Sie sind auf Seite 1von 11

II FÓRUM DE LINGUAGEM: LINGUAGEM, NATUREZA E CULTURA.

CURSO DE FONOAUDIOLOGIA DA UFRJ E FÓRUM DE CIENCIA E


CULTURA

O corpo e as emoções entre a natureza e a cultura


Octavio Bonet

É difícil pensar o começo de uma fala para um encontro que tem no título essas
três palavras tão carregadas de significados para a ciência do século XX no
geral e para a antropologia em particular.
Se a oposição natureza e cultura foi estruturante para a formação da disciplina,
a sua relação com a linguagem não foi menos importante; não só pelo fato de
todos nós estudarmos linguagens de diferentes tipos ou em diferentes
suportes, mas porque precisamos delas para nos entender. No final do século
XIX e começo do século XX, Boas já tinha percebido a sua importância ao
propor a lingüística como uma das quatro áreas que viriam estruturar a
antropologia americana posteriormente. Ou quando propôs o estudo da língua
para entender suas relações com a configuração cultural.
Lévi-Strauss (1996) nos já clássicos artigos da Antropologia Estrutural
mostrava as frutíferas relações que podiam ser estabelecidas entre a lingüística
e a antropologia, ilustrada na imagem dos antropólogos correndo atrás dos
lingüistas para que nossa disciplina consiga desenvolver uma metodologia
positiva e dos lingüistas atrás dos antropólogos buscando fazer com que seus
estudos sejam mais concretos. Se Lévi-Strauss valeu-se da lingüística para
pensar a sua antropologia, também implementou, em sua primeira
demonstração nas “Estruturas elementares do parentesco”, a oposição
natureza-cultura no começo da argumentação, no lugar do principio explicativo.
Outros trabalhos que merecem ser mencionados são aqueles que enfocaram a
dimensão pragmática da linguagem. Malinowski (1935), na sua etnografia Coral
Gardens, expõe não só os problemas metodológicos que o estudo da
linguagem apresenta para o antropólogo, como os da tradução das palavras,
mas também mostra que as palavras, quando usadas no modo direto, têm uma
dimensão pragmática: as palavras fazem, agem, produzem e conquistam.
Antes de mais nada, a língua é um instrumento de ação e não um meio de
contar uma lenda, entreter ou instruir do ponto de vista meramente intelectual.

1
Finalmente, para não me estender numa revisão arbitraria das relações entre
antropologia e lingüística poderia lembrar de Bourdieu (1996) na “Economia
das trocas lingüísticas” quando se refere à força performática do discurso.
Nesse texto, Bourdieu mostra como é necessário levar em conta as condições
sociais de produção do discurso; isto quer dizer que o poder das palavras não
está nas palavras mesmas mas no ato de delegação que institui o porta-voz
que as pronuncia.
Essas idéias têm sido, com diferentes apropriações, incorporadas aos meus
textos, mas minhas preocupações passam hoje por outras dimensões da vida
social. Hoje estou preocupado com outras formas de dizer, com outros canais
discursivos ou outros suportes. E também com aquilo que não é dito utilizando
a linguagem falada, mas é expresso e, por isso, torna-se significativo para a
ação social. Estou me referindo às dimensões emotivas e corporais da vida
social.
Trazendo essas duas dimensões não estou fugindo da temática da mesa
porque, além tratar-se de ser modos de dizer, as discussões da antropologia
das emoções tinham entre seus objetivos um antigo problema da antropologia
que é explicar a diversidade na unidade. Isto é, como explicar as diferenças
culturais observadas sem abrir mão da idéia de que em todos opera um mesmo
espírito (que é a idéia da unidade psíquica da humanidade) e que todos
compartilhamos da mesma biologia. Esse problema re-atualizava oposições
chave como universalismo-particularismo, que não é senão uma outra forma de
manifestação da oposição natureza-cultura.
O corpo como temática tem uma longa história no campo da antropologia, mas
nas últimas duas décadas do século passado ganhou força com a definição de
uma perspectiva fenomenológica, que questionava a supremacia da
representação sobre a experiência. Interessa-me resgatar nessa discussão
alguns desenvolvimentos que culminaram no atual questionamento da
oposição natureza e cultura.
Em um trabalho de revisão do campo da antropologia das emoções, em que
ressaltam a sua importância para os estudos sobre a cultura, Lutz e White
(1986) afirmam que existiriam dois enfoques majoritários para o seu estudo: o
primeiro, universalista, integraria os trabalhos mais próximos à busca de
regularidades interculturais que defenderiam a existência de uma base

