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Bavcar, a fotografia em seus avessos

Article · January 2016

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André Costa
University of São Paulo
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250
novembro/2015
Temática
Bavcar, a fotografia em seus avessos
LUZ E SOMBRA André Oliveira Costa

EM BAVCAR A obra do fotógrafo Evgen Bavcar pode ser considerada como uma produção em avessos: avesso da luz, pois
em suas imagens fotográficas o que se revelam aos nossos olhos são sombras e escuridões; avesso das
imagens, pois ele nos mostra que uma fotografia não consegue se sustentar se não for acompanhada por
palavras; e avesso da fotografia, pois sua obra não se limita aos registros fotográficos, mas se constrói na
imbricação com uma profunda elaboração teórica.
Sumário Editorial
A lógica do pensamento do mundo ocidental foi formada há mais de dois mil anos pela tradição da
racionalidade filosófica da Grécia antiga. A obra de Platão é uma das primeiras referências, e uma das mais
importantes, na instauração da razão como fundamento dos discursos. Através do legado de Sócrates, Platão
estabeleceu um modo de pensar que se sustenta em nossa capacidade de justificar racionalmente os
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discursos. As palavras, para ele, devem assumir seu traço de univocidade, pois os diferentes sentidos e as
contradições só podem levar a erros e enganos que perturbam o bom funcionamento da cidade, a ética dos
indivíduos e a verdade das coisas. A necessidade e a universalidade superam o contingente e o particular.

Uma das mais conhecidas passagens da obra de Platão, que concentra os pontos fundamentais de seu
pensamento, é o mito da caverna, apresentado no diálogo A República. Como um mito ou uma alegoria, ele
pretende mostrar não apenas as condições através das quais o homem consegue conhecer, ter acesso à
realidade, mas também a organização política de uma sociedade, a função do filósofo-rei, e o sentido ético ao
qual devemos aderir. Sua descrição é mais ou menos assim.

Alguns homens estão vivendo há muito tempo, desde suas infâncias, dentro de uma grande caverna. Existe
uma única entrada que ilumina a caverna até um paredão que se encontra no fundo. Esses homens estão
acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de forma que não podem sair de seus lugares, nem movimentar a
cabeça para outras direções para poder ver aquilo que não está diante de seus olhos. São prisioneiros
acostumados sempre com as mesmas imagens. Atrás deles a luz vem de uma fogueira, que ilumina mais ao
alto do nível dos homens.

Entre esses prisioneiros e a fogueira há um muro, como um tapume dos teatros de marionetes, entre os
espectadores e os fantoches. Ao longo desse muro, então, passam diversas pessoas, carregando diferentes
tipos de objetos. Objetos fabricados que usamos em nosso dia a dia, estátuas de homens, de animais, de
árvores. O fogo que queima por trás desse muro projeta sobre o fundo da caverna sombras desses objetos e
dessas pessoas. O fogo também projeta a sombra dos próprios prisioneiros e de seus vizinhos. Como estão
acorrentados pelo pescoço, não podem ver senão o que lhes aparece na frente. Conversando uns com os
outros, eles nomeiam essas sombras como se fossem seres reais. Assim, não vendo mais nada que sombras,
eles as tomam como a verdade do mundo, a verdade das pessoas.

Para Platão essa é a nossa condição: somos todos prisioneiros da caverna olhando para sombras e tomando-
as como verdades. Contudo, Platão nos tira das sombras para nos levar à luz. Libertando um dos prisioneiros
de suas correntes, ele é “curado de sua desrazão”. Levanta-se, vira a cabeça e vai em direção à saída da
caverna, de onde vem a luz que ilumina tudo. No início, o excesso de luminosidade produz sofrimento, ofusca
sua visão. Mas aos poucos ele volta a enxergar, percebendo que os objetos, que antes via, não passavam de
sombras de objetos reais.

E, finalmente, Platão nos mostra que o prisioneiro, pela primeira vez, pode contemplar as coisas como elas
realmente são e não apenas seus reflexos. Vendo a luz do sol, origem de todas as imagens, ele consegue
concluir que sua vida de sombras não passava de uma ilusão.
Em outro diálogo, O sofista, Platão acusa os sofistas de “produtores de imagens”, pois eles falsificam a
realidade, fazendo-a passar como se fosse verdadeira. Os sofistas são ilusionistas, supõem o não-ser como
ser, o verdadeiro como falso, a aparência como realidade. “Que outra definição daríamos à imagem,
estrangeiro, se não a de um segundo objeto igual, copiado do verdadeiro?” (Platão, 1979) Para o filósofo
grego, uma imagem não passa de um simulacro, uma cópia infiel daquilo que é.

Diante do excesso de luminosidade em que vivemos, em meio a uma quantidade infinita de imagens, Bavcar
nos devolve (a)o mundo de sombras condenado por Platão. Suas fotos são marcadas pela escuridão, que
apontam para um invisível das coisas. Dois corpos nus femininos são escritos por uma luz que não toca a
escuridão de seus rostos. Uma escada ascendendo à escuridão e formada pelo negativo de seus degraus; um
antigo portão que demarca uma passagem para um território obscuro. Em muitas de suas fotos, encontramos
a coruja de Minerva, símbolo da filosofia para Hegel, que olha o mundo pelo reflexo da luz da lua e se retira ao
amanhecer. Um poço escuro cravado no chão, um buraco que leva do mundo exterior para um mundo que
está mais além da superfície, uma borda no solo que ensombra seus limites.

