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05/12/2017 EMBLEMAS DA NACIONALIDADE: 0 CULTO A EMBLEMAS DA NACIONALIDADE: OCULTOA EUCLIDES DA CUNHA (*) Regina Abreu eroorro toda a nossa histriae penso que Os Series sero no fur, para o Brasil, 0 grande livro nacional; o que Dom Quixote é para a Espanhe ou Os Lusiadas para Portugal; livro em que a raga encontra a floragdo de suas qualidade; o espinirl ds seus defeto, tudo que, ex suma,& sombra ou Iuzna vida dos povos. E. Roquette Pinto Apresentasio © ano de 1992 foi pontuado por celebragdes. Duzentos anos da morte de Tiradentes, quinhentos anos da descoberta da América, setenta anos da Semana de Arte Modema, setenta anos da derrubada do morro do Castelo e da criagdo do Museu Histérico Nacional. Os festejos estavam por toda parte, Comemoraram-se até os oitenta anos do bondinho do Pao de Agiicar! Em meio a tantas celebragSes, uma cidade no interior de Sio Paulo mobilizousse para uma festa especial. Em So José do Rio Pardo, de 9 a 15 de agosto, os moradores se reuniram para realizar mais uma "Semana Euclidiana", Celebraramese naquela cidade os noventa anos de publicagio de Os Serties e os oitenta anos de comemoragées euclidianas 4 hd muitos anos, Sdo José do Rio Pardo tomou-se a meca do euclidianismo. Para ld, todo o ano, durante o més de agosto, dirigem-se admiradores do cscritor Euclides da Cunha com o intuito de realizar um culto’'a sua meméria, O Prefeito, politicos locais, intelectuais, comerciantes, escolas ~ enfim, toda a cidade participa anualmente desse ritual celebrativo, De que mancira uma pessoa é escolhida para representar a nacionalidade? Ou seja: além de bandeiras, hinos, objetos relacionados a acontecimentos civicos, pessoas seriam convertidas em emblemas nacionais. Como se verifica esse processo? No ceaso do culto a Euclides da Cunha, que representages de nagdo estariam sendo atualizadas ritualmente? Interessa-me aqui analisar 2 identificagdo da nacionalidade brasileira com determinados individuos considerados “auténticos" representantes da brasilidade. Nesse sentido, vale a pena lembrar Dumont. Segundo esse autor, a nagio modema se caracteriza por ser concomitantemente uma "colegdo de individuos" e um "individuo coletivo". A nage apresenta-se em geral como uma entidade auténoma, definida independentemente de suas relagdes com o todo social (ou césmico). E desse modo ela pode ser identificada com individuos reais, sendo portadora dos mesmos atributos desses: cardter, personalidade, autonomia, vontade, meméria, entre outros (Dumont, apud Gongalves, 1988). Nesses casos, a nagio € associada a personalidades que, por sua vez, sio transformadas cem simbolos ou emblemas da nacionalidade. Essas personalidades sio qualificadas de diversas maneiras como "o grande escritor nacional”, “artista nacional”, "o nosso maior politico” Essa metamorfose implica ums monumentalizagdo da pessoa. Do mesmo modo que alguns "bens materiais" so tombados por um érgio destinado & preservagio do patriménio historico e artistico nacional, essas pessoas adquirem uma “aura” e uma significagdo especial, passando a integrar o patriménio cultural de uma naga. (1) Na maior parte dos Estados-nagées em que se observa esse fenémeno, a monumentalizago de pessoas nio esté associada a nenhuma politica deliberada de um érgio especitico criado para esse fim. Ela ocorre como um fenémeno social, resultado de embates de um complexo jogo de forsas sociais. Trata-se de um fendmeno até certo ponto invisivel e de dificil apreensdo. (2) No caso brasileiro, © processo de monumentalizagd de individuos evidencia-se especialmente significative. Como assinalou José Murilo de Carvalho, 0 Brasil, comparado com outros Estados-nagSes como a Franga ¢ os Estados Unidos, parece carecer de simbolos realmente fortes capazes de aglutinar a populagao em tomo de uma tradiga0 nacional, Carvalho sinaliza 0 quanto essa caréncia de simbolos vem contribuindo para fragilizar a construgio de uma identidade nacional: sendo as nagSes modernas essencialmente "comunidades imaginérias", fundadas até certo ponto arbitrariamente, o poder unificador dos simbolos tem emergido muitas vezes como crucial. E também através dele que tem sido possivel garantir a adesio social necesséria 20 projeto nacional, formando o que Baczeo chamou "comunidade de sentido”. (3) Mas se de fato existe uma caréncia de simbolos no cenério nacional, o processo de monumentalizagdo de individuos pode estar apontando para um desses casos de excesdo, Freqlientemente deparamo-rios com individuos (Vives e mortos) consagrados identificados com a nacionalidade. Ha o culto aos mortos, como o culto a Euclides da Cunha cm Sio José do Rio Pardo, o culto a Monteiro Lobato em Taubaté, 0 culto a