sujeito, em menor ou maior definido pela relação DI/DR - em que DI correspon-
grau, a influências internacionais. O Estado funcio- de ao discurso instrucional, relacionado com a aqui-
na, ao nível da geração, como legitimador dos prin- sição de conhecimentos e de competências cogniti-
cípios de distribuição social do poder e do controlo vas, e em que DR corresponde ao discurso regula-
que são incorporados no discurso pedagógico oficial. dor, relacionado com a aquisição de valores, normas
Contudo, o discurso pedagógico oficial não é o resul- de conduta social e competências sócio-afectivas - é
tado mecânico dos princípios dominantes da socie- transmitido no contexto da relação pedagógica se-
dade porque estes princípios sofrem um processo de
123
gundo práticas cujas características são função do outros por fronteiras nítidas; quando a classificação
código que regula essa relação. é fraca (código de integração), o isolamento entre
os conteúdos é reduzido porque as fronteiras são
A forma de especialização da comunicação edu-
esbatidas. A classificação refere-se assim ao grau de
cacional é regulada pelo código pedagógico, o que
manutenção das fronteiras entre os conteúdos,
significa que o discurso pedagógico, presente nos
constituindo a força da fronteira o aspecto distintivo
vários níveis e em várias agências educacionais,
crítico da divisão do conhecimento educacional. O
encerra uma mensagem sociológica que é função da
enquadramento tende a ser forte num código de
modalidade de código que regula a interacção peda-
colecção, dado que existem opções reduzidas para
gógica (sendo, ao mesmo tempo, regulado por essa
os professores e alunos quanto ao controlo do que é
interacção). Deste ponto de vista, o código pedagó-
transmitido e adquirido no contexto da relação pe-
gico pode dar origem a diversas formas de discurso
dagógica. Num código de integração, o enquadra-
pedagógico e a diversos contextos sociais, depen-
mento tende a ser mais fraco, pois professores e
dendo da distribuição de poder e dos princípios de
alunos dispõem de uma gama de opções no contex-
controlo.
to da relação pedagógica.
Os conceitos de classificação e de enquadramen-
Uma mudança de códigos de colecção para códi-
to, usados para explorar diferentes realizações con-
gos de integração poderá corresponder a uma mu-
textuais da orientação de codificação (restrita ou
dança na forma de controlo sem, contudo, se altera-
elaborada), surgem aqui como conceitos fundamen-
rem as relações de poder. Se, por um lado, os códi-
tais para estabelecer a distinção crucial entre as
gos de integração podem ser vistos como expedien-
componentes de poder e de controlo que estão sub-
tes tecnológicos, por outro lado, eles também po-
jacentes à estrutura do conhecimento educacional
dem corresponder a matrizes potenciais de mudança
formal. Um código de conhecimento educacional é
destinadas a efectuar uma alteração na distribuição
um princípio que modela um dado currículo, peda-
do poder e nos princípios de controlo. Assim se ex-
gogia e avaliação e, portanto, a tipologia dos códi-
plica que os códigos de integração possam ser i-
gos pedagógicos (realidade invisível) deriva da dis-
gualmente apoiados por grupos de ideologias radi-
tinção entre os tipos de currículo (realidade visível).
calmente diferentes.
Assim, com base em dois tipos extremos de currícu-
lo (colecção e integração), é possível caracterizar, Centremo-nos agora em contextos pedagógicos
recorrendo aos conceitos de classificação e de en- específicos, nomeadamente na escola/sala de aula.
quadramento, os códigos gerais que lhes estão sub- Esses contextos são definidos pelas relações especí-
jacentes - código de colecção e código de integra- ficas de poder e de controlo entre sujeitos, discursos
ção. Quando a classificação é forte (código de co- e agências/espaços (Figura 4). A dimensão interac-
leccção), os conteúdos estão bem isolados uns dos cional de um contexto é dada pelas relações entre

CATEGORIAS RELAÇÕES PODER/CONTROLO


Professor – aluno
Espaços
Aluno– aluno

Entre disciplinas
Discursos Ci Ei
Dentro da disciplina

Professor – aluno
Sujeitos
Aluno – aluno

Agências Escola – família/comunidade

Discursos Académico – não-académico C e Ee

Sujeitos Professor – pais

i – interno
e – externo

Figura 4 - Relações específicas de classificação e enquadramento em contextos sociais pedagógicos.


