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O ANTI-ÉDIPO – CAPITALISMO E ESQUIZOFRENIA

CAPÍTULO 1 – AS MÁQUINAS DESEJANTES


- Isto* funciona por toda a parte: umas vezes sem parar, outras descontinuamente. Isto respira,
isto aquece, isto come. Isto caga, isto fode. Mas que asneira ter dito o isto*. O que há por toda a
parte são mas é máquinas, e sem qualquer metáfora: máquinas de máquinas, com as suas
ligações e conexões. Uma máquina-órgão está ligada a uma máquina-origem: uma emite o fluxo
que a outra corta (p. 7)
* [Ça no original. Em francês é possível fazer um jogo polissémico entre o ça (isto) e o ça
freudiano (id), jogo que é impossiv́ el manter em português.]
- O passeio do esquizofrênico: é um modelo muito melhor que o neurótico deitado no divã. Um
pouco de ar livre, uma relação com o exterior (p. 7).
- Há por todo o lado máquinas produtoras ou desejantes, máquinas esquizofrénicas, toda a vida
genérica: eu e não-eu, exterior e interior, já nada querem dizer (p. 8).
- Esta rela- ção homem-natureza, indústria-natureza, sociedade-natureza, condiciona, na pró-
pria sociedade, a distinção de esferas relativamente autónomas a que chamamos «produção~>,
«distribuição}>, ({consumo», Mas este nível de distinções gerais, con- siderado na sua estrutura
formal desenvolvida, pressupõe (como Marx o demons- trou) não só o capital e a divisão do
trabalho, mas também a falsa consciência que o ser capitalista tem necessariamente de si e dos
elementos cristalizados de um processo de conjunto. Porque na verdade - espantosa e negra
verdade que surge no deliŕ io - não há esferas nem circuitos relativamente independentes: a
produção é imediatamente consumo e registo, o consumo e o registo determinam directamente
a produção, mas determinam-na no seio da própria produção . De tal modo que tudo é produção:
produção de produções, de acções e de reacções; produ- ções de registos, de disrribuições e de
pomos de referência; produções de consumos, de volúpias, de angústias e dores. Tudo é
produção: os registos são imediatamente consumidos, destruid ́ os, e os consumos direcramenre
reproduzidos. É este o pri- meiro sentido do processo: inserir o registo e o consumo na própria
produção, torná-los produções de um mesmo processo (p. 9-10).
- Em segundo lugar, desaparece também a distinção homem/natureza: a essência humana da
natureza e a essência natural do homem identificam-se na natureza como produção ou indústria,
isto é, afinaI, na vida genérica do homem. (...) É o segundo sentido de processo: homem e
natureza não são dois termos distintos, um em face do outro, ainda que tomados numa relação
de causação) de compreensão ou de expressão (causa/efeito, sujeito/objecto, etc.), mas uma só
e mesma realidade essencial: a do produtor e do produto. A produção como processo não
cabe nas categorias ideais e forma um ciclo cujo princip ́ io imanente é o desejo. É por isto que a
produção desejante é a categoria efectiva de uma psiquiatria materialista que entende e trata o
esquizo como Homo natura. Com uma condição, no entanto, que constitui o terceiro sentido de
processo: este não deve ser tomado como um fim, nem deve ser confundido com a sua própria
continuação até ao infinito. O fim do processo, ou a sua continuação até ao infinito, que é
precisamente a mesma coisa que a sua paralisação bruta e prematura, é a causa do
esquizofrénico artificial, tal como o vemos no hospital, farrapo autístico produzido como entidade.
(p. 10).
- A ligação da sin
́ tese conectiva, objecto parcial-fluxo, tem, portanto, uma outra forma: a do
produto-produzir. O produzir está sempre inserido no produto - é por esta razão que a produção
desejante é produção de produção, tal como qualquer máquina é máquina de máquina. Não nos
podemos contentar com a categoria idealista da expressão. Não podemos nem devemos pensar
em descrever o objecto esquizofrênico sem o ligar ao processo de produção.
- As máquinas desejantes só funcionam avariadas, avariando-se constantemente.
