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DOUTRINA DO PECADO
I. A NATUREZA DO PECADO 3
1.1. TERMINOLOGIA 3
1.2. DEFINIÇÃO 4
HAMARTIOLOGIA 17
E. O CASTIGO DO PECADO 27
BIBLIOGRAFIA 29
2
HAMARTIOLOGIA – A DOUTRINA DO PECADO 1
I. A NATUREZA DO PECADO
1.1. TERMINOLOGIA
Há vários termos que são utilizados na bíblia para referir-se à ideia do pecado.
Estes termos podem nos fornecer aspectos do conceito bíblico do assunto.
No Antigo Testamento, os principais termos hebraicos para pecado são:
a) Hātā’ - ָ( טָחטָטאEx 32.30), seu cognato hēte’ - ָ( חחטֵטאSl 51.9), significando errar o
alvo ou falhar (= Hamartia). Hatā’āh - ָ = חחטָטאָּהpecado. Segundo o DITAT2, a raiz
do verbo ָ טָטאָּהaparece cerca de 580 vezes no Antigo Testamento e é, portanto, a
principal palavra que é traduzida por "pecar" e seus derivados.
b) ‘ābar - ( טָעבָחבטֵרÊx 38.26; Dt 17.2; Jó 13.13) transgredir.
c) ’āsham - ָשטָא ָ( ם טLv 5.5-8; Jz 21.22; Sl 34.21-23; Os 10.2; 13.1; Is 24.6; Jl 1.18) O
sentido principal da palavra ’āsham parece ser o de culpa. Todavia, o
sentido varia desde a ação que traz culpa até a condição de culpa e, ainda, até o
ato de punição.
’ashemah - ( הָטָמחמLv 4.3; 22.16). Pecado, culpa, iniqüidade, ações pecaminosas,
culpabilidade.
d) Avon - ֹ( טָעוָן1Rs 17.18). Com a ideia de torcer, e refere-se à culpa produzida pelo
pecado, iniqüidade. Aponta para o efeito do pecado no homem. Exemplo:
Mas um dos serafins voou para mim trazendo na sua mão uma brasa viva, que
tirara do altar com uma tenaz; E com ela tocou a minha boca, e disse: Eis que
isto tocou os teus lábios; e a tua iniquidade [ֹ טָעוָן- avon] foi tirada, e purificado o
teu pecado [ָ חחטָטאָּה- hatā’āh].
e) Pesha‘ - שע ( פפ חPv 28.13). Quer dizer rebelião ativa, uma transgressão da vontade
de Deus. É o ato de desobediência às cláusulas de um pacto, de uma aliança; é
um ato de rebeldia à autoridade a que se está sujeito. Por exemplo, Jacó teve um
acerto com Labão, seu sogro. Ao sair para retornar à terra de seus pais, Labão
veio ao seu encalço. Diz o texto bíblico que:
"Então irou-se Jacó e contendeu com Labão, dizendo: Qual é a minha
transgressão? (Pesha‘ - ou seja, em que não cumpri o nosso acordo) qual é o
meu pecado (ִ חחטָטאָתתי- chatā’āh), que tão furiosamente me tens perseguido?" (Gn
31.36).
Padre Paulo Ricardo RC.133 - Jesus podia pecar?
1
SEVERA, de A. Zacarias. Manual de Teologia Sistemática, 1ª ed. Curitiba: A. D. SANTO EDITORA, 1999.
Hamartiologia.
2
DITAT, verbete 638, p. 450.
3
f) Peraq – ( קחרטֵפDespedaçar, romper, pecados. A palavra é usada mais no sentido
literal).
ֵ ט. Pecado (Lv 4.2,22,27; Nm 15.22,26-28): Pecado cometido por
g) Shegāgâh - ָשטָגטָגה
ignorância ou descuido. Shagah - ָשטָגה ָ ט. Desviar-se, desviar, errar.