2
biológica ou uma “unidade psíquica” da experiência emotiva. O segundo,
relativista e interpretivista, integraria aqueles trabalhos que consideram as
emoções como construções estreitamente relacionadas a interações culturais
específicas. Essas duas posições-chave, que estruturariam o campo dos
estudos das emoções são retomadas em Leavitt (1996), uma dessas posições
sustentada por biólogos e psicólogos (emoções consideradas universais,
corporais e internas aos sujeitos) e outra posição por antropólogos (emoções
como sendo culturalmente construídas). Podemos re-encontrar esse eixo
estruturante do campo nos trabalhos de Le Breton (1999) e no texto de Geertz
(2001) e em Reddy (1997, 2001).
O primeiro grupo tinha seu lugar de trabalho nos laboratórios de psicologia
experimental e procuravam encontrar os elementos universais das emoções
em um conjunto mínimo destas embasadas biologicamente, entender as
relações entre a emoção e a cognição, e estabelecer as relações entre os
aspectos automáticos e intencionais das emoções.1 Segundo Reddy (2001) o
conjunto desses estudos teve um movimento desde modelos lineares de
cognição até modelos que incluem múltiplos caminhos e níveis de ativação e
supressão, o que motivou uma renovação da conceituação da emoção. Essa
reinterpretação do modo de entender as emoções levou a um questionamento
das oposições entre emoção e cognição, entre pensamento e afeto e entre os
elementos automáticos (biológicos) e hábitos cognitivos aprendidos.
O segundo grupo de respostas constitui a contribuição da antropologia, que
fundamentada em trabalhos de cunho etnográfico, propicia uma visão
construcionista e semiótica das emoções; isto é, as emoções teriam
significados culturalmente construídos. Embora a significação da interface
emoção-cultura não estivesse em questão, os antropólogos discordaram em
como e em que grau as emoções são influídas, canalizadas ou construídas
pela cultura; distinção que permitiu que Reddy (1997) estabeleça uma segunda
diferenciação entre aqueles trabalhos que propõem um construcionismo “forte”
(Lutz, 1988; Abu-Lughod, 1988; Grima, 1992) e outro grupo, no qual as
expressões emocionais individuais em seu caráter dinâmico seriam formadas,
contidas e canalizadas, mas não construídas (White e Watson-Gegeo, 1990).

1
Entre outros, tinham como objetivo mostrar como a diversidade das emoções observáveis podiam ser
reduzidas a um grupo mínimo que teriam uma manifestação universal.

3
A critica que Reddy faz desse “construcionismo forte” foi, mais tarde,
contestado por Lutz, na resposta ao trabalho de Reddy, relativizando seu
próprio construcionismo ao assinalar que “as afirmações programáticas eram
expressas em um contexto no qual o laboratório psicológico clamava a única
possessão das bases para realizar afirmações válidas sobre a vida emocional
(...) Reddy não reconhece esta formação sócio-histórica do conhecimento (...)”
(Lutz, 1997, p. 345). O ponto de crítica de Reddy se direcionava, justamente,
no sentido em que caminhavam os estudos da psicologia cognitiva de superar
as oposições entre natureza e cultura ou entre afeto e cognição.
O próprio Reddy (1997, 2001) tenta superar a oposição entre o enfoque
psicologista e o culturalista criando uma teoria que busca supostos elementos
universais que se encontrariam nas emoções e, também, na forma em que
esses elementos se atualizariam diferencialmente em distintos períodos
históricos, resgatando, assim, os elementos particularistas. Reddy, que
estrutura sua teoria em dois conceitos, o de tradução e o de emotive ou atos
comunicativos emotivos, propõe que o processo cognitivo seria um tipo de
tradução, em que haveria classes de pensamentos que estão fora da
linguagem, embora estejam envolvidos na formulação de afirmações. As
emoções fariam parte desse tipo de pensamentos; seriam uma seleção de
“material pensado frouxamente conectado, formulado em códigos variáveis (...)
que tendem a ser ativados simultaneamente, mas quando ativados excedem a
capacidade de atenção para ser traduzidos numa ação ou afirmação num curto
espaço de tempo” (Reddy, 2001, p. 111).
O segundo conceito, emotives ou ato comunicativo emotivo, são afirmações
emocionais que tomam forma em primeira pessoa ou no tempo presente (ex.
eu aceito) e que tem uma relação particular com o mundo (ou referente
externo), dado que este não é passivo e emergirá modificado da interação. Os
emotives são assim influenciados ao mesmo tempo em que alteram seu
referente; fazem coisas no mundo e nesse sentido se associam ao conceito de
ato performático de Austin (de quem Reddy toma o conceito) e ao conceito de
“transformação incorpórea” de Deleuze e Guattari (1995).2 Os emotives são,
assim, instrumentos para mudar, construir, ocultar e intensificar emoções.

