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Rio de Janeiro
2017
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
MESTRADO PROFISSIONAL EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS
Rio de Janeiro
2017
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV
CDD – 659.1
AGRADECIMENTOS
Desafio tão grande quanto escrever esta dissertação é o de resumir em duas páginas
todas as pessoas que me permitiram alcançar esta conquista.
Agradeço, em primeiro lugar, ao meu orientador, João Marcelo Ehlert Maia, pela
serenidade e competência na condução desse processo, me concedendo a certeza em minha
capacidade de realizar esta dissertação.
Aos professores Celso Castro e Matias Spektor, que a partir de suas sugestões e
contribuições enriqueceram este trabalho, contribuindo para o amadurecimento da pesquisa e
do pesquisador.
À professora Luciana Heymann, que foi a coordenadora do Programa de Pós-
Graduação em História, Política e Bens Culturais (PPHPBC) durante meu período de curso.
Sempre solícita e atenta às indagações de minha turma.
Agradeço a todos os professores do CPDOC/FGV que ajudaram significativamente na
minha formação e foram fontes inspiradoras nesta entrada no universo acadêmico.
Aos professores Dulce Pandolfi e Fernando Lattman-Weltman, que aceitaram
participar de minha banca, agradeço a generosidade em avaliar meu trabalho e as valiosas
sugestões dadas ainda no período de qualificação. Em especial agradeço à professora Dulce,
pela amizade, as aulas plenas de emoção e o exemplo de vida.
Agradeço a cada um de meus colegas de mestrado, pelo total apoio, estímulo e
animadas conversas tanto nos bares ao redor quanto nos grupos de mensagem. Em especial a
Cláudia Aragon, cuja generosidade com seu arquivo pessoal de fontes foi fundamental para o
desenvolvimento desta pesquisa.
Agradeço à Fundação Getúlio Vargas, instituição que, a partir de agora, sempre estará
presente em minha vida e que me forneceu as melhores condições de infraestrutura para
desenvolver este trabalho.
Sou imensamente grato à Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio de
Janeiro e de São Paulo e a todos que disponibilizaram seu tempo me concedendo os valiosos
relatos contidos nesta dissertação. Sempre encontrei disponibilidade total dos entrevistados,
além de acesso completo por parte da direção a qualquer documento ou área da Escola.
Dentre os entrevistados, não há como não citar a generosidade do Sr. Francisco
Gracioso em compartilhar seus 64 anos de ESPM, em uma conversa tocante.
Agradeço em especial à Flávia Flamínio que, além do relato compartilhado, viabilizou
a viagem para coleta das primeiras entrevistas feitas em São Paulo.
Aos meus amados pais, que muito se sacrificaram para me garantir a melhor educação
e a melhor família possível.
À Silvana, minha companheira, inspiração e guia em todos os momentos. Não teria
percorrido metade do caminho sem seu exemplo e amor.
RESUMO
1 INTRODUÇÃO 9
2 A ESCOLA DE PROPAGANDA DO MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO E A
FORMAÇÃO DO CAMPO DE ENSINO PUBLICITÁRIO NO BRASIL 22
2.1 A formação de um campo de ensino 22
2.2 O campo econômico e político do início do mercado publicitário 34
2.3 O mercado cria sua escola 45
2.4 Uma escola de propaganda de nível superior 55
3 UMA ESCOLA DE PROPAGANDA E MARKETING NO RIO DE JANEIRO:
CRIATIVIDADE E SOBREVIVÊNCIA 66
3.1 O Rio de Janeiro de 1974 66
3.2 O difícil começo (1974-1978) 72
3.3 Criatividade e sobrevivência (1978-1985) 83
3.4 O bunker do mercado (1985-1996) 90
4 A ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING DO RIO DE
JANEIRO: QUEM FAZ, TRANSFORMA 100
4.1 O campo acadêmico do Brasil a partir dos anos 1960 100
4.2 A graduação no Rio: ruptura e continuidade 108
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 131
FONTES PRIMÁRIAS 137
REFERÊNCIAS 138
9
1 INTRODUÇÃO
Brasil acaba por gerar uma indefinição programática no campo público do ensino superior.
Este cenário abre espaço para o surgimento de uma vertente mais técnico-profissionalizante
na leitura deste setor, alimentada pela demanda por mão de obra especializada, em uma
economia em acelerado processo de crescimento.
No campo publicitário, esta demanda por profissionais capacitados já existia no
período pós-1929, quando se inicia o processo de abertura da economia brasileira às agências
de publicidade multinacionais, com a chegada da norte americana J. Walter Thompson. Junto
com essas empresas, chegam também seus clientes internacionais.
Ao contexto econômico se adiciona, nos anos 1940, o ingrediente geopolítico: é o
período da chamada “política de boa vizinhança” do governo de Franklin D. Roosevelt. Tal
política, primordialmente criada para gerar apoio político aos Estados Unidos, em função do
cenário da Segunda Guerra Mundial, cria um terreno simbolicamente favorável à entrada de
uma nova cultura de consumo, representada por uma variedade de produtos desenvolvidos
pela indústria norte americana e que necessitavam de aceitação cultural local em suas
estratégias de vendas.
Tais fatores favorecem o surgimento de uma escola que abraça a tarefa de
profissionalizar este novo trabalhador, o publicitário, que começa a ganhar sentido no campo
econômico nacional. E não só oferecer um ambiente onde se poderia adquirir conhecimento
qualificado, mas também debater o processo de institucionalização do campo da propaganda,
tarefas fundamentais no suporte à prática que defendiam.
É por este conjunto de fatos e conjunturas que houve a necessidade de se ter um
capítulo todo dedicado à primeira unidade da ESPM, na capital paulista. Ao abrir no Rio de
Janeiro, em 1974, a instituição traz na bagagem uma personalidade tão associada à cultura e
prática publicitária que não seria possível entender todos os movimentos que a unidade
carioca desenvolve em sua trajetória no Rio, sem apontar para este contexto inicial.
O capítulo 3 trata da fundação da Escola no então estado da Guanabara e avança até
sua titulação como instituição de ensino superior, percorrendo o período 1974-1996. Há uma
questão central a ser investigada no capítulo, que foi a longa demora da Escola em conseguir
a titulação junto ao MEC para operar como faculdade, em grande parte devido à dificuldade
da instituição em se mover do campo publicitário ao excessivamente regulado campo
acadêmico. Em seu projeto carioca, a ESPM já deixa clara a estratégia que o modelo de
negócio a ser perseguido é o de pertencer ao campo do ensino superior, um aprendizado
herdado da experiência da matriz paulista.
Os problemas encontrados na obtenção desta titulação permitiram criar subperíodos de
13
tempo bem definidos. Temos os anos de 1974 até 1978 onde, ao repetir o projeto curricular do
curso livre da ESPM de São Paulo, há uma resposta muito negativa na demanda, tendo a
Escola chegado bem perto de fechar as portas. Estávamos no momento posterior ao chamado
“milagre econômico” brasileiro, em um processo de início de retração da economia em função
da primeira crise do petróleo. É apresentada, também no capítulo, a situação específica do Rio
de Janeiro, que perde o que ainda lhe restava do status de capital, na fusão do estado da
Guanabara com o estado do Rio de Janeiro, finalizando o longo processo de transferência
burocrática da capital brasileira para Brasília.
A partir de 1978, sob nova diretoria, a Escola reage e assume o papel de organizadora
e dinamizadora do mercado publicitário local, uma função que muitas vezes adquire
importância institucional maior que sua atividade primária de qualificar mão de obra. Em
1996 finalmente adquire sua titulação como instituição de nível superior, tendo agora que
lidar com todas as regulações e obrigações que este campo apresenta no Brasil.
O capítulo 4 trata do período de entrada e adaptação da Escola à realidade do campo
acadêmico do ensino superior brasileiro, indo de 1996 até o momento presente.
Tal período é muito carente de documentação primária e secundária, sendo o relato
construído através primordialmente dos depoimentos dos principais atores que vivenciaram e
atuaram em sua construção, além do já citado projeto de apresentação da ESPM do Rio de
Janeiro ao Prêmio Mário Palmério. Muitos destes agentes foram entrevistados já desligados
da instituição, deixando claro para esta pesquisa que o momento retratado atravessou um
embate de diferentes visões institucionais para a Escola.
As disputas mencionadas se devem a um grande ponto de inflexão na trajetória da
Escola: a matriz paulista passa a exercer maior influência na administração local e nomeia um
novo diretor para a Escola do Rio, a partir de 2000, desmontando a estrutura de chefia
anterior.
Deste momento até cerca de 2008, temos um cenário relativamente conturbado, de
grandes transformações administrativas, onde surgem disputas internas sobre qual modelo de
gestão a instituição deveria seguir, com seus agentes assumindo diferentes posicionamentos.
Hoje podemos constatar que prevaleceu uma visão institucional mais pacificada, com todas as
unidades da Escola seguindo uma mesma visão de negócio.
Por fim, é apresentado o momento atual, de relativa confluência com o modelo de
administração da Escola proposto nacionalmente. Há uma mudança de posicionamento da
ESPM, do velho slogan “Ensina Quem Faz” para o novo “Quem Faz Transforma”, colocando
como estratégia da Escola o deslocamento da centralidade da formação apenas técnica para
14
um conceito mais ampliado de educação. Fato que corrobora o momento de criar sentido
local, fomentando na cidade ações de parceria com a chamada “indústria criativa”, ou seja,
empresas de entretenimento e áudio visual que, historicamente, vem atuando no Rio de
Janeiro.
No entanto, a questão mais sensível do capítulo é a análise do cenário econômico do
Rio de Janeiro para o mercado de comunicação. Há neste momento grande entrada de capitais
internacionais no setor de educação, com grupos estrangeiros comprando e injetando recursos
nas instituições diretamente concorrentes da ESPM. Como este modelo de gestão mais
descentralizado da Escola irá reagir a essa concorrência dinamizada é um ponto a ser
destacado neste momento.
O estímulo para o desenvolvimento desta dissertação sempre foi a construção de um
relato histórico dotado das complexidades propostas na descrição acima dos capítulos.
Conforme já dito, a história institucional da Escola, além de fragmentada em poucas fontes,
apresenta uma descrição essencialmente protocolar, preenchida por depoimentos elogiosos de
membros de sua diretoria, que não relacionam os momentos importantes da instituição com
contextos mais amplos da história brasileira.
O esforço de extrair um relato histórico um pouco mais relacionado a outros contextos
e falas, se deu através primordialmente do conjunto de 11 entrevistas a partir da metodologia
de História Oral com agentes ligados à Escola, que desempenharam diferentes papéis em suas
trajetórias, desde alunos, professores, chefes de setor, diretores, até presidentes. Muitos deles
ocupando várias destas posições na instituição, que tem por característica criar longos
vínculos com seus funcionários, corpo docente e discente. É comum encontrarmos ex-alunos
que trilharam cargos administrativos na ESPM. A maioria de seus ex-presidentes pertenceram
ao corpo estudantil ou docente da instituição. Ao todo foram 12 horas e 44 minutos de
entrevistas realizadas no período de junho a dezembro de 2016.1
Outra fonte importante de informação foi a revista Publicidade e Negócio (PN), criada
em setembro de 1940, ainda com o nome Publicidade, por Alvarus de Oliveira, João Serpa e
J. Waldemar Augusto da Silva, tendo Barros Vidal como redator-chefe, substituído
posteriormente por W. R Poyares. A publicação foi o principal meio de divulgação das ideias
e projetos do campo publicitário nos anos 1950 e início dos 60, fornecendo o contexto do
mercado aos objetivos do capítulo 2 desta pesquisa. A publicação atingiu a marca de 25 mil
exemplares, número expressivo para uma revista segmentada.
1
A relação dos nomes dos entrevistados com os seus respectivos cargos e datas de realização encontra-se nas
fontes primárias desta dissertação.
15
iniciada por Getúlio Vargas no seu primeiro período de governo. A abrangência do impacto
deste novo desenho de Estado e nação proposto, influencia diretamente o campo de ensino
como um todo, determinando o modelo de ensino superior que a ESPM terá que dialogar
durante seu processo de institucionalização.
Um dos aspectos desse período se encontra no livro “Ideologia e poder no ensino de
comunicação”, de 1979, coletânea de textos organizada por José Marques de Melo, Anamaria
Fadul e Carlos Eduardo Lins e Silva, que aprofunda o debate sobre o projeto pioneiro do
educador Anísio Teixeira nos anos 30 e a vertente técnico-profissionalizante que passa a
organizar o campo a partir dos anos 60.
No capítulo contido nessa publicação, “A Política Educacional Brasileira e os
Currículos de Comunicação”, de Carlos Eduardo Lins da Silva, o autor aponta a precariedade
da formação do campo universitário, montado às pressas com a fuga da Família Real em
1808, e instituído com cerca de 300 anos de atraso em relação à América Hispânica. Surge
desse contexto uma universidade elitista, voltada à manutenção das estruturas de poder. Uma
característica que o autor enxerga como inscrita nesse campo, mesmo com o processo de
abertura do ensino à classe média nos anos 50.
No artigo seguinte, “Poder, Universidade e Escolas de Comunicação”, de José Marques
de Melo (1979), encontramos citações à ESPM no debate sobre a naturalização das
universidades como fornecedoras de mão de obra qualificada e as consequências dessa visão
na construção dos chamados Currículos Mínimos de ensino, regulações governamentais que
procuraram orientar o ensino universitário no Brasil de 1962 até 1984.
Um pouco mais distante do debate ideológico temos a publicação “Retrato do Ensino
em Comunicação no Brasil”, organizado por Cicília M. Krohling Peruzzo e Robson Bastos da
Silva. Escrito em 2003 o livro realiza uma grande reflexão sobre o campo acadêmico a partir
das consequências da implementação das Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) e a
definição de Diretrizes Curriculares, que desde 2002 abriram o ensino universitário a um
debate inédito entre seus agentes, antes acostumados à uma regulação constante.
Ainda dentro dessa linha de raciocínio, há o extenso “O curso de comunicação social no
Brasil: do currículo mínimo às novas diretrizes curriculares”, de Cláudia Peixoto de Moura
(2002), publicação generosa no fornecimento de dados primários relativos a todas as etapas
dos processos regulatórios impostos e propostos pelo governo federal, desde 1962.
Os artigos “Formação do campo publicitário brasileiro 1930-1970” e “Publicidade:
estratégias americanas e interesses brasileiros, 1930-1970”, de José Carlos Durand, professor
e pesquisador da FGV-SP, ambos de 2008, forneceram o contexto histórico e político que dão
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É para romper com esse modo de pensamento – e não pelo prazer de colar um novo
rótulo em velhos frascos teóricos – que empregarei o termo campo de poder (de
preferência classe dominante, conceito realista que designa uma população
verdadeiramente real de detentores dessa realidade tangível que se chama poder),
entendendo por tal as relações de forças entre as posições sociais que garantem aos
seus ocupantes um quantum suficiente de força social – ou de capital – de modo a que
estes tenha a possibilidade de entrar nas lutas pelo monopólio do poder, entre as quais
possuem uma dimensão capital as que têm por finalidade a definição de forma
legítima do poder [...]. (BOURDIEU, 2007, p. 28-29, grifo do autor).
produzidas pelo sistema escolar ou transmitidas pela família. Este capital pode
existir sob três formas: em estado incorporado, como disposição duradoura do
corpo (por exemplo, a facilidade de expressão em público); em estado objetivo,
como bem cultural (a posse de quadros, de obras); em estado institucionalizado,
isto é, socialmente sancionado por instituições (como títulos acadêmicos).
- O capital social, que se define essencialmente como o conjunto de relações
sociais de que dispõe um indivíduo ou grupo. A detenção deste capital implica
em um trabalho de instauração e manutenção das relações, isto é, um trabalho
de sociabilidade: convites recíprocos, lazer em comum, etc.
- O capital simbólico, que corresponde ao conjunto dos rituais (como as boas
maneiras ou o protocolo) ligado à honra e ao reconhecimento. Afinal, apenas o
crédito e a autoridade conferem a um agente o reconhecimento e a posso das
três outras formas de capital. Ele permite compreender que as múltiplas
manifestações do código de honra e das regras de boa conduta não são apenas
exigências do controle social, mas são constitutivas de vantagens sociais com
consequências efetivas. (BONNEWITZ, 2003, p. 54).
Para além de um acúmulo de conhecimento, o capital cultural nos fala mais sobre o
controle do saber como mecanismo de domínio de um campo profissional. Seja através da
capacitação técnica desses profissionais adquirida via suas escolas formadoras, da maneira
com que ocorre a distribuição destes agentes pelo mercado, ou ainda pelo controle mediado
através das diversas entidades de classe. Esse ponto que nos aproxima do objeto desta
pesquisa, a ESPM, na análise do desenvolvimento inicial de seu projeto pedagógico.
Na formação do campo publicitário percebemos que, a partir dos anos 1950, com a
aceleração do processo de industrialização no Brasil, a estratégia preferencial dos
trabalhadores para acumular posições nesse espaço social potencializado, se direciona para o
aprimoramento de sua formação profissional. O mercado inicia então seu projeto de
construção de um campo de ensino próprio como estratégia de controle sobre seu ainda
incipiente campo profissional, atitude coerente com o momento histórico de crescimento
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consequentemente aprende quem “quer fazer’, parece ser a filosofia escolhida pela primeira
instituição de caráter educativo do campo publicitário que conseguiu resistir no tempo, a
Escola de Propaganda do Museu de Arte de São Paulo, posteriormente Escola de Propaganda
de São Paulo e finalmente Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). O foco em
termos de público apontava para quem tinha como objetivo adquirir uma formação técnico-
profissionalizante, de aplicação imediata em seu crescimento no mercado de trabalho. Tal
enfoque tornou-se objetivo compartilhado pela maioria dos profissionais e estudantes do
mercado de comunicação com especialização em publicidade.
A Escola de Propaganda do Museu de Arte de São Paulo, fundada em 27 de outubro
de 1951, é o grande marco no campo de ensino publicitário no Brasil. Já existiam ambientes e
instituições onde se poderia dispor de informações e treinamento na área, como se verá logo a
seguir. No entanto, a Escola é a primeira instituição que o campo publicitário enxerga como a
melhor estruturada na formação de publicitários profissionais. Seu objetivo imediato era
alimentar a economia brasileira dos anos 1950, em acelerado processo de substituição de
importações e dando claros sinais de gargalos de mão de obra em diversos setores. Mas para
além dos benefícios econômicos, nos debates da época acerca da profissionalização do campo
publicitário, ter domínio sobre o ensino de seu conjunto de saberes ocupava papel de destaque
no processo de institucionalização deste setor.
O campo publicitário funcionando em pleno esforço de reconhecimento no período
mencionado, bem como as algumas experiências educacionais afins anteriores, relacionadas
ao momento político e econômico que o país atravessava, ajudaram a construir o projeto
pioneiro de uma Escola de Propaganda e, consequentemente, deram um encaminhamento e
contorno à criação de um campo de ensino da publicidade no Brasil, inicialmente autônomo em
relação ao meio acadêmico tradicional.
Para iniciar a compreensão não só da trajetória desta Escola, mas do enfoque
pedagógico que a instituição segue, há algumas experiências e heranças de momentos
anteriores que nos servirão de contraponto na reconstrução de um relato possível das
estratégias estabelecidas por essa instituição.
Hoje o ensino de publicidade e propaganda dentro das instituições de ensino superior
se dá como especialização na graduação de comunicação social, oferecido por cerca 298
instituições público e privadas no país, de acordo com o Ranking Universitário da Folha de
São Paulo do ano de 2015. O curso foi regulamentado com base no Parecer nº 631/69 do
Conselho Federal de Educação, instituindo o ensino de Comunicação Social no Brasil pela
Resolução nº 11/69 do CEF. O currículo aprovado em 1969 criou a especialização, expressa
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1950 Primeiro Salão Nacional de Propaganda, organizado pelo Museu de Arte de São Paulo – MASP
Instalação do Curso de Jornalismo na Faculdade de Filosofia, da Universidade Federal da Bahia
(o curso não funcionou de 1953 a 1961).