No Novo Testamento, as palavras gregas mais comuns para pecado são:
a) Asebeia - ἀσέβεια (Rm 1.18; Tt 2.12). Significando impiedade, irreverência.
b) Adikia - ἀδικία (Rm 1.18; 3.5; 1Co 6.8). Indicando injustiça, falta de retidão,
prejuízo.
c) Parábasis - παράβασις (Rm 2.23,25; 5.14). Transgressão, quebra da lei,
violação, falta.
d) Anomia - ἀνοµία (Rm 4.7; 6.19; 1Jo 3.4). Desobediência, desrespeito à lei,
ilegalidade, iniqüidade.
e) Parakoē - παρακοή, Paráptōma – παράπτωµα (Rm 5.15,19). Desobediência,
violação, infração ou quebra da lei, queda, lapso, tropeço, ofensa.
f) Ponēria - πονηρία (Mt 6.13), ponērós - πονηρός. Mal, malícia, iniqüidade.
g) Ptaiō - πταίω (Tg 2.10). Tropeço, deitar por terra.
h) Hamartia - ἁµαρτία (Mt 1.21; Rm 3.23; 1Jo 1.8, etc.). Significa errar o alvo,
fracasso, falta, delito, ofensa, enfermidade. Só em romanos o apóstolo Paulo
emprega esta palavra mais de 40 vezes, cerca de 16 vezes só no capítulo 6.
i) Hamártēma - ἁµάρτηµα (Rm 3.25). Errar o alvo, fracasso, falta, delito, ofensa,
enfermidade.
1.2. DEFINIÇÃO
Para Langston, o pecado, no sentido mais lato do termo, é um estado da alma ou
da personalidade.3 Ele acrescenta, dizendo que “incluímos nessa definição os resultados
deste estado, isto é, os atos pecaminosos”. Para ele, então, pecado é um estado mau da
alma e suas manifestações. Este conceito falha ao deixar de mencionar Deus na
definição, contra quem o pecado é cometido.
Ryrie define o pecado como qualquer coisa contrária ao caráter de Deus. Ele
não deixa claro em que plano essa contrariedade pode ocorrer, se apenas em atos ou
também no estado da alma.
Strong afirma: “Pecado é a falta de conformidade com a Lei moral de Deus quer
em ato, disposição ou estado”.
W. T. Conner diz que pecado é rebelião contra a vontade de Deus.4
Berkhof tem uma definição mais completa. Diz ele que pecado é falta de
conformidade com a lei moral de Deus, seja em ato, disposição ou estado.5
3
LANGSTON, A. B. Esboço de teologia sistemática, 5ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1977, P. 150.
4
CONNER, W. T. Doctrina cristiana. El Paso: CBP, s.d, p. 157.
5
BERKHOF, L. Teologia Sistemática. 2ª ed. Campinas: Luz Para o Caminho, 1992, p. 235.
4
"A incapacidade do homem de restaurar o que deve a Deus, incapacidade esta
que lhe foi acarretada, não o escusa de dar a devida satisfação à justiça; pois o resultado
do pecado não pode justificar o próprio pecado".6
"O pecado constitui uma violação tão infinita, que somente Deus mesmo podia
prover uma satisfação perfeita pelo pecado do homem - o que ele fez na vida
infinitamente perfeita do Deus homem Jesus Cristo".7
9
STRONG, A. H. Teologia Sistemática. 1ª ed. São Paulo: Editora Hagnos, 2003. p.140. 2 v.
6
II. ORIGEM E CONSEQUÊCIAS DO PECADO
21.1.2 A TENTAÇÃO
O Diabo, que já havia se rebelado contra Deus, transformou-se numa criatura
astuta, ou usou como instrumento uma dessas criaturas, e chegou-se à mulher com a
intenção de levá-la à desobediência a Deus. Nessa tentação, ele deu vários passos.