2
Dessa forma o conceito de ato comunicativo emotivo “focaliza sobre a interação e o comportamento
sem cedê-las a um todo-poderoso papel construtivo” (1997, p. 346).

4
Para Reddy, existiria “uma dimensão „interna‟ da emoção, mas [esta] nunca é
meramente „representada‟ por afirmações ou ações” (1997, p. 331). Essa
afirmação nos leva ao problema que apresenta o processo de tradução, dado
que pela complexidade do material pensado ativado pode exceder a
capacidade de tradução; sempre existiria, então, uma indeterminação na
tradução. Essa dimensão interna não pode ser representada pela falha
intrínseca para representar emoções; a falha é produto da dificuldade de
“traduzir” o não-verbal para o verbal e, por outro lado, haveria dimensões do
não-verbal que não são “representáveis”. O efeito emotivo derivaria dessa falha
e é a emoção em jogo que modifica a situação de interação.
A busca por superar as dicotomias pode ser observada, também, no texto de
Geertz (2001) quando sustenta a constituição cultural da emoção, mas termina
seu texto recuperando a “matriz de Gage” desenvolvida por Damásio. 3
Também Leavitt se direciona nesse sentido quando ressalta que a
complexidade da conceitualização das emoções deriva do fato de que elas não
se enquadram nem no pólo biologista nem no pólo culturalista: “o conceito e o
termo emoção são usados para se referir a experiências que não podem ser
categorizadas dessa forma [associadas a algum dos pólos em questão] porque
envolvem significado e sentimento, mente e corpo e cultura e biologia” (Leavitt,
1996, p. 515).
A contribuição de Leavitt está em propor que a convergência entre o enfoque
sociocultural e o enfoque psicológico e biológico pode tomar lugar ao redor de
uma noção semelhante a de “corpos humanos sociologizados, corpos que
normalmente existem como grupos e em interação antes que como entidades
isoladas, tendo sua existência em situações recorrentes que chamam por
respostas de sentido/sentimento que reconhecemos como emoções” (Leavitt,
1996, p. 524). Nesta proposta, os corpos sentidos e vividos permitiriam tomar
as emoções como “experiências aprendidas e expressas no corpo em
interações sociais através da mediação de sistemas de signos, verbais e não
verbais” (Leavitt, 1996, p. 526). As emoções seriam assim sentidas em
experiências corporais não pensadas ou valorizadas, ou seja, as emoções

3
Damásio no seu livro O erro de Descartes relata o caso de Phineas Gage, um operário de Nova
Inglaterra, que em 1848 sofreu um acidente que lhe ocasionou uma lesão cerebral que teve como

