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DIREITO FINANCEIRO

E TRIBUTÁRIO I

CAROLINA BARBOZA LIMA BARROCAS

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2017
Conselho editorial  roberto paes e gisele lima

Autor do original  carolina barboza lima barrocas

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gisele lima, paula r. de a. machado e aline karina rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  rafael moraes

Revisão linguística  bernardo monteiro

Revisão de conteúdo  tennyson oliveira travassos alves

Imagem de capa  piotr adamowicz | shutterstock.com

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

B277d Barrocas, Carolina Barboza Lima


Direito financeiro e tributário I / Carolina Barboza Lima Barrocas.
Rio de Janeiro : SESES, 2017.
144 p.
ISBN: 978-85-5548-498-8.

1. Finanças públicas. 2. Tributo. 3. Competência.


4. Legislação. I. SESES. II. Estácio.

CDD 343.03

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 9

1. Atividade financeira do estado 11


Introdução 12

O que é a atividade financeira do estado? 13


Elementos da Atividade Financeira do Estado 13
Poder financeiro 15
Princípios do direito financeiro 16

Fontes do direito financeiro 18


Constituição Financeira 19
Normas gerais do direito financeiro 19
Leis orçamentárias 19

Despesa pública 20
O que é despesa pública? 20
Classificações 20
Legalidade da despesa pública 21
Estágios da despesa 21
Precatórios judiciais 22

Receita pública 22
O que é receita pública? 22
Classificações 23
Renúncia de receita 23

Crédito público 24
O que é crédito público? 24
Classificações 24
Técnicas instrumentais 24
Vedações legais 24

Orçamento público 25
O que é o orçamento público? 25
Processo de elaboração 25

Tribunal de contas 26
O que é o tribunal de contas? 26
Qual é a função do Tribunal de Contas? 26
Controle e fiscalização 27
Estrutura e organização 27

Lei de responsabilidade fiscal, lc 101 de 04 de maio de 2000 (LFR) 28


Histórico 28
Natureza jurídica 28
Principais regras 29

2. Tributos: espécies e competência 37


Introdução 38

O que é o tributo? 38
Conceitos doutrinários 38
Conceito legal 39

Classificação dos tributos 41


Natureza econômica da operação 42
Função 42
Repercussão 42
Cumulatividade 42
Quantidade de incidências 43
Aspectos relevantes à quantificação 43
Competência 43
Vinculação a uma atividade estatal 44
Quanto à previsão em lei 44

Espécies tributárias 44
Teoria bipartite 44
Teoria tripartite 44
Teoria quadripartite 45
Teoria pentapartite 45
Competência tributária 46
Conceito 46
Atributos 46
Conflitos 48
Capacidade tributária ativa 50
Espécies de competência 51

Repartição de receitas tributárias 54


Funções 54
Conceito 54
Formas de repartição das receitas tributárias 55
Vedações e autorizações para retenção 59

3. Fontes e hermenêutica tributária 65


Introdução 66

Contexto histórico das fontes do direito tributário 67

Fontes do direito tributário 68


Classificação 69
Espécies 71

Hermenêutica 77
Interpretação 77
Integração 83

Interpretação econômica 85

4. Limitações constitucionais ao poder de tributar 89


Princípios constitucionais vinculados ao valor segurança jurídica 90
Legalidade 91
Tipicidade 93
Irretroatividade 94
Anterioridade 95
Noventena ou Anterioridade Nonagesimal, Mínima ou Mitigada 95

Princípios constitucionais vinculados ao valor justiça 96


Isonomia 96
Generalidade e universalidade 96
Capacidade contributiva 97
Não confisco 99
Não cumulatividade 100
Neutralidade 100

Princípios constitucionais vinculados ao valor liberdade 100


Limitação ao tráfego de pessoas e bens 100
Vedação de diferença tributária em razão da origem ou destino 101
Imunidades 101
Imunidades específicas 110

Princípios constitucionais vinculados ao valor federalismo 115


Vedação de isenção heterônoma 115
Uniformidade geográfica 116

5. Obrigação e responsabilidade tributárias 119


Obrigação tributária principal 121
Teorias sobre a natureza do vínculo 121
Obrigação tributária e crédito tributário 122
Elementos da obrigação tributária 123

Obrigação tributária acessória 127


Nomenclatura 127
Fato gerador 128
Forma de fixação 128

Obrigação tributária decorrente de infrações 129


Natureza jurídica 129
Forma de fixação 129
Fato gerador 129

Responsabilidade tributária 130


Sujeito passivo da obrigação tributária 130
Convenções entre particulares 131
Solidariedade 131
Capacidade tributária passiva 132
Domicílio tributário 132
Responsabilidade por infrações 132
Responsabilidade tributária por substituição 133
Responsabilidade tributária por transferência 135
Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

O estudo do Direito Financeiro e do Direito Tributário está diretamente rela-


cionado com a questão da cidadania. Faz parte da vida de todos nós decidir como
os recursos públicos serão gastos e de quem será a maior contribuição para que o
Estado obtenha esses recursos.
Assim, começaremos pela Atividade Financeira do Estado, que cuida da for-
ma como o patrimônio público será gerido e como os recursos públicos serão
obtidos e gastos. Estudaremos os institutos próprios do Direito Financeiro: re-
ceita, despesa, crédito e orçamento públicos. O tema será concluído pelo foco
no controle e fiscalização dessa atividade.
O segundo tema será o conceito de tributo. Identificaremos as espécies de
tributos e a qual ente federativo compete o poder de instituir tributos. Aliás, esse
poder – competência tributária – possui atributos próprios. Mas veremos que
nem sempre quem institui fica com o produto da sua arrecadação.
Como estamos em um ordenamento jurídico, precisamos identificar se há
alguma determinação de quais são os instrumentos normativos utilizados para
criar deveres e obrigações. A Constituição cuida do tema, reservando inclusive
algumas matérias para lei complementar e dispensando leis em situações em que
não se pode esperar todo um processo legislativo.
Nosso Código, apesar de várias críticas, pretende fixar regras de como deve-
mos interpretar a legislação tributária. Veremos essas críticas e identificaremos
quem pode interpretar, quais são os métodos de interpretação e quais os resulta-
dos. E, ainda, diante da ausência de norma positivada, quais são os mecanismos
para garantir a integração do ordenamento jurídico diante da tributação.
Um dos temas mais relevantes, que faz parte de toda a história do Direito
Tributário (e do Direito em si), é o das limitações ao poder de tributar. Elas
estabelecem garantias ao contribuinte diante de eventuais abusos do Estado. Por
vezes são princípios; por vezes, regras; algumas vezes, imunidades.
O último tema objeto de nosso estudo será a obrigação e a responsabilidade
tributárias. Precisamos compreender quais são os vínculos que estabelecemos
com o Estado e como esses vínculos são firmados. Em conclusão, quem são os
devedores dos tributos.

9
Nosso estudo começa pela função financeira do Estado e termina com a
identificação de quem deve pagar o tributo.

Bons estudos!

10
1
Atividade financeira
do estado
Atividade financeira do estado

Introdução

A Atividade Financeira do Estado é um tema de bastante importância para


toda a sociedade. Ela vai cuidar da maneira como o patrimônio público será ge-
rido e como os recursos públicos serão obtidos e gastos. É uma atividade instru-
mental, pois o Estado não tem como propósito ter lucro, mas isso não faz dela um
instituto jurídico com menor importância, uma vez que, sem recursos públicos,
qualquer outro projeto público será frustrado.
Neste capítulo, poderemos compreender melhor o que é essa peculiar ativida-
de do Estado e suas funções. Veremos que ela se operacionaliza através de institu-
tos que são próprios e exclusivos do Direito Financeiro, como a receita, a despesa,
o crédito e o orçamento públicos. Poderemos perceber que ela possui princípios
exclusivos que não serão estudados em nenhuma outra disciplina tamanha a espe-
cificidade da matéria.
Também será importante conhecermos como se dá o controle e a fiscalização
dessa atividade. Afinal, se não controlarmos o que os gestores públicos fazem com
nossos recursos, será impossível termos sucesso em qualquer projeto de Estado
melhor do que vivemos rumo a um desenvolvimento social e econômico real.

OBJETIVOS
•  Compreender o que é o Direito Financeiro;
•  Identificar a Atividade financeira do Estado diante das demais atividades do Estado;
•  Conhecer os princípios do Direito Financeiro;
•  Identificar as fontes do Direito Financeiro;
•  Conhecer os elementos e objetos da atividade financeira do Estado pela análise de seus
conceitos e classificações: despesa, receita, crédito e orçamento públicos;
•  Identificar a aplicação desses institutos na atividade financeira do Estado e seus mais impor-
tantes problemas: legalidade da despesa, renúncia, controle do crédito e do orçamento público;
•  Compreender os métodos de controle e fiscalização do orçamento público;
•  Identificar a função e a estrutura dos tribunais de contas;
•  Apreender os limites e vedações impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

capítulo 1 • 12
O que é a atividade financeira do estado?

Toda atividade corresponde a um conjunto integrado de ações. Isso não é


diferente com a atividade financeira do Estado. Ela corresponde a este conjunto
de ações que tem por objeto obter recursos para realizar os gastos públicos e, as-
sim, atender às necessidades públicas. Ricardo Lobo Torres, nesse sentido, define:
“Atividade financeira é o conjunto de ações do Estado para obtenção da receita e a
realização dos gastos para o atendimento das necessidades públicas”.1
Essa ideia apresentada se ajusta a qualquer modelo econômico ou momento
histórico. Em verdade, o que determinará o momento histórico e o modelo eco-
nômico é a finalidade dessa Atividade Financeira aliada ao modo de obter esses
recursos e gastá-los. Se o objetivo é atender aos interesses do rei e de sua corte, se
há uma nítida confusão entre o que é do rei e o que é público, verdadeiramente
estamos na Idade Média, diante de um possível governo absolutista, mas ainda
assim a definição lá se aplica.
Se o objetivo é atender aos anseios da coletividade, do povo, se os recursos pú-
blicos são obtidos e gastos seguindo estritos padrões legais, estamos provavelmente
em um modelo de Estado Democrático de Direito Constitucional. O mesmo
conceito, de igual forma, se aplica.

Elementos da Atividade Financeira do Estado

Os conceitos são importantes, pois deles extraímos a essência do instituto e,


assim, mesmo quando não nomeado o nosso objeto de análise, podemos saber
identificar se estamos ou não diante daquele objeto. Isso é importante para nós,
pois o Estado age de várias formas: ele contrata como o Estado, em uma posição
superior por proteger um interesse relevante; ele age como um particular, contra-
tando, até para poder intervir na economia como agente econômico. As implica-
ções disso estão diretamente relacionadas com a escolha do regime jurídico, com
as regras às quais estará submetida uma escolha do gestor público.

Vamos aqui traçar elementos-chave para essa atividade. Procure sempre identificar sua
presença ou ausência e saiba que, se presentes os três elementos a seguir, estamos diante
da atividade financeira do estado que deve se submeter às regras do direito financeiro.

1  TORRES, R. L. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2016, p. 3.

capítulo 1 • 13
Presença indispensável de uma pessoa jurídica de direito público

Sempre estudamos no curso de Direito que ao particular é dado fazer tudo


aquilo que a lei não veda; e, ao Estado, tudo aquilo que a lei determina ou auto-
riza. Ao Estado, aplicamos uma espécie de dirigismo legal que orienta suas ações.
Afinal, o Estado não é um ser superior que manifeste por si sua vontade.
A vontade estatal, em um Estado Democrático de Direito, deve vir manifesta-
da na lei – assim entendida como o ato produzido pelo poder legislativo formado
pelos representantes da sociedade eleitos para esse fim.
Assim é que somente se submete às regras do Direito Financeiro, em toda a
sua essência, a pessoa jurídica de direito público, pois ela não possui liberdades
econômicas diante da vontade da lei. Mas, indiretamente, estão sujeitos a essa lei
aqueles que recebam recursos públicos, aqueles que os administrem, aqueles que
agem em nome do Estado.
O que é importante frisarmos aqui, por exemplo, é que não sofrerá das mes-
mas implicações do Direito Financeiro uma pessoa jurídica de direito privado,
como a Eletrobras, e uma pessoa jurídica de direito público, como a União. A
União terá todo o seu orçamento previamente estabelecido por lei. Assim, somen-
te poderá realizar os gastos que a lei autorizar; somente deverá agir para buscar os
recursos que a lei orientar. A Eletrobras, pessoa jurídica de direito privado, precisa
de certa liberdade, de uma possibilidade de reação diante das ocorrências imprevi-
síveis do mercado e do meio em que opera.
Daí já podemos reconhecer uma conexão entre o Direito Financeiro e o
Direito Constitucional – afinal, é o Direito Constitucional que consagra o Estado
Democrático de Direito, firmando essa estrutura e essa diferença de tratamento
entre o público e o privado.

Atividade de conteúdo econômico

Nem toda atividade estatal será uma atividade financeira. Então separemos
aqui apenas as atividades de conteúdo econômico, aquelas que dizem respeito à
obtenção de recursos e realização de gastos. A entrada e saída de dinheiro e de bens
públicos de forma geral interessam ao Direito Financeiro.
Não se preocupa o Direito Financeiro em regular quem será a pessoa indicada
para ocupar um determinado cargo público. O Direito Financeiro se preocupa
mais com a questão de efetuar o pagamento à pessoa certa para o fim de não ter

capítulo 1 • 14
de realizar uma despesa maior. O procedimento de escolha de um servidor ou
funcionário público é tema do Direito Administrativo.
Assim, já podemos antecipar que, como outras disciplinas, o Direito Financeiro
guardará uma relação evidente com o Direito Administrativo. Enquanto um é o
agir mais essencial do Estado, o outro regula como fazer esse agir acontecer diante
de uma sociedade que se relaciona por questões financeiras.

Atividade de conteúdo instrumental

O Estado não é uma empresa. Não é um empreendimento econômico com


um propósito organizado e final de gerar lucro. O lucro do Estado (se é que po-
demos falar assim) é humano. O Estado não almeja concluir seu exercício finan-
ceiro, seu ano de atividade, com mais recurso em caixa. Isso pode acontecer, e, em
pequena escala, não é um problema.
Hoje temos de forma clara em nossa Constituição quais são os objetivos do
Estado Brasileiro no art. 3º: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garan-
tir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Isso significa dizer que não há qualquer propósito em obter lucro ou ter um
resultado positivo no final do exercício financeiro. Um pequeno prejuízo no perío-
do é até aceitável. Tudo desde que os propósitos finais sejam perseguidos.

Poder financeiro

É importante deixar claro que a Atividade Financeira do Estado decorre de


um poder. Poder importa em fazer valer a sua vontade. Diante da previsão de re-
ceitas, créditos e despesas, há uma imposição da vontade estatal diante da vontade
e dos interesses privados.
É claro que, uma vez que todo poder emana do povo, este poder decorrente
da Constituição não se confunde com um arbítrio. É um poder que se manifesta
através das clássicas três funções do poder estatal.
Identificamos o poder de legislar, elaborando as normas gerais, mas principal-
mente as próprias leis orçamentárias – que, como veremos, define o programa e o
planejamento para cada exercício, impondo limites e determinações.

capítulo 1 • 15
O poder de executar/administrar é aquele que faz cumprir essa lei, executando
as despesas, percebendo as receitas e os créditos públicos. É a essência do dia a dia
da Atividade Financeira do Estado.
O poder de julgar, ou a função jurisdicional, não possui nenhuma peculiari-
dade aqui. No Brasil, há um consenso de que a jurisdição é una. Assim sendo, não
há um poder judiciário especial para dirimir esses conflitos.

Princípios do direito financeiro

É muito comum aos doutrinadores apenas fazerem referências a princípios no


estudo do Direito Financeiro de maneira mais específica. Assim é que apresentam
princípios apenas ao tratarem do orçamento, da receita ou da despesa e da lei de
responsabilidade fiscal. Apontaremos aqui alguns princípios que a doutrina mais
especializada2 indica, afastando apenas os que não sobreviveram à Constituição da
República Federativa do Brasil (CRFB/88).
Pelo princípio de reserva da lei, tanto os ingressos como as despesas subme-
tem-se à determinação legal e devem ser previstos em lei. Pelo princípio de não
discricionariedade administrativa, a administração pública se limita ao que a lei
estabelece, e, da mesma forma, podemos relacionar o princípio da indisponibili-
dade administrativa das situações jurídicas subjetivas.
É possível relacionar também o princípio da relação estrutura/conjuntura,
princípio da visualização global, princípio da otimização de gestão, princípio da
realidade político-administrativa – que são princípios adequados a questão da ges-
tão pública. Assim como verdadeiros princípios técnicos da relação instrumentos
de troca/preços, da relação instrumentos de troca/ balança de pagamentos, do
pleno emprego.
Outros princípios são também os da igualação dos custos e benefícios sociais
marginais, do planejamento governamental como condição essencial à elaboração
orçamentária, da prestação de contas e controle e de resguardo do crédito público.
Destaquemos os princípios orçamentários, o que já nos permite ir conhecen-
do um pouco mais dessa matéria.
O primeiro que vamos destacar tem relação com a própria função pública, a
legalidade: as receitas e as despesas precisam estar previstas em lei; aliás, como reza os
arts. 37 (quanto à Administração Pública em geral), 165 e seguintes da CRFB/88.

2  Ferreira, J. R. G. Os princípios do direito financeiro. Disponível em: <https://goo.gl/9M9OER>. Acesso em: 13 fev. 2017.

capítulo 1 • 16
Seguindo a linha de se relacionar aos princípios do art. 37 da CRFB/88, a publi-
cidade também é importante, pois trata-se de erário público. É importante que tudo
seja divulgado nos veículos oficiais de comunicação para conhecimento público.
O princípio da unidade, que não está expresso na Constituição, é, portanto,
um princípio implícito, mas referido no art. 2º da Lei 4.320/64 e implícito no
art. 165, § 5º, da CRFB/88. Ele preconiza que o orçamento deve ser uno, deve
haver um só para cada ano. Deve ser integrado, e assim o ideal é que seja apenas
uma lei orçamentária.
O princípio da totalidade, erigido pela doutrina, possibilita a coexistência de
múltiplos orçamentos que devem ser consolidados. É o que podemos extrair do art.
165, § 5º, ao fazer a leitura de seus incisos que determinam a previsão do orçamento
fiscal, orçamento da seguridade social e orçamento de investimentos das estatais.
O princípio da universalidade estabelece que o orçamento deve conter to-
das as receitas, todos os recursos, todas as despesas. É importante que isso seja
observado, pois veremos que o orçamento nada mais é do que o instrumento de
autorização para a gestão fiscal. Aliás, na CRFB/88 tivemos a inovação de incluir
no próprio orçamento até as operações de crédito.
O princípio da anualidade, chamado por alguns de periodicidade, determina
que o orçamento deve ser elaborado para ter vigência no período de um ano, que
vai, no Brasil, de 01 de janeiro a 31 de dezembro. Em verdade, apresentam-se
como exceção a esse princípio os créditos especiais e extraordinários autorizados
nos últimos quatro meses do exercício, reabertos nos limites de seus saldos, que se-
rão incorporados ao orçamento do exercício seguinte. Não se deve confundir esse
princípio com o não mais vigente princípio da anualidade tributária. Para a anua-
lidade tributária, era exigida uma autorização anual para que o tributo pudesse
ser cobrado. Faltasse essa autorização, o tributo estaria suspenso para aquele ano.
Outro princípio de grande relevo é o da exclusividade orçamentária. Ele aboliu
uma prática muito antidemocrática que consistia em fazer incluir nas disposições
finais regras que não tinham relação com o conteúdo próprio do orçamento – as
então denominadas caudas orçamentárias. Assim, o orçamento só deve conter a pre-
visão da receita, a fixação da despesa e a autorização para a operação de crédito e
abertura de créditos suplementares. Qualquer outro tema é estranho ao orçamento e
inconstitucional. Esse princípio está explícito no art. 165, § 8º, da CRFB/88.
Pelo princípio da especificação (especialização ou discriminação), as receitas e
despesas devem estar bem definidas no orçamento, com suas origens e aplicação,
para que se possa acompanhar e controlar os gastos públicos. Isso pode ser referido
nos arts. 5º e 15 da Lei 4.320/64.

capítulo 1 • 17
O princípio da não afetação ou não vinculação das receitas aplica-se claramen-
te somente aos impostos por determinação do art. 167, IV, da CRFB/88. Veremos
que esse é inclusive o elemento diferenciador do imposto em relação aos demais
tributos. Há algumas exceções constitucionais que tratam da repartição do produ-
to da arrecadação de alguns tributos, da destinação de recursos para manutenção
e desenvolvimento do ensino e prestação de garantias às operações de crédito por
antecipação de receita.
O princípio do orçamento bruto é um princípio antigo que estabelece que as
receitas e as despesas devem aparecer no orçamento em seus valores brutos – sem
deduções. Com isso, impede-se a inclusão de valores líquidos ou saldos que podem
confundir a leitura do orçamento. Esse princípio está no art. 6º da Lei 4.320/64.
Princípios implícitos são os da clareza ou objetividade que preconiza que a
linguagem do orçamento seja clara e objetiva, compreensível a todas as pessoas
que precisem manipular. É claro que isso não é fácil de ser aplicado em virtude
dos critérios contábeis. E há ainda o princípio da exatidão, segundo o qual as esti-
mativas devem ser as mais exatas possíveis, de forma a garantir consistência como
instrumento de programação.
O último princípio, após a EC 95/2016, podemos extrair da CRFB/88. Com
mais clareza, é o do equilíbrio. O equilíbrio antes restringia-se à questão das opera-
ções de crédito e as despesas de capital. A ideia não é nova: parte dos anos 30, pois
se busca evitar o déficit público. Apesar de na prática ser difícil obedecê-lo, há agora
metas que, segundo muitos especialistas, chegam a sacrificar as despesas sociais mais
importantes de uma nação. Antes o endividamento só era expressamente admitido
para a realização de investimentos ou abatimento da dívida. Agora há restrições ao
crescimento das despesas como forma de controlar o endividamento público.

Fontes do direito financeiro

Quando falamos de fonte do Direito, podemos estar tratando de muita coisa.


Assim, é sempre importante dizermos que fontes são essas. Nosso estudo estará cen-
trado nas fontes assim entendidas como o instrumento normativo escolhido pelo or-
denamento jurídico para regular as condutas a fim de estabelecer direitos e deveres.

capítulo 1 • 18
Constituição Financeira

O conjunto de dispositivos constitucionais que regula a atividade financeira


do Estado é o que chamamos de Constituição Financeira. Podemos dizer que são
normas classificáveis como materialmente constitucionais, uma vez que regulam
o poder e então tratam de normas de conteúdo próprio ao texto constitucional.
Os dispositivos são os artigos 70 a 75 – que tratam do Tribunal de Contas - e os
artigos 163 a 169 – que tratam das finanças públicas.

Normas gerais do direito financeiro

Normas gerais são aquelas leis que estabelecem um padrão de comportamento


a ser seguido por todos, inclusive por todos os entes federativos. Essas regras são
reservadas pela Constituição, nos termos do art. 165, § 9º, à lei complemen-
tar. São ditas leis nacionais, pois, apesar de elaboradas pelo Congresso Nacional,
obrigam não somente a União federal, mas também todos os entes federativos.
Relacionamos, então, a Lei 4320/64 e a Lei Complementar 101/00.

Leis orçamentárias

As leis orçamentárias são aquelas que, de forma concreta, determinam como


será a atividade financeira para um determinado período. São leis ordinárias de
iniciativa do chefe do poder executivo. Cada ente federativo deve elaborar as suas
conforme a periodicidade. O orçamento federal é orientado pelas três leis constan-
tes do art. 165, I, II e II, da CRFB/88.
A primeira dessas leis é o Plano Plurianual (PPA), que estabelece o programa
e as grandes obras a serem realizadas num período de quatro anos, o qual não
coincide com o mandato do poder executivo, para permitir que aquele que execu-
tará o plano tenha o maior tempo de seu mandato com a própria lei em vigor: “É
planejamento conjuntural para a promoção do desenvolvimento econômico, do
equilíbrio entre as diversas regiões do País e da estabilidade econômica”.3
A segunda delas é a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que estabelece
as diretrizes e prioridades para cada exercício financeiro. Ela também estabelece
como serão votadas e elaboradas as leis orçamentárias.
A terceira e mais concreta delas é a Lei Orçamentária Anual (LOA), que traz o
orçamento anual com todas as previsões de despesas e de ingressos para o exercício.
3  TORRES, R. L. idem, p. 170.

capítulo 1 • 19
Despesa pública

O que é despesa pública?

A despesa pública é a soma ou conjunto dos gastos realizados pelo Estado. Assim,
a despesa é tudo aquilo que o Estado paga, o que sai de sua conta para alguma conta.

Classificações

Quanto à categoria econômica, classificação escolhida pela Lei 4.320/64 divide


as despesas em correntes e de capital. As despesas correntes correspondem às despe-
sas de custeio (aquelas voltadas à manutenção de serviços anteriormente criados) e
às transferências correntes (aquelas dotações para despesas que não correspondam a
contraprestação direta em bens ou serviços). E as despesas de capital que correspon-
dem a investimentos, inversões financeiras e transferências de capital.
Quanto à natureza, a despesa pode ser orçamentária ou extraorçamentária.
A despesa orçamentária corresponde ao desembolso dos recursos fixados na lei
orçamentária que não correspondem a ingressos anteriores e serão utilizados com
os gastos públicos. As extraorçamentárias são saídas transitórias anteriormente ob-
tidas como receitas extraorçamentárias, como a restituição de valores (depósitos,
cauções, restos a pagar). Elas não precisam de autorização, pois não correspondem
a recursos que pertençam a órgãos públicos.

Nesse ponto, é interessante destacar como as despesas virão no orçamento; para isso,
é forçosa a leitura dos art. 40 E 41 da lei 4.320/64. Nesse sentido, as despesas virão
originariamente no orçamento como créditos orçamentários. Eventuais alterações que
possam ocorrer no decorrer do ano serão feitas, em regra, através de lei ordinária, com
a abertura de créditos adicionais que serão suplementares, quando destinados a reforço
de dotação orçamentária, ou especiais, quando destinados a despesas para as quais
não haja dotação orçamentária específica. Excepcionalmente, o conteúdo do orçamento
poderá ser objeto de medida provisória, conforme autorização expressa do art. 167, § 3º,
da constituição, para abertura de créditos extraordinários quando destinados a despesas
urgentes e imprevistas em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública.

capítulo 1 • 20
Quanto à regularidade, temos as despesas ordinárias – realizadas para manuten-
ção dos serviços públicos, em que se repetem todos os exercícios - e as extraordinárias
– de caráter excepcional, esporádico, em virtude de circunstância não constante.
Quanto à afetação patrimonial, a despesa pode ser efetiva – aquela que reduz
a situação líquida patrimonial do Estado - e a não efetiva – aquela que não gera
nenhuma alteração na situação líquida patrimonial do Estado.
Quanto à competência, elas podem ser federais, estaduais, distritais e municipais.
Quanto ao resultado, as despesas podem ser produtivas quando se limitam a
criar unidades de atuação estatal, reprodutivas quando representam o aumento da
capacidade produtora do país e improdutivas quando desnecessárias.

Legalidade da despesa pública

A regra insculpida na Constituição, no art. 167, II, é a vedação de despesas


que excedam os créditos orçamentários ou adicionais; assim, não pode ser realiza-
da despesa não prevista no orçamento. Aliás, a realização de despesas sem autoriza-
ção legal pode ser considerada até como infração penal, administrativa e eleitoral.

Estágios da despesa

A despesa possui, a rigor, quatro estágios: a fixação, licitação, o empenho, a li-


quidação e o pagamento. A despesa é inicialmente fixada no orçamento e lá recebe
o nome de crédito orçamentário, pois corresponde a um crédito dado ao admi-
nistrador público para que realize a despesa. Na sequência, haverá a necessidade
ou não do procedimento licitatório. A despesa será então empenhada, e assim
o recurso estará comprometido com aquele destino de forma individualizada. A
liquidação corresponde à conferência de que o que justificava o pagamento foi rea-
lizado e, portanto, ele deve ser feito. O pagamento corresponde ao cumprimento
da obrigação por parte do Estado.

capítulo 1 • 21
Precatórios judiciais

Antes de explicarmos o que é o procedimento do precatório, deve-se registrar que a:

A instituição do precatório se deu exatamente para evitar os privilégios


ilegais, sobretudo o preterimento de ordem entre credores das Fazendas
Públicas, ou seja, para que os pagamentos fossem efetuados dentro
dos preceitos constitucionais, prestigiando a legalidade, a moralidade
administrativa, a impessoalidade e a eficiência, dentre outros.
(CARNEIRO, C. Curso de Direito Tributário e Financeiro. São
Paulo: Saraiva, 2016, p. 63.)

O precatório judicial é a solicitação que o juízo da execução faz ao Presidente


do Tribunal a que pertence para que ele determine ao Chefe do Poder Executivo
que faça previsão orçamentária de verba necessária ao pagamento de direito de-
corrente de sentença judicial que condena a Fazenda Pública ao seu pagamento.
Esse pagamento deve ser incluído no orçamento em decorrência do procedimento
de execução contra a Fazenda Pública que, em razão da continuidade do serviço
público, impede que o bem público seja penhorado.
Esse procedimento é dispensado quando se tratar de valor inferior à denomi-
nada requisição de pequeno valor. Esse valor não se submete a esse procedimento
e não precisa ser incluído no orçamento, sendo quitado com a verba em caixa
disponível para esse fim.
O precatório nunca conseguiu sua satisfação no exercício seguinte, o que for-
çou a criação de uma fila. E, claro, uma vez criada uma fila, preferências dentro
dessa fila. Há preferências para o crédito de natureza alimentícia e ainda para os
créditos de natureza alimentícia de idosos ou portadores de moléstia grave de até
três vezes essa requisição de pequeno valor.

Receita pública

O que é receita pública?

A receita pública é a soma dos ingressos públicos que se incorporam ao pa-


trimônio público. Frise-se que nem todos os recursos que ingressam nas contas

capítulo 1 • 22
públicas são receita, pois alguns deles estão sujeitos à restituição, por exemplo.
Nesse caso, são ingressos, mas não receitas, e se sujeitam a regras distintas.
Aqui é importante fazer a distinção entre ingresso e receita: “Considera-se in-
gresso toda quantia recebida pelos cofres públicos, seja restituível ou não, daí tam-
bém ser chamado simplesmente de entradas”.4 Assim, receita é o ingresso definitivo.

Classificações

Uma das classificações doutrinárias mais importantes é a que divide as receitas


quanto à origem. Receita originária é aquela decorrente da exploração do próprio pa-
trimônio estatal. O Estado age como um verdadeiro empresário. Receita derivada é
aquela obtida no patrimônio particular, é a receita decorrente da imposição tributária.
As receitas também podem ser classificadas em função de sua previsão ou
não no orçamento. Em razão disso, as receitas são orçamentárias quando fonte
de recursos que são do Estado e receitas extraorçamentárias quando tratarem de
recursos que serão devolvidos futuramente.
Quanto à sua efetividade, a efetiva é aquela que faz crescer a situação líquida
patrimonial do Estado, e a receita não efetiva é aquela que não muda a situação
líquida patrimonial.
A Lei 4.320/64 as divide segundo um critério econômico em receitas cor-
rentes – quando não há qualquer cobrança financeira em relação ao Estado (ex.
Receitas tributárias) – e receitas de capital, que surgem através de recursos finan-
ceiros de contratação de dívidas (ex. Alienação de bens).
Quanto à duração, elas podem ser ordinárias quando periódicas, uma cons-
tante no orçamento público. E serão extraordinárias quando esporádicas, pois es-
tão eventualmente no orçamento público.

Renúncia de receita

Um dos pontos que merece destaque na Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei


Complementar 101 de 04 de maio de 2000 – é a renúncia de receita. Imagine que,
ao ser previsto um orçamento, aquilo que se pretende gastar esteja limitado por
aquilo que se espera arrecadar. Assim é que qualquer redução do que se pretende
arrecadar impactará os compromissos e gastos fixados no orçamento.

4  Idem, ibidem, p. 55.

capítulo 1 • 23
A LRF impõe, portanto, restrições e condições para essa renúncia que estão
estabelecidas em seu art. 14. De maneira resumida, podemos dizer que a renúncia
de receita está condicionada a uma estimativa de impacto e a uma de duas me-
didas: medida de compensação que evite seu resultado ou previsão orçamentária.
Dessa forma, o equilíbrio do orçamento estaria mantido.

Crédito público

O que é crédito público?

Nem todos os ingressos são definitivos e se incorporam ao patrimônio público


(chamadas de receitas públicas). Ingressos que não são definitivos podem ser clas-
sificados como crédito público.

Classificações

A doutrina apresenta inúmeras classificações. Quanto à origem dos recursos obtidos,


ela pode ser interna ou externa quando obtido dentro ou fora do território nacional.
Quanto ao prazo, ela pode ser dívida flutuante quando assumida para ser paga
dentro do mesmo exercício financeiro. E dívida fundada quando destinada a ser
paga em período superior a um ano.
Quanto à forma, ela pode ser voluntária – quando obtida após real consenso
de quem cede a importância - ou obrigatória – quando obtida em razão do poder
de império, verdadeiro tributo.