Começou por tentar confundir a mulher no tocante ao que Deus dissera: “É assim que
Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?” (Gn 3.1). O Diabo, aqui, alterou a
palavra de Deus, acrescentando-lhe algo, tornando, dessa forma, o mandamento muito
pesado, restringindo excessivamente a liberdade do homem, e negando a bondade de
Deus. Além disto, quis valer-se de uma possível ignorância da mulher quanto ao que
Deus de fato tinha dito. Mas ela estava bem consciente do mandamento divino.
Como não conseguiu confundir a mulher nos exatos termos e alcance do
mandamento, o inimigo prosseguiu na tentação, agora negando a veracidade da palavra
de Deus, dizendo: “Certamente não morrereis” (Gn 3.4). Para justificar a sua afirmação
contrária a de Deus, o Diabo deu uma interpretação errada da intenção do mandamento:
“Porque Deus sabe que no dia em que comerdes deste fruto, vossos olhos se abrirão, e
sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal” (Gn 3.5). Agindo assim, Satanás estava
lançando dúvida no coração da mulher quanto à bondade e a fidelidade de Deus, e, por
extensão, depondo contra o caráter do Criador. Com o seu coração já incrédulo, a
mulher deixou de considerar a Deus e a Sua Palavra, e passou a pensar numa vida
10
MILNE, Bruce. Op. Cit., p. 106.
11
CHESTERTON, Gilbert K. Ortodoxia. 1ª ed. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2008, p. 6.
7
independente de Deus. Deste ponto em diante, era só consumar o ato transgressor. Foi o
que ela fez. Ela comeu e enganou o seu marido para que ele comesse também. Aí se
consumou o primeiro pecado da humanidade, pois foi Adão que recebeu o mandamento
de Deus.
Como se percebe, o pecado consumou-se num ato transgressor do mandamento
num ato transgressor do mandamento divino. Mas ele teve sua raiz na incredulidade do
coração (da mulher) no tocante a Deus e à Sua palavra. Da incredulidade veio a
disposição de desobedecer, impulsionado também pelo sentimento de egoísmo e
orgulho. Podemos dizer que a raiz fundamental do pecado, do ponto de vista teológico,
é a incredulidade, mas do ponto psicológico, é o egoísmo e o orgulho, sentimentos
contrários ao amor a Deus, que é a súmula de todos os mandamentos.
O PROBLEMA DO MAL 12
A Termo latino
A humanidade
humanidade
criada
decaída
sim liberum
Livre-arbítrio sim
arbitrium
Liberdade sim não libertas
9
21.1.4. O CARÁTER DO PRIMEIRO PECADO
Do ponto de vista formal, o primeiro pecado consistiu em o homem comer da
“árvore do conhecimento do bem e do mal”. A árvore poderia ter sido uma árvore
comum, cujo fruto em si não faria mal alguém comer se Deus não tivesse proibido (Gn
2.17). Ou poderia ser algo simbólico que representava o mandamento de Deus para o
homem, para servir de prova de obediência. Talvez ela fosse assim chamada, “árvore
do conhecimento do bem e do mal”, porque fora destinada a revelar se o estado futuro
do homem seria bom ou mau ao invés de ele mesmo se encarregar de determiná-lo por
si e para si.
Do ponto de vista essencial e material, o primeiro pecado consistiu numa
oposição de Adão a Deus, recusando-se que Deus determinasse o curso de sua vida e de
suas gerações. Foi uma prova de obediência e uma escolha fundamental para Adão.
Feito em estado de santidade, mas livre para escolher amar e obedecer a Deus, o
primeiro homem foi submetido a um mandamento para que exercesse, pessoalmente, a
sua vontade de viver submisso e dependente do Criador. Fazendo esta escolha uma vez,
parece que Deus confirmaria o homem no seu estado de santidade original, e nunca
mais estaria sujeito a pecar, à semelhança dos anjos que não caíram. Mas se o homem,
ali escolhesse desobedecer, estaria escolhendo uma vida afastada de Deus, debatendo-
se sempre com os seus erros (pecados), até que fosse salvo, se, desta feita, escolher
viver submisso e obediente a Deus. O homem desobedeceu, caiu do seu estado de
santidade original, vive em pecado, dependendo da graça redentora.
