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1ª Vara da Fazenda Pública do DF
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Cuida-se de Ação Civil Pública, com pedido de tutela provisória de urgência, proposta pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS em face do Transporte Urbano
do Distrito Federal – DFTRANS.
A inicial narra, em breve síntese, que o DFTRANS publicou a Instrução nº 46, de 1º de abril de 2014
(Anexo III), que instituiu um cartão eletrônico de utilização opcional pelos passageiros com idade igual
ou superior a 65 anos.
Ocorre que a Instrução DFTRANS nº 46/2014 criou empecilho ilegal e inconstitucional à utilização dos
assentos dos ônibus pelos passageiros que, em vez de utilizarem o cartão eletrônico opcional, utilizam a
carteira de identidade para a comprovação da idade legalmente beneficiada pela gratuidade.
Tais passageiros, nos termos da norma, estariam impedidos de ultrapassar a catraca localizada na parte
dianteira do ônibus e, com isso, não poderiam utilizar a maioria dos assentos do veículo, os quais se
encontram após a catraca.
Em 20 de junho de 2018, foi publicada a Portaria nº29/2018, que institui e regulamenta o Cartão Mais
Melhor Idade, destinado a pessoa maiores de 65 (sessenta e cinco) anos, usuárias dos serviços públicos de
transporte coletivo gerenciados pelo DFTRANS. Referida Portaria assegura que o idoso que porte o
Todavia, tal como a Instrução DFTRANS nº46/2014, preceitua que o idoso que apresente qualquer outro
documento pessoal e oficial de identificação que faça prova de sua idade somente pode utilizar a parte
dianteira do veículo, criando o mesmo empecilho ilegal.
Requer tutela provisória de urgência para suspender a eficácia do art. 2º, parágrafo único, da Instrução
DFTRANS nº 46/2014 e do art. 1º, § 3º, da Portaria DFTRANS nº29, de 19/06/2018, determinando-se ao
DFTRANS a obrigação de informar, a todos os integrantes do sistema de transporte público coletivo
urbano e semiurbano do DF, a respeito do direito dos idosos com mais de 65 anos de idade ao acesso a
todos os assentos dos veículos, ainda que localizados após as respectivas catracas, mediante a
apresentação de qualquer documento pessoal que faça prova de sua idade.
É o breve relatório.
Decido.
Os requisitos da tutela de urgência estão previstos no artigo 300 do NCPC, sendo eles: probabilidade do
direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
O tema encontra assento na Constituição Federal, que dispõe em seu art. 230:
“Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua
participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
(...) § 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos
urbanos.”
O enunciado constitucional, embora dotado de eficácia plena e imediata (vide ADI 3768 STF), foi objeto
de expressa regulamentação legal, por meio do art. 39 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
Vejamos:
§ 1o Para ter acesso à gratuidade, basta que o idoso apresente qualquer documento pessoal que faça
prova de sua idade.” grifei
O Estatuto do Idoso é bem claro e define que a única condição para usufruir o benefício do transporte
gratuito é a apresentação de documento de identificação pessoal.
Trata-se, portanto, de norma protetiva, cujo intuito é tornar desnecessário qualquer cadastramento prévio
ou procedimento burocrático de pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade.
Ocorre que, na regulamentação infralegal (Portaria DFTRANS n. 29/2018), o acesso gratuito, mediante
apresentação de qualquer documento de identificação, ficou restrito aos assentos antes da catraca.
Confira-se:
“Art. 1º Fica regulamentado o Cartão Mais Melhor Idade como documento identificador do usuário
maior de 65 (sessenta e cinco) anos que queira transpor, de forma gratuita, a roleta dos veículos
integrantes dos Sistemas de Transporte Público Coletivo gerenciados pela DFTRANS, facultando-lhe a
utilização dos assentos localizados no salão traseiro do veículo, mediante o embarque pela porta
dianteira e o desembarque pelas portas traseira ou central.
§ 1º É facultado ao usuário maior de 65 (sessenta e cinco) anos portar o Cartão Mais Melhor Idade para
utilização no Sistema de Transporte Público Coletivo do Distrito Federal;
§ 4º Quando da utilização do Cartão, poderá ser também exigido documento pessoal e oficial com foto
do usuário maior de 65 (sessenta e cinco) anos que queira transpor a roleta para comprovação de sua
identidade;
Ora, ainda que relevantes as razões invocadas na regulamentação do Poder Público, no sentido de que a
exigência de apresentação do cartão para passar pela roleta visa coibir fraudes, como já mencionado
acima tal imposição é incompatível com a norma de proteção do idoso, que deve ter acesso a qualquer
assento sem embaraço.
1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não
de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos
indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma
relação jurídica-base.
3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para
o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto
do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a apresentação de documento de identidade.
5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstancias fáticas e probatória e
restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão.
(REsp 1057274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009,
DJe 26/02/2010)
(AgRg na SLS 1.453/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministro PRESIDENTE
DO STJ, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/02/2012, DJe 26/03/2012)
Por outro lado, atento à informação de que atualmente os sistemas de bilhetagem não estão adaptados
para a modificação pretendida, reputo razoável a concessão do prazo de até 60 (sessenta) dias para que
sejam promovidas as alterações necessárias.
A suspensão da eficácia da norma que exige o “Cartão Mais Melhor Idade” para transposição da roleta
terá validade após o prazo de 60 dias da intimação do réu.
Intimem-se.