5
podem ser tidas como sentimentos que não necessariamente passam pela
consciência.
Entre o grupo dos antropólogos-etnográfos que começaram a trabalhar com as
emoções, Michelle Rosaldo (1984) no seu texto pioneiro sobre os Ilongot se
interessou pela forma como falamos da experiência, pela relação que existe
entre “as palavras” e o “mundo”; ou para expressá-lo em outros termos, como
os pensamentos e os sentimentos são organizados, ou atualizados, em rituais
da vida cotidiana. A noção central de liget (termo pelo qual os Ilongot significam
energia e paixão) associa-se diretamente com a noção de coração, termo que
relaciona pensamentos e sentimentos, vida interior e contextos sociais.
Nesse tipo de concepção da pessoa “o pensamento não existe isolado da vida
afetiva, o afeto é ordenado culturalmente” (Rosaldo, 1984, p. 137) e, assim, se
reconhece a existência de uma dimensão corporal das emoções (mesmo que
numa posição subordinada à dimensão cultural), já que as emoções não são
uma coisa oposta ao pensamento, mas cognições implicando uma encarnação,
como pensamentos encarnados. Para os Ilongot, segundo Michelle Rosaldo, as
emoções são “pensamentos de alguma forma „sentidos‟ em rubores,
pulsações, movimentos de nossas vísceras (...) São pensamentos
incorporados, pensamentos formados com a apreensão de que „estou
envolvido‟” (Rosaldo, 1984, p. 143; grifo da autora).
Nas posições que acabamos de apresentar vemos como começam a ganhar
“porosidade” as oposições de emoção-cognição, universal-particular, interior-
exterior e individuo e grupo. Por outro lado, Rosaldo e Leavitt, apresentam
explicitamente relações com a idéia de embodiment, com a idéia de
pensamentos que não passam pela consciência, que são sentidos no corpo.
Mas nesses desenvolvimentos, ainda temos “um corpo” que se relaciona com o
meio, ainda é uma cultura que se inscreve sobre os corpos, sobre o biológico.
Ainda é forte a fronteira entre natureza e cultura.
Em um encontro de Atenção Primaria em Saúde em Juiz de Fora um colega e
amigo falava sobre sua prática como médico em um serviço; relatava a
consulta de uma paciente que, perguntada sobre sua dor, começava indicando
um lugar nas costas e depois dizia que a dor caminhava para outros lugares.

conseqüência uma mudança radical nas suas manifestações emocionais. Nos desenvolvimentos de
Damásio esse caso permitiria demonstrar uma impressão anatômica das emoções.

6
Após o relato dessa história, ele mencionou outras nas quais as dores pulavam
de um lugar para outro e, ainda, outras nas quais as dores eram difusas. Na
palestra ele perguntou: “Gente, que anatomia é essa? Que dores são essas?”
E respondeu: “são as dores da vida”, no sentido de que não são dores
derivadas de doenças com uma inscrição anatômica
Não é novidade argumentar que os grupos sociais possuem representações
anatômicas e das doenças diferentes. Isso vem sendo trabalhado há décadas,
a partir de Mauss (2003), em seu artigo sobre as técnicas corporais, no qual
mostrava os usos práticos do corpo e como este é inscrito na e pela cultura.
Poderíamos chegar até nossos dias e pensar em Boltanski, Herzlich, Taussig,
Foucault, Le Breton, Radley, Csordas, Latour, Ingold.
Acho que a questão interessante passa não pela idéia de que existem
diferentes representações do corpo, da doença, incluindo também as emoções,
mas pela pergunta: se, de fato temos o mesmo corpo, embora que o
representamos de forma diferente, ou se nosso corpo é diferente em termos
biológicos. O interessante dessa pergunta é que dilui a fronteira entre natureza
e cultura e dilui, em última instância, nossa representação do corpo.
Se o corpo se apresenta como gerador de um conflito, muitas vezes explícito,
de possibilidades de compreensão, é pela característica do próprio corpo de
ser evasivo. Como assinala Radley, isto não significa dizer que é evasivo ao
poder biopolítico, que quer instaurar uma disciplina nos corpos, mas é evasivo
porque configura os rumos da experiência em sentidos que o discurso não
abraça adequadamente (daí a dificuldade para “mostrar”, para delimitar uma
dor; para representar uma emoção). Segundo Radley, nosso corpo existe
potencialmente em dois mundos: um mundano e outro imaginário e, justamente
por isto permitiria que se estabelecesse a passagem de um para outro. O
interessante nesta argumentação é que esses dois mundos não estão
separados, pois os nossos agentes se movem ora no mundo mundano, ora no
mundo imaginário.
Outro ponto a ser ressaltado é que o corpo deixa de ser um corpo-objeto e
passa a ser um corpo-sujeito. Nesse sentido não experimentamos nosso corpo
como um objeto externo, mas nossa experiência pessoal é vivida “em” e
“como” corpos. Como diz Csordas, nós não temos um corpo, somos um corpo.