Fundação do Instituto de Jornalismo da Bahia, que ofereceu cursos práticos de curta duração.
1951 Fundação da “Escola de Propaganda do Museu de Arte de São Paulo”, que funcionou nas
dependências do MASP, com duração de 2 anos, tendo o curso iniciado em 1952.
Fonte: (MOURA, C., 2002, p. 275).
O Estado liberal – e o Brasil era bem exemplo disso – realizava uma obra sem
organicidade e finalidade. Sua ação era “inconsciente e inconsistente” e só gerava
“balbúrdia”. Em nosso país tínhamos um território imenso e rico; um povo cheio de
potencialidades, mas não tínhamos um governo. O antigo regime era artificial; nele
inexistia ordem, condição sine qua non de progresso. (GOMES, 1982, p. 114).
central. Havia apenas uma democracia alegórica, onde poucos eleitores detentores de renda e
propriedades poderiam votar. As mudanças de comando eram decididas via reuniões em
clubes fechados. Sequer havia necessidade de realizar campanhas eleitorais.
O motim final do período liberal ganha corpo no racha entre as oligarquias de Minas
Gerais e São Paulo, em função da conturbada eleição presidencial de Júlio Prestes, em 1930.
As oligarquias do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba, reunidas politicamente na
Aliança Liberal, se revoltam e, a partir de um movimento militar oriundo do sul, empossam
Getúlio Vargas em caráter provisório, no dia 3 de novembro de 1930. Como pano de fundo a
esse processo político há a Crise de 1929 e a consequente revolta com as condições de vida da
classe operária, que o governo diagnosticava como um problema de ordem e não uma questão
social.
O regime pós-30, e a conclusão de sua construção institucional no Estado Novo, de
1937, inaugura um novo formato de Estado, que agora se confunde ao conceito de nação. Esta
complexa operação se afirma em um forte antiliberalismo exercido por um Estado agora
fortalecido. Apesar de carregar uma matriz ideológica conservadora, o período Vargas
promove uma revisão estrutural da evolução histórica do país e coloca a questão social como
centro de seu modo de agir.
Aqui cabe o conceito de “restauração’ ou “redescobrimento”, no sentido de enxergar o
momento da Primeira República como uma interrupção no desenvolvimento da nação
brasileira, em função de uma visão alheia à justiça social. O período Vargas seria um período
de reajuste do país às suas fontes históricas, étnicas, políticas e culturais. No centro deste
sistema, não mais o indivíduo liberal, mas a pessoa humana, que é resgatada de um “estado de
natureza” via sua integração social através do trabalho.
O Estado se confunde com o conceito de nação pois ele organiza o tecido social e
confere aos indivíduos um sentido existencial e mesmo espiritual, principalmente através da
construção de aparatos legais que protegem e amparam a força de trabalho nacional. É através
da organização e valorização da atividade produtiva, em prol do bem-estar social, que Vargas
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constrói seu projeto de nação. O trabalho, outrora identificado com a escravidão, passa a ser a
ferramenta de formação de um povo.
Vargas então estabelece as bases da organização sindical no Brasil. Organiza a massa
trabalhadora urbana em Confederações, Federações e Sindicatos, institui a unicidade sindical
para garantir a unidade dos trabalhadores e o imposto sindical, que estruturaria as entidades e
permitiria a construção material da organização trabalhista.
Toda a relação capital x trabalho passa a ser mediada pelo Estado, que havia
desenvolvido um arsenal técnico administrativo de análise dos problemas e demandas da
classe trabalhadora. Não havia, neste modelo, a necessidade do sufrágio universal, contido nas
democracias liberais. Como o Estado estava em contato e sintonia direta com os
trabalhadores, surge um desenho de democracia onde povo e governo quase formam uma
unidade, ambos em busca do objetivo maior da obtenção da justiça social para todos. A
historiadora Ângela Maria Castro Gomes (1982) define o modelo proposto pelos ideólogos do
Estado Novo como “democracia social”.
A relação direta homem/poder público é assim qualificada pelo trabalho como uma
relação cidadão/Estado. Desta dinâmica adviria o sentido profundo da fórmula
política encontrada pelo Estado Novo. O cidadão desta nova democracia,
identificado pelo seu trabalho produtivo, não mais se definiria pela posse de direitos
civis e políticos, mas justamente pela posse de direitos sociais. Só assim estaria
verdadeiramente superada a herança liberal, que marcará profundamente os
conceitos de democracia e cidadania. Pelo trabalho o cidadão encontraria sua
posição na sociedade e estabeleceria relações com o Estado; por esta mesma razão, o
Estado se humanizaria, destinando-se a assegurar a realização plena dos cidadãos
pela via de promoção da justiça social. (GOMES, 1982, p. 127).
Construir mais salas de aula nas escolas existentes e abrir mais escolas eram meios
de mostrar que o Estado [...] preocupava-se com as necessidades do povo e atuava
no sentido de suprimi-las. Era merecedor, portanto, do apoio político dos
beneficiados e dos que pretendiam se valer dessa política “popular”. (CUNHA,
1989, p. 74, grifo do autor).
Os cursos mantidos pela UDF foram: cursos para habilitação ao magistério primário
30
Apesar de poucos escritos, Costa Rego também forneceu, em seus textos, pistas dos
objetivos do curso sob a sua sistematização. Entre as principais pontuações, afirmou
que o programa foi montado sob duas ordens de objetivos: “mostrar as
peculiaridades do officio a quem por elle se veja attrahido e situar o phenomeno
jornalístico. É tarefa complexa que pede outro professor”. Ele sabia, ainda, que
estava participando ativamente da construção da história do ensino do Jornalismo no
país. (DINIZ, 2010, p. 8).
pedagógica nacional, a instituição proposta por Cásper Líbero atua na solução mais
imediatista de gerar mão de obra e qualificação para seu próprio negócio.
Deve-se mencionar, porém, que a iniciativa de Cásper Líbero vinculou-se muito
mais a um projeto pessoal de construção de seu próprio monumento histórico do que
a uma conscientização do empresariado jornalístico quanto à significação do preparo
acadêmico dos seus profissionais. (MELO, 1979, p. 31).
José Marques de Melo (1979) ainda nos lembra que mesmo com essas e outras
iniciativas, o que oficialmente funda o campo de ensino da comunicação social foi uma
demanda ainda mais pragmática. Os jornalistas agregados às repartições federais, nomeados
como redatores do serviço público, buscavam equiparação salarial com os funcionários de
nível universitário. Pressionaram fortemente o governo, usando inclusive o poder da
Associação Brasileira de Imprensa, no sentido de formalizar o curso de jornalismo no país
para atingir os proventos de servidores com nível superior. E assim através do Decreto-Lei nº
5480, de 13 de maio de 1943, em pleno Estado Novo, o presidente Getúlio Vargas
institucionaliza o curso de jornalismo como ensino de nível superior, permitindo aos
burocratas do setor público a equiparação salarial aos escalões mais elevados.
O embrião do que mais tarde seria transformado nas escolas de comunicação tinha
inicialmente a função de melhorar o plano de carreira de parte do contingente burocrático do
estado. Apenas eventualmente atendia às novas necessidades do empresariado jornalístico,
ainda desconfiado da real necessidade dessa área do ensino e politicamente alinhado ao
pensamento mais conservador.
Na realidade, os novos cursos inicialmente alocados dentro das já existentes estruturas
universitárias (em geral se tornando extensões dos cursos de filosofia e letras) são
influenciados pelo modelo de ensino superior vigente, que aposta na formação de
profissionais letrados, com o objetivo de garantir a escalada nos degraus das carreiras do
serviço público.
No entanto, esse modelo de universidade é herdeiro da frágil construção conceitual já
existente na fundação da Universidade do Brasil, em 1937. O que se chama de universidade é
na verdade a reunião sem uma estratégia pedagógica clara das diversas faculdades existentes
de maneira independente até então. Desta gigantesca bricolagem institucional surge uma
estrutura universitária sem espinha dorsal, elitista e que acaba por não oferecer ao novo curso
de jornalismo a base reflexiva necessária na construção de um profissional mais crítico.
Destacam-se no ensino de jornalismo de então as disciplinas de cunho técnico-
profissionalizante (a maior parte importada das escolas norte-americanas de jornalismo), até
33
em função da pressão exercida pelos empresários do setor que já não nutriam grande
entusiasmo em contratar os primeiros formandos. As matérias de orientação mais humanística
acabam funcionando de fato como uma formação adicional pseudo erudita, debatendo
questões histórico-literárias de pouca utilidade na vida prática do aluno. Essas duas
possibilidades pedagógicas existentes não conseguem superar a falta de integração da própria
estrutura universitária e não solidificam um corpo de ensino capaz de construir um
profissional inventivo.
Vale colocar que o campo da comunicação social, em especial o da publicidade,
possui uma característica estrutural de grande importância nessa análise de seu período de
formação: a interdisciplinaridade de seu conjunto de saberes. Um campo acadêmico para a
publicidade deve levar em conta além das disciplinas científicas que refletem, teorizam e
analisam empiricamente o fenômeno da comunicação aquelas que dialogam com os suportes
tecnológicos que asseguram a difusão dos bens simbólicos e com o universo populacional
(coletividades) a que se destinam.
Esse acúmulo de modelos de ensino teve que se confrontar com as transformações
econômicas acentuadas da década de 1950. O salto de qualidade e de tecnologia que a
indústria pesada e também a de telecomunicações apresenta nesse período, deixa claro o
gargalo de mão de obra. Não existiam no mercado, profissionais capacitados para as novas
demandas na área de comunicação. Muitas empresas tiveram que importar profissionais de
fora, empurrando o nível salarial e ameaçando a viabilidade do setor.
Para um relato mais abrangente sobre o início da formação desse campo cabe partir da
hipótese que essa construção conflitante tanto do campo universitário em geral quanto o
específico da comunicação social, ainda no primeiro período Vargas, causa um desequilíbrio
no mercado de trabalho dos anos 1950, que termina por influenciar o projeto pedagógico que
se institucionaliza neste período. Na falta de uma definição inicial do modelo de ensino a ser
aplicado para o campo de comunicação social, o pragmatismo da indústria elege sem nenhum
obstáculo acadêmico o polo técnico profissionalizante de ensino como único válido em seu
processo de seleção de mão de obra. Uma escolha que aparenta racionalidade, se tornando
formadora da identidade inicial do campo de ensino publicitário - com reflexos até hoje no
projeto de novos cursos - mas que carrega um histórico de contradições ausentes no relato
memorialístico de muitas de suas instituições, a exemplo da Escola de Propaganda do Museu
de São Paulo, futura ESPM.
Esse seria o momento formador do campo de ensino de comunicação social que os
fundadores da instituição encontram em 1951. O projeto de escola livre apresentado pelo
34
publicitário Rodolfo Lima Martensen pode também ser mapeado por hora como uma
continuidade das contradições estruturais de um campo de ensino em formação, bem como
uma resposta às demandas de um campo econômico dinamizado.
2
“[...] Desconto-Padrão de Agência ou simplesmente Desconto Padrão: é a remuneração da Agência de
Publicidade pela concepção, execução e distribuição de propaganda, por ordem e conta de clientes anunciantes,
na forma de percentual estipulado pelas Normas-Padrão, calculado sobre o “Valor Negociado”.” (CONSELHO
EXECUTIVO DAS NORMAS-PADRÃO, 1998, p. 5, grifo do autor).
36
3
Agência de publicidade ou de propaganda? De acordo com Armando Sant’anna, em sua obra Propaganda:
teoria, técnica, prática, “Publicidade deriva do público (do latim publicus) e designa a qualidade do que é
público. Significa o ato de vulgarizar, de tornar público um fato, uma ideia. Propaganda é definida como
propagação de princípios e teorias. Foi traduzida pelo Papa Clemente VII, em 1597, quando fundou a
Congregação da Propaganda, com o fito de propagar a fé católica pelo mundo. Deriva do latim propagare, que
significa reproduzir por meio de mergulhia, ou seja, enterrar o rebento de uma planta no solo. Propagare, por sua
vez, deriva de pangere, que quer dizer enterrar, mergulhar, plantar. Seria então a propagação de doutrinas
religiosas ou princípios políticos de algum partido. Vemos, pois, que a palavra publicidade significa,
genericamente, divulgar, tornar público, e propaganda compreende a ideia de implantar, de incluir uma ideia,
uma crença, de algum partido. Comercialmente falando, anunciar visa promover vendas e para vender é
necessário, na maior parte dos casos, implantar na mente da massa a ideia sobre o produto. Todavia em virtude
da origem eclesiástica da palavra, muitos preferem usar publicidade, ao invés de propaganda; contudo hoje
ambas as palavras são usadas indistintamente.” (SANT’ANNA, 1998).
37
4
Podemos focar as principais relações econômicas neste sistema na interação entre anunciantes, agências,
veículos e fornecedores. A agência funciona como uma espécie de intermediária entre todos os demais agentes
com o anunciante, planejando, executando e distribuindo a comunicação das empresas com a sociedade. Ela é de
fato contratada legalmente pelo anunciante, que a nomeia corresponsável pela maneira com que seus produtos ou
serviços se comunicam com seus respectivos consumidores.
Para poder atender à estas demandas diversas e conseguir dialogar com estes diferentes agentes, a empresa
publicitária necessitou constituir departamentos e profissionais com diferentes competências para atender estas
tarefas.
Na conversa com os veículos (jornais, emissoras de televisão, rádios, portais de internet, redes sociais, blogs,
etc.), fica à frente um departamento chamado Mídia, que dotado de profissionais com conhecimentos de
estatística e finanças consegue decidir quais os melhores espaços publicitários em termos de visibilidade e preço
que devem ser reservados nestes diferentes meios. Há o Departamento de Atendimento, que constrói um diálogo
direto com o cliente, traduzindo suas demandas para a dinâmica da agência. Próximo a ele há o Planejamento,
que trabalha em sintonia com o departamento de marketing do anunciante, construindo estratégias de
comunicação mais abrangentes, contratando pesquisas de mercado, tecendo análises de médio e longo prazo. A
Produção, que faz a ponte com os fornecedores contratados para materializar o material criativo (gráficas,
fotógrafos, produtoras de cinema, ilustradores, programadores de internet, etc) e, finalmente, o Departamento de
Criação, talvez a área mais representativa do campo, tanto para o público externo quanto para os que procuram
se profissionalizar na área.
5
Tipo de agência de publicidade que pertence ao cliente, operando como um departamento interno.
39
(I) Monopolização, com base em mercados regionais isolados, onde a oferta estava
concentrada em algumas poucas empresas; (II) política monetária do Estado,
determinando mudança de preços relativos a favor do setor industrial, voltado para o
suprimento do mercado interno de produtos antes importados, principalmente bens
de consumo não–duráveis (tecidos, alimentos, calçados, etc) mediante favores
fiscais e creditícios, e fazendo com que parte da renda gerada na agricultura fosse
transferida para a indústria; (III) inversões de capital a partir de lucros acumulados
nas empresas, independente de um “mercado de capitais.” (CUNHA, 1989, p. 33).
Tais valores são utilizados com cautela e diplomacia na postura das agências citadas
na produção de campanhas contra o viés nacionalista do governo Vargas, em especial na área
do petróleo. A McCann-Erickson, detentora da conta da Standard Oil, foi acusada de boicotar
economicamente os veículos de comunicação favoráveis à política de Vargas, chegando a ser
chamada para depor em uma comissão parlamentar de inquérito em 1954.
No entanto, o fato é que o mercado brasileiro nos anos 1950 está dominado pelas
agências americanas, que se transferem para o Rio de Janeiro e São Paulo, seguindo seus
clientes globais que aqui começaram a se estabelecer desde os anos 30, fugindo das restrições
do mercado interno em recessão nos EUA.
6
Vamos abrir parêntese para lembrar o que foi essa política do Big Stick. Desde a independência das nações
latino-americanas no início do Século XIX, Tio Sam firmara o pé na ideia de que as potências europeias não
tinham o direito de intervir ou de tentar recolonizar a América. Isso foi feito por intermédio da "Doutrina
Monroe", uma declaração solene de política exterior feita pelo presidente dos Estados Unidos. Embora não
tivesse força suficiente para fazer valer essa doutrina naquele momento, Washington afirmava em princípio seu
papel protetor em relação ao conjunto das Américas. No final do Século XIX, os políticos americanos
constataram que "as grandes nações do mundo estão devorando rapidamente todos os lugares desocupados da
terra" e que "os Estados Unidos não devem ficar atrás". Tio Sam entrou também na corrida imperialista desde a
guerra contra a Espanha em 1898, o que lhe permitiu ocupar territórios no Pacífico (Havaí, Filipinas), no Caribe
(Porto Rico), assim como estabelecer o direito de intervir em Cuba e estimular o separatismo panamenho em
relação à Colômbia, a fim de construir o canal do Panamá (que o Congresso colombiano recusara em princípio).
Desde então, os Estados Unidos intervieram política e militarmente várias vezes em países do continente, em
especial no Caribe e América Central, sempre que julgaram estarem ameaçados seus interesses políticos ou
econômicos. Esse intervencionismo declarado foi chamado de Big Stick, inspirado numa frase famosa do
presidente Theodore Roosevelt sobre a política americana para o continente (MOURA, G., 1984, p. 7).
43
A cultura americana penetra através dos hábitos mais simples da vida cotidiana e da
construção de sociabilidade do povo brasileiro. Obviamente este não era um caminho de mão
única, com uma população passivamente sendo impactada por essas mensagens. Era
necessário a todo tempo adaptar e monitorar a maneira com que a apropriação cultural se
dava. É neste espaço que surgem os primeiros nomes de destaque da publicidade brasileira, os
publicitários formadores do campo, que instruídos nas técnicas americanas de persuasão
foram chamados a comandar as estruturas internacionais locais, dando à mensagem
internacional do consumo um sotaque brasileiro.
O diretor da agência Lintas, representante no Brasil da poderosa conta da Unilever,
Rodolfo Lima Martensen, foi um dos nomes do mercado publicitário que ajudaram nesse
processo de tradução descrito. Produzia campanhas que além de incentivarem vendas também
tinham a dupla função de criar um ambiente favorável aos novos produtos e seus hábitos de
consumo decorrentes, como no lançamento em 1953 de Rinso, o primeiro sabão em pó no
Brasil.
Em matéria de, vamos dizer, de trabalho educacional da propaganda o caso mais
típico que eu posso mencionar, como experiência própria, é a da transformação do
uso do sabão em barra para o detergente em pó. Isso eu participei diretamente de
todo o processo. No Brasil se usava o sabão em barra, com o “lesco-lesco” no
tanque ou no riacho. E aí foi desenvolvido um sabão em pó que tinha que ser
dissolvido em água morna, numa determinada quantia certa, uma proporção certa,
quase uma fórmula correta para dar o resultado. Então me foi entregue esta
incumbência publicitária: vê se você consegue conformar uma dona de casa que está
acostumada a fazer um grande esforço para lavar sua roupa com o sabão em pedra
para uma adepta de um sabão que você põe um pouquinho de pó, mistura, põe a
roupa lá dentro e sai limpinha. Bom, esse sabão foi Rinso. Foi pioneiro na
transformação de um hábito secular em uma nova maneira de lavar roupa.
(MARTENSEN, 2005).
Foi este o cenário que o campo publicitário teve que enfrentar em seu
desenvolvimento, desde 1941 até os primeiros anos da década de 1950. Neste contexto que
Rodolfo Lima Martensen, agora um profissional de grande experiência internacional
decorrente de seu cargo de chefia, visitando mercados internacionais mais estruturados que o
brasileiro, decide propor a criação de um núcleo de ensino que facilitasse a propagação desse
conjunto de saberes, agora orientadores da técnica publicitária nacional, elaborando o
anteprojeto de uma escola que fosse a voz e o instrumento de aprimoramento dessa indústria.