Técnicas instrumentais

Alguns são os exemplos de obtenção de crédito público que podemos citar:


emissão de papel moeda, emissão de títulos da dívida pública, realização de con-
tratos de empréstimo, retenção de investimentos e empréstimos compulsórios.

Vedações legais

Há limitações temporais à obtenção de crédito, como o caso da LRF que


veda a contratação de operações de crédito (ressalvadas as destinadas ao refinancia-
mento da dívida mobiliária e as que visem à redução de despesa com pessoal) no

capítulo 1 • 24
quadrimestre em que se ultrapassar os limites de despesa com pessoal ou quando
se exceder o limite de dívida consolidada e no último ano de mandato.

Orçamento público

O que é o orçamento público?

O orçamento público é tecnicamente a autorização que o legislativo dá para


que a atividade financeira do Estado seja exercida. Assim, esse orçamento não
deixa de ser a previsão legal de cada gasto e cada recurso realizados pelo Estado.
Confunde-se com a própria lei orçamentária anual.

Resumidamente, o orçamento pode ser definido como uma lei em sentido formal (pois
tem forma de lei), uma lei temporária (pois tem vigência por período determinado) e uma
lei ordinária, e é uma lei especial.

Processo de elaboração

O orçamento terá início com um texto elaborado pelo Poder Executivo e en-
tregue ao Poder Legislativo para discussão, aprovação e conversão em lei. Ele deve
ser composto, a depender da existência das estruturas em cada ente federativo, do
orçamento fiscal, do orçamento da seguridade social e do orçamento de investi-
mento das empresas estatais.
O PPA deve ser elaborado no primeiro ano de governo e encaminhado até
31 de agosto desse ano. Ele está previsto no art. 165 da CRFB/88 e se destina a
apontar de que forma serão organizadas as ações públicas destinadas, objetivando
o cumprimento dos fundamentos e os objetivos de governo. Na realidade, nele é
declarado o conjunto das políticas públicas do governo para um período de quatro
anos, com fundamento, em princípio, nos compromissos firmados na eleição.
A LDO é feita a cada ano e deve ser enviada ao Poder Legislativo até o dia 15
de abril de cada ano, e sua finalidade é orientar a elaboração do orçamento anual e
sua execução, estabelecendo diretrizes, objetivos e metas para aquele ano. A LOA
é o próprio orçamento e deve ser apresentada até o dia 31 de agosto. Ela deve ser
votada e aprovada até o final de cada legislatura.

capítulo 1 • 25
Tribunal de contas

O que é o tribunal de contas?

É o órgão do Estado responsável pela análise, principalmente, dos gastos pú-


blicos, auxiliando o Poder Legislativo a exercer o que se chama de controle externo
da atividade financeira do Estado.

Qual é a função do Tribunal de Contas?

O Tribunal de Contas possui múltiplas funções. A primeira função é a fis-


calizadora, que compreende a realização de auditorias e inspeções e tem como
objetivo avaliar a gestão dos recursos públicos. A fiscalização é feita por iniciativa
própria ou até do Poder Legislativo e utiliza cinco instrumentos: o levantamento
(utilizado para compreender o funcionamento do órgão ou entidade), a auditoria
(verificação no local da legalidade e legitimidade dos atos de gestão), a inspeção
(pela obtenção de informações não disponíveis no Tribunal de forma a esclarecer
dúvidas acerca dos procedimentos), acompanhamento (avalia a gestão de órgãos,
entidades ou programas do governo por certo período) e monitoramento (afere o
cumprimento das deliberações proferidas pelo Tribunal).
A segunda função é consultiva, prestada por meio de pareceres técnicos pré-
vios e específicos sobre prestações de contas anuais de todos os órgãos e poderes do
Estado, para subsidiar o julgamento pelo Congresso Nacional.
A terceira é a função normativa, exercida ao se prestar informações ao legislativo,
às casas ou às comissões sobre a fiscalização do tribunal, e compreende a represen-
tação ao poder competente sobre as irregularidades ou apuração de abusos com o
encaminhamento de relatório das atividades do tribunal ao legislativo. E, ainda do
poder regulamentar, ele deve expedir instruções e atos normativos, de cumprimento
obrigatório, sob pena de responsabilidade do infrator, em matéria de sua competên-
cia e em matéria de organização dos processos que lhe sejam submetidos.
A quarta função é a judicante, mas não jurisdicional. Ele julga as contas dos
administradores públicos e outros responsáveis por dinheiro, bens e valores pú-
blicos, assim como as contas dos que causaram qualquer prejuízo, extravio ou
irregularidades que venham a prejudicar o erário respectivo.
A quinta função é a sancionadora através da aplicação aos responsáveis das
sanções previstas na Lei Orgânica do Tribunal (no caso da União, Lei 8.443/92)

capítulo 1 • 26
e, conforme previsão constitucional (art. 71, VIII a XI), na hipótese de ilegalidade
ou irregularidade das contas.
A sexta é a corretiva, pois, havendo ilegalidade ou irregularidade nos atos de
gestão, caberá ao Tribunal de Contas estabelecer prazo para cumprimento da lei,
e, se não atendido o ato administrativo, o Tribunal de Contas deve determinar a
sustação do ato impugnado.
A sétima função é a função de ouvidoria, pois é de sua responsabilidade rece-
ber denúncias e representações relativas a irregularidades ou ilegalidades que lhe
sejam comunicadas pelos responsáveis pelo controle interno, autoridades, partidos
políticos, associações, sindicatos e até mesmo o cidadão.

Controle e fiscalização

A fiscalização pode ser contábil, financeira, orçamentária, operacional e patri-


monial. O que significa, respectivamente, em uma avaliação conforme os critérios
contábeis de escrituração, o acompanhamento do fluxo financeiro dos recursos,
a verificação de coerência com o orçamento, a análise de acordo com a legislação
administrativa e o acompanhamento da evolução patrimonial do Estado.
Os critérios a serem utilizados são os da legalidade, legitimidade e economici-
dade. Assim, além de verificar se a atividade está em conformidade com a lei, é de
se observar o objetivo buscado e a relação custo-benefício.

Estrutura e organização

O Tribunal de Contas da União tem previsão expressa no art. 73 da


Constituição que determina que ele será integrado por nove Ministros, terá sede
no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território.
Seus ministros deverão ser brasileiros, maiores de trinta e cinco e menores de
sessenta e cinco anos de idade, idoneidade moral e reputação ilibada, notórios co-
nhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração
pública, e mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profis-
sional que exija esses conhecimentos.
Quanto aos dois tribunais de contas municipais que existem (Rio de Janeiro e
São Paulo) e aos estaduais, há simetrias, e devem as Constituições Estaduais dispor
sobre eles. Não é possível criar outro tribunal de contas municipal.

capítulo 1 • 27
Lei de responsabilidade fiscal, lc 101 de 04 de maio de 2000 (LFR)

Histórico

Os anos 80 não foram anos fáceis para a economia mundial. O endividamento


público aumentou consideravelmente, e medidas para a gestão fiscal começaram a
ser tomadas. Nos Estados Unidos, foram editados diversos atos sobre orçamentos
equilibrados e controle de déficits. No Japão, também foram estabelecidos limites
para a dívida pública e proibição de contratação de dívidas. Em 1992, foi firmado
na comunidade europeia o Tratado de Maastricht: na adesão à União Europeia, os
países deveriam se submeter a uma verificação da posição financeira.
Mas, de todos os exemplos, o mais emblemático foi o da Nova Zelândia, que,
em 1994, utilizou um “ato de responsabilidade fiscal” que estabelecia em médio
prazo uma recuperação de sua situação de endividamento diante de seu PIB.
No Brasil, em 1997 iniciou-se a elaboração de uma legislação própria com o fim
de controlar o endividamento público. Isso culminou na Lei de Responsabilidade
Fiscal, publicada em 2000. Como referido, essa lei foi inspirada nos exemplos
anteriores e, em especial, na lei neozelandesa.
Essa lei traz um relevo maior a princípios financeiros, como o planejamento,
a transparência, o controle e a responsabilidade – um novo paradigma para a
Administração Pública. Reforçando a responsabilidade, junto com ela foi publica-
da a Lei 10.028/00 – Lei de Crimes Fiscais – que tipifica a conduta dos gestores
que não respeitem os cofres públicos.
Como bem explica o Prof. Claudio Carneiro,

O objetivo dessa lei é estimular os governantes a desenvolver uma


política tributária transparente, participativa e, sobretudo, responsável.
Vale dizer que uma administração transparente deve demonstrar o que
é feito com o dinheiro público, indicando os recursos correspondentes,
para que a população pague os tributos de maneira mais consciente e
participativa, ao menos na teoria.

Natureza jurídica

A Constituição da República, em seu art. 163, reserva à lei complementar re-


gras relativas a limites da administração pública de recursos financeiros. É também

capítulo 1 • 28
uma lei nacional, já que deve ser observada pelos três níveis: federal, estadual e
municipal. Assim sendo, apenas por um processo legislativo mais complexo pode
se tratar da matéria, e essa lei se aplica a todos os entes da federação.

Principais regras

Vamos destacar alguns pontos da Lei de Responsabilidade Fiscal para que


possamos conhecê-la um pouco.

Disposições preliminares

Trata-se de uma lei sobre a responsabilidade na gestão fiscal, o que pressupõe


uma ação planejada e transparente de forma a evitar riscos e corrigir desvios preju-
diciais às contas públicas. Em razão disso, pretende estabelecer metas de resultados
de despesas e receitas, assim como fixar limites e condições para renúncia de re-
ceita, geração de despesas com pessoal, seguridade, dívidas e operações de crédito.
Como dito acima, é uma lei nacional, que obriga todos os entes da federação,
compreendidos os Poderes do Estado, em todas as esferas, e abrange os tribunais
de contas, o Ministério Público, as administrações diretas, fundos, autarquias,
fundações e empresas estatais dependentes.

Planejamento

O planejamento é tão importante que merece um capítulo próprio. Neste


capítulo, foram estabelecidas regras para as três leis orçamentárias. As relativas
ao PPA foram vetadas, sancionadas as relativas às outras duas. Assim, ao tratar
da LDO, inclui em seu conteúdo o equilíbrio de receitas e despesas, os critérios
e forma de limitação de empenho, controle de custos e resultados dos programas
financiados e as condições e exigências para transferências de recursos a entidades
públicas e privadas. Importante anexo acompanhará a LDO para o acompanha-
mento do cumprimento de metas e acompanhamento do patrimônio público,
situação financeira e atuarial.
A LOA, por sua vez, trará em anexo demonstrativo de compatibilidade com
as metas acima referidas, medidas de compensação de renúncias de receita e do
aumento de despesas obrigatórias, reserva de contingência. Deve também conter
todas as despesas relativas à dívida pública e as receitas respectivas, e, em capítulo

capítulo 1 • 29
próprio, o refinanciamento da dívida. As despesas devem estar previstas de forma
clara e delimitada para um único exercício financeiro – mesmo que essa dotação
para além do ano esteja contemplada no PPA.
Esse planejamento é tão meticuloso que, trinta dias após a publicação dos or-
çamentos, deverão ser estabelecidos uma programação financeira e o cronograma
de execução mensal de desembolso. E haverá limitação do empenho e movimen-
tação financeira se, ao final do bimestre, verificar-se que não é possível atender às
despesas. Além disso, em maio, setembro e fevereiro o executivo fará demonstra-
ção e avaliação do cumprimento das metas fiscais em audiência pública.

Receita Pública

A Lei reserva um capítulo especial à receita pública, começando a tratar de sua


previsão e arrecadação – até porque a previsão e efetiva arrecadação são dever de
todos os entes da federação.
A previsão de receita deve ser acompanhada de demonstrativo de sua evolução
dos últimos três anos e projeção para os dois anos seguintes. Além disso, o montante
estimado de receitas e crédito não deve superar o estimado para despesas de capital.
O tema de maior atenção quanto à receita é a renúncia de receita que implica
em qualquer medida que venha a reduzir o estimado resultado da receita. Toda
medida com esse propósito pode prejudicar as metas e objetivos; assim, devem es-
tar acompanhadas de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício
em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, além de demonstração de
que foi considerada na estimativa inicial de receita ou de medidas de compensa-
ção. Ressalve-se que isso não se aplica aos impostos extrafiscais da União II, IE,
IPI e IOF nem ao cancelamento de débitos cujo montante seja inferior aos custos
de cobrança.

Despesa Pública

O primeiro ponto de atenção é a geração de despesa que veda aquelas que não
estejam estimadas no orçamento e nos dois subsequentes, além da declaração do orde-
nador de que seu aumento tem adequação orçamentária e financeira compatível com
a LDO e o PPA. Ou, ainda, que seja uma despesa obrigatória de caráter continuado.
Regra importante é o limite de despesas com pessoal, que inclui os ativos,
os inativos e os pensionistas, relativo a mandatos eletivos, cargos, funções ou

capítulo 1 • 30
empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remu-
neratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proven-
tos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas
extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e
contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.
Assim, são estabelecidos limites: União, 50% (2,5% para o Legislativo e TCU,
6% para o Judiciário, 40,9% para o Executivo e 0,6% para o Ministério Público da
União); Estados e DF, 60% (3% para o Legislativo e TCE, 6% para o Judiciário,
49% para o Executivo e 2% para o Ministério Público dos Estados); e Municípios,
60% (6% para o Legislativo e Tribunal de Contas do Município, quando houver,
e 54% para o Executivo).
E, para controlar essas despesas, algumas condutas foram consideradas nulas, como
aquelas que comprometem o limite legal e as que não seguirem a sua forma de geração.

Transferências voluntárias

As transferências voluntárias correspondem à entrega de recursos correntes


ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou as-
sistência financeira, que não decorram de determinação constitucional, legal ou
aqueles destinados ao Sistema Único de Saúde. Elas devem ter dotação específica
e se submeterem a vedações constitucionais, além de comprovações por parte do
beneficiário de estar em dia com suas obrigações, com o cumprimento dos limites
constitucionais relativos à educação e saúde, além de limites de suas dívidas e pre-
visão orçamentária de contrapartida.

Destinação de recursos públicos para o setor privado

Há cuidado também com a concessão de crédito a pessoa física ou jurídica que


não esteja sob seu controle, restringindo ao custo de captação e condicionando a
autorização em lei específica para prorrogações e composições de dívidas.
Recursos públicos também não poderão ser utilizados, salvo lei específica,
para socorrer instituições do Sistema Financeiro Nacional.

capítulo 1 • 31
Dívida e endividamento

Um dos capítulos que merece atenção é o da dívida e endividamento. Algumas


definições são estabelecidas em lei, como de dívida pública mobiliária, operação
de crédito, concessão de garantia e refinanciamento da dívida mobiliária.
A lei estabelece limites para a dívida pública e para as operações de crédito
e formas de recondução da dívida aos limites, determinando-se que, se a dívida
consolidada ultrapassar o limite ao final de um quadrimestre, deve ser reconduzida
até o término dos três subsequentes, reduzindo o excedente em pelo menos 25%.
E são estabelecidas restrições, pois estará proibido de realizar operações de crédito
e obterá resultado primário necessário à recondução ao limite.
Quanto às operações de crédito, o pedido de contratação será formalizado
de maneira fundamentada em parecer de órgãos técnicos e jurídicos, e ainda à
existência de prévia e expressa autorização para contratação, inclusão no orça-
mento, exceto no caso de operações por antecipação de receita, observância dos
limites e condições fixados pelo Senado, e autorização dele quando for crédito
externo, atendimento às exigências constitucionais (art. 167, III, da CRFB/88) da
Lei Complementar.
Foi vedada a emissão de títulos da dívida pública a partir de dois anos após
a publicação da LRF. E também é vedada a realização de operação de crédito en-
tre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia,
fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da ad-
ministração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou pos-
tergação de dívida contraída anteriormente. Estão fora dessa vedação as operações
que tratem de financiamento de despesa corrente ou refinanciamento de dívidas
não contraídas junto à própria instituição concedente. São vedadas a captação de
recursos a título de antecipação de receita de tributo cujo fato gerador não tenha
ocorrido, recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público
detenha a maioria do capital social com direito a voto, assunção direta de com-
promisso com fornecedor mediante emissão, aceite ou aval de título de crédito
e assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para
pagamento a posteriori.
Cuida ainda das operações de crédito por antecipação de receita orçamentária,
destinando-se a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro, deter-
minando-se que deverá ser liquidada até o dia dez de dezembro de cada ano, vedada
a que seja feita no último ano do mandato, bem como outras condições específicas.

capítulo 1 • 32
Regula as relações entre o Banco Central e os entes da Federação, relativamen-
te à compra de título da dívida, à permuta de título da dívida de ente da federação
por título da dívida pública federal e à concessão de garantia.
Trata ainda da garantia e da contragarantia que os entes poderão conceder em
operações de crédito. E ainda de restos a pagar, impondo limitações temporais que
guardam relação com o final do mandato.

Gestão patrimonial

Quanto à gestão patrimonial, há uma preocupação especial com as disponi-


bilidades de caixa – em especial dos regimes de previdência social. Outra preo-
cupação é com a preservação do patrimônio público, restringindo-se a aplicação
de despesas de capital obtidas com a alienação do patrimônio público. A única
exceção diz respeito aos regimes de previdência social, geral e próprio dos servido-
res. Também estabelece restrições aos créditos adicionais para novos projetos após
contempladas as despesas de conservação do patrimônio público.

Transparência, controle e fiscalização

Tema que trouxe grande inovação, trazendo instrumentos de divulgação in-


clusive em meios eletrônicos de acesso público. Aliás, devem ser divulgados, além
dos PPAs, LDOs e LOAs, prestações de contas, parecer prévio, relatório resumido
e relatório de gestão fiscal, além das versões simplificadas. É determinado o in-
centivo à participação popular através de audiências públicas e de informações
pormenores em tempo real sobre a execução orçamentária e financeira. Prevê re-
gras de escrituração consolidada, relatório resumido da execução orçamentária, de
gestão fiscal.
Em consonância com a Constituição, regula como a fiscalização da gestão fis-
cal será feita em sistema de controle interno e externo, com ênfase no atingimento
das metas estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, nos limites e condições
para realização de operações de crédito e inscrição em Restos a Pagar, nas medidas
adotadas para o retorno da despesa total com pessoal ao respectivo limite, nas pro-
vidências tomadas para recondução dos montantes das dívidas consolidada e mo-
biliária aos respectivos limites, na destinação de recursos obtidos com a alienação
de ativos e no cumprimento do limite de gastos totais dos legislativos municipais.

capítulo 1 • 33
ATIVIDADE
A Lei 13.414, de 10 de janeiro de 2017, estabelece o orçamento anual para o exercício
financeiro de 2017, com vigência de 01 de janeiro a 31 de dezembro do mesmo ano. Ela esti-
ma a receita da União para R$ 3.505.458.268.409,00 e fixa despesa de igual valor. Ela trata
do orçamento fiscal, da seguridade social e de investimentos das empresas em que a União
detém a maioria do capital social com direito a voto. Esse orçamento estima o crescimento
do PIB (PIB, soma das riquezas produzidas em um país) em 1,3% e em 4,8% a inflação.
Desse valor total, os gastos com juros e amortização da dívida pública devem consumir R$
1,7 trilhão. A receita corrente líquida estimada é de R$ 1.486.361.613.706,00. Além disso,
R$ 6.884.847.793,00 é o total de gastos com pessoal previsto no orçamento. Identifique,
segundo as informações dadas, quais os princípios que estão sendo seguidos, indicando, se
for o caso, os dispositivos aplicáveis.

GABARITO
Resposta: O caso apresenta dados do orçamento real de 2017. Nesse sentido, quanto
à sua vigência é observado o princípio da anualidade. Quanto à estimativa de receitas e
fixação de receitas, há um claro equilíbrio orçamentário, o que se coloca em consonância
com a Emenda Constitucional 95/2016 e a preocupação do crescimento das despesas. Por
fim, o limite de gastos com pessoal está em consonância com o disposto no artigo 19 da
LC 101/00, pois os valores de despesa com pessoal não somam 50% da receita corrente
líquida estimada.

REFLEXÃO
Este capítulo abordou questões que vêm ocupando as discussões centrais de nosso dia
a dia. A questão financeira foi capaz de levar uma Presidente da República a sofrer impeach-
ment. Neste capítulo, introduzimos o tema do Direito Financeiro.
Para isso, cuidamos de definir a Atividade financeira do Estado – o conjunto de ações do
Estado concernentes à obtenção de recursos para a realização de despesas voltadas ao atendi-
mento das necessidades públicas. É por isso que tem como elementos a presença indispensável
de uma pessoa jurídica de direito público, atividade de conteúdo econômico e instrumental.

capítulo 1 • 34
Muitos princípios orientam o direito financeiro: alguns deles, positivados; outros, não.
Todos eles merecem um estudo cuidadoso em razão da importância do tema.
Muitas das regras do Direito Financeiro se encontram hoje na Constituição, que reser-
vou o tratamento de suas normas gerais para lei complementar. Essas leis hoje são a Lei
4.320/64 – recepcionada com status de lei complementar - e a LC 101/00 – Lei de Res-
ponsabilidade Fiscal. As leis orçamentárias são leis concretas e leis ordinárias de iniciativa
do poder executivo.
Para um estudo mais detalhado, forçoso é conhecer os elementos dessa atividade es-
tatal. E começamos pela despesa Pública – soma dos gastos realizados pelo Estado para
atender a suas necessidades. Na sequência, estudaremos os recursos públicos, a receita
pública – recursos que se incorporam ao patrimônio público - e o crédito público – recursos
que não se incorporam ao patrimônio público.
Tudo isso estará consolidado no Orçamento Público, tema central do estudo e lei que
consolida toda essa previsão e planejamento.
O estudo não estaria concluído sem que fosse feita a análise do controle e da fiscaliza-
ção. Esse controle poderá ser interno em decorrência do poder de autotutela, mas poderá
ser externo, principalmente pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas. Ins-
trumento maior de regulamentação e que merece ser mais estudado é a Lei de Responsabi-
lidade Fiscal. Essa lei complementar nacional trouxe limites e vedações aos administradores
públicos que ainda precisam ser mais bem aplicados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARNEIRO, C. Curso de Direito Tributário e Financeiro. São Paulo: Saraiva. 2016.
ROSA JR., L. E. F. da. Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
TORRES, R. L. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2016.

capítulo 1 • 35
capítulo 1 • 36
2
Tributos: espécies e
competência
Tributos: espécies e competência

Introdução

Para podermos começar a estudar o Direito Tributário em si, é importante


conhecer o seu único e grande objeto: o Tributo.
Neste capítulo, nos debruçaremos sobre esse tema e estaremos, então, prontos
para inclusive saber quais são os tributos no Brasil e a quem pertence o poder de
instituir cada um deles. Em uma federação, os tributos são definidos aos vários
entes como forma de lhes atribuir autonomia financeira e também como forma de
lhes definir competências para o exercício de políticas fiscais.
Assim, os grandes temas deste capítulo são: o estudo do conceito de tributo,
a identificação das espécies tributárias, a distribuição da competência (do poder
para instituir tributos) e da repartição das receitas tributárias.

OBJETIVOS
•  Compreender o conceito de tributo;
•  Identificar as espécies tributárias e a controvérsia a respeito dessa classificação;Cconhe-
cer a distribuição constitucional de competências tributárias;
•  Identificar o destinatário do produto da arrecadação tributária.

O que é o tributo?

Conceitos doutrinários

A doutrina do Direito Tributário pode ser dividida nos seguintes entendimen-


tos: “pro contribuintes” e “pro fisco”. Das lições do Prof. Ricardo Lobo Torres, re-
tiramos a noção de que o tributo é um dever fundamental – uma vez que o Estado
teria direitos fundamentais a prestar à sociedade, o pagamento do tributo, através
dos contribuintes, seria uma contraprestação social. Esse conceito não é simples.
Ele encara uma dificuldade muito grande de definição, já que não há (nem have-
rá) a definição precisa de direitos fundamentais, o que nos impede de obter uma
definição da contraprestação.

capítulo 2 • 38
Em sentido radicalmente oposto, encontramos o Prof. Ives Gandra da Silva
Martins, que defende que o tributo é uma verdadeira norma de rejeição social. O tema
é mais bem tratado dentro do espectro do direito penal tributário como uma forma de
considerar a conduta do sonegador fiscal como não reprovável pela sociedade.

Conceito legal

Devemos trabalhar, contudo, com o conceito estabelecido no Código


Tributário Nacional que é forçosamente seguido por nossa jurisprudência.

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou


cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato
ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa
plenamente vinculada.

E, para melhor compreensão desse conceito, será ideal dividi-lo em seis partes
e analisar cada parte e suas peculiaridades.
Prestação pecuniária: o tributo é uma prestação pecuniária, pois ele é objeto
de uma relação de natureza obrigacional. Ao contrário do que já foi entendido, o
tributo não é objeto de uma relação de poder estabelecida entre um Estado sobe-
rano e um súdito. Estamos diante de uma “obrigação de dar quantia certa”.
Compulsória: essa obrigação, diferentemente da maioria das obrigações de
direito privado, não nasce da vontade das partes. Ela é uma obrigação ex lege. A
vontade bastante e necessária para seu nascimento está na lei. Esse é um elemen-
to importante para diferenciar o tributo de outras prestações devidas ao Estado.
Sempre que o vínculo não tiver o elemento da compulsoriedade, sempre que hou-
ver uma adesão volitiva do particular que crie o vínculo, aquilo não é um tributo.
Exemplo disso é a prestação de serviço em que o Estado te libera para consumir
de outros fornecedores. Nesse caso, o valor cobrado é um preço, e não um tributo.
Trata-se de um preço público ou tarifa – essa comumente atribuída aos particula-
res que prestam serviços em regime de permissão ou concessão pública.
E aqui a distinção não é meramente conceitual. Estamos a definir qual é o
regime jurídico aplicável: a legislação tributária ou a legislação de direito adminis-
trativo ou de direito civil.

capítulo 2 • 39
Em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir: Esse elemento do conceito
não está em contradição com a natureza pecuniária dessa prestação. A criação do
tributo, a sua regulamentação, pode trazer uma previsão do valor devido não dire-
tamente em moeda, mas em índices de indexação, em percentuais, em quotas. Isso
facilita a manutenção do tributo em valores atualizados sem que se tenha de impor
uma avalanche legislativa anual para a sua correção e atualização.
Que não constituía sanção de ato ilícito: Tributo e multa são institutos dis-
tintos. Aliás, o direito tributário tem pouca preocupação com a repercussão so-
cial do não pagamento do tributo, sua preocupação é mais arrecadatória. Assim,
muitas leis e benefícios são aprovados para estimular a arrecadação, ainda que isso
importe em um perdão ao sonegador fiscal.
Toda vez que o “fato gerador” for a prática de uma infração, o que será impos-
to ao infrator será uma multa. A multa é submetida a regras e princípios penais.

A hipótese de incidência é um fato econômico ao qual o direito


empresta relevo jurídico. Assim, quando a lei tributária define
determinada situação como hipótese de incidência de tributo, leva
em consideração que essa situação serve de medida da capacidade
contributiva do sujeito passivo.
( ROSA JR., L. E. F. da. Manual de Direito Tributário. Rio de Janeiro:
Renovar, 2012, p. 46.)

Por outra sorte, ainda que o tributo não seja sanção de ato ilícito, ele incidirá
sobre o ato ilícito toda vez que esse ato ilícito se amoldar ao tipo tributário. O
Código Tributário Nacional adota, no art. 118, I, o princípio do pecunia non olet
– dinheiro não tem cheiro -, e a ilicitude da conduta não afasta a incidência do tri-
buto. Se isso pode parecer uma imoralidade para o Estado, questionável também
seria um ordenamento jurídico que não impusesse ao desonesto o dever de pagar
os tributos, pesando sobre o patrimônio honesto toda carga tributária.
Um terceiro ponto, ainda sobre esse elemento do conceito, é a extrafisca-
lidade – o Estado, ao tributar, pode utilizar o valor do tributo imposto como
uma intervenção no comportamento do contribuinte. Assim, diante de opções
legalmente válidas, o Estado pode tornar aquela socialmente mais desejável, mais
barata do que aquela indesejável. É o que faz de forma geral com a importação e a
exportação, com a função social da propriedade etc.

capítulo 2 • 40
Instituído em lei: tão caro ao direito tributário, o princípio da legalidade é
incluído no próprio conceito de tributo. Em 1966, quando o Código Tributário foi
publicado, não contávamos com um Sistema Constitucional Tributário tão sólido
como o de hoje. Hoje, temos o tratamento do tema na Constituição como nunca ti-
vemos nas constituições anteriores. Assim é que os autores do Código fizeram incluir
dentro do próprio conceito o princípio da legalidade. Esse princípio será visto mais
adiante ao estudarmos as limitações constitucionais ao poder de tributar.
Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada: Cabe
ao Direito Administrativo o estudo do ato administrativo e sua clássica distin-
ção entre atos vinculados e discricionários. No direito tributário, temos por certo
que os atos de cobrança do tributo são vinculados – o que significa que não há
qualquer margem para avaliação de conveniência e oportunidade na cobrança do
tributo. O tributo previsto em lei deve ser cobrado como ali aparece, e o procedi-
mento de cobrança deve seguir o estabelecido na legislação tributária.
Devemos mencionar também que o Código fez uma escolha quanto à compe-
tência para a cobrança. A cobrança deverá ser feita mediante atividade administra-
tiva, o que veda a transferência da dívida ativa a instituições financeiras.
Isso diz respeito exclusivamente à cobrança. Não é ato de cobrança a simples
arrecadação que se relaciona com o fato de ser emitido um boleto bancário para
que o devedor se dirija ao banco e efetue o pagamento. Aliás, mais adiante, no art.
119, o Código estabelece que o sujeito ativo, o credor da obrigação tributária, é
pessoa jurídica de direito público.

Classificação dos tributos

A doutrina realiza várias classificações ao tratar dos tributos. O objetivo disso


é identificar os vários grupos de tributos e o tratamento diferenciado que eles
podem ter. A ideia é que, ao tratar de um grupo, não precisemos especificar cada
um dos tributos ao dizer quando se submetem a uma regra que outros tributos
não se submetem.
O propósito de utilizar classificações, em qualquer conhecimento científico,
é simplificar a vida do estudante e do aplicador do conhecimento de forma prá-
tica. Assim é também quando falamos de natureza jurídica, que nada mais é do
que a posição enciclopédica que um determinado instituto encontra dentro do
ordenamento jurídico. Posição enciclopédica é classificação, é ajuntar à classe que
pertence e aos que por semelhantes terão o mesmo tratamento.

capítulo 2 • 41
Natureza econômica da operação

Classificação trazida pelo próprio CTN divide especificamente os impostos,


mas podemos fazer o mesmo com todos os outros tributos. O critério utilizado é a
natureza econômica da operação. Sua proposta é identificar que, em uma determi-
nada situação, incidem vários tributos. São três grandes grupos: comércio exterior,
produção e circulação e renda e patrimônio.

Função

Fiscais, parafiscais e extrafiscais. O Estado, há muito, já percebeu que o tributo


não serve apenas para lhe gerar recursos públicos. Serve também para intervir no
comportamento do contribuinte.
Os fiscais são os arrecadatórios. Eles servem para que o Fisco obtenha recursos
para realizar as duas atividades e, assim, as suas despesas. Os parafiscais são aqueles
que não são arrecadados diretamente pelo Estado, mas os que geram receita para
instituições que exercem função pública ou de apoio ao Estado, como as de alguns
conselhos de classe e outras autarquias. Temos, por fim, os extrafiscais que têm
como função servir de instrumento de política econômica – buscam estimular ou
desestimular a conduta dos contribuintes.

Repercussão

Classificação muito importante para efeitos de legitimidade de pleitear a re-


petição de valores recolhidos indevidamente, a repercussão significa que o tributo,
ainda que recolhido por uma pessoa, terá seu ônus financeiro transferido a outra.
Isso quer dizer que, se o pagamento do tributo feito por um contribuinte reper-
cutir no patrimônio de outro, estaremos diante dos chamados tributos indiretos.
A percussão, por outro lado, significa que essa transferência não ocorreu. São
assim os tributos diretos ou os tributos indiretos em que o contribuinte de direito
(aquele que realiza o recolhimento) não repassa o encargo.

Cumulatividade

Quanto à cumulatividade, podemos dizer que determinados tributos inci-


dem em cascata por várias vezes na cadeia de circulação de um bem. Os tributos

capítulo 2 • 42
cumulativos são aqueles que, incidindo assim, são incorporados ao custo do bem
e oneram o preço final da mercadoria, sem qualquer sistema de creditamento dos
valores pagos em operações anteriores. Já os não cumulativos são os que a lei permite
e prevê a sua dedução dos valores do tributo já recolhido aos valores a serem pagos.

Quantidade de incidências

Estudo que será importante para a compreensão da classificação anterior é o


da quantidade de incidências. Aliás, sem que haja várias incidências, não há que
se falar em cumulatividade ou não cumulatividade. Quando o tributo incide so-
mente uma vez no ciclo de produção e circulação, ele é monofásico – e, portanto,
não há cumulatividade. Os tributos que incidem várias vezes na cadeia de circula-
ção ou produção de mercadorias são chamados de plurifásicos – que poderão ser
cumulativos ou não cumulativos.

