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Boaventura de Sousa Santos

bsantos@sonata.fe.uc.pt

A Judicialização da Política
Publicado no Público em 26 de Maio de 2003

As relações entre o sistema judicial e o sistema político atravessam um momento de tensão sem
precedentes cuja natureza se pode resumir numa frase: a judicialização da política conduz à
politização da justiça. Há judicialização da política sempre que os tribunais, no desempenho
normal das suas funções, afectam de modo significativo as condições da acção política. Tal
pode ocorrer por duas vias principais: uma, de baixa intensidade, quando membros isolados da
classe política são investigadores e eventualmente julgados por actividades criminosas que
podem ter ou não a ver com o poder ou a função que a sua posição social destacada lhes
confere; outra, de alta intensidade, quando parte da classe política, não podendo resolver a
luta pelo poder pelos mecanismos habituais do sistema político, transfere para os tribunais os
seus conflitos internos através de denúncias cruzadas, quase sempre através da comunicação
social, esperando que a exposição judicial do adversário, qualquer que seja o desenlace, o
enfraqueça ou mesmo o liquide politicamente. No momento em que ocorre, não é fácil saber se
um dado processo de judicialização da política é de baixa ou de alta intensidade. Só mais
tarde, através do seu impacto no sistema político e judicial, é possível fazer tal determinação.
Enquanto a judicialização de baixa intensidade retira a sua importância da notoriedade dos
investigados, a de alta intensidade retira-a da natureza dos conflitos subterrâneos que afloram
judicialmente. É, por isso, que só esta última tende a provocar convulsões sérias no sistema
político.
À luz destas considerações, pode concluir-se que a "operação mãos limpas", desencadeada pelo
Ministério Público italiano, no início da década de noventa, constituiu uma judicialização da
política de alta intensidade, enquanto a que ocorreu ao longo da década na Espanha, Bélgica e
França foi de baixa intensidade. Pelas mesmas considerações, não é possível saber neste
momento se estamos, entre nós, perante uma judicialização da política de baixa ou de alta
intensidade. Qualquer que seja o caso, uma coisa é certa: a judicialização da política está a
conduzir à politização da justiça. Esta consiste num tipo de questionamento da justiça que põe
em causa, não só a sua funcionalidade, como também a sua credibilidade, ao atribuir-lhe
desígnios que violam as regras da separação dos poderes dos órgãos de soberania. A politização
da justiça coloca o sistema judicial numa situação de stress institucional que, dependendo da
forma como o gerir, tanto pode revelar dramaticamente a sua fraqueza como a sua força. É
cedo para saber qual dos dois resultados prevalecerá, mas não restam dúvidas sobre qual o
resultado que melhor servirá a credibilidade das instituições e a consolidação da nossa
democracia: que o sistema judicial revele a sua força e não a sua fraqueza. Revelará a sua
força se actuar celeremente, se mostrar ao país que, mesmo em situações de stress, consegue
agir segundo os melhores critérios técnicos e as melhores práticas de prudência e consegue
neutralizar quaisquer tentativas de pressão ou manipulação.
A complexidade do momento presente reside em que os portugueses não podem por agora
obter resposta para duas questões que os assaltam: quais as razões da judicialização da política
em curso? É perigosa ou é salutar para a nossa democracia? Por agora, teremos de nos
contentar em analisar as manifestações da politização da justiça que decorrem dela e tentar
identificar, a partir dela, os parâmetros de respostas futuras. Identifico três manifestações
principais: as relações entre os meios de comunicação social e o sistema judicial; a polémica
sobre o segredo de justiça; e a polémica sobre a prisão preventiva.
1. A politização da justiça transforma a plácida obscuridade dos processos judiciais na
trepidante ribalta mediática dos dramas judiciais. Esta transformação é problemática devido às
diferenças entre a lógica da acção mediática, dominada por tempos instantâneos, e a lógica da
acção judicial, dominada por tempos processuais lentos. É certo que tanto a acção judicial