- O corpo sem órgao ̃ s não é o testemunho de um nada original, nem o resto de uma totalidade
perdida. Mas sobretudo o que ele não é, de modo algum, é uma projecção: não tem nada a ver
com O corpo de cada um nem com uma imagem do corpo. É o corpo sem imagem. Ele, o
improdutivo, existe onde é produzido, precisamente no terceiro tempo da série binário-linear. É
perpetua- mente re-injectado na produção. O corpo caratónico é produzido na água do banho. O
corpo pleno sem órgãos é anti-produção; mas é ainda uma caracteriś tica da sin ́ tese conectiva
ou produtiva ligar a produção à anti-produção. a um ele- mento de anti-produção (p. 14).
- Liga-se bastante à obra de Artaud, pelo jeito. Cita Artaud em 84, por exemplo: “O corpo é o
corpo / está só / e não precisa de órgãos / o corpo nunca é um organismo / os organismos são
os inimigos do corpo”.
- Mas um corpo pleno qualquer, corpo da terra ou do déspota, uma superfić ie de registo, um
movimento objectivo aparente, um mundo perverso enfeitiçado fetichista, pertencem a todos os
tipos de sociedade como constante da reprodução social (p. 16).
- QUESTÃO DELES INICIAL  É por isso que devemos formular a questão mais geral a este
respeito: será que o registo do desejo passa pelos termos edipianos? As disjunções são a
forma da genealogia desejante; mas será esta genealogia edipiana, inscrever-se-á na
triangulação de Édipo? Não será o Édipo uma exigência ou uma consequência da reprodução
social, enquanto esta pretende domesticar uma matéria e uma forma genealógicas, que lhe
escapa completamente? Porque é bem certo que o esquizofrênico é interpelado, que nunca deixa
de o ser. Precisamente porque a sua relação com a natureza não é um pólo especif́ ico, é que é
interpelado nos termos do código social vigente: qual é o teu nome, quem são o teu pai e a tua
mãe? (p. 18-19).
- CRÍTICA À PSICANÁLISE (DE FREUD APENAS?)  Não se pode dizer que a psicanálise seja
muito inovadora: ela continua a pôr as suas questões e a desenvolver as suas inter- pretações a
partir do triângulo edipiano, no momento em que sente, no entanto, que os chamados fenômenos
de psicose ultrapassam esse quadro de referência. O psicanalista diz que temoJde descobrir o
pai no Deus superior de Schreber e talvez até o irmão mais velho no Deus inferior (p. 19).
- A produção desejante forma um sistema linear-binário. O corpo pleno intro- duz-se na série
como terceiro termo, mas sem lhe alterar o carácter: 2, 1 2, 1...
- O código delirante ou desejante apresenta uma fluidez extraordinária. Dir-se-ia que o
esquizofrénico passa de um código a outro, que baralha todos os códigos, num deslizar veloz,
conforme as questões que lhe são postas, não dando nunca duas vezes seguidas a mesma
explicação, não invocando nunca a mesma genealogia, não registando nunca do mesmo modo
o mesmo acontecimento, e aceitando até, quando lho impõem e não está irritado, o banal código
edipiano, pronto a re-entulhá-Io com todas as disjunções de cuja exclusão se encarrega esse
código (p. 20).
- Michel Carrouges isolou, sob o nome de “máquinas celibatárias”, um certo número de
máquinas fantásticas que descobriu na literatura. Os exemplos que invoca são muito diversos e
não cabem, à primeira vista, numa mesma categoria: a Mariée miseà nu... de Duchamp, a
máquina de la Colonie pénitentaire de Kafka, as máquinas de Raymond Roussel, as do
Supermacho de Jarry, certas máquinas de Edgar Poe, a Eve future de Villiers, etc.* Mas os traços
que as unificam, de importância variável conforme o exemplo considerado, são os seguintes: em
primeiro lugar, a máquina celibatária é testemunha de uma antiga máquina paranóica, com os
seus suplić ios, as suas sombras, a sua antiga Lei. Ela não é, contudo, uma máquina paranóica.