45
7
O valor da comissão moralizou o mercado, mas também foi imposto pelas agências multinacionais e bastante
criticado pelas demais agências, visto que os custos com profissionais importados eram altos no período. O valor
foi crescendo até atingir 20%, valor oficialmente válido até hoje, mas com menos rigidez em sua aplicação.
8
Conversor de valores do Estado de São Paulo. O conversor fornece valores aproximados (ESTADO DE SÃO
PAULO. Conversor de valores. Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br>. Acesso em: 3 jan. 2017).
47
Foi no MASP, foi no número 230, 240 da Rua Sete de Abril. O Pietro Maria Bardi
havia sido publicitário na Itália, entre outras coisas, ele entendia de propaganda. O
Rodolfo Lima Martensen era, na época, o presidente da Lintas. Agência de bom
tamanho já naquela época aqui em São Paulo. Ele era moço, tinha trinta e poucos
anos. Conversando na exposição, eles falaram de vários anúncios, que na verdade
eram uma porcaria. Na época se fazia muita coisa ruim. O diálogo foi esse: “Poxa,
será possível fazer alguma coisa para melhorar esse padrão?” (FRANCISCO
GRACIOSO).
De uma conversa no saguão dos Diários Associados surge o pedido formal do diretor
do MASP para que o Rodolfo Lima Martensen organizasse um curso de publicidade a ser
ministrado dentro do museu, com o intuito de melhorar o nível artístico da publicidade no
país.
O Salão, naquele instante, tinha pouca gente. Estávamos em frente aos painéis da
Lintas, que Wilda havia confeccionado com especial carinho. Num átimo, um
turbilhão de ideias passou pelo meu cérebro. Aquele material bonito que a Lintas
expunha no Salão, de onde viera? Como fora possível atingir tão bom nível de
comunicação? Senti, em toda sua plenitude, o quanto a agência que eu dirigia me
havia beneficiado com muitos cursos e experiências a que me submetera em centros
publicitários mais desenvolvidos. Sem dúvida, mais do que um lugar de trabalho,
Lintas vinha sendo para mim uma escola de ética e profissionalismo. (GRACIOSO;
PENTEADO, 2012, p. 73).
Na própria fala de Rodolfo percebemos que ele agradece sua formação à sua agência,
a multinacional Lintas. A trajetória do publicitário é a constatação da existência desse ensino
pulverizado do período, concentrado nas agências ou clientes que dispunham de capital e
tempo para investir na formação de seus funcionários.
O melhor exemplo deste momento é o Departamento de Propaganda da General
Motors do Brasil, implantado em 1926, para ajudar a vender seus automóveis e caminhões no
país. Esta pode ser considerada a primeira “escola” de publicidade em território nacional a
utilizar as técnicas mais modernas disponíveis oriundas da escola norte-americana de
publicidade. Além da divulgação regular dos lançamentos de veículos diversos, o
departamento realizou uma série de atividades inovadoras na área: organizou dois salões do
automóvel para apresentar novos modelos, criou um grupo só para cuidar dos painéis de
estrada e outro dedicado às malas direta 9 , além de programas cooperativos com os
revendedores.
Em 1929 é fundada a filial brasileira da agência J.W. Thompson, em São Paulo. A
empresa veio justamente atender a conta da General Motors. O famoso Departamento de
9
Mala Direta é um formato promocional que consiste na divulgação de produtos e/ou serviços de empresas,
através de material impresso personalizado enviado pelo correio.
50
Propaganda é extinto e seus quadros são aproveitados na formação da nova agência, que
segue na missão de formar profissionais para o mercado. De inovador a empresa cria um
sistema de trainees que trabalhavam em todos os setores da agência durante um determinado
tempo. Assim o profissional que entrasse na JWT era obrigado a conhecer as diversas tarefas
contidas na indústria da publicidade, adquirindo visão global do negócio. Esse sistema foi de
tamanho sucesso que se transformou no modelo oficial de treinamento de estagiários em
agências no Brasil.
Destas duas empresas nasce a primeira geração reconhecida de publicitários, ou seja,
de profissionais que compartilhavam as técnicas já internacionalizadas de como conduzir uma
campanha publicitária em um contexto capitalista complexo, com múltiplas plataformas para
veicular sua comunicação, e em um país com o tamanho do Brasil. São eles Orígenes Lessa,
Francisco Teixeira Orlandi, Aldo Xavier, Sebastião Borges, dentre outros. A maioria se
tornará corpo docente da 1ª turma da Escola de Propaganda do Museu de São Paulo.
É a partir desta matriz que Rodolfo Lima Martensen começa a pensar o anteprojeto da
Escola. Em nenhum momento o publicitário articula qualquer ação com sistema de ensino
superior voltado à área de comunicação, já existente em 1950, mas totalmente focado no
ensino do jornalismo, como a Escola de Jornalismo Cásper Líbero, em São Paulo, e o Curso
de Jornalismo da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, fundado no Rio
de Janeiro em 1948.
Como já foi mencionado, o campo de ensino superior de comunicação se encontrava
neste período articulado com as questões dos profissionais do setor público, que necessitavam
de um diploma superior para evoluir em seus planos de carreira. Somente o modelo de escola
livre, desligado das obrigações burocráticas necessárias para se inserir no campo acadêmico
tradicional, parecia ser viável para atender à demanda imediata de formação de mão de obra
de um campo que já dava sinais de desorganização em função desse gargalo. A publicidade e
o ensino superior só vão se encontrar definitivamente em 1969, quando o curso de
comunicação social é instituído pelo MEC, contando com a publicidade como uma de suas
habilitações.
Segundo o Rodolfo, o trabalho de elaboração da Escola tomou-lhe nove meses devido
à visitas e consultas em grandes centros mundiais de ensino de propaganda. Na França foi
procurada a École de Publicité, da Fédération Française de la Publicité. E na Inglaterra, a
Advertising School, da British Advertising Association, instituições já com 25 anos de
experiência de ensino na área e que segundo o relato contido em publicações oficiais da
51
Era a moda do momento, era o que todos os jovens queriam fazer. Então, a nossa
escola, desde o início, começou a atrair não só pessoas que já estavam na
propaganda, como também pessoa que queria entrar na propaganda. Como no meu
caso. (FRANCISCO GRACIOSO).
espacial da oferta de empregos na região Sudeste, em especial nas metrópoles. Havia também
o fenômeno da emigração do campo, principalmente após 1940. Diversos fatores expulsaram
trabalhadores e pequenos proprietários rurais do Nordeste e Minas Gerais, como a alta
concentração de propriedade rural, baixos salários no campo, mudanças tecnológicas, dentre
outras. Nas cidades estes trabalhadores encontravam maiores salários e a proteção das leis
trabalhistas, inexistentes no meio rural. Além de serviços públicos de saúde e educação.
São Paulo também se destaca no período na questão da escolarização. Com a
transferência das populações rurais para as zonas urbanas intensificou-se a procura por
educação básica (leitura, escrita e cálculo), percebidos rapidamente como mecanismos
geradores de oportunidades de trabalho. Dentro da orientação ideológica do Estado Novo,
construir mais salas era a materialização da imagem do Estado preocupado com as
necessidades do povo. Assim acumulava-se apoio político na população, além de render
dividendo políticos adicionais, já que com o aumento da burocracia escolar, mais cargos
surgiam a ser preenchidos por “correligionários”.
A constituição do estado de São Paulo de 1947 determinava que a criação de escolas
estaduais fosse feita por lei aprovada pela Assembleia Legislativa. Ou seja, a criação de novos
núcleos de ensino estava mais localizada nas mãos do legislativo que do executivo, nesse
momento. Os deputados então usavam a construção de escolas e ginásios como estratégia no
aumento de seu poder político local. Desta foram observamos um salto de 41 escolas em 1940
para 561 em 1962, em São Paulo (CUNHA, 1989).
Outro aspecto importante dessa expansão acelerada da rede de ensino é que a maioria
dessas escolas inauguradas era de ensino médio, chamado na época de “ginásio”. O diploma
do ginásio tinha um valor maior que os demais, daí a preferência dos deputados em construir
mais escolas neste padrão, para colherem mais ganhos políticos. Isso porque o ensino na
época era “dualista”, ou seja, apresentava dois caminhos bem definidos a partir do ensino
médio: um que levaria às escolas técnicas e outro que conduziria ao almejado nível superior.
Apenas com um diploma do ginásio se poderia candidatar a um colégio e, posteriormente, a
uma instituição de nível superior.
Esta tendência paulista de valorização do ginásio acaba inclusive se alinhando com a
política federal, que aos poucos vai retirando os mecanismos de barreira para quem tivesse
optado pela linha técnica. Ao final a própria população naturaliza o ginásio como uma
continuação lógica do ensino primário, tirando o foco das escolas técnicas e colocando o nível
superior como objetivo universal do ensino no Brasil, cenário que persiste até hoje.
54
Por que o curso foi aberto em São Paulo e não no Rio? Que era a capital da
propaganda brasileira. Primeiro, por que aqui estava o MASP, aqui estavam o
Rodolfo e o Pietro, mas também por que naquela época foi uma fase mágica da
cidade de São Paulo.
Estávamos no início da década de cinquenta e chegavam a São Paulo,
continuamente, imigrantes de todos os países europeus de excelente nível
profissional e intelectual. Fugindo da guerra, né? A guerra tinha deixado a Europa
em ruinas, vieram para cá italianos, franceses, muitos alemães, espanhóis.
Espanhóis da Catalunha, principalmente, foram muito importantes na propaganda
brasileira. Essa gente incendiou a vida cultural de São Paulo.
Francos Zampari, por exemplo, era um mecenas italiano que venho para cá,
montou um negócio, mas no duro ele queria era cinema e teatro. Ele fundou o teatro
brasileiro de cultura artística, que foi o ponto inicial da renovação do teatro
brasileiro. Ele fundou a companhia Vera Cruz, foi a grande primeira estrutura no
campo do cinema. Vieram diretores de cinema ingleses, como o Cavalcante, para
trabalhar com a Vera Cruz e essa gente toda acabou ficando por aqui. Havia aquele
clima de efervescência. A nossas agências que era filiais das matrizes que estavam
no Rio, tinham muito mais vida cultural, muito mais agitação, por que, tiveram o
benefício dessa carga cultural que se transferiu para cá.
Foi esse o substrato que surgiu essa Escola. Eu era apenas um aprendiz de
feiticeiro que me aproveitei desse clima mágico, como eu falei, dessa atmosfera
esfuziante da propaganda. Que lembrava, naquela época, em termos de charme
para atrair os jovens a internet nos seus primeiros anos aqui. (FRANCISCO
GRACIOSO)
Em 1955 a Escola havia crescido de maneira a tomar muitos dos espaços do MASP.
Em uma conversa franca, Pietro Bardi dá três meses para que a instituição desocupe seu
espaço dentro do museu e procure instalações mais adequadas. Novamente Rodolfo Lima
Martensen recorre aos amigos do mercado na reestruturação do negócio e volta a apelar
também às empresas do campo publicitário (veículos, anunciantes, agências) por apoio
financeiro. A Escola garante, assim, recursos e estrutura administrativa para realmente se
relançar de forma mais independente. Aluga um conjunto de salas dentro dos Diários
Associados, onde já estava alojada e muda sua denominação jurídica para Escola de Propaganda
de São Paulo.
Segundo depoimento de Rodolfo Lima Martensen para a Revista da ESPM, até 1968 a
Escola não possuía concorrentes, arcando praticamente sozinha com o ensino da propaganda
no Brasil. Algumas tentativas de cursos de curta duração foram instituídas em vários pontos
do país, muitos com ajuda da própria ESPM, que enviava material e até mesmo professores
55
para incentivar a difusão do ensino em escala nacional. Porém, o que ainda prevalece é o
modelo de escola livre como definidora do campo de ensino publicitário, em um cenário onde
o ensino superior já havia se estabelecido como melhor formato de reconhecimento profissional.
substituição de importações, perdem seu mercado e são obrigados a emigrar para São Paulo,
onde o patriarca da família consegue um emprego público. Ao momento difícil, ainda se soma
uma tuberculose contraída por Rodolfo, em 1931.
No conjunto, foi um drástico “ruir de bases”. De um momento para outro, meus pais
ficaram sem nada. Tentaram outros ramos de comércio, abriram uma livraria, uma
bombonière, nada foi adiante. (DURAND. 2008a, p. 42, grifo do autor). [...] Ali
estavam Willy e Dora Martensen empobrecidos e com o filho único internado num
sanatório. (MARTESEN apud DURAND. 2008a, p. 42, grifo do autor). [...] Para
sobreviver em São Paulo, e poder dar apoio ao filho internado, o pai aceitou um
emprego modesto de um parente distante, no serviço público. (DURAND. 2008a, p.
42, grifo do autor).
revista criada em setembro de 1940, ainda com o nome Publicidade, por Alvarus de Oliveira,
João Serpa e J. Waldemar Augusto da Silva, tendo Barros Vidal como redator-chefe,
substituído posteriormente por W. R Poyares, foi o principal meio de divulgação das ideias e
projetos do campo publicitário nos anos 1950 e início dos 60. A publicação iniciou sua
história com a tiragem de mil exemplares e atingiu a marca de 25 mil na edição número 285,
de 20 de julho de 1957. Além da tiragem, o perfil da publicação foi aprofundando análises
econômicas e políticas, mudando em 1959 seu nome para Política e Negócios.
10
Segundo o Dicionário histórico-biográfico da propaganda brasileira, o uso do pseudônimo estrangeiro se
deveu ao fato de que gerava respeitabilidade à publicação, já que na época não havia ainda experts brasileiros em
publicidade (ABREU; PAULA, 2007).
58
Interamericana), Pedro Santiago (da Toddy), João Daudt de Oliveira, Peixoto de Castro e
Salvador Magual, todos estes três últimos ligados à propaganda de produtos farmacêuticos. A
revista teve curta duração segundo o Dicionário Histórico Biográfico da Propaganda
Brasileira, por ser deficitária.
Em 1937, em São Paulo, surge uma nova revista com o mesmo nome, Propaganda.
Possuía 24 páginas, tiragem de 3 mil exemplares e era impressa em papel couchê. Seu diretor
era Jorge Mathias e o redator-chefe, Orígenes Lessa. Oscar Fernandes da Silva era o
secretário, mas a partir do segundo número foi substituído por Júlio Cosi. A revista encerra as
atividades em 1939.
Como mencionado, em setembro de 1940 inicia-se a revista Publicidade, mudando
seu nome em 1947 para Publicidade e Negócios, quando adquiridas por Genival Rabelo e
Manoel Vasconcellos, que adotam como modelo a Advertising Selling, de Nova Iorque.
Inicialmente, tinha periodicidade mensal, passando mais tarde a semanal. Genival era repórter
do Diário Carioca, de 1940 até 1942. Administrou e editou a Publicidade e Negócios até
1964. Foi quem lançou a ideia da realização do I Congresso Brasileiro de Propaganda, marco
no processo de institucionalização do campo publicitário. Em 1955 foi presidente da mais
importante entidade de classe do mercado publicitário, a ABP, Associação Brasileira de Propaganda.
Por último, em 1956 ressurge em São Paulo a revista Propaganda, que havia fechado
em 1933. Era concorrente direta de Publicidade e Negócios, cuja sede era no Rio de Janeiro.
Foi criada em resposta a um artigo de Auricélio Penteado, publicado na PN de 1955, com o
título de “Carcomanopéia”, que criticava os publicitários paulistas. A diretoria inicial era
formada por Geraldo de Souza Ramos, como presidente; Milo Gambini, como diretor
superintendente; e Eric Nice, como diretor de arte. A revista era mensal.
Há ainda o subcampo do colunismo publicitário, onde o maior destaque está na
pioneira coluna sobre propaganda de Sylvio Behring no jornal O Globo, de 1930 a 1932. Em
1937 o jornalista participou da fundação da Associação Brasileira de Propaganda, a ABP, no
Rio de Janeiro. Sylvio teve grande sucesso administrativo em seus anos dentro da empresa,
criando o primeiro Departamento de Arte e Propaganda de O Globo, praticamente uma
agência dentro do jornal. Fica claro na apresentação deste cenário sobre as primeiras
publicações relativas ao mercado publicitário como o campo da propaganda deve muito aos
jornalistas o sucesso na construção de suas entidades de classe mais relevantes.
A linha editorial de Publicidade e Negócio era em sua maioria voltada para a agenda
de institucionalização da prática profissional publicitária. Na publicação encontramos
59
Fonte: Revista Publicidade e Negócios, n. 277, 20 mar. 1957 e n. 320, 1º maio 1958.
tudo não fui se não começo, verdadeiro começo da vida prática, o início da luta
árdua na perseguição de uma carreira. O I Congresso Brasileiro de Propaganda, com
o seu código de ética, resolução de se organizar um Instituto de Verificação de
Circulação, a criação de escolas-padrão de publicidade, as definições legais do
negócio e da profissão publicitária, é o diploma que temos nas mãos. Precisamos
agora levar tudo isso para o terreno das realizações. Pôr em prática o que ali se
estabeleceu. Tomar cada um de nós, o compromisso solene consigo mesmo de que a
magnífica reunião de várias centenas de publicitários em torno do ideal de "educar,
produzir, vender melhor" não haverá de se estiolar e de se perder no tumulto da luta
pela vida, da concorrência desenfreada, dos interesses imediatistas.
(VASCONCELLOS, 1957, p. 1).
Sob pressão dos acontecimentos, das agências e seus clientes, a imprensa (jornais e
revistas) se aprimorou e se modernizou. O rádio recebeu permissão, por decreto, em
1932, para transmitir propaganda comercial. E apareceram também as principais
empresas especializadas em outdoor11. (ANGELO, 1990, p. 25, grifo do autor).
Embora ainda olhada com certa desconfiança, embora seus praticantes ainda se
sentissem como em uma profissão marginal, a propaganda é um fator positivo
dentro do processo de desenvolvimento econômico. Era hora de a caminhada ser
mais rápida e mais firme. Era necessário um movimento coletivo abrangente para
11
Painéis externos, em ruas de grande circulação ou estradas, que apresentam mensagens publicitárias.
61
As agências de Propaganda mais bem montadas não poderiam por muito tempo
continuar com o regime lento e defeituoso de criar técnicos para atender ao aumento
progressivo dos negócios publicitários. O processo além de muito dispendioso,
absorve a atenção de elementos úteis e capazes que têm seu tempo tomado na
execução de seus afazeres. Distraí-los de suas atividades especializadas, ainda que
com a melhor das intenções, representa um investimento de tempo e dinheiro do
qual nem sempre se podem esperar resultados compensadores. Assim, dos novos
profissionais que surgem, uns ou não estão em perfeitas condições para se
desempenharem a contento das missões que lhe são confiadas, ou, então quando
resultam bons, vêm a custar uma bela importância para a Agência que os educou.
Isso sem mencionar o risco para a empresa de perde-los de um momento para outro,
devido à escassez de material humano com que nos debatemos na especialidade.
(SILVA, 1952, p. 4).
ela seja absorvida pela USP, constituindo o embrião do que mais tarde seria a Escola
Comunicação e Arte, a ECA.