como a acção mediática partilham o gosto pelas dicotomias drásticas entre ganhadores e
perdedores, mas enquanto o primeiro exige prolongados procedimentos de contraditório e
provas convincentes, a segunda dispensa tais exigências. Em face disto, quando o conflito entre
o judicial e o político ocorre nos media, estes, longe de serem um veículo neutro, são um
factor autónomo e importante do conflito. E, sendo assim, as iniciativas tomadas para atenuar
ou regular o conflito entre o judicial e o político não terão qualquer eficácia se os meios de
comunicação social não forem incluídos no pacto institucional. É preocupante que tal facto
esteja a passar despercebido e que, com isso, se trivialize a lei da selva mediática em curso.
2. Num contexto de politização da justiça, o problema do segredo de justiça é o problema da
violação do segredo de justiça. O que se está a passar neste domínio é uma vergonha nacional.
Não deixa de ser paradoxal que, num momento político-judicial que se apresenta como de luta
contra a tradicional impunidade dos poderosos, quem quer que tenha poder para violar o
segredo de justiça o possa fazer impunemente. O segredo de justiça protege tanto os interesses
da investigação criminal como o bom nome e a privacidade dos arguidos. Sobretudo no domínio
da criminalidade complexa, o segredo de justiça é uma condição de eficácia da investigação e,
por isso, o respeito pelos direitos dos arguidos não está na atenuação do segredo. Está na
aceleração do inquérito criminal por parte do Ministério Público e, portanto, na dotação das
condições para que tal seja possível. A vulnerabilidade do segredo de justiça numa situação de
stress institucional reside no facto de os que estão interessados em destruir o bom nome dos
arguidos têm a cumplicidade dos que pretendem descredibilizar a investigação.
3. A prisão preventiva é tão importante à eficácia da investigação criminal quanto o segredo de
justiça, mas, ao contrário deste, pode e deve ser substituída por medidas alternativas sempre
que possível. O excesso de prisão preventiva entre nós resulta da morosidade da justiça e do
tipo de criminalidade. Não há dados fiáveis sobre a incidência total da prisão preventiva. Há-os
apenas sobre os presos preventivamente em processos à data de julgamento, estando assim
excluídos os presos em fase de inquérito a que se não seguiu acusação e os que, tendo sido
acusados, viram a prisão preventiva substituída por outra medida antes do julgamento. Do total
dos processos julgados em 2001, 2,4% dos réus estavam em prisão preventiva. Desses, 44% eram
julgados por crimes de droga; 19% por roubo; 15% por furto qualificado; 5,6% por homicídio. Dez
anos antes, em 1991, 1,8% dos réus estavam em prisão preventiva, dos quais 49% por furto
qualificado, 14% por crimes de droga, 11% por roubo e 7% por homicídio. A grande diferença
reside no facto de os crimes de droga terem quadruplicado em dez anos, crimes para os quais o
juiz não vê muitas vezes alternativa à prisão preventiva para que a actividade criminosa não
continue a ser praticada. Em 2000, 92,7% dos réus em prisão preventiva foram condenados; dez
anos antes, essa percentagem foi de 95,6%. Ao longo da década, aumentou a duração média da
prisão preventiva. Em 1992, em 54,2% dos casos, durou até 6 meses, e em 2,7% mais de 18
meses. Em 2001, os números foram, respectivamente, 31,4% e 5,8%. Não são fáceis as
estatísticas comparadas neste domínio. Por exemplo, enquanto entre nós, se houver recurso
depois da condenação em primeira instância, o réu continua tecnicamente em prisão
preventiva até à decisão transitar em julgado, em vários países europeus a prisão preventiva
termina com a decisão da primeira instância, o que obviamente faz encurtar a sua duração.
Estes dados talvez nos ajudem a reflectir que, embora dramatizado em fase de politização da
justiça, o problema da prisão preventiva tem pouco a ver com esta.

Centro de Excelência - Processo de Avaliação de Unidades de Investigação do Ministério da Ciência e da


Tecnologia, 1999
CES Centro de Estudos Sociais
Centro de estudos sociais da faculdade de economia da universidade de coimbra
01/02/04 - http://www.ces.fe.uc.pt/opiniao/bss/078.php

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