As suas rodas, carretos, tesouras, agulhas, Ímanes, raios, tudo isto a distingue da outra. Até
quando suplicia e mata manifesta algo de novo: um poder solar. Em segundo lugar, esta
transfiguração não se pode explicar pelo carácter miraculante que a máquina deve à inscrição
que possui, embora possua efectivamente as mais altas inscrições (cfr. o registo que Edison pôs
na Eve future). Há um consumo actual da nova máquina, um prazer que podemos qualificar de
auto-erótico, ou antes, de automático, onde se celebra uma nova aliança, um novo nascimento,
num êxtase deslumbrante, como se O erotismo maquinal libertasse outros poderes ilimitados
(p. 22-23).
* Michel Carrouges. Les Machlnes célibataires, Arcanes, 1954.
- Como foi possiv́ el dar ao esquizo a figura desse farrapo autiś tico, separado do real e da vida?
Pior ainda: como é que a psiquiatria o conseguiu transformar nesse farrapo, o reduziu a esse
estado de um corpo sem órgãos morto? - a ele, que se instalava nesse ponto insuportável em
que o espiŕ ito toca a matéria, e vive, conso- me cada uma das suas intensidades? E não
deveria ́ mos pôr esta questão em relação com esta outra, aparentemente muito diferente: - como
é que a psicanálise consegue reduzir o neurótico a uma pobre criatura que consome eternamente
o papá-mamã, e nada mais? Como é que se pôde reduzir a sin ́ tese conjuntiva do “Afinal era
isto!”, do “Afinal sou eu!”, à eterna e triste descoberta do Édipo, «Afinal é o meu pai, afinal é a
minha mãe...» (p. 24).
- Mas como resumir todo este movimento vital? Seguindo um primeiro caminho (via curta)
podemos dizer que sobre o corpo sem órgãos os pontos de disjunção formam ciŕ culos de
convergência em torno das máquinas desejantes; então o sujeito, produzido como resid ́ uo ao
lado da máquina, apêndice ou peça adjacente à máquina, passa por todos os estados do ciŕ culo
e de um ciŕ culo ao outro. O próprio sujeito não está no centro, ocupado pela máquina, mas nos
contornos, sem identidade fixa, sempre descentrado, concluid ́ o dos estados por que passa. (...)
Ou então um outro caminho, mais complexo, mas que vem a dar ao mesmo: através da máquina
paranóica e da máquina miraculante, as proporções de repulsão e de atracção sobre o corpo
sem órgãos produzem na máquina celibatária uma série de estados a partir de 0; e o sujeito
nasce de cada estado da série, renasce sempre do estado seguinte que o determina num
momento, consumindo todos esses estados que o fazem nascer e renascer (o estado vivido é o
primeiro em relação ao sujeito que o vive) (p. 25).
- CRÍTICA À VISÃO DE FREUD SOBRE ESQUIZOFRÊNICO - Nem Fteud se libertou do estreito
ponto de vista do eu - e o que o impediu foi a sua forma trinitária, edipiana, neurótica: papá-
mamá-eu. Seria de perguntar se não teria sido o imperialismo analit́ ico do complexo de Édipo
que levou Fteud a descobtit, e fitmat com a sua autotidade, o lamentável conceito de autismo
aplicado à esquizofrenia. Porque afinal, e não é preciso es- conder isto, Freud não gosta dos
esquizofrênicos, nem da sua resistência à edipianização, e preferia tratá-los como animais: diz
que tomam as palavras por coisas, que são apáticos, narcisicos, separados do real, incapazes
de transferir, que parecem filósofos – “semelhança indesejável». Tem-se pensado muito na
maneira de conceber analiticamente a relação entre as pulsões e os sintomas, o sim ́ bolo e o
simbolizado. Será uma relação causal de compreensão, ou de expressão? A questão tem sido
formulada em termos demasiado teóricos. Porque, de facto, desde que nos enfiam no Édipo,
desde que nos comparam com Édipo, fica tudo resolvido, suprimindo-se assim a única relação
autêntica que era a de produção (p. 28).