Nós estávamos perdidos, vou te contar. Em 1971, portanto, a vinte anos depois da
fundação. A missão original da Escola, que era um curso livre de formação
relativamente rápida para jovens que estavam ou não na propaganda, mas que
precisavam de um apoio. Esse modelo se esgotou, as agências em vinte anos se
desenvolveram de tal forma que, de certa forma, prescindiu dessa carga de jovens
mal preparados. Na realidade, um curso de dois anos não prepara tão bem assim e
a Escola estava recebendo cada vez menos candidatos. Eu estava no conselho na
época e nos reunimos para decidir o que fazer. A tese que parecia dominar a
reunião, era a entrega do patrimônio da Escola à ECA. (FRANCISCO
GRACIOSO).
anos para quatro anos, oferecendo um curso básico e quatro opções profissionais de
especialização. Passa a se chamar Escola Superior de Propaganda e Marketing.
Otto Hugo Scherb era austríaco de Viena. Em 1947 mudou-se para o Brasil e formou-
se em economia pela USP, em 1953. Seu primeiro trabalho como professor foi em 1955 pela
então Escola de Propaganda de São Paulo, dando aulas de estatística e economia. Trabalhou
em diversas agências e clientes no Brasil e no exterior, em geral em cargos de chefia. Em
1960 assumiu a diretoria de cursos da ESPM.
Também era Doutor em economia pela USP e livre-docente desta instituição,
especializado em econometria, tendo publicado vários livros nessa área. Foi também
professor de graduação e pós-graduação da ECA/USP (REVISTA DA ESPM. 2001).
Sendo assim, também era um agente do campo acadêmico tradicional, conhecedor
portanto dos meandros burocráticos e práticos necessários para o reconhecimento de uma
instituição de ensino superior. Além disso, era bem relacionado dentro da USP, possuindo
contato com o então ministro da fazenda Delfim Netto, professor da instituição. Era
igualmente muito respeitado no meio empresarial, pelo extenso currículo em empresas
multinacionais (Pond’s, Johnson & Johnson, Pfizer) e em agências de grande prestígio
(J.W.Thompson, Almap, Denison, DDB). Seu gesto de dedicação exclusiva foi fundamental
para viabilizar a entrada da instituição no campo oficial de ensino superior e encerrar a fase de
escola livre de publicidade. No entanto, este modelo de ensino não desaparece da instituição:
vai adquirir nova chance de se desenvolver em 1974, com a abertura da ESPM no Rio de
Janeiro.
66
E no Rio de Janeiro
Abriu-se nova unidade
Na praia de Botafogo
Naquela bela cidade
74 era o ano
Cid Pacheco o decano
Diretor da novidade.
(Clotilde Santa Cruz Tavares.
2004)
economia brasileira, que havia financiado grande parte de seu recente crescimento via
endividamento externo.
No início dos anos 1970, uma economia superaquecida foi atingida pelo choque do
petróleo. A obsessão com a legitimação de um regime autoritário estatizante através
do sucesso econômico de curto prazo determinou uma ênfase renovada em
substituição pesada de importações, financiada por uma forte acumulação de dívida
externa. O ponto crítico definidor do futuro econômico do Brasil foi a decisão do
general Geisel (1974-79) de enfrentar o choque do petróleo de 1973 dobrando a
aposta numa substituição de importações superpesada. Isso só pôde ser colocado em
prática através de uma dependência profunda na reciclagem financeira internacional
dos petrodólares. Com o benefício do conhecimento da história, essa foi uma
decisão desafortunada, porque o cenário internacional deteriorou-se continuamente a
partir do final dos anos 70. Na economia doméstica, uma indexação salarial
aperfeiçoada acompanhou a abertura do regime militar que foi iniciada pelo mesmo
general Geisel e levada adiante pelo general Figueiredo (1979-85). Demanda
doméstica excessiva e indexação de preços e salários levaram a dívida externa e a
inflação doméstica a aumentarem fortemente. O preço relativo do investimento
aumentou e a produtividade do capital declinou substancialmente entre 1974 e 1984.
Esse período foi também caracterizado por “regressão” técnica ao invés de
progresso técnico. Uma adversidade internacional continuada eventualmente forçou
o país a declarar uma moratória nas suas obrigações externas no final de 1982.
(BACHA; BONELLI, 2005, p. 166).
12
(CONJUNTURA ECONÔMICA apud BELLINGIERI, 2003.)
68
Para muitos, 1974 foi o ano da verdade. Terá sido o ano da verdade econômica, o
ano da verdade empresarial e, talvez, até o ano da verdade profissional. Dever ter
sido assim, realmente. Ventos frios, provenientes de muito além de nossas 200
milhas marítimas, trouxeram problemas, gerados principalmente pelo petróleo e pelo
papel. Contudo, o fato é que a sensível meteorologia econômica já registrava o
declínio da temperatura, causado pela massa quente do acúmulo nervoso de estoques
das poucas matérias-primas disponíveis, ao encontrar-se com a frente fria da falta de
capitais de giro. E algumas empresas não resistiram à prolongada geada de falta de
financiamento bancário que, se não chegou exatamente a prejudicar sua safra, pelo
menos comprometeu irreversivelmente sua colheita.
Quem estava preparado para a crise conseguiu atravessar o ano com certa grandeza.
Quem não estava pagou o preço do noviciado ou da inexperiência. Porque a
racionalização operacional passou a ser imperativo de sobrevivência e não mais uma
quimérica necessidade a ser alcançada. E nem o governo conseguiu manter-se rígido
nas suas metas, obrigado que foi a rever posições (permitir o retorno dos prazos
máximos nas vendas diretas ao consumidor, por exemplo) e a caminhar até a
concessão de aumentos salariais em forma de abono, para corrigir deteriorações do
poder aquisitivo. (ANUÁRIO BRASILEIRO DE PROPAGANDA 1974-75, 1975, p. 30).
A fusão do estado da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro foi decretada pelo
presidente Ernesto Geisel em 12 de julho de 1974, pela Lei Complementar nº 20, e
implantada a partir de 1º de março de 1975. A ideia de unir a cidade do Rio ao
estado do Rio não era nova, mas enfrentava resistências variadas. Afinal virou
realidade durante a ditadura militar, num momento especial da história do regime. Já
ao tomar posse, em março de 1974, Geisel anunciara ao país sua disposição de
promover a "distensão" política. Foi nesse contexto que a fusão se consumou. Os
dois processos estiveram inter-relacionados, e a dinâmica política do "novo" estado
do Rio de Janeiro, que passou a ter no Rio sua capital, se definiu pari-passu à
distensão. (FERREIRA, 2006, p. 163).
13
Anuários de Publicidade são publicações criadas pela revista Publicidade e Negócio no final dos anos 1940, e
que se tornaram comuns no campo publicitário desde então. Como o próprio nome diz, trata-se de uma espécie
de “balanço anual” das realizações do mercado. Contém matérias e entrevistas avaliando o ano que passou.
Apresenta e premia as campanhas publicitárias de maior destaque no período. Por fim apresenta listagem com
endereço e telefone dos principais agentes deste campo (agências, veículo e fornecedores). Tal formato de
publicação permanece sendo editado até hoje, com algumas modificações, e se caracteriza como depositário de
memória fundamental para esta atividade.
14
Lago (1990) afirma que o salário real se reduziu no período, a despeito do aumento do PIB e da produtividade
da economia.
69
Por outro lado, o desenrolar do processo de fusão mostrou que o regime militar não
atuou de forma a enfraquecer o MDB carioca. Diferentemente do esperado, a Arena
carioca e seu principal líder engajado na fusão, o deputado Célio Borja, ficaram
totalmente marginalizados na construção do novo estado. O governador nomeado
por Geisel, Faria Lima, não só não teve nenhum tipo de iniciativa que ajudasse a
alargar a esfera de ação dos arenistas no governo, como permitiu que os esquemas
de dominação chaguista enquistados dentro da máquina administrativa fossem
preservados. (FERREIRA, 2006, p. 170).
15
Conhecido como o período “pós-milagre”, o governo Geisel se iniciou sob o impacto da primeira crise do
petróleo, ocorrida no final de 1973, e que teve como resultado a quadruplicação dos preços do produto. Apesar
da posição defendida por alguns ministros, como Mário Henrique Simonsen, da Fazenda, em favor de uma
“política contracionista” – uma “pequena recessão”, diziam alguns – Geisel acabou optando pelo “crescimento”,
como ele mesmo justificou posteriormente: “Porque os Estados Unidos e a Alemanha entraram em recessão, o
Brasil também vai entrar? Não! [...]. Entrar na recessão é fácil, sair dela é o problema. Essa “opção pelo
crescimento”, que ganhou forma através do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), significava, antes
de tudo, “aumentar a produção nacional”, o que implicava incentivo, por meio de diferentes formas – subsídios,
renúncia fiscal, entre outras –, ao robustecimento e à diversificação do parque industrial sediado no país. Era o
projeto do “Brasil Grande” em marcha (MOTTA, 2001, p. 5).
71
participação no PIB nacional de 16,7% para uma participação de 10,8%, a maior perda entre
todas as unidades federativas brasileiras. E que na mesma linha, de acordo com dados do
Ministério do Trabalho (RAIS/MTE), o Estado do Rio de Janeiro apresentou, entre 1985 e
2011, o menor crescimento de empregos formais, entre todas as unidades federativas
brasileiras (MOTTA, 2001).
Por sua vez, após a fusão da Guanabara com o antigo Estado do Rio, em 1974, os
governos persistiram em, por um lado, apresentar uma visão equivocada sobre quais
deveriam ser as estratégias de desenvolvimento econômico para a região – no
governo Faria Lima, por exemplo, a preocupação centrou-se no setor agrícola,
apesar da diminuta participação desse setor no PIB carioca. Por outro lado, adotaram
um foco pontual, sem estudos setoriais e uma adequada estratégia e coordenação de
políticas. Ou, ainda, simplesmente dispensaram a formulação de quaisquer políticas
de desenvolvimento econômico. (OSORIO; VERSIANI, 2013, p. 200).
Para Marieta de Moraes Ferreira os aspectos ditos técnicos não esgotam as pretensões
do governo federal na promoção da fusão. Havia também interesses políticos no sentido de
reposicionar a imagem do Rio de Janeiro para o país. O redesenho da identidade do estado
passava por diluir a figura do carioca, fortemente ligado à sua posição de morador da antiga
capital do país, na história da velha província fluminense.
fusão, posteriormente expande sua lógica de atuação local e clientelista para o estado do Rio.
Em 1974 a ESPM inicia suas atividades no Rio de Janeiro. A Escola, no entanto, não
dá seu primeiro passo sozinha. Associa-se à entidade de classe mais importante do campo
publicitário, a Associação Brasileira de Publicidade (ABP), fazendo uma proposta formal para
assumir a direção de seus pioneiros cursos técnicos de publicidade na cidade, fundados em
1959, mas que se encontravam paralisados então.
A parceria entre as duas instituições parece natural quando olhamos para o relato
histórico da associação.
Fundada no Rio de Janeiro em 16 de julho de 1937, a ABP tem entre seus patronos
Sylvio Bhering, já mencionado no capítulo 2 como pioneiro no colunismo publicitário, Júlio
Cosi, fundador da primeira agência de publicidade nacional (a Eclética), Assis Chateubriand,
Roberto Marinho, dentre outros. Era um grupo formado por publicitários e jornalistas, que
sempre atuaram de maneira conjunta nos movimentos iniciais de consolidação do campo da
propaganda.
A entidade é a primeira a traçar uma “missão” clara de sua responsabilidade diante da
formação e consolidação de um campo publicitário brasileiro. Do conjunto de suas atividades
surge o aparato institucional necessário para que a profissão seja reconhecida pela sociedade.
Não se pensava nisso (abertura da Escola no Rio), pelo menos que eu saiba. Meu voto
nunca falou nisso em assembleia de conselho. Era um curso livre, voltado
principalmente para propaganda, como é natural. Lá no Rio como aqui também,
naquela época, já não estava atraindo muitos candidatos. (FRANCISCO
GRACIOSO).
Não havia uma estratégia clara de expansão. A ESPM não se apresenta dessa forma
como uma empresa privada com gestão centralizada e com um plano estratégico definido,
mas como uma associação sem fins lucrativos, onde toda receita líquida é reinvestida na
própria Escola. O centro de decisões se divide entre um presidente e um conselho deliberativo
de 11 membros, eleitos a cada 2 anos. Mas há ainda uma rede maior de conselheiros (hoje
cerca de 36), em geral notáveis do campo publicitário, que são consultados para decisões de
maior envergadura. Tal desenho de gestão fica claro na fala da atual diretora da ESPM do
Rio, Flávia Flamínio:
Não tem um dono, não tem um acionista. Com certeza. A ESPM ela é sui generis
porque ela não é uma associação filantrópica, ela é uma associação sem fins
lucrativos, ou seja, ela não distribui lucro. Ela usa o lucro para reinvestir na
instituição. Ao longo desses sessenta e cinco anos, ela nunca teve doações.
(FLÁVIA FLAMÍNIO).
75
Se havia algum desejo de expansão da instituição para o Rio ou alguma outra unidade
da federação isso não aparece disponibilizado em nenhum documento da época para além da
ata da reunião que decide pela abertura da nova unidade, um documento meramente
informativo.
Figura 5: Ata da Assembleia Geral Ordinária da ESPM de 5 de dezembro de 1973, onde foi
aprovada a abertura da unidade do Rio de Janeiro.
A Escola tenta concorrer à edição de 1997 do prêmio, um ano após ter conseguido a
autorização do MEC para funcionar como curso de nível superior. Provavelmente um
interesse genuíno de José Roberto W. Penteado Filho, diretor da ESPM do Rio à época, de
divulgar a história até então da unidade no momento em que esta mudava seu perfil de curso
livre para instituição de ensino superior. Tal dossiê só foi acessado graças à iniciativa da
bibliotecária da ESPM, Cláudia Aragon, que preservou o material em seu arquivo pessoal da
instituição e o cedeu ao saber desta pesquisa.
Diferente da Escola de São Paulo, no Rio de Janeiro há uma grande dificuldade em se
encontrar produção memorialística local. Por ter atravessado mudanças administrativas
significativas, a Escola possui um relato mais acidentado que sua matriz paulista, gerando
talvez certa dificuldade na organização de um acervo de publicações físicas e digitais
relacionados aos momentos históricos relevantes da ESPM no Rio.
Voltando ao dossiê citado, nele encontramos o relato que em 1974 o publicitário Sani
Sirostski 16 candidatou-se à presidência da Associação Brasileira de Propaganda. Sua
plataforma eleitoral continha a proposta de reativar os cursos de publicidade da ABP, que
haviam sido interrompidos, como já dito. Em um encontro informal de Sani com o então
presidente da ESPM, Otto Scherb, na ponte aérea Rio-São Paulo, o candidato falou de seus
planos e ouviu a sugestão de aproveitar a expertise da Escola em décadas de administração de
cursos livres de propaganda em São Paulo.
Segundo o relato do ex-diretor a Escola, Sr. José Roberto W. Penteado Filho, a
proposta feita por Otto Scherb foi nestes termos:
Não, você não vai reinventar a roda. Vamos fazer uma filial da ESPM. A gente só
tem a experiência aqui. Você começa a Escola no Rio, me comprometo a ir toda a
semana dar aula. (JOSÉ ROBERTO W. PENTEADO FILHO).
A candidatura foi eleita para o biênio 1974-1975 da ABP e assim surgiu o cenário de
16
O publicitário nasceu no Rio de Janeiro em 24 de junho de 1928, falecendo em 7 de outubro de 2004. Iniciou
sua carreira no rádio e na imprensa, sendo repórter de O Globo, da Rádio Nacional e dos Diários Associados. No
jornal Última Hora, foi chefe de publicidade, diretor de publicidade, diretor superintendente e vice-presidente.
Em 1968, decidiu investir em publicidade e fundou a SGB, agência que se tornou uma das mais importantes da
década de 1970, figurando durante vários anos entre as 20 maiores do país. Foi eleito presidente da ABP no
biênio 1974-1975.
77
fundação da ESPM do Rio de Janeiro. Como seu primeiro diretor foi convidado Cid
Pacheco17, diretor da agência JMM e respeitado profissional na época.
Num primeiro momento ela funcionava como um anexo da ABP. Alugaram aquele
espaço na praia de Botafogo e quem deu um apoio muito grande que a Escola
abrisse, foi a Globo. A principal pessoa da Globo, que deu esse apoio todo na
implantação da Escola do Rio, foi o José Carlos Magaldi, que era uma das pessoas
importantes da Globo [...] (JOSÉ ROBERTO W. PENTEADO FILHO).
Figura 6: Matéria anunciando a parceria entre a ESPM e a ABP e anúncio de convocação para
o exame de seleção para a Escola.
A Escola tem seu primeiro endereço na Praia de Botafogo, em duas salas alugadas da
ABP. Repete-se aqui o processo de apoio que empresas, anunciantes e veículos deram à
unidade paulista. No caso do Rio, há grande entusiasmo da TV Globo, na figura de José
Bonifácio, popularmente conhecido como Boni, chefe da direção de programação e produção
da emissora, no apoio à abertura dos cursos.
A presença do Boni nisso tudo é muito importante, por que o Boni iniciou a carreira
em publicidade, trabalhando com o Rodolfo Lima Martensen Então, o Boni sempre
teve uma enorme consideração com o Rodolfo. Considerava o Rodolfo uma espécie
de pai profissional e tudo mais. Quando o Rodolfo começou a Escola, Boni era
jovem aqui em São Paulo, trabalhava na Lintas, muitas vezes ele ajudou o Rodolfo
17
Cid Perez Pacheco foi um dos mais destacados publicitários do Brasil, com mais de 45 anos de atividades em
Marketing e Propaganda, planejador de mais de 2.000 campanhas, para mais de 600 produtos diferentes e 300
clientes dos mais diversos. Foi, durante anos, diretor da agência JMM, uma das maiores do Rio de Janeiro nos
anos 70 e 80. Professor da Escola de Comunicação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, criou e ministrou
a cadeira de Comunicação Política e Eleitoral. Foi o primeiro diretor da ESPM no Rio (1974). (JANELAPÉDIA,
2013).
78
a fazer coisas lá pela Escola de São Paulo. Quando o Boni soube que a Escola
estava se implantando no Rio de Janeiro ele ajudou na hora, dando todo o apoio.
(JOSE ROBERTO PENTEADO).
Apoio significava em primeiro lugar divulgação, espaços na mídia para a Escola, tanto
em matérias jornalísticas quanto em publicidade regular. Por este motivo, a ESPM é uma das
primeiras instituições de ensino a anunciar regularmente em jornais e televisão (não apenas
publicar anúncios informativos sobre períodos de inscrição), prática incomum para aquele
momento e neste segmento da educação.
Figura 7: Anúncios.
Para facilitar ainda mais o acesso aos profissionais do setor, as aulas eram noturnas, 3 vezes
por semana, de 18h30 a 21h30, de acordo com material divulgado pela imprensa.
A estrutura de 2 anos já englobava disciplinas usualmente oferecidas pelos cursos de
comunicação reconhecidos pelo MEC, bastando aumentar a quantidade de horas-aula para se
atingir o formato de 4 anos, exigido pela legislação da época.
O curso então criou 3 áreas. Uma chamada “Humanidades” com as disciplinas de
Psicologia, Sociologia, Evolução da Filosofia e do Pensamento, Antropologia, Fundamentos
Científicos da Comunicação e Problemas Brasileiros Contemporâneos, sobre a coordenação
do professor Marcos Margulies. A segunda área, era intitulada “Marketing”. Coordenada pelo
professor Manoel Maria de Vasconcellos, tinha cinco disciplinas: Marketing Básico,
Elementos de Economia, Métodos Quantitativos em Marketing, Pesquisa de Mercado.
Merchandising e Promoção de Vendas. A última área se chamava “Técnica Publicitária”. Era
a que possuía mais disciplinas e basicamente refletia o primeiro curso dado pela ESPM, ainda
em São Paulo: Elementos de Propaganda, Planejamento Publicitário, Redação Publicitária,
Prática de Criação Publicitária, Arte Publicitária, Veiculação Publicitária, Produção de TV,
Produção Gráfica e Legislação e Ética de Propaganda. A coordenação era do diretor da
Escola, Cid Pacheco. A cadeira de Produção de TV prometia ser realizada em convênio com a
TV Globo, em mais uma ação de ajuda da emissora à Escola.
