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Fórmula da minha composição ideológica

Alguns leitores cobram-me uma autodefinição ideológica. Outros, mais solícitos,


apressam-se em fazê-la por mim, catalogando-me seja como neoliberal, seja como
anarquista, seja como conservador, seja até como fascista e o diabo a quatro. Surdo às
demandas dos primeiros, que me parecem artificiais e de puro capricho, não posso, no
entanto, permanecer insensível ante os esforços dos segundos, que traduzem, a olhos
vistos, um anseio genuíno e profundo de suas almas, e, mais que um anseio, uma
necessidade vital absoluta, a qual, se não atendida, acaba por se atender a si mesma como
um estômago de pobre que, desprovido de alimento, se autodigere mediante uma úlcera.
Essas pessoas, com efeito, não sabendo o que fazer de suas vidas sem um catálogo
ideológico de tudo, e não dispondo de informações cabais sobre a minha personalidade
política, acabam por construí-la com pedaços de si mesmas, colhidos nos bas fonds dos
seus respectivos subconscientes e constituídos substancialmente de temores, suspeitas,
fantasias macabras e uma vasta coleção de demônios.

Não suportando mais ver tanto sofrimento inútil, nem me conformando com tamanho
desperdício de criatividade que mais utilmente se empregaria no hobby literário, ao qual
algumas dessas criaturas aliás se dedicam nas horas vagas de seu penoso mister
catalogante, decido-me, pois, a fornecer enfim meu perfil ideológico, e não apenas meu
perfil de ambos os lados mas também meu auto-retrato de frente e de costas. Direi, em
suma, o que vocês querem saber, que não é necessariamente o que vocês querem ouvir.
Infelizmente, não posso me definir com uma só palavra, como seria do gosto de tantos,
pela simples razão de que não acredito haver algum conceito abrangente capaz de juntar,
numa só unidade compacta, as diferentes atitudes e opiniões de um indivíduo ante os
diversos setores da vida. O tipo assim descrito teria a coerência em bloco de uma
caricatura, de um Idealtypusweberiano ou de um arquétipo platônico, mas nada teria de
um ser humano1.

Toda fórmula ideológica pessoal compõe-se de um amálgama de preferências e repulsas


variadas, umas referentes à política, outras à moral, outras à religião, outras à vida
econômica e assim por diante. Esses vários elementos não formam quase nunca uma
unidade coerente, embora tendam à coerência como numa assíntota, aproximando-se dela
sem jamais alcançá-la. Tal esforço de coerenciação denomina-se, precisamente, filosofia,
uma atividade que, pela própria natureza, é constante e sempre inacabada.

Não podendo, portanto, me definir com um termo unívoco, limito-me a dar uma lista dos
vários elementos que compõem, como podem, minha ideologia pessoal.
1. Em economia, sou francamente liberal. Acho que a economia de mercado não só é
eficaz, mas é intrinsecamente boa do ponto de vista moral, e que a concorrência é
saudável para todos. Há dois tipos de pessoas que não gostam da concorrência: os
comunistas e os monopolistas. Às vezes é difícil distingui-los. Quem foi que disse:
“A concorrência é um pecado”? O Dr. Leonardo Boff adoraria ter dito, mas não disse.
Quem disse foi John D. Rockefeller. E, como se vê pelo episódio bíblico de Marta e
Maria (ou de Esaú e Jacó), a concorrência não é pecado nenhum. Pecado é um sujeito
ser John D. Rockefeller ou o Dr. Leonardo Boff.
Como liberal sou contra o socialismo e contra toda forma de Estado corporativo, seja de
estilo mussoliniano, seja católico. Acredito, com Sto. Tomás, que há um preço justo para
cada coisa. Mas, como observavam os conimbricenses, o número de variáveis a levar em
conta no cálculo do preço justo é ilimitado, e a única maneira de encontrá-lo é deixar que
as pessoas discutam livremente e admitir que, de algum modo, vox populi, vox Dei. O
Estado existe apenas para impedir que os concorrentes se comam vivos, para assegurar
as condições logísticas da prática do liberalismo e para, last not least amparar in
extremis quem não tenha a mínima condição de concorrer no mercado.

2. Em religião, sou tradicionalista e conservador. Não, não sou eu que sou assim. Religião é
tradição e conservação. É o fator de imutabilidade que faz contraponto à História, e sem o
qual o movimento não seria sequer percebido. Por isto, o Concílio Vaticano II podia ter
mexido em tudo, menos no essencial: o rito e a doutrina. Ao contrário, ele virou o essencial
de pernas para o ar, apegando-se idolatricamente à imutabilidade do secundário, como por
exemplo o celibato dos padres. Tendo invertido o senso das proporções, o Concílio tornou a
Igreja uma instituição insensata e ridícula, que condena seus próprios santos enquanto se
prosterna ante os inimigos. Mas não defendo a imutabilidade só do Catolicismo: acharia uma
insensatez mudar uma só palavra do Corão, da Torá ou dos Vedas.