- Antes de ser a afecção do esquizofrénico artificializado, personificado no autismo, a
esquizofrenia é o processo de produção do desejo e das máquinas desejantes. A questão mais
importante passa a ser; como é que se passa de uma coisa à outra? e essa passagem será
inevitável? Neste ponto, como em muitos outros, Jaspers deu indicações preciosas porque o seu
“idealismo” era singularmente atip ́ ico. Opondo o conceito de processo ao de reacção ou de
desenvolvimento da personalidade, pensa o processo como ruptura, intrusão, fora de uma
relação fictić ia como o eu, substituindo-o por uma relação com o “demonia ́ co” na natureza.
Apenas lhe faltava conceber o processo como realidade material económica, como processo de
produção dentro da identidade Natureza = Indústria, Natureza = História (p. 29).
- DESEJO E FANTASMA  De certo modo, a lógica do desejo engana-se no seu objecto logo
no seu primeiro passo: o primeiro passo da divisão platónica que nos faz escolher entre produção
e aquisição. Se pusermos o desejo do lado da aquisição, teremos uma concepçao ̃ idealista do
desejo (dialéctica, niilista) que o determina primeiro como falta (manque), falta de objecto, falta
do objecto real. É verdade que o outro lado, o lado da “produção”, não é ignorado. Deve-se a
Kant uma revolução crit́ ica na teoria do desejo ao defini-lo como “a faculdade de ser pelas suas
representações causa da realidade dos objectos destas representações”. E não é por acaso que
Kant, para ilustrar esta definição, recorre às crenças supersticiosas, a alucinações e
fantasmas: sabemos bem que o objecto real só pode ser produzido por uma causalidade e
mecanismos externos; mas este saber não nos impede de acreditar no poder interior que o
desejo tem de engendrar o seu objecto, ainda que sob uma forma irreal, alucinatória ou
fantasmática, e de representar esta causalidade no próprio desejo*. A realidade do objecto
enquanto produzido pelo desejo é, pois (p. 29), a realidade psíquica. Logo, podemos dizer que a
revolução crit́ ica não altera nada de essencial: este modo de conceber a produtividade não põe
em questão a concepção clássica do desejo como falta. mas apoia-se, baseia-se nela, e limita-
se a aprofundá-la. Com efeito, se o desejo é a falta do objecto real, a sua própria realidade está
numa “essência da falta” que produz o objecto fantasmático.
* Kant, Critique du jugement, Introdução, § 3.
O desejo concebido como produção, mas produção de fantasmas, foi perfeitamente exposto pela
́ el de interpretação isto significa que o objecto real que falta ao
psicanálise. Ao mais baixo niv
desejo remete para uma produção natural ou social extrin ́ seca, enquanto que o desejo produz
intrinsecamente um imaginário que duplica a realidade como se houvesse um “objecto sonhado
por detrás de cada objecto real” ou uma produção mental por detrás das produções reais. E é
evidente que ninguém pretende que a psicanálise se dedique ao estudo dos «gadgets» e dos
mercados, na sua forma mais miserável, a de uma psicanálise do objecto (psicanálise do pacote
de massa, do automóvel, ou do «fulano»). Mas mesmo quando o fantasma é interpretado em
toda a sua extensão, já não como um objecto, mas como uma máquina especif́ ica que faz
intervir o desejo, essa máquina é apenas teatral, e deixa subsistir a complementaridade do que
ela própria separa: é então a necessidade que é definida pela falta relativa e determinada do seu
próprio objecto, enquanto que o desejo aparece como aquilo que produz o fantasma e se produz
a si mesmo separando-se do objecto, mas também redobrando a falta, levando-a ao absoluto,
transformando-a numa “incurável insuficiência de ser”, “uma falta-de-ser que é a vida”. Por isso
se apresenta o desejo apoiado nas necessidades, continuando a produtividade do desejo a fazer-
se a partir das necessidades e da sua relação de falta com o objecto (teoria do apoio). Em suma,
quando se reduz a produção desejante a uma produção de fantasmas, temos que nos limitar a
tirar todas as consequências do princip ́ io idealista que define o desejo como uma falta, e não
como produção, produção “industria”, Clément Rosset diz e muito bem: sempre que se insiste
numa falta que faltaria ao desejo para definir o seu objecto, «o mundo vê-se dobrado noutro
mundo qualquer, segundo este itinerário: o objecto falta ao desejo; logo, o mundo não contém
todos os objectos, falta-lhe pelo menos um, o do desejo; logo, existe um algures que contém a
chave do desejo (que falta ao mundo)"* (p. 30).
