Disciplina: História e Historiografia das Ciências
Professor: Flávio Coelho Edler
Aluna: Wanda Latmann Weltman
Resenha
ACKERKNECHT, Erwin H. (1948) ‘Anticontagionism between 1821
and 1867’ Bulletin of the History of Medicine, 22, pp.562-593.
O texto é a reprodução de uma conferência proferida por Ackerknecht na
American Association of the History of Medicine, publicada no Bulletin of the History of Medicine, em 1948. O período escolhido para a Palestra: 1821-1867, é delimitado pelo surto de febre amarela em Barcelona (1821) e pela última grande epidemia de cólera na Europa (1867). Ele inicia a conferência dizendo que Jacob Henle, professor de Robert Koch, teria sido o primeiro a declarar a idéia do “contagium animatum”. Segundo o autor, as teorias do contágio e do “contagium animatum” eram consideradas obsoletas para a maioria dos médicos na primeira metade do século XIX, ele dá alguns exemplos disso. Ele afirma, portanto, que a teoria do contágio e do contágio animal eram consideradas teorias antigas por volta de 1800. Na Antiguidade clássica a noção de contágio era quase desconhecida. Ela torna-se forte na cultura ocidental, com a aceitação do Velho Testamento como livro sagrado para o cristianismo, pois o Velho Testamento teria uma visão contagionista. A quarentena foi adotada na maioria dos países cristãos no século 15 e nos séculos seguintes, acompanhando a noção de contágio, respaldada pelo discurso oficial. A idéia de contágio animal foi formulada pela primeira vez no século 16 por Cardanus, Paracelsus e principalmente por Fracastorius. Essa teoria retorna vitoriosa no século XVII com os “vermes” visíveis ao microscópio. Na primeira metade do século XIX, as teorias do contágio tiveram a sua maior desvalorização e um pouco antes de desaparecer, o anticontagionismo alcançou sua maior elaboração, aceitação e respeito científico. Toda esta discussão se deu em meio a uma grande crise, ocorrida em diversos países, chamada por alguns de “revolução anticontagionista”. Havia entre os médicos a discussão dos que defendiam a teoria do contágio, com causadora de doenças e os que rechaçavam esta teoria, argumentando que muitos casos de doenças ocorriam sem nenhuma possibilidade direta de contágio. Entre estes havia os que defendiam a teoria dos germes. Muitos acreditavam que as epidemias se deviam à imundície e péssimas condições sanitárias em que a população vivia. O autor destaca que muitos dos defensores do anticontagionismo eram cientistas de renome, que viam nesta luta, a luta da ciência contra o misticismo medieval. A discussão sobre o contágio estaria sempre atrelada à questão das quarentenas, não seria apenas uma questão médica ou teórica. O duelo de contagionistas e anticontaginistas seria a luta entre os burocratas e os reformistas, preocupados com a liberdade individual, lutando contra o despotismo. As quarentenas representavam um entrave para o comércio exterior, descontentando os comerciantes e industriais. Os médicos anticontagionistas acreditavam tão firmemente em suas posições que chegaram a fazer auto-experimentos com as doenças que pesquisavam. Entre os médicos havia também os que admitiam o contagio dentro de certos limites. O autor pondera que nenhum dos anticontagionistas tinha uma posição absoluta em relação ao contágio, admitindo que haviam sim doenças contagiosas. Maclean e Rouchoux admitiam que algumas doenças eram contagiosas, como a sífilis, a gonorréia, a varíola e o sarampo, ao passo que outras não, como a febre amarela, a cólera e a peste. Essas três doenças, chamadas “the big three” e mais o tifo constituíam o principal problema de saúde pública do período. É justamente sobre a atitude dos médicos em relação a essas quatro doenças que o autor quer discutir a questão do anticontagionismo no período de 1821-1867. Ele ressalta que no mesmo período a Europa foi acometida de epidemias de outras doenças, mas nenhuma delas teve o impacto emocional e cientifico causado pelas “big three”, talvez por que elas não tenham causado tantas mortes, mas talvez, e essa é a hipótese que Ackerknecht levanta, talvez porque para combate-las não tenham sido usadas quarentenas. O anticontagionismo se espalhou com sucesso no século XIX, segundo o autor, pelo fato da febre amarela, não ser considerada uma doença contagiosa. Nessa discussão sobre o contagionismo e o anticontagionismo da febre amarela se destaca a figura de Nicolas Chervin, defensor do anticontagionismo. A vitória da teoria anticontagionista no caso da febre amarela ajudou a posição anticontagionista nas discussões posteriores em relação à cólera e à peste. O cólera, por sua vez, varreu a Europa e o mundo em 4 grandes pandemias no século XIX, espalhando o terror e matando milhões de pessoas, constituindo-se um imenso problema médico, econômico, político e social. Foi uma doença nativa na Índia por séculos e os médicos anglo-indianos se tornaram as primeiras autoridades na doença para a medicina ocidental. Esses médicos anglo-indianos eram anticontagionistas convictos, eles foram os últimos médicos a abandonar o anticontagionismo em relação ao cólera. O cólera avança em 1821 para o Noroeste e ameaça chegar à Europa em 1826, os governos da Rússia e da França tomam precauções em relação à doença, instalando cordões sanitários e quarentenas.Em 1831 o cólera chega à Rússia e em 1831-32 ao resto da Europa. Quando o cólera explode na Inglaterra em 1831, a maioria dos médicos era contagionista. Porém o médico do Rei, James Johnson, uma autoridade em doenças tropicais, adota um “contagionismo contingente” e A. Bozzi Granville, um defensor do contagionismo e das quarentenas no caso da peste, opta pelo anticontagionismo no caso do cólera, essas posições serão o divisor de águas entre contagionismo e anticontagionismo na Inglaterra. Outros médicos e periódicos britanicos passam a defender o anticontagionismo. O autor destaca o médico francês François Magendie, como um grande defensor do anticontagionismo naquele país.