3. Em moral, sou anarquista. Acredito que há princípios morais universais, permanentes, que
a inteligência discerne por baixo da variação acidental das normas e costumes, e acredito,
enfim, que há o certo e o errado. Mas, por isso mesmo, impor o certo é errado, a não ser em
caso de vida ou morte. O sujeito que faz o certo só por obediência e sem compreendê-lo
acaba por transformá-lo no errado. “Experimentai de tudo e ficai com o que é bom”,
recomendava S. Paulo Apóstolo, meu amado guru. É uma questão de viver e aprender. Mas
como podemos aprender, se um tirano paternalista nos proíbe de errar? Por isto deve haver
a mais ampla liberdade de escolha e de conduta, e a autoridade religiosa deve se limitar a
ensinar o certo, com toda a paciência, sem tentar expulsar o pecado do mundo à força. E se
nem os religiosos, que por sua dedicação à vida interior têm autoridade para falar dessas
coisas, devem impor regras morais à força, muito menos deve fazê-lo o Estado, que afinal
não passa de uma gerência administrativa, a coisa mais mundana e prosaica que existe. As
leis devem fundar-se apenas em considerações práticas de ordem, segurança e interesse
coletivo, muito corriqueiras, e jamais em motivos pretensamente elevados de ética, que
terminam por fazer da burocracia estatal um novo clero, e do Código Penal um novo
Decálogo. A coisa mais nojenta que existe é a metafísica estatal.

4. Em educação, sou mais anarquista ainda: não acredito em ensino obrigatório do que quer
que seja e noto que a expansão hipertrófica do sistema de ensino, público ou privado, só cria
novas formas de analfabetismo. Acho que a educação deveria ser livre, que cada um deve
buscá-la na medida de suas necessidades, e considero uma monstruosidade totalitária que,
após proclamá-la um direito, o Estado moderno faça dela um direito obrigatório. Acho aliás
que o mesmo se dá com muitos outros “direitos”, que você acaba exercendo a muque ou sob
pena de prisão. Era um absurdo que as mulheres não pudessem trabalhar, mas é um absurdo
maior ainda que, obrigadas a trabalhar, não possam ficar em casa para criar seus filhos.
Complementarmente, é um crime que se obrigue uma criança a fazer trabalho de adulto, mas
é um crime maior ainda que ela seja impedida de ganhar seu próprio dinheiro, fazendo, se
quiser, um trabalho que esteja à altura de suas capacidades e que, no fim, há de educá-la
muito mais do que qualquer escola. Tornei-me jornalista ainda quase um menino, aos
dezessete anos, e aprendi na redação o que três décadas de escola não me ensinariam. Esta
porcaria de governo que temos hoje me tiraria de lá e me poria numa escola para aprender
português nos livros de Paulo Coelho.
5. Em política internacional, e sobretudo em comércio internacional, sou
radicalmente nacionalista, protecionistae tudo o mais que os globalistas odeiam. Isso não
quer dizer que eu seja contra a globalização da economia. Muito menos há aí qualquer
contradição com a crença liberal acima subscrita. Apenas, entendo que globalismo não é o
mesmo que monopolismo das grandes multinacionais, e que, assim como estas se associam
umas com as outras – e com certos Estados – para ficar mais fortes, é justo que o empresário
nacional, sobretudo o pequeno, busque apoio do seu próprio governo para não ser esmagado
pelos monopólios internacionais. Aí a intervenção do Estado não é contra o liberalismo ou a
concorrência: ela é, ao contrário, o fator equilibrante que impede a extinção do liberalismo
e sua substituição pelo monopolismo. O mais detestável dos socialismos é o socialismo dos
ricos.

6. Em filosofia, sou realista, meus gurus sendo Aristóteles, Sto. Tomás, Leibniz, Husserl e
Xavier Zubiri, todos os quais afirmam o poder humano de conhecer as coisas como são.
Husserl e Zubiri, no meu entender, foram os únicos filósofos realmente grandes deste século,
e perto deles um Foucault ou um Deleuze são apenas meninos de escola. Acho que
marxismo, estruturalismo, desconstrucionismo, psicanálise, neo-relativismo,
neopositivismo, etc. etc., são filosofias boas para analfabetos funcionais e portanto atendem
a uma autêntica necessidade social criada pela rápida expansão do ensino universitário, onde
é preciso fabricar professores cada vez mais rápido e cada vez mais barato. Ler o Dr. Freud,
Poulantzas, La Pensée Sauvageou Richard Rorty já é esforço bastante para essa gente, que
morreria de congestão cerebral após meia página de Zubiri ou das Investigações Lógicas.