* Clement Rosset, Logique du pire, PU.F., 1970, p. 37.
- DESEJO PARA D&G  Se o desejo produz, produz real. Se o desejo é produtor, só o pode
ser a realidade e da realidade. O desejo é esse conjunto de sin ́ teses passivas que maquinam os
objectos parciais, os fluxos e os corpos, e que funcionana como unidades de produção. O real
resulta disso, é o resultado das sin
́ teses passivas do desejo como autoprodução do inconsciente.
Ao desejo não falta nada, não lhe falta o seu objecto. É antes o sujeito que falta ao desejo, ou o
desejo que não tem sujeito fixo; é sempre a repressão que cria o sujeito fixo. O desejo e o seu
objecto são uma só e mesma coisa: amáquina, enquanto máquina de máquina. O desejo é
máquina, o objecto do desejo é rambém máquina conecrada, de modo que o produto é extraid ́ o
do produzir, e qualquer coisa no produto se afasta do produzir, que vai dar ao sujeito nómada e
vagabundo um resto. O ser objectivo do desejo é o Real em si mesmo*. Não existe nenhuma
forma de existência particular a que possamos chamar realidade psiq ́ uica. Como diz Marx, não
há falta, o que há é paixão como «ser objecto natural e sensível». Não é o desejo que se apoia
nas necessidades mas, pelo contrário, são as necessidades que derivam do desejo: são
contraprodutos no real que o desejo produz. A falta é um contra-efeito do desejo, deposta,
arrumada, vacualizada no real natural e social. O desejo está sempre próximo das condições de
existência objectiva, une-se a elas, segue-as, não lhes sobrevive, desloca-se com elas, e é por
isso que é, com tanta facilidade, desejo de morrer, enquanto que a necessidade é a medida do
afastamento de um sujeito que perdeu o desejo ao perder a sin ́ tese passiva dessas condicões
(p. 31).
* Parece-nos que a admirável teoria do desejo de Lacan se centra em dois pólos: um em relacão
ao «objecto a» como máquina desejante que define o desejo através de uma producao ̃ real,
ultrapassando qualquer ideia de necessidade ou de fantasma; o outro em relação ao
«Outro» como significante, que reintroduz uma certa ideia de falta. Podemos verificar no artigo
de Leclaire sobre "La Réalité du désir" (in Sexualité humaine, Aubier, 1970) a oscilação entre
estes dois pólos.
- A falta é arrumada, organizada, na produção social. É contraproduzida pela instância de
antiprodução que se rebate sobre as forças produtivas e se apropria delas. Nunca é primeira: a
produção nunca é organizada em função de uma falta anterior mas é, sim, a falta que se aloja,
se vacualiza, se propaga, segundo a organização de uma produção prévia. É arte de uma classe
dominante, essa prática do vazio como economia de mercado: organizar a falta na abundância
de produção, fazer vacilar todo o desejo pelo grande medo de falhar, fazer depender o objecto
de uma produção real que se supõe exterior ao desejo (as exigências da racionalidade),
enquanto a produção do desejo passa para o fantasma (e só para o fantasma) (p. 32).
- Existe apenas o desejo e o social, e nada mais. Mesmo as forças mais repressivas e mortif́ eras
da reprodução social são produzidas pelo desejo, na organização que dele deriva em
determinadas condições que havemos de analisar (p. 33).
- FASCISMO (exatamente o que estamos vivendo) - Como diz Reich, o que surpreende não é
que uns roubem e outros façam greve, mas que os explorados e os esfomeados não estejam
permanentemente em greve; porque é que há homens que suportam há tanto tempo a
exploração, a humilhação, a escravatura, e que chegam ao ponto de as querer não só para os
outros, mas também para si próprios? Nunca Reich mostrou ser um tão grande pensador como
quando se recusa a invocar o desconhecimento ou a ilusão das massas ao explicar o fascismo,
e exige uma explicação pelo desejo, em termos de desejo: não, as massas não foram enga-
nadas, elas desejaram o fascismo num certo momento, em determinadas circunstâncias, e é isto
que é necessário explicar, essa perversão do desejo gregário*.