Segundo a publicação enviada ao Prêmio Top Educacional Professor Mário Palmério
(1997), o primeiro vestibular teve cerca de 400 inscritos. A promessa feita aos alunos foi a de
que a Escola seria reconhecida como faculdade durante os dois anos iniciais do curso. Foram
compostas duas turmas com esse cenário colocado.
Entretanto, o que Otto [Scherb] havia conseguido em São Paulo – com o apoio do
seu colega de USP e ministro de Estado, Delfim Netto – não se repete no Rio. As
autoridades militares, preocupadas com a “proliferação descontrolada de cursos
universitários”, suspendem indefinidamente as autorizações para novos cursos. A
ESPM/Rio tem de alterar seus planos e entregar às duas primeiras turmas de
frustrados alunos os certificados referentes ao curso de dois anos – que, contudo,
não tem condições de atrair novos alunos e concorrer com as outras faculdades de
comunicação. Mesmo sem o prestígio da marca ESPM, elas ofereciam a garantia de
um diploma de nível superior ao final dos 4 anos regulamentares. (PRÊMIO TOP
EDUCACIONAL PROFESSOR MÁRIO PALMÉRIO, 1997, p. 7).
abertura da Escola no Rio já leva em conta sua viabilidade a partir da premissa de se tornar
faculdade. O modelo de cursos de extensão havia se esgotado na experiência da administração
em São Paulo da ESPM, há algum tempo, e a ascensão ao campo oficial de ensino era
imperativa. A “marca ESPM”, por si só, não parecia ser suficiente para manter a viabilidade
econômica do projeto, ainda mais com as questões já colocadas sobre a economia brasileira e,
em especial, fluminense no período.
No entanto, há um aspecto no texto enviado ao Prêmio Mario Palmério que merece ser
comentado: a afirmação sobre uma decisão dos governos militares em suspender
“indefinidamente” as autorizações para novos cursos superiores e que não parece se sustentar
historicamente. A atuação dos militares sobre o sistema de ensino universitário foi
contundente, praticamente remodelando toda a estrutura do campo. E apontava para uma
ampliação da oferta de vagas no ensino superior, não uma repressão à expansão.
O modelo fragmentado de universidade no Brasil, na verdade uma colagem de
instituições isoladas de ensino superior, voltadas para o ensino profissionalizante, vinha na
verdade recebendo críticas bem antes do golpe de 1964.
Mas, foi só na década de 1960 que uma doutrina sistemática sobre a reforma
universitária tomou forma no Brasil, respondendo a esses antigos anseios de
superação do modelo napoleônico18 de ensino superior. Essa doutrina teve suporte
institucional no Conselho Federal de Educação e suporte político no regime
autoritário resultante do golpe de Estado de 1964. (CUNHA,1988, p. 17).
18
Política universitária voltada exclusivamente para a formação profissional, implementada pela revolução
burguesa de 1789 e finalmente instituídas pelas medidas reformadoras de Napoleão I.
81
Como coloca Rodrigo Patto Sá Motta (2014) em seu livro “As Universidades
Brasileiras e o Regime Militar”, havia, na realidade, o objetivo de expansão de vagas e de
apoio na iniciativa privada para este aumento da oferta de cadeiras no ensino superior. Para,
além disso, o foco da reforma universitária levada a termo pelos militares era quase
exclusivamente no setor público.
19
Conceito proposto por Rodrigo Patto Sá Motta (2014), segundo o qual a ideia de modernização defendida
durante o regime militar continua carregando os vícios conciliatórios da política tradicional do Brasil até então.
Cria-se uma ideia de modernização “conservadora”, alternando períodos de arrocho com distensionamentos. Tal
dinâmica é expressa na existência de dois grupos distintos dentro das forças armadas: um mais modernizante e
outro mais repressor.
82
acumulado pelo então presidente Otto Scherb, que episodicamente teve um amigo do mundo
acadêmico alçado a Ministro da Fazenda, do que a um histórico de relacionamento com estas
entidades reguladoras.
Uma coisa que favoreceu à São Paulo e nós não tivemos no Rio, foi que São Paulo
teve a sua autorização nos anos 1970, 74, 75. Quem foi instrumento da nossa
autorização de São Paulo, foi o ministro Delfim Netto. Ele era um homem poderoso,
era um militar. Ele, praticamente negociou com o Ney Braga, ministro da educação
da época, a autorização, e obteve isso para São Paulo, sem dúvida nenhuma.
(JOSÉ ROBERTO W. PENTEADO FILHO).
Tinha visitas do MEC, mas eram aquelas visitas oficiais. Não se tinha um trânsito
com o MEC e acho que até ainda não tem. Talvez tenha um pouco mais, estão
tentando um pouco mais, mas acho que ainda não tem. Eles têm uma relação muito
respeitosa, muito temerosa. (CARLOS ALBERTO MESSEDER PEREIRA).
Pelo relato de José Roberto W. Penteado Filho, que dirigiu a Escola de 1978 até 2001,
também podemos identificar que além das dificuldades no relacionamento da Escola com o
MEC, havia um preconceito institucional com a ideia de um curso de propaganda com
enfoque em marketing.
O outro problema era o seguinte. O pessoal do MEC, que eu muitas vezes fui lá e
conversei, tinham muita implicância com a palavra marketing. Eles não admitiam.
[...] Me lembro que ouvi de uma pessoa, uma vez: “O MEC vai aprovar curso
superior de marketing por cima do meu cadáver”. Acho que até hoje não tem curso
superior em marketing. (JOSÉ ROBERTO W. PENTEADO FILHO).
de Botafogo, nenhuma dívida e nenhum aluno. Havia dinheiro em caixa para mais três meses.
Apesar das expectativas negativas que atravessavam a Escola no Rio no período pós
1978, a história que se segue à saída de José Maria Campos Manzo apresenta uma
interessante mudança neste quadro inicialmente desanimador, aparentemente irreversível.
No relato a seguir encontramos os elementos que, de uma forma ou de outra,
repetidamente surgem como insumos no desenvolvimento histórico da Escola: uso do capital
social dos dirigentes da instituição e grande apoio dos agentes do mercado publicitário e
empresarial em geral. No entanto, diferente da gênese paulista, o arranjo desses elementos em
terras fluminenses parte de um cenário de extrema dificuldade. A habilidade em sobreviver
cerca de 18 anos (de 1978 até 1996), até finalmente conseguir a titulação de instituição de
84
20
A era de ouro do rádio brasileiro vai dos anos 1930 ao final dos anos 1950. Nesse período, a radiodifusão no
Brasil é feita com muito idealismo, paixão e participação na vida brasileira. […] Emissoras pioneiras como as
que se multiplicaram no final da década de 1920 ou durante os anos 1930 consolidaram o papel que
estava reservado á radiodifusão no País. O radio-jornalismo, os programas humorísticos e musicais, as primeiras
novelas e as transmissões esportivas (algumas delas feitas, a princípio, com arrojo, pelos pioneiros, numa época
em que as condições técnicas das comunicações nacionais eram as mais precárias possíveis) deram à
radiodifusão sonora uma posição de destaque crescente na vida brasileira até seu auge no final dos anos 1940 e
primeiros da década dos 1950. Entre outras emissoras desse período áureo, as que mais se destacaram foram a
Rádio Bandeirantes (São Paulo), Rádio Record (São Paulo), Rádio Tupi (de São Paulo), Rádio Mayrink Veiga
(Rio de Janeiro), Rádio Tamoio, Rádio Jornal do Comércio de Recife. O maior sucesso dos anos 1940 e 1950, no
entanto, foi, de longe, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Nesse período áureo do rádio brasileiro, nossos pais
ou avós se entusiasmavam com a velocidade da informação dos jornais falados de longa duração e grande
audiência, como o Grande Jornal Falado Tupi, de Corifeu de Azevedo Marques, na Rádio Tupi de São Paulo. Ou
com a qualidade de programas da Rádio Nacional do Rio, como Calouros em Desfile, de Ary Barroso. Ou Nada
Além de Dois Minutos, Um Milhão de Melodias, Papel Carbono, da versão pioneira e radiofônica de O Direito
de Nascer. (SIQUEIRA, 2010).
85
seguida é contratado pela IBM local. Retorna ao Brasil em 1967 onde atua em São Paulo
como gerente de produtos de uma série de empresas até ser chamado para a gerência de
marketing da Editora Abril, participando do lançamento da revista Veja, em 1968. Atua em
seguida no campo das agências de publicidade, tendo passagens pela norte-americana J.W.
Thompson e a brasileira Alcântara Machado Publicidade (Almap). Finalmente em 1973 é
contratado como diretor de marketing da multinacional francesa de produtos de beleza,
L’Oreal, cuja sede era no Rio de Janeiro.
A experiência na empresa francesa não foi positiva. Segundo o relato do próprio José
Roberto W. Penteado Filho, a L’Oreal de Portugal havia sido nacionalizada em função do
novo cenário político após a Revolução dos Cravos (1974)21. Alguns funcionários graduados
tiveram que ser realocados em outras filiais internacionais da empresa e assim Whitaker teve
que ceder seu cargo.
Tinha trinta e oito anos mais ou menos e foi, então, quando o Otto Scherb, que era o
presidente da ESPM, com quem eu tinha trabalhado aqui em São Paulo. Uma das
coisas que tinha feito aqui era ser professor a noite. Gostava desse tipo de trabalho,
já tinha dado aula na ESPM antes de 1973, quando fui para o Rio pela L’Oréal. O
Otto assumiu a presidência da ESPM em 1971. Em 71 e 73 trabalhei com ele. Ele
ligou para mim e disse:
“Você não quer voltar para ESPM? Nós estamos com dificuldades no Rio, pois
abrimos uma filial e ela não está indo muito bem”.
Eles abriram lá a filial em 1974, ele estava conversando comigo em 1978. Dei um
balanço na minha vida e não queria prosseguir nessa carreira de executivo,
principalmente de multinacional. É muito incerta, você se sujeita a contingências
que nada tem a ver com seu mérito, né? Disse para o Otto: “Tudo bem, eu
assumo!” (JOSÉ ROBERTO W. PENTEADO FILHO).
No início de 1979, José Roberto W. Penteado Filho assume a ESPM, reduzida a três
21
No dia 25 de Abril de 1974 um golpe levado a cabo pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), em
discórdia com a guerra colonial que durava há treze anos, põe fim à ditadura portuguesa, que tinha durado 48
anos sob a direção de António Salazar e – depois de 1968 – sob a chefia de Marcelo Caetano. De imediato, e
contra o apelo dos militares que dirigiram o golpe – que insistiam pela rádio para as pessoas ficarem em casa –,
milhares de pessoas saíram de suas casas, sobretudo em Lisboa e Porto, e foi com as pessoas à porta, a gritar
“morte ao fascismo”, que no Quartel do Carmo, em Lisboa, o Governo foi cercado; as portas das prisões de
Caxias e Peniche abriram-se para saírem todos os presos políticos; a PIDE/DGS2 a polícia política, foi
desmantelada; atacada a sede do jornal do regime A Época e a censura abolida. (VARELA; PAÇO;
ALCÂNTARA, 2014, p. 140). A população saiu às ruas para comemorar o fim da ditadura de 48 anos, e
distribuiu cravos, a flor nacional, aos soldados rebeldes em forma de agradecimento, dando origem ao nome
“Revolução dos Cravos”. Em março do ano seguinte, 1975, depois de uma tentativa de golpe fracassada liderada
pelo general deposto Antônio de Spínola, o governo passou a ser dominado pelos generais Costa Gomes, Otelo
Saraiva de Carvalho e Vasco Gonçalves. Deu-se início a uma política de estatização de indústrias e bancos,
seguida por ocupações de terras (nota do autor). E que esse golpe (de 1975), ao ser derrotado, ampliou a crise do
Estado, abrindo portas ao desenvolvimento quase irreversível dos processos de controlo operário nas principais
empresas do País. Na verdade, cremos que em parte a nacionalização de algumas empresas é levada a cabo não
só por razões objetivas, para evitar a fuga de capitais e a falência do País – controlo sobre o investimento –,
como para evitar o desenvolvimento do controlo operário que introduzia uma situação de dualidade de poderes
(VARELA; PAÇO; ALCÂNTARA, 2014, p. 46).
86
funcionários e nenhum aluno. Era um recomeço do zero. Simultaneamente, uma coluna fixa
no jornal O Globo, intitulada Panorama Publicitário, havia perdido seu responsável, Jomar
Pereira da Silva, outro jornalista pioneiro no colunismo publicitário. Jomar fora convidado
para trabalhar na agência Castelo Branco, Borges & Associados (CBBA) e alegando conflito
de interesses convidou José Roberto W. Penteado Filho para assumir a coluna. O diretor da
ESPM já havia escrito algumas matérias em revistas sobre publicidade e aceitou a nova tarefa.
O pessoal do O Globo aceitou meu nome e eu também fiquei contente de ter uma
coluna. No início era um terço de página e depois cresceu para meia página aos
domingos. Evidentemente, com isso, meu prestígio cresceu muito. Então, mais ou
menos ao mesmo tempo, assumo a Escola e ganho essa coluna. (JOSÉ ROBERTO
W. PENTEADO FILHO).
Munido do destaque que a coluna lhe conferia, o publicitário parte para uma nova
rodada de busca por apoio nos agentes do mercado, mais especificamente as agências e seus
anunciantes.
Essa coluna me permitiu um enorme trânsito no mercado e tive uma ideia inicial
(realmente a Escola era eu mais duas, três pessoas), que foi a seguinte: eu ia nas
principais agências, nos anunciantes, - o Rio tinha anunciantes importantes - Souza
Cruz, a Shell, eram bons anunciantes. Agências, também importantes, MPM 22 .
Tinha a agência do Paulo Giovanni23.
Enfim, tive uma seguinte ideia. Vou conversar com meus amigos das agências e vou
pedir que eles façam um voto de confiança na Escola e que se comprometam a me
dar todo mês uma contribuição em salários mínimos. Naquela época um salário
mínimo era mais ou menos o valor de um curso. Então, faria seguinte negócio. Eles
contribuiriam, de um a dez salários mínimos, e eu daria eles um retorno.
Mandariam seus funcionários, mais ou menos na base de um por um. Um salário
mínimo, um aluno mês. (JOSÉ ROBERTO W. PENTEADO FILHO).
Você imagina que em 1978 e 1979, nenhum jornal de primeira linha tinha colunas
de publicidade. Nem Folha, nem Estadão, enfim, havia colunas, mas era no Diário
Popular, Diário da noite. Em jornais que não era de primeira linha. O Jomar tinha
uma coluna de muito prestígio. (JOSÉ ROBERTO W. PENTEADO FILHO).
22
(MPM) Mafuz, Petrônio e Macedo.
23
Giovanni FCB
87
Nós não podemos competir com aquele curso livre de dois anos, que começou em
São Paulo, que já tinha existido no Rio entre 1974 e 78, mas que ficou inteiramente
sem sentido com as faculdades. Ninguém queria fazer um curso livre de dois anos.
Mesmo que a faculdade fosse quatro, dava um diploma. (JOSÉ ROBERTO W.
PENTEADO FILHO).
A solução foi criar um sistema híbrido e com maior integração com as agências e
anunciantes. Foram mantidos os cursos de curta duração, mas também foram desenhados 2
cursos intensivos de 5 meses: Técnica e Prática de Propaganda e Gerência de Marketing.
Eram os eixos que sempre estruturaram a instituição: a criatividade publicitária filtrada pelos
ensinamentos do marketing.
Graças à duração de 5 meses, esses cursos intensivos permitiam embutir em suas
ementas uma série de cadeiras ministradas por profissionais de agências e anunciantes
reconhecidos. O aluno além de receber em um período razoável de tempo um treinamento que
se aproximava o máximo possível da prática do mercado, ainda mantinha um longo contato
com os nomes que provavelmente iria encontrar futuramente em entrevistas de emprego. O
formato dá resultado rapidamente.
Com o sucesso da nova gestão a Escola consegue sair dos imóveis alugados à ABP e
se muda para um andar inteiro na Rua Barão do Flamengo, no Flamengo, posteriormente
ampliado para algumas salas no andar acima.
No entanto, a etapa final da consolidação da ESPM na cidade se dá por uma
reviravolta na direção da instituição em São Paulo. O então presidente Otto Scherb vem a
falecer prematuramente em 1981, com apenas 60 anos. Em seu lugar assume Francisco
Gracioso, que cumpre o mandato mais longo na história da ESPM, de 1981 até 2007.
Gracioso é o presidente mais importante da Escola, depois de seu fundador, Rodolfo Lima
Martensen. A ESPM efetivamente se desenvolve em São Paulo e no Brasil durante sua gestão.
Foi construído um vasto campus para a graduação e pós-graduação em São Paulo, fundou-se a
ESPM em Porto Alegre, em 1985, e comprou-se um moderno prédio para a ESPM do Rio
(1996), do qual falaremos mais a frente.
A princípio, o que impacta imediatamente a ESPM do Rio foi a pós-graduação em
marketing, instituída em São Paulo, pelo novo presidente. Apesar da unidade carioca estar
89
impossibilitada de ministrar cursos de pós-graduação, por não ser uma instituição de nível
superior reconhecida, uma Resolução do MEC - CFE/C.E.Su. nº 432/83 24 - previa a
possibilidade de faculdades ministrarem cursos de pós fora de suas sedes. Esta manobra
garante a estabilidade financeira definitiva ao Rio de Janeiro.
24
Ainda quanto a esse aspecto, o anteprojeto previu a possibilidade de outras instituições poderem,
excepcionalmente, a critério do Conselho de Educação competente, ser autorizadas a oferecer os cursos em tela.
E ainda, os cursos “fora da sede” somente seriam admitidos mediante autorização prévia do Conselho Federal de
Educação (MEDEIROS, 2010, p. 65).
90
O período após a mudança para o bairro do Flamengo, com uma estrutura ocupando
quase dois andares de um prédio comercial, permite apresentar novos agentes na construção
da história da instituição. Já havia uma estrutura administrativa de apoio ao diretor da Escola,
José Roberto W. Penteado Filho, dividida entre uma gerência de pós-graduação, conduzida
por Sandra Fernandes e uma área que vendia cursos da ESPM feitos especialmente para
empresas, chamados de “cursos In Company”. Essa área era de responsabilidade de Zilda
Knoploch. A estrutura reflete, então, os dois novos centros de arrecadação da Escola para
além dos ganhos com os cursos livres e intensivos.
Lentamente começa a surgir uma nova área de receita na ESPM com a entrada de Elza
Pádua, nova esposa do diretor da Escola. Elza era então funcionária da Companhia Estadual
de Telefones da Guanabara (CETEL), que pertencia ao grupo da Telecomunicações
Brasileiras S.A. (TELEBRAS), quando conheceu o publicitário. Trabalhava na área de
eventos desta estatal. Com o casamento começa a se interessar pelas questões da Escola.
Sua primeira clara interferência foi influenciar o grupo administrativo da ESPM a
comprar ou alugar uma sede própria. Era uma demanda pertinente, na medida em que em
1980 a Escola apresentou novo pedido de titulação ao MEC, que foi negado mais uma vez,
sob a justificativa de que “já existiam faculdades de comunicação em demasia no Rio de
Janeiro.” (ESPM RJ, 1997). No entanto a direção credita essa recusa à visível falta de
estrutura e espaço na ocasião da petição.