Para Bavcar, a luz não serve para revelar aquilo que se esconde na escuridão, mas para evidenciar que há
algo que nossos olhos não são capazes de alcançar. Freud [1], no livro A interpretação dos sonhos, quando
elaborava o esboço do seu primeiro aparelho psíquico, se remeteu ao aparelho fotográfico – e a instrumentos
óticos – para pensar os registros psíquicos. “Tudo o que pode ser objeto de nossa percepção interna é virtual,
tal como a imagem produzida num telescópio pela passagem dos raios luminosos” (Freud, 1990/1987, p.553).
Uma superfície mais profunda inscreve o inconsciente com traços que se presentificam como ausências.
Escreve Freud:

Permanecerei no campo psicológico, e proponho simplesmente seguir a sugestão de visualizarmos o


instrumento que executa nossas funções anímicas como semelhante a um microscópio composto, um
aparelho fotográfico ou algo desse tipo. Com base nisso, a localização psíquica corresponderá a um
ponto no interior do aparelho em que se produz um dos estágios preliminares da imagem. No
microscópio e no telescópio, como sabemos, estes ocorrem, em parte, em pontos ideais, em regiões
em que não se situa nenhum componente tangível do aparelho (Freud, 1900/1987, p.491).

Bavcar nos restitui com nosso obscuro esquecido. A fotografia, para ele, ultrapassa a dimensão da imagem, se
dirigindo à palavra e mostrando que, entre uma e outra, há uma imbricação que resulta de uma falta mútua.
Em suas palavras, a fotografia “é um lugar de encontro” (La photo, lieu de reencontre). Entre eu e o outro,
entre o fotógrafo e o fotografado há uma certa continuidade. Bavcar fotografa através das palavras que
descrevem a paisagem fotografada. Por vezes, se utiliza do toque de suas próprias mãos, que encontramos
misturadas com o objeto fotografado, como nas fotografias das máscaras do carnaval de Veneza. A fotografia
é um espaço que sempre convoca o outro para encontrar uma nova forma de representação, uma palavra que
joga para “além da visibilidade direta”. Nesse sentido sua obra fotográfica é marcada por uma profunda
elaboração teórica, que questiona, avança, rompe com a imediatidade e permite ir além junto ao outro.

Em seus textos, muitos dos quais ainda inéditos, Bavcar dialoga diretamente com diferentes reflexões, que
potencializam aquilo que ele registra como imagem. A filosofia, a literatura, as histórias de sua infância, a
mitologia, a psicanálise, a guerra, as lembranças da igreja de sua cidade natal. São narrativas que
acompanham seu ato fotográfico e tornam suas fotografias, tal como ele mesmo denomina, fotografias
transcendentais.

A fotografia para Bavcar é transcendental. É um ato que ultrapassa a vida ao inscrever a morte enquanto
eternidade. “Aceitando minha própria morte como operador, eu proponho que a imagem identificante do rosto
da pessoa fotografada seja vista para além do tempo da minha existência enquanto operador” (Les images
pour lá transcendance). A fotografia começa e tem seu retorno nas trevas, na obscuridade. Sua origem é as
trevas e se abre para além do visível. Ela carrega consigo a memória dos olhares que nos constituíram como
sujeito e ser humano. Bavcar parece pensar a fotografia como um espaço de contato, com o qual ele pode ver
no exterior a projeção de seu próprio mundo interior.

Sua fotografia, nos diz Bavcar, é marcada pela subjetividade daquele que se encontra por trás da câmera. Ela
é a exteriorização de seu interior. Para ele, a fotografia não se pretende ser conhecida através da identidade
do objeto retratado, pois esse já se apaga no ato em que se revela. “É por isso que ela não entra na lógica de
um mundo transparente e reconhecível, mas se compromete com o invisível, isto é, com as realidades que se
situam para além de nosso olhar físico” (La photographie conceptuelle). Bavcar nos propõe pensar suas
fotografias com uma filosofia que não busca definição. Por isso denomina-a de “semiologia negativa”. Como o
buraco negro cavado no chão.

A produção filosófica de Evgen Bavcar, que merece ser explorada mais profundamente, sustenta o
pensamento em seus reversos. Sua tese fundamental se atualiza em seu próprio ato de fotografar: “mais se
alarga o mundo visível, mais se alarga o mundo invisível” (Signifiants invisibles). Um ato de olhar que carrega
consigo seus próprios obscuros. Ao avesso da filosofia platônica, que não consegue incluir a equivocidade nos
discursos, Bavcar marca o significante como invisível e, por isso, um impossível de definir que sempre se
permite uma abertura.
Referências bibliográficas:

Bavcar, Evgen. La photographie conceptuelle. Texto inédito.

______. Les images pour lá transcendance. Texto inédito.

______. Signifiants invisibles. Texto inédito.

Freud, S. (1900). A interpretação dos sonhos. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas
de Sigmund Freud. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987. v. 4, 5.

Platão. A República. In: MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia: dos Pré- socráticos a
Wittgenstein. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

______. O sofista. Coleção Os pensadores. São Paulo: Abril cultura, 1979.

Autor: André Oliveira Costa

[1] Agradeço ao colega e amigo Sidnei Goldberg pela lembrança dessa passagem da obra de Freud.

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