124
os sujeitos e a dimensão organizacional pelas rela- quer razão, o controlo é imperativo e, neste caso, o
ções entre sujeitos, discursos e espaços. A classifi- enquadramento é muito forte.
cação é usada para analisar a dimensão organiza-
Ao nível da dimensão estrutural do código peda-
cional e o enquadramento é usado para analisar a
gógico, no contexto da sala de aula, podem-se con-
dimensão interaccional dos contextos pedagógicos.
siderar vários tipos de relações: (a) quanto aos su-
Particularmente importantes ao nível da dimen- jeitos - professor-aluno e aluno-aluno; (b) quanto
são interaccional, e dentro da relação professor- aos discursos: relação intradisciplinar, relação inter-
aluno, são as relações que se referem à selecção disciplinar e relação entre conhecimento académico
dos conhecimentos e competências, à sequência da e não académico; (c) quanto aos espaços: espaço
aprendizagem, à ritmagem, ou seja à taxa esperada do professor-espaço dos alunos e espaço dos dife-
de aquisição, e aos critérios de avaliação, isto é, os rentes alunos. Estas relações podem ser caracteriza-
critérios que determinam a produção do texto legí- das por valores diferentes de classificação. Por e-
timo. Os princípios subjacentes a estas relações xemplo, uma classificação fraca quanto à relação
designam-se, no seu conjunto, por regras discursi- aluno-aluno, significa que se esbatem fronteiras
vas, visto que se referem aos princípios que regulam entre alunos de diferentes grupos sociais (classe
a transmissão-aquisição do discurso instrucional social, género, raça, aproveitamento escolar) e uma
específico (DIE) - por exemplo, biologia, história, classificação fraca entre espaços de diferentes alu-
educação visual, etc. Contudo, a transmissão- nos significa que partilham espaços físicos e materi-
aquisição de atitudes e valores, isto é do discurso ais. Contrariamente, uma classificação forte significa
regulador específico (DRE) é também regulada por a existência de fronteiras muito nítidas entre os
regras discursivas. No primeiro caso, fala-se de uma espaços e materiais usados pelos diferentes alunos e
prática instrucional para o discurso instrucional e, no a existência de hierarquias entre os próprios alunos.
segundo caso, de uma prática instrucional para o A relação entre o espaço do professor e o espaço
discurso regulador. dos alunos pode assumir valores diferentes de clas-
sificação, consoante existir uma demarcação (classi-
As regras discursivas dizem assim respeito ao
ficação forte) ou uma proximidade (classificação
controlo que os transmissores e aquisidores podem
fraca) entre esses espaços. A classificação entre
ter no processo de transmissão-aquisição e o concei-
professor-aluno é sempre forte, dado o estatuto
to de enquadramento permite estabelecer, para
elevado que o professor assume na relação pedagó-
cada uma das regras, a natureza do controlo. Por
gica. Assim, as diferenças nas relações professor-
exemplo, o enquadramento será forte, quanto às
aluno correspondem a graus fortes de classificação
regras discursivas que regulam o DIE, se o professor
de maior ou menor intensidade.
(transmissor) tiver o controlo sobre os assuntos e
actividades a explorar (selecção), a ordem segundo No que se refere à relação entre discursos, existe
a qual se processa a aprendizagem (sequência) e o uma classificação fraca ao nível intra-disciplinar
tempo destinado à aprendizagem e se deixar claro quando se esbatem as fronteiras entre os vários
aos alunos o texto a ser produzido como resultado assuntos de uma dada disciplina, o que se traduz
da aprendizagem (critérios de avaliação); o enqua- numa articulação dos conteúdos em conceitos su-
dramento será mais fraco, quando o aluno (aquisi- cessivamente mais abrangentes. Uma classificação
dor) tiver também algum controlo na selecção, se- forte corresponde, neste caso, a uma separação dos
quência, ritmagem e critérios de avaliação. assuntos, o que se traduz num somatório de factos
sem articulação explícita entre eles. Ao nível inter-
Para caracterizar a prática pedagógica, ainda na
disciplinar, existe uma classificação forte quando
relação professor-aluno, são também cruciais as
não se estabelecem quaisquer relações dos assuntos
regras hierárquicas que regulam a forma de comuni-
da disciplina com assuntos de outras disciplinas do
cação entre sujeitos com posições hierárquicas dis-
currículo, ao passo que a classificação é fraca quan-
tintas (como é ocaso do professor e dos alunos),
do essa articulação estiver presente. No primeiro
referindo-se ao controlo que os sujeitos em interac-
caso, estamos em presença de um código de colec-
ção podem ter sobre as normas de conduta social.
ção e, no segundo caso, estamos em presença de
Neste caso, um enquadramento fraco significa, por
um código de integração, subjacentes respectiva-
exemplo, que o aluno pode criticar as práticas do
mente a um currículo de colecção e de integração. É
professor, que o professor explica aos alunos as
importante ter presente que, num código de colec-