Luiz Gonzaga em Exu, 0 culto a Vitalino em Carvaru, Entre a escotha em vida de individuos para simbolizar a nago, parcce-me exemplar 2 escolha do escritor Barbosa Lima Sobrinho como cidadio nimero um do Brasil durante o processo de votago do impeachement do Presidente Collor. Refletir sobre © processo de identificagiio de nacionalidades com individuos pode forecer pistas importantes para a compreensio de representagdes da nacionalidade. Por meio deste artigo viso apresentar uma atualizagio da idéia de nago no caso itp lw anpoes.orgbriporalpublicacoesirbcs_00_24irbcs24_05.him ane. 05/12/2017 EMBLEMAS DA NACIONALIDADE: 0 CULTO A brasileiro através do culto a um individuo-monumento. Procuro analisar os grupos sociais envolvidos no processo de construgdo desse bem simbélico. Apresento ainda uma caracteristica bastante peculiar do culto a Euclides da Cunha em So José do Rio Pardo, no interior de Sa0 Paulo: a luta por espago intelectual frente ao poder hegemdnico dos grandes centros. Lugares de mem A expresso "lugares de meméria", formulada pelo historiador francés Pierre Nora, pareceu-me instigante para a andlise do cuclidianismo em So José do Rio Pardo. No entender desse autor, nas sociedades modernas a acentuada fragmentagdo da vida coletiva e a crescente valorizagio do individuo estariam gerando uma tendéncia a desagregagio dos lagos de continuidade. O advento da modernidade no Ocidente teria sido responsavel pelo dectinio de um tipo de sociedade que tinha na meméria um de seus principais sustentéculos. Essas sociedades, chamadas "tradicionais", asseguravam a passagem regular do passado ao futuro ou indicavam, do passado, 0 que era necessario reter para preparar o futuro, Num processo crescente, os tempos modemnos estariam sinalizando 0 enfraquecimento dossas. sociedades-meméria ou com forte capital memorial, tal como certos agrupamentos familiares. (4) Nora indica que teria surgido a necessidade de criagdo de "lugares" para a preservagdo de memérias coletivas antes geridas pelos préprios grupos sociais: Assim, chama "lugares de meméria" tanto lugares materiais como museus, drgdos criados para a preservagdo do patriménio nacional e arquivos, quanto lugares pouco palpiveis ou imateriais como aniversirios, celebragdes, elogios fiinebres (Nora, 1984). As indicagSes de Nora sobre as conseqiiéncias do advento da modemidade sobre a vida social tém o mérito de sublinbar questdes especificas relativas ao campo da meméria, Mas é importante assinalar que outros autores, embora nao tenham se detido na temitica especifica da meméria, também se destacaram com importantes contribuigSes sobre o tema do impacto das grandes transformagoes nas sociedades modernas. Entre eles encontram-se obras de Karl Polanyi, Norbert Elias, Louis Dumont e Pierre Bourdieu. (5) Um dos propésitos de Pierre Nora tem sido organizar, jo de colaboradores, um inventirio dos "lugares de meméria" na Franga, O historiador francés prope a exploragdo de todos os sentidos da categoria "lugares", dos mais materiais ¢ cconcretes — como os monumentos aos mortos ¢ os arquivos nacionais — aos mais abstratos e intelectualmente construidos, como & nogio de linbagem, de geragdo, ou mesmo de regio ¢ de "homem-meméria": do lugar mais sacralizado, como Reims, ao mais hhumilde manual com ensinamentos sobre a na¢o para criangas. Das crdnicas de Saint-Denis, do século XIII, até 0 Trésor de la langue francaise, ainda inacabado; passando pelo Louvre, a Marseillaise ¢ a enciclopédia Larousse, Nora sugere ainda que ao lado dos “lugares” inevitaveis da meméria nacional, sejam buscados os lugares menos evidentes, como o calendario republicano, & ‘mesmo os lugares desconhecidos, como a biblioteca popular do Marais ou o Dicionario de pedagogia de Ferdinand Buisson, S20 cesses lugares sem gléria, pouco freqiientados pela pesquisa ¢ desaparecidos de circulagdo, que explicitariam melhor que se designa por “lugares de meméri itp lwww.anpoes.orgbriporalpublicacoesirbcs_00_24irbcs24_05.him 218 05/12/2017 EMBLEMAS DA NACIONALIDADE: 0 CULTO A Retrato de Euclides da Cunha na porta do “Colégio Estadual Euclides da Cunha” em So José do Rio Pardo ‘A expresstio "lugares de meméria" serve como ponto de partida para este artigo. Dela retenho a idéia central de um "lugar" ‘onde o tempo transcorre num ritmo diverso daquele em vigor num mundo em permanente e acelerado processo de transformagao, Nora assinala que a razio de ser fundamental de um "lugar de met ste em bloquear 0 trabalho do esquecimento, fixar tum estado de coisas, imortalizar a morte, materializar o imate ‘guardar o maximo de sentidos num minimo de itp lwww.anpoes.orgbriporalpublicacoesirbcs_00_24irbcs24_05.him ane

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