13
Ib., idib., p. 109-113.
14
HORRELL, J. Scott, Op., cit., p.38.
10
medo (Gn 3.8-10). Esta situação estende-se por todas as gerações e atinge toda a
humanidade. Com o pecado, o homem perdeu sua dignidade para estar diante de Deus
(Gn 3.23,24). Ele não tem a aprovação divina, mas encontra-se sob a ira de Deus (Mt
3.7; Jo 3.36; Rm 1.18; Ef 2.3). Há uma inimizade entre o homem e Deus (Rm 8.7,8).
Com a perda da comunhão com Deus, o homem tornou-se presa fácil de Satanás, que
agora exerce poder sobre ele (2Co 4.3,4; Hb 2.14,15; Ef 2.1,2; 5.8; 1Jo 3.7-10; Jo
8.44).
15
BENTES, A. Carlos G. Apostila de Antropologia. p. 54.
11
2.2.3. CONSCIÊNCIA DE CULPA
Com a queda, o homem passou a sentir-se culpado diante de Deus (Gn 3.7-10).
Isto ficou revelado por Adão e Eva quando perceberam sua nudez, sentiram vergonha e
necessidade de cobrir o corpo, e também pelo medo que tiveram de Deu quando
ouviram a Sua voz. Houve uma consciência de um estado de corrupção e de
necessidade, por culpa exclusiva deles. Procuraram se esconder da presença de Deus e
um do outro. A culpa significa sentimento de ter feito o que não devia e por isto
merecer punição, ou obrigação de prestar satisfação à justiça de Deus pela violação da
lei. A culpa não faz parte da essência do pecado, mas é, antes, uma relação com a
sanção penal da lei. Ela é a autocondenação do homem, baseada na desaprovação de
Deus pelos seus atos.
A culpa não tem o mesmo grau para todos os pecadores e pessoas. Há um grau de
culpa para os pecados das crianças e outro para os pecados praticados pelos líderes
religiosos à plena luz da revelação (Mt 19.14; 23.32,33). Há uma culpa pelos pecados
cometidos na ignorância e outra pelos pecados feitos quando se tem conhecimento da
vontade de Deus (Mt 10.15; Lc 12.47,48; 23. 34; Rm 2.12).
2.2.5. SOFRIMENTO
O mundo passou a ser um palco de sofrimentos. O ser humano sofre pela falta de
unidade em si mesmo, carência de significado e amor; sofre pelos conflitos sociais. No
caso da mulher, sofre com a gravidez (Gn 3.16). A relação da mulher com o marido,
como já vimos, não é pacífica. A terra se tomou maldita (Gn 3.17; Rm 8.20). O trabalho
agora é muito mais difícil, pois a terra vai apresentar dificuldades para que o homem
tire dela o seu sustento (Gn 3.17-19). O homem não pode mais viver no paraíso, mas
fora dele, lavrando a terra de onde fora tomado.
2.2.6. MORTE
A consequência mais drástica do pecado é a morte (Gn 2.17; Ez 18.20; Rm
6.23). O pecado trouxe uma morte tríplice: morte espiritual (Ef 2.1,4; Cl 2.13; Jo 3.36;
1 Jo 5.11,12), morte física (Gn 3.19; Rm 5.12-14; Hb 2.14,15) e morte eterna (2 Ts 1.9;
12
Ap20.11-15). De um estado de posso não morrer o homem desceu a uma condição de
não posso não morrer. Ele fora condenado a voltar ao pó de onde fora tomado.