razões porque se deve comportar de determinada
ção, a classificação ao nível inter-disciplinar assumi-
maneira, etc., apelando a uma relação inter-pessoal
rá sempre um valor forte dado que, mesmo quando
- controlo pessoal. Um enquadramento forte carac-
se estabelecem relações com os conhecimentos de
teriza um controlo posicional em que o professor
outras disciplinas, é o conhecimento da disciplina em
apela a regras e estatutos determinados. Quando o
causa que tem maior estatuto; as diferenças não
professor recorre a ordens, admoestações ou mes-
estarão então numa classificação fraca ou forte mas
mo à coacção física, como forma de levar os alunos
numa classificação mais ou menos forte. O mesmo
a comportar-se determinada maneira, sem dar qual-
se aplica a diferentes classificações que podem exis-
125
tir ao nível da relação entre conhecimentos acadé- dos para a produção e circulação de textos (como é
mico e não-académico - no contexto escolar é o o caso das ciências sociais e humanidades). No con-
conhecimento académico que tem sempre o estatu- texto da educação formal, a distinção entre discurso
to mais elevado e, por isso, as possíveis relações horizontal e discurso vertical tem expressão na dis-
com o conhecimento não académico correspondem tinção que usualmente se faz entre discurso não-
a diferentes graus de uma classificação sempre for- académico e discurso académico, entre conhecimen-
te. to local e conhecimento oficial, sendo os dois discur-
sos ideologicamente posicionados e diferentemente
A classificação e o enquadramento referem-se
avaliados.
quer às relações dentro de uma dada agência (C e E
internos) quer às relações entre agências (C e E Dada a natureza distinta dos discursos horizontal
externos) e podem variar segundo graus distintos de e vertical, a forma tomada pela pedagogia e, conse-
poder e de controlo nas relações entre categorias. quentemente, o modo de aquisição desses discursos
As variações na classificação e no enquadramento assumem características diferentes. Os conhecimen-
aos vários níveis e as variações na própria orienta- tos a serem adquiridos, no caso do discurso horizon-
ção de codificação determinam modalidades de có- tal, são relacionados não pela integração dos seus
digo distintas. Estas modalidades de código regulam significados através de um determinado princípio
práticas pedagógicas específicas, quer na escola coordenador, mas através de relações funcionais de
quer na família. segmentos ou contextos à vida do dia-a-dia. Isto
significa que o que é adquirido, e a forma como é
As relações de classificação e de enquadramento
adquirido, num segmento ou contexto, pode não ter
em contextos escolares, apresentadas na figura 4,
qualquer relação com o que é adquirido ou como é
aplicam-se do mesmo modo aos contextos familiares
adquirido noutro segmento ou contexto (por exem-
desde que se mude professor por mãe/pai, aluno
plo, aprender a apertar os sapatos não tem qualquer
por filho e disciplinas por conhecimentos familiares.
relação com a forma como se aprende a usar cor-
Aplicam-se também aos contextos de formação de
rectamente a casa de banho). Neste sentido, a or-
professores, mudando professor por formador, aluno
ganização segmentada dos conhecimentos do dis-
por professor, pais por outros agentes, escola-
curso horizontal conduz a aquisições segmentada-
família/comunidade por agências de formação de
mente estruturadas, não havendo uma necessária
professores/agências exteriores e conhecimento não
relação entre o que é aprendido nos diferentes seg-
académico por conhecimento prático dos professo-
mentos deste discurso. Além disso, a prática peda-
res.
gógica também pode variar de acordo com os seg-
mentos e, de acordo com os grupos /classes sociais,
Discursos verticais e horizontais
segmentos semelhantes podem diferir na modalida-
de de código que regula a aquisição. A ênfase desta
Num desenvolvimento mais recente da sua teo-
pedagogia segmentada do discurso horizontal recai
ria, Bernstein centra-se nas formas dos discursos
em geral na aquisição de uma competência comum
(isto é, nos princípios internos da sua construção e
e não num desempenho graduado.
na sua base social) que são sujeitos à transformação
pedagógica, para relacionar a estrutura interna dos A integração dentro do discurso vertical não é
conhecimentos especializados, a natureza posicional feita ao nível da relação entre segmentos/contextos
dos seus campos ou arenas de prática, a construção mas ao nível dos significados e, consequentemente,
de identidades e sua mudança e as formas de aqui- os procedimentos do discurso vertical não são liga-
sição para desempenhos de sucesso. dos horizontalmente pelos contextos mas ligados
Bernstein parte da distinção entre discurso 'hori- hierarquicamente a outros procedimentos. Como o
zontal' e discurso 'vertical' e considera, como crité- discurso vertical não consiste em segmentos cultu-
rios para a sua definição, as diferentes 'formas de ralmente especializados mas em estruturas simbóli-