Ela [Elza] pesquisou e descobriu na rua Teófilo Otoni um prédio antigo. Na época
tinha mais de cem anos. Não sei se existe ainda. Esse prédio estava disponível por
um aluguel bastante razoável. A gente estava com a ideia de se tornar uma
faculdade, tinha que ter um espaço de faculdade. Através dos bons serviços da Elza,
ela conseguiu fechar o negócio para esse prédio e fomos ocupá-lo. (JOSÉ
ROBERTO W. PENTEADO FILHO).
O negócio é fechado em 1985, alugando o prédio da rua Teófilo Otoni, 44, no Centro
do Rio, bairro que ocupa até hoje. O prédio era dos anos 1920 e necessitava de reformas, já
que era utilizado pelo antigo Banco Boavista. Possuía 7 andares e 1.500m2.
91
Então, a ESPM Rio, quando eu entro nela, que já existia, mas existia com um
pequeno formato, com o Zé Roberto, foi na Teófilo Otoni, quando nós alugamos um
pequeno edifício, e esse edifício era numa rua péssima, num lugar péssimo, que
absolutamente não teria nenhuma chance de se colocar ali uma escola de
criatividade e idealismo. Mas era tanta paixão que movia essas pessoas todas, que a
Escola da Teófilo Otoni já foi um sucesso. E já foi um sucesso a começar pelo
arquiteto que transformou aquele edificiozinho de sete andares, ou seis andares,
não me lembro agora, com aquela porta pantográfica no elevador. Porque nós
conseguimos ajuda de cada agência do Rio de Janeiro. Nós estamos falando de uma
instituição que tinha zero de caixa. Então todas as coisas foram feitas pensando em
como conseguir “sponsor25” para ser feito aquilo. E a Escola conseguiu que cada
agência do Rio montasse uma classe de aula. Então ali tinha desde do ar
condicionado até as cadeiras, até os quadros, que ainda era quadros negros. Cada
sala tinha um nome, um patrono, e esse patrono era uma das agências. A Escola foi
montada dessa maneira. Fizemos no térreo, de uma maneira absolutamente
extraordinária, um espaço para exposição e para palestra, e ali também nós fizemos
algumas coisas acontecerem. Fizemos a urbanização daquele espaço da Teófilo
Otoni, com contatos que fizemos com a prefeitura. (ELZA PÁDUA).
Em 1987 a ESPM se muda em definitivo para a nova sede. Conforme dito nos
depoimentos, as agências e anunciantes cariocas contribuem para equipar as salas de aula do
novo prédio em troca de futuros cursos para seus funcionários. Tinham também seus nomes
na porta das salas e seus trabalhos expostos no hall de entrada.
25
Patrocinador.
92
A Elza não tinha muita opção. Veio trabalhar na Escola e se encarregou de eventos.
Ela tinha mantido uma experiência com isso na Telebrás, na CETEL e nós
passamos a promover eventos, muitos deles ligados ao que acontecia em São Paulo.
A gente tinha o Prêmio Colunistas, tínhamos o Top de Marketing. A Elza criou um
grupo lá. Me lembro de algumas pessoas que trabalhavam com a gente e esse grupo
era extremamente competente. (JOSÉ ROBERTO W. PENTEADO FILHO).
A Escola ganha uma nova diretora de eventos e um bom vendedor desta nova opção
de faturamento para a ESPM. Apesar da súbita disponibilidade de Elza para assumir o
departamento, a área de eventos já vinha sendo pensada no sentido de aumentar as receitas da
instituição, que mesmo com o sucesso da pós-graduação e dos cursos intensivos, padecia das
flutuações de um mercado ainda fora do universo do ensino superior. A própria Escola elenca,
desta maneira, os problemas em manter seu fluxo de caixa:
E nós chegamos à conclusão de que nós tínhamos que ter uma nova possibilidade
de receita, porque nós tínhamos que pagar os professores. Os professores nossos
eram pagos no nível das melhores escolas do Rio. Então nós tínhamos que ter um
novo canal de verba para isso. Foi quando inventou-se isso que você vai ver muito
aí, já desde aquela época da Teófilo Otoni, os grandes eventos da ESPM. Os
grandes eventos da ESPM foram 14 eventos, aliás 14 não, 18 eventos, em nove anos
de trabalho. Os eventos eram um no começo do ano, no meio do primeiro semestre,
e o outro no segundo semestre. E eram eventos que pegavam, você vai ver, todas as
93
A entrada de Elza potencializou em muito a nova área. Por possuir grande experiência
nesta atividade, era muito bem relacionada. À essa fluência com os fornecedores junta-se a
boa vontade que todos os profissionais do setor de comunicação apontavam na direção da
Escola. O resultado prático foram eventos bem produzidos, lotados, e com custos baixíssimos.
A rentabilidade era, portanto, muito alta.
O hotel não tinha custo. Nós tivemos todos os grandes hotéis do Rio apoiando o
movimento da Escola. Desde Caesar Park, o Copacabana Palace, todos, todos,
todos eles eram a favor porque nós trabalhávamos pela revitalização do mercado
do Rio. Esse é o propósito, o que vendia para essas instituições comerciais o nosso
foco. Nós tínhamos a Rede Globo inteira, aliás não só a Rede Globo, nós tínhamos
todas as televisões inteiramente abertas aos nossos trabalhos. Nós tínhamos todos
os jornais e revistas abertos ao nosso trabalho. Então nós tínhamos inserções de
anúncios em todos esses espaços. A TV Globo foi a fornecedora praticamente de
todos os nossos âncoras dos nossos eventos. Os apresentadores, exatamente. Então
para você ter uma ideia, uma vez eu estava entrado num restaurante em Ipanema,
ali perto da Nossa Senhora da Paz, e era um restaurante muito importante japonês.
E estava numa mesa o Guilherme Karan, com um grupo da TV Globo. E quando eu
entro, ele vira para mim e diz assim: “Como é que vai a ESPM?”. Aí eu disse
assim: “Tá ótima, uma maravilha! Por que você não aparece lá?”. Aí ele disse
assim: “Eu não fiz a ESPM, mas eu morro de inveja de quem fez!” E disso daí
surgiu um anúncio, um comercial feito por ele. Aliás ninguém cobrava nada. Diga-
se de passagem, essa Escola foi montada pelos profissionais de comunicação que
passavam por todas essas áreas que eu já citei a você. Que dizer, era um movimento
social, um movimento de mercado. Um movimento de implantar uma filosofia de
dignidade, de respeito à profissão. (ELZA PÁDUA).
Nessa época, então, a Escola vivia dessa realidade acadêmica dos cursos e de
grandes eventos que eram produzidos pela ESPM no Rio de Janeiro. Portanto, essa
outra área, que era dirigida pela Elza Pádua, que era a diretora de eventos na
época, era a área que dava a Escola, na verdade era mais que uma diretora de
eventos, apesar de ela ser chamada assim na época, acho que depois mudou o nome
para marketing, mas ela cuidava não só dos eventos, mas cuidava de toda a
comunicação da ESPM, de toda a relação que a Escola tinha com os veículos.
Como a ESPM nasceu do mercado, de uma íntima relação de veículos, agências e
anunciantes, a Escola do Rio reproduzia essa íntima relação com veículos, agências
e anunciantes. Então tínhamos aí um intenso relacionamento com essas empresas.
Não só através da própria mídia, porque tínhamos espaços privilegiados através
das permutas com os veículos de comunicação, Jornal O Globo, Jornal do Brasil,
TV Globo, SBT, Bandeirantes, Manchete, na época. Mas também numa relação
interessante com as agências de propaganda, que eram na verdade as organizações
que desenvolviam nossas campanhas. Então, a Escola fazia um rodízio entre as
maiores agências do Rio, e cada campanha, cada projeto de cada curso, de cada
evento era desenvolvida por uma agência diferente. Era muito saudável a relação,
94
porque a Escola de fato era encarada como escola do mercado, e desse mercado
específico de comunicação. Terceiro grupo, os anunciantes, a gente também tinha
uma relação, a gente sempre teve uma boa relação com esses grupos, a ABA
(Associação Brasileira de Anunciantes), entre outros, que faziam desses
anunciantes muito próximos da Escola. E dessa forma, a ESPM acabou se
consolidando no mercado do Rio como uma escola relevante no imaginário das
pessoas. Estou dando ênfase a isso, porque quando a gente foi lançar a graduação,
em 1996, fizemos pesquisas e eu acompanhei as pesquisas, os grupos de discussão.
E em vários deles a gente ouvia as pessoas dizerem no grupo quali26 dizerem: “olha
a ESPM já tem há muitos anos graduação, já é faculdade há muitos anos”. Porque
a Escola se consolidou no imaginário dessas pessoas como uma referência tão
importante no mercado educacional ligado a marketing, ligado a comunicação e a
propaganda especial, que ninguém considerava que a gente não tinha graduação.
(TATSUO IWATA NETO).
Foi uma oportunidade única para aprender diretamente com algum dos mais
importantes profissionais do mundo do marketing e da comunicação, como
Washington Olivetto, Eduardo Fischer, Roberto Duailibi ou Nizan Guanaes. -
desvendando segredos do processo criativo; produção direção de comerciais com
João Daniel Tikhomiroff; as técnicas e a prática da promoção de vendas com o João
26
Abreviatura de pesquisa qualitativa, onde grupos são formados para estudos mais aprofundados de opinião.
27
O diretor José Roberto W. Penteado Filho, em seu depoimento, conta uma história interessante sobre o nome
Jornada Com as Estrelas: “Fomos visitados pelos detentores da marca Jornada nas Estrelas, para saber o que
estávamos fazendo. Por que tínhamos chamado de Jornadas Com as Estrelas. Nós explicamos para eles que a
Escola é uma instituição sem fins lucrativos. Foram muito gentis, lembro que na ocasião eles apenas pediram
para quando a gente fizesse a divulgação não usasse os mesmos símbolos.”
95
TOP DE MARKETING
Lançado inicialmente como seminário, quando os vídeos dos cases vencedores eram
apresentados em telão com o comentário do diretor da escola, o Top de Marketing -
premiação conferida anualmente pela Associação dos Profissionais de Vendas do
Brasil (ADVB) aos mais destacados casos de sucesso em marketing no país -
despertou grande interesse junto a executivos, profissionais e estudantes,
interessados em conhecer os segredos das estratégias vencedoras.
Foi uma ideia vencedora. Entre 88 93 a ESPN realizou seis grandes eventos para
divulgar os cases e as empresas vencedoras, reunindo, em média, cerca de 1000
participantes, entre empresários, executivos, profissionais e estudantes de pós-
graduação das áreas de marketing, comunicação e administração. (ESCOLA
SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING RIO, 1997, p. 11).
MARKETING BEST
Com o advento do Marketing Best - premiação similar o Top de Marketing,
promovido pela FGV e Editora referência - e a sua evolução em importância, a
ESPM passou também divulgar e apresentar a premiação no mercado do rio, entre
1992 e 1995. (ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING RIO
1997, p. 11).
PRÊMIO COLUNISTAS
Como reconhecimento pelo trabalho desenvolvido pela ESPM/Rio na luta pela
valorização do profissional de marketing e comunicação e pela revitalização do
mercado carioca, a escola foi convidada pela ABRACOMP em 1990, assumir a
organização do Prêmio Colunistas/RJ.
Pude acompanhar de perto esta sequência de eventos, antes e depois de iniciar meu
curso de graduação em publicidade na Escola de Comunicação da UFRJ, em 1988. O impacto
destes encontros sobre ainda jovens estudantes era significativo, tanto do ponto de vista
prático quanto simbólico. Posso afirmar que foram decisivos na minha escolha profissional.
Para além do conhecimento repassado nas palestras e workshops, havia o ambiente criado,
onde figuras de destaque no mercado publicitário se tornavam acessíveis.
Outro aspecto importante era o contexto econômico dos anos 1990, no campo
publicitário carioca. Foi uma década de grande esvaziamento do mercado no Rio. Centenas de
profissionais migraram para São Paulo. Assim como dezenas de empresas levaram suas
contas publicitárias para o mesmo destino. Comecei minha carreira em 1992 na Standard,
Ogilvy & Mather, que ocupava dois andares de um prédio em Botafogo, empregando cerca de
97
Lembro que nós, várias vezes, colocamos mais de mil pessoas no Copacabana
Palace, aqueles hotéis da barra. Para o Rio era meio novidade, havia a ABP, mas
não havia promoção muito profissional de eventos focadas numa marca e no tema.
Sempre eram eventos ligados a marketing, comunicação, publicidade. Me lembro do
João Fortes 28 , deputado, vinha sempre aos nossos eventos e me lembro dele
dizendo:
“Vocês são mágicos! Vocês são fantásticos! Vocês conseguem reunir o
empresariado do Rio de Janeiro”.
Era aquela revitalização do Rio, muito negócios haviam ido para São Paulo e já
tinham algumas dificuldades. Acho que esse período dos eventos foi muito bacana.
(JOSÉ ROBERTO W. PENTEADO FILHO).
O redator Antônio Gomes Pádua Vianna de Lima, mais conhecido no mercado como o
Toninho Lima, hoje supervisor de criação da agência Artplan, é um dos mais respeitados
profissionais do mercado carioca, estando há exatos 40 anos atuando no departamento de
criação das agências cariocas (iniciou sua carreira em 1976). Coleciona passagens pelas
agências J.W. Thompson, Giovanni FCB e Artplan. Ele relembra este período:
28
João Machado Fortes, empresário e presidente da João Fortes Engenharia. Foi diretor do Banco Nacional de
Habitação (BNH) no governo do general João Figueiredo (1979/84).
29
Iniciou sua carreira em 1964, como atendimento publicitário na agência Almap. Coleciona passagens pela
Denison (1965), Grant (1966), Lintas (1990), Contemporânea (1996), Quê/Next (2003). Foi diretor de criação da
Denison em 1965. Em 1978 assume o mesmo cargo na MPM. Foi presidente do Clube de Criação de São Paulo,
o mais importante do país, em 1979-80. Em 2003 foi eleito pelo jornal Meio & Mensagem um dos 25
publicitários mais importantes dos últimos 25 anos. Ganhou 11 Leões no Festival de Publicidade de Cannes,
maior premiação internacional do setor.
30
Talvez o maior nome da criação publicitária brasileira até hoje. Iniciou sua carreira em 1978, na agência DPZ,
em São Paulo. É o criador do “Garoto Bombril”, campanha publicitária que mais ficou tempo no ar em todo
mundo. Em 1986 abre sua agência, W/GGK, posteriormente W/Brasil. Seus comerciais “Primeiro Sutiã” para
Valisére e “Hitler”, para a Folha de São Paulo, estão entre as 100 maiores campanhas publicitárias do século
XX, segundo a jornalista Berenice Kanner. Em 1999 foi eleito Publicitário do Século pela Associação Latino-
Americana de Agências de Publicidade (Alap). Faz parte do Conselho Consultivo da ESPM.
31
Gilberto dos Reis, ou “Giba”, é um dos publicitários mais premiados do anuário do Clube de Criação de São
Paulo (CCSP), além de já ter sido contemplado com o Prêmio Colunistas, Profissionais do Ano (Rede Globo) e
Meio & Mensagem. Internacionalmente, é ganhador do Clio Award (NY) e de cinco Leões no Festival de
Cannes.
98
dedicados à nossa atividade tão maltratada e diminuída naqueles anos 1990. Para
variar, o Rio andava em crise. A Escola Superior de Propaganda e Marketing do
Rio de Janeiro era, então, o bunker da classe. Ali aconteciam eventos e a sua
direção apoiava as atividades do mercado com o Prêmio Colunistas, o Top de
Marketing e o Marketing Best. De quebra, ainda havia as inesquecíveis Jornadas
Com as Estrelas que nos proporcionou momentos como aquele em que eu pude
conhecer alguns ídolos. Qual não foi a minha surpresa alguns anos mais tarde,
convidado pela querida Maria Alice Langoni, de palestrar na mesma ESPM e ser
precedido naquela mesma noite por ninguém menos que o Gilberto Reis. Em
pessoa. (TONINHO LIMA).
Segundo José Roberto W. Penteado Filho, o quadro começa a ficar mais favorável à
Escola no governo Fernando Henrique (1995-2002), em especial com o novo ministro da
educação Paulo Renato. Haviam mais caminhos de interlocução.
Quando entra o Fernando Henrique, entra o Paulo Renato. Ele era outro
departamento, ele era bem relacionado em São Paulo. Nós fomos a ele e foi
diferente. Fui através de conselheiros da Escola, um deles era o Furquim32. Ele
tinha trabalhado no governo, na Secretaria de Comunicação (SECOM).
[...] Finalmente, na gestão do Paulo Renato, a gente consegue autorização na forma
mais lisa possível. Com isso, a gente começou a graduação na Teófilo Otoni, mas,
realmente, a graduação começou a atrair bastante gente. Estávamos em outro
patamar, de repente a Escola começou a ter um novo tipo de faturamento. A gente
precisava de um espaço maior e surgiu aquele prédio. (JOSÉ ROBERTO W.
PENTEADO FILHO).
32
Luiz Fernando Furquim. Ex-presidente da Associação Brasileira de Anunciantes, Furquim integrou a direção
do Grupo Pão de Açúcar, foi vice-presidente do grupo Abril e participou da diretoria do Conar (Conselho
Nacional de Autorregulamentação Publicitária). Aposentado, Furquim atuava como consultor e integrava os
conselhos da TV Cultura e da ESPM. Homem da confiança do governador José Serra (PSDB) - sendo
responsável pelas contas de quatro campanhas -, Furquim faleceu agosto de 2009, em decorrência de leucemia.
99
Quando surgiu aquele prédio, também trabalho da Elza. A Elza sempre foi muito
ativa nessas questões, imóveis e tudo. Quando apareceu aquele prédio, estava
inteiramente fora da nossa possibilidade. Lembro que ele custou cinco milhões de
dólares. (JOSÉ ROBERTO W. PENTEADO FILHO).
Bom, o [Francisco] Gracioso, daqui de São Paulo, estava indo muito bem, tinha
possibilidades. Me lembro de ter conversado com eles, com o conselho aqui de São
Paulo, disse: “Nós não temos dinheiro, mas a gente vai encher o prédio ”. Foram lá
em compareceram, foi comprado com o dinheiro aqui de São Paulo. Foi um ótimo
investimento da Escola. (JOSÉ ROBERTO W. PENTEADO FILHO).
33
BRASIL. MEC. INEP. Censo de Educação Superior. Brasília, DF, 2015. Disponível em
<http://www.ufrgs.br/sead/documentos/censo-de-educacao-superior-2014>. Acesso em: 2 dez. 2016.
101
a taxa teve uma leve queda para 208%, mas manteve-se em um patamar ainda bem elevado.
Na década de 1980, com o fim desse processo de absorção de novos grupos sociais,
esperava-se um crescimento vegetativo na procura por vagas. Mas há um cenário de
estagnação, com a década se iniciando com 1.311.799 matrículas e terminando com 1.518.905
apenas, o que corresponde a um aumento de 16%. Tal quadro se perpetua no início dos anos
1990, mas sofre grande reversão a partir de 1994. Só no período 1994-1998 o número de
matrículas passa por um aumento de 424 mil inscrições, crescimento maior que no período
1980-1994, quando se expandiu em apenas 284 mil alunos (MARTINS, 1998).
A hipótese mais provável na retomada desta expansão das matrículas foi o grande
crescimento das instituições de ensino superior privadas, motivadas por um cenário global
positivo e uma política interna de incentivo que lhe serve de sustentação.