16
BLOOMFIELD, Arthur E. Antes da última batalha. 1ª ed. Belo Horizonte: Editora Betânia, 1981, p. 55-57.
13
3.1. UNIVERSALIDADE DO PECADO
14
Adão; por conseguinte, não há qualquer transmissão do pecado. O liberalismo é
marcado pelo seu otimismo para com a natureza humana. Ele acentua a paternidade de
Deus e a fraternidade humana. Esta também é uma posição que não tem base na
revelação bíblica.
3.2.2.2.INTERPRETAÇÃO FEDERALISTA
Esta teoria é também chamada de “aliança das obras”. Deus teria feito um pacto
com Adão, envolvendo todas as suas gerações. Adão teria duas relações com a
humanidade: a de chefe natural e a de chefe representativo de toda a raça humana na
“aliança das obras”. Pela sua relação natural com a humanidade, Adão não poderia
lançar sobre os seus descendentes a culpa dos seus erros, mas pela relação pactual, sim.
Na “aliança das obras” Deus colocou vários elementos: um elemento de representação,
um de prova e outro de recompensa ou punição. Na representação, Adão estaria
representando toda a humanidade, um representante federal. Sem a aliança, Adão e
seus descendentes estariam constantemente sujeitos a provas e sempre com a
possibilidade de pecar, mas com a aliança, a perseverança persistente por um certo
tempo de prova seria recompensada com o estabelecimento do homem num estado de
santidade, de onde não poderia cair jamais.
Se Adão cumprisse os termos da aliança, obteria o direito de vida eterna para si e
para os seus descendentes. Por outro lado, o descumprimento da aliança traria sobre si
e sobre toda a humanidade a morte. Como Adão não cumpriu a aliança, Deus lançou
sobre todos os que estavam ligados a Adão, pelo pacto, a culpa e a pena do primeiro
15
pecado. Só Jesus ficou livre dessa imputação porque ele não estava ligado ao cabeça
federal. A maior dificuldade desta teoria é que a Bíblia não fala desse pacto de obras,
com exceção, talvez, de Oséias 6.7.
16
Teologia Sistemática de Wayne Grudem
HAMARTIOLOGIA
22
entristece, tanto quanto um pai terreno se entristece diante da desobediência dos seus
filhos, e então nos corrige. Tema semelhante se encontra em Apocalipse 3, onde o
Cristo ressurreto fala do céu à igreja de Laodicéia, dizendo: “Eu repreendo e disciplino
a quantos amo. Sê, pois zeloso e arrepende-te” (Ap 3.19). Aqui, novamente, o amor e a
repreensão do pecado se encontram na mesma frase. Assim, o Novo Testamento atesta
o desprazer dos três membros da Trindade diante do pecado dos cristãos. (Ver também
Is 59.1-2; 1Jo 3.21).
A Confissão de Fé de Westminster diz, sabiamente, com respeito aos cristãos:
Embora eles nunca possam cair do estado de justificação, poderão, contudo, por seus
pecados, incorrer no desagrado paternal de Deus, e ficar privados da luz de sua graça, até
que se humilhem, confessem os seus pecados, peçam perdão e renovem a sua fé e o seu
arrependimento (cap. 11, seção 5).
Declaração semelhante aparece em Marcos 3.29-30, onde Jesus diz que “aquele
que blasfemar contra o Espírito Santo não tem perdão para sempre” (Mc 3.29;cf.12.10).
Igualmente, Hebreus 6 diz: “É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram
iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo,
e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é
impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão
crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia” (Hb 6.4-6; cf.
10.26-27; também a discussão do pecado “que leva à morte” [NVI] em 1Jo 5.16-17).
24
Essas passagens talvez falem do mesmo pecado, talvez de pecados diferentes;
para decidir, é preciso fazer um exame das passagens dentro dos seus contextos.
Já se defenderam várias opiniões diferentes a respeito desse pecado.