conhecimento' que são realizadas nos dois discur- cas especializadas de conhecimento explícito, a pe-
sos. O discurso horizontal corresponde a uma forma dagogia oficial ou institucional do discurso vertical é
de conhecimento que tem como característica cruci- um processo que decorre ao longo do tempo. As
al o facto de ser segmentadamente organizado e unidades sociais de aquisição deste discurso têm
diferenciado. Usualmente conotado como conheci- uma base arbitrária diferente da base arbitrária das
mento do dia-a-dia ou do senso comum, tende a ser unidades sociais da pedagogia segmentada do dis-
um discurso oral, local, dependente e específico do curso horizontal, sendo construídas, avaliadas e
contexto, tácito e multi-estratificado. O discurso distribuídas por diferentes grupos e indivíduos e
vertical, referido como conhecimento escolar ou estruturadas, no tempo e no espaço, por princípios
oficial, pode assumir a forma de uma estrutura coe- de recontextualização. Enquanto no discurso hori-
rente, explícita, hierarquicamente organizada (como zontal existe especificidade contextual através da
é o caso das ciências naturais), ou a forma de uma 'segmentação', no discurso vertical existe especifici-
série de linguagens especializadas com modos espe- dade contextual através da 'recontextualização'.
cializados de questionamento e critérios especializa-
126
Bernstein distingue duas modalidades de conhe- descrição com gramáticas fortes (como, por exem-
cimento dentro do discurso vertical - estruturas hie- plo, a economia, a matemática, a linguística e partes
rárquicas de conhecimento e estruturas horizontais da psicologia) e os conhecimentos que possuem
de conhecimento. As estruturas hierárquicas de uma linguagem interna de descrição com gramáticas
conhecimento (como é o caso das ciências naturais) fracas (como, por exemplo, a sociologia, a antropo-
correspondem a formas de conhecimento que se logia social e os estudos culturais). Essa diferença
caracterizam por integrar proposições e teorias que traduz-se no facto de as primeiras possuírem uma
operam a níveis cada vez mais abstractos, no senti- sintaxe conceptual explícita que tem a capacidade
do de explicar a uniformidade subjacente a uma de gerar descrições empíricas relativamente precisas
gama extensa de fenómenos aparentemente dife- e/ou a formação de modelos formais de relações
rentes. As estruturas horizontais de conhecimento empíricas. Outro aspecto que distingue as estruturas
(como é o caso das ciências sociais e das humani- horizontais de conhecimento diz respeito ao número
dades) são caracterizadas por uma série de lingua- de linguagens internas que caracterizam estas estru-
gens especializadas com os seus modos especializa- turas, sendo menor no caso de estruturas de conhe-
dos de questionamento e com critérios especializa- cimento com gramáticas fortes.
dos para a produção e circulação de textos. Enquan-
Ao considerar estas diferenças, Bernstein preten-
to nas estruturas hierárquicas de conhecimento
de pôr em evidência os princípios internos da cons-
existe uma integração da linguagem, nas estruturas
trução de áreas distintas do conhecimento académi-
horizontais de conhecimento existe uma acumulação
co que são sujeitas à transformação pedagógica e
de linguagens. Do ponto de vista do desenvolvimen-
chamar a atenção para os problemas de aquisição
to destas duas formas de conhecimento, a oposição
das diferentes formas de conhecimento. Refere que,
entre teorias nas estruturas hierárquicas de conhe-
dentro das estruturas hierárquicas de conhecimento,
cimento é, de certa maneira, análoga à oposição
não se coloca, ao aquisidor, o problema de saber se
entre linguagens nas estruturas horizontais de co-
está a falar de física ou a escrever sobre física mas
nhecimento.
apenas o problema do uso correcto da física. Como
Se tomarmos a Biologia como um exemplo de esta forma de conhecimento é caracterizada por
conhecimento de estrutura hierárquica, pode dizer- uma gramática forte, essa gramática torna visível o
se que a teoria da evolução ou a teoria celular con- assunto de que trata e, para o aquisidor, a passa-
tém princípios que integram e unificam ideias rela- gem de uma teoria para outra não indica uma que-
cionadas com um conjunto de fenómenos biológicos bra na linguagem mas simplesmente uma extensão
e que o desenvolvimento destas teorias resulta de dos poderes explicativo e descritivo da linguagem.
uma conceptualização cada vez mais abrangente de No caso das estruturas horizontais de conhecimento
teorias anteriores sobre os mesmos fenómenos. O (como é o caso das ciências sociais), os problemas
desenvolvimento de uma linguagem conceptual em de aquisição surgem, em particular, quando a gra-
biologia, como em qualquer conhecimento de estru- mática é fraca.
tura hierárquica, pode implicar a refutação de posi-
As linguagens das estruturas horizontais de co-
ções anteriores ou a incorporação de posições ante-
nhecimento tendem a ser redundantes, podendo ser
riores em proposições mais gerais mas, em qualquer
designadas por linguagens retrospectivas. As rela-
