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21/10/2018 Eleições 2018: Gays, negros e indígenas já sentem nas ruas o medo de um governo Bolsonaro | Brasil | EL PAÍS Brasil
Giulianna Nonato, em uma oficina de costura para mulheres trans em São Paulo. DIEGO PADGURSCHI
Há uma semana, W.D. 34 anos, parou de andar de mãos dadas com o marido nas ruas
de Porto Alegre. Ambos, que sempre se sentiram cômodos com sua homossexualidade,
tomaram a decisão depois do resultado do primeiro turno das eleições, no dia 7 de
outubro, que deu grande vantagem ao candidato de extrema direita Jair Bolsonaro, com
46% dos votos. “Vimos que a nossa atitude em público teria que mudar, não
poderíamos mais trocar carinho na rua porque sentimos uma reação muito agressiva à
nossa simples existência”, conta W. D., gerente de uma empresa do ramo imobiliário. O
medo é um sentimento latente entre o coletivo LGBT, negros, indígenas e outras
minorias atacadas por Bolsonaro, que lidera a corrida eleitoral para o Planalto e que tem
um longo histórico de declarações racistas, misóginas e homofóbicas. Sua chegada à
presidência é percebida como a legitimação de comportamentos que ultrapassam o
limite do aceitável. Em campanha, o candidato já negou diversas vezes que seja
homofóbico ou racista. Porém, suas falas contundentes em vídeos passados não
escondem o desprezo que já empregou pelo que lhe parece diferente.
Giulianna Nonato, de 26 anos, sempre teve medo de sair na rua, mesmo antes de
identificar-se como travesti. “Antes de me apresentar com um corpo feminino, era uma
bicha, então minha vida sempre foi marcada por bullying e violência”, conta em São
Paulo. Nas últimas semanas, depois dos vários casos de agressão e assassinatos
motivados por questões políticas no Brasil, o medo da jovem aumentou. Em 10 dias,
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pelo menos duas pessoas foram assassinadas e outras 70 sofreram agressões por
conta de seus posicionamentos políticos, de acordo com levantamento do Open
Knowledge Brasil e Agência Pública. Os dados mostram que em seis dos casos as
vítimas foram apoiadores de Bolsonaro; as demais foram agredidas por pessoas afins a
ele.
‘Onda Bolsonaro’
deve impulsionar Mais do que as agressões físicas durante o período eleitoral, Nonato
projetos
conservadores no
teme a “violência institucional” de um possível Governo
Congresso conservador, que pode modificar ou anular direitos sociais
garantidos por lei, como o Protocolo Transexualizador, que assegura
atendimento no SUS aos cidadãos trans, incluindo o terapias
hormonais e cirurgias. “Atualmente, já enfrentamos uma escassez de hormônios e
temos que esperar meses na fila para uma simples consulta médica… isso pode piorar”,
lamenta a jovem.
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Para a ativista Melina Kurin, bissexual de 33 anos casada com uma mulher trans, a
situação é de “pânico” na comunidade LGBT. Ela traz de volta à memória um passado no
Brasil de repúdio à vida dos trans nos tempos da ditadura. Naquela época, a Operação
Tarântula contava com forças policiais que prendiam, torturavam e matavam travestis e
transexuais. Por agora, há um temor de que esses ecos voltem a soar no país. “As
pessoas que já te olhavam com ódio agora te olham como se você fosse a
personificação do mal que Bolsonaro pretende combater. Ele se apresenta como o
salvador da pátria, então seus inimigos se convertem em inimigos do povo”, comenta
sua mulher, a socióloga Leona Wolf, de 36 anos, que compara a situação no Brasil com a
campanha de Donald Trump em 2016, quando aumentaram as agressões racistas e
xenófobas nos EUA. “Sei que não vamos ter aqui campos de concentração para
homossexuais, como na Chechênia, mas tenho, sim, receio de que cheguemos a uma
situação como a Rússia de Putin", acrescenta.
Susane Souza, de 45 anos, e Camilla Silva, de 22, ambas mulheres negras da periferia,
têm sofrido crises de ansiedade nos últimos dias. “Tenho medo de ser assassinada”,
resume Silva, enquanto Souza teme por seu filho adolescente: “Não quero que um filho
meu seja apontado na rua, agredido simplesmente pela cor da sua pele”.
Esse medo ao ódio que têm marcado as eleições não se restringe às grandes cidades.
Nas aldeias indígenas, líderes políticos e religiosos expressam sua preocupação ante um
possível retrocesso nas leis ambientais que protegem seus territórios. “Nosso principal
temor é que ele [Bolsonaro] libere a mineração em nossas reservas naturais”, explica
Cristine Takuá, de 38 anos, coordenadora de uma comunidade guarani no interior de
São Paulo.
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Giulianna Nonato tem a mesma postura. "Vamos defender tudo que já conquistamos.
Acredito muito na força dos movimentos sociais", diz. Ela conta geralmente conversa
com outras travestis e transexuais que sofreram os anos mais duros do regime militar e
que elas lhe aconselham a não deixar-se paralisar pelo medo. O psicanalista Christian
Dunker, professor da Universidade de São Paulo, defende que isso é o que se deve fazer.
Dunker comenta que o Brasil sempre foi violento —lidera o ranking de homicídios por
arma de fogo e é o país onde mais pessoas LGBT são assassinadas no mundo— e que o
que ocorre agora é uma “sensação de medo intensificada no subconsciente coletivo”.
“Em momentos de tanta tensão política, é comum que nos lembremos dos maus
exemplos históricos, como a ditadura, mas precisamos saber que não é a mesma coisa",
diz. “As pessoas nas favelas enfrentam, infelizmente, uma violência diária e continuam
vivendo. É hora de aprender desses mais vulneráveis estratégias de sobrevivência
emocional, para não se render".
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política tem acontecido mais nas redes sociais e, mesmo assim, não tenho perfil
público”. Ele admite que se sente intimidado, especialmente pelo anonimato da
mensagem, que utilizou um email falso. “Isso quer dizer que pode ser qualquer pessoa
ao meu redor que está me ameaçando”, observa ele, que já denunciou o caso à Polícia
Federal. “O clima é de profunda preocupação e medo na academia. O cerceamento do
livre pensamento está brotando e tomando uma forma cada vez mais assustadora”,
conclui.
Ela decidiu tirar um livro do teórico Karl Marx do expositor onde a biblioteca mostra os
itens recém adquiridos para os frequentadores. “Foi para proteger a instituição, não me
senti confortável, pensei que poderia vir alguém do MBL tentando achar alguma coisa…
fiquei em dúvida pois (colocar os lançamentos no expositor) é uma coisa tão sem
intenção, tão rotineira, mas pensei que até convencer, dar explicação e provar que não
somos doutrinadores… não sei. Tirei e guardei na estante, junto com outros livros”,
relata.
Ela também tem controlado as postagens que a biblioteca faz para divulgar sua coleção.
Temáticas que ganharam relevância nos últimos anos e que demandam literatura para
pesquisa, como os movimentos LGBT, feminista e negro estão sendo diluídos
propositalmente para evitar “falsas interpretações, para não inventarem o que não é”,
assegura.
O nível de ansiedade chegou ao ponto máximo depois que livros com a temática de
direitos humanos foram rasgados na biblioteca da Universidade de Brasília (UnB). Foi a
deixa para P.P. avisar a colegas que se o clima piorasse, ela estava disposta a levar parte
do acervo que toma conta para sua casa, como medida de proteção. “Antes a gente
falava em censura num tom de brincadeira, agora a gente não ri mais”.
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