1. Alguns propuseram que se trata de um pecado que só se poderia cometer
enquanto Cristo estava na terra. Mas a declaração de Jesus de que “todo pecado e
blasfêmia serão perdoados aos homens” (Mt 12.31) é tão geral que parece arriscado
dizer que só se refere a algo que poderia ocorrer apenas durante a sua vida - os textos
em questão não especificam tal restrição. Além disso, Hebreus 6.4-6 fala da apostasia
que aconteceu vários anos após Jesus ter voltado ao céu.
2. Alguns sustentam que o pecado é a incredulidade que persiste até a hora da
morte; portanto, todos os que morrem na incredulidade (ou pelos menos todos os que
ouvem falar de Cristo e morrem na incredulidade) cometem esse pecado. É verdade,
claro, que aqueles que persistem na incredulidade até a morte não serão perdoados, mas
importa saber se é esse fato que se discute nesses versículos. Numa leitura mais detida
dos versículos, essa explicação não parece se ajustar à linguagem empregada, pois não
se fala de incredulidade em geral, mas especificamente de alguém que fala “contra o
Espírito Santo” (Mt 12.32), blasfema “contra o Espírito Santo” (Mc 3.29) ou comete
apostasia (Hb 6.6). Esses versículos enfocam um pecado específico - a rejeição
deliberada da obra do Espírito Santo e a difamação dela, ou a rejeição deliberada da
verdade de Cristo e sua exposição à “ignomínia” (Hb 6.6). Além disso, a ideia de que
esse pecado é a incredulidade que persiste até a morte não se encaixa bem no contexto
da censura aos fariseus pelo que eles dizem em Mateus e Marcos (ver abaixo a análise
do contexto).
3. Alguns defendem que esse pecado é a grave apostasia dos crentes sinceros, e que
somente os que verdadeiramente nasceram de novo poderiam cometer esse pecado.
Eles fundamentam a sua tese na interpretação dada à natureza da apostasia descrita em
Hebreus 6.4-6 (ou seja, a rejeição de Cristo e a perda da salvação por parte de um
cristão verdadeiro). Mas não parece ser essa a melhor interpretação de Hebreus 4-6.
Ademais, embora talvez se pudesse sustentar essa tese com respeito a Hebreus 6, ela
não explica a blasfêmia contra o Espírito santo nas passagens dos evangelhos, nas quais
Jesus responde à empedernida rejeição dos fariseus à obra do Espírito Santo por
intermédio dele.
4. Uma quarta possibilidade é que esse pecado consista em rejeição e calúnia
especialmente maliciosas e deliberadas à obra do Espírito Santo em seu testemunho de
Cristo e na atribuição dessa obra a Satanás. Um exame mais detido do contexto da
declaração de Jesus em Mateus e Marcos mostra que Jesus falava em resposta à
acusação dos fariseus de que “este não expele demônios senão pelo poder de Belzebu,
maioral dos demônios” (Mt 12.22). Os fariseus haviam visto muitas vezes as obras de
Jesus. Ele acabara de curar um endemoninhado cego e mudo, que passou a ver e a falar
(Mt 12.22). As pessoas ficavam assombradas e seguiam Jesus em grandes números, e
muitas vezes os próprios fariseus haviam visto claras demonstrações do impressionante
poder do Espírito Santo agindo por intermédio de Jesus para dar vida e saúde a muitas
pessoas. Mas os fariseus, apesar de ver bem diante do seu nariz as claras demonstrações
da obra do Espírito Santo, deliberadamente rejeitavam a autoridade e o ensinamento de
Jesus, atribuindo-os ao Diabo. Jesus então lhes disse com muita clareza que “toda
25
cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá. Se Satanás expele a Satanás,
dividido está contra si mesmo; como, pois, subsistirá o seu reino?” (Mt 12.25-26). Por
isso era irracional e insensato que os fariseus atribuíssem os exorcismos de Jesus ao
poder de Satanás - uma mentira clássica, deliberada, maliciosa.