* Reich, Psicologia de Massas do Fascismo.
- FANTASMAS  A existência de uma repressão social que atinje a produçao desejante nao
afeeta absolutamente nada o nosso princip ́ io: o desejo produz real, ou a produção desejante
mais não é do que a produção social. Não se trata de reservar ao desejo uma forma de existência
particular, uma realidade mental ou psiq ́ uica que se opusesse à realidade material da produção
social..As nláquinas desejantes não são máquinas fantasmáticas ou onÍricas distintas das
máquinas técnicas e sociais, e que as viriam duplicar. Os fantasmas são antes expressões
segundas que derivam da identidade de dois tipos de máquinas num dado meio. O fantasma
nunca é, pois, individual; é fantasma de grupo, como o demonstrou a análise institucional. E se
há dois tipos de fantasmas de grupo, é porque a identidade pode ser lida em dois sentidos, ou
seja, conforme as máquinas desejantes sejam apreendidas nas grandes massas gregárias que
elas constituem, ou as máquinas sociais sejam relacionadas com as forças elementares do
desejo que as formam. Pode, pois, acontecer que no fantasma de grupo, a lib ́ ido invista o campo
social existente, mesmo nas suas formas mais repressivas; ou que, pelo contrário, execute um
contra-investimento que una o desejo revolucionário ao campo social existente (por exemplo, as
grandes utopias socialistas do século XIX funcionam, não como modelos ideais mas como
fantasmas de grupo, isto é, como agentes da produtividade real do desejo que tornam possiv́ el
um desinvestimento ou uma “desinstituição” do campo social actual, em proveito de uma
instituição revolucionária do próprio desejo). Mas entre as duas, entre as máquinas desejantes e
as máquinas sociais técnicas nunca existe uma diferença de natureza. De facto existe uma
distinção, mas só de regime, segundo relações de grandeza. São as mesmas máquinas mas
com regimes diferentes, e é isso que os fantasmas de grupo mostram (p. 34-35).
OBJETOS PARTIDOS, QUEIMADOS - A arte utiliza muitas vezes esta propriedade ao criar
verdadeiros fantasmas de grupo que curto-circuitam a produção social com uma produção
desejante, e introduzem uma função de avaria na reprodução de máquinas técnicas. (...) O artista
domina os objetos; integra na sua arte objectos partidos, queimados, estragados, para os
submeter ao regime das máquinas desejantes, que só funcionam se estiverem avariadas;
apresenta máquinas paranóicas, miraculantes, celibatárias, assim como máquinas técnicas,
pronto a minar as máquinas técnicas com máquinas desejantes. E mais: a própria obra de arte
é uma máquina desejante. O artista acumula o seu tesouro para uma explosão próxima, e é por
isso que se impacienta com o tempo que falta para que as destruições se venham a dar (p. 35).
- De facto, o que queremos dizer é que o capitalismo, no seu processo de produção, produz uma
formidável carga esquizofrênica sobre a qual faz incidir todo o peso da sua repressão, mas que
não deixa de se reproduzir como limite do processo. Porque o capitalismo nunca pára de
contrariar e de inibir a sua tendência, sem deixar, no entanto, de se precipitar nela; não pára de
afastar o seu limite sem deixar ao mesmo tempo de tender para ele. O capitalismo instaura ou
restaura todos os tipos de territorialidades residuais e factić ias, imaginárias ou simbólicas, sobre
as quais tenta, o melhor que pode, recodificar e fixar as pessoas derivadas das quantidades
abstractas. Tudo volta a aparecer - os Estados, as pátrias, as famiĺ ias. E é isto que torna o capita-
lismo, na sua ideologia, «a pintura matizada de tudo aquilo em que se acreditou» (p. 38).