Aspectos relevantes à quantificação

Quanto aos aspectos relevantes para quantificação do tributo, os tributos são divi-
didos em reais e pessoais. É possível encontrar uma classificação errada desses tributos.
Tratemos da forma correta, que considera que todo tributo incide sobre o patrimônio.
Reais são aqueles em que a quantificação do tributo devido leva em conside-
ração apenas aspectos objetivos que digam respeito ao fato gerador e, em alguns
casos específicos, ao bem tributado. Pessoais são os que levam em consideração as
características do próprio contribuinte.
Não há corretas predefinições de tributos reais ou pessoais, já que a Constituição
determina que, sempre que possível, os impostos (assim entendidos os tributos)
terão caráter pessoal.

Competência

Essa classificação, por mais elementar que seja, merece ser citada para que
possamos compreender melhor como se define nossa federação. Os tributos serão
federais, estaduais, distritais e municipais.

capítulo 2 • 43
Vinculação a uma atividade estatal

Outra classificação importante, ela se relaciona à existência ou não de uma ati-


vidade estatal específica em favor daquele contribuinte pelo pagamento daquele tri-
buto. A vinculação pode ser identificada, ou não, no fato gerador. Se o fato gerador
constituir uma atividade do Estado (como veremos que ocorre com as taxas e con-
tribuição de melhoria), estaremos diante de um tributo vinculado. Se o fato gerador
disser respeito a uma atividade do contribuinte e o Estado não precisar fizer nada
para que ele incida, diremos que o tributo é, como os impostos, não vinculados.

Quanto à previsão em lei

Podemos dizer que os tributos são classificados em ordinários quando correntemen-


te previstos em lei – e são, por isso, receitas permanentes. Por outro lado, são extraordiná-
rios aqueles cobrados apenas em situações excepcionais, tendo caráter transitório.

Espécies tributárias

O tributo é gênero do qual impostos, taxas, contribuição de melhoria, em-


préstimos compulsórios, contribuições parafiscais são espécies. Essa é a classifica-
ção mais importante, e para ela reservamos um tópico destacado.
Inicialmente, devemos dizer que o tema é extremamente controvertido. E será
dividido em várias correntes doutrinárias.

Teoria bipartite

A teoria bipartite divide os tributos simplesmente em vinculados e não vincu-


lados. Haverá apenas dois tipos de tributos que poderíamos dividir em impostos
e taxas –dois grupos apenas. São adeptos dessa teoria Geraldo Ataliba e Alfredo
Augusto Becker.

Teoria tripartite

Para a teoria tripartite, defendida, por exemplo, por Roque Antonio Carrazza
e Paulo de Barros Carvalho, e tradicionalmente no CTN, o critério de distinção
das espécies tributárias é o fato gerador, tal como previsto no art. 4º do CTN, e

capítulo 2 • 44
também nos artigos 16, 77 e 81. Assim, os tributos são impostos, taxas e contri-
buição de melhoria – como diz o art. 5º do CTN.

Teoria quadripartite

A teoria quadripartite considera que há quatro espécies tributárias, natural-


mente, mas nem sempre as mesmas quatro. Para Bernardo Ribeiro de Moraes, os
tributos são os impostos, as taxas, a contribuição de melhoria e as contribuições
especiais – os empréstimos compulsórios seriam uma espécie de imposto restituí-
vel. Já para Ricardo Lobo Torres, os tributos são os impostos, as taxas, as contri-
buições e os empréstimos compulsórios. Ele reúne todo e qualquer tipo de contri-
buição em um único grupo.

Teoria pentapartite

Ou quinquipartite. É a que prevalece, adotada pelo STF.


O STF segue três etapas, em ordem, para identificar a natureza específica de
qualquer cobrança realizada pelo Estado. Primeiro, confere se é tributo (análise pelo
conceito antes apresentado). Depois, identifica o fato gerador (na forma da teoria
tripartite). E, por fim, se há destinação ou vinculação entre as espécies tributárias.
Essa última fase reconhece que a Constituição faz referência a cinco tribu-
tos: impostos (art. 145, I, CRFB/88), taxas (art. 145, II, CRFB/88), contribui-
ção de melhoria (art. 145, II,I CRFB/88), empréstimos compulsórios (art. 148,
CRFB/88) e contribuições especiais (art. 149, CRFB/88). Os dois últimos não se
diferem pelo fato gerador.
De acordo com o art. 16 do CTN, o imposto é o tributo cujo fato gerador
independe de qualquer atividade estatal específica. Basta uma manifestação de ri-
queza do contribuinte descrita como fato gerador para que ele seja devido. A taxa
terá como fato gerador uma atividade estatal específica: a prestação de um serviço
público, específico e divisível, minimamente colocado à disposição do contribuin-
te, ou o exercício do poder de polícia (consentimento ou fiscalizador), na forma
do art. 77 do CTN. A contribuição de melhoria tem como fato gerador uma obra
pública da qual decorra valorização imobiliária, como dispõe o art. 81 do CTN.
Para além do CTN, identificamos historicamente o empréstimo compulsório
e até mesmo as contribuições parafiscais, nos quais o fato gerador tende a ser uma
atividade praticada pelo contribuinte. São tributos que, muitas vezes, incidem

capítulo 2 • 45
juntamente com os impostos. A distinção será pela determinação da destinação do
produto da arrecadação deles. O empréstimo compulsório tem como destinações
situações de calamidade pública ou guerra externa e investimento urgente de rele-
vância nacional. Quanto às contribuições parafiscais, uma atividade estatal especí-
fica que tende a beneficiar um grupo de contribuinte, e não necessariamente toda
a sociedade. Elas, em alguns livros, são encontradas como contribuições especiais.
Por isso, concluímos com a identificação das espécies tributárias em cinco:
impostos, taxas, contribuição de melhoria, empréstimos compulsórios e contri-
buições parafiscais.

Competência tributária

Conceito

O poder de tributar se manifesta de três formas, segundo a própria teoria da


tripartição dos poderes. A manifestação legislativa corresponde ao poder de criar
tributos, ou melhor, instituir tributos por lei. A isso damos o nome de competên-
cia tributária. A manifestação administrativa é o poder de fiscalizar e arrecadar tri-
butos, o que se faz através de atividade administrativa – denominamos capacidade
tributária ativa. A manifestação jurisdicional corresponde ao poder de solucionar
conflitos entre o credor e o devedor da obrigação tributária. Uma vez que nossa
jurisdição é una, e salvo algumas exceções constitucionais, ela será exercida sempre
pelo Poder Judiciário – não há uma denominação exclusiva.

Atributos

Os atributos são as características essenciais da competência tributária.


Privativa. Ela é privativa ou exclusiva, pois somente será atribuída a um ente
federativo. A doutrina do Direito Constitucional não distingue como a doutri-
na constitucional a competência privativa da competência exclusiva. No Direito
Constitucional, privativa é a competência que pode ser delegada, e exclusiva é
aquela que não pode ser delegada. A rigor, a competência tributária é uma com-
petência exclusiva, tendo em vista a sua indelegabilidade. Ela será atribuída a um
único ente federativo, o que significa que um tributo específico somente poderá
ser instituído por um único ente federativo.

capítulo 2 • 46
Facultativa. Ela é uma verdadeira autorização, e não determinação, para que
o tributo seja criado. A Constituição não determina que o tributo seja instituído,
mas, se o tributo for instituído, que ele o seja pelo ente nela designado.
Por outro lado, uma regra no nosso Direito parece impor o contrário. Na
LC 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), o art. 11 determina que não poderá
haver transferências voluntárias (ou seja, a entrega de recursos além dos predeter-
minados na Constituição) para ente federativo que não tenha instituído todos os
seus impostos. O que a lei de responsabilidade fiscal quer é evitar que um ente
federativo se torne dependente de outro.
Irrenunciável. A competência tributária é determinada para que os entes fe-
derativos tenham autonomia viabilizada pela existência de recursos próprios. Não
há como negar que a receita pública mais importante é o tributo. Através do
tributo, recursos são obtidos diretamente da sociedade que deve contribuir para
a prestação de serviços públicos. Assim, a autonomia dos entes federativos é irre-
nunciável, e a competência tributária é igualmente irrenunciável. Ainda que ele
não institua o tributo, ele não pode renunciar a eles.
Se por um lado o ente federativo não está obrigado a instituir o tributo,
por outro lado ele está proibido de renunciar. A competência não será exer-
cida, mas estará lá sempre à sua disposição. Estará sempre à disposição para
quando ele dela necessitar.
Indelegável. Esse atributo se encontra expresso no art. 7º do CTN. A com-
petência tributária é exclusiva. As funções de arrecadar e fiscalizar podem, sim,
ser delegadas. Isso, contudo, não é competência, mas capacidade tributária ativa.
Inalterável. A Constituição proíbe que um ente amplie ou diminua a sua
competência. Somente uma emenda constitucional poderia alterar a competência.
Há propostas para alterar a competência tributária reorganizando a distribuição
dos impostos. Questiona-se a possibilidade, ainda que por emenda constitucional,
de alterar-se essa competência. O problema cuida da questão da cláusula pétrea
que determina no art. 60, § 4º, I, da CRFB/88 que não poderá sequer ser objeto
de emenda a proposta tendente a abolir a forma federativa de Estado. Uma alte-
ração da competência tributária deve ser feita com muito cuidado para que não
se retire a autonomia, o poder de se autogerir, de qualquer dos entes federativos.
Improrrogável. O não exercício da competência pelo ente predeterminado na
Constituição não a transfere para outro ente. Essa determinação está no art. 8º do CTN.
A competência tributária será exercida somente por quem a Constituição determinou.

capítulo 2 • 47
Incaducável. Trata-se do poder de fazer leis, para o qual não há prazo, não
há fim, não há limite temporal. Um exemplo disso é a instituição do imposto
sobre grandes fortunas. Apesar de quase três décadas de previsão constitucional,
ainda é possível a sua instituição. E, para acrescentar, qualquer legislação que já foi
elaborada, e que até esteja em vigor, também poderá ser alterada, pois o poder de
legislar não está submetido a prazo no nosso ordenamento jurídico.

Conflitos

Uma vez que a Constituição não é observada e um ente institui tributo de ou-
tro ente federativo, estamos diante de um conflito de competência. A Constituição
distribuiu os fatos geradores entre os três entes federativos e ainda preencheu qual-
quer lacuna através da instituição da competência tributária residual. Assim, se o
fato não está previsto na Constituição, o tributo será instituído pela União.
Para o Prof. Luiz Emygdio, teríamos três institutos, e para ele invasão de com-
petência é distinta do bis in idem e da bitributação1.
Dentro do contexto do conflito de competência tributária, dois institutos pre-
cisam ser definidos.

Bis in idem

Segundo o STF, haverá bis in idem quando o mesmo ente federativo instituir
a mesma espécie tributária sobre o mesmo fato gerador. Cuidado, que há uma
diferença notável quanto às contribuições sociais. A doutrina e a jurisprudência
acabaram por criar uma peculiaridade. A distinção não estará no fato gerador, mas
em sua destinação.

1  ROSA JR., L. E. F. da. Manual de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 165.

capítulo 2 • 48
As contribuições não têm um fato gerador próprio, mas sim uma
destinação própria. Em relação a essas contribuições, nós não
vamos aplicar a regra do art. 4º, II, do CTN, que considera irrelevante
a destinação legal do produto da arrecadação, mas sim somá-la à
natureza do seu fato gerador. A estipulação dessas contribuições
exigiu uma evolução na interpretação desse dispositivo, já que a
destinação constitucional é que vai determinar a qual regime jurídico
elas se encontram submetidas.
(CARNEIRO, C. Curso de Direito Tributário e Financeiro. São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 336.)

Devemos lembrar que há uma exceção. O bis in idem nem sempre é incons-
titucional. Nele não há invasão de competência, uma vez que um ente cria um
tributo que a Constituição prevê para ele mesmo. Há quem afirme (e essa é a tese
para o fisco) que esse novo tributo somente seria inconstitucional se ele tivesse
efeito confiscatório em virtude de a soma dos dois tributos, o novo e o antigo,
gerar um dever de pagar tão elevado que colocasse o indivíduo em uma situa-
ção muito onerosa. Por outro lado, não há palavras inúteis ou desnecessárias na
Constituição. A Constituição expressamente autoriza o bis in idem no caso de
guerra externa, artigo 154, II, o que nos leva a crer que, diante de uma situação de
paz, essa possibilidade não existe.

Bitributação

A bitributação é uma hipótese de invasão de competência. Nela, um ente fe-


derativo distinto daquele previsto na Constituição cria a mesma espécie tributária
sobre um fato gerador previsto a outro ente federativo. Já houve momentos em
nossa história em que isso era possível. Hoje, a única hipótese é, sem dúvida algu-
ma, o imposto extraordinário de guerra.

capítulo 2 • 49
Capacidade tributária ativa

Conceito

A função administrativa, em matéria tributária, é também chamada de capa-


cidade tributária ativa e corresponde aos poderes de fiscalizar e arrecadar o tributo.
Trata-se do cumprimento da lei, e não de sua elaboração.

Comparativo entre competência e capacidade tributária ativa

Tanto a competência como a capacidade tributária são exercidas por uma úni-
ca pessoa, mas essa pode ser delegada. Então, ainda que conforme a classificação
constitucional, enquanto a competência é exclusiva, a capacidade tributária é pri-
vativa. O que não autoriza a cobrança por mais de um ente. Aliás, o próprio CTN
autoriza no art. 164 que, na hipótese de o tributo ser cobrado por mais de um ente
federativo, o sujeito passivo poderá promover judicialmente uma ação de con-
signação em pagamento, em face dos que lhe cobram, a fim de que se determine
exatamente qual é o único credor.
A capacidade, por outro lado, em virtude de ser ato administrativo, e não le-
gislativo, é vinculada à lei. Ao administrador público é dado fazer aquilo que a lei
determina ou autoriza; logo, a capacidade tributária ativa não é facultativa: como
determina o art. 142, parágrafo único, do CTN, ela é vinculada e obrigatória.
E essa mesma lei poderá autorizar a sua renúncia pela remissão. Se é a
Constituição que define os contornos da competência, na capacidade tributária
ativa esses contornos são definidos por lei. A remissão é o perdão do tributo de-
vido, renúncia à cobrança do tributo. A capacidade tributária ativa é renunciável
nos termos da lei.
O poder de fiscalizar e cobrar tributos pode ser delegado, como o é para a
fiscalização e cobrança administrativa do ITR pelos Municípios. Ele é tributo da
competência da União (art. 153, VI, da CRFB/88). Toda a legislação do ITR de-
verá ser elaborada pelo poder legislativo federal (Congresso Nacional). Contudo,
a Constituição prevê expressamente que a União poderá delegar a fiscalização e a
cobrança aos Municípios.
A capacidade tributária ativa é alterável, pois pode receber os contornos que o
ente federativo quiser, o que decorre da própria autonomia federativa, que é compos-
ta também pela autonomia administrativa. Cada ente federativo poderá estabelecer,

capítulo 2 • 50
dentro dos limites das normas gerais (estabelecidas nacionalmente e previstas, por
exemplo, no CTN), como exercerá a fiscalização e a cobrança do tributo.
A capacidade também não será prorrogável, pois, ainda que não exercida, não
se transfere a outro ente.
Por fim, ela, capacidade tributária ativa, é caducável em decorrência da pres-
crição e da decadência. Esses institutos podem ser definidos sucintamente da se-
guinte forma: decadência é a perda do prazo para lançar o tributo, enquanto a
prescrição é a perda do prazo para promover a ação para cobrança do tributo.

Espécies de competência

Apesar de definir-se como sempre privativa, a doutrina para facilitar o estudo da


competência tributária cria certas classificações que dividem a forma como a Constituição
distribui esse poder entre os entes federativos. Algumas delas são as mais comuns de se-
rem encontradas, e outras classificações menos. Procuraremos tratar de todas.

Classificação tradicional

A doutrina extrai da Constituição quatro formas de dividir a competência


tributária: privativa, comum, residual e extraordinária.

Privativa

A competência tributária privativa é aquela que a Constituição, dentro do ca-


pítulo do Sistema Tributário Nacional, atribui a um ente federativo determinado
especificamente o poder de instituir um tributo. A competência privativa é bem
clara para União no art. 153 quanto aos impostos; no art. 148, quanto ao emprés-
timo compulsório; e, no art. 149, quanto às contribuições especiais, pois somente
ela poderá instituir estes tributos.
Aos Estados, a regra do art. 155 autoriza a criação de três impostos por eles. E,
para os Municípios, a regra do art. 156 autoriza a criação de três impostos também.

Comum

Quando a Constituição atribui indistintamente aos três entes federativos


dentro do capítulo do Sistema Tributário Nacional o poder de instituir tributos,

capítulo 2 • 51
temos a competência comum. Assim é com as taxas e a contribuição de melhoria,
uma vez que a determinação é de que elas competem à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios – mas não diz qual taxa cabe a cada um.
Mas isso não nega a regra de que a competência tributária é privativa. A ques-
tão se resolve no âmbito da competência administrativa. Uma vez que estamos
diante de tributos vinculados, tributos em que o fato gerador é uma atividade
específica do Estado. A taxa terá como fato gerador ou o exercício regular do po-
der de polícia, ou a prestação de serviço público. A contribuição de melhoria terá
como fato gerador uma obra pública que gere valorização imobiliária. Nesses dois
casos, estamos diante de tributos que dependem de um agir do Estado - compe-
tência administrativa determinará quem pode praticar o ato ao qual está vinculado
o tributo. E esse será o ente competente. Assim, a competência tributária comum
será delimitada pela competência administrativa.
Ainda quando estamos diante da competência administrativa comum, não
será possível que todos possam cobrar o mesmo tributo. O aparente conflito será
resolvido como o é no Direito Administrativo: pela teoria do interesse predomi-
nante. Devemos verificar no caso concreto se estamos diante de uma questão em
que o interesse predominante é nacional – para exercício de atividade pela União
e, logo, cobrança de tributo por ela -, regional – para exercício de atividade pelo
Estado e cobrança de tributo por ele - ou local – para exercício de atividade pelo
Município e cobrança de tributo por ele.

Residual

A competência tributária residual é aquela em que você não encontra o fato


definido na Constituição. Uma vez que o legislador nunca é capaz de listar todos os
comportamentos que um dia poderão ser adotados pelo homem, seria impossível
definir todos os possíveis fatos geradores. Além disso, nem tudo precisa ser tributado.
O constituinte, então, atribui para a União a função de legislar sobre os fatos
que ele preferiu não listar como geradores de tributos e ainda sobre aqueles que
ele foi incapaz de prever como hábeis a tanto. Essa competência vem expressa para
instituir um novo imposto (art. 154, I, CRFB/88) e uma nova contribuição da
seguridade social (art. 195, § 4º, CRFB/88).
Citamos como exemplos de situações não tributadas no Brasil a propriedade de
tributos que existem em outros países e não existem aqui: o Hundesteuer (tributo sobre
a propriedade de cachorro) e o Kirchensteuer (tributo por ser membro de uma igreja).

capítulo 2 • 52
E, para sermos mais completos, podemos dizer que, se a competência admi-
nistrativa delimita a competência tributária comum, se a competência administra-
tiva residual é dos estados (art. 25, § 1º, CRFB/88) e se a competência tributária
comum diz respeito às taxas e à contribuição de melhoria, a competência residual
relativa às taxas e à contribuição de melhoria é dos estados.

Extraordinária

Ela não está à disposição normalmente. Somente surge quando da ocorrência


de uma situação incomum. A competência da União para instituir o imposto
extraordinário de guerra é uma competência extraordinária. Fora da situação de
guerra ou de sua iminência, ela não poderá ser exercida.
Alguns doutrinadores incluem aqui o exercício da competência tributária rela-
tiva ao empréstimo compulsório, pois a rigor a Constituição não fixa o fato gera-
dor dele, e sim as hipóteses em que ele poderá ser criado. Em especial, as hipóteses
de guerra externa e calamidade pública.

Classificações incomuns

Nem sempre a doutrina conclui pelas mesmas classificações.

Cumulativa ou múltipla

Entende-se por competência cumulativa ou múltipla a prevista no art. 147 da


CRFB/88, porque atribui à União o poder de instituir também tributos estaduais
e municipais (desde que em territórios federais) – assim como ao DF, além dos
estaduais, também os municipais.

Especial

Por fim, para os que distinguem, competência especial seria o poder de insti-
tuir empréstimos compulsórios e contribuições especiais. Essa competência seria
destacada pelo fato de apenas recentemente (com a Constituição de 1988) eles
terem entrado no rol dos tributos.

capítulo 2 • 53
Repartição de receitas tributárias

Funções

Acabamos de perceber que a competência tributária nada mais é do que um


mecanismo para garantir a autonomia financeira e, assim, a autonomia geral dos
entes federativos. Essa distribuição não leva em consideração critérios exclusiva-
mente arrecadatórios, fiscais. A maioria dos impostos de competência da União
são a ela distribuídos por uma questão econômica. Especialmente nos impostos
extrafiscais. Isso acaba por gerar o que se chama de federalismo assimétrico.
Na Constituição, encontramos no art. 153 situações que comprovam isso. É o
caso dos incisos I e II, que tratam dos impostos sobre o comércio exterior que não
possuem verdadeiramente nenhuma função arrecadatória. Eles são instituídos,
majorados ou diminuídos em virtude de questões econômicas de interesse nacio-
nal. Nos incisos IV e V, o panorama é o mesmo. Então já são quatro impostos que
não podem ser transferidos para outros entes.
Portanto, o mecanismo que se viu para corrigir eventuais distorções é o sis-
tema de repartição de receitas tributárias. Antes de qualquer outro comentário,
verifique que, pelo art. 6º do CTN, ele só transfere a receita. A competência
permanece intacta.
Esse instituto da repartição de receitas é uma mescla de Direito Financeiro e
Direito Tributário.

Conceito

E esse sistema “é a ‘entrega’ de parcela da arrecadação aos demais entes fe-


derativos”.2 Podemos perceber que a arrecadação da União é bem maior que a
arrecadação dos estados e municípios. Em regra, a dos estados é maior que a dos
municípios. Por isso, e considerando os compromissos de cada ente federativo, a
Constituição determina que eles dividam entre si o produto daquilo que arrecada-
rem, sempre do ente “maior” para o ente “menor”.
Essa repartição está nos arts. 157 a 162 da Constituição e praticamente se limita aos
impostos. Até porque esse é o tributo que tem como elemento diferenciador não possuir
destinação específica. Isso torna mais fácil a sua divisão entre os entes federativos, pois, se
houvesse destinação, qualquer divisão poderia prejudicar a respectiva despesa.

2  CARNEIRO, C. Curso de Direito Tributário e Financeiro. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 383.

capítulo 2 • 54
Todos os entes federativos controlam essa repartição, de tal forma que a
Constituição determina, através do art. 162, a publicação da receita que foi repar-
tida até o último dia do mês subsequente.

Formas de repartição das receitas tributárias

A doutrina majoritária divide as formas de repartição em dois grupos, a direta


e a indireta. Para sermos, entretanto, mais detalhistas, vamos traçar ainda mais
uma subdivisão na tentativa de apresentarmos um trabalho sempre minucioso.
A repartição de receitas pode ser dividida em três espécies: direta propriamen-
te dita, direta por retenção e indireta ou por fundos.

Repartição direta propriamente dita

É a forma mais elementar e simplista de repartição, pois o ente federativo


competente institui e arrecada o tributo; após a arrecadação, ele retira um per-
centual determinado pela Constituição e entrega ao ente federativo destinatário.
Essa é a forma que merece um controle maior por parte dos destinatários, uma
vez que pode haver conflito entre os entes federativos relativamente tanto à prestação
de contas quanto ao efetivamente arrecadado – o que justifica a regra mencionada do
art. 162 da CRFB/88 que estabelece o dever de transparência do ente arrecadador.
No art. 157 da CRFB/88, encontramos as transferências constitucionais obri-
gatórias da União para os estados. O inciso II trata da transferência de 20% do
produto da arrecadação do imposto residual. Assim é que, se a União decidir
instituir um tributo, deverá transferir 1/5 do que arrecadar para os estados. Até
hoje a União não criou nenhum imposto novo; portanto, essa transferência não
se efetivou. Os estudiosos apontam a existência dessa regra como a causa para a
União não ter exercido essa competência – e há nisso certa razão.
Hoje, o tributo que mais cresce em novidade é a contribuição especial. A
União vem nos últimos anos criando várias contribuições. A rigor, as contribui-
ções geram um maior controle por possuírem necessariamente destinação especí-
fica. Isso engessa, de certa forma, o executivo, que deve ficar preso quanto ao gasto
delas. Por outro lado, sobre as contribuições, à exceção da Cide-combustíveis, não
incide regra de repartição, o que faz com que todo o trabalho e o custo arrecada-
tório se revertam exclusivamente em favor da União.

capítulo 2 • 55
No art. 153, § 5º, I, da CRFB/88, encontramos a regra que determina a repar-
tição direta do produto da arrecadação do IOF sobre o ouro como ativo financeiro
da União para os estados, enquanto o inciso II trata da transferência da União para
os municípios. Na verdade, esse imposto tem notável função extrafiscal. Senão
qual seria o interesse que a União teria em instituí-lo para fiscalizá-lo e cobrá-lo
sem qualquer proveito? Sim. Do total arrecadado, 30% pertencem aos estados e
70%, aos municípios. A União não permanece com nada. Todo produto arrecada-
do é entregue a estados e municípios.
No art. 159 II, § 3º, CRFB/88, a Constituição regula a transferência da União
para os estados de 10% do produto da arrecadação do IPI relativamente às expor-
tações (se houver). Os estados também deverão repartir o que recebem da União,
entregando 1/4 aos municípios. Sendo assim, à União caberá 90%; aos estados,
7,5%; e, aos municípios, 2,5% do produto da arrecadação do IPI sobre as expor-
tações. Há, por assim dizer, uma dupla transferência.
No art. 159, III, é determinada a repartição entre União e estados de 29% do
produto da arrecadação da Cide-combustíveis que deverá ser aplicada em finan-
ciamento de programas de infraestrutura de transportes. Por sua vez, nem tudo
caberá aos estados, que também entregarão aos municípios 1/4 do que lhes cou-
ber, conforme previsão expressa no § 4º do mesmo artigo. Assim, para simplificar,
a União fica com 71%; os estados, com 21,75%; e os municípios, com 7,25%.
Outra forma de repartição direta é a transferência do ITR da União para os mu-
nicípios. A União transfere aos municípios a metade do que arrecadar. Aqui estamos
tratando da hipótese em que o município prefere não firmar convênio para fiscalizar
e cobrar pessoalmente. A hipótese em que a capacidade tributária ativa é transferida
para o município será vista na hipótese de repartição direta por retenção.
Dos estados para os municípios, temos a transferência de metade do produto
da arrecadação do IPVA. Daí podemos verificar o interesse dos municípios na fis-
calização desse tributo. Aliás, é por esse motivo que o veículo vem a ser licenciado
no município, pois a divisão é feita em função dessa divisão.
Também dos estados para os municípios temos a repartição do ICMS entre
estados e municípios. Aqueles ficam com 75%, e estes com 25%. A parcela que é
transferida aos municípios será dividida de duas formas: três quartos, no mínimo,
na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de merca-
dorias e nas prestações de serviços realizadas em seus territórios; e até um quarto,
conforme lei estadual.

capítulo 2 • 56
Algumas leis dividem a parcela dos municípios segundo critérios de proteção
ao meio ambiente. É o chamado ICMS ecológico ou ICMS verde. Ele pode servir
para estimular a conservação da biodiversidade considerando o percentual de áreas
de conservação nos territórios dos municípios, por exemplo. O ICMS ecológico
nada mais é do que o conjunto de critérios ambientes utilizados para determinar a
participação de cada município em parcela do ICMS arrecadado pelo estado onde
está localizado. Ao final, sugeriremos uma atividade para que você possa conhecer
melhor essa novidade.

Repartição direta por retenção

Nessa espécie, o próprio destinatário do tributo é encarregado de sua arrecada-


ção, quer por haver delegação da capacidade tributária ativa, quer por estarmos dian-
te de uma hipótese de responsável por substituição (tema quer iremos aprofundar na
próxima disciplina, mas que sinteticamente pode ser definido como situação legal-
mente prevista em que o contribuinte é afastado de seu dever de recolher o tributo
desde a ocorrência do fato gerador) quando tratamos de tributo retido na fonte.
Destacamos essa hipótese, pois ela gera um problema que é a quem direcionar
a ação quando há uma retenção indevida. Deve ser direcionada ao arrecadador ou
ao ente competente? É que se, por um lado, o cumprimento das obrigações aces-
sórias, como é o exemplo da declaração de ajuste anual do imposto de renda, deve
se dar diretamente à União, por outro lado, na hipótese de repetição de indébito,
a demanda é formada de um lado por quem teve o empobrecimento indevido (o
contribuinte) e do outro por quem teve o enriquecimento indevido (o ente fede-
rativo que fez a retenção).
Então restou a dúvida até que o STJ editou a súmula 447, que diz que “os
Estados e o Distrito Federal são partes legítimas na ação de restituição de impos-
to de renda retido na fonte proposta por seus servidores”. É claro que o mesmo
entendimento deve ser aplicado nas outras hipóteses de repartição por retenção.
Comecemos a analisar justamente essa primeira hipótese quanto ao imposto
de renda, que incumbe aos estados e municípios realizar a retenção como substi-
tutos. Nessas hipóteses, o ente federativo competente é a União federal, que vai
legislar e determinar todos os aspectos da obrigação tributária relativa a ele.
Porém, é sabido que quem faz o recolhimento do IR não é o próprio contri-
buinte quando a fonte pagadora é uma pessoa jurídica. Nesses casos, quem recolhe
o tributo é a fonte. Bom, em se tratando de estados e municípios (inclusive suas

capítulo 2 • 57
autarquias e fundações), o imposto de renda resultado dessa retenção sobre as
remunerações, em vez de ser recolhido aos cofres do Tesouro Nacional, será retido
na conta daquela fonte pagadora como forma de repartição por retenção. Isso
pode ser conferido nos arts. 157, I, e 158, I, da CRFB/88.
Outra hipótese que já foi vista pela metade é a prevista no inciso II do art. 158
da CRFB/88. Vimos como forma de repartição direta propriamente dita que, toda
vez que a União fiscalizar e cobrar o ITR, metade dele será entregue ao município
onde estiver localizado o imóvel. Mas como fica se o imposto for fiscalizado e cobra-
do pelo próprio município em hipótese de delegação de capacidade tributária ativa?
Aliás, qual seria o interesse da União em transferir esse tributo? E qual seria o
interesse do município em arcar com a arrecadação? Como vimos, para a União esse
tributo é extrafiscal e dá enorme trabalho arrecadar. Imagine para ela criar uma es-
trutura para fiscalizar cada propriedade rural no imenso território brasileiro. Então,
na verdade, ele é muito mal fiscalizado. Imagine ainda mais que a alíquota varia em
função não só do tamanho do imóvel mas também da utilização. Isso significa dizer
que a fiscalização deve ser constante, próxima ao contribuinte. Se isso não ocorrer, o
tributo não cumpre a sua função nem gera a arrecadação devida.
Sendo assim, a União transfere ao município a arrecadação, e esse se incumbe
de fiscalizar, o que satisfaz a União. Mas você pode se perguntar: o que o municí-
pio ganha com isso? Simples. O município, a teor do art. 158, II, se não exercer
a capacidade tributária ativa, ficará com metade do que a União arrecadar. Se o
município exercer essa função, ele ficará com a totalidade do ITR arrecadado em
razão de repartição de receita de impostos direta por retenção.

Repartição indireta ou por fundos

Nesse caso, os tributos serão entregues a um fundo que será responsável por
repartir de forma equitativa.
O Fundo de Participação dos Estados recebe 21,5% do produto da arrecada-
ção do IR e IPI. Lei complementar, na forma do art. 161 da CRFB/88, determina
como esses recursos serão distribuídos entre os estados. Ela é a LC 62/89, cujos
dispositivos foram declarados inconstitucionais por não cumprirem sua finalidade
principal, ou seja, prever critérios adequados para repartição. Foi então que foi
aprovada a LC 143, de 17 de julho de 2013.

capítulo 2 • 58
O Fundo de Participação dos Municípios recebe 22,5% do produto da arre-
cadação do IPI e do IR. Além disso, recebe também mais 1%, o que será entregue
no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano.
Há ainda fundos regionais, que receberão 3% da arrecadação do IPI e do IR,
especialmente para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, sendo que a meta-
de desses recursos deverá ser destinada exclusivamente ao semiárido do Nordeste.
E, por fim, o Fundo de Compensação de Exportação, previsto no art. 159, II,
da CRFB/88, para o qual serão destinados 10% do produto da arrecadação do IPI,
proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industriali-
zados, limitado a 20% do montante, devendo eventual excedente ser distribuído
entre os demais participantes.