Depois de explicar que “Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus,
certamente é chegado o reino de Deus sobre vós” (Mt 12.28),Jesus profere o seguinte
alerta: “Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha” (Mt
12.30). Ele avisa que não existe neutralidade, e certamente aqueles que, como os
fariseus, se opõem à sua mensagem são contra ele. A seguir acrescenta: “Por isso, vos
declaro: todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; mas a blasfêmia contra
o Espírito Santo não será perdoada” (Mt 12.31). A calúnia deliberada e maliciosa contra
a obra do Espírito Santo em Jesus, calúnia pela qual os fariseus atribuíam tal obra a
Satanás, não seria perdoada.
O contexto indica que Jesus fala de um pecado que não é simplesmente
incredulidade ou rejeição de Cristo, mas que inclui: (1) o claro conhecimento de quem
é Cristo e do poder do Espírito Santo que age por meio dele, (2) a rejeição deliberada
dos fatos sobre Cristo que seus oponentes sabiam ser verdadeiros e (3) a caluniosa
atribuição da obra do Espírito Santo em Cristo ao poder de Satanás. Nesse caso a
dureza do coração seria tão grande que todos os meios normais de levar o pecador ao
arrependimento já teriam sido rejeitados. A persuasão da verdade não funcionará, pois
essa gente já conhece a verdade e deliberadamente já a rejeitou. A demonstração do
poder do Espírito Santo para curar e dar vida não funcionará, pois eles já a viram e já a
rejeitaram. Nesse caso, não que o pecado em si seja tão terrível que não possa ser
expiado pela obra redentora de Cristo, mas a dureza de coração do pecador o coloca
fora do alcance dos meios normais que Deus utiliza para conceder o perdão por
intermédio do arrependimento e da fé na salvação de Cristo. O pecado é imperdoável
porque afasta o pecador do arrependimento e da fé salvífica pelo crédito à verdade.
Berkhof, inteligentemente, define assim o pecado imperdoável:
Esse pecado consiste na rejeição e na calúnia conscientes, maliciosas e deliberadas,
Contra toda evidência e convicção, do testemunho do Espírito Santo a respeito da graça
de Deus em Cristo, atribuindo-o, por ódio e inimizade, ao Príncipe das Trevas. [...] ao
cometer esse pecado, o homem, voluntária, maliciosa e intencionalmente atribui aquilo
que é claramente reconhecido como obra de Deus à influência e à ação de Satanás.
26
Essa compreensão do pecado imperdoável também é bastante compatível com
Hebreus 6.4-6. Ali as pessoas que cometem apostasia têm todo o conhecimento e toda a
convicção da verdade: eles “foram iluminados” e “provaram o dom celestial”;
participaram em certos aspectos da obra do Espírito Santo e “provaram a boa palavra
de Deus e os poderes do mundo vindouro”, mas depois deliberadamente se afastaram
de Cristo e o expuseram “à ignomínia” (Hb 6.6). Eles também se colocaram fora do
alcance dos meios normais que Deus usa para levar as pessoas ao arrependimento e à
fé. Conhecendo a verdade e dela convencidos, deliberadamente a rejeitaram.
O texto de 1Jo 5.16-17, porém, parece se enquadrar noutra categoria. Essa
passagem não fala de um pecado que jamais pode ser perdoado, mas antes de um
pecado que, continuado, levará à morte. Esse pecado parece envolver o ensino de
graves erros doutrinários acerca de Cristo. Depois de exortar a que façamos nossos
pedidos com fé segundo a vontade de Deus (1Jo 5.14-15), João apenas deixa claro que
não está dizendo que podemos orar com fé a Deus para que ele simplesmente perdoe
esse pecado, a menos que a pessoa se arrependa - mas certamente não proíbe orar pelos
mestres heréticos que se disponham a rejeitar a sua heresia e a se arrepender,
alcançando assim o perdão. Muitas pessoas que ensinam graves erros doutrinários
ainda assim não chegaram ao ponto de cometer o pecado imperdoável, acarretando a
impossibilidade do arrependimento e da fé pela sua própria dureza de coração.