- Deve-se a Lacan a descoberta do domin ́ io riquíssimo de um código do inconsciente enrolando
a ou as cadeias significantes; e de assim ter transformado a análise (o texto-base a este respeito
é La Lettre volée). Mas a sua multiplicidade torna este domin ́ io tão estranho que não podemos
continuar a falar de uma cadeia nem mesmo de um código desejante. Diz-se que as cadeias são
significantes porque são feitas de signos, mas estes signos não são significantes em si. O código
parece-se menos com uma linguagem do que com uma giŕ ia, formação aberta e pluriv́ oca. Os
seus signos são de uma natureza qualquer e indiferentes ao seu suporte (ou não será o suporte
que lhes é indiferente? O suporte é o corpo sem órgãos). Não obedecem a um plano, trabalham
a todos os niv́ eis e em todas as conexões; cada um fala a sua própria lin ́ gua, e estabelece
siń teses com outros, que sa ̃ o tanto mais directas em transversal quanto mais indirectas são na
dimensão dos elementos. As disjunções próprias destas cadeias ainda não implicam nenhuma
exclusão, surgindo só as exclusões devido a um jogo de inibidores e de repressores que
determinam o suporte e fixam o sujeito especifico e pessoal* (p. 42)
* Lacan. Ecrits, «Remarque sur le rapport de Daniel Lagache", Ed. du Seuil, p. 658: “... uma
exclusão vinda destes signos como tais só se pode exercer como condição de consistência numa
cadeia a constituir; acrescentemos que a dimensão em que essa condição se controla é
unicamente a tradução do que uma tal cadeia é capaz. Demoremo-nos ainda um pouco neste
loto. Para considerar que é a inorganizacão real pela qual estes elementos são misturados, no
́ a nos faz tirar à sorte ...».
ordinal, ao acaso, que na altura da sua said
- Se aqui existe uma escrita, é uma escrita com afirma do Real, estranhamente plurívoca, nunca
bi-univocizada, linearizada, uma escrita transcursiva e nunca discursiva: é todo o domin ́ io da
«inorganização real das sin
́ teses passivas, onde em vão procuraria
́ mos algo a que se pudesse
cha- mar o Significante, e que compõe e decompõe ininterruptamente as cadeias em signos que
nunca virão a ser significantes. A única vocação do signo é produzir desejo, e em rodos os
sentidos (p. 42).
- É este o segundo carácter da máquina: cortes-destacamentos que não se confundem com os
cortes-extracções. Estes têm por objecro fluxos contin
́ uos e remetem para os objectos parciais.
Aqueles dizem respeito às cadeias heterogéneas, e procedem por segmentos destacáveis,
stocks móveis, como blocos ou tijolos voadores (p. 43).
- O terceiro corre da máquina desejante é o corte-resto ou resid ́ uo, que produz um sujeito ao
lado da máquina, peça adjacente à máquina. E se este sujeito não tem uma identidade especif́ ica
nem pessoal, se percorre o corpo sem orgãos sem lhe quebrar a indiferença, é porque é, não
apenas uma pane ao lado da máquina, mas uma parte já dividida em si mesma, à qual retornam
partes correspondentes aos destacamentos da cadeia e às exrracções de fluxos realizados pela
máquina. Deste modo, o sujeito consome os estados por que passa e nasce destes estados,
sempre concluid ́ o destes estados como uma parte feita de partes, cada uma das quais ocupando,
por um momento, o corpo sem órgãos. O que permite a Lacan desenvolver um jogo mais
maquin ́ ico que etimológico, parere-procurar, separare-separar, se parere-engendrar-se a si
próprio - marcando o carácter intensivo deste jogo: a parte não tem nada a ver com o todo, joga
sozinha a sua parte (p. 44).
- A máquina desejante não é uma metáfora: é o que corta e é cortado, segundo três modos. O
primeiro modo remete para a sin ́ ido como energia de extracção.
́ tese conectiva, e mobiliza a lib
O segundo, para a sin ́ tese disjuntiva, e mobiliza o Numen como energia de destacamento. O
́ tese conjuntiva, e mobiliza a Voluptas como energia residual. É sob estes três
terceiro, para a sin
aspectos que o processo de produção desejante é simultaneamente produção de produção,
produção de registo e produção de consumo. Extrair, destacar, “restar”, é produzir, é efectuar as
operações reais do desejo.