Vedações e autorizações para retenção

Temos relatos de situações em que o governo federal deixou de repartir esses


recursos. Normalmente decorrente de inadimplemento dos Estados e Municípios,
a União ameaça deixar de transferir esses recursos obrigatórios.
Diante dessas situações, não temos um conflito relativo ao tema da federação.
A constituição de uma federação se dá pela existência de interesses comuns para
ocupantes de um extenso território, mas que, por outro lado, são dotados de ca-
racterísticas locais ou regionais que os diferenciam. Essas características regionais
ou locais podem ser de ordem cultural, embora também possam ser sociais ou
econômicas. Assim é que estados e municípios necessitam de administração local
que cuide de suas características e necessidades específicas.
É certo que, não somente por condições financeiras, diferenciam-se os estados
das cinco regiões do país. Os gastos e os instrumentos de arrecadação são diversos.
A economia é diferente. Se, na região Sudeste, atividades industriais e comer-
ciais predominam, na região Centro-Oeste a atividade rural é a mais importante.
Assim, os tributos arrecadados são distintos e os programas sociais e investimentos
de governo também são distintos.
Necessário é estar perto do cidadão para identificar essas características. A
União não seria capaz disso. Por outro lado, nenhum estado, muito menos muni-
cípio, poderia arrecadar dos mais ricos para atingir o interesse de um reequilíbrio
das diversas regiões do país.
A arrecadação concentrada nas mãos do governo federal não se dá por exclusi-
vos interesses políticos, como já vimos. No Brasil, as transferências correspondem

capítulo 2 • 59
a importante parcela das receitas dos estados e municípios. A arrecadação realizada
pela União e a distribuição feita pelos estados e municípios podem importar em
redistribuição de riquezas.

Vedações para retenção

Vedação de retenção de repasses. Com certeza, já ficou claro para você que
estamos diante de uma questão que afeta o pacto federativo. A divisão desses re-
cursos é algo que pretende corrigir o federalismo assimétrico brasileiro. No Brasil,
há entes federativos mais ricos em questões de impostos do que outros, como fica
evidente quando comparamos a União com qualquer outro ente.
É por isso que a Constituição deixa expresso no artigo 160 que é vedada a re-
tenção desses recursos. A regra geral é essa. Não pode um ente federativo pretender
colocar o outro ente à sua dependência por via de bloqueio desses repasses. Mas
veja: essa é a regra geral.
Diga-se, por oportuno, que nenhum ente federativo pode criar condições ou-
tras para esse repasse. O Estado de Sergipe, por exemplo, quis estabelecer condi-
ções, e o STF se pronunciou nesse sentido:

Constituição do Estado de Sergipe. ICMS. Parcela devida aos


Municípios. Bloqueio do repasse pelo Estado. Possibilidade. É vedado
ao Estado impor condições para entrega aos Municípios das parcelas
que lhes compete na repartição das receitas tributárias, salvo como
condição ao recebimento de seus créditos ou ao cumprimento dos
limites de aplicação de recursos em serviços de saúde (CF, art. 160,
parágrafo único, I e II). Município em débito com o recolhimento
de contribuições previdenciárias descontadas de seus servidores.
Retenção do repasse da parcela do ICMS até a regularização do
débito. Legitimidade da medida, em consonância com as exceções
admitidas pela CF. (ADI 1.106, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento
em 5-9-2002, Plenário, DJ de 13-12-2002)

Autorizações para retenção

Tratamos de hipóteses taxativamente previstas na Constituição. O primeiro ar-


gumento que inadmite outras exceções é uma questão de hermenêutica. Normas

capítulo 2 • 60
excepcionais devem ser interpretadas de forma restritiva. Exceção se interpreta restri-
tivamente para que não se torne a regra, para que não seja mais do que uma exceção.
O segundo argumento é o de que tratamos de norma constitucional que versa
sobre algo que pode colocar em risco o pacto federativo. E, sobre esse ponto, é
claro que não pode haver sequer proposta de emenda constitucional, como deixa
claro o art. 60, § 4º, I, da CRFB/88.
Antes, contudo, de verificarmos as hipóteses previstas na Constituição, necessá-
rio se faz chamar a atenção para hipótese prevista no art. 11, parágrafo único, da LC
101/00 – Lei de Responsabilidade Fiscal. Quando essa lei foi publicada, houve uma
ação direta de inconstitucionalidade, alegando-se que cuidava de uma hipótese de
retenção ali determinada fora daquelas que vamos ver autorizadas na Constituição.
A norma não foi declarada inconstitucional, pois, a bem da verdade, as trans-
ferências que estavam vedadas ali naquela lei não eram transferências obrigatórias
das que vimos acima. Eram transferências voluntárias. E esse bloqueio não foi
proibido. O objetivo da lei de responsabilidade fiscal foi vedar que um ente federa-
tivo se constituísse em dependente das benesses de outro ente. Assim foi a decisão:

Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. LC


101, de 4-5-2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). MP 1.980-
22/2000. (...) LC 101/2000. Vícios materiais. Cautelar indeferida.
(...) Art. 11, parágrafo único: por se tratar de transferências
voluntárias, as restrições impostas aos entes beneficiários que se
revelem negligentes na instituição, previsão e arrecadação de seus
próprios tributos não são incompatíveis com o art. 160 da CF. (ADI
2.238-MC, Rel. p/ o ac. Min. Ayres Britto, julgamento em 9-8-2007,
Plenário, DJE de 12-9-2008)

A primeira hipótese que autoriza o bloqueio diz respeito à garantia dos crédi-
tos do ente que está repassando o tributo.
Curiosamente, aqui vemos que alguns julgadores do TRF da 4ª Região te-
riam exercido a opção pela teoria dualista que veremos na primeira aula da pró-
xima disciplina. Segundo essa teoria, apesar de a obrigação tributária nascer com
o fato gerador, o crédito tributário nasce somente com o lançamento. Nesse sen-
tido, há julgados que somente admitem o bloqueio do repasse, em se tratando
de crédito tributário, após o devido lançamento. É o que você pode ler no AMS
1999.71.005108-0 da 1ª Turma do TRF da 4ª Região. Mas isso não é pacífico.

capítulo 2 • 61
Outro ponto importante é que cuidamos de créditos de outro ente federativo
ou sua autarquia. Significa dizer que, se há crédito de uma sociedade de economia
mista ou empresa pública, isso não poderá ser garantido com esse instrumento.
Nesse sentido, por evidente, já se posicionou o STF:

Contraria a essência do Direito Público a representação do município


por pessoa jurídica de direito privado. (...) Discrepa, a mais não poder,
da Lei Fundamental a retenção e a compensação de verbas municipais
com débito de energia elétrica perante a sociedade de economia
mista. (RE 396.989, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 4-10-
2005, Primeira Turma, DJ de 3-3-2006)

A segunda hipótese é para o cumprimento do disposto no art. 198, § 2º, II e III,


da CRFB/88. Aqui temos a questão relativa aos percentuais da arrecadação em ações
e serviços públicos de saúde previstos no orçamento, na lei orçamentária anual.
O problema, durante muito tempo, era a questão relativa ao que eram os
gastos mínimos com saúde. A LC 141/2012 cuidou de estabelecer esses critérios.
E, para concluirmos esta aula com algo bastante intrigante, esse é um me-
canismo que tenta dar alguma efetividade à regra do art. 198 da CRFB/88. Isso
porque, em caso de falta de previsão de gastos mínimos com educação e saúde no
orçamento, o que pode ser feito é buscar a declaração de inconstitucionalidade
da lei orçamentária anual. Alcançando esse objetivo, faltará elaborar uma nova
lei orçamentária para aquele ano. Se a nova lei orçamentária vier com a mesma
falha, a solução é iniciar o processo de novo. Tantas vezes quantas o fato se repetir.
Então não é solução! O mecanismo é forçar o administrador a fazer essa previsão,
cortando-lhe os recursos.

ATIVIDADE
A União decidiu instituir uma contribuição sobre a propriedade de bicicletas na base
de 5% (cinco por cento) ao ano. O fato gerador será a propriedade da bicicleta. O tributo,
contudo, não terá destinação específica. Além disso, a União conta com esses recursos para
equilibrar exclusivamente suas contas. Após o primeiro mês de exigência do tributo, o Estado
do Rio de Janeiro exige que lhe seja entregue parcela do produto da arrecadação do tributo.
Nesse caso hipotético, qual seria a avaliação correta sobre as diversas condutas?

capítulo 2 • 62
GABARITO
Resposta: O caso apresenta questões relativas às espécies tributárias, espécies de com-
petência e espécies de repartição de receitas tributárias. Como visto, o tributo cobrado em
função de fato gerador que não seja relativo a qualquer atividade estatal específica será um
imposto, e não uma contribuição. Além disso, estamos diante de um imposto da competência
residual, já que não há o fato gerador para esse imposto previsto na Constituição de forma
expressa a nenhum ente federativo. Por fim, deve-se incluir que os impostos residuais terão
o produto de sua arrecadação repartida entre os Estados.

REFLEXÃO
Este capítulo abordou questões centrais do Direito Tributário. A partir dele, conhecemos o que
é um tributo, em sua definição legal, mas também na sua definição doutrinária, o que torna possível
uma visão mais crítica do Direito Tributário e dos seus autores desde o início de seu estudo.
Centramos nosso estudo acerca do conceito de tributo no conceito legal de tributo. Aliás,
o conceito é consideravelmente complexo e levanta uma série de questões. Vimos que, des-
se conceito, é possível perceber que o tributo é objeto de uma relação obrigacional, um víncu-
lo de natureza patrimonial. Essa relação estabelece o dever de ser realizado um pagamento
de uma importância em pecúnia, em decorrência da lei, e não da vontade das partes – e
independentemente de qualquer juízo de aprovação da conduta do sujeito passivo.
Estudamos que o tributo não é uma única espécie. Há, segundo a jurisprudência pacífi-
ca do STF, cinco espécies tributárias distinguíveis pelo fato gerador (situação necessária e
suficiente ao nascimento da obrigação), bem como pela destinação específica dos recursos.
Identificadas as espécies tributárias, verificamos que a Constituição atribui a diversos
entes federativos o poder de instituir tributos por lei. Esse poder corresponde à Competência
Tributária – poder privativo (ou exclusivo), facultativo, improrrogável, indelegável, irrenunciável
e incaducável. Aliás, distinto do poder de fiscalizar e cobrar o tributo, o que é denominado de
capacidade tributária ativa.
Depois dessas distinções, pudemos ainda acrescentar que os valores arrecadados são
divididos entre os entes federativos por determinação da Constituição, que ressalva restritas
hipóteses para inobservância dessa distribuição.

capítulo 2 • 63
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARNEIRO, C. Curso de Direito Tributário e Financeiro. São Paulo: Saraiva, 2016.
ROSA JR., L. E. F. da. Manual de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
TORRES, R. L. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2016.

capítulo 2 • 64
3
Fontes e
hermenêutica
tributária
Fontes e hermenêutica tributária

Introdução

Antes de evoluirmos o estudo do Direito Tributário e procurarmos compreen-


der o que vêm a ser os princípios do Direito Tributário e a própria relação jurídica
tributária, precisamos conhecer melhor o arcabouço legislativo que determina as
regras para essa relação jurídica.
Este estudo dependerá de um conhecimento mais específico, pois os pró-
prios autores do Código Tributário Nacional (CTN) dedicaram um Livro dentro
do próprio código ao estudo do que denominaram Normas Gerais do Direito
Tributário, com um primeiro Título chamado de Legislação Tributária, no qual
são abordados temas como leis, tratados, convenções internacionais, decretos e
normas gerais, assim como a vigência e aplicação da legislação tributária, além das
regras de interpretação e integração dessa legislação.
Quanto ao estudo da vigência e aplicação da legislação, trataremos disso se-
gundo as limitações constitucionais ao poder de tributar vinculado ao valor segu-
rança jurídica em decorrência das importantes alterações introduzidas por nossa
Constituição em 1988.

OBJETIVOS
•  Compreender as fontes do Direito Tributário;
•  Identificar as classificações de fontes do direito e sua aplicação ao Direito Tributário;
•  Conhecer as fontes do Direito Tributário;
•  Compreender a função da hermenêutica tributária;
•  Identificar as fontes de interpretação do Direito Tributário;
•  Identificar os métodos de interpretação do Direito Tributário;
•  Compreender os resultados da interpretação do Direito Tributário;
•  Analisar a integração do Direito Tributário e seus métodos.

capítulo 3 • 66
Contexto histórico das fontes do direito tributário

Um dos filósofos mais importantes no estudo da hermenêutica hoje diz que:

O homem fala. Falamos quando acordados e em sonho. Falamos


continuamente. Falamos mesmo quando não deixamos soar nenhuma
palavra. Falamos quando ouvimos e lemos. Falamos igualmente
quando não ouvimos e não lemos e, ao invés, realizamos um trabalho
ou ficamos à toa. Falamos sempre de um jeito ou de outro.
(HEIDEGGER, M. A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 7.)

No Direito, falamos principalmente através de leis; assim, precisamos com-


preender o que está sendo dito para conduzirmos o nosso agir.
Uma das questões que permeiam todas as áreas do Direito é o estudo das
fontes dele e de suas regras de interpretação e integração. Desde os primeiros pe-
ríodos, o aluno é ensinado a estudar quais são os instrumentos utilizados para criar
regras jurídicas, bem como os critérios e métodos para interpretá-las.
A tributação em si tem uma importância muito grande nessa construção das
regras jurídicas das fontes do Direito. Não se trata aqui de querer justificar que esta-
mos diante de um ramo do Direito mais importante do que outro. De forma algu-
ma! Cada ramo dele possui sua importância e sua vocação para promover uma con-
vivência harmoniosa em sociedade. Estamos falando da própria história do Direito.
Um dos momentos mais importantes da história dele é a confecção da Magna
Charta Libertatum, ou, simplesmente em português, Magna Carta. Esse é um do-
cumento firmado pelo rei da Inglaterra em 1215 após uma sequência extraordiná-
ria de fracassos que levou os barões ingleses a se revoltarem e imporem limites ao
poder real. Depois da morte de Ricardo Coração-de-Leão, João-sem-terra ascen-
deu ao poder após ter mandado aprisionar o seu sobrinho que estava na linha de
sucessão. Houve uma rebelião muito grande na Normandia em decorrência desse
fato. Seu nome, “sem-terra”, é decorrência do fato de ele, por ser o filho mais novo,
nunca ter recebido qualquer herança, ao contrário de seus irmãos mais velhos. Um
segundo fracasso, relacionado por alguns ao seu nome, é o fato de nunca ter con-
seguido reconquistar os territórios ingleses tomados por Filipe Augusto da França.

capítulo 3 • 67
Por seus fracassos, em 10 de junho de 1215, os barões ingleses o obrigaram a
aceitar um documento conhecido como os “Artigos dos Barões” em troca de reno-
varem sua fidelidade ao rei. Em 15 de junho, foi elaborado um documento formal
para a assunção desse compromisso, que se chama Magna Carta.
Nesse documento, um dos compromissos mais importantes vem a ser
justamente o de:

Não lançaremos taxas ou tributos sem o consentimento do conselho


geral do reino (commune concilium regni), a não ser para resgate
da nossa pessoa, para armar cavaleiro nosso filho mais velho e para
celebrar, mas uma única vez, o casamento da nossa filha mais velha;
e esses tributos não excederão limites razoáveis. De igual maneira se
procederá quanto aos impostos da cidade de Londres.
(Disponível em: <https://goo.gl/KqKLmS>.)

É aí que nasce o princípio da legalidade, fundamental para toda questão rela-


tiva às fontes e à hermenêutica. Entendemos ser necessária essa introdução para a
formação de um raciocínio jurídico que reconheça a importância do tema.
O estudo das fontes do direito e sua correta interpretação pressupõem o reco-
nhecimento de sua importância e de sua necessidade. Aplicar a legislação tribu-
tária no dia a dia é tarefa das mais complexas, na verdade, em todo o estudo do
Direito. Não é por outro motivo que os profissionais da área procuram cada vez
mais o aperfeiçoamento.

Fontes do direito tributário

Quando utilizamos a expressão “fontes do Direito” podemos nos referir a vá-


rios institutos. Por fontes do Direito, extraímos de onde o Direito emana: um
ato ou fato jurídico. Mas essa expressão é também – e assim vamos utilizá-la aqui
– relativa aos instrumentos utilizados pelo ordenamento jurídico para estabelecer
direitos e obrigações. E vamos estudá-los, de forma bem ampla, pelo conceito de
legislação, que inclui qualquer ato normativo, até mesmo o de lei.
O CTN procura ser bastante técnico no uso das expressões. Assim, no artigo
96, encontramos as expressões lei e legislação designando objetos diferentes.

capítulo 3 • 68
A lei será compreendida como o ato normativo, genérico, abstrato, coerciti-
vo, resultado de um processo legislativo constitucionalmente estabelecido. A lei é
uma expressão em sentido estrito que designa aqueles atos normativos capazes de
inovar no ordenamento jurídico, estabelecendo regras de comportamento, deveres
e obrigações, bem como direitos.
Examinando esse conceito, podemos dizer que lei é ato, pois se configura
como resultado da conduta humana. A lei é um ato normativo, pois, diferente-
mente dos atos de execução, ela não faz com que algo mude no mundo jurídico e
natural em si: ela estabelece padrões de comportamento a serem seguidos.
É genérico e abstrato, pois não possui um destinatário em especial nem trata
de um ato ou fato determinado. Ela descreve hipóteses que irão se aplicar a diver-
sas condutas de diversos agentes. Assim, podemos já antecipar que a lei tributária
deve estabelecer hipóteses de incidência. A designação fato gerador está relacio-
nada mais diretamente aos acontecimentos no mundo natural que se adequam
ao conceito abstrato e, subsumindo-se àquela hipótese, produzirão os efeitos pre-
vistos na lei – no mais das vezes, o estabelecimento de um vínculo jurídico de
natureza patrimonial que tem por objeto o pagamento de um tributo –, que é a
obrigação tributária principal.
A lei é coercitiva, pois ela precisa estabelecer consequências imperativas de
forma a forçar o seu cumprimento, a sua observância. Caso contrário, impossível
seria a vida minimamente organizada em sociedade. Portanto, sanções precisam
estar relacionadas com a imposição de uma regra ou mesmo com a possibilidade
de o poder estatal, através do Estado-Juiz, forçar o cumprimento de uma regra.
Para que tudo isso seja válido em nosso ordenamento jurídico, essa lei deve
seguir o procedimento de elaboração estabelecido na CRFB/88; a saber, os artigos
59 e seguintes. Ali encontramos as regras do processo legislativo que limitam o
poder estatal de criar deveres e obrigações.

Classificação

Uma das formas mais eficientes de conhecer e apresentar algum instituto ju-
rídico é procurar reuni-lo em agrupamentos – classificá-lo. As fontes do Direito
podem se submeter a algumas classificações. Assim, teremos certeza de que, ao
usarmos uma expressão jurídica, estaremos fazendo de forma adequada, e isso não
causará nenhuma confusão ou prejuízo.

capítulo 3 • 69
Fontes materiais e fontes formais

As fontes formais são atos ou fatos jurídicos cuja ocorrência faz nascer direitos
e obrigações. Para a tributação, a maior fonte material do Direito é o fato gerador,
que, ao teor da definição legal, é a situação definida em lei como necessária e su-
ficiente à sua ocorrência.
As fontes formais são instrumentos jurídicos que regulam direitos e obriga-
ções. É o que estamos aqui a estudar. Veremos no Direito Tributário Brasileiro o
que poderá criar hipóteses de incidência, que, no caso concreto, serão fatos gera-
dores de obrigações tributárias.

Fontes principais e acessórias

Outra classificação ainda distingue as fontes em principais e acessórias.


Aquelas são as que, existindo, serão utilizadas para criar direitos e obrigações. As
fontes formais principais estão relacionadas no art. 96 do CTN:

As principais fontes primárias (ou também chamadas principais) são


encontradas no art. 96 do CTN e podem ser divididas em:
a) Lei em sentido amplo, que se subdivide em Constituição, Emendas
Constitucionais, Lei Complementar, Lei ordinária, Lei Delegada,
Medida Provisória, Decreto Legislativo, Resolução do Senado (art. 59
da CRFB) e os Convênios do ICMS (art. 155, § 2º, XII, g, da CRFB/88);
b) Tratados e Convenções Internacionais;
c) Decretos (os Decretos devem ser analisados com cautela).
(CARNEIRO, C. Curso de Direito Tributário e Financeiro. São
Paulo: Saraiva, 2016, p. 159.)

As fontes acessórias são aquelas que somente são utilizadas na ausência das
fontes principais (ex.: princípios gerais de direito e costumes).

Fontes diretas e indiretas

As primeiras são aquelas aplicadas a casos concretos. Para estabelecer padrões


de comportamento, o ordenamento jurídico brasileiro se baseia em leis, princípios

capítulo 3 • 70
(entendidos também como normas) e costumes (para algumas situações e ramos
do Direito absolutamente excepcionais).
As fontes indiretas são aquelas utilizadas para orientar a aplicação das fontes diretas.
No nosso Direito, devemos entender que a doutrina e a jurisprudência são dessa espécie.
Devemos esclarecer que o que deve ser compreendido como doutrina é em
princípio toda produção impressa, fonográfica ou vídeo-fonográfica sobre uma
determinada matéria ou assunto. Assim, é aquilo que os pesquisadores produzem
como resultado da interpretação das normas jurídicas e até das decisões dos tri-
bunais – e ainda de outras disciplinas fora do campo do Direito que procuram
estudar o comportamento humano.
Ainda precisamos esclarecer que existe diferença entre jurisprudência e pre-
cedente. No dia a dia, é comum nos referirmos à jurisprudência quando falamos
de um único julgado, mas isso é errado. Jurisprudência é o resultado de decisões
reiteradas no mesmo sentido em relação a um determinado assunto. O precedente
é aquele julgado que, por sua relevância, acaba por influenciar outros julgados que
tratarem de situações semelhantes.
Aliás, o novo Código de Processo Civil (CPC) atribuiu efeitos obrigatórios e
gerais para os julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior
Tribunal de Justiça, em recursos extraordinários e especiais repetitivos, e para os
acórdãos produzidos pelos demais tribunais, em incidente de resolução de deman-
das repetitivas (IRDR) e em incidente de assunção de competência.
Assim, podemos passar a incluir, além da jurisprudência, o precedente como
fonte indireta do Direito Brasileiro.
Em conclusão, podemos falar que serão objeto desse nosso estudo as fontes
formais principais e diretas, como classificamos a legislação. E esse estudo será
feito partindo de certa hierarquia, a começar pelo topo, que é a Constituição, e a
concluir pelas normas complementares – que pouco podem em nosso ordenamen-
to, mas onde vemos os maiores excessos do Estado.

Espécies

Constituição

A Constituição tem como funções regular o exercício do poder, distribuir com-


petências e estabelecer os direitos e garantias fundamentais. Dessa forma, pode-
mos citar como exemplo do exercício dessas funções, respectivamente, estabelecer

capítulo 3 • 71
quais são os tributos que podem ser instituídos, repartir o poder de instituir os im-
postos e estabelecer as limitações constitucionais ao poder de tributar. E por isso
podemos dizer que as normas constitucionais que tratam do Direito Tributário e
se encontram em nossa Constituição não estão lá por um acaso. No nosso sistema
jurídico, elas devem ser tratadas por norma constitucional:

Podemos dizer, então, que a Constituição, em matéria tributária, tem


algumas funções especiais: a) outorgar competência tributária aos
entes federados; b) inaugurar as limitações ao poder de tributar;
c) enumerar exaustivamente as espécies tributárias; d) prever as
hipóteses de repartição de receita.
(CARNEIRO, C. Curso de Direito Tributário e Financeiro. São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 160.)

Algumas delas não podem sequer ser objeto de emendas, de reformas, pois po-
deriam violar o pacto federativo – como a supressão de uma competência ou viola-
ção dos direitos fundamentais –, como a revogação de limitações constitucionais.
Aliás, a questão da reforma tributária se encontra nesse ponto. Uma das propostas
é unificar o ICMS, e o seu problema é que ele hoje é um tributo estadual. Sua
unificação seria retirá-lo da competência dos Estados e transferi-lo para a União.

Emendas Constitucionais

As emendas constitucionais estão limitadas nos termos do art. 60 da própria


CRFB/88. Mas temos tido uma série de emendas constitucionais que dispõem
sobre a tributação.

Lei complementar

A segunda fonte é a lei complementar. Colocamos essa leia em segundo lugar


não para afirmar uma hierarquia, mas porque escolhemos partir de normas de
caráter geral para normas específicas. Predomina o entendimento de que não há
hierarquia entre leis complementares e leis ordinárias. Isso porque a lei ordinária
não pode tratar de matéria reservada à Lei Complementar; então, não há conflito.
Por outro lado, a lei complementar que tratasse de matéria não reservada a ela

capítulo 3 • 72
poderia ser alterada por lei ordinária, já que aquele dispositivo seria essencialmen-
te ordinário apesar de formalmente complementar. Ora, cabe à Constituição criar
reservas à Lei Complementar.
As funções mais importantes da lei complementar em matéria tributária estão
no art. 146 da Constituição. E, entre elas, a criação das normas gerais. Abra o seu
CTN na primeira página e confira que ele é formalmente uma Lei Ordinária. Ele
foi aprovado como uma lei ordinária. É que, em 1966, quando ele foi publicado,
não havia exigência de Lei Complementar. Foi com a Constituição de 1967 (art.
18, § 1º) que tal exigência surgiu. Assim, pela teoria da recepção, e como o nosso
Sistema Constitucional não adota a inconstitucionalidade formal supervenien-
te, esse artigo foi recepcionado desde então com status de lei complementar. A
Constituição de 1988 repete a mesma reserva, o que mantém essa sua natureza.
Alguns tributos, como já vimos, serão instituídos por lei complementar: os
empréstimos compulsórios (art. 148, CRFB/88), o imposto sobre grandes fortu-
nas (art. 153, VII, CRFB/88), os impostos residuais (art. 154, I, CRFB/88) e as
contribuições sociais residuais (art. 195, § 6º, CRFB/88).
Além disso, há outras reservas à lei complementar em matéria tributária: algu-
mas relativas ao ITCMD (imposto sobre as transmissões causa mortis e doação),
nos termos do art. 155, § 1º, III; outras relativas ao ICMS (imposto sobre a circu-
lação de mercadorias e serviços), como determina o art. 155, § 2º, XXI, a) a i); a
fixação de alíquotas máximas e mínimas e outras regras do ISSQN (imposto sobre
serviços de qualquer natureza), art. 156, § 3º; bem como o limite para concessão
de remissão ou anistia sobre determinadas contribuições sociais, nos termos do
art. 195, § 11, todos da CRFB/88.

Lei ordinária

A terceira é a lei ordinária. Tipo de lei que é aprovada por maioria simples, ou
seja, o primeiro número inteiro depois da metade entre os presentes. Ela é a regra
geral para a instituição dos tributos.
O art. 97 do CTN estabelece o rol de matérias sujeitas à reserva de lei. Em
regra, tudo aquilo que está nesse dispositivo será estabelecido por lei. Como visto,
raramente os tributos são instituídos por lei complementar – ao contrário do que
muitos popularmente acreditam.

capítulo 3 • 73
Lei delegada

Quanto à quarta fonte, lei delegada, apenas faremos referência por es-
tar na Constituição, mas nunca foi utilizada no Direito Tributário. Aliás, há
uma controvérsia sobre o seu cabimento. É que essa lei, prevista no art. 68 da
Constituição, é elaborada pelo executivo mediante delegação solicitada ao legis-
lativo. E, como você já viu na disciplina anterior, a competência é o poder de
instituir tributos por lei.
Temos apenas 13 leis delegadas em todo o nosso ordenamento jurídico, a
última delas tratando de conteúdo perfeitamente adequado à estrutura da
Administração Pública Federal.
Mas vamos deixar essa discussão de lado, pois as chances de ocorrer na prática
são remotíssimas. O executivo preferirá editar uma medida provisória em vez de
pedir ao legislativo antes.

Medida provisória

Banalmente utilizada por nossos governantes, já se discutiu o seu cabimento


no Direito Tributário, pois a legalidade nasce nele a partir da afirmação de que o
tributo deve ser criado por representantes daqueles que irão arcar com o seu paga-
mento (é o princípio do no taxation without representation).
Além disso, até que ponto a medida seria urgente, tendo em vista os princípios
constitucionais já vistos que determinam que a lei que cria tributos somente entre
em vigor no ano seguinte ou em 90 dias? De toda forma, o que prevalece é o seu
cabimento por um argumento bastante simplista: não há vedação constitucional.
Ao contrário, a Constituição, após a EC 32/2001, até prevê quando os tributos
por ela modificados entrarão em vigor.
A questão mais controvertida sobre elas hoje é a contagem da regra da ante-
rioridade. Prevalece o entendimento de que, nos termos do artigo 62, § 2º, da
CRFB/88, a análise da anterioridade deve ser feita a partir da data da conversão
da medida provisória em lei. Em sentido diverso, o Prof. Claudio Carneiro enten-
de que ela deve ser feita pela edição da medida provisória por perder, para ele, a
essência da medida.

capítulo 3 • 74
Tratados e convenções internacionais

A sexta são os tratados e convenções internacionais. Aqui chamo sua atenção


para a necessidade de incorporação por aprovação do legislativo. É evidente que
o art. 98 do CTN deve ser interpretado conjuntamente com os dispositivos cons-
titucionais que exigem a incorporação de tratado internacional e das convenções.
Assim é que, somente após a sua incorporação, os tratados e as convenções inter-
nacionais serão aplicados internamente.
Mas há quanto a eles uma controvérsia sobre a possibilidade de concessão de
isenção de tributos estaduais ou municipais. Isso porque quem assina o tratado
é o Presidente da República. Só que, quando ele os assina, o faz no exercício da
função de chefe de Estado, representando a República Federativa do Brasil (art.
1º da CRFB/88), e não União federal (art. 18 da CRFB/88). Representa todos os
entes federativos externamente, não somente a União Federal.

Decretos Legislativos

Inicialmente, é importante distingui-los dos simples decretos. Os decretos le-


gislativos são previstos nos arts. 49 e 59, VI, da CRFB/88, constituindo-se em atos
legislativos próprios do Congresso Nacional. São atos normativos que servem para
incorporação de tratados internacionais, por exemplo.

Decretos

Serão fonte do Direito Tributário, podendo inovar somente nas hipóteses de


exceção à legalidade. Essas hipóteses se encontram na Constituição em seu art. 153,
§ 1º, que excepciona as alíquotas de quatro impostos federais (II, IE, IPI e IOF).
Esses quatro impostos poderão ter suas alíquotas fixadas pelo executivo. Além disso,
temos as obrigações acessórias. Como já vimos, quando falamos do princípio da le-
galidade, predomina o entendimento de que, na forma do art. 113, § 2º, do CTN,
será a legislação que fixará as regras relativas a essas. Como o CTN não exige lei, e
essas obrigações não oneram o patrimônio do contribuinte, decretos, portarias, reso-
luções, instruções normativas, portarias e circulares poderão regulá-las.

capítulo 3 • 75
Convênios interestaduais

São acordos celebrados entre os Estados que firmam compromissos de somen-


te conceder benefícios fiscais relativos ao ICMS se previstos nele. Eles têm como
objetivo limitar a guerra fiscal, pois todos acordariam os benefícios que iriam con-
ceder. Alguns estados não têm assinado os convênios e suas modificações, pois não
querem aderir a novas regras protetivas dos estados economicamente mais fracos.

Resoluções do Senado

Em vários dispositivos, a Constituição estabelece ao Senado o dever de regu-


lar o tributo. É o que ocorre com a fixação das alíquotas máximas do ITCMD
(art. 155, § 1º, IV, da CRFB/88), das alíquotas interestaduais e de exportação
do ICMS, bem como as alíquotas mínimas nas operações internas e máximas
nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de
Estados, também para o ICMS (art. 155, § 2º, IV, V, VI, VII e VIII da CRFB/88)
e as alíquotas mínimas do Imposto sobre a propriedade de veículo automotor –
IPVA (art. 155, § 6º, I, da CRFB/88).

Normas complementares

Nada mais são do que atos normativos que servem para orientar a aplicação das
leis. Atos normativos que não podem inovar no Direito tampouco podem criar di-
reitos e obrigações (de forma a onerar o patrimônio do contribuinte). São eles os atos
normativos administrativos, as decisões administrativas com eficácia normativa, os
costumes da administração (práticas reiteradamente adotadas pela Administração) e
os convênios entre administrações no interesse da fiscalização (que não são os convê-
nios do ICMS, mas convênios entre os entes para colaboração mútua).
Elas não podem revogar tributos, mas a sua observância pelo contribuinte
dispensa o pagamento de multas, juros de mora e penalidade. O contribuinte que
agiu conforme orientação da Fazenda Pública continua devendo tributo que não
pode ser revogado por normas complementares.

capítulo 3 • 76
Hermenêutica

Interpretação

Vamos estudar agora a atividade que busca o sentido da lei, da norma inscrita
no texto legal. Ou seja, essa atividade pressupõe a existência de positivação. E
seguimos o nosso estudo nessa ordem, pois o Direito Brasileiro segue a tradi-
ção romano-germânica do direito positivado. Assim sendo, as regras serão criadas
principalmente através de processo legislativo. É assim que se constrói no Direito
Brasileiro a segurança jurídica, e não só ela, a justiça, pois o legislativo é composto
por representantes escolhidos pelo povo.
Para tentar organizar o nosso estudo, vamos procurar estudar a interpretação
a partir de três enfoques: quem interpreta (fontes de interpretação), como se in-
terpreta (métodos de interpreta) e qual a conclusão (resultados da interpretação).

