Sie sind auf Seite 1von 9

Revista de Psicologia ISSN 2179-1740

HISTÓRIAS DE MORTE E LUTO: UM ESTUDO SÓCIOANTRO-


POLÓGICO DA VIVÊNCIA DA MORTE EM UM GRUPO
Revista
OPERATIVO NO CRAS.
de Psicologia STORIES OF DEATH AND GRIEF: A STUDY OF SOCIO-ANTHROPOLOGICAL
ISSN 2179-1740
EXPERIENCE OF DEATH IN A GROUP OPERATING IN CRAS.

Andréia Santiago Sobreira Santos Souza 1 Franklin Santana Santos 2

Resumo
O presente artigo inicia apresentando uma reflexão sócioantropológica sobre a relação saúde e doença, demonstrando a partir
desses indicadores que a morte e luto, os quais queremos destacar, podem ser lidos através de múltiplos impulsionadores e bases
epistemológicas. Aqui escolhemos a Antropologia e a Sociologia. Através da exposição de análises de textos dentro da abordagem
sócio-antropológica gostaríamos de reforçar a necessidade desse olhar multidisciplinar, destacando seu caráter enriquecedor e
clareador para o estudo da morte e do luto. Para tanto, nos propomos a narrar uma vivência em um grupo operativo numa unidade de
Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), onde o assunto “morte” surgiu como fator disparador de experiências passadas,
relacionadas a perdas e luto. A observação desse fenômeno coletivo nos instigou a refletir sobre a morte como uma construção social
ainda atrelada a aspectos negativos e de superação (luto) desafiadora, fora do âmbito de trabalho em saúde, necessariamente.

Palavras-chave: Morte; Luto; Construção social; Grupo operativo.

Abstract
The following article starts by presenting an socio-anthropological reflection about the relation between health and disease,
demonstrating through these indicators that death and grief which is what we want to point out, can be interpreted through multiple
boosters and epistemological bases. Here we choose Anthropology and Sociology. By the exposition of the text analysis inside the social
anthropological approach we’d like to reinforce the need to look at this in a broach multidisciplinary To do so, we decided to report/
describe an experience in operative group in one of the Social Assistance Center, where the subject “death” emerged as a factor that
induces the memories of traumatic experience, related to losses and grief. The observation of these collective phenomena instigated us
to reflect about death as a social construction still linked to negative aspects and of challenging overcoming (mourning), outside of the
welfare work scope, necessarily.

Keywords: Death; Grief; Socialconstruction; Operativegroup.

1
Psicóloga clínica, Servidora Pública Municipal, lotada na Secretaria Municipal de Saúde em Sinop, MT. E-mail: santandreia@hotmail.com.
2
Médico geriatra, doutor em medicina pela Faculdade de Medicina da USP. Pós-doutor em Psicogeriatria pelo Instituto Karolinska - Suécia e formação com-
plementar em Saúde e Espiritualidade pela Duke University, professor colaborador da Disciplina de Tanatologia da pós-graduação da Faculdade de Medicina
da USP e sócio-fundador da Pinus Longaeva Assessoria e Consultoria em Saúde e Educação. E-mail: franklin@saudeeducacao.com.br

50 Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 6 n. 2, p. 50-58, jul./dez. 2015