7. Em História, acredito na relatividade do progressoe acho que todo progresso se paga com
perdas que nem sempre valem a pena. É claro que aprecio os computadores e os direitos
constitucionais, mas penso nos milhões de vidas humanas que foram sacrificadas no altar do
progresso e me pergunto se nós, sobreviventes, não saímos diminuídos moralmente pelos
próprios benefícios que recebemos2. Um índio, que anda pelado no meio do Xingu, não tem
Internet mas não carrega, nas costas, o peso de tantos pecados históricos. O progresso, sem
dúvida, é vantajoso. Mas não tem a dignidade de um genuíno ideal moral. É apenas uma
conveniência prática, e quando procura se enfeitar com uma ideologia autoglorificadora,
com as pompas de uma utopia futurista, sobretudo “científica”, aí, meus filhos, é que ele se
encarna num Robespierre, num Lênin, num Hitler, num Mao, num desses monstros que os
séculos antigos não poderiam sequer imaginar. Gosto do progresso, não nego. Mas não sou
seu entusiasta e não sacrificaria, por ele, a vida de um cabrito. O progresso tanto mais vale
quanto menos custa.

8. Em todos os domínios e circunstâncias, sou contra o governo mundial.Ninguém deve


governar o mundo, senão Deus. A ONU, a Unesco, o Banco Mundial, as grandes corporações
multinacionais, a Internacional Socialista e todas as entidades do gênero são para mim a
encarnação mesma da megalomania e do desejo ilimitado de poder. Isso não quer dizer que
os Estados nacionais sejam anjinhos, pois, como já informava a Bíblia, “os anjos das nações
são demônios”. Quer dizer apenas que o chefe mundial dos demônios é muito pior do que
todos eles somados.

Que as pessoas acostumadas a identificar globalização e liberalismo não vejam aí


contradição alguma. A unificação política e administrativa do mundo não beneficiará o
liberalismo, mas o extinguirá para sempre, instituindo a “Terceira Via”. Que é a Terceira
Via? É aquela síntese de capitalismo e socialismo que, resguardando a liberdade de
movimento para as grandes empresas que apoiam o governo, planeja, controla e
determina tudo o mais. Essa síntese não é nova. Surgiu na década de 20 e se chama
fascismo. Naquela época o fascismo era coisa de escala nacional. Hoje querem fazer um
fascismo mundial e, para disfarçar, fazem campanhas alarmistas contra os remanescentes
do fascismo old style, como Le Pen e o Dr. Enéias, os mais autênticos bois-de-piranha da
boiada universal. Para enfrentar o governo mundial é preciso criar um novo nacionalismo,
liberal, democrático, inteligente, capaz de tomar parte no jogo da globalização sem deixar
que transformem nosso país numa província ou numa colônia de férias para turistas
sexuais. E para isso é preciso resistir ao maquiavélico jogo duplo que, de um lado,
exaltando falsamente o liberalismo, tudo submete a um planejamento global e, de outro,
incentivando maliciosamente reivindicações socialistas malucas e toda sorte de
ressentimentos doentios, divide o povo, desorienta os intelectuais, debilita o Estado
brasileiro e nos deixa, a todos, à mercê do poder multinacional.
Foi para atender aos ditames dessa minha ideologia compósita, segundo as várias
exigências que me parecessem mais razoáveis no momento e na situação, que já tive a
ocasião de votar em Lula e em Roberto Campos, em Maluf e Brizola, em Ulisses
Guimarães e em Delfim Netto, em Franco Montoro e em Fernando Henrique Cardoso.
Não votei em Collor: tomei um Engove e votei no Lula. Na eleição seguinte, não votei
em Lula: tomei um Engove e votei em FHC. Mas escolhi sempre conforme o detalhe
concreto do que estivesse em discussão e não conforme aquela linearidade rígida de quem
é “direitista” ou “esquerdista” como se torce pelo Coríntians ou se crê em Jesus Cristo:
de uma vez por todas e por toda a vida. Pois esta coerência só se pode ter nas coisas
profundas, duráveis e do coração, e não nessa agitação epidérmica que é a política, onde,
sem aviso prévio, de repente as pessoas, idéias e coisas se convertem em seus contrários.

NOTAS:
1. Talvez por isso os líderes de maior coerência ideológica em bloco, na história do
nosso país, foram também os mais estéreis politicamente, como Carlos Lacerda e
Luís Carlos Prestes, ao passo que outros deixaram obra mais durável justamente
porque se permitiram ajustes e combições “pragmáticas”.
2. Isso não implica a adesão a nenhuma teoria maluca da “culpa coletiva”. O que digo
é que nos tornamos culpados, individual e concretamente, pelos custos do progresso,
na medida em que aceitamos seus benefícios levianamente, sem gratidão consciente
pelas gerações que se sacrificaram por nós.

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