Fontes de interpretação

As fontes de interpretação são os personagens que realizam tal atividade. No nos-


so Direito, reconhecemos que três sujeitos podem realizar a interpretação; por isso,
a interpretação ganha três denominações: autêntica, jurisprudencial e doutrinária.

Autêntica

A autêntica é interpretação realizada pela própria lei. Nela vemos conceitos defini-
dos pela própria lei que, na realidade, não criam nenhum direito ou obrigação novos.
Percebam que aqui não estamos falando da interpretação feita pelo legislador.
O legislador (por exemplo, o autor de um projeto de lei) não é fonte autêntica.
Assim como um e-mail postado que deixa de ser de exclusiva interpretação de seu
autor, é a lei. Tão logo publicada, ela deixa de pertencer ao seu autor, que, se queria
dizer algo, permitiu com sua redação outra interpretação e nada mais pode fazer.
A lei publicada é como um filho que ganha a sua independência.
Além disso, considerando que se encontra em norma positivada, ela vincula.
Por isso, a escolhemos para começar nosso estudo.

capítulo 3 • 77
Jurisprudencial

A segunda interpretação é a jurisprudencial, que é a realizada, de forma reite-


rada, pelos tribunais. Nesse ponto, devemos fazer um reparo em uma espécie de
vício de linguagem de muitos estudantes e profissionais do Direito. Não se pode
chamar de jurisprudência um único julgado. A isso, podemos dar o nome de pre-
cedente. A jurisprudência é a reiteração de julgados em um mesmo sentido que
deixa transparecer o entendimento do tribunal.
Hoje, podemos dizer que, por tradição, ela não vincula, porém sucessiva-
mente temos visto reformas no processo civil e no judiciário, como um todo,
que criam uma vinculação às decisões do STF e de outros tribunais superiores.
Assim é com a famosa súmula vinculante e as outras regras trazidas pelo CPC que
atribuem efeitos obrigatórios e gerais para os julgados proferidos pelo Supremo
Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, em recursos extraordinários
e especiais repetitivos, e para os acórdãos produzidos pelos demais tribunais, em
incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e em incidente de assun-
ção de competência.

Doutrinária

A terceira fonte de interpretação é a doutrinária. Ela é aquela realizada pelos


estudiosos do Direito. Aquela que encontramos nos livros. Ela não vincula. Aliás,
com uma certa facilidade com que hoje se consegue a publicação de um livro,
melhor que seja assim.
Por efeito, determinados autores são grandes referências no estudo do Direito;
portanto, por sua infiltração no meio jurídico, muito do que dizem praticamente
vincula. Temos nossos marcos doutrinários no Direito Tributário, como o Prof.
Aliomar Baleeiro, o Prof. Amílcar de Araújo Falcão, o Prof. Rubens Gomes de
Souza, o Prof. Ruy Barbosa Nogueira, o Prof. Alfredo Augusto Becker e tantos
outros que preferimos parar de citar.
Mas esses mesmos manifestam opiniões que nem sempre são seguidas quando
da aplicação das leis. Por exemplo, o Prof. Alfredo Augusto Becker tem posiciona-
mento bastante curioso sobre a contribuição de melhoria que transcrevemos aqui

capítulo 3 • 78
apenas para que você perceba que mesmo uma autoridade dessa envergadura pode
ser abandonada pelo STF:

A doutrina tradicional entende que a contribuição de melhoria é tributo


inconfundível, mesmo no plano jurídico, com imposto e taxa. Entretanto,
aqueles estudiosos do Direito Tributário que se preocupam em não
deixar sua atitude mental jurídica contaminar-se com princípios e
conceitos da Ciência das Finanças Públicas, ao procederem recentes
investigações sobre as diferentes naturezas jurídicas dos tributos,
concluíram que a contribuição de melhoria é um imposto ou uma taxa.
(Becker, A. A. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Noeses,
2007, p. 408-409.)

Métodos de interpretação

Passemos agora ao estudo destes que são os mecanismos utilizados para a in-
terpretação da regra positivada: os critérios que os doutrinadores buscam definir
para encontrar uma interpretação mais adequada e uniforme.
Antes, precisamos registrar que atualmente se consagrou o pluralismo meto-
dológico. Segundo essa teoria, não podemos escolher este ou aquele método de in-
terpretação para uma determinada lei. Temos de passá-la por todos esses critérios
de tal forma que nenhum método de interpretação poderá ser utilizado de forma
exclusiva. Ao final, estaremos mais certos de termos alcançado o melhor resultado.

Interpretação gramatical

A interpretação gramatical ou literal é aquela que busca o sentido vernacular


das palavras e expressões. Seu maior instrumento são os dicionários e as gramá-
ticas. Atualmente, muitos dizem que ela é desnecessária, que é uma involução.
Talvez possamos atribuir a isso a baixa qualidade na escrita de nossa população.
Parece ter ficado esquecida nos anos do ensino médio a importância de temas
como a função sintática. Sem um bom conhecimento de função sintática, nossa
interpretação de texto fica incompleta, pois ela se presta a identificar o papel que
determinada palavra encontra em uma oração.

capítulo 3 • 79
Se não conseguimos entender o que cada uma daquelas palavras significa e o
sentido de determinada construção de sentença, não podemos seguir para qual-
quer outro método de interpretação. É como se fossemos estrangeiros de nosso
próprio idioma natal.

Intepretação lógica

A interpretação lógica é aquela que exclui conclusões impossíveis, mantendo


somente as dotadas de sentido. Assim, podemos citar como um exemplo bem fácil
a ideia de que, ao conceituar responsável, o art. 121, parágrafo único do CTN,
apenas excluiu aquele que tenha relação pessoal e direta com o fato gerador, por-
que esse é o contribuinte. Será assim que a lei poderia definir como responsável
pelo pagamento do IPTU o primeiro que passasse em frente ao imóvel no ano? É
claro que não.
É aí que a interpretação gramatical começa a perder força e passa a ser limitada
pelos outros métodos de interpretação. Nesse sentido é que poderíamos dizer que essa
interpretação não é lógica. Lógico é que possa ter o dever de arcar com o tributo aquele
que, mesmo não sendo o contribuinte, tenha alguma relação como fato gerador.

Interpretação sistemática

Chamamos de sistema jurídico, pois não há dispositivos legais isolados no


mundo jurídico. Não há leis que não encontrem expressões explicadas ou até de-
finidas por outros ramos do Direito.
Esse método é aquele que busca compatibilizar as conclusões obtidas com as
demais normas existentes no ordenamento jurídico. É do método sistemático,
somado à supremacia da norma constitucional, que surge o controle de constitu-
cionalidade. Pois esse controle reconhece a ideia de sistema, dentro do qual não
deve haver incongruências que prejudiquem o seu funcionamento.
Aliás, no CTN há um mandamento relativo à observância desse método de
interpretação. Ele está no art. 110, o que determina que a legislação tributária não
pode alterar as definições, conteúdos e alcance de institutos, conceitos e formas de
Direito Privado, para definir ou limitar competências tributárias.

capítulo 3 • 80
É nesse sentido que temos a Súmula Vinculante 31, que determina ser in-
constitucional a incidência de ISS sobre operações de locação de bens móveis.
Isso porque a locação é definida pelo Código Civil (CC) e esta não confunde com
aquela, nem uma espécie da outra.

Interpretação histórica ou evolutiva

Mas, além de compatibilizar com o próprio sistema, é importante compa-


tibilizar com a sociedade em que esse sistema jurídico está inserido. Daí temos
a interpretação histórica, aquela que busca dar às expressões contidas na lei, em
especial aos conceitos legais indeterminados (aqueles que dependem de valoração
do intérprete), o sentido mais adequado ao momento em que se lhe vai aplicar.

O intérprete deve adaptar a lei às condições sociais, políticas e


econômicas vigentes ao tempo de sua aplicação, porque tais condições
não são as mesmas existentes no momento do surgimento da norma
jurídica, considerando que a lei se destaca da vontade do legislador
depois de promulgada.
(ROSA JR., L. E. F. da. Manual de Direito Tributário. Rio de Janeiro:
Renovar, 2012, p. 258.)

Isso é diferente do que se chama de occasio legis – o sentido das expressões


no momento em que a lei foi elaborada. Esse sentido das expressões deve servir
apenas para nos auxiliar a encontrar o sentido atual. Prendermo-nos ao sentido
das expressões no momento em que a lei foi produzida é como pretender prender
a sociedade àquele momento histórico.
Aliás, nesse ponto a interpretação exerce um papel fundamental em nosso or-
denamento jurídico, pois ela é capaz de atualizar o texto da lei sem a necessidade
de um processo legislativo. É uma espécie de mutação legislativa. Algo que você
pode ver no módulo de Direito Constitucional.
Vemos em destaque esse método de interpretação quando o STF, no RE
330817, com repercussão geral reconhecida, reconhece a imunidade do art. 150,
VI, d, da CRFB/88, aos livros digitais. Ora, em 1988 não poderíamos imaginar o

capítulo 3 • 81
conceito de livro digital. Hoje, eles são uma realidade e possuem a mesma função
de um livro impresso tradicionalmente.

Interpretação teleológica

O último método de interpretação que podemos destacar é o método teleoló-


gico, que é aquele que busca a finalidade do dispositivo legal, a chamada mens le-
gis. Aliás, isso é também diferente da vontade do legislador. É o que se pode extrair
da localização da lei, do momento histórico, da sua redação, de uma coletânea de
informações que devemos buscar também para interpretar.
Veja um exemplo: ao estabelecer a imunidade dos templos de qualquer culto,
a Constituição, que coloca essa regra dentro do capítulo das limitações constitu-
cionais ao poder de tributar, pretende, enquanto verdadeiras garantias do con-
tribuinte, proteger a liberdade de culto. E a liberdade de culto não está presa
somente ao templo físico, mas a tudo aquilo que guarnece a atividade religiosa. É
por isso que o STF traz julgados em que reconhece a imunidade para vários outros
bens, como veículos, por exemplo.

Resultados da interpretação

E concluímos esta parte de nosso estudo com a análise da conclusão a que po-
demos chegar ao comparar o texto da lei com a norma que dele pudemos extrair.

Interpretação estrita ou declaratória

O primeiro é o resultado estrito no qual a conclusão coincide exatamente


com tudo aquilo que se pode extrair do texto escrito, e somente a isso. Podemos
dizer que o legislador foi feliz em sua redação. O texto retrata exatamente a norma
jurídica. Não é que devamos aplicar o brocardo interpretatio cessat in claris. Ao
contrário, é a interpretação que nos permitiu concluir que o texto é claro.

Interpretação extensiva

O resultado é extensivo quando a conclusão extrapola os limites do texto es-


crito. Nesse caso, costumamos dizer que a lei disse menos do que queria. E, como
a lei disse menos do que queria, a função do intérprete é levar a norma jurídica

capítulo 3 • 82
para onde ela deve ficar. Já fizemos isso aqui quando falamos da imunidade de
culto. Ora, o texto fala no templo, mas concluímos que tudo aquilo que necessa-
riamente guarnece a atividade religiosa é igualmente imune.

Interpretação restritiva

E, por fim, o resultado pode ser, ao contrário, restritivo, na hipótese em que


a conclusão fica aquém do conteúdo da lei escrita. Nesse caso, costumamos dizer
que a lei disse mais do que queria. E aí a função do intérprete é reduzir o signifi-
cado para chegar à norma jurídica adequadamente. Também já fizemos isso aqui.
Foi ao definirmos o responsável tributário. Não é qualquer um que não seja o
contribuinte. É qualquer um que não seja o contribuinte e tenha alguma conexão
com o fato gerador.
Interessante consignarmos aqui o entendimento do Prof. Claudio Carneiro
sobre esse tema:

Para nós, nenhuma dessas hipóteses viola os limites da literalidade da


norma, razão pela qual podemos utilizar quaisquer das modalidades
acima em relação ao art. 111 do CTN. Contudo, diversamente do
nosso posicionamento quanto ao sentido da expressão ‘‘literalmente’’,
contida no citado artigo, o STF entende que essa expressão determina
uma interpretação restritiva. Já para Ricardo Lobo Torres trata-se de
interpretação literal declaratória. Por outro lado, Luciano Amaro afirma
que a interpretação deve ser restritiva.
(CARNEIRO, C. Curso de Direito Tributário e Financeiro. São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 238.)

Integração

Nesta aula, começamos identificando quais são as fontes do Direito Tributário.


Na sequência, estudamos a interpretação desse texto legal. Mas fecharemos esta
aula com a integração, ou seja, a atividade de busca da norma que não se encon-
tra inscrita em nenhum dispositivo legal. Pressupõe a inexistência de positivação.
Assim, veremos como pode o ordenamento ser completo mesmo sem lei escrita.

capítulo 3 • 83
Precisamos apenas esclarecer que não veremos quais são as fontes de integra-
ção por razões óbvias. A primeira é que não poderemos ter a integração autêntica,
pois, se não há lei, não é possível que ela se complemente. A segunda é que so-
mente a jurisprudência e a doutrina serão mesmo fontes de integração. E, nesse
sentido, não precisamos repetir definições já feitas.

Métodos de integração

Os métodos de integração são os mecanismos admitidos para buscar a nor-


ma quando ela não está positivada na lei. Importante salientar que, no Direito
Tributário, existe uma ordem a ser seguida de forma a tentar se apegar o máximo
possível à lei. O artigo 108 do CTN estabelece essa ordem que demonstra um
apego à lei, pois parte dela.

Analogia

O primeiro método é a analogia, que nada mais é do que a aplicação de uma


lei positivada a uma situação semelhante. Dessa maneira, procuramos primeiro a
lei. Se ela não existe para a situação específica, mas existe para uma situação seme-
lhante, vamos utilizá-la.
Notem que há uma diferença grande entre analogia e interpretação extensiva.
Na última, a lei deixa margem à aplicação do dispositivo legal a situações con-
gêneres – é o que ocorre de forma expressa com a lista anexa à LC 116/03, que
estabelece quais seriam os serviços a sofrerem incidência do ISS.

Princípios gerais de Direito Tributário

O segundo método é a aplicação dos princípios gerais de Direito Tributário:


como vimos na disciplina anterior, após a Constituição de 1988, muitos princípios
foram positivados – nesse caso, não se trata de integração, mas de interpretação.
Quando aplicarmos um princípio que não está positivado, aí estaremos fazendo a
integração. Um desses princípios é a neutralidade. Ele se presta a esse tipo de aplicação.
Em verdade, estamos diante de duas situações. Quando se tratar de um prin-
cípio expressamente previsto no ordenamento jurídico, não há que se falar em
integração, mas em verdadeira interpretação sistemática do Direito. E, quando o
princípio não estiver expresso, aí podemos falar na integração do Direito.

capítulo 3 • 84
Princípios gerais de Direito Público

O terceiro método é a utilização dos princípios gerais de Direito Público, des-


de, é claro, que não positivados. A opção pelos princípios gerais de Direito Público
se dá porque, seguindo essa tradicional classificação que prega pela dicotomia do
Direito, o Direito Tributário, por todos os critérios, pertence a esse grupo.

Equidade

O quarto e último método é a equidade. Aliás, seu maior problema é conceituar,


mas o que sempre se quer é a construção de uma norma apropriada, exclusiva, para
aquele caso em análise. Nessa hipótese, o juiz atua como verdadeiro legislador, tendo
apenas o ordenamento jurídico como fonte de sua inspiração e limitação.

Limites

Esses métodos de integração sofrem de pelo menos dois limites. Duas situa-
ções em que não se podem aplicar. Por conta do princípio da legalidade, a ana-
logia não pode permitir a cobrança de tributo, e a equidade não pode resultar na
dispensa ao pagamento de tributos, até porque, se é a lei que estabelece tributos,
somente ela os pode dispensar (art. 150, § 6º, CRFB/88). Há exceção a essa regra:
o próprio CTN autoriza que, por razões de equidade, possa a autoridade adminis-
trativa tributária perdoar o tributo devido.

Interpretação econômica

Um último tópico merece destaque antes de fecharmos nossa aula. Na doutrina,


fala-se da interpretação econômica. É algo que se pode encontrar desde Amílcar de
Araújo Falcão, que nos trouxe lições do Direito Tributário Alemão. A interpretação
econômica é critério de interpretação de fatos, e não de interpretação legal. Esse
critério exige que o fato seja interpretado não tanto por sua forma jurídica, mas sim
pela sua manifestação de riqueza, já que o objetivo da tributação é buscar que cada
um pague tributos segundo a sua manifestação econômica de riqueza.

capítulo 3 • 85
A lei tributária interpretada funcionalmente, levando em conta a
consistência econômica do fato gerador(...), a normalidade dos meios
adotados para atingir certos fins (...) e a finalidade ou função que o
tributo instituído vai desempenhar.
(Falcão, A. de A. Fato gerador da obrigação tributária. São Paulo:
Noeses, 2013, p. 50.)

Nosso Código tem norma que decorre, de certa forma, dessa teoria. É o pa-
rágrafo único do art. 116, também chamado de norma geral antielisiva. A elisão
é a fuga ao pagamento do tributo. A norma geral antielisiva é dispositivo legal
que permite de forma genérica que a autoridade administrativa desconsidere
formas jurídicas adotadas pelos contribuintes aos fatos com o único intuito de
reduzir a carga tributária.

Cristalizou-se na doutrina o entendimento de que a autoridade fiscal só


pode adotar o processo de interpretação econômica quando ocorrerem
cumulativamente dois pressupostos: a) forma jurídica atípica revestindo
o ato; b) visar o contribuinte com essa atipicidade ao manejo de forma
jurídica não pagar ou pagar a menos o tributo. Assim, o processo de
interpretação econômica não pode ser utilizado quando o contribuinte,
agindo licitamente, visando à economia fiscal, não pague ou pague o
menor tributo, pois se trata de mera elisão fiscal, inexistindo, portanto,
a intenção de fraude. Ademais, a interpretação econômica, quando
cabente, não significa que se afastem da interpretação da norma
jurídico-fiscal seus demais métodos.
(ROSA JR., L. E. F. da. Manual de Direito Tributário. Rio de Janeiro:
Renovar, 2012, p. 261.)

Há controvérsias sobre a aplicação imediata desse dispositivo. E, conforme a


sua dicção, ele depende de lei específica de cada ente que venha a regular como
ele será aplicado.

capítulo 3 • 86
ATIVIDADE
Um contribuinte do imposto de renda está elaborando sua declaração de ajuste anual.
Ele recebeu uma indenização por dano moral paga por uma companhia de ônibus em virtude
de acidente sofrido por ele que resultou em afastamento de seu trabalho por mais de 15
(quinze) dias. Ele recebeu também indenização a título de lucros cessantes e indenização a
título de danos materiais decorrentes dos tratamentos médicos que teve de realizar.
Ele está com dúvidas acerca do pagamento de imposto de renda sobre os danos morais.
Isso porque acessou o sítio eletrônico da Receita Federal do Brasil em uma página denomi-
nada “Perguntão” e lá encontrou o seguinte conteúdo: 210 - Qual é o tratamento tributário
da indenização recebida por danos morais?
Essa indenização, paga por pessoa física ou jurídica, em virtude de acordo ou decisão
judicial, é rendimento tributável sujeito à incidência do imposto sobre a renda na fonte e
na declaração de ajuste. Entretanto, no caso de verba percebida a título de dano moral por
pessoa física, a fonte pagadora está desobrigada de reter o tributo devido pelo contribuinte,
e a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) não constituirá os respectivos créditos
tributários, tendo em vista a vigência do Ato Declaratório PGFN nº 9, de 20 de dezembro de
2011. (Lei nº 8.541, de 23 de dezembro de 1992, art. 46; Decreto nº 3.000, de 26 de março
de 1999 - Regulamento do Imposto sobre a Renda - RIR/1999, art. 718; Ato Declaratório
PGFN nº 9, de 20 de dezembro de 2011)Diante disso, ficou bastante confuso, pois não en-
tende aquele valor como um acréscimo, e sim como uma verdadeira reparação.
Assim sendo, como podemos orientá-lo? Responda indicando a fonte de interpretação
adequada bem como o método de interpretação que predomina no caso concreto.

GABARITO
Resposta: O caso apresenta informação real extraída do próprio sítio eletrônico da Re-
ceita Federal do Brasil. Assim, é a interpretação daquele órgão.
Entretanto, o tema já foi objeto de inúmeros questionamentos judiciais e resultou na
consolidação de entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto na
Súmula 498 (Não incide imposto de renda sobre a indenização por danos morais). Nesse
sentido, podemos dizer que a fonte de interpretação foi a jurisprudencial e que se trata de
método de interpretação verdadeiramente sistemático, uma vez que o Direito Civil conceitua
a indenização, ainda que por dano moral, como uma mera reparação.

capítulo 3 • 87
REFLEXÃO
Este capítulo abordou questões relativas às fontes do Direito Tributário. Foi um estudo im-
portante, pois pudemos compreender que tipo de dispositivos cuida da relação jurídica tributária.
Neste capítulo, aprofundamos nossos estudos sobre o tema, cuidando das classificações
das fontes do Direito e sua aplicação ao Direito Tributário. O estudo tem relevo sobre as
fontes formais, principais e diretas do Direito. Elas são as que definem as situações a serem
tributadas. Essas fontes compreendem o conceito de lei (em sentido estrito) e legislação (em
sentido amplo, qualquer ato normativo).
Para que possamos dar sequência ao estudo de qualquer ramo do Direito, é importante iden-
tificar as suas regras. Assim, vimos que o Direito Tributário possui regramentos introduzidos desde
normas constitucionais até decisões administrativas ou práticas reiteradas da administração.
Depois de conhecidas essas regras jurídicas, passamos ao estudo da hermenêutica tri-
butária. Aliás, a hermenêutica é genericamente a atividade de identificar a norma jurídica
contida expressa ou implicitamente no ordenamento jurídico. Sempre que ela estiver ex-
pressa no ordenamento jurídico, daremos início à interpretação através do cuidado de suas
fontes, métodos e resultados. Mas, quando aparentar haver uma lacuna (o que nunca há, haja
vista que o ordenamento deve ser sempre completo para trazer solução a todos os conflitos
apresentados ao Estado), estaremos diante da atividade de integração do Direito – cuja fun-
ção é garantir a integridade do ordenamento jurídico.
Por fim, abordamos tema antigo, mas pouco visitado: o tema da interpretação econômica,
que é em verdade uma interpretação dos fatos. Não se trata exatamente de uma interpreta-
ção da lei, pois o que se avalia com olhares econômicos é o ato praticado pelo contribuinte,
e não tanto a lei que se pretende aplicar.
Após esse estudo, estaremos aptos a cuidar das normas jurídicas mais importantes do Direito
Tributário por elas estabelecerem garantias ao contribuinte e à própria relação jurídica tributária.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARNEIRO, C. Curso de Direito Tributário e Financeiro. São Paulo: Saraiva, 2016.
ROSA JR., L. E. F. da. Manual de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
TORRES, R. L. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2016.

capítulo 3 • 88
4
Limitações
constitucionais ao
poder de tributar
Limitações constitucionais ao poder de tributar
Uma classificação tradicional de dispositivos constitucionais estabelece que há
aqueles que figuram como normas materialmente constitucionais e outros como
normas formalmente constitucionais. As últimas são aquelas que, por sua forma,
por estarem em um documento ao qual é reconhecido o status de norma cons-
titucional, são constitucionais. As materialmente constitucionais são aquelas que
possuem esse caráter por tratarem de conteúdo próprio para uma Constituição – o
que pode ser resumido em normas que tratam do poder. O poder impõe sua forma
de manifestação, sua distribuição e seus limites.
Não é por outro motivo que nossa Constituição estabelecerá as limitações ao
poder de tributar.
Já vimos em outra oportunidade que a tributação é, sem dúvida alguma, um
ato de poder. Não é sem o seu poder que o Estado invade nosso patrimônio para
extrair dele o que necessita para a realização de suas despesas. Em função disso,
a Constituição limita o poder do Estado e o faz a partir desses dispositivos que
cuidaremos neste capítulo.

OBJETIVOS
•  Compreender a função das limitações constitucionais ao poder de tributar;
•  Conhecer as limitações vinculadas ao valor segurança jurídica;
•  Conhecer as limitações vinculadas ao valor justiça;
•  Conhecer as limitações vinculadas ao valor liberdade;
•  Identificar as imunidades tributárias;
•  Conhecer as limitações constitucionais vinculadas ao federalismo fiscal.

Princípios constitucionais vinculados ao valor segurança jurídica

Imagine como seria se você firmasse um contrato para a prestação de um


serviço e, logo após, viesse uma lei nova que aumentasse o tributo incidente jus-
tamente sobre aquele negócio jurídico. Isso é uma insegurança. No Direito, ela é
denominada insegurança jurídica.
Cada ramo do Direito tem a sua forma de limitar ou evitar a insegurança
jurídica. No Direito Tributário, temos como resultado genericamente três grandes

capítulo 4 • 90
princípios – legalidade, tipicidade e não surpresa –, que, estendidos, correspon-
dem a cinco normas princípios: legalidade, tipicidade, irretroatividade, anteriori-
dade e noventena.
Aliás, é importante que se esclareça que “a natureza jurídica das limitações ao
poder de tributar é de garantia constitucional”1. Isso porque elas não deverão ser
suprimidas ou reduzidas sequer por uma emenda constitucional.

Legalidade

Em estudo sobre as fontes do Direito Tributário, pudemos avaliar a história


do princípio da legalidade. Vimos que se trata de um princípio dos mais antigos,
remontando ao século XIII. Essa regra vige até hoje, e é assim que se criam os
tributos, na forma do art. 150, I, da CRFB/88.
E apenas para não nos esquecermos: lei é ato normativo genérico abstrato
coercitivo resultado de um processo legislativo constitucionalmente estabelecido.
Assim, não podemos entender como lei qualquer ato normativo, mas somente
aqueles previstos no art. 59, I a V, da CRFB/88, como capazes de inovar no mun-
do jurídico, criando novos direitos e obrigações.
Como visto, a criação de tributos se dá por lei ordinária. Nos termos do art.
146, III, da CRFB/88, a lei complementar tem como principal função dispor
sobre normas gerais, ou seja, aquelas que estabelecem um padrão de comporta-
mento a ser observado por todos os entes federativos na fiscalização e cobrança
de qualquer tributo, salvo exceções fixadas em leis específicas. Os tributos que
serão criados por lei complementar são: os empréstimos compulsórios (art. 148,
CRFB/88), o imposto sobre grandes fortunas (art. 153, VII, CRFB/88), os im-
postos residuais (art. 154, I, CRFB/88) e as contribuições da seguridade social
residuais (art. 195, § 4º, CRFB/88).

Concessão de benefícios fiscais

Aliás, na dicção do artigo 150, I, da CRFB/88, a limitação imposta traz ga-


rantias ao contribuinte. Nesse sentido, não será no caput do artigo que encon-
traremos restrições à concessão de incentivos fiscais, já que esses não oneram o
contribuinte – ao contrário, desoneram. Assim é que a Constituição traz no sexto

1  CARNEIRO, C. Curso de Direito Tributário e Financeiro. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 386.

capítulo 4 • 91
parágrafo do mesmo artigo a exigência de lei específica para concessão de qualquer
benefício ao contribuinte.

Medida Provisória

Ainda outro ponto, que há muito se discutiu, é a possibilidade de medida


provisória criar ou aumentar tributo. Medida provisória não é lei. Mas tem força
de lei. Apesar de ela ser ato normativo editado diretamente pelo executivo e que
já começa a produzir efeitos antes mesmo de qualquer chancela do legislativo
– poder que representa a vontade do povo na criação de atos normativos –, o
STF nunca reconheceu nenhuma inconstitucionalidade em medida provisória,
e recorrentemente temos novas medidas provisórias sobre a matéria. Aliás, a EC
32/2001, que introduziu novas regras relativas à medida provisória, determina a
sua possibilidade e a sua aplicação. O texto poderia ser inconstitucional – já que
o poder de reforma da Constituição não é ilimitado –, mas, como foi dito, tal
inconstitucionalidade nunca foi reconhecida pelo STF.

Exceções

Um último ponto a tratarmos sobre a legalidade é que há exceções. Mas de-


vemos entender antes as razões dessas exceções. Alguns tributos têm a função de
intervir na economia, de servir de instrumento de política pública. Assim é com
os impostos sobre o comércio exterior (importação e exportação), sobre produtos
industrializados e sobre operações financeiras. E, nesse sentido, caso fosse necessá-
ria a publicação de uma lei para qualquer aumento ou redução em suas alíquotas,
considerando a quantidade de leis que ocupam a jornada do legislativo, essas al-
terações somente seriam aprovadas depois da intervenção não mais ser necessária.
É por isso que esses quatro impostos acima relatados são, na forma do art.
153, § 1º, da CRFB/88, verdadeiras exceções à legalidade. Mas isso só no que diz
respeito às suas alíquotas, ou seja, ao percentual correspondente. Todos os outros
elementos desses tributos deverão ser fixados por lei.
Nesse sentido, também devemos somar a regra contida no art. 152, § 2º,
IV, da CRFB/88, que atribui à resolução do Senado Federal, de iniciativa do
Presidente da República ou de um terço dos Senadores, estabelecer as alíquotas do
ICMS aplicáveis às operações e às prestações interestaduais e de exportação.

capítulo 4 • 92
Tipicidade

Na doutrina alemã, se desenvolveu outro princípio – princípio esse que não


encontra previsão expressa em nossa Constituição. É o princípio da tipicidade –
die Typizität. Tipo é a descrição legal da situação que deverá ocorrer para que os
efeitos nela previstos sejam aplicados. Em matéria de tributos, é correto afirmar
que o tipo tributário é composto pelos elementos da obrigação tributária (que
serão esmiuçados no próximo capítulo): aspecto material, temporal, espacial, sub-
jetivos e quantitativos. Ou seja, o que precisa ocorrer quando se considera isso
ocorrido, em que se considera isso ocorrido: quem pagará, a quem e o quanto.

Aberta ou fechada

Entender o que é tipicidade não deve ser algo difícil como vimos. O problema
que surge é um problema de linguagem: o tipo tributário admitirá conceitos legais
indeterminados e normas em branco?
O conceito legal indeterminado é o recurso utilizado pelo legislador que trans-
fere ao intérprete o dever de complementar a lei. Assim, o legislador se utiliza de
palavras que por si só possuem um significado amplo, inexato. A norma em bran-
co é aquela que se utiliza do recurso de permitir que venha ela a ser complemen-
tada por outro ato normativo – no mais das vezes, ato normativo de hierarquia
inferior; por exemplo, um decreto ou uma resolução.
Na prática, acaba valendo a tipicidade aberta. Não é, em verdade, possível
conviver sem os conceitos legais indeterminados. Até seria possível abrir mão das
normas em branco. Mas, quando a linguagem cria obstáculos ao legislador, eles
costumam ser bem difíceis de serem ultrapassados. Portanto, o uso de expressões
abertas é um recurso indissociável da atividade legislativa.

Obrigações acessórias e prazo

O princípio da legalidade se aplica aos elementos do tipo tributário; como não são
elementos do tipo tributário, o prazo e as denominadas obrigações acessórias do art.
113, § 2º, do CTN podem ser, em princípio, alterados por qualquer ato normativo.
Por que “em princípio”? Porque não podemos esquecer que, se de algum modo
a regra relativa à obrigação acessória interferir em prejuízo do particular na obriga-
ção principal, aquela deverá se submeter a todos os princípios e regras aplicáveis a

capítulo 4 • 93
esta. Isso é bastante comum com as regras relativas à escrituração do ICMS com
vistas a garantir a não cumulatividade, o que veremos mais adiante.

Irretroatividade

Não basta para a segurança que o tributo seja fixado por lei, até porque a lei po-
deria criar regras para situações já ocorridas, e isso traria uma grande insegurança.
Então, o art. 150, III, a, da CRFB/88 determina que as leis somente podem
alcançar fatos geradores/situações que ocorrem em sua vigência. A redução de
tributo pode alcançar fato que ocorreu antes se assim estabelecer expressamente. É
claro que, se a Constituição não trouxer regra que o proíba (e não há), a lei pode
fixar tratamento mais benéfico para situação anterior.

Exceções

Em verdade, não há exceções à irretroatividade apesar do que dispõe o


art. 106 do CTN.
No primeiro inciso, temos a lei interpretativa – aquela que, em vez de trazer
um novo direito ou uma nova obrigação, traz apenas uma definição, uma classi-
ficação. E, como ela não traz nem direito nem obrigação novos, não se submete à
irretroatividade, pois não age.
No segundo inciso, a irretroatividade não diz respeito, em verdade, a uma
norma tributária, e sim a uma norma penal. Estabelece ela que a lei, que reduz
penalidade ou traz qualquer outro tratamento mais benéfico ao infrator, alcançará
infrações já praticadas.