ISSN 2179-1740 Revista de Psicologia

Segundo Santos (2009), preparar-nos para como a morte foi representada em um tra-
a morte é uma necessidade e uma urgência, balho de grupo com funcionários daquela
pois nunca sabemos quando, onde, nem instituição, reforçando que a mesma pode
como ela nos visitará. Além disso, afirma: ser compreendida socioantropolgicamente.
Segundo Minayo (2009), a antropolo-
gia como ciência empreende investigações
Fujamos pois da ilusão de acreditar
para evidenciar os modos como sociedades,
que ela nunca nos arrebatará, que
populações e grupos específicos produzem,
chegará só para os outros ou que
reproduzem e simbolizam suas relações,
virá apenas quando estivermos bem
exercitando uma prática compreensiva das
velhinhos. Convém nos preparar-
realidades sociais e também uma prática
mos para a maior certeza da vida.
epistemológica sobre a cientificidade de
Mas para que isso aconteça é ne-
suas próprias descobertas.
cessário que nos eduquemos para a
morte. Educarmo-nos para a morte Ao longo do artigo, apresentaremos
é enriquecer nosso presente, trei- referenciais teóricos que nos tragam emba-
nar o nosso desapego, intensificar o samento para um diálogo entre os saberes
nosso amor e projetar nossa trans- da antropologia, sociologia e saúde, de for-
cendência. (SANTOS, 2009, p. 5). ma a fomentar elementos que contribuam
para a compreensão da morte como um
fenômeno mediado filtrado subjetivamen-
De acordo com o médico e tanatólo- te também por essas ciências. Queremos
go, Franklin S. Santos (2009), faz-se ne- analisar a mediação que os fatores sociais e
cessário que cada vez mais pesquisadores culturais exercem na construção de formas
despertem para uma reflexão mais apro- características de pensar a morte a partir
fundada sobre os processos da morte e do de uma experiência grupal. Enquanto pro-
morrer, evitando que o tema seja renegado fissional da Psicologia não nos é possível
a segundo plano, devendo este estar pre- perder este viés de compreensão também
sente de maneira contínua nos bancos das dos assuntos a serem tratados, o que, na
universidades brasileiras. No entanto, o nossa percepção, colabora para a pesquisa
seu devido reconhecimento só ocorrerá se multidisciplinar.
for no campo da multidisciplinaridade.
A partir deste desafio lançado por este
pesquisador, embarcamos em uma jornada Visão sócioantropológica da relação
de compreensão da morte e morrer e as- saúde e doença
suntos afins, como o luto, tendo como pa-
râmetros as ciências sociais. Trabalhando Uchôa e Vidal (1994) citam os tra-
em um Centro de Referência em Assistência balhos de Kleinman e Good (1985) no que
Social (CRAS) na área de Psicologia, somos concerne à corrente interpretativa em an-
motivados a olhar determinados fenôme- tropologia médica e explicam que esses
nos nos seus aspectos multidimensionais, trabalhos reforçam a importância de con-
inclusive as relações de saúde e doença. siderar que as desordens, sejam elas bio-
Para a nossa surpresa, foi possível perce- lógicas ou subjetivas, só nos são acessíveis
ber que a morte também “rondava por lá”, por meio da mediação cultural. Uma vez
como manifestação de dor coletiva por lutos reconhecendo a importância da contribui-
mal elaborados. Exploraremos esse fato ao ção dos significados sociais para a saúde,
longo deste estudo. Queremos demonstrar Barros e Nunes (2009) ressaltam a necessi-

Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 6 n. 2, p. 50-58, jul./dez. 2015 51