7
Poderíamos afirmar que a antropologia do corpo fez uma primeira passagem,
do corpo-objeto ao corpo-sujeito; Le Breton descreveu exemplarmente o
processo de construção desse corpo-objeto (processo muito ligado à
construção do saber biomédico) e apontou a importância fundamental desse
processo para o surgimento do indivíduo. Assim, a construção do corpo-objeto
possibilitou a idéia de si e, nesse sentido, o corpo é o fator de individuação.
Isso significa que temos um corpo, mas quando falamos que somos um corpo
estamos fazendo outra passagem; neste ponto nosso corpo se confunde com
nossa pessoa. Ele se converte na nossa forma de estar no mundo.
A segunda passagem desta antropologia do corpo poderia estar implícita na
pergunta de Tim Ingold “Por que o cromagnon não andava em bicicleta?”. A
resposta óbvia, como diz Ingold, é que não havia bicicleta. Mas essa piada
esconde – e por isso ele faz essa indagação – uma questão relevante: que o
cromagnon não andasse em bicicleta porque não havia em seu tempo implica a
idéia de que ele tinha as possibilidades anatômicas para tal, mas não a cultura.
Estamos ainda na problemática da diferença na unidade. Em outras palavras,
biologicamente era igual a nós, mas culturalmente diferente. Ingold duvida
dessa assertiva, por considerar que, se o nosso corpo emerge da atividade do
viver, o viver afeta o modo como o corpo se constitui.
Para responder essa pergunta, Ingold compara a atividade de andar em
bicicleta com caminhar; para realizar as duas atividades temos que aprender,
ou seja, atravessar por um processo de desenvolvimento. E isso as transforma
em habilidades incorporadas. O fundamental para Ingold é que cada um de nós
começa num sistema de desenvolvimento, que ajudamos a produzir e do qual
somos o produto. Já não estamos na dimensão em que a diferenças culturais
se inscrevem numa matriz biológica, “as diferenças culturais, porque surgem
dentro do processo de desenvolvimento do organismo humano em seu
ambiente são elas mesmas biológicas” (Ingold 2001: 379). A radicalidade do
argumento de Ingold é tão forte quanto o transfundo biologista, mas se o que
recebemos é “o genoma e um pedaço de mundo” (Idem: 383), se as
especificações do genoma vão se realizar dependendo do contexto, então “as
oposições biologia/cultura e evolução e história não são mais necessárias”
(Idem: 385).

8
Se quando vemos um objeto o que estamos percebendo é o que o objeto
permite, através da nossa percepção estabelecemos relações com o mundo.
Só que como o nosso self e os outros (o entorno) são constituídos
conjuntamente, não podemos delimitar o limite de um e o início do outro. Para
Ingold, não habitaríamos um mundo em que nossas diferenças estariam
asseguradas pelos universais da natureza humana, mas porque estaríamos
dentro de um campo de relações continuas a partir do qual as relações são
geradas.
Radicalizando essa posição, Latour fala de um corpo que não se refere às
qualidades primárias, constitutivas, mas de corpos articulados com o mundo,
de corpos que aprendem a ser afetados pelo mundo, gerando dessa forma
habilidades diferentes. O que Latour denomina como articulações, aquilo que o
agente aprende e que passa a ser parte de seu corpo é o que Ingold chamou
de skill e Bourdieu nomeou como habitus. Uma skill seria uma habilidade
presente em nossos corpos, refratária à formulação em termos de qualquer
sistema de regras mentais e representações. As pessoas respondem de
diferentes formas por terem sido previamente treinadas para isso. Nos termos
de Latour, “seus sentidos estão diferentemente em sintonia com o meio
ambiente” (Latour 2004).
A pergunta que levanto é: até que ponto podemos seguir os autores
comentados? Podemos pensar que, por sermos afetados diferentemente pelo
meio, temos corpos constitutivamente distintos? Ou mesmo assim,
continuamos compartilhando uma unidade psíquica e biológica, diferindo
apenas no que concerne aos aspectos culturais? Ou ainda, será que esta
pergunta faz sentido? Se aceitamos, com Csordas, que o corpo não é só
essencialmente biológico, mas também religioso, lingüístico, histórico, cognitivo
e emocional; e que o corpo, como condição de existência, é pré-cultural e
cultural simultaneamente. Sob esta perspectiva a última pergunta não teria
sentido, porque as próprias dicotomias implícitas nela, sujeito- objeto, corpo-
mente ou natureza-cultura, já não teriam sentido. Embora, Ingold afirme que
Csordas ainda mantém as oposições e que para ser superadas deveríamos
aceitar que “o corpo é o organismo humano” (Ingold : 170).
Mas se, como afirma Le Breton (2003), nosso corpo é o fator de
individualização na cultura ocidental, abandonar a idéia de corpo significa