Imposto de renda

Mas, de tudo isso, o que traz maior perplexidade no estudo desse princípio é
a análise da Súmula 584 do STF. O fato gerador do imposto de renda é definido,
por muitos doutrinadores, como complexivo ou periódico (formado por um con-
junto de fatos ocorridos ao longo de determinado período – a saber, 1º de janeiro
a 31 de dezembro, especialmente quando se tratar de pessoa física e que não seja
de tributação exclusiva). Caso uma lei entre em vigor em qualquer outro dia que
não 1º de janeiro, será ela aplicável a quais fatos geradores?

capítulo 4 • 94
De acordo com o artigo 105 do CTN, parece-nos que a lei nova seria aplicável
retroagindo a 1º de janeiro do mesmo ano em que entra em vigor. Mas isso viola
flagrantemente o princípio da irretroatividade.
Pela Súmula 584 do STF, a solução é ainda mais gravosa para o contribuinte.
Ela determina que seja aplicada a lei que estiver em vigor não no ano da ocorrência
do fato, mas no ano em que deve ser feita a declaração. Uma interpretação mais
protetiva do contribuinte conduziria à conclusão de que deve prevalecer a aplica-
ção do artigo 150, III, a, da CRFB/88. A lei nova somente poderá alcançar fato
que tenha tido início, meio e fim sob sua vigência.

Anterioridade

Se refletirmos sobre o propósito de garantir segurança jurídica ao contribuin-


te, tão somente legalidade e irretroatividade não produzem um resultado satisfa-
tório. Imagine você firmar um contrato, contando com uma carga tributária tal, e
amanhã ser publicada (com vigência imediata) uma lei que duplique essa carga tri-
butária. Ainda assim, haveria insegurança. É por isso que o ordenamento jurídico
brasileiro conta com o princípio da anterioridade – a lei que cria ou aumenta um
tributo tem de ter sido publicada até o ano anterior para que possa ser aplicada.
Anualidade. Princípio não mais previsto em nosso ordenamento jurídico, a
anualidade tributária consistia na exigência de uma autorização no orçamento
anual para que, naquele ano, o tributo pudesse ser cobrado. A ausência de previsão
orçamentária impedia a cobrança do tributo naquele ano. Esse princípio esteve
presente na Constituição de 1824, 1946 (até ser revogado pela EC nº 18/65) e
1967 (até ser também revogado pela EC nº 1/69).
Exceções. Você viu que a legalidade tem exceções por conta da extrafiscalida-
de. O mesmo ocorre com a anterioridade, tanto para os casos de extrafiscalidade
como para os casos de urgência. As exceções se encontram listadas nos seguintes
artigos da CRFB/88: art. 150, § 1º, primeira parte; art. 195, § 6º; art. 177, § 4º,
I, b; e art. 155, § 4º, IV, c.

Noventena ou Anterioridade Nonagesimal, Mínima ou Mitigada

A Constituição mereceu, em 2003, um pequeno reparo, tendo em vista inú-


meras leis aumentando tributos nos últimos dias do ano. A EC nº 42/03 incluiu no
artigo 150, III, a alínea “c” da CRFB/88 que exige, para além da irretroatividade e

capítulo 4 • 95
da anterioridade, um prazo de 90 dias a contar da publicação para que a lei possa
ser aplicada. Trata-se de um acréscimo à anterioridade. Leis publicadas no início
do ano nem precisam da noventena, só aquelas do final do ano ou os casos de
exceção à anterioridade que não sejam exceção à noventena. A noventena também
tem exceções calcadas na extrafiscalidade e na urgência. Essas exceções estão no
artigo 150, § 1º, segunda parte, CRFB/88.

Princípios constitucionais vinculados ao valor justiça

A carga tributária brasileira é uma das mais altas do mundo. Na tentativa de


proteger o contribuinte e sua existência digna, a Constituição estabelece limites a
essa fome de tributar.

Isonomia

Esse primeiro princípio seria capaz de englobar todos os demais princípios


que serão neste tópico tratados. A isonomia é tratar os iguais de forma igual e os
desiguais de forma desigual na exata medida de suas desigualdades.
Encontra-se no art. 150, II, da CRFB/88 e proíbe qualquer tratamento di-
ferenciado que se constitua em verdadeiro privilégio odioso – benefício que não
encontre qualquer justificativa ou razão. E não apenas no que diz respeito à fixação
de tributos por lei, mas também ao tratamento imposto pela Administração.

Generalidade e universalidade

Como decorrência imediata do princípio da isonomia, encontram-se no


art. 153, § 2º, I, da CRFB/88 os princípios da generalidade e da universalidade.
Partindo da regra fundamental de interpretação da Constituição de que ela não
contém palavras inúteis ou desnecessárias, distingamos os dois.
Parte da doutrina vai afirmar que generalidade é uma expressão que traz
uma ideia de subjetividade, de sujeito. Assim, generalidade significa que todo
aquele que manifestar riqueza será, em princípio, contribuinte. É por isso que
a Constituição veda tratamento privilegiado a determinadas categorias – como é
comum ocorrer em regimes ditatoriais que tendem a privilegiar a categoria que se
encontra no poder.

capítulo 4 • 96
De igual forma, afirma-se que universalidade traz uma ideia de objetividade, de
objeto. Universalidade significa que todo fato que demonstre riqueza será em prin-
cípio gerador de tributo. Então, encontramos aqui o fundamento para a tributação
de várias situações, até mesmo do ato ilícito – princípio do pecunia non olet.
Também é importante dizer que esses princípios não pertencem exclusiva-
mente ao imposto de renda, sendo aplicáveis a todo ordenamento tributário.

Capacidade contributiva

Cada um deve contribuir (ainda que forçosamente) para as despesas públicas


na medida das forças de sua riqueza.
O art. 145, § 1°, da CRFB/88 merece uma interpretação cuidadosa. A primei-
ra expressão a merecer destaque é “Sempre que possível”, pois nem sempre será
possível tratar o contribuinte conforme sua capacidade econômica. Nos chamados
tributos indiretos (aqueles que vêm embutidos no preço daquilo que compramos,
que quem recolhe é o comerciante ou mesmo a indústria), o fisco não teria como
saber se aquele que suporta o encargo tributário tem condições de pagar, uma vez
que o contribuinte de fato é desconhecido por ele.
A segunda expressão é “impostos”. Na realidade, nos outros tributos – os cha-
mados tributos vinculados –, o maior parâmetro para sua quantificação é o custo
estatal. Haja vista que são vinculados a uma atividade estatal, a capacidade con-
tributiva encontra um espaço secundário. Não é por isso, contudo, que não será
aplicada; afinal de contas, a gratuidade de justiça é análise de capacidade contri-
butiva para uma taxa.
A terceira expressão é “caráter pessoal”. Aqui se destaca outra classificação
atribuída aos tributos: tributo real e tributo pessoal. A distinção correta entre os
dois considera o critério para tributação. Ou seja, não há premissas absolutamente
fechadas. Os reais consideram apenas características do fato gerador para determi-
nar seu aspecto quantitativo. Os pessoais consideram também características do
contribuinte para essa fixação.
No dizer da Constituição, o ideal é que essa classificação não seja fechada.
Então, não seria correto dizer que o IPTU é exclusivamente imposto real, e isso
porque nenhum tributo deveria ser sempre real. Deveria o legislador buscar sem-
pre transformá-los em pessoais – ao menos, sempre que possível. E vemos muitas
dessas situações: municípios que concedem isenção de IPTU para idosos de baixa
renda. Isso é pessoalização do tributo!

capítulo 4 • 97
A quarta expressão é “capacidade econômica”. Capacidade econômica é dife-
rente de capacidade financeira. Capacidade financeira diz respeito à liquidez, ou
seja, a possuir ou não o contribuinte dinheiro para pagar o tributo. Já a capacidade
econômica diz respeito a possuir patrimônio, ainda que não em espécie. Se o cons-
tituinte falasse em capacidade financeira, bastaria comprometer todos os recursos
com bens e deixar a sua conta no banco zerada.
Ela será concretizada por uma séria de técnicas ou princípios técnicos.
Pessoalidade é a análise de características do contribuinte como forma de
avaliar o montante de tributo devido. É o que ocorre no imposto de renda quando
se avalia a quantidade de dependentes ou a realização de determinados tipos de
despesa, ou ainda a idade, ou condição de saúde.
Proporcionalidade é a regra geral. Os tributos devem ser proporcionais e não
ter o mesmo valor para todos. A primeira forma de evitar isso é a proporcionalidade
que pode ser definida como alíquota fixa – quanto maior a riqueza, maior o valor do
tributo devido, mas sempre na mesma proporção. Confira agora na sua legislação a
redação da súmula 656 do STF. Ela determina alíquota fixa para o ITBI.
Ainda assim, não é o critério mais justo. Se o imposto de renda tivesse uma
alíquota só, se todos tivéssemos de pagar 10% de imposto de renda, não seria nada
justo. Afinal, quem seria mais sacrificado: o pobre, ao pagar 10% de seu salário mí-
nimo, ou o rico, ao pagar 10% de um rendimento de 100 mil reais, por exemplo? Se
você pensou que era o rico, imagine-se tentando sobreviver e pagar suas contas com
o que sobra do salário mínimo e com o que sobra do rendimento de 100 mil reais.
Progressividade. A progressividade pode ser fiscal quando guarda relação com
a capacidade contributiva. Ou a progressividade pode ser extrafiscal – a alíquota
será aumentada de forma a desestimular algum comportamento do contribuinte,
como forma, portanto, de política pública. Essa é prevista na Constituição para
o ITR (art. 153, § 4º, II,I da CRFB/88) e para o IPTU (art. 182, § 4º, II, da
CRFB/88) como forma de estimular a função social da propriedade.
Mas a progressividade fiscal – técnica de aferição da capacidade contributiva
– determina que, quanto maior a riqueza, maior será a alíquota. A Constituição a
prevê expressamente para o IR (art. 153, § 2º, I, da CRFB/88) e IPTU (art. 156,
§ 1º, I, da CRFB/88). Assim, quanto maior a base de cálculo, maior a alíquota.
Durante muito tempo, predominou de forma pacífica que essa progressividade
precisaria de previsão constitucional. Tanto é que tivemos a edição de duas súmu-
las do STF nesse sentido: a 656 e a 668.

capítulo 4 • 98
Contudo, recentemente o STF admitiu a progressividade de alíquotas para o
ITD – apesar de não haver previsão constitucional para isso, salvo por aplicação
do princípio da capacidade contributiva.
Seletividade. Como última forma de aplicarmos o princípio da capacidade
contributiva, se pode apontar a técnica em que as alíquotas serão fixadas em fun-
ção da essencialidade do bem objeto de tributação. Isso ocorre ao IPI (art. 153,
§ 3º, I, da CRFB/88), ao ICMS (art. 155, § 2º, III, da CRFB/88), ao IPVA (art.
155, § 6º, II, da CRFB/88) e ao IPTU (art. 156, § 1º, II, da CRFB/88).

A essencialidade só pode ser vista na perspectiva de garantia do


desenvolvimento das decisões valorativas constitucionais, isto é, aquilo
que for essencial para a dignidade humana, para a vida ou para a
saúde do homem.
(ÁVILA, H. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012,
p. 380.)

Não confisco

Outro princípio afeito ao valor justiça é o não confisco, com previsão expressa no
art. 150, IV, da CRFB/88. Uma definição de não confisco estabelece que a tributação
confiscatória é aquela que é tão elevada ao ponto de extinguir a riqueza tributada.
Assim, há uma divergência no fato de como fazer essa análise. Para uns, o con-
fisco deveria ser analisado de forma geral – pela soma de todos os tributos devidos
– ou de forma isolada – por cada tributo. A última é mais comumente adotada
pelo STF. Até porque, se já o tivesse feito de forma geral, poderia, segundo muitos,
ter reconhecido o confisco no Direito Brasileiro. Afinal, temos uma das maiores
cargas tributárias do mundo.
Esse princípio, como quase todos, não é absoluto e cede espaço para a extra-
fiscalidade. É claro que objetivos maiores podem fazer com que o não confisco
seja abandonado. Por exemplo, uma alíquota de 330% para o cigarro não é con-
siderada como confiscatória. Nem uma alíquota de 60% para as importações. Em
ambos os casos, o propósito do fisco é evitar a ocorrência desses fatos geradores.

capítulo 4 • 99
Não cumulatividade

Esse princípio está afeito ao valor justiça, pois evita que cada cadeia seja onera-
da cada vez mais. Há tributos que se classificam como plurifásicos, ou seja, incidem
por várias vezes na cadeia de circulação do mesmo bem. Caso a incidência em uma
fase fosse completamente independente da outra, haveria a incidência do mesmo
tributo sobre ele várias vezes. Portanto, a não cumulatividade determina que o
valor pago em operações anteriores seja compensado nas operações seguintes.
Isso impõe uma escrituração extremamente complexa e também promove
problemas relativos a benefícios fiscais no meio da cadeia, já que o não recolhi-
mento de tributos não gera créditos para as operações subsequentes.

Neutralidade

Esse princípio não está positivado em nossa Constituição, mas se pode do


conjunto justiça e ordem econômica o extrair. A tributação deve ser distribuída
nos diversos segmentos da economia como forma de evitar demasiada oneração
para uma categoria e privilégio para as demais. Um exemplo para isso pode ser vis-
to no art. 146-A da CRFB/88, que determina que a lei complementar poderá esta-
belecer critérios especiais de tributação para evitar desequilíbrios da concorrência.

Princípios constitucionais vinculados ao valor liberdade

Apesar de não ter sido a primeira a passar por nosso objeto de análise, a liber-
dade é o primeiro grande valor a ser construído contra o Estado. O homem é por
natureza livre. A liberdade em seu exercício depende da vontade humana, de sua
consciência, da condição de seu agir. Aliás, esse é o primeiro dos valores erigidos
no lema da Revolução Francesa: liberté, egalité, fraternité. O custo de tudo que
fazemos é um grande impeditivo para seguirmos em uma ou outra direção. Assim,
ao fixar os tributos, o Estado pode acabar tolhendo os particulares de adotarem
uma conduta ou outra em decorrência do custo dos tributos.

Limitação ao tráfego de pessoas e bens

Esse primeiro princípio se encontra no art. 150, V, da CRFB/88. A liberdade ora


tutelada é a liberdade ambulatorial, a liberdade de ir e vir, a liberdade de locomoção.

capítulo 4 • 100
É claro que essa liberdade somente tem aplicação ampla dentro do território
nacional, já que não seria possível à Constituição garanti-la no território de outros
países, mas ela se aplica a todo o sistema tributário brasileiro. Nesse sentido, so-
mente há uma única exceção prevista na Constituição: o pedágio cobrado em via
conservada pelo poder público.
Note bem que, em via que não é conservada pelo poder público, não podemos
falar de pedágio como espécie de tributo, pois o tributo tem de ser cobrado pelo
poder público. Senão não é tributo.
Aliás, aqui se levanta a grande controvérsia sobre a natureza jurídica do pe-
dágio. Segundo autores como Misabel Derzi, Roque Antônio Carrazza e Luciano
Amaro, esse dispositivo justifica o reconhecimento de que o pedágio é um tributo,
que se submeterá sempre aos limites constitucionais. Geraldo Ataliba reconhece-o
especificamente como uma taxa, pois remunera serviço público de conservação
das estradas decorrente do gasto pelo uso delas. Já para Sacha Calmon Navarro
Coelho, Ricardo Lobo Torres e Hely Lopes Meirelles, é um preço público ou uma
tarifa, pois não é cobrada em razão de serviço específico e divisível nem hoje é
cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada – haja vista o
enorme número de concessões.

Vedação de diferença tributária em razão da origem ou destino

Essa proteção está no art. 152 da CRFB/88. Assim como o princípio visto
acima, a liberdade tutelada é a de ir e vir. Isso porque origem e destino trazem a
ideia de deslocamento, mas os destinatários dessa regra são somente os Estados e
Municípios. É por isso que não podemos ter alíquota de IPVA diferenciada em ra-
zão dos veículos serem ou não importados, enquanto o ICMS interestadual pode
ter alíquota distinta conforme o Estado de origem. No primeiro caso, compete ao
legislador estadual fixar as alíquotas, e, no segundo caso, conforme o art. 155, §
2º, IV, da CRFB/88, compete ao Senado Federal.

Imunidades

A imunidade tributária é norma constitucional que afasta a competência tri-


butária, ou seja, é norma negativa de competência, norma de incompetência. Não
estamos diante de uma norma que veda a competência; na verdade, ela não existe.

capítulo 4 • 101
Do mesmo modo que a Constituição outorga competências, ela também afasta
determinadas situações.
Normalmente, o objetivo é preservar alguns valores ou a manutenção de alguns direi-
tos. As imunidades só vêm previstas na Constituição porque são regras de competência.
A Constituição não utiliza a expressão imunidade: ela é doutrinária e juris-
prudencial. A Constituição veda a instituição de tributo, determina a gratuidade,
isenta ou estabelece a não incidência.

Obrigações acessórias (deveres jurídicos instrumentais)

A imunidade afasta somente o dever de pagar tributos, mas não afasta os de-
veres instrumentais, como a emissão de notas fiscais, a prestação de informações
ou o dever de declarar. E, na hipótese de que elas não sejam cumpridas, poderá, se
prevista, ser cobrada multa.
É por isso que veremos na próxima disciplina que não estamos em verdade
diante de uma relação de acessoriedade, e sim de uma relação de instrumentali-
dade. Isso porque, pela teoria da gravitação jurídica, o acessório segue a sorte do
principal. Mas aqui o principal (recolhimento do tributo) não existe, mas o “aces-
sório” (ex. declaração) persiste.

Classificações

A doutrina traz várias classificações para as imunidades. Na medida em que


estudamos as classificações, acabamos por aprofundar nossos conhecimentos. Por
isso, tentaremos ser abrangentes.
Quanto à maneira de sua incidência: a imunidade é subjetiva quando é
conferida de acordo com a condição de determinada pessoa. É o caso da imuni-
dade recíproca do art. 150, VI, a, da CRFB/88. Por outro lado, a imunidade será
objetiva quando relacionada a determinados fatos, bens ou situações. Esse é o caso
da imunidade sobre livros, jornais e periódicos do art. 150, VI, d, da CRFB/88.
Assim é que as editoras serão tributadas em tudo aquilo que não disser respeito
diretamente aos livros, como é o caso do imposto de renda da pessoa jurídica.
Podemos reconhecer a existência de uma terceira espécie, e nesse caso a imu-
nidade será mista, quando alcança a pessoa em função de alguma característica
sua e relacionada a determinados fatos: é o caso da imunidade do art. 153, § 4º,

capítulo 4 • 102
da CRFB/88, que imuniza as pequenas glebas rurais (aspecto objetivo) quando as
explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel.
Quanto à eficácia: a imunidade será incondicionada ou condicionável. A
imunidade é incondicionada quando estivermos diante de uma norma constitu-
cional de eficácia plena e aplicabilidade imediata, como é o caso das imunidades
recíprocas. Quando a norma constitucional for de eficácia contida e aplicabilidade
imediata, nesse caso ela poderá ter de atender a requisitos previstos em lei.
Quanto à forma de previsão: será explícita quando perfeitamente iden-
tificável no texto constitucional. É o caso das imunidades do art. 150, VI, da
CRFB/88. Por outro lado, há hipóteses em que, mesmo ausente a norma expres-
sa, podemos encontrar a proibição constitucional de tributação no ordenamento
jurídico. Nesse caso, estaremos diante das imunidades implícitas, como é o caso
da intributabilidade como forma de evitar a tributação confiscatória, ou seja, a
intributabilidade do mínimo vital.
Quanto à abrangência da vedação: ela será excludente – quando estiver re-
servada à tributação para um tipo de tributo e exclusão de outros, como ocorre no
artigo 153, § 5º, da CRFB/88 - ou incisiva – quando prevê determinada situação
em que só pode haver incidência de algum imposto, excluindo os demais, no
exemplo do artigo 153, § 3º, da CRFB/88.
Quanto aos princípios que privilegiam: as imunidades podem ser ontoló-
gicas, como resultado de um princípio constitucional, tendo a isonomia em suas
variadas manifestações a ligação que identifica as imunidades de natureza ontoló-
gica. O exemplo é o da conferida às instituições de educação e de assistência social
sem fins lucrativos que decorre do importante serviço público que prestam. E elas
poderão ser políticas quando conferidas para prestigiar outros princípios cons-
titucionais que puderem beneficiar pessoas com capacidade contributiva. Nesse
grupo, se incluem as imunidades dos templos, das entidades sindicais de trabalha-
dores, dos partidos políticos e suas fundações, dos jornais, periódicos e do papel
destinado à sua impressão.
Quanto ao seu alcance: as imunidades podem ser genéricas ou tópicas/espe-
cíficas. Essa classificação nos permitirá fazer um estudo mais detalhado das imuni-
dades. Por essa razão, a detalharemos a seguir.

Institutos afins

Para melhor compreendermos como opera nosso ordenamento, é bom saber-


mos que, nem sempre que deixamos de pagar um tributo, estaremos diante de uma

capítulo 4 • 103
imunidade. Imunidade haverá somente quando a Constituição determinar; de outra
forma, será não incidência pura e simples, isenção, alíquota zero ou ainda remissão.
Não incidência pura e simples: é um fenômeno de nosso ordenamento ju-
rídico no qual não há a incidência de tributo pelo simples fato de haver lacuna
na lei. Ou seja, não se deve nenhum tributo, pois nenhum tributo foi instituído.
Podemos citar como exemplo a criação de um possível imposto residual sobre a
propriedade de cachorros, como o tributo alemão die Hundesteuer.
Isenção: também terá previsão de que não poderá ser cobrada, mas essa isen-
ção não se encontra na Constituição: ela está em norma infraconstitucional. Aliás,
essa é a diferença mais importante entre os dois institutos. Podemos então dizer
que a imunidade é a hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada,
enquanto a isenção é a hipótese de não incidência legalmente qualificada.
Alíquota zero: é uma hipótese de incidência. Nesse caso, o tributo incide
e seria devido. Contudo, um dos aspectos quantitativos é reduzido a zero, e, ao
multiplicarmos pelo outro aspecto quantitativo, a base de cálculo, o resultado será
sempre zero. É muito comum nos tributos regulatórios em que a alíquota é uma
exceção do princípio da legalidade e pode ser alterada pelo próprio executivo.
Assim, quando se quer incentivar algum setor econômico, em vez de criar uma
isenção – o que demandaria todo um processo legislativo demorado –, o governo
pode reduzir a alíquota a zero.
Remissão: é um favor legal no qual o tributo era originariamente devido, mas
posteriormente o seu pagamento foi perdoado. Aqui o benefício surge depois da
ocorrência do fato gerador, diferentemente de todas as hipóteses acima.

Natureza jurídica e interpretação

Há certa divergência quanto à forma de interpretar as imunidades, e isso se


dá porque a imunidade constitui direito fundamental, cuja regra de interpretação
é a extensiva, e para muitos ela se constitui em exceção à competência – normas
excepcionais se interpretam de forma restritiva. Mas a questão não pode ser ge-
neralizante. Diante de imunidades, como a que protege a liberdade de culto, não
podemos admitir restringi-la somente ao templo físico. Essa não é a finalidade da
norma. Por outro lado, não se poderia estender a imunidade à própria editora,
pois o verdadeiro alcance da norma seria restrito aos bens editados por ela.
De igual forma, não podemos generalizar quando tratamos de autoaplicabilida-
de. Normas que sejam bastantes em si, por evidente, são autoaplicáveis. Mas as que

capítulo 4 • 104
exigem regulamentação, segundo a doutrina, serão autoaplicáveis, enquanto outras,
para o STF, dependerão de regulamentação para que possam produzir efeitos.

Imunidades genéricas

As imunidades que serão tratadas agora estão no art. 150, VI, da CRFB/88 e
tratam de vedações para qualquer ente federativo e para todo e qualquer imposto.
Aqui há uma proteção da liberdade de várias espécies (política, religiosa etc.). Essa
imunidade se aplica aos impostos – em princípio, todo e qualquer imposto –, pois
eles não possuem qualquer parâmetro para a sua fixação por se tratarem do único
tributo não vinculado
Imunidade recíproca: determina que é vedado instituir impostos sobre o pa-
trimônio, rendas e serviços uns dos outros (entes federativos, inclusive suas autar-
quias e fundações). É como afirma Humberto Ávila:

Não se pode olvidar que as pessoas políticas não possuem capacidade


econômica. Elas não prestam nenhum serviço que possa ser qualificado
de atividade econômica e, portanto, caracterizado como tributável.
(ÁVILA, H. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 215.)

Algumas controvérsias relevantes são aqui levantadas. Vejamos o caso da OAB.


Segundo o STF, a Ordem dos Advogados do Brasil, que não é considerada pro-
priamente uma autarquia, mas sim pessoa jurídica sui generis (por ser pessoa jurí-
dica de direito privado com prerrogativas de Direito Público), será imune quando
atuar no campo que a própria Constituição lhe outorga. Questiona-se, sim, a sua
extensão aos órgãos de assistência eventualmente criados por ela.
Essa imunidade tem por propósito proteger a federação, garantindo a autonomia
de cada ente federativo. Imagine se o Estado pudesse tributar o município, a título de
IPVA, e o governador fosse inimigo político do prefeito. Poderia o governador preten-
der fixar alíquotas elevadíssimas de forma a prejudicar o orçamento municipal.
Outro aspecto importante é o que se encontra previsto na súmula 591 do STF.
Você poderia abrir sua legislação e conferir agora. Ela conclui que essa imunidade
só se aplicará aos tributos diretos ou aos indiretos quando a pessoa jurídica de
Direito Público for a contribuinte de direito. Da mesma forma, ela não exime o

capítulo 4 • 105
comprador (particular) de um bem de entidade beneficiada pela imunidade do
pagamento do ITBI, por exemplo.
A limitação só se aplica quando estivermos diante do poder público no exercí-
cio de sua função pública. Mais especificamente, quando ele estiver desenvolven-
do atividade econômica de tal forma que não pode sequer haver risco à concorrên-
cia e à livre iniciativa. Já quanto aos serviços concedidos, devemos observar que a
imunidade não beneficia os concessionários de serviços públicos que explorarem
atividade econômica desde que o serviço público não seja prestado em caráter de
monopólio – como o fazem os Correios e a Infraero.

Imóveis situados no porto, área de domínio público da União, e que


se encontram sob custódia da companhia, em razão de delegação
prevista na Lei de Concessões Portuárias. Não incidência do IPTU, por
tratar-se de bem e serviço de competência atribuída ao poder público
(arts. 21, XII, f, e 150, VI, da CF). Taxas. Imunidade. Inexistência, uma
vez que o preceito constitucional só faz alusão expressa a imposto, não
comportando a vedação a cobrança de taxas. Agravo regimental a que
se nega provimento.
(AI 458.856-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 5-10-2004,
Primeira Turma, DJ de 20-4-2007.)

Enfim, você pode resumir em três os requisitos dessa imunidade: salvaguarda


do pacto federativo, proteção de atividades públicas em sentido estrito (sem fins
lucrativos) e o ato de evitar o benefício de atividade econômica.
Imunidade de culto. Essa regra consagra a separação entre Estado e igreja. Ao
contrário do que podem pensar alguns, essa imunidade não é feita para beneficiar
a igreja. Na verdade, ela se presta a proteger a liberdade de culto, pois atende a to-
dos os diversos e incontáveis cultos que possam ser exercidos em nosso território.
Ela atinge não só o templo físico – como parece dizer a Constituição – mas
também tudo aquilo que guarnece a atividade religiosa. É assim uma imunida-
de subjetiva. Isso gerou (e ainda gera) algumas controvérsias. Uma delas, que se
tornou histórica, é a possibilidade de incidir tributo sobre a residência paroquial.
Se ela pertencer ao patrimônio do templo, ela continuará a gozar da imunidade.
Outro ponto é o imóvel da igreja que lhe serve de estacionamento ou ainda as
vendas realizadas em quermesses. Se os recursos obtidos forem utilizados nas ati-
vidades religiosas, tudo permanece imune. Caso contrário, o tributo deve incidir.

capítulo 4 • 106
Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se
encontram alugados. A imunidade prevista no art. 150, VI, b, CF, deve
abranger não somente os prédios destinados ao culto mas também
o patrimônio, a renda e os serviços ‘’relacionados com as finalidades
essenciais das entidades nelas mencionadas’’. O § 4º do dispositivo
constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas b e c do inciso VI
do art. 150 da CF. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas.
(RE 325.822, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18-12-
2002, Plenário, DJ de 14-5-2004.)

Antes de passarmos para a próxima imunidade, vamos deixar registrado que


o objetivo é proteger a liberdade de culto e que a maçonaria não é uma religião.
Podem pertencer a essa instituição homens dos mais diversos cultos que não preci-
sam os compartilhar no grupo maçom a que pertencem. E também parece haver
entendimento na Constituição de que essa imunidade não contempla os cultos
satânicos, já que ela foi promulgada sob a proteção de Deus. Nesse sentido, este é
o entendimento do STF:

O reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da


CF exige o cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei. Assim,
para se chegar à conclusão se o recorrente atende aos requisitos da lei
para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo, necessário seria
o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Incide,
na espécie, o teor da Súmula 279 do STF. (...) A imunidade tributária
conferida pelo art. 150, VI, b, é restrita aos templos de qualquer culto
religioso, não se aplicando à maçonaria, em cujas lojas não se professa
qualquer religião.
(RE 562.351, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-9-
2012, Primeira Turma, DJE de 14-12-2012.)

Imunidade dos partidos políticos e suas fundações. Essa imunidade tem


por escopo a liberdade política. É uma imunidade também subjetiva, mas que está
restrita aos bens aplicados no exercício dessa liberdade. Está limitada às condições

capítulo 4 • 107
do art. 14 do CTN: não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou rendas,
aplicar integralmente no Brasil os seus recursos e manter escrituração regular.
Imunidade das entidades sindicais de trabalhadores. Aqui o propósito é pro-
teger a liberdade de associação dos trabalhadores. A Constituição centra sua atenção
nos sindicatos dos trabalhadores, e não os dos empregadores, pois esses nunca tiveram
sua liberdade tolhida. Aliás, seu poder econômico é capaz de lhes garantir liberdade.
Imunidade das entidades de educação e de assistência social. O propósito
dessa imunidade, como se viu, é atender a interesses públicos, interesses da própria
coletividade. O art. 203 da CRFB/88 estabelece a abrangência da expressão “assis-
tência social”: proteção à família, à maternidade, à infância etc.
O Estado tem se mostrado incapaz de prestar os serviços públicos constitucio-
nalmente reconhecidos. Assim, é uma imunidade subjetiva na qual se prestigiam
aqueles que prestam serviços que deveriam ser satisfatoriamente prestados pelo
Estado. Essa é uma imunidade condicionada aos requisitos que se encontram tam-
bém no art. 14 do CTN.
Não ter fins lucrativos não é o mesmo que não ter lucro. O lucro é extrema-
mente positivo para alcançar seus propósitos; ele não pode é ser distribuído.
Há duas súmulas relativas a esse dispositivo. Da primeira, já falamos, de certa
forma, ao tratarmos da imunidade dos templos, que é a Súmula 724 do STF, que
conclui pela extensão da imunidade sobre o imóvel de propriedade de uma dessas
pessoas, ainda quando alugado a terceiro, mas desde que o produto do aluguel seja
aplicado nas atividades fins delas.
A segunda é a Súmula 730 do STF, que colocou uma pá de cal nas tentativas dos pla-
nos de previdência de verem reconhecida a incidência da imunidade sobre suas ativida-
des. Em verdade, havendo contribuição de segurados, não estaremos diante de uma ins-
tituição de assistência social sem fins lucrativos. Aí se distingue seguridade de assistência.
O que se deve cuidar, entretanto, é da questão do tributo indireto que gera
inúmeras controvérsias. Predomina o entendimento de que a imunidade não per-
siste, pois ela diz respeito somente ao contribuinte de direito:

Entidade sem fins lucrativos. Imunidade recíproca. (...) Entidade


educacional que não é contribuinte de direito do ICMS relativo a serviço
de energia elétrica não tem benefício da imunidade em questão, uma
vez que esta não alcança o contribuinte de fato.
(AI 731.786-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 19-
10-2010, Primeira Turma, DJE de 16-11-2010.)

capítulo 4 • 108
Nesse aspecto, contudo, devemos acompanhar a jurisprudência, já que a ad-
vocacia privada e os contribuintes não se contentam com esse entendimento e
continuam levando essa questão aos tribunais.
Imunidade da liberdade de expressão. Acho importante deixar claro que não
se trata de uma questão cultural. Sei que muitos doutrinadores assim afirmam.
O problema é que a questão cultural é menos abrangente do que a liberdade de
expressão. Se afirmarmos que o objetivo é de ordem cultural, então o governo
poderia fazer uma análise e toda publicação que lhe interessar classificá-la como
cultural ou não a fim de taxar. E, taxando, dificultaria a sua circulação. Ao afirmar
que é liberdade de expressão, esse controle não poderá ser feito, e somente poderá
haver restrição de circulação quando estivermos diante de um crime, como, por
exemplo, o racismo.
Então estarão excluídos apenas os folhetos publicitários que não possuírem nenhu-
ma verdadeira expressão. Mas estão protegidas publicações como álbuns de figurinhas
A imunidade atinge livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua pu-
blicação. Hoje não se trata apenas do impresso. Imunes são o livro, o jornal e a
revista, e não o meio. Pode ser eletrônico, áudio etc. Aliás, temos uma lei que de-
fine a Política Nacional do livro (Lei 10.753/2003) e o define independentemente
do formato. O que está em discussão é se os e-readers serão alcançados pela imu-
nidade. Ora, quando a Constituição foi elaborada, sequer pensávamos que isso
existiria. E hoje a tecnologia avançou tanto que eu estou aqui em uma sala, e você
está em outro ambiente qualquer. Você pode até estar em uma praia, um sítio,
um barco, aproveitando a liberdade que a tecnologia lhe provê e aprofundando
seus conhecimentos em Direito Público entre um mergulho e outro. E, se quiser,
adquirirá um livro eletrônico para aprofundar seus estudos sem ter de esperar para
procurar uma livraria aberta em um grande centro urbano.
Imunidade musical. A Constituição de 1988 foi objeto da EC nº 75 de 2013,
que passou a contar com a seguinte alínea do art. 150, VI, da CRFB/88: fonogra-
mas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou
literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas
brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os conte-
nham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
A justificativa da PEC que resultou na emenda foi a barreira econômica im-
posta aos artigos produzidos licitamente no Brasil em virtude de sua carga tri-
butária e da concorrência com os artigos de pirataria. Essa imunidade inclui o
fonograma – toda fixação de sons de uma execução ou interpretação, ou de outros

capítulo 4 • 109
sons, ou de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma
obra audiovisual - e o videofonograma – gravação de som e imagem de uma inter-
pretação musical, ou seja, os vídeos musicais.
Assim, estariam alcançados pela imunidade os impostos que incidem na pro-
dução de um CD ou DVD, que vai desde a contratação de estúdio, músico, mixa-
gem, produção, até a distribuição a lojas para venda a consumidores finais (exceto
a industrialização, na fase final, de multiplicação de cópias).