Revista de Psicologia ISSN 2179-1740

dade da figura do profissional devidamente que existem percepções culturais


capacitado, o cientista social. Segundo es- acerca de um fenômeno que tam-
tes autores, constata-se atualmente a exis- bém abarca o biológico, mas que o
tência de uma geração de cientistas sociais supera. Ou seja, uma determina-
exercendo a docência em escolas do campo da pneumonia bacteriana pode ser
da saúde. Observam, ainda, que estes pro- causada pelo mesmo agente infec-
fissionais têm tomado parte em instituições cioso em todo o mundo, com alte-
não acadêmicas do campo da saúde, como rações fisiopatológicas equivalentes
na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) em diversos indivíduos. Mas a forma
e na produção de políticas específicas de hu- de tratamento, o sistema de saúde
manização, controle social e inclusão social. disponível e, sobretudo, a percepção
que a pessoa acometida terá sobre
Coelho e Filho (2002) buscam a noção
sua doença variarão enormemente.
de rede semântica para compreenderem os
(OLIVEIRA,2009, p. 65).
significados de enfermidade construídos
por meio de múltiplas narrativas. Expli-
cam que as redes semânticas são estrutu- O referido autor resgata um impor-
ras profundas que ligam as concepções de tante conceito, o illness, considerado como
saúde e enfermidades a valores culturais a resposta subjetiva dos indivíduos e os
fundamentais de uma civilização, possuin- membros de sua rede social à situação de
do plasticidade e longevidade. doença, uma resposta que engloba aspectos
Já Uchôa e Vidal (1994), constatam individuais, sociais e culturais à experiên-
que as informações culturais têm sido, na cia de estar doente. É como “aprendermos
maioria das vezes, consideradas irrelevan- a ficar doentes”, exemplifica, de acordo com
tes para as intervenções preventivas e te- o nosso meio social, que influencia direta-
rapêuticas na área da saúde, em relação mente a forma como sentimos as doenças,
àquelas tidas como essenciais que são refe- expressamos seus sintomas e utilizamos os
rentes ao diagnóstico biomédico. No que se recursos terapêuticos à nossa disposição.
relacionaria aos dados referentes ao impac- Para Seppilli (2011), é impossível in-
to dos fatores sociais e culturais, seriam
terpretar a condição humana sem levar em
avaliados como acessórios. Estes estudio-
conta seus dois níveis constitutivos essen-
sos contrariam esses dados afirmando que
ciais, os dois níveis de organização que a
as concepções etiológicas populares dão
envolvem mais diretamente: o componente
significado aos diferentes episódios patoló-
biológico e o componente histórico-social,
gicos, além de contribuírem determinando
que coexistem e se cruzam, mesmo com
em grande medida as estratégias para lidar
diferentes situações. Assim, o social não
com eles.
sobrepõe simplesmente ao biológico, cons-
Oliveira (2002) endossa essa argu- titui-se, integrando os próprios indivíduos
mentação acrescentando que a doença é em uma rede de relações.
uma experiência que não se limita à altera-
Oliveira (2002) cita Kleinman (1980)
ção biológica pura, mas esta lhe serve como
e Rhodes (1996) ao dizer que a contribui-
substrato para uma construção cultural,
ção dos antropólogos médicos às questões
num processo que lhe é concomitante. Nes-
da saúde avança no sentido de explicitar
se sentido, ressalta:
que todas as atividades relacionadas com o
Não queremos dizer com isso que cuidado à saúde estão inter-relacionadas,
exista uma sequência de “primeiro tendendo a constituir uma forma social-
biologia e depois cultura”, mas sim mente organizada para enfrentar a doen-

52 Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 6 n. 2, p. 50-58, jul./dez. 2015