dos casos, corresponde a um desenvolvimento que
ções conceptuais hegemónicas que geram têm, em-
se processa segundo uma estrutura hierarquizada.
bebido nelas, o passado e, por isso, as suas descri-
Se tomarmos a Sociologia como um exemplo de ções referem-se a algo que já passou. Contudo, sob
conhecimento de estrutura horizontal, pode dizer-se condições de rápida mudança social, o que está para
que o funcionalismo, o pós-estruturalismo, o pós- ser descrito não é descritível ou é apenas inadequa-
modernismo, etc., correspondem a linguagens dife- damente descritível numa linguagem retrospectiva.
rentes dentro desta área do conhecimento, que não Para argumentar o facto de considerar como retros-
são transmutáveis, dado que cada uma parte de pectivas as linguagens das estruturas horizontais de
pressupostos diferentes e muitas vezes opostos. conhecimento, Bernstein considera que os que con-
Assim, enquanto o desenvolvimento das estruturas tribuem para as estruturas horizontais de conheci-
hierárquicas de conhecimento corresponde ao de- mento não têm meios de isolar as suas construções
senvolvimento de teorias sucessivamente mais ge- das experiências construídas pelo discurso horizon-
rais e integradoras, nas estruturas horizontais de tal. Como consequência da sua aquisição, as estru-
conhecimento, o desenvolvimento traduzir-se-á na turas horizontais de conhecimento tendem a originar
introdução de uma nova linguagem, com um novo oradores obcecados com problemas de linguagem
conjunto de questões, de relações e, aparentemen- que usam para construir, destruir, afirmar e, por
te, com uma nova problemática, e com um novo isso, reproduzir a estrutura posicional de um particu-
conjunto de defensores. lar campo intelectual. Esta orientação obsessiva é
particularmente acentuada quando as derivações da
No caso das estruturas horizontais de conheci-
linguagem especializada dão origem a poderes mui-
mento, existe ainda uma diferença entre os conhe-
to fracos de descrição específica empírica não ambí-
cimentos que possuem uma linguagem interna de
127
gua. Poderes fracos de descrições empíricas remo- Um aspecto interessante que ressalta da concep-
vem uma fonte crucial quer de desenvolvimento, tualização anterior sobre a diferença entre estrutu-
quer de rejeição de uma linguagem particular e, ras hierárquicas e horizontais de conhecimento tem
neste sentido, contribuem para a sua estabilidade a ver com a forma como são socializados os profes-
como uma forma congelada. sores das áreas de conhecimento científico. As ciên-
cias experimentais são estruturas hierárquicas de
Dentro das gramáticas fracas das estruturas hori-
conhecimento. As teorias de instrução (ciências so-
zontais de conhecimento, pode-se fazer ainda uma
ciais) são estruturas horizontais de conhecimento.
distinção, com base na forma como elas são trans-
Isto significa dizer que o que a ser ensinado em
mitidas e adquiridas. No caso das ciências sociais, a
aulas de ciências é bastante diferente, na sua estru-
transmissão é explícita e refere-se a uma pedagogia
tura, do como se ensina. Os professores e educado-
que torna explícitos (ou tenta tornar explícitos) os
res de ciências, que têm sido primariamente sociali-
princípios, procedimentos e textos a serem adquiri-
zados dentro de estruturas hierárquicas específicas
dos. No caso das artes, a transmissão é tácita, se-
de conhecimento, têm encontrado sempre alguma
gundo uma pedagogia em que o mostrar e o mode-
dificuldade em aceitar conhecimentos caracterizados
lar precede o fazer. Esta estrutura de conhecimento
por linguagens paralelas. Esta socialização primária
é a que está mais próxima do discurso horizontal
prepara os professores e educadores de ciências
(discurso não académico, local), emergindo como
para o que do ensino e da aprendizagem. Contudo,
uma prática especializada para satisfazer as exigên-
o como do ensino e da aprendizagem requer dos
cias materiais dos seus segmentos.
professores um processo posterior de socialização
Como parte do movimento para tornar os conhe- dentro de estruturas horizontais do conhecimento.
cimentos especializados mais acessíveis aos jovens, Para conciliar estes dois processos de socialização,
os segmentos do discurso horizontal são recontex- os professores têm de dar um 'grande salto', especi-
tualizados e inseridos nos conteúdos das disciplinas almente quando passam para estruturas horizontais
escolares. Contudo, tal recontextualização não leva de conhecimento caracterizadas por gramáticas
necessariamente a uma mais efectiva aquisição. fracas. Esta pode ser uma das razões que tem leva-
Quando segmentos do discurso horizontal se tornam do os professores de ciências, os formadores de
recursos para facilitar o acesso ao discurso vertical, professores de ciências e os investigadores em ensi-
tais apropriações são provavelmente mediadas atra- no das ciências a não manifestarem grande interes-
vés das regras distributivas da escola. A recontextu- se por assuntos relacionados com a Sociologia.
alização dos segmentos é confinada a grupos sociais