Imunidades específicas

A divisão aqui proposta tem como objetivo maior facilitar o nosso estudo, pois
selecionamos aquelas mais importantes, as que geram maiores controvérsias, e dei-
xamos as pontuais para este momento final. Essas imunidades dizem respeito, em
geral, a um único tributo, e não a uma única espécie tributária, como visto até agora.
Imunidade das taxas para o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa
de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder: Art. 5º, XXXIV, a, da CRFB/88.
Essa imunidade, como todas as outras, deve ser lida com cautela.

O direito de petição, fundado no art. 5º, XXXIV, a, da CRFB/88, não


pode ser invocado, genericamente, para exonerar qualquer dos sujeitos
processuais do dever de observar as exigências que condicionam
o exercício do direito de ação, pois, tratando-se de controvérsia
judicial, cumpre respeitar os pressupostos e os requisitos fixados pela
legislação processual comum. A mera invocação do direito de petição,
por si só, não basta para assegurar à parte interessada o acolhimento
da pretensão que deduziu em sede recursal.
(AI 258.867-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 26-9-2000,
Segunda Turma, DJ de 2-2-2001..)

Imunidade para obtenção de certidões em repartições públicas para de-


fesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal: Art. 5º,
XXXIV, b, da CRFB/88.
Imunidade de taxas para propor ação popular que vise a anular ato lesivo
ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade

capítulo 4 • 110
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, salvo com-
provada má-fé: Art. 5º, LXXIII, da CRFB/88.
O que se destaca aqui é o acesso à justiça no que tange aos chamados
remédios constitucionais.
Imunidade da gratuidade de justiça aos hipossuficientes: Art. 5º, LXXIV,
da CRFB/88.
Vale consignar o texto específico da lei que regula esse benefício, a Lei nº 1.060/50:

Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:


I - das taxas judiciárias e dos selos;
II - dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério
Público e serventuários da justiça;
III - das despesas com as publicações indispensáveis no jornal
encarregado da divulgação dos atos oficiais;
IV - das indenizações devidas às testemunhas que, quando
empregados, receberão do empregador salário integral, como se em
serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder
público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder
público estadual, nos Estados;
V - dos honorários de advogado e peritos;
VI – das despesas com a realização do exame de código genético
– DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de
investigação de paternidade ou maternidade (Incluído pela Lei nº
10.317, de 2001);
VII – dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso,
ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício
da ampla defesa e do contraditório. (Incluído pela Lei Complementar
nº 132, de 2009).

Imunidade das taxas de registro de nascimento e certidão de óbito aos


reconhecidamente pobres: Art. 5º, LXXVI, da CRFB/88.

capítulo 4 • 111
Essa questão já foi apresentada ao STF, pois aqui impende avaliar a natureza jurídica
da atividade desempenhada pelos registradores, prevalecendo o seguinte entendimento:

Constitucional. Atividade notarial. Natureza. Lei 9.534/1997. Registros


públicos. Atos relacionados ao exercício da cidadania. Gratuidade.
Princípio da proporcionalidade. Violação não observada. Precedentes.
Improcedência da ação. A atividade desenvolvida pelos titulares das
serventias de notas e registros, embora seja análoga à atividade
empresarial, sujeita-se a um regime de direito público. Não ofende o
princípio da proporcionalidade lei que isenta os ‘‘reconhecidamente
pobres’’ do pagamento dos emolumentos devidos pela expedição de
registro civil de nascimento e de óbito, bem como a primeira certidão
respectiva. Precedentes. Ação julgada improcedente.
(ADI 1.800, Rel. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em
11-6-2007, Plenário, DJE de 28-9-2007.)

Imunidade das taxas para o habeas corpus e o habeas data e os atos neces-
sários ao exercício da cidadania: Art. 5º, LXXVII, da CRFB/88.
Imunidade dos rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão pa-
gos a pessoa maior de 65 anos cuja renda total seja constituída, exclusivamen-
te, de rendimentos de trabalho, ao Imposto de Renda: art. 153, § 2º, II, da
CRFB/88. Tem como objetivo proteger o idoso como uma garantia fundamental
que se tentou revogar por emenda, mas que é inconstitucional.
Imunidade ao IPI de produtos destinados ao exterior: art. 153, § 3º, III,
da CRFB/88. Seu objetivo é estimular as exportações, pois devemos exportar pro-
dutos, e não tributos.
Imunidade de pequenas glebas rurais ao ITR: art. 153, § 4º, da CRFB/88.
É um aspecto do princípio da função social da propriedade e erradicação da po-
breza (art. 3º, II, 5º, XXIII, 170 e 186, da CRFB/88). Aliás, guarda relação direta
com o princípio da capacidade contributiva, normalmente ausente nos proprietá-
rios desses imóveis, mas não se restringe a ela, pois independe dessa análise.
Imunidade do ICMS sobre produtos industrializados, excluídos os semie-
laborados, destinados a exploração: art. 155, § 2º, X, a, da CRFB/88. É seme-
lhante à que vimos anteriormente quanto ao IPI.

capítulo 4 • 112
Imunidade do ICMS das operações que se destinam a outros Estados pe-
tróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados,
e energia elétrica: art. 155, § 2º, X, b, da CRFB/88. Parece que o objetivo é
diminuir o custo desses produtos, mas acaba-se enfraquecendo a arrecadação dos
Estados produtores em benefício dos contribuintes.
Imunidade em relação ao ICMS e IPI do ouro quando definido como ati-
vo financeiro ou instrumento cambial: art. 155, § 2º, X, c, da CRFB/88.
Imunidade em relação a qualquer outro imposto exceto ao ICMS, ISS e
Imposto de Exportação nas operações relativas a energia elétrica, serviços de tele-
comunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do país: art. 155, §
3º, da CRFB/88. O dispositivo trata somente de impostos, razão pela qual o STF su-
mulou entendimento (Súmula 659), segundo a qual poderão incidir PIS e COFINS.
Imunidade dos direitos reais de garantia ao ITBI: art. 156, II, da CRFB/88.
O objetivo aqui seria não onerar ainda mais o contribuinte.
Imunidade em relação ao ITBI na transmissão de bens ou direitos in-
corporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital e da
transmissão de bens ou direitos decorrentes da fusão, incorporação, cisão ou
extinção de pessoa jurídica: art. 156, § 2º, I, da CRFB/88.
Imunidade em relação a impostos nas operações de transferência de imó-
veis desapropriados para fins de reforma agrária: art. 184, § 5º. Embora a
Constituição fale em isenção, estamos diante de uma imunidade, pois encontra-
mos essa norma na Constituição.
A imunidade é justificada diante do fato de ser a reforma agrária meio para a
realização do princípio da função social da propriedade e do objetivo programáti-
co da República de erradicar a pobreza e as desigualdades sociais e regionais.
Imunidade da contribuição da seguridade social para entidades de assis-
tência social: art. 195, § 7º, da CRFB/88.
Aqui estamos diante de um claro exemplo de imunidade, mesmo que a
Constituição denomine de isenção. Senão vejamos:

A imunidade prevista no art. 195, § 7º, da CF incide apenas em


relação ao contribuinte de direito do PIS e da Cofins, não impedindo a
incidência dos chamados tributos indiretos.
(ARE 741.918-AgR, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 18-3-
2014, Primeira Turma, DJE de 2-4-2014.)

capítulo 4 • 113
Imunidade da contribuição da seguridade social para os beneficiários de
assistência social: art. 203, caput, da CRFB/88.
Imunidade do serviço de educação para o ensino fundamental: art. 208,
I, da CRFB/88. Essa imunidade não deixa de estar relacionada com a imuni-
dade genérica do art. 150, VI, c, da CRFB/88 que vimos anteriormente. Aqui,
como vimos, e em tantos outros artigos, o propósito do Estado é fazer-se presente
onde não está de forma direta. Assim, uma vez que não logre êxito em prestar o
serviço de educação de maneira universal, o faz através de incentivos fiscais de
ordem constitucional.
Imunidade da celebração do casamento: art. 226, § 1º, da CRFB/88.
É curioso que aqui a nossa Constituição segue a tradição de incentivar o ca-
samento. Para tanto, já se questionou se o alcance era para os reconhecidamente
pobres ou para todos, tanto que:

Na Instrução Normativa 218/1993, impugna-se a inclusão do


termo casamento, no item 1, sustentando-se que a Constituição
assegura gratuidade às pessoas reconhecidamente pobres, quanto
a certidões de registro civil de nascimento e óbito, não, assim, no
que concerne às certidões de casamento. Está no art. 226, § 1º,
da Constituição, que o casamento é civil e gratuita a celebração.
Falta de relevância jurídica ao pedido de cautelar, na espécie,
em ordem a autorizar, desde logo, a suspensão de vigência da
Instrução Normativa 218/1993, não havendo, além disso a autora
demonstrado o periculum in mora, in casu.
( ADI 1.364-MC, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 19-12-
1995, Plenário, DJ de 11-4-1997.)

Imunidade dos transportes coletivos urbanos aos maiores de 65 anos de


idade: art. 230, § 2º, da CRFB/88.

capítulo 4 • 114
Apesar de recente, esse dispositivo já gerou questionamento perante o STF,
tendo em vista a existência de norma infraconstitucional que lhe dava eficácia:

Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 39 da Lei 10.741, de 1º de


outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), que assegura gratuidade dos
transportes públicos urbanos e semiurbanos aos que têm mais de 65
(sessenta e cinco) anos. Direito constitucional. Norma constitucional
de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Norma legal que repete a
norma constitucional garantidora do direito. Improcedência da ação.
O art. 39 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) apenas repete
o que dispõe o § 2º do art. 230 da Constituição do Brasil. A norma
constitucional é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, pelo que
não há eiva de invalidade jurídica na norma legal que repete os seus
termos e determina que se concretize o quanto constitucionalmente
disposto. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.
(ADI 3.768, Rel. Min. Carmen Lúcia, julgamento em 19-9-2007,
Plenário, DJ de 26-10-2007.)

Princípios constitucionais vinculados ao valor federalismo

Para fecharmos o estudo dos princípios, é importante tratarmos de um valor que


não é adotado nem pode ser por outros países: o federalismo. Para esclarecermos,
federalismo é o sistema político pelo qual vários Estados se reúnem para formar
um Estado Federal, sem abrir mão de sua autonomia. Assim, é importante em um
Estado como o Brasil o respeito pela União da autonomia de estados e municípios.

Vedação de isenção heterônoma

A União, na forma do art. 151, III, da CRFB/88, somente pode conceder


isenção dos tributos de sua competência. A Constituição atribui a cada ente fede-
rativo o poder de instituir tributos de forma que se garanta autonomia financeira.
Dessa maneira, se a União pudesse conceder qualquer benefício para tributos esta-
duais e municipais, isso poderia desequilibrar financeiramente suas contas.
Há quem afirme também que isso só se aplica à isenção, pois a Constituição
foi expressa quanto a ela. Na verdade, esse princípio é derivação do próprio pacto
federativo. Então a única conclusão é que qualquer benefício somente pode ser

capítulo 4 • 115
concedido pela União quanto aos tributos federais. Dessa forma, o art. 155, II,
“b”, do CTN não pode ter sido recepcionado pela Constituição.
Importante é esclarecer que a concessão de benefícios através de tratados in-
ternacionais não constitui benefício heterônomo. Isso porque o benefício é conce-
dido pela República Federativa do Brasil, e não pela União Federal. Mas há ainda
assim quem veja os reflexos práticos negativos que isso pode gerar na federação.
Nesse sentido, se posiciona o STF reiteradamente:

A cláusula de vedação inscrita no art. 151, inciso III, da Constituição


– que proíbe a concessão de isenções tributárias heterônomas –
é inoponível ao Estado Federal brasileiro (vale dizer, à República
Federativa do Brasil), incidindo, unicamente, no plano das relações
institucionais domésticas que se estabelecem entre as pessoas
políticas de direito público interno (...). Nada impede, portanto,
que o Estado Federal brasileiro celebre tratados internacionais
que veiculem cláusulas de exoneração tributária em matéria de
tributos locais (como o ISS, p. ex.), pois a República Federativa
do Brasil, ao exercer o seu treaty-making power, estará praticando
ato legítimo que se inclui na esfera de suas prerrogativas como
pessoa jurídica de direito internacional público, que detém –
em face das unidades meramente federadas – o monopólio da
soberania e da personalidade internacional.
(RE 543.943-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-11-
2010, Segunda Turma, DJE de 15-2-2011.)

Uniformidade geográfica

Não é só intervindo na tributação dos outros entes que a União pode afron-
tar o pacto federativo e colocar em conflito os vários entes federativos. Isso pode
ocorrer também quando ela conceder algum tratamento mais benéfico aos contri-
buintes que estejam em um ente da federação.
Assim, o art. 151, I, da CRFB/88 proíbe que a União conceda tratamento que
não seja uniforme no território nacional, à exceção da concessão de benefício que
tenha por escopo o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico nas diversas
regiões do país. O exemplo disso é a Zona Franca de Manaus.

capítulo 4 • 116
ATIVIDADE
Em 1988, poderíamos dizer que o livro é um conjunto de folhas impressas e reunidas em
volume encadernado ou brochado. Mas será que hoje esse é o mesmo conceito? Vivemos
uma realidade em que podemos adquirir a mesma versão de um livro impresso de maneira
eletrônica, ou seja, podemos baixar o conteúdo de um livro. Contudo, um empecilho sempre
esteve à frente dessa ideia: o desconforto da leitura em telas que produzem imagem através
de luz. O cansaço visual é maior, além do próprio desgaste da saúde da vista. Por isso, foi
necessário criar equipamentos próprios à satisfação dessa necessidade. Daí surgiram os
e-readers. Nesse sentido, é possível alcançar esses livros pela imunidade?

GABARITO
Resposta: O caso apresenta questão de extrema atualidade e que permite analisar como
se deve interpretar uma imunidade constitucional. Nesse sentido, podemos destacar as pa-
lavras do Min. Dias Toffoli: “A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88
aplica-se ao livro eletrônico (e-book), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para
fixá-lo”. Esse pronunciamento foi resultado do julgamento de dois recursos: RE 330.817 e
RE 595.676.

REFLEXÃO
Este capítulo abordou questões relativas às limitações constitucionais ao poder de tri-
butar. Vimos que as limitações se constituem em verdadeiras garantias fundamentais do
contribuinte contra o poder de império do Estado no exercício da tributação.
O estudo das limitações foi estruturado de forma a agregar essas garantias em função
dos valores que se pretende proteger.
Assim, o primeiro grupo de limitações tratou da legalidade, tipicidade, não surpresa (ir-
retroatividade, anterioridade e noventena) com o propósito de ver protegida a segurança
jurídica do contribuinte diante de inovações do Estado com o propósito de tributar.
O segundo grupo de limitações foi daquelas que se vinculam com o valor justiça tribu-
tária. Esse valor congrega o princípio maior da isonomia, que, por si só, já abarca os demais

capítulo 4 • 117
princípios. Entretanto, fizemos uma distinção nos demais princípios, que são o da generalida-
de, universalidade, capacidade contributiva, não confisco, não cumulatividade e neutralidade.
Ainda tratamos do valor liberdade. Nesse ponto, cuidamos de vedações relativas à liber-
dade de ir e vir. Tratamos também de limitações muito importantes consistentes em intribu-
talidades – as imunidades.
Por fim, conhecemos as limitações vinculadas ao federalismo fiscal. Afinal, nos organiza-
mos em uma federação, e é importante evitar possíveis conflitos entre os entes federativos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARNEIRO, C. Curso de Direito Tributário e Financeiro. São Paulo: Saraiva, 2016.
ROSA JR., L. E. F. da. Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
TORRES, R. L. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2016.

capítulo 4 • 118
5
Obrigação e
responsabilidade
tributárias
Obrigação e responsabilidade tributárias
A relação jurídica tributária não é uma relação como qualquer outra. Aliás,
ela sequer é uma relação como a estabelecida há cinquenta anos, quando o nosso
Código foi elaborado. Tendo em vista que a relação entre Estado e indivíduo em
muito mudou nos últimos anos, não se poderia esperar que fosse diferente.
Já foi relação de poder, compreendendo que o Estado simplesmente fazia valer
a sua vontade soberana diante do patrimônio de seus súditos. Mas essa construção
não pode mais ser pensada. Em 1988, inauguramos uma nova era constitucional.
Temos hoje o que se denomina de "Constituição cidadã”. Ou seja, não mais súdi-
tos: somos titulares de direitos contra o Estado.
É bem verdade que não somos assim vistos de forma geral. O cidadão ain-
da é um provedor das necessidades públicas que se justificam diante dos direitos
prestacionais que nos deve o Estado. Mas a construção de uma sociedade justa e
solidária não é algo que se faz no papel. Precisamos construir a imagem de cidadão
no nosso agir diário.
Mas em que avançamos? Avançamos no sentido de que hoje há uma relação
mais equilibrada e o reconhecimento de que determinados elementos para o nas-
cimento dessa obrigação precisam estar previstos em lei. Neste capítulo, vamos
estudar essa relação e quais são os seus elementos.

OBJETIVOS
•  Identificar as espécies de obrigação tributária;
•  Conhecer os elementos da hipótese de incidência da obrigação tributária;
•  Compreender os elementos do consequente tributário;
•  Identificar as espécies de responsabilidade tributária;
•  Compreender as hipóteses de substituição tributária;
•  Compreender as hipóteses de transferência tributária;
•  Identificar as hipóteses de responsabilidade de terceiros;
•  Compreender a responsabilidade por infrações.

capítulo 5 • 120
Obrigação tributária principal

Vínculo jurídico de natureza patrimonial entre o credor/Fazenda Pública (fis-


co) e o devedor/contribuinte ou responsável que tem por objeto uma relação de
crédito-débito cuja prestação é o tributo. Um dos questionamentos iniciais que
devemos fazer é que tipo de relação é a que se estabelece com o fisco que tem por
objeto o pagamento de tributos.
Ou, na definição sistematizada do Prof. Luiz Emygdio:

Obrigação é o poder jurídico pelo qual uma pessoa (sujeito ativo), com
base na lei ou no contrato (causa), pode exigir de outra, ou de um grupo
de pessoas (sujeito passivo), o cumprimento de uma prestação possível,
lícita, determinável e possuindo expressão econômica (objeto).
(ROSA JR., L. E. F. da. Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário.
Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 282.)

Teorias sobre a natureza do vínculo

Para os antigos juristas alemães Otto Mayer e Franz Myrbach-Rheinfeld, a


obrigação tributária era uma relação de poder que decorria exclusivamente da
soberania do Estado. Esse entendimento não prevalece mais. Não devemos dizer,
contudo, que aqueles autores estavam errados. Em verdade, tratavam eles da reali-
dade de seu tempo, final do século XIX, início do século XX.
Buscando evoluir e se adequar à nova forma de se ver o Estado, Albert Hensel
e Ernst Blumenstein passaram a defender a tese da relação obrigacional ex lege.
Segundo essa teoria, a obrigação tributária é o vínculo jurídico de natureza patri-
monial que nasce em virtude da lei. Essa é a teoria dominante que se funda na
ideia de fato gerador.
Para Enrico Allorio, José Luis Pérez de Ayala, Marco Aurélio Greco e Aurélio
Pitanga Seixas Filho, trata-se de mais do que isso: é uma relação procedimental,
pois ela nasce com o fato gerador, mas somente se torna certa com o procedimento
do lançamento ou da declaração feita pelo contribuinte, momento em que nasce
o crédito tributário. Essa é uma das correntes que decorre da anterior, não a nega.

capítulo 5 • 121
A outra é defendida por Klaus Tipke, Dieter Bierk, Ricardo Lobo Torres,
Roque Antonio Carrazza e Geraldo Ataliba. Eles defendem um enfoque mais
constitucional. A obrigação tributária depende da vontade da lei, mas essa vontade
deve se adequar à Constituição. Aliás, a própria tese de Bierk demonstra sua preo-
cupação com aspectos constitucionais, já que tratava do princípio da capacidade
contributiva como medida de controle da norma tributária.
Todas essas teorias servem para compreender, inclusive, como a doutrina do
Direito Tributário e o próprio Direito Tributário evoluíram.

Obrigação tributária e crédito tributário

Durante muito tempo, foi pacífico em nossa doutrina que a obrigação tributá-
ria nasce com a ocorrência do fato gerador e o crédito, somente com o lançamento.
O problema é que essa frase é fácil de decorar mas também fácil de criticar.
Se podemos definir obrigação como uma relação de crédito e débito, como seria
possível haver obrigação sem crédito? Que o crédito nascesse em um momento
posterior? Além disso, como poderia a decadência (perda do prazo para lançar)
extinguir o crédito se ele só nasceria com o lançamento? Então vamos ver como
se dividem essas teses.
A primeira teoria é a dualista; nela, seriam necessários dois momentos, o fato
gerador e o lançamento, para que a obrigação tributária esteja completa. O fun-
damento dessa teoria é a interpretação conjugada dos arts. 114 e 145 do CTN
que afirmariam, então, que a obrigação tributária nasce com o fato gerador e o
lançamento constitui o crédito tributário.
A segunda teoria é a monista. Nesse caso, basta apenas um momento para que
a obrigação nasça - e nasça por completo. Esse momento é a ocorrência do fato
gerador. Este entendimento é fundado na leitura de uma combinação diferente de
artigos do CTN: o art. 114 e o art. 139. Assim, a obrigação tributária nasce com o
fato gerador e o crédito tributário decorre dela. Essa teoria é mais compatível com
a teoria geral das obrigações.
Esse tema será mais bem aprofundado no estudo do crédito tributário, pois
desse estudo deriva a teoria dos graus de eficácia do crédito tributário também
chamada de processo de concreção do crédito tributário.

capítulo 5 • 122
Elementos da obrigação tributária

O que vamos estudar agora é o tipo tributário - der Tatbestand, como dizem os
alemães. Trata-se de assunto bastante importante, pois é assim que podemos ana-
lisar toda norma que cria um tributo. Isso porque toda norma jurídica que atribui
efeitos jurídicos para atos ou fatos pode ser dividida em duas partes: a hipótese de
incidência e o consequente.

Hipótese de incidência tributária

A hipótese de incidência é a descrição abstrata contida na lei relativa à situação


a qual se quer atribuir efeitos jurídicos. Ela é dividida em três partes: o aspecto ma-
terial, o temporal e o espacial. Esses elementos vão dizer o que precisa acontecer,
quando se considera acontecido e onde se considera acontecido.

Aliás, para deixar claro, estamos adotando o entendimento de que hipótese de incidência
e fato gerador não são sinônimos. Como estabelecido, a hipótese de incidência é a
previsão abstrata da lei, enquanto o fato gerador é a situação concreta.

O aspecto material é a situação que precisa ocorrer para que o tributo seja
devido. A sua ocorrência concreta é o fato gerador. E, aqui, algumas breves consi-
derações precisamos fazer.

Fato gerador é, pois, o conjunto de fatos ou o estado de fato a que


o legislador vincula o nascimento da obrigação jurídica de pagar um
tributo determinado.
(FALCÃO, A. de A. Fato gerador da obrigação tributária. Rio de Janeiro:
Forense, 1994, p. 2.)

E se estivermos diante de um negócio jurídico sujeito a uma condição sus-


pensiva ou resolutiva? O art. 117 do CTN nos dá solução bem semelhante às
consequências que o Direito Civil atribui. Em se tratando de condição suspensiva
(art. 125, CC), a obrigação tributária nasce com o implemento da condição; em

capítulo 5 • 123
sendo resolutória (art. 127, CC), a obrigação tributária nasce com a celebração do
negócio jurídico – nesse caso, a condição nada é importante para o tributo.
E se estivermos diante de um ato ilícito? Ou de uma venda que foi realizada,
entregue a mercadoria, mas que o comprador inadimpliu as parcelas devidas a tí-
tulo de pagamento? Isso tudo é absolutamente irrelevante para a relação tributária.
Mas é certo que jamais um ato ilícito estará descrito na hipótese de incidência;
ele poderá ser até fato gerador. Quanto ao ato ilícito, aplica-se o princípio do non
olet, segundo o qual o dinheiro não tem cheiro e, portanto, poderá ser tributado.
A avaliação é feita pelo aspecto econômico.
Podemos dizer que o fato gerador é relevante para identificar o momento
de surgimento da obrigação tributária, determinar o sujeito passivo, os demais
elementos da obrigação e o regime jurídico aplicável ao lançamento, precisar o
prazo para homologação do pagamento antecipado dos tributos indiretos, distin-
guir espécies tributárias, conceitos de incidência e não incidência, verificar elisão e
evasão, escolha pela interpretação econômica.
Aliás, é interessante trabalharmos os conceitos de elisão e evasão, ainda que de
forma breve. Como a obrigação tributária é ex lege, depois da ocorrência do fato
gerador não há outra legítima opção ao contribuinte que não seja pagar o tributo.
Um adequado planejamento tributário tende a evitar a ocorrência do fato gerador.
Assim, a elisão será a forma de planejamento tributário lícito em que o contri-
buinte, tendo mais de uma opção, escolhe aquela com nenhum ou menor encargo
tributário. Nesse sentido, as chamadas normas gerais antielisivas, que afastariam
essa liberdade de escolha do contribuinte, seriam até mesmo inconstitucionais por
violarem a liberdade contratual do contribuinte.
A evasão, por sua vez, pode ser entendida como gênero, abrangendo a forma
lícita e ilícita de economia fiscal. Mas também é comumente reservada à ilícita
forma de evitar o pagamento do tributo. E, para diferenciar se é lícita ou ilícita, o
fato gerador terá suma importância – evidente! Há quem utilize como critério o
aspecto temporal: se a conduta se verifica antes da ocorrência do fato, diz-se que é
lícita; se depois, ilícita. Mas é possível criticar isso, citando como exemplo a saída
da mercadoria do estabelecimento (momento de ocorrência do fato gerador do
ICMS) e a possível falsificação de uma nota fiscal que irá acompanhar o produto.
Em resumo, o ideal é analisar o conteúdo do ato.
Alguns conceitos são, assim, importantes. A elusão designa a prática de atos
que não são nem simulados, nem elisivos, na forma do art. 116, parágrafo único,
do CTN. Simulação é disfarçar o ato ou fato jurídico, apresentando-o de forma

capítulo 5 • 124
enganosa para esconder a real intenção. A fraude é um negócio jurídico real, ver-
dadeiro (o que difere da simulação), feito com o intuito de prejudicar terceiros ou
violar a lei. O negócio jurídico indireto é um negócio intrinsecamente verdadeiro,
é real, mas realizado pelas partes para alcançar resultado normalmente diferente.
Dissimulação é mais utilizado como ocultação: esconder algo que existe.
O aspecto temporal trata do momento de ocorrência do fato gerador. Esse
tema é relevante, pois vai designar também o regime jurídico aplicável, uma vez
que se aplica a lei vigente na data da ocorrência do fato gerador.
A maioria da doutrina defende que o fato gerador pode ser instantâneo, com-
plexivo ou continuado. O fato gerador instantâneo é aquele cuja ocorrência se dá
em um único instante por motivo óbvio. Assim é o fato gerador do imposto de
transmissão causa mortis. Afinal, não há nada mais instantâneo. Diferente é o fato
gerador do IPTU: apesar de ele se dar em um único instante, a lei determina que
seja todo dia 1º de janeiro, uma ficção jurídica que se repete igualmente todo ano,
sem que se faça nada para que ele volte a ocorrer. Por isso, ele é denominado de
continuado, pois incide continuadamente.
Então o que é o fato gerador complexivo? Paulo de Barros Carvalho vai dizer
que isso é um neologismo desnecessário. Essa expressão vem do Direito Tributário
italiano, idioma em que a palavra complessivo existe. Os tributos que se encontram
nesse rol são aqueles que não resultariam de um único instante, mas da soma de
vários instantes que ocorressem em um determinado período. Nesse grupo, cos-
tuma-se incluir o imposto de renda, que, como exemplo no caso da pessoa física,
tem seu fato gerador na soma de todos os acréscimos patrimoniais que ocorrem
de 1º de janeiro a 31 de dezembro. Para Paulo de Barros Carvalho, se o fato não
está completo – e, no caso do imposto de renda, estaria completo no último se-
gundo do ano –, ainda não é fato gerador. Então o fato gerador se daria no último
segundo do ano.
Para concluirmos esse ponto, é importante esclarecer que não se trata de prazo
para pagamento: esse é mero exaurimento da obrigação. Tanto é assim que o prin-
cípio da anterioridade submete os elementos da obrigação tributária a aguardarem
até o início do ano seguinte para aplicar-se qualquer alteração legislativa; isso não
se aplica ao prazo de recolhimento, conforme Súmula 669 do STF.
O aspecto espacial corresponde ao local de ocorrência do fato gerador, que
pode ter como importância determinar a competência tributária, como é o caso
do ICMS, de forma a definir qual é o estado competente para aquele tributo.

capítulo 5 • 125
Também não estamos falando de local do pagamento do tributo. Esse local do
pagamento será definido posteriormente como mero exaurimento do tributo.

Consequente

Ocorrido o fato já descrito no momento e local definidos por lei, há uma conse-
quência: alguém deverá o pagamento de um valor tal para outrem. Então aqui temos
os aspectos subjetivos e quantitativos. Vamos tratar dos aspectos subjetivos ativo e
passivo inicialmente, mas vamos deixar o detalhamento da responsabilidade tributária
para o final deste capítulo. O tema é tão complexo que merece um tópico próprio.
O primeiro aspecto subjetivo é o sujeito ativo. O art. 119 do CTN nos ensina
que sujeito ativo é aquele que pode exigir o cumprimento da obrigação tributária.
Resumidamente: o credor. Sendo assim, não estamos falando necessariamente do
ente competente, que, como visto anteriormente, é o ente com o poder de insti-
tuir os tributos por lei. Cuidamos do titular da capacidade tributária ativa – o po-
der de exigir o pagamento do tributo. Poderá ser o próprio titular da competência
ou um terceiro a quem ele delegar essa tarefa. Lembre que a capacidade tributária
ativa pode ser delegada, como estabelece o art. 7º do CTN, diferentemente da
competência tributária.
E vamos esclarecer ainda mais com um exemplo: uma autarquia, como o
INSS, jamais terá competência. Ora, jamais o INSS, em sua estrutura, poderá
fazer uma lei. Mas ele poderá certamente exigir o pagamento das contribuições a
ele devidas que se constituem tributos.
O segundo aspecto subjetivo é o sujeito passivo: Nos termos do art. 121 do
CTN, vemos que o sujeito passivo é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo
ou penalidade pecuniária. Essa pessoa poderá ser o contribuinte – aquele que tem
relação pessoal e direta com o fato gerador ou o responsável – que não tem essa
relação com tal fato.
Os aspectos quantitativos correspondem a duas expressões bastante utilizadas
na doutrina: an debeatur e quantum debeatur. O an debeatur é a causa da obrigação
tributária, enquanto o quantum debeatur é o montante do tributo devido. Já vimos
o an debeatur ao estudarmos o fato gerador e a hipóteses de incidência; vejamos o
quantum debeatur.
O tributo pode ser fixo ou variável. Poderá a lei simplesmente estabelecer valor
igual para todos em reais ou em um índice oficial de indexação. Por exemplo, o tri-
buto pode ser fixado em uma certa quantidade de UFIR (Unidade de Referência

capítulo 5 • 126
Fiscal). Muitas taxas são fixadas assim para remunerar um serviço público. O mais
comum, entretanto, é que o tributo seja variável. E as duas variáveis que se pres-
tam à fixação do tributo são a base de cálculo e a alíquota.
A base de cálculo é a representação econômica do fato gerador. Por exemplo,
no IPTU, ela será o valor venal do imóvel. Aliás, valor venal é valor de venda. Se
no seu município esse valor não corresponde ao de mercado, isso é uma distorção.
Para que ele seja justo, a base de cálculo deve ser o valor de mercado e as alíquotas
deverão ser ajustadas.
A alíquota, por sua vez, é o coeficiente que se deve aplicar à base de cálculo.
A legislação brasileira contempla dois tipos: específica e ad valorem. A específica
é aquela fixada por quantidade do bem objeto da tributação, como, por exemplo,
na CIDE (contribuição de intervenção no domínio econômico) incidente sobre
os combustíveis, fixada em sua maioria em m³. Confira na Lei nº 10.336/01, arts.
5º e 9º, e Decreto nº 4.066/01, art. 1º.
A alíquota ad valorem é aquela estabelecida em percentuais. É a que você co-
nhece no imposto de renda. Essa alíquota pode ser fixa, progressiva ou seletiva. A
alíquota fixa é uma alíquota única: independentemente da riqueza do contribuin-
te, ele terá de pagar a mesma alíquota, o mesmo percentual. A alíquota progressiva
pode variar em razão do valor da base de cálculo (quanto maior a base de cálculo,
maior a alíquota – ex.: imposto sobre a renda) ou pode variar de maneira extra-
fiscal (de forma a desestimular o comportamento do contribuinte – ex.: imposto
sobre a propriedade territorial rural – alíquota maior para a maior quantidade de
terras improdutivas). A alíquota seletiva é aquela que varia conforme a essenciali-
dade do bem tributado (ex.: imposto sobre produto industrializado).