ISSN 2179-1740 Revista de Psicologia

ça formando um sistema cultural próprio, há uma cultura que dá sustenta-


que é o sistema de atenção à saúde. Nessa ção à percepção que ele tem de sua
perspectiva, explica: doença e do sistema de saúde. O
objetivo não é sufocar as outras for-
mas de tratamento e de cura, mas
Em cada cultura, a doença, a res- justamente o contrário: entendê-las
posta a ela, os indivíduos que a ex- e valorizá-las no contexto em que
perienciam, os que se ocupam em se desenvolvem. Tudo em benefício
tratá-la e as instituições envolvi- dos pacientes e a partir deles.
das estão interconectados median-
te esse sistema, que também con-
templa, entre outros elementos, as Visão sócioantropológica da morte e
crenças sobre a origem das doen- morrer
ças, as formas de busca e avaliação
Entendemos até este ponto que os
do tratamento, os papéis desempe-
processos de saúde e doença são interme-
nhados e as relações de poder entre
diados por aparatos múltiplos, incluindo fa-
outros envolvidos. (BARROS E NU-
tores socioculturais, por exemplo. Menezes
NES, 2009, p. 67).
(2004) nos ajuda a ampliar o entendimento
exposto até agora, dizendo que o processo
de morrer pode ser vivido de diversas for-
Oliveira (2002) cita Geertz (1978) de-
mas de acordo com os significados compar-
fendendo a ideia de cultura como uma teia
tilhados por esta experiência. Estes senti-
de significados e da importância de a anali-
dos atribuídos variam segundo o momento
sarmos enquanto ação e como sistema sim-
histórico e os contextos socioculturais. O
bólico. No entanto, este mesmo autor emite
uma crítica acerca do tema ao dizer que, morrer vai se distinguir de outras dimen-
apesar do discurso ser fácil, quando chega sões do universo das relações, justamente
o momento de sua aplicação na realidade, por se tratar de um evento construído so-
depara-se com uma prática que, com mui- cialmente.
ta facilidade, expurga os aspectos sociais, Rodrigues (2009) relata dois modos
políticos, econômicos e culturais do pro- de se compreender a morte nas atuais so-
cesso saúde/doença. Por fim, desafia-nos a
ciedades industriais: o primeiro, predo-
resgatar a cultura para o centro da relação
minantemente fatalista, ou seja, a morte
estabelecida entre os indivíduos e os servi-
determinada e certa; a segunda, predo-
ços de saúde, e acrescenta que a simples
minantemente aleatória e dependente de
introdução da tecnologia biomédica, sem
fatores que podem ser controlados pela
realizar modificações sociais, econômicas
e culturais, acarreta efeitos mínimos nos intervenção humana. Estes modos não
principais problemas de saúde enfrentados se excluem, segundo este antropólogo. A
pela população. questão é que, de acordo com o posicio-
namento assumido, supervalorizamos as
Dito isso, é preciso observar, ainda,
dimensões probabilísticas e aleatórias,
os apontamentos de Oliveira (2002, p. 73):
e deixamos para segundo plano o lado
determinístico e universal da morte, re-
Seria muito bom ver os serviços de sultando em uma ideia de que a morte,
saúde e seus profissionais comuni- enquanto fatalidade tende a diminuir na
cando-se com seus usuários e per- medida em que sejam controlados os fato-
ceber que por trás de cada paciente res aleatórios.

Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 6 n. 2, p. 50-58, jul./dez. 2015 53