E. O CASTIGO DO PECADO
Embora o castigo divino do pecado funcione realmente como elemento inibidor
contra novos pecados e como alerta àqueles que o testemunham, não é essa a razão
principal pela qual Deus pune o pecado. A razão primeira é que a justiça de Deus o
exige, para que ele seja Glorificado no universo que criou. Ele é o Senhor que pratica
“misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o
SENHOR” (Jr 9.24).
Paulo discorre sobre Cristo Jesus, “a quem Deus propôs como propiciação pelo
seu sangue, mediante a fé” (Rm 3.25, tradução do autor). Depois o apóstolo explica por
que Deus propôs Jesus como “propiciação” (ou seja, sacrifício que carrega a ira de
Deus contra o pecado e portanto transforma a ira divina em graça): “para manifestar a
sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente
cometidos” (Rm 3.25). Paulo entende que, não houvesse Cristo vindo para sofrer a
penalidade dos pecados, não se poderia provar que Deus é justo. Como ele deixara os
pecados do passado sem castigo, as pessoas poderiam, com toda a razão, acusar a Deus
de injustiça, pois um Deus que não pune os pecados não é um Deus justo. Portanto,
quando Deus enviou Cristo para morrer e sofrer a penalidade dos nossos pecados,
demonstrou que era de fato justo - acumulou o castigo devido aos pecados anteriores
(os dos santos do Antigo Testamento) e depois, com perfeita justiça, impôs a Jesus esse
castigo na cruz. A propiciação do Calvário, portanto, demonstrou claramente que Deus
é perfeitamente justo, pois tinha “em vista a manifestação da sua justiça no tempo
presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm
3.26).
Logo, na cruz temos uma clara demonstração da razão pela qual Deus castiga o
pecado: se ele não castigasse o pecado, não seria um Deus justo, e não haveria justiça
27
suprema no universo. Mas, castigando o pecado, Deus se revela justo juiz de tudo, e
faz-se justiça no universo.
28
BIBLIOGRAFIA
1. BENTES, A. Carlos G. Apostila de Antropologia.
2. BERKHOF, Louis. História das Doutrinas Cristãs. PES, 1992.
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Biografia do autor
O pastor Antônio Carlos Gonçalves Bentes é capitão do Comando da Aeronáutica,
Doutor em Teologia pela American Pontifical Catholic University (EUA), Pós-
graduado em Ciências da Religião pela Pan Americana, Pós-graduado em Psicologia
Pastoral pela Pós-graduado em Ciências da Religião pela Pan Americana, Pós-graduado
em Psicologia Pastoral pela FATEH - Faculdade de Teologia Hokemãh, conferencista,
filiado à ORMIBAN – Ordem dos Ministros Batistas Nacionais, professor dos
seminários batistas: STEB, SEBEMGE e Koinonia e também das instituições:
Seminário Teológico Hosana, UNITHEO, Seminário Teológico Goel e Escola Bíblica
Central do Brasil, atuando nas áreas de Teologia Sistemática, Teologia Contemporânea,
Apologética, Escatologia, Pneumatologia, Teologia Bíblica do Velho e Novo
Testamento, Hermenêutica, e Homilética. Reside atualmente em Lagoa Santa, Minas
Gerais. É pastor presidente da Igreja Batista Nacional Goel em Lagoa Santa - Minas
Gerais. É casado com a pastora Rute Guimarães de Andrade Bentes, tem três filhos:
Joelma, Telma e Charles Reuel, e duas netas: Eliza Bentes Zier e Anna Clara Bentes
Rodrigues..
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