Obrigação tributária acessória

Nomenclatura

Se seguirmos uma pureza terminológica, teremos de fazer algumas críticas


à redação do art. 113, § 2º, do CTN. A primeira observação que devemos fazer
quanto ao instituto da obrigação acessória é que tecnicamente ela não é nem obri-
gação, nem acessória.
Não é obrigação, pois obrigação é o vínculo jurídico de natureza patrimonial,
e o que temos é uma série de condutas, comportamentos, do contribuinte que não
possuem, isoladamente, nenhum valor econômico. Declarar o imposto de renda,

capítulo 5 • 127
emitir notas fiscais, escriturar livros contábeis, fornecer documentos exigíveis pelo
fisco: nada disso possui diretamente um valor. Daí porque alguns chamam de
dever jurídico, e não obrigação.
Não é acessória, pois, segundo a teoria da gravitação jurídica, acessório é tudo
aquilo que acompanha a sorte do principal. Isso pode ser deduzido do parágrafo
único do art. 175 e do parágrafo único do art. 194, ambos do CTN. Em ambos os
casos, vemos a ressalva expressa de que, mesmo que não esteja presente a obrigação
principal, a acessória persiste. Além disso, ela não é transitória como a obrigação
principal, que se extingue com o pagamento. Ela persiste, é mais estável. Então ela
não é acessória. O mais adequado é designá-la como instrumental, pois não é um
fim em si mesmo, mas sim um mecanismo que se presta à fiscalização do tributo
– objeto da obrigação principal que deve ser recolhido.

Fato gerador

Mais uma evidência de que não se trata de uma obrigação acessória está no art.
115 do CTN. O dispositivo deixa claro que o fato gerador dessa obrigação não é
o daquele da obrigação principal.
E, de certa forma, podemos dizer que o sujeito passivo dela é um auxiliar do
fisco, pois pratica atos próprios do interesse exclusivo da administração, como di-
ria Ives Gandra da Silva Martins, “sem receber nada em troca, a não ser a ameaça
de punição, se não cumprir a exigência fiscal”.1
Por outro lado, quanto ao sujeito ativo, a competência para instituir essas obri-
gações depende da competência para instituir o tributo. Não seria lógico que o tri-
buto pudesse ser fiscalizado e cobrado por quem não tem competência. Ou que
algum dever fosse imposto por quem não tenha interesse direto em vê-lo cumprido.

Forma de fixação

O art. 113, § 2º, do CTN faz referência à legislação tributária. Mesma expres-
são presente no art. 96 do CTN – inclui todo e qualquer ato normativo.
Aqui o tema é controvertido. A rigor, como determina a Constituição (art. 5º,
II, da CRFB/88), ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em
virtude de lei. Assim, o comportamento constitucionalmente adequado ao fisco é
que a lei crie o dever formal e o ato normativo infralegal cuide de esmiuçá-lo. Mas
1  MARTINS, I. G. da S. Decadência e prescrição. São Paulo: RDTAPET, 2007, p. 185.

capítulo 5 • 128
esse não é o entendimento que predomina. Predomina que esses deveres podem
ser fixados por qualquer ato normativo, uma vez que não oneram diretamente o
patrimônio do contribuinte.

Obrigação tributária decorrente de infrações

Vamos destacar aqui a responsabilidade decorrente da prática de ilícitos na


esfera administrativa. Os crimes tributários não serão objeto de nosso estudo, já
que são mais bem estudados dentro do contexto criminal.

Natureza jurídica

O artigo 113, § 3º, do CTN afirma impropriamente que o descumprimento


da última obrigação vista a converte em obrigação principal. Na realidade, a con-
verte em penalidade, em sanção. Portanto, estamos aqui diante de uma penalida-
de, com natureza de norma sancionadora, que deve ser tratada dessa forma.
Uma vez que o tributo não é sanção de ato ilícito, também não é certo afirmar
que a penalidade é principal. Em verdade, aqui estaríamos diante de um acessório,
pois, se o tributo for extinto, por exemplo, pelo perdão, ela também será.
Tanto é assim que o art. 106, II, do CTN estabelece outra regra de Direito
Intertemporal (aplicação sucessiva das leis no tempo). No caso de lei nova mais
favorável, é possível a retroatividade benéfica.

Forma de fixação

Como se trata de uma multa, neste caso não há dúvida: ela deverá ser fixada por lei.

Fato gerador

O fato gerador aqui também é próprio e diverso do fato gerador do tributo.


Aqui, o que faz nascer o dever de pagar a multa é a prática de alguma conduta tida
como infração.
Nos termos do art. 136 do CTN, a responsabilidade por infrações é objetiva,
pois independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza
e extensão dos efeitos do ato. E será também pessoal.

capítulo 5 • 129
O único benefício é que, como o objetivo do Direito Tributário não é san-
cionar, a lei afasta a aplicação da multa na hipótese de o contribuinte confessar
a infração cometida e recolher o tributo eventualmente devido: é o instituto da
denúncia espontânea. Ainda aprofundaremos esse tema neste capítulo.

Responsabilidade tributária

O sujeito passivo da obrigação tributária é tema da maior relevância e é cerca-


do de inúmeras controvérsias e problemáticas.

Sujeito passivo da obrigação tributária

O parágrafo único do art. 121 do CTN traz uma definição de contribuinte


e de responsável. Contribuinte terá relação pessoal e direta com o fato gerador. A
ideia é identificar o verbo que é o núcleo central do fato gerador. O sujeito desse
verbo será o contribuinte. O sujeito passivo direto da obrigação.
Nos tributos indiretos, essa figura do contribuinte se divide em dois deve-
dores. Neles, há duas pessoas que têm essa relação pessoal e direta com o fato
gerador. Essa é a hipótese do ICMS. A aquisição de um suco em uma cantina so-
frerá a incidência ao menos do ICMS. Para que o fato gerador ocorra, temos dois
indivíduos: o comprador (consumidor) e o vendedor (comerciante). No ICMS,
diferentemente de outros tributos, a legislação reconhece que o tributo será pago
pelo vendedor, mas ele claramente inclui no preço do suco esse ICMS e o transfere
ao consumidor final. Assim, o comerciante é o contribuinte de direito – aquele
que tem o dever jurídico de recolher o tributo -, e o consumidor é o contribuinte
de fato – aquele que efetivamente suporta o encargo financeiro pelo recolhimento.
Além disso, nem sempre o contribuinte será aquele que realiza o recolhimento
do tributo. Ele poderá ser recolhido por outra pessoa. Essa outra pessoa é a respon-
sável – aquela que não pratica o fato gerador, mas possui uma relação com ele, e a
lei lhe atribui o dever de recolher o tributo.
É como se estuda em Direito Civil. Estamos diante da diferença entre os ins-
titutos der Schuld e die Haftung - o débito e a responsabilidade.

Essa responsabilidade pode nascer desde a ocorrência do fato gerador (responsabilidade por
substituição) ou em virtude de uma circunstância posterior (responsabilidade por transferência).

capítulo 5 • 130
Convenções entre particulares

A definição de contribuinte e de responsável está submetida à lei. Relendo o


art. 121, parágrafo único, II, do CTN, pode-se ver que o responsável surge por
determinação legal. Se um contrato de locação atribui ao inquilino o dever de
recolher o tributo, esse contrato não cria um vínculo de natureza tributária. A
definição contratual não se pode opor ao fisco. Afinal, o contrato somente obriga
as partes. Somente quem assinou o contrato terá de se submeter às suas regras. O
fisco não assinou o contrato.
E, como se já não bastasse a lógica contratual, o art. 123 do CTN deixa claro
que, em regra, as convenções entre particulares não podem ser opostas ao fisco.

Solidariedade

A solidariedade passiva é instituto jurídico que permite ao credor exigir a


prestação em sua amplitude de somente um dos devedores. É claro que o devedor
solidário que paga poderá exigir dos demais co-obrigados a parcela que cada um
devia. A parcela que cada um devia, pois a solidariedade é, em regra, externa,
só existe em relação ao credor. Entre os coobrigados, não há solidariedade. No
Direito, a solidariedade decorre da lei ou da vontade das partes. Na teoria geral das
obrigações, a solidariedade decorre da lei ou da existência de um interesse comum.
A solidariedade natural (que decorre de um interesse comum) pode ser exem-
plificada pela cobrança do IPTU de um condômino. A solidariedade legal depen-
de de previsão expressa, como é o caso do encerramento da sociedade de pessoas
que encontramos no art. 134, VII, do CTN.
Essa solidariedade, por expressa vedação legal, não comporta benefício de or-
dem. O que é benefício de ordem? Ele é um instituto jurídico segundo o qual,
havendo um devedor originário, o devedor solidário poderá opor ao credor que
diretamente dele exige que faça primeiramente a exigência em relação ao devedor
originário. Isso não ocorrerá no Direito Tributário.
São efeitos legais da solidariedade: o pagamento de um aproveita os demais, a
isenção ou remissão (não pessoal) aproveita os demais, a interrupção da prescrição
se estende a todos (contra ou a favor).

capítulo 5 • 131
Capacidade tributária passiva

A capacidade tributária ativa foi estudada junto da competência tributária. A


capacidade tributária passiva corresponde àquele que tem condições jurídicas de
estar na condição de devedor do tributo.
O art. 126 do CTN estabelece que a capacidade tributária passiva independe
da capacidade civil. A questão no Direito Tributário é mais de ordem econômica
do que de ordem jurídico-formal. E isso se aplica tanto para a condição de deve-
dor de tributos como para a de titular de direitos – para o caso, por exemplo, do
direito à repetição de indébito.

Domicílio tributário

O Código Civil, no art. 70, define o domicílio como “o lugar onde ela estabe-
lece a sua residência com ânimo definitivo”. É o local onde a pessoa será encontra-
da para dela exigir-se o cumprimento de seus deveres e obrigações.
No Direito Tributário, a regra é que o domicílio será de eleição – domicílio
escolhido. Mas, caso o contribuinte não tenha escolhido seu domicílio, será o lu-
gar da sua sede ou o lugar de cada estabelecimento em relação aos fatos que derem
origem à obrigação.
Imagine-se a hipótese de o sujeito ter dois imóveis: um, localizado no bairro
que foi objeto do maior número de novelas no Brasil (Leblon); e outro, que já
foi tema de filme internacionalmente premiado (Cidade de Deus). E se o contri-
buinte preferir escolher o último como seu domicílio tributário? Ou se um imóvel
estiver localizado em Tefé (município do Amazonas que costuma ficar isolado em
época de estiagem) e outro no centro de Manaus, e o contribuinte preferir escolher
o de Tefé? Será que o fisco pode recusar?
É claro que pode! E a regra está no § 2º do art. 127 do CTN. Mas não
precisa de tudo isso: basta que se possa identificar um propósito de embaraçar
a fiscalização.

Responsabilidade por infrações

Antes de estudar mais detidamente os tipos de responsabilidade, é interessante ana-


lisar brevemente a responsabilidade pelas multas aplicadas em matéria tributária. Essa
responsabilidade é objetiva, ou seja, nos termos do art. 136 do CTN, não precisamos ver
provada a existência de dolo ou culpa – isso independe da intenção do agente.

capítulo 5 • 132
E é também, como toda responsabilidade penal, pessoal. Há uma controvérsia
que ainda não foi resolvida no caso de sucessão. Aliás, o tema deveria ser levado
mais aos tribunais. Falecendo o contribuinte, deixando de pagar tributos e multa,
os herdeiros terão de adimplir o tributo e a multa? Ainda que no limite das forças
do espólio? No que tange ao tributo, não há dúvida. Mas, quanto à multa, há po-
sicionamento em ambos os sentidos: para os que entendem pela não transferência
aos herdeiros, o fundamento está na intranscendência; para os outros, a ideia é
que, após o lançamento, o dever é meramente patrimonial.
Instituto bastante peculiar é o da denúncia espontânea. O art. 138 do CTN
determina que a responsabilidade será excluída pela denúncia espontânea acom-
panhada do pagamento do tributo e seus acréscimos. Não basta parcelar, pois o
próprio art. 155-A, em seu § 1º, esclarece que, salvo determinação em contrário,
o parcelamento não exclui a incidência de juros e multas.
A legislação tributária deixa claro que o intuito é arrecadar, e não punir. Assim,
está afastado, segundo entendimento predominante, qualquer tipo de multa – a
sancionatória e a moratória –, pois o código não escolhe entre uma ou outra.
Alguns pontos importantes devem ser relacionados: segundo o STJ, a multa
não se aplica à obrigação acessória, pois, ao definir que deve vir acompanhada do
pagamento, não poderá incluir obrigação, que não tem por objeto o pagamento
de tributo. De igual forma, no caso de tributo sujeito a lançamento por homolo-
gação, em que tenha sido feita a declaração e pago fora do prazo, não cabe o be-
nefício, pois o importante é que o fisco não tenha nenhum conhecimento do fato.

Responsabilidade tributária por substituição

Conceito

A responsabilidade tributária por substituição nasce junto com a ocorrência


do fato gerador. Desde esse momento, o contribuinte não é obrigado a realizar o
pagamento. Esse dever já nasce para o responsável.
O objetivo maior é, sem dúvida, facilitar a arrecadação tributária, pois isso
evita que se tenha o trabalho de fiscalizar centenas de pequenos contribuintes, o
que facilitaria também a evasão fiscal e postergaria a arrecadação.

capítulo 5 • 133
Substituição regressiva ou para trás

A substituição ganha peculiaridade quando estamos diante de tributos pluri-


fásicos. Como já vimos, os tributos plurifásicos são aqueles que incidem por várias
vezes na cadeia de circulação do bem. Neles, é comum que se escolha uma fase
para que o tributo incida por toda a cadeia. Quando quem deve recolher está no
final da cadeia, antes do consumidor final, por exemplo, estamos diante da substi-
tuição regressiva ou para trás. Nesse caso, se adia o recolhimento: há o fenômeno
do diferimento. É comum com o leite cru em que a fábrica de laticínios recolhe
pelo produtor, a cana em caule em que a usina recolhe pelo fazendeiro, a carne de
animais de corte em que o frigorífico recolhe pelo criador.
É evidente que, nesse caso, o produto será vendido com o desconto do tributo
que não foi recolhido.
Nessa substituição, não temos nenhum grande problema, pois o fato gerador
já ocorreu.

Substituição progressiva ou para frente

Agora, sim, estamos diante de um instituto bastante criticado pela doutrina,


mas aceito pela jurisprudência. Comecemos pela definição: antecipação do reco-
lhimento do tributo em que o fato gerador ocorrerá em um momento posterior
na cadeia de circulação do bem. Nesse caso, o tributo é recolhido antes mesmo do
fato gerador por uma presunção.
O art. 150, § 7º, da Constituição incluiu autorização expressa para que o fato
gerador presumido seja tributado. Isso violaria a capacidade contributiva, a irre-
troatividade, só para começar a crítica. Mas, apesar de questionada a sua incons-
titucionalidade (o que foi possível porque esse dispositivo é resultado de emenda
constitucional), o STF entendeu que ele era constitucional.
O recolhimento todo se dará por presunção, presunção até da base de cálcu-
lo. E se o fato gerador não ocorrer? E se ele ocorrer, mas com uma efetiva base de
cálculo maior? Ou uma base de cálculo menor? O que a Constituição prevê é que,
somente na hipótese de o fato gerador não ocorrer, o tributo será restituído. Se ele
ocorrer por valor maior, o fisco não fará questão, porque o instituto foi criado para
que não se tenha de fiscalizar tudo detalhadamente em todas as fases. Assim, se o
ICMS foi recolhido pela indústria por um valor determinado e vendido pelo bar
por um preço muito superior ao da tabela de presunção, a lei não prevê que deva ser

capítulo 5 • 134
complementado, pois isso devolveria todo o trabalho de fiscalizar. E se o fato gerador
teve efetiva base de cálculo a menor, o próprio STF oscila em seu entendimento.
Será interessante finalizar esse tema com uma breve citação ao Prof. Claudio
Carneiro e seu entendimento crítico:

Em que pese a decisão do STF antes mesmo da inclusão do § 7º ao


art. 150 da Constituição, entendemos que, ainda assim, tal previsão
é inconstitucional, pois viola o princípio da segurança da relação
jurídica, o princípio da anterioridade tributária, bem como o princípio
da capacidade contributiva, pois essa deve ser observada no momento
da ocorrência do fato gerador, e não antecipadamente. E, sobretudo,
porque o fato gerador ainda não ocorreu; há, então, uma antecipação
do fato gerador, e não uma simples antecipação de pagamento, o que
representa um efeito confiscatório.
(CARNEIRO, C. Curso de Direito Tributário e Financeiro. São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 554.)

Responsabilidade tributária por transferência

Conceito

Na responsabilidade por transferência, quem devia recolher o tributo quando


da ocorrência do fato gerador não era esse responsável. A sua responsabilidade
nasce da ocorrência de fato posterior. Ele é o verdadeiro responsável, pois responde
por débito que não era seu com a ocorrência do fato gerador. No CTN, temos três
espécies de responsável por transferência, e são essas três que passaremos a estudar.

Devedores solidários

Estão previstos nos arts. 124 e 125 do CTN. Como vimos ainda há pouco, o
responsável solidário é aquele que responde pela totalidade da dívida, mesmo que
haja com ele outros devedores. No Direito Tributário, a solidariedade é somente
passiva. Isso porque a capacidade tributária ativa é privativa.

capítulo 5 • 135
Devedores sucessores

Essa responsabilidade é encontrada desde o art. 129 até o art. 133 do CTN.
O dever de recolher o tributo se transfere ao responsável porque o devedor origi-
nário, por algum motivo, desapareceu. Assim, ela pode ser causa mortis, em que
se transfere o ônus aos herdeiros na forma do art. 131, II e III, do CTN. E o que
é importante é que aqui, ainda que o tributo não tenha sido lançado, essa respon-
sabilidade é transferida.
No caso de multas, há entendimento no sentido de que, se já foram lança-
das, elas seriam transferidas, mas devemos aqui notar também qual é a natureza
das multas: se são de caráter moratório ou de caráter sancionatório. No caso das
multas moratórias, elas devem ser transferidas, segundo entendimento prevalente,
pois trata-se de simples indenização pela demora no pagamento, pelo tempo que o
credor não pôde dispor da importância. No caso das multas sancionatórias, a coisa
é diferente. Só haverá ciência de sua existência após o lançamento, pois resultam
da aplicação da penalidade (as moratórias são já conhecidas, porquanto o atraso
no pagamento já as faz induzir). Mas há controvérsia quanto à sucessão, pois pode
se questionar pela aplicação do princípio da intranscendência ou pessoalidade da
pena – segundo o qual a pena não pode passar da pessoa do apenado.
Pode ser também inter vivos na transmissão de imóveis (art. 130 do CTN), de
bens móveis (art. 131, I, do CTN), de estabelecimento comercial, industrial ou
profissional (art. 133 do CTN) e a decorrente de fusão, incorporação, transforma-
ção ou cisão da sociedade (art. 132 do CTN).
Na hipótese da sucessão imobiliária, responderá, em regra, o adquirente pelos
tributos devidos em razão do imóvel. E passa a ser novo devedor do todo devido,
independentemente do valor do imóvel. Assim, se a dívida ultrapassar o valor do
imóvel, o adquirente responde por ela. Ele somente não responderá na hipótese
de, constando na escritura a quitação de todos os tributos, ficar delas sabendo em
momento posterior (art. 130 do CTN). E também na hipótese de bem levado à
hasta pública na execução para pagamento dos tributos, quando não será devido
pelo responsável, inclusive na hipótese de faltar quantia para tanto pelo resultado
do leilão. Aliás, não pode sequer o edital do leilão afastar essa regra, uma vez que
ela é fixada por lei complementar de normas gerais, aplicável, portanto, a todos os
entes federativos.
Uma questão bastante peculiar é a relação de tributos que são abrangidos
pela sucessão imobiliária. Segundo entendimento predominante, aplica-se essa

capítulo 5 • 136
sucessão apenas aos impostos devidos em razão do bem (IPTU, ITR, ITBI), taxas
em razão de serviços prestados em virtude da propriedade (incêndio, coleta de lixo
etc.) e contribuição de melhoria. Muitos municípios, contudo, condicionam a
concessão do habite-se ao pagamento do ISS devido na construção. Tal condição,
caso prevista em lei municipal, somente será lícita se exigida do proprietário que
realizou a obra, mas não do adquirente, já que não há previsão de transferência
dessa responsabilidade. A mesma celeuma, vamos verificar para as contribuições
sociais devidas em virtude da construção.
E como fica se na certidão que for anexada ao instrumento de aquisição vier
a ressalva para outros eventuais tributos, ou seja, não listados? Isso sempre ocorre.
Todos os entes federativos colocam essa ressalva. Mas ela só tem o condão de não
valer como perdão para o devedor originário. O adquirente não pode ver transfe-
rida a responsabilidade para ele nessa hipótese.
Na hipótese de sucessão mobiliária, o art. 131, I, do CTN traz tratamento
diferente da sucessão imobiliária. Nele, não há a ressalva para o caso de haver
certidões que comprovem a situação negativa. O cuidado deve ser até redobrado,
lembrando-se, inclusive, que pela leitura do texto a responsabilidade sequer estará
limitada ao valor do bem. É o que você deve ter em mente ao adquirir, por exem-
plo, um carro. Aliás, nem a notificação ao DETRAN, prevista no artigo 134 do
CTB (Código de Trânsito Brasileiro), se aplica aos tributos.
Na hipótese da sucessão causa mortis, o art. 131, II e III, do CTN cuida,
segundo boa parte da doutrina, de todos os bens (móveis ou imóveis). Alguns
entendem que seria somente em relação aos bens móveis, já que os imóveis
estariam em todas as hipóteses no art. 130. Em resumo, a responsabilidade é
do espólio relativamente aos tributos devidos antes da abertura da sucessão –
cuidado, abertura da sucessão não é abertura do inventário ou arrolamento,
mas data da morte (real ou ficta). Após a abertura do inventário, os herdeiros
responderão na qualidade de responsáveis até a data da adjudicação; após essa
data, serão diretamente contribuintes.
Aqui a responsabilidade deve alcançar os tributos, e não genericamente os
créditos tributários, o que pode fortalecer o entendimento de que as multas não
serão transferidas. Até porque, com a morte, extingue-se a punibilidade.
Na hipótese de sucessão empresarial, temos verdadeiramente quatro situações.
Fusão é a reunião de duas pessoas jurídicas, tendo por resultado a constituição de
uma terceira. Transformação é a modificação de uma pessoa jurídica em outra dis-
tinta. Incorporação é a aquisição de uma pessoa jurídica por outra, só restando essa

capítulo 5 • 137
última ao final do negócio jurídico. A cisão, apesar de não estar expressa, também
deve se submeter à regra: é a divisão de uma pessoa jurídica em outras duas ou mais,
fazendo desaparecer a primeira, restando somente as novas. É que, à época da elabo-
ração do Código Tributário, ela não constava em nossa legislação. A responsabilida-
de será daquela que surgiu em lugar da(s) anterior(es). Apenas para complementar
esses conceitos societários, eles hoje se encontram nos artigos 220, 227, 228, 229 e
233 da Lei 6404/76 e no Código Civil, que, por mais recente, prevalece diante de
qualquer incompatibilidade (arts. 1.113, 1.116, 1.119 e 1.122).
Mais uma vez, temos uma redação que trata apenas dos tributos. Aqui, a juris-
prudência parece entender que a responsabilidade se transfere, sim, no caso de multa.
Em caso de extinção da pessoa jurídica, mas surgindo uma outra pessoa ju-
rídica que explore a mesma atividade por um dos sócios da extinta, ela poderá
responder. Aqui é o que se pode denominar de sucessão empresarial de fato.
Na sucessão de atividade empresarial por aquisição de fundo de comércio ou
estabelecimento, a responsabilidade será integral, se o alienante cessar a exploração
do comércio, indústria ou atividade, e subsidiária, se ele prosseguir na exploração
ou iniciar dentro de seis meses (a contar da alienação) nova atividade no mesmo
ou em outro ramo.
Não é uma sucessão de empresas, pois não deixa de existir uma para surgir
outra. O fundo é comércio e a universalidade de bens que guarnecem a atividade
empresarial. Isso não se confunde com a venda de alguns bens. O artigo exige que
haja liame entre as atividades a anterior e a sucessora.
As escusas estão no § 1º do art. 133. Não haverá sucessão em processo de fa-
lência ou recuperação desde que o adquirente não seja sócio da sociedade falida ou
em recuperação, ou de controladora, ou ainda parente em linha reta, ou colateral
até o 4º grau, ou identificado como agente do falido, ou em recuperação.

Devedores terceiros

Os terceiros são pessoas exteriores à relação jurídica que têm por objeto o
pagamento de tributo.
O art. 134 prevê uma verdadeira hipótese de responsabilidade subsidiária,
ainda que não use essa palavra, pois inicia estabelecendo que haverá responsa-
bilidade “nos casos de impossibilidade do cumprimento da obrigação principal
pelo contribuinte”. Seria possível se confundir achando que isso não é correto,
pois, mais adiante, o Código fala “respondem solidariamente”, mas não se deve

capítulo 5 • 138
ler assim. Deve-se entender que não há solidariedade entre os corresponsáveis,
mas subsidiariedade.
Apesar de ser terceiro em relação à obrigação, é condição para que se constitua
como responsável que, de alguma forma, este participe do ato que configure o fato
gerador do tributo. E também de algum fato que se impute ao responsável que foi
fundamental para gerar o inadimplemento. Aliás, como é um fato que se imputa
a um terceiro, necessário é que seja instaurado procedimento administrativo para
verificar a ocorrência do mesmo.
Nos incisos I a V, temos hipóteses de representação. No inciso VI, hipótese
em que o ato se realiza na presença indispensável do responsável. No inciso VII,
hipótese em que o ato se realiza por conta do responsável.
A transferência dessa responsabilidade se dará, quanto à penalidade, somente
com as de caráter moratório, seguindo o princípio da intranscendência já mencio-
nado anteriormente.
No art. 135 do CTN, temos uma responsabilidade exclusiva das pessoas ali
listadas, o que exclui qualquer outra, ou seja, integralmente. O legislador fala em
responsabilidade pessoal, o que nos leva, pelas interpretações literal e sistemáti-
ca, à conclusão de que estamos diante de uma situação bem diferente das vistas
anteriormente. A pessoa jurídica, por exemplo, originariamente contribuinte, é
excluída quando alguém age em seu nome fora dos limites dos poderes sociais ou
praticando infração à lei, contrato social ou estatutos.
Aliás, aqui tratamos de responsabilidade pessoal, e não de desconsideração da
personalidade jurídica, pois ela irá alcançar tão somente aqueles que agem com
excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos.
E como decorre de conduta propriamente praticada pelo responsável, todos os
valores (tributo, acréscimos moratórios e multas punitivas), independentemente
da natureza, são transferidos, não guardando sequer relação com a participação do
sócio no capital social. Ou seja, ele responde como se fosse o próprio contribuinte.
Essa conduta deve ser apurada em processo administrativo próprio para que
se possa imputar ao responsável e não se confunde com o mero inadimplemento
– que não é ilícito por si só. Esse entendimento já está pacificado no STJ, como
se deve conferir pela leitura da Súmula 430. A infração deve ser prévia ou conco-
mitante ao fato gerador.
Um exemplo é a apropriação indébita das contribuições devidas pelos em-
pregados que foi retida de seus salários. Sempre que se constituírem em crime,
haverá a hipótese do art. 135, III, do CTN. E algo que não deve ser considerado

capítulo 5 • 139
como exemplo é a dissolução irregular, pois em verdade ela é um fato posterior
que não permite a subsunção do art. 135 do CTN. É claro que algo pode ser feito!
Aplicação da teoria do art. 50 do CC: desconsideração da personalidade jurídica,
que possui os próprios requisitos. Mas esse não é o entendimento do STJ, que su-
mulou (Súmula 435) a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal nessa
hipótese para alcançar o patrimônio dos sócios. O que se deve fazer para evitar isso
é, ao menos, comunicar à junta comercial da dissolução.

ATENÇÃO
Um dos dispositivos mais controversos é o art. 150, § 7º, da CRFB/88. Esse dispositivo
autoriza a cobrança antecipada do imposto plurifásico por responsável tributário na moda-
lidade substituição para frente. Assim, o governo estabelece pautas fiscais para presumir o
valor futuro da mercadoria e propõe soluções distintas para situações que ocorrerem diferen-
temente do pautado. Na hipótese de o fato gerador não ocorrer, ou seja, a mercadoria não ser
vendida, o valor deverá ser integralmente ressarcido. Na hipótese de o fato gerador ocorrer,
mas a mercadoria for vendida por valor superior ao pautado, nada será feito no caso: o fisco
assume o prejuízo, pois lhe seria mais caro fiscalizar todas as fases de circulação do bem. E
na hipótese de a mercadoria ser vendida a preço inferior à pauta, o prejuízo seria do contri-
buinte, vez que somente haveria restituição na hipótese de a venda não ocorrer. O STF, há
décadas, se debate em torno do tema. Qual é o posicionamento mais recente sobre o tema?

GABARITO
Resposta: Foi concluído pelo Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento do Recurso
Extraordinário (RE) 593849, com repercussão geral reconhecida, no qual foi alterado enten-
dimento do STF sobre o regime de substituição tributária do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS). O Tribunal entendeu que o contribuinte tem direito à diferença
entre o valor do tributo recolhido previamente e aquele realmente devido no momento da venda.
O julgamento foi retomado com o pronunciamento do ministro Ricardo Lewandowski, o
último a votar, acompanhando a posição majoritária definida pelo relator da ação, o ministro
Edson Fachin. Segundo o voto proferido por Lewandowski, o tributo só se torna efetivamente
devido com a ocorrência do fato gerador, e a inocorrência total ou parcial exige a devolução
sob pena de ocorrência de confisco ou enriquecimento sem causa do Estado.

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Também foi definida a modulação dos efeitos do julgamento de forma que o entendi-
mento passa a valer para os casos futuros e somente deve atingir casos pretéritos que já
estejam em trâmite judicial. Segundo o ministro Edson Fachin, a medida é necessária para se
atender ao interesse público, evitando surpresas, como o ajuizamento de ações rescisórias e
de novas ações sobre casos até agora não questionados.
Foi fixada também a tese do julgamento para fim de repercussão geral: “É devida a res-
tituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pago a
mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação
for inferior à presumida”.

REFLEXÃO
Neste capítulo, tratamos de identificar as espécies de obrigação tributária. Vimos que,
pelo que se denomina obrigação tributária, temos tanto o dever de pagar tributo como os
chamados deveres jurídicos instrumentais, correspondentes a um comportamento do contri-
buinte voltado à fiscalização da tributação.
Também conhecemos os elementos da chamada hipótese de incidência da obrigação
tributária que correspondem aos aspectos material, temporal e espacial - situação necessária
ao nascimento da obrigação tributária, momento de ocorrência do fato gerador e local de
ocorrência do fato gerador, respectivamente.
Em consequência, estudamos os aspectos subjetivos, credor e devedor, e os aspectos
quantitativos - esses correspondem ao quanto é devido, que pode ser fixo ou variável (pos-
suindo base de cálculo e alíquota).
Como verdadeiro complemento do estudo da obrigação tributária, identificamos as espé-
cies de responsabilidade tributária. Esse ponto guarda inúmeras controvérsias, inclusive com
a questão da substituição tributária.
Para concluir o estudo, analisamos a responsabilidade por infrações que se destaca
da obrigação principal mesmo reunida a ela por definição e conveniência legal - apesar de
não técnica.
O tema é repleto de controvérsias, como vimos, e será sempre necessário acompanhar
o entendimento dos tribunais.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARNEIRO, C. Curso de Direito Tributário e Financeiro. São Paulo: Saraiva, 2016.
ROSA JR., L. E. F. da. Manual de Direito Financeiro & Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
TORRES, R. L.. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2016.

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