Revista de Psicologia ISSN 2179-1740

Através da leitura em Menezes (2004, riência da morte. Enquanto vive-


p. 30), percebemos que a mesma concorda mos, ela não existe, então quando o
com a reflexão antes registrada, afirmando fim acontece, não podemos experi-
que a partir dos anos 70 há uma mudança mentá-lo. Como fenômeno de fundo,
na relação do homem com a morte e esta como um fato consumado, só temos
passa a ser silenciada: a morte como tabu a experiência da morte dos outros,
torna-se uma representação central nesta aqueles que estão em nosso círculo
produção analítica e crítica. A característica mais pessoal ou mais próximo, pois
fundamental da morte neste tempo moder- dos inúmeros que “fenecem” cada
no passa a ser a exclusão. Ela desenvolve o dia, ou durante um mês, estão além
assunto da seguinte forma: de nossa consideração. Em um vi-
larejo, numa comunidade indígena,
O século XX assistiu a uma admi- a morte de um dos seus membros
nistração da morte na qual a me- abala a todos os membros do gru-
dicina, com seus progressos técni- po. Nas cidades, povoadas por se-
cos, passou a ser responsável pela res anônimos, a morte só afeta o
diminuição de algumas taxas de mais próximo do falecido, que são
mortalidade – em especial a infantil sempre menos do que ele imagina.
e neo-natal – e pelo prolongamento Essa experiência da morte dos ou-
da vida. Ao mesmo tempo, a própria tros é algo derivado; impressiona-
medicina, com suas medidas de pre- -nos como um lembrete simples do
venção e de controle social da saúde que pode acontecer a nós também.
e da doença, desempenha um pa- Estamos impressionados, de algu-
pel fundamental no afastamento da ma forma, dependendo do modo da
morte das consciências individuais. morte acontecer, a importância da
O conhecimento da implacabilidade personagem e do possível significa-
dos processos naturais é aliviado do que tem para todos.
pela noção de que eles são – e cada
dia busca-se que sejam mais e mais
– controláveis.
Sobre o Luto
Na obra de Rachel A. Menezes, “Em Não é objetivo deste artigo estudar de
busca da Boa Morte” lemos que a vida no forma detalhada o luto, mas é necessário
século XX, se comparada com períodos an- estabelecer uma estrutura sobre a qual
teriores, tornou-se mais previsível, exigin- refletiremos posteriormente no estudo de
do de cada indivíduo um grau mais elevado caso que compartilharemos. Pode-se di-
de antecipação e controle dos sentimentos zer que o luto é um dos diversos subtemas
e de sua expressão. atrelados à morte e seu entendimento está
O psicólogo existencialista Emílio Ro- conectado a multifatores assim como esta.
mero (2011, p. 8), compartilha sua reflexão De acordo com Kovács (2009) o luto
acerca da morte e perdas, atravessados é o processo de elaboração diante da per-
pelo significado social, dizendo: da de uma pessoa com quem vínculos fo-
ram estabelecidos. Para esta autora, certos
Seja para consolar-nos, seja para fatores sociais dificultam a elaboração do
exorcizar a sua possibilidade cons- luto nos dias atuais. Esta psicóloga baseia
tante, alguns autores notáveis nos seu entendimento em Ariés (1977) através
asseguram que não há uma expe- do conceito de morte interdita, que descre-

54 Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 6 n. 2, p. 50-58, jul./dez. 2015


ISSN 2179-1740 Revista de Psicologia

ve a falta de espaço para a expressão da Tanatologia só é possível de maneira in-


dor da perda, realidade esta, impulsionada terdisciplinar. Nossa grande surpresa com
pela atual sociedade, que condena a ma- este artigo, é que a vivência a qual tra-
nifestação de sentimentos como se estes zemos para ser parte de sua análise não
fossem sinais de fraqueza. A mesma expli- surgiu no âmbito do trabalho com profis-
ca que, até mesmo os rituais de passagem sionais de saúde ou pacientes em situação
cuja função seria de acalentar os vivos, de terminalidade, mas sim fruto de uma
acabam sendo marcados pela desvalori- reflexão em um grupo operativo bem dife-
zação, demonstrando rapidez e ocultação, renciado das práticas de saúde. Os signi-
para promover a ideia de que a morte não ficados a serem compartilhados aqui nas-
ocorreu. ceram em uma experiência semi-dirigida
com colaboradores do CRAS (Centro de Re-
Para Rodrigues (2009) a morte destrói
ferência em Assistência Social). Semanal-
ao mesmo tempo o ser social investido so-
mente o grupo se encontra para aprimorar
bre a individualidade física, ao qual a cons-
e discutir temas como relacionamento de
ciência coletiva atribuía uma dignidade
trabalho entre os próprios colaboradores e
maior ou menor. O luto não é um processo
com os usuários do SUAS (Sistema Único
de aniquilamento da presença, e sim uma
de Assistência Social) a quem atendemos.
elaboração daquilo ou “daqueles” que não
Este grupo também é desafiado a pensar
estão mais presentes concretamente, mas
em conteúdos existenciais, se percebemos
que permanecem “vivos” perpetuados na
que os mesmos interferem nas relações de
consciência.
trabalho. E este foi o foco da dinâmica de
A morte física não basta para rea- grupo realizado na ocasião. Não era nos-
lizar a morte nas consciências. A sa intenção promover uma pesquisa sobre
lembrança daquele que morreu re- morte ou luto através de uma dinâmica,
centemente continua sendo uma mas estes conteúdos surgiram através da
forma de sua presença no mundo. associação de significados d’antes estabe-
(...) Nenhum caminho se iguala à lecidos e que encontraram nesta dinâmica
experiência da morte do próximo, sua catarse.
à de um ser ao qual se está
A ideia era que cada colaborador re-
afetivamente ligado, com o qual
se constitui um “nós”, com quem presentasse, desenhando em uma folha
se edificou uma comunidade que branca, momentos marcantes de sua his-
parece se romper. Na medida em tória. Queríamos provocar a reflexão do
que esta comunidade é, de algum grupo, levando-os a entender que suas his-
modo, eu mesmo, experimento tórias receberam atravessamentos e estes
um quê de morte dentro de mim. – positivos ou negativos – constituem parte
(Rodrigues, 2009, p. 131) do presente, refletidos no comportamen-
to individual e com o próximo. Para isso,
a folha com o desenho deveria passar de
mão em mão, no círculo formado pelo gru-
A Vivência da Morte e do Luto em um po, onde cada um imprimiria uma marca
Grupo Operativo neste desenho, até que o mesmo voltasse
Segundo Santos (2009) a morte é um às mãos de origem. Antes do grupo come-
aspecto integral da vida humana e estudá- çar escolhemos dois sub-grupos, cada qual
-la diz respeito a questões que estão en- com uma tarefa específica: o primeiro gru-
raizadas no centro desta existência. Este po deveria desenhar nos papéis que che-
estudo, de acordo com os pensadores da gassem às suas mãos, elementos negati-

Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 6 n. 2, p. 50-58, jul./dez. 2015 55


Revista de Psicologia ISSN 2179-1740

vos, sem que determinássemos quais eram; Romero (2011) escreve o prólogo do
o segundo grupo deveria ser como anjos- Livro “Não me esqueças: a finitude, a vida
-da-guarda, que desenhariam elementos de e a morte” no qual cita que a morte é um
proteção se avistassem perigos nas figuras. entre os inúmeros fenômenos que se ten-
O grupo geral não sabia o papel desses sub- ta alienar da realidade individual e social,
-grupos. Ao final de cada bateria, cada de- todos eles perturbadores e reveladores dos
senho originalmente representado teria sido aspectos mais presentes e constantes da
transformado completamente. Percebendo o vida.
resultado cada participante teria a oportuni-
Quando afirmamos que o “significar a
dade de refletir sobre os resultados de sua
morte” se dá por atravessamentos sociais
“vida”. A dinâmica recebeu o nome de “His-
recordamos este evento singular: o primeiro
tória construída, história destruída, história
sub-grupo não foi direcionado a representar
reconstruída”. O objetivo era propor que o
a morte, mas esta foi essencialmente
produto de nossa história, seja ela incrus-
significada como um elemento negativo,
tada com tragédias ou sucessos, é definido
ruim. Logo os participantes que tinham
pelas nossas escolhas e da nossa decisão do
em sua vida conteúdos mal elaborados em
que fazer sobre a consequência das mesmas.
relação à morte foram atacados de súbito
Por que essa dinâmica entra aqui com um mal estar refletidos em silêncio e
como vivência de morte e luto? Porque sem choro. Segundo Kovács (2009) o processo
que direcionássemos, o grupo que era res- de luto evoca sentimentos fortes e, por ve-
ponsável por provocar seus companheiros zes, ambivalentes, necessitando de tempo e
imprimindo elementos negativos, escolheu espaço para a sua elaboração. A ocorrência
em peso figuras ilustrativas relacionadas à da perda de uma pessoa significativa tem
morte: caveiras, túmulos, cemitérios, en- uma potencialidade intensa de desorgani-
forcamentos, sangue, carros atropelando zação, as ações do cotidiano ficam tingidas
crianças, facas, raios caindo na cabeça. por esta situação, impedidas por vezes,
matizadas pelo constrangimento. Rodri-
Cada participante teve a oportunida-
gues (2009) descreve que a morte de uma
de de relatar o momento da vida escolhido,
pessoa adulta significa normalmente dor
no que ela havia sido transformado e qual
e solidão para os que sobrevivem a ela: a
a decisão tomada ao olhar o que aconteceu.
verdadeira chaga que põe em perigo a vida
Para a surpresa de todos, muitas “coinci-
social. O descomparecimento de um adulto
dências” foram relatadas, afirmando que as
invariavelmente cria um vazio afetivo e in-
figuras acrescentadas no desenho original
teracional.
tinham ligação com fatos acontecidos ao
longo da história. Destacaram-se os relatos Diante das “coincidências”, foi neces-
relacionados com morte e perdas, o que foi sário abrir espaço para desabafos e conse-
motivo de extrema comoção para alguns, quentemente escuta e acolhimento. Todos
choro e desespero para outros. Aprende- que conseguiram puderam narrar suas
mos com Santos (2009) que morte é um histórias de perda e compartilhar, os que
tema universal e explorar seus aspectos possuíam, exemplos de superação. Conti-
subjetivos é embarcar numa viagem de en- nuamos com Kóvacs (2009, p. 219), e seu
contro aos elementos constituintes do ser, artigo sobre luto quando a mesma diz:
onde quer que o mesmo se encontre. Mene-
zes (2004)registra em seu livro que a morte O luto é a vivência da morte cons-
continua a fazer parte do nosso cotidiano ciente, é como se uma parte nossa
atual e sua manifestação de dá de formas morresse. Faz parte da nossa exis-
múltiplas e singulares. tência e nos configura como huma-