9
abandonar o humanismo a ele associado. Abandonar a idéia de corpo é
abandonar o mundo que se constituiu em torno dele. A importância do debate
da antropologia das emoções e da antropologia do corpo está em que nos leva
até a fronteira entre o biológico e o cultural e com isso até a própria definição
do que é ser um homem. E, ao mesmo tempo, podemos nos perguntar se
existe uma definição de “ser um homem” ou existem várias e a resposta está,
justamente nessa diversidade como argumenta Geertz ao se opor à
perspectiva iluminista. A perspectiva iluminista se fundamentava na idéia de
uma continuidade entre o homem e a natureza, por tanto as mesmas leis que
operam na segunda também operam no primeiro; nesse esquema a
diversidade cultural era sem significado quando a questão era definir sua
natureza (Geertz 1989).
Esse é o debate da antropologia desde seu inicio, talvez a novidade mais
importante nos últimos desenvolvimentos de antropologia das emoções e do
corpo esteja na ênfase colocada nas relações e não mais em alguma essência
universal operante em todas as culturas.

Bibliografia
ABU-LUGHOD, L. 1988. Veiled Sentiments: Honor and Poetry in a Bedouin
Society. Berkeley, University of California Press.
BOURDIEU, Pierre. 1996. A economia das trocas lingüísticas. O que falar quer
dizer. São Paulo: Edusp.
DAMÁSIO, A. 1996. O Erro de Descartes. Emoção, razão e o cérebro humano.
São Paulo: Companhia das Letras.
DELEUZE, G. e GUATTARI, F. 1995. Mil Platôs. Rio de Janeiro: Editora 34.
GEERTZ, C. 1989. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC.
GEERTZ, Clifford. 2001. “Cultura, mente, cérebro/ cérebro, mente, cultura”.
Clifford GEERTZ. Nova luz sobre a Antropologia. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar. pp: 68-85
GRIMA, B.1992. The Performance of Emotions among Paxtum Women. Austin,
University of Texas Press
INGOLD, T. 2000. The Perception of the Enviroment. Essays on Livelihood,
Dwelling and Skill. London, Routledge.
LE BRETON, D. 1999. Las Pasiones Ordinarias. Antropología de las
Emociones. Buenos Aires: Nueva Visión
LE BRETON, M. 2003. “Adeus ao Corpo”. In: A. Novaes (Coor.). O homem
máquina: a ciência manipula o corpo. Rio de Janeiro: Companhia das
Letras.
LEAVITT J. 1996. Meaning and feeling in the anthropology of emotions.
American ethnologist 23: 514-39

10
LÉVI-STRAUSS, C. 1996. “A análise estrutural em lingüística e em
Antropologia”. In: C. Lévi-Strauss. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro.
LUTZ, C. & WHITE, G. 1986. “The Anthropology of Emotions”. Anual Review of
Anthropology, vol. 15: 405- 436.
LUTZ, C. 1988. Unnatural Emotion: everyday sentiments on a Micronesian Atoll
and their challenge to Western Theory. Chicago, University of Chicago
Press.
MALINOWSKI, B. 1935. Coral Gardens and their magic: a estudy of the
methods of tilling the soil and of Agricultural rites in the Trobiand Island.
New York: American Book Company.
MAUSS, M 2003. “As técnicas do corpo”. In: M. MAUSS. Sociologia e
antropologia. São Paulo: Cosac & Naify.
RADLEY, A. 1995. “The Elusory Body and Social constructionist theory”. Body
And Society. Vol. 1, N° 2.
REDDY, W. 1997. “Against Constructionism: the historical ethnography of
Emotions”. Current Anthropology, 38 (3): 327- 351.
REDDY, W. 2001. The Navigation of Feeling. A Framework for the History of
Emotions. Cambridge, Cambridge University Press.
ROSALDO, M. 1984. Toward an Anthropology of Self and Feeling. In: R.
Seweder & R. LeVine, (Org.). Culture Theory. Essays on Mind, Self and
Emotion. Cambridge University Press: 137-157.
WHITE, G. y WATSON-GEGEO, K. 1990. “Disentangling Discourse”. In: G.
WHITE y K. WATSON-GEGEO (Ed.), Disentangling: Conflict Discourse
in Pacific Societies. Stanford University Press: 3- 49.

11

Das könnte Ihnen auch gefallen