- Estamos na idade dos objectos parciais, dos tijolos e dos restos. Já não acreditamos nesses
falsos fragnlentos que, como os pedaços de uma estátua antiga, esperam vir a ser completados
e reunidos para comporem uma unidade que é, também, a unidade de origem. Já não
acreditamos numa totalidade original nem sequer numa totalidade final. Já não acreditamos na
velha pintura de uma enfadonha dialéctica evolutiva, que pensa que pacificou os pedaços porque
lhes arredondou as arestas. Só acreditamos em totalidades ao lado. E se encontrarmos uma
totalidade ao lado das partes, ela será um todo dessas partes, mas que as não totaliza, uma
unidade de todas essas partes, mas que as não unifica, e que se lhes junta como uma nova parte
composta à parte (p. 45).
CAPÍTULO 2 – PSICANÁLISE E FAMILIARISMO. A SAGRADA FAMÍLIA
- Considera, POt um lado, para cada sujeito de um ou do outro sexo, uma série intensiva de
pulsões, afectos e rela- ções que ligam a forma normal e positiva do complexo à sua forma
inversa ou ne- gativa: é o Édipo de sétie, tal como Fteud o aptesenta em le Moi el le Ça, e que
permite, se necessário for, ligar as fases pré-edipianas ao complexo negativo. E, por outro lado,
considera a coexistência em extensão dos sujeitos em-si e as suas múl- tiplas interacções: é o
Édipo de grupo, que reúne colaterais, descendentes e ascen- dentes (é assim que a visiv́ el
resistência do esquizofrénico à edipianização, a ausên- cia evidente do laço edipiano, pode ser
anulada por uma constelação de avós, quer se pense ser necessária uma acumulação de três
gerações para produzir um psicótico quer se descubra um mecanismo ainda mais directo de
intervenção dos avós na psicose e que assinl se constituam Édipos do Édipo ao quadrado: a
neurose é o papá-mamã, mas a avozinha é a psicose) (p. 53).
- Freud “descobre” o complexo de Édipo em 1897 na sua auto-análise; mas que apenas o formula
teoricamente em 1923, em Le Moi et le Ça (...).
- A descoberta do inconsciente tem dois correlatos: primeiro, a descoberta da confrontação
directa da produção desejante com a produção social, das formações sintomatológicas com as
formações colectivas e portanto da sua identidade de natureza e da sua diferença de regime;
depois, a repressão que a máquina social exerce sobre as máquinas desejantes, e a relação do
recalcamento com essa repressão. É tudo isto que se perderá ou que, pelo menos, ficará
singularmente comprometido com a instauração do Édipo soberano. A associaçao ̃ livre, em vez
de se abrir às conexões plurívocas, fecha-se num impasse de univocidade. Todas as cadeias do
inconsciente são bi-univocizadas, linearizadas, suspensas num Significante despótico. Toda a
produção desejante é esmagada, submetida às exigências da representação, aos sombrios jogos
do representante e do representado na representação. Mas o que importa é que a produção do
desejo seja substituid ́ a por uma simples representação, tanto no processo de cura como na
teoria. O inconsciente produtivo é substituid́ o por um inconsciente que só se sabe exprimir pelo
mito, pela tragédia, pelo sonho (p. 56).
- A produção passa a ser só produção de fantasmas, produção de expressão. O inconsciente
deixa de ser o que é, fábrica, atelier, para se tornar um teatro, cena e encenação. E nem sequer
teatro de vanguarda, como já havia no tempo de Freud (Wedekind), mas um teatro clássico, uma
ordem clássica de representação. O psicanalista torna-se o encenador de um teatro privado - em
vez de ser o engenheiro ou o mecânico a montar unidades de produção, a lutar com agentes
colectivos de produção e de antiprodução (p. 57).

Referência

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Anti-Édipo. Capitalismo e Esquizofrenia 1. Tradução de


Joana Moraes Varella e Manuel Maria Carrilho. Lisboa: Assírio e Alvim, 2004. 1a ed. 1972.

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