Contudo, devido à gramática mais forte que pa-
específicos, normalmente os 'menos aptos'. Este
rece caracterizar alguns aspectos da psicologia, os
movimento para utilizar segmentos do discurso hori-
educadores de ciências têm aceite melhor conheci-
zontal como recursos para facilitar o acesso, nor-
mentos da psicologia para fundamentar a educação
malmente limitado ao nível processual ou operacio-
científica, do que conhecimentos da sociologia ca-
nal de uma disciplina, pode também ser ligado ao
racterizados por gramáticas fracas. Em geral, eles
'melhoramento' da capacidade dos alunos para lida-
tendem a sentir que a sociologia é muito 'frouxa',
rem com temas emergentes no seu dia-a-dia (saú-
conceptualmente pobre e incapaz de os ajudar na
de, trabalho, aptidões domésticas, etc.). Aqui, o
sua investigação e prática. Isto pode constituir um
acesso e a relevância encontram-se restringidos ao
problema sério para o desenvolvimento da educação
nível da estratégia ou operações derivadas do dis-
científica porque a análise sociológica é então, em
curso horizontal. Os discursos verticais são reduzi-
geral, tomada como não relevante.
dos a um conjunto de estratégias para se tornarem
recursos que alegadamente melhoram a eficiência A teoria de Bernstein constitui uma notável ex-
dos reportórios disponibilizados no discurso horizon- cepção. Esta teoria, que se distingue em muitos
tal. Contudo, poderá haver outro motivo. O discurso aspectos de outras teorias sociológicas, pode ser
horizontal pode ser visto como um recurso crucial vista como possuindo uma gramática forte porque
para o populismo pedagógico em nome de dar po- "tem uma sintaxe conceptual explícita capaz de des-
der ou ouvir as vozes silenciadas, de forma a com- crições empíricas 'relativamente' precisas e/ou de
bater o elitismo e alegado autoritarismo do discurso gerar modelos de relações empíricas" (Bernstein,
vertical. É oferecido aos alunos um contexto oficial 1999, p.164) e esta pode ser uma das muitas razões
no qual se fala como se pensa que esses alunos são. que tem levado alguns educadores científicos a acei-
A mudança na equidade de igualdade ('de oportuni- tá-la. De facto, a forte conceptualização que con-
dade') para o reconhecimento da diversidade (da tém, a sua tendência para níveis cada vez mais ele-
voz), pode bem ser responsável pela colonização do vados de abstracção, o seu poder de descrição,
discurso vertical ou pela apropriação do discurso explicação, diagnóstico, previsão e transferência têm
horizontal pelo discurso vertical, o que levanta uma sido apelativos aos educadores científicos. Estes
questão interessante das implicações para a igual- educadores estão provavelmente entre aqueles que
dade pelo reconhecimento e institucionalização da têm mostrado interesse nas questões sociológicas,
diversidade. principalmente (mas não apenas) seguidores de
128
Vygotsky, e que têm encontrado na teoria de Berns- de descrição externa é o meio pelo qual a linguagem
tein uma 'forma de pensamento' mais próxima das interna é activada, funcionando como a interface
estruturas hierárquicas em que foram socializados. entre os dados empíricos e os conceitos da teoria.
A linguagem de descrição não deve ser confundi-
A teoria no quadro da investigação empírica da com a análise de conteúdo, dado que esta está,
em geral, interessada em conteúdos que aparente-
Um dos aspectos cruciais da obra de Bernstein, e mente se auto-enunciam. Os princípios de descrição
que expressa a sua posição epistemológica no cam- constroem o que conta como relações empíricas e
po da investigação empírica, refere-se ao modelo de transformam essas relações em relações conceptu-
metodologia que preconiza como "motor" do desen- ais. Uma linguagem de descrição constrói o que
volvimento de uma teoria. conta como referentes empíricos, como estes refe-
rentes se relacionam uns com os outros de forma a
Com base numa reflexão sobre modos opostos de
produzir um texto específico e como estas relações
inquérito, isto é sobre métodos quantitativos e quali-
referenciais são transformadas em objectos teóricos
tativos de pesquisa, Bernstein usa os conceitos de
ou objectos teóricos potenciais.
linguagem de descrição interna e externa para pro-
pôr um modelo de metodologia em investigação Em síntese, a metodologia de investigação, tal
sociológica que tenha o potencial para permitir uma como sugerida por Bernstein, rejeita quer a análise
relação dialéctica reflexiva entre os conceitos conti- empírica, sem uma base teórica que lhe esteja sub-
dos numa teoria (linguagem interna) e os dados jacente, quer a utilização de teoria que não permita
empíricos que se pretendem analisar. Define lingua- a sua transformação com base nos dados empíricos.
gem de descrição como um esquema de tradução Ele defende o desenvolvimento de uma linguagem
mediante o qual uma linguagem é transformada externa de descrição em que o teórico e o empírico
noutra linguagem e associa a linguagem de descri- são vistos de forma dialéctica. Os modelos teóricos,