O subcampo dos cursos superiores de comunicação social não obedece exatamente às
taxas de crescimento acelerado das inscrições nos anos 1960 e 1970. Relembrando que este
subcampo surge a partir do Decreto-Lei nº 5.480, de 13 de maio de 1943, exclusivamente para
a habilitação de jornalismo, tendo sido regulamentado para publicidade e outras habilitações
somente em 1969. Segundo Graças Caldas, em seu artigo “Ensino de Comunicação no Brasil:
Panoramas e Perspectivas” (2003), nos primeiros vinte anos do campo o crescimento foi
tímido, até pelo número pequeno de escolas instaladas. A partir de 1968 o crescimento se
acelera, indo de 20 cursos em funcionamento para 46, em 1972. Em 1994, segundo o MEC,
haviam 85 instituições. Aqui sim os cursos de comunicação social acompanham e superam o
grande salto observado nas IES durante a segunda metade dos anos 1990: de 85 cursos
passamos para 525 em 2001, assim distribuídos: Publicidade e Propaganda: 212; Jornalismo:
182: Relações Públicas: 72; Rádio e TV: 41: Produção Editorial: 9; Cinema e Vídeo: 6;
102
Usaid34 (United States Agency for Internacional Development), acabaram sendo incorporados
na grande reforma do ensino superior imposta pelos generais em 1968, através da Lei nº
5.540/68. Nesta ampla remodelação da universidade brasileira, o objetivo oficial era aumentar
a eficiência do setor, incrementando a oferta de vagas (uma demanda anterior ao golpe de
1964) e principalmente alinhando a atuação destas instituições com uma funcionalidade
econômica mais identificada com o setor privado.
Muitas das mudanças estão vigentes até hoje, como a organização das universidades
em departamentos (substituindo as antigas cátedras), regimes de tempo integral e parcial para
os docentes, sistema semestral de créditos, criação do conceito de campus universitário,
organização do sistema de pós-graduação e pesquisa, dentre outras. Além de obviamente criar
facilidades, principalmente nos anos 1970, para a abertura de instituições privadas de ensino
superior.
No entanto, há também certo engessamento do setor em 1968, quando a reforma
indica que o “modelo universitário deveria constituir o tipo natural de estrutura para o qual
convergiria a expansão do ensino superior, atribuindo aos estabelecimentos isolados um
caráter excepcional e passageiro” (MARTINS, 1998, p. 61). Os militares colocam as
universidades então como instituição definidora do campo, para onde todas as demais
estruturas deveriam apontar sua estratégia de funcionamento. A matriz universitária se
definiria ainda pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão,
atividades que os novos entrantes no campo deveriam seguir. Há então um passo na direção
da facilitação das instituições privadas, mas há também a imposição de uma estrutura
34
No imediato pós-1964, a prioridade era estreitar relações com os Estados Unidos, que se intensificaram em
todos os quadrantes, graças à excelente relação estabelecida com o governo Castello Branco. Várias iniciativas
foram adotadas visando a aproveitar recursos financeiros, técnicos ou humanos provenientes daquele país em
benefício de projetos do governo militar. Na verdade, ocorreu o revigoramento de relações iniciadas nos anos
1940, no contexto da Segunda Guerra Mundial, e que desde então haviam passado por momentos de maior ou
menos intensidade, com o período Goulart representando a fase mais crítica. Castello Branco presidiu o governo
mais pró-americano do regime militar, e talvez de toda história brasileira, por isso, nos meses imediatamente
posteriores ao golpe, vários convênios, acordos e contratos foram estabelecidos entre os dois países. Nesse
período, as atividades da embaixada americana e o pessoal a seu serviço cresceram enormemente, com presença
tão maciça que começou a preocupar os representantes diplomáticos, temerosos de que tamanha visibilidade
gerasse uma onda antiamericana.
Entre as dezenas de projetos envolvendo os Estados Unidos no Brasil, maior notoriedade foi alcançada pelos
acordos entre o MEC e a Usaid, agência americana para o “desenvolvimento internacional”, ou seja, para
financiar projetos em países e áreas estratégicas, na visão dos Estados Unidos. A Usaid e os órgãos que a
antecederam vinham atuando na educação brasileira desde os anos 1950, mas após a vitória do golpe, suas
operações aumentaram em larga escala. Daí a assinatura dos acordos MEC-Usaid, em meados de 1965,
implicando programa abrangente e ambicioso para modernizar o sistema de ensino brasileiro, incluindo
universidades. Os acordos previam a tradução e publicação de livros, reestruturação de programas de ensino,
planejamento da reforma da educação superior e também auxílio para mudanças nos níveis elementares de
educação. Os resultados a iniciativa seriam marcantes tanto pelos desdobramentos efetivos na vida universitária
quanto, e talvez ainda mais, pela celeuma pública e os protestos nacionalistas que os acordos inspiraram.
(MOTTA, 2014, p. 76).
104
Ela o organiza, indica seus fins e procedimentos, fundamenta seus princípios, sugere
linhas de política de ação, prevê sua administração e lhe confere significado e poder.
Sem ela não há sistema de ensino organizado; com ela, os sistemas adquirem
condições para estruturar-se e funcionar. Sua trajetória foi a seguinte:
- Lei nº 4.024/61 – primeira lei com um código amplo a tratar de várias questões da
educação ao mesmo tempo. Sofreu um desdobramento devido às reformas do
ensino, resultando em uma lei específica para o ensino superior.
- Lei nº 5.550/68 – primeira reforma, complementada pelo Decreto-Lei nº 464, de
1969.
- Lei nº 5.692/71 – segunda reforma, complementada pela Lei nº 7.044, de 1982.
- Lei nº 9.394/96 – Nova lei, em vigor. Abole os currículos mínimos (MOURA, C.,
2002, p. 78).
homologar novos cursos, substituídos pelas diretrizes curriculares gerais. O maior grau de
liberdade leva à regulamentação de avaliações oficiais para as instituições de ensino superior,
como havia determinada a Constituição de 1988. O instrumento principal destas avaliações,
de 1996 até 2003, foi o Exame Nacional de Cursos, popularmente chamado de “provão”, e
que era aplicado a todos os estudantes em fase de conclusão de graduação. O resultado
serviria para avaliar a qualidade das instituições e de cada carreira, além de sua posição
relativa na respectiva área. Esses dados teriam prazos limitados, ou seja, teriam que ser
renovados periodicamente, forçando uma avaliação contínua de todos os agentes. Uma queda
na qualidade implicaria em um prazo para sanear problemas. A continuidade da deficiência
poderia levar desde uma suspensão temporária até a desativação da instituição.
Porém, uma das determinações mais importantes para a transformação do campo em
um setor dominado pela iniciativa privada foi a seguinte:
35
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) analisa as instituições, os cursos e o
desempenho dos estudantes. O processo de avaliação leva em consideração aspectos como ensino, pesquisa,
extensão, responsabilidade social, gestão da instituição e corpo docente. O Sinaes reúne informações do Exame
Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e das avaliações institucionais e dos cursos. As informações
obtidas são utilizadas para orientação institucional de estabelecimentos de ensino superior e para embasar
políticas públicas. Os dados também são úteis para a sociedade, especialmente aos estudantes, como referência
quanto às condições de cursos e instituições.
Os processos avaliativos do Sinaes são coordenados e supervisionados pela Comissão Nacional de Avaliação da
Educação Superior (Conaes). A operacionalização é de responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). (MEC. Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
(Sinaes). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/component/content/270-programas-e-acoes-
1921564125/sinaes-2075672111/12303-sistema-nacional-de-avaliacao-da-educacao-superior-sinaes>. Acesso
em: 10 dez 2016.
36
Mapa do Ensino Superior no Brasil, 2015.
107
Tal expansão no ensino superior não poderia ocorrer sem um impacto significativo no
perfil do corpo docente deste campo. A rápida evolução das matrículas levou à incorporação
de professores sem uma formação pedagógica e investigativa no setor privado.
O primeiro vestibular foi realizado no início de 1996 e atraiu 500 candidatos para as
200 vagas (ESPM Rio, 1997). A Escola ofereceu logo de início duas graduações:
Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, e Administração de
Empresas, com foco em Gestão de Negócios, curso já ministrado em São Paulo desde 1994. A
grande demanda de alunos se explica pelo lugar que a instituição já ocupava no imaginário
dos candidatos ao mercado de comunicação e marketing, em função da série de eventos e
presença na mídia que a Escola ocupava de forma sistemática desde a metade dos anos 1980.
37
O habitus é entendido como “um sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que gera e estrutura as práticas e as
representações que podem ser objetivamente ‘regulamentadas’ e ‘reguladas’ sem que por isso sejam o produto
de obediência de regras, objetivamente adaptadas a um fim, sem que se tenha necessidade da projeção consciente
deste fim ou do domínio das operações para atingi-lo, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas
sem serem o produto da ação organizadora de um maestro.” (BOURDIEU apud CATANI, 2004, p. 4).
109
30%
25%
20%
15%
28%
26% 26% 26%
22% 22%
10% 20%
14%
5% 10%
0%
PUC FACHA ESPM Fac.Cidade UFRJ UFF Estácio Outros Não opinaram
38
Momento Pesquisa e Análise de Mercado Ltda. Pesquisa contida no documento produzido pela ESPM RJ para
o Prêmio Top educacional Professor Mário Palmério, de 1997.
110
60%
50%
40%
30%
54% 50%
20%
40%
28%
10%
22%
12% 12% 10% 10%
0%
ESPM PUC Fac.Cidade UFRJ FGV Estácio FACHA Outros Não opinaram
50%
45%
40%
35%
30%
25%
46%
20%
15%
24% 26%
10%
5%
8% 8%
4%
0%
ESPM PUC UFRJ FGV Outros Não opinaram
A primeira turma de alunos da Escola iniciou o ano letivo de 1996 ainda na sede
antiga, na rua Teófilo Otoni. Neste início das graduações na Escola, a entrada de estudantes
era somente anual. Mesmo assim, para além da notoriedade que a instituição ganha ao se
titular no ensino superior, há um aporte de receitas muito mais consistente neste modelo de
negócio. Pelos motivos históricos já apresentados neste trabalho, formou-se no Brasil uma
cultura onde o ensino superior se transformou em estágio obrigatório para qualquer indivíduo
que almeje sucesso profissional. Ao terminar o ensino médio, não resta outra opção ao
estudante que busque trabalhos mais qualificados, que não seja procurar uma instituição de
ensino superior para finalizar sua formação profissional. Diferente dos candidatos à cursos
livres ou pós-graduações, que podem administrar com mais calma o momento de iniciar seus
111
estudos.
Uma vez iniciada uma graduação, sendo ela com entrada anual ou semestral de alunos,
a instituição terá quatro anos de crescimento significativo e constante de sua receita, a medida
que novas turmas forem sendo acrescentadas. Há também uma taxa de evasão menor, pela
importância que o diploma de nível superior possui no país. O padrão de lucratividade atinge
um patamar que exige uma gestão financeira muito mais complexa, além do cenário
regulatório já descrito demandar uma gestão administrativa com conhecimento específico
deste setor.
Em 1997 a direção da Escola do Rio já apresentava e projetava um crescimento
significativo a partir de 1996, ano do início do processo seletivo para a graduação. A busca
pela titulação encontra agora sua contrapartida econômica finalmente mensurada.
5000
4000
3000
2000
1000
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Real Previsto
Todo o aporte financeiro da compra da nova sede no Centro do Rio e sua reforma veio
de São Paulo, na gestão de Francisco Gracioso, o presidente mais expansionista na história da
Escola. Não só o prédio da Fundação Petros foi adquirido para a ESPM carioca, como o
campus de São Paulo iniciou seu processo de expansão.
O imóvel exigia uma reforma para se adaptar à sua nova função. Novamente temos a
iniciativa de Elza Pádua na condução desse processo. Em sua fala há ainda a continuidade do
processo de parceria com a iniciativa privada no sentido de apoio à escola:
E mais uma vez foi-se ao mercado com o chapéu e a bolsinha do lado pedir para
que todos fossem participantes daquele movimento de recriação de uma nova
Escola Superior de Propaganda e Marketing no Rio. A Escola que você conhece
112
também não tem mais nada a ver com a Escola que foi. Porque a Escola que foi, foi
uma escola de design. Foram chamados dois arquitetos que trabalharam
praticamente de graça. Dois excelentes arquitetos do Rio de Janeiro. E eles fizeram
uma montagem de uma escola absolutamente incomparável, aliás melhor, porque
eu conheço as de Nova York, da Parsons School, Escola de Arte de Nova York,
porque era muito colorida, era muito livre, era muito espaçoso. Para você ter uma
ideia, o último andar era um andar de um grande restaurante para os alunos.
[...] O hall de entrada, aquele hall que você entra, teve um painel que também
sumiu, que foi feito por um grande publicitário. E aquele painel mostrava
exatamente um grafite. Grafite de primeira ordem, porque ele era um grande
artista. E mostrava exatamente esse movimento. A coisa chegou a um tal ponto, e a
integração com a prefeitura, com os órgãos de governo, com as classes dominantes,
porque nós fazíamos, chegamos à conclusão de que não tínhamos de ter verbas a
mais. Aquelas cadeiras que estavam ali, as cadeiras foram todas, um adendo, foram
todas feitas de acordo com uma ergonomia, fazendo com que o aluno não ficasse
torto. Então tudo foi pensado. A iluminação foi pensada como uma coisa
importante. Tudo foi pensado. (ELZA PÁDUA).
O projeto acadêmico foi montado por Sandra Fernandes, ainda em 1996. Sandra era a
Diretora de Ensino da Escola e já cuidava da parte acadêmica desde que ESPM ainda estava
no bairro do Flamengo, na metade dos anos 1980. Executiva do mercado, foi diretora de
laboratórios multinacionais farmacêuticos e executiva da Esso. Antes da graduação era
responsável pelo desenvolvimento dos cursos de pós-graduação, cursos livres e dos cursos “in
company”. Em 1997, com sua saída, Elza Pádua assume a direção acadêmica da Escola, ainda
com José Roberto W. Penteado Filho na direção geral. Tatsuo Iwata Neto, coordenador da
pós-graduação no período, descreve assim o momento:
A primeira grade do curso de publicidade tenta fazer essa síntese entre as regulações
oficiais e o chamado “DNA” da Escola, ou seja, sua personalidade afinada com a filosofia do
mercado, numa postura claramente voltada para a vertente profissionalizante.
Então a gente tinha um curso de graduação, sim. Tinha que atender às normas do
MEC, sim. Com professores titulados, tudo isso. Tinha currículo mínimo na época,
com a nova diretriz. Seguíamos ali o currículo mínimo. Mas havia uma tentativa
muito grande da Escola de fazer algo mais, de fazer algo diferente. Além de tudo o
que era feito em sala, seguindo os rumores das políticas públicas, a gente tinha uma
tentativa muito tenaz de buscar a diferença. Tínhamos atividades extracurriculares.
Tínhamos uma série de encontros com o mercado, tínhamos uma série de questões
que faziam de fato a aproximação dessas empresas que compunham o mercado e os
estudantes da Escola, os alunos da Escola. Foi criado nesse período a primeira
agência escola. Então a Origem foi criada nessa época como um espaço de
primeiro exercício da profissão pelos alunos. É um trabalho até hoje belíssimo, e eu
acompanhei muitas fases da Origem, desde dessa primeira época até a época em
que a Origem fazia as nossas próprias campanhas. Então vinha dos alunos os
trabalhos de desenvolvimento das peças, e foi muito interessante a evolução deles.
A Empresa Júnior foi criada nessa época, o diretório acadêmico. A Empresa Júnior
recebeu vários prêmios de empresa referência. [...] Então você tem dois períodos, o
período que de fato a Elza pegou a coisa na transição, de uma escola de cursos
livres, com uma escola que era muito preocupada com as pendências do MEC, para
não sofrer nenhum tipo de sanção, porque ainda era o início dessa mudança que eu
te falei. Mas, ao mesmo tempo, não perder seu DNA. Foi uma luta muito grande,
bastante difícil. (TATSUO IWATA NETO).
ensino. Também ficou claro que as políticas públicas desde os anos 1960 almejavam o
crescimento da iniciativa privada no campo acadêmico, tendência que se acelera exatamente
no período de entrada da ESPM do Rio neste mercado. Neste sentido, a Escola atendia
naturalmente a este desenho do campo, não existindo motivo para intervenções mais
aprofundadas na instituição.
Eu diria que (o MEC) evoluiu muito dessa época que a gente está falando (1997)
para hoje. É muito diferente. Você tem um trabalho que de fato visa a
democratização da educação. Você tem um trabalho muito mais de orientação, do
que de fiscalização. O MEC era um órgão fiscalizador na época. Hoje não é isso,
eles orientam. As visitas são no sentido de orientar as instituições no caminho que
deveriam seguir. Ou entender a realidade da Escola ou das escolas, e não dizer o
que deve ser simplesmente. Tem que entender a cultura, tem que entender a
proposta efetiva daquela instituição e como ela entrega seus cursos e lida com seus
alunos e professores, respeitando essas definições dos seus projetos. O MEC hoje é,
de fato, uma organização muito diferente do que era nessa época. Ainda, claro,
existem processos burocráticos, as questões todas que são cobradas, mas aí é do
estado brasileiro. O Brasil é assim. Você tem isso em várias dimensões. (TATSUO
IWATA NETO).
Em 1998 foi enviado para o Rio de Janeiro Alexandre Mathias, coordenador da pós-
graduação da ESPM de São Paulo. Mathias primeiro assumiu o controle da pós do Rio, para
em 2000 ser promovido como diretor da instituição. A questão da profissionalização da
115
Quando assumi a Escola, em 2000, a instituição toda, tive que fazer mudanças
grandes na graduação. Nessa época já tinha dois anos de Rio, já tinha uma equipe
na pós mais ou menos estruturada. Parte dessa equipe eu migrei para a graduação.
Contratei todos os coordenadores, refizemos todos os cursos.
[…] Derrubei o 9º andar inteiro para pôr salas de aula. Minha sala era no segundo
andar, em cima da biblioteca, onde tem o mezanino. Depois fiz três reformas no
prédio. Abri a ESPM da Rio Branco, fechei a ESPM da Rio Branco. Depois
botamos tudo no mesmo prédio, reformei o prédio todo de novo. Fiz o mezanino, fiz
a biblioteca, fiz a sala da diretoria ir lá pro 11º andar. Era onde tínhamos que ficar.
Não que eu quisesse ficar lá, queria ficar lá em baixo. Minha sala era dentro da
sala dos professores. Então, foi um período muito rico, um período de
transformação, um período de recuperação da imagem da Escola. O grupo que
116
entrou, nós fizemos um trabalho pesado com relações com o mercado. Consegui
trazer para dentro da Escola todas as agências de publicidade. Me relacionei com
todo mundo. (ALEXANDRE MATHIAS).
Comecei a comprar mídia, comecei a não pedir mais favor. O mercado de educação
começa a ser absolutamente competitivo e os anunciantes de educação começam a
ser relevantes para os veículos. Então a FGV pagava e fazia páginas e páginas de
anúncio, o IBMEC anunciando, a PUC anunciando. Todo mundo tinha agência (de
publicidade), todo mundo estava profissionalizado. E a ESPM, a escola que deveria
ser o exemplo disso, não tinha agência. Uma dia era uma agência, outro dia era
outra, um ano era outro. (ALEXANDRE MATHIAS).
Há então aqui uma grande mudança na interação da ESPM do Rio com os agentes do
mercado publicitário, tão presentes em seus primeiros anos da cidade. Já no dossiê
apresentado ao Prêmio Mario Palmério, a direção da Escola aponta o seu entendimento sobre
esta nova fase.
Para isso (atender as demandas de um curso superior), a Escola estava preparada,
embora fossem, agora, necessárias algumas medidas drásticas – como abandonar os
eventos para dedicar toda a equipe a um aumento de atividades didáticas
representadas pelo acréscimo anual de 200/250 novos alunos, sem contar os
aumentos possíveis nas atividades complementares, investimento em benfeitorias,
móveis e equipamentos. (ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E
MARKETING RIO, 1997, p. 15).