56 Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 6 n. 2, p. 50-58, jul./dez. 2015


ISSN 2179-1740 Revista de Psicologia

nos, e dela nos recordamos, todos CONSIDERAÇÕES FINAIS


temos histórias de perda para con-
tar, e às vezes é mais sofrida que a Iniciamos este artigo citando alguns
própria morte. É um vínculo que se autores dos estudos sociais, dizendo que os
rompe de forma irreversível, quando sentidos de saúde e doença são mediados
se trata de morte completa. dentro de um contexto histórico-cultural e
que portanto as relações de morte e luto não
Falamos anteriormente que uma das poderiam ser apartados desse entendimento
marcas deste tempo é a restrição do es- mais amplo e abrangente. Ao longo dos anos
paço de escuta e acolhimento para o so- as representações da morte e luto vão sendo
frimento e livre expressão das emoções construídas e reconstruídas a exemplo de
conflitantes. Houve ali a necessidade ur- nossa dinâmica em grupo e o sentido que
gente de se promover este cuidado. Ainda hoje fazemos desses assuntos passou por
em Kovács (2009) temos a afirmativa de várias etapas, dando-se sempre no coletivo.
que a não expressão do luto, tão presente Embora estudar a morte em casos isolados
na sociedade ocidental pode acarretar sé- nos dê o tom da singularidade em sua idios-
rias consequências psicológicas, que estão sincrasia, não podemos perder de vista que
relacionadas com o luto mal elaborado. O a consagração de determinados significados
luto pode trazer à tona vivências da infân- só acontece com a força do coletivo.
cia, de onipotência, de se crer responsá-
vel pela morte de outra pessoa.De acordo Vive-se o tempo do isolamento social,
onde a expressão de dor diante da morte se
com Rodrigues (2009), nenhum caminho
torna solitária. Contudo, somos surpreendi-
se iguala à experiência da morte do pró- dos com a morte, porque mesmo não a con-
ximo, à de um ser ao qual se está afetiva- vidando ela encontra brechas para reclamar
mente ligado, com o qual se constitui um o seu lugar no cotidiano do homem. Somos
“nós”, com quem se edificou uma comuni- desafiados a dar-lhe seu lugar de expressão
dade que parece se romper. Na medida em através de vozes abafadas por choro e so-
que esta comunidade é, de algum modo, frimentos que não encontraram antes lugar
de expressão. Este sofrimento só é visto no
eu mesmo, experimento um quê de morte
coletivo pois é preciso um para ser ouvido e
dentro de mim. outro para ouvir. Os significados são cons-
Romero (2011) afirma que somos truídos nessa relação e podem ser modifica-
dos e perpetuados também na relação, pois
angustiados pela morte dos nossos entes
é preciso um para experimentar, outro para
queridos e pela nossa própria extinção, a testemunhar e um terceiro que multiplicará
morte de um desconhecido para nós é ape- esta síntese. Assim como na dinâmica aqui
nas informativa. Embora possamos pen- relatada, os significados de morte e morrer
sar nesta premissa, presenciamos ali um ao longo da história do homem são, cons-
quadro diferenciado. O grupo precisou se truídos, desconstruídos para serem recons-
mover em direção ao seu próximo que so- truídos no social e no tempo.
fria. Ao final dos relatos cada participante
escolheu a experiência que mais lhe tocou
e acalentou o narrador da história com REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
um abraço acolhedor e um bombom. Mes-
mo que a morte do estranho não tocasse, BARROS, N. F.; NUNES, E. D. (2009). So-
o colega enlutado não era um estranho, o ciologia, medicina e a construção da so-
que gerou um clima forte de solidariedade ciologia da saúde. Revista saúde pública.
e empatia. Campinas, vol.43 (1), p. 169-175.

Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 6 n. 2, p. 50-58, jul./dez. 2015 57


Revista de Psicologia ISSN 2179-1740

COELHO, M. T. A. D.; FILHO, Naomar A.


(2002). Conceitos de saúde em discursos
contemporâneos de referência científica.
História, ciência e saúde. Rio de Janeiro,
vol. 9 (2): 315-33, p. 315-333, maio/dez.
KOVÁCS, M. J. (2009). Perdas e Processos
de Luto. In: F. S. SANTOS (Org.). A arte de
morrer: visões plurais. Bragança Paulis-
ta: Editora Comenius.
MENEZES, R. A. (2004). Em busca da boa
morte:antropologia dos cuidados paliati-
vos. Rio de Janeiro: Garamond: FIOCRUZ.
MINAYO, M. C. (2006). Contribuições da
antropologia para pensar a saúde. In:
CAMPOS, Gastão Wagner Souza et al.
Tratado de saúde coletiva. São Paulo:
Editora Hucitec.
OLIVEIRA, F. A. (2002). Antropologia nos
serviços de saúde: integralidade, cultura
e comunicação. Interface, comunicação,
saúde e educação. Botucatu, vol. 6, n. 10,
p. 63-74, fev.
RODRIGUES, J. C. S. (2009). A morte
numa perspectiva antropológica. In: F. S.
SANTOS, (Org.). A arte de morrer: visões
plurais. Bragança Paulista: Editora Come-
nius.
SANTOS, F. S. (2009). (Org.). A arte de
morrer: visões plurais. Bragança Paulis-
ta: Editora Comenius.
SEPILLI, T. (2011). Saúde e antropologia:
contribuições à interpretação da condição
humana em ciências da saúde. Interface,
comunicação, saúde e educação. Botucatu,
vol. 15, n.38, p. 903-914, jul./set.
SIGNORELLI, S. (2011). Não me esqueças:
a finitude, a vida e a morte. São José dos
Campos: Della Bídia Editora.
UCHÔA, E.; VIDAL, J. M. (1994). Antropo-
logia médica: elementos conceituais e me-
Recebido em: 28/10/2015.
todológicos para uma abordagem da saúde
e da doença. Caderno de saúde pública. Rio
Aprovado para publicação em: 26/01/2016.
de Janeiro, vol.10 (4), p.497-504, out./dez.

58 Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 6 n. 2, p. 50-58, jul./dez. 2015

Das könnte Ihnen auch gefallen