RELAÇÕES SOCIAIS DA ACTIVIDADE PEDAGÓGICA


Textos
D
es Contextos
cr
i çã
o
e ci a
ex LINGUAGEM EXTERNA DE DESCRIÇÃO ên
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Modelos Tr
Proposições
TEÓRICO
EMPÍRICO

BERNSTEIN
TEÓRICO

EMPÍRICO

LINGUAGEM INTERNA DE DESCRIÇÃO


Modelos
Conceitos

o Pr
tic ev
n ós is
g ão
ia
D

Figura 5 - Metodologia sociológica de investigação


(Morais & Neves, 2001).

ção interna à sintaxe através da qual é criada uma a linguagem de descrição e a análise empírica inte-
linguagem conceptual (modelo teórico) e a lingua- ractuam transformativamente, de forma a conduzir a
gem de descrição externa à sintaxe através da qual uma maior profundidade e precisão.
a linguagem interna pode descrever algo mais do
A figura 5 mostra, de forma esquemática, estas
que a si própria. Por outras palavras, a linguagem
relações entre as componentes da investigação.
129
O diagrama contempla as seguintes condições: o empírico. A teoria de Bernstein, enquanto possui-
dora de uma estrutura conceptual que contém po-
A linguagem interna de descrição é constituída
tencialidades de diagnóstico, previsão, descrição,
por uma teoria ou por um conjunto de teorias (neste
explicação e transferência, fornece uma poderosa
caso a teoria de Bernstein) que contêm conceitos e
linguagem interna de descrição. É esta forte lingua-
modelos a um nível elevado de abstracção.
gem interna de descrição que, ao contribuir para o
A linguagem externa de descrição é constituída desenvolvimento de uma linguagem externa de des-
por proposições e modelos derivados da linguagem crição, permite ampliar as relações em estudo e
interna de descrição, agora já com um grau mais aumentar o nível de conceptualização das análises
elevado de aplicabilidade. É a linguagem externa de realizadas.
descrição que activa a linguagem interna de descri-
ção (BERNSTEIN, 2000).
Referências
As linguagens de descrição interna e externa
constituem o nível teórico da metodologia de inves-
tigação.
1. BERNSTEIN, B. On the classification and framing
As relações sociais da actividade pedagógica re- of educational knowledge. In: YOUNG., M. (Ed.),
ferem-se aos textos e contextos pedagógicos que Knowledge and control. Londres: Collier-
constituem o nível empírico da metodologia de in- Macmillan, 1971.
vestigação.
2. BERNSTEIN, B. Class, codes and Control, Vol.
As setas, no modelo, pretendem representar a III: Towards a theory of educational transmissions.
relação dialéctica entre o teórico e o empírico - a Londres: Routledge & Kegan Paul, 1977.
linguagem interna de descrição direcciona a lingua-
3. BERNSTEIN, B. Codes, modalities and the proc-
gem externa de descrição e esta direcciona a estru-
ess of cultural reproduction: A model. Language
turação prática da investigação e a análise e inter-
and Society, 10, 327-363, 1981.
pretação dos resultados. Inversamente, os resulta-
dos obtidos aos vários níveis do trabalho empírico 4. BERNSTEIN, B. On pedagogic discourse. In:
conduzem a mudanças da linguagem externa de RICHARDSON. J. G. (Ed.), Handbook of theory
descrição, de modo a aumentar o seu grau de preci- and research for sociology of education. Nova
são. Por seu lado, a linguagem externa de descrição, Iorque: Greenwood Press, 1986.
contendo as mudanças originadas pelo empírico,
5. BERNSTEIN, B. Class, codes and Control, Vol.
conduz a mudanças da linguagem interna de descri-
IV: The structuring of pedagogic discourse. Londres:
ção. Desta forma, os três níveis constituem instru-
Routledge, 1990.
mentos activos e dinâmicos que conduzem a mu-
danças num processo de real investigação. 6. BERNSTEIN, B. Vertical and horizontal discourse:
An essay. British Journal of Sociology of Educa-
Enquanto a investigação quantitativa ortodoxa
tion, v. 20, n. 2, p. 157-173, 1999.
tem dado ênfase à teoria, a investigação qualitativa
ortodoxa tem dado ênfase à prática/ao empírico. 7. BERNSTEIN, B. Pedagogy, symbolic control
Nos seus extremos, estes dois modos de investiga- and identity: Theory, research, critique (revised
ção estão separados por forte classificação - a inves- edition). Londres: Rowman & Littlefield, 2000.
tigação quantitativa atribui um estatuto mais eleva-
8. BERNSTEIN, B. From pedagogies to knowledges.
do à teoria e a investigação qualitativa atribui um
In: MORAIS, A. M.; NEVES, I.; DAVIES, H. (Eds.).
estatuto mais elevado à prática/ao empírico. A rela-
Towards a sociology of pedagogy: The contribu-
ção dialéctica entre o teórico e o empírico procura
tion of Basil Bernstein to research. Nova Iorque:
enfraquecer esta classificação, considerando que
Peter Lang, 2001a.
teoria e prática são igualmente importantes para
uma boa investigação. Contudo, este processo dia- 9. BERNSTEIN, B. Video conference with Basil Bern-
léctico só é possível quando a linguagem interna de stein. In: MORAIS, A. M.; NEVES, I.; DAVIES, H.
descrição está conceptualizada de forma suficiente- (Eds.). Towards a sociology of pedagogy: The
mente forte para possuir poder de diagnóstico, des- contribution of Basil Bernstein to research. Nova
crição, explicação, transferência e previsão. Iorque: Peter Lang, 2001b.
É de salientar que o desenvolvimento desta me- 10.DAVIES, B. Introduction. In: MORAIS, A. M.;
todologia de investigação está intimamente depen- NEVES, I.; DAVIES, H. (Eds.). Towards a sociol-
dente das potencialidades oferecidas pela teoria ogy of pedagogy: The contribution of Basil
(linguagem interna de descrição) que a fundamenta Bernstein to research. Nova Iorque: Peter Lang,
e que o desenvolvimento da teoria depende das 2001.
potencialidades oferecidas pelos mode-
11.DOMINGOS, A. M. (presentemente Morais), Bar-
los/proposições (linguagem de descrição externa)
radas, H., Rainha, H., Neves, I. P. A teoria de
construídos com base na dialéctica entre o teórico e
130
Bernstein em sociologia da educação. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.
12. MORAIS, A., & NEVES, I. Pedagogic social con-
texts: Studies for a sociology of learning. In: MO-
RAIS, A. M.; NEVES, I.; DAVIES, H. (Eds.). To-
wards a sociology of pedagogy: The contribution
of Basil Bernstein to research (cap. 8). Nova Iorque:
Peter Lang, 2001.

Recebido em 22/10/2007
Aceito em 30/10/2007

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