A citação acima parece indicar que o aval de qualidade da Escola começa a ser
transportado da cumplicidade com o mercado local para um discurso institucional mais
tradicional. Podemos colocar que há uma aposta na força da marca ESPM como suficiente
para viabilizar a Escola, mesmo diante do retraimento no volume de parcerias com demais
agentes do mercado. José Roberto W. Penteado Filho reflete sobre este momento,
relembrando ainda que o cenário econômico negativo do final dos anos 1990 e início dos
2000 para o mercado publicitário carioca também era um obstáculo na manutenção da
imagem da instituição.
[…] mas acho que a ESPM teve um momento, digamos um chamado ponto de
inflexão, que foi final do século passado, início desse século. Em que ela ficou um
pouco sem forma. Foi mais ou menos a época que eu estava saindo. Digamos que o
próprio mercado, chamado de publicidade e marketing, caiu muito no Rio de
Janeiro em importância. Acho que a presença da Escola naquele local da cidade,
talvez ela devesse ter se expandido para a Barra, para a Zona Sul. Acho que essa
parada no crescimento da Escola, descaracterizou-a um pouco. (JOSÉ ROBERTO
W. PENTEADO FILHO).
Como o novo diretor Alexandre Mathias colocou, a Escola para de “pedir favor” ao
mercado e se profissionaliza neste contato, principalmente na compra de espaços em jornais e
revistas. Se tal atitude melhora as chances competitivas diante de outras instituições de
ensino, por outro lado faz de Escola um agente menos diferenciado dos demais concorrentes.
O diretor da graduação da Escola no período, Carlos Alberto Messeder, aponta em seu
discurso que há um afastamento da Escola de sua tradição mais centrada na área criativa. E
discorre sobre os problemas que tal movimento gera em um ambiente de concorrência crescente:
A ESPM na verdade, tinha uma tradição das escolas, como tinha o IBMEC. O
problema que essa tradição das escolas não conseguiu se afirmar no mercado e
acabaram ou se transformando em escolas mais acadêmicas e sendo absorvidas por
determinados grupos, ou sendo compradas por um grande grupo internacional. Na
verdade essa coisa das escolas, que eu acho que era um modelo maravilhoso, era
você montar uma Bauhaus39 por área de conhecimento. Esse modelo não conseguiu
vingar, em partes pela pressão do MEC, que é sempre controlado pela lógica das
federais. Em partes também por que acho que eles (ESPM) nunca entenderam a
força do modelo deles. (CARLOS ALBERTO MESSEDER).
39
O diretor se refere à Staatliches-Bauhaus, Escola de Design, artes plásticas e arquitetura de vanguarda na
Alemanha dos anos 1930. Bauhaus foi uma das maiores e mais importantes expressões do que é chamado
Modernismo no design e na arquitetura, sendo a primeira escola de design do mundo. A citação se refere à
característica de Bauhaus ter sido uma Escola única, que desenvolveu toda sua metodologia e conteúdo,
fundando seu próprio campo de atuação.
118
A ESPM, no entanto, não abandona sua relação com os agentes do mercado em sua
fase de instituição de ensino superior. Há na verdade uma mudança na maneira como a Escola
se apresenta institucionalmente ao mercado.
Esta pesquisa realizou uma análise no conjunto de matérias e anúncios relacionados à
ESPM do Rio, após 1996, no Jornal do Brasil 40e em O Globo41, periódicos que publicaram
mais material da instituição, desde então. Uma das mudanças observadas na maneira que a
Escola é representada nesta fase foi no uso constante do corpo docente da Escola como
opinião técnica em matérias jornalísticas sobre o campo de comunicação e marketing. Tal
processo, conduzido pela assessoria de imprensa da instituição, não era possível no estágio
anterior da Escola, onde o vínculo dos professores com a ESPM era de natureza temporária.
40
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Biblioteca Nacional Digital Brasil. Disponível em:
<http://memoria.bn.br>. Acesso em: 2 dez 2016.
41
JORNAL O GLOBO. Acervo O Globo. Disponível em: <http://acervo.oglobo.globo.com>. Acesso em: 10
dez. 2016.
119
Por último, a Escola continua ofertando ao mercado cursos livres curtos nas diversas
áreas da propaganda, através de um setor chamada Escola de Criação. À esta iniciativa, junta-
se em 2002 a parceria com a escola internacional de criação Miami Ad School, que oferece
cursos de dois anos na área de criação e só contrata profissionais reconhecidos no mercado
como professores, à semelhança da primeira versão da ESPM dos anos 1950. Esta instituição
leciona em 15 países e oferece ao aluno a chance de realizar partes dos cursos em suas sedes
internacionais. A ESPM também possui os já citados Núcleos de Extensão, formados por
alunos, que oferecem serviços ao mercado local. Tais núcleos são pequenas organizações
coordenadas por professores, algumas delas emulando as estruturas empresarias existentes no
campo publicitário, como a agência de publicidade júnior Origem, além da Empresa Jr,
espécie de empresa de planejamento de negócios.
Antes do Messeder, a diretora de graduação comigo foi a Cecília Matoso. Era uma
pessoa super preparada, doutorada em marketing, mestrado em marketing. Então, a
nossa Escola de Comunicação era uma escola muito de marketing, muito de gestão.
Você pega o curso de comunicação de ESPM hoje, já não conheço mais a grade,
mas naquela época compara o que era em 1996, compara o que era com os outros
currículos. A gente dava 4 disciplinas de finanças, planejamento. A Escola tinha
uma pegada muito business. Isso era uma coisa importante, pois não era o quê que
a Escola queria, mas o que o mercado queria. Fiz várias reuniões com o mercado,
com as agências, com os anunciantes. Perguntavam o que eles queriam, que alunos
eles queriam formar. Isso é uma constante, lá em São Paulo se fazia isso e aqui
também fazia. Então foi essa a primeira grande virada. (ALEXANDRE
MATHIAS).
Por esta fala: “Fiz várias reuniões com o mercado, com as agências, com os
anunciantes. Perguntavam o que eles queriam, que alunos eles queriam formar”, fica claro que
a Escola passa efetivamente a ser uma “escola de negócios”, em uma orientação prática mais
próxima da matriz paulista. O tom do relato difere do usado na administração anterior, que
apresentava o ponto de vista de quem acompanhou a história da Escola desde seu início na
cidade. Agora, até o próprio relacionamento com o MEC começa a ir além de receber as
comitivas de avaliação:
42
O Programa Universidade Para Todos (PROUNI) é um programa de bolsas de estudo integrais e parciais para
alunos de graduação que almejem vagas em entidades privadas. Foi criado em 2004, pela Lei nº 11.096/2005. As
instituições que aderem ao programa, ofertando vagas, recebem isenção de tributos.
122
UFRJ, de 1994 a 2002, Messeder já possuía na UFRJ um perfil mais instrumental do ensino
de comunicação social, além de gosto pelo papel de gestor:
Quando entrei [na ECO], praticamente não tinha laboratório, uns computadores
velhíssimos. Quando caiu um telhado, fiz um drama danado e sugeri um projeto de
laboratório e montei o projeto da central de produção multimídia. Acho que foi um
divisor de águas na escola, pois levou essa questão de um laboratório que
estruturava as disciplinas para dentro da Escola.
Muitos professores foram ao reitor dizer que eu estava destruindo a Escola por
conta das máquinas que íamos botar no laboratório. O reitor evidentemente me
ligou e falei que iria me entender com eles, para repassar o dinheiro. Foi um
embate grande. Era a primeira vez que você tinha uma discussão na Escola sobre se
o equipamento era fundamental para formação daquele profissional. No fundo não
existia a preocupação de um profissional de comunicação, a preocupação era de
formar um teórico da comunicação.
[...] Quando comecei a institucionalização na ECO, era zero. Fiz vários convênios,
a Escola começou a ter vários projetos. Tinha um trânsito muito grande com o
decano da época, que me ajudou muito. Tinha trânsito na reitoria, conhecia todo
mundo. Tinha um trânsito na universidade como um todo, meu mundo não era a
Praia Vermelha. Até então, a Escola estava muito presa ao mundo dela e no
máximo a Praia Vermelha. (CARLOS ALBERTO MESSEDER).
Em 2004 fui para a ESPM. Me aposentei numa sexta da UFRJ, na segunda estava
na ESPM. Já estava de saco cheio daquela lerdeza da universidade pública.
Comecei como chefe de um departamento lá na ESPM e como coordenador do
núcleo de pesquisa. Nos primeiros seis meses, inclusive, não tive aula na graduação
por que não tinha carga horário para mim. Conversei com o Mathias, nos
entendemos muito bem. Ele tinha um projeto muito dinâmico para Escola. Entrei,
fiquei lá e quando foi janeiro e fevereiro do ano seguinte. A Cecilia, que era
diretora do curso de publicidade e propaganda pediu para sair e o Mathias me
ofereceu a direção do curso.
[...] O curso era seriado. Então você não podia optar por fazer uma matéria como
se faz no regime de crédito. Tinha uma ordenação das disciplinas completamente
maluco, com coisas que tinham que vir depois, antes. Pessoas muito ruins dando
aula, com pouca qualificação. O Mathias pediu para redesenhar o curso à minha
maneira. O aluno fazia projeto final para depois concluir a disciplina. Comecei a
arrumar isso tudo, do ponto de vista do conteúdo das disciplinas, do ponto de vista
de ordenar a dinâmica do curso. Fiz um regime de transição progressivo, por
exemplo, você podia fazer o PGE (trabalho final de graduação) devendo cinco
matérias no primeiro ano de implementação, no segundo ano só podia dever três,
depois só podia dever uma. Em três anos, você só poderia fazer o PGE tendo
concluindo todas as disciplinas até então. Foi uma revolução, o PGE virou
realmente o projeto final de curso.
O primeiro embate foi esse embate de ordenar o curso do ponto de vista da lógica
das disciplinas, do conteúdo das disciplinas. Demiti muita gente, trouxe muita gente
nova. Mexi no curso de alto a baixo. Mathias me deu uma liberdade enorme.
(CARLOS ALBERTO MESSEDER).
123
A experiência como decano da UFRJ construiu uma relação próxima com o MEC, o
que acaba por levar o diretor do curso de propaganda a se tornar diretor acadêmico da
graduação como um todo, incluindo as demais titulações.
Tem uma coisa que acho que o Mathias me viu como pessoa interessante para
entrar para a Escola é que, de alguma forma, eu tinha esse trânsito dentro da
universidade pública. A ESPM definitivamente não tinha. Por isso que esse modelo
das escolas nunca vingou, por que eles não conseguiam falar com o MEC, eles não
sabiam como construir discurso e as públicas tem um peso gigantesco.
Passei a ser não apenas o diretor do curso de propaganda, mas o diretor acadêmico
da graduação como um todo. Acho que eles não tinham muita clareza sobre quem
contratar nessas áreas mais teóricas. Pegavam pessoas de segunda e terceira linha,
então comecei a trazer gente boa para dar essas disciplinas e pessoas que
entendessem a vinculação dessas disciplinas com a área técnica. (CARLOS
ALBERTO MESSEDER).
Ele [Mathias] veio de São Paulo, orientado exatamente a orientar a Escola para o
crescimento. Ela [ESPM Rio] tinha formas de gestão ainda de empresas pequenas,
familiares e tinha que estruturar de uma forma mais sólida para que ela pudesse
crescer. Essa foi a missão do Mathias que ele conseguiu aplicar muito bem.
(LEONARDO MARQUES).
A sensação que tenho com a história do Mathias é que crescemos muito, ganhamos
muito espaço. Ele foi um cara empreendedor em várias coisas, mas não
necessariamente institucionalmente estava conectado. Talvez as decisões que ele
tomou não tivesse relação com um projeto de marca nacional que a ESPM talvez
tivesse. (ARIEL TEIXEIRA).
Mas a gente tinha uma identidade, começou a trabalhar a marca do Rio, começou a
ter campanhas. Com isso, comecei a ter dificuldades no relacionamento com São
Paulo, por que eu vim para cá por São Paulo. Então eu era o cara de São Paulo, só
que quando chegou aqui, eu virei o cara do Rio. Tinha que virar o cara do Rio. Esse
era o meu papel, era diretor geral do Rio. Comecei a ter dificuldade de me
relacionar, de fazer e de exercer no Rio aquilo que São Paulo queria. Pois o Rio é
124
43
Economia criativa é um termo criado para nomear modelos de negócio ou gestão que se originam em
atividades, produtos ou serviços desenvolvidos a partir do conhecimento, criatividade ou capital intelectual de
indivíduos com vistas à geração de trabalho e renda.
Diferentemente da economia tradicional, de manufatura, agricultura e comércio, a economia criativa,
essencialmente, foca no potencial individual ou coletivo para produzir bens e serviços criativos. De acordo com
as Nações Unidas, as atividades do setor estão baseadas no conhecimento e produzem bens tangíveis e
intangíveis, intelectuais e artísticos, com conteúdo criativo e valor econômico. (SEBRAE, 2016).
A diretora atual da ESPM do Rio, Flávia Flamínio, acredita que a cidade do Rio de Janeiro é historicamente
pautada por este tipo de indústria: “Olhando a composição da demografia demográfica e sociocultural do
carioca, ficou muito fácil para mim enxergar isso. Eu enxerguei isso muito facilmente. Essa diversidade cultural
favorece o desenvolvimento da indústria criativa. Os grandes talentos musicais não são cariocas, mas foram
aqui que eles conseguiram florescer. Você pega um Gilberto Gil, você pega um Caetano Veloso, onde é que eles
viveram, onde é que o Chico Buarque? Você pega isso historicamente. E continua acontecendo hoje. A
produção audiovisual, a produção é finalizada em São Paulo, mas o roteiro está aonde? No Rio de Janeiro. É
toda uma característica. Aliado a isso as características da ESPM, de professores e de estudantes. Que tipo de
perfil de público ela costuma atrair? E a partir daí foi um processo natural de que Escola devia se enxergar
como uma escola das indústrias criativas.”
125
Claro que cada gestor que passou por lá tinha suas qualidades pessoas. Uns mais,
como você falou, com um perfil de olhar como negócio, outros com perfil mais de
fazer da Escola uma marca referência, e aí o relacionamento todo com o mercado e
tal. Mas independente do perfil de cada um, eu acho que a ESPM seguiu um
processo de amadurecimento profissional que estava definido já. Claro que isso
define as escolhas também. Então em cada momento desse processo as escolhas
foram feitas pelas posições chave. Elas eram escolhas que talvez refletissem o que
aquele processo na verdade mandaria e recurso humano para aquele momento, a
cada momento. Agora os contextos eram muito diferentes. O contexto pelo qual a
gestão do Zé Roberto e da Elza aconteceram eram um contexto, quando entrou o
Mathias era outro contexto. O contexto que a Flávia assumiu, em 2008, também era
outro. Então, essas mudanças foram mudanças sim, fruto de um amadurecimento
organizacional da Escola. (TATSUO IWATA NETO).
continua em 2011, com a Universidade Veiga de Almeida sendo adquirida pelo grupo norte
americano Whitney44. Um dos principais concorrentes da ESPM no Rio de Janeiro, o Instituto
Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) – que oferece graduações respeitadas em
Administração de Empresa e Comunicação Social – foi comprado em 2015 pelo grupo norte
americano DeVry, por cerca de 70 milhões de reais45. E finalmente, em 2016, a Estácio de Sá
desfaz sua parceria com o GP Investments e se funde com o grupo nacional Kroton, em um
negócio de 5,5 bilhões de reais, processo ainda em análise pelo Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade), pois geraria uma concentração de mercado em torno de 30% na
nova instituição.
O cenário então é de concorrentes capitalizados e pressionados por estes fundos a
apresentar resultados. Apesar da universidade Estácio de Sá possuir uma base de alunos
gigantesca, no segmento específico de comunicação social (que ainda configura a principal
graduação da ESPM, em todas as unidades) o grupo é tão concorrente da Escola quanto o
Ibmec e a Veiga de Almeida.
Neste cenário de concorrência dinamizada, a instituição procura afirmar sua
identidade mercadológica, seu “DNA”, mas também se configurar no Rio de Janeiro como
uma escola de alta qualidade, número relativamente baixo de alunos, mas integrada com as
demandas econômicas da cidade. A importância de reforçar o posicionamento único da marca
ESPM parece trazer mais credibilidade a este discurso.
Outro aspecto importante e apontado por Flávia foi a crise econômica na cidade e no
Estado do Rio. O movimento de saída de empresas e profissionais locais continuou avançando
nos anos 200046.
Quando eu fui convidada a assumir a unidade do Rio, eu tinha um desafio, que era
o desafio de que a Escola tinha problemas para garantir a sua sobrevivência. O Rio
de Janeiro havia passado por um período de crise econômica muito grande. O
mercado da comunicação no Rio de Janeiro estava esvaziado. O mercado de uma
forma geral, né?! Bolsa de Valores fechou, muitas indústrias foram para São Paulo,
a questão da violência. Isso teve o reflexo no mercado da comunicação,
empregador direto dos nossos estudantes. Então houve de um lado o problema do
ambiente externo, que provocou uma redução no faturamento da Escola. Por outro
lado, houve uma redução de profissionais do mercado, que foram todos para São
44
UVA. Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: <http://cotidianoeconomico.blogspot.com.br/2011/03/uva-agora-
e-americana.html>. Acesso em: 2 jan. 2017.
45
VEJA.COM. São Paulo, 2015. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/economia/avaliado-em-r-700-milhoes-
ibmec-e-comprado-por-grupo-americano/>. Acesso em 2 jan. 2017.
46
Em valores absolutos, no período analisado (1985-2006), a atividade industrial recuou 8% em termos reais no
Rio de Janeiro e 26% em São Paulo, avançando 3% em Minas Gerais e 64% no Espírito Santo. O Centro Oeste
foi a região de maior crescimento, 113%, seguido do Norte, 56% e do Sul, 6%. O Nordeste recuou 6% e o
Sudeste 16%. A perda relativa e absoluta do Rio de Janeiro deve-se ao fato de outras regiões do Brasil terem
crescido mais aceleradamente, atraindo parte das atividades industriais localizadas no Sudeste. Na verdade,
esclarecendo o senso comum, não se pode dizer que as indústrias do Rio de Janeiro se transferiram para São
Paulo, mas, de fato, as indústrias do sudeste se transferiram para outras regiões do país. (CASARIN, 2009, p. 9).
127
Paulo. Então os professores que nós tínhamos de maior especificidade não estavam
mais disponíveis. Então eu tinha menos empresa, eu tinha menos profissionais, e eu
tive um momento de gestão, que não ajustou a Escola a essa realidade do ambiente.
Então a Escola tinha um problema de realmente se reinventar. (FLÁVIA
FLAMÍNIO).
Flávia Flamínio foi aluna da Escola em São Paulo nos anos 1980, acumulando mais de
30 anos de trabalho na instituição. Logo após sua graduação passou a dar aulas na instituição,
além de trabalhar na área de consultoria de marketing. Em seguida passou à chefia de
departamento das disciplinas de marketing. É transferida para a pós-graduação, onde faz a
gestão das pós-graduações regionais da ESPM (Salvador, Campinas, São Bernardo do Campo
e Brasília). Quando já era diretora de operações da pós-graduação foi convidada a assumir a
direção do Rio de Janeiro, em 2008.
A atual gestão não configura o mesmo corte conceitual que significou a vinda de
Alexandre Mathias para o Rio. Há uma percepção de continuidade e aprofundamento de um
novo posicionamento da instituição, que já vinha sendo desenhado no período anterior.
É o que transparece no depoimento de Maria Dantas da Guia, funcionária mais antiga
no Rio de Janeiro, com 26 anos de casa. Iniciou sua vida profissional como recepcionista em
1990 e hoje é a supervisora financeira da instituição:
Mas não teve muitas mudanças quando a Flávia veio. Ela ficou com todas as
equipes, e eu acho que ela tem um trabalho um pouco parecido com o do Mathias.
Não tem, não houve mudança, uma quebra. Ficou mais São Paulo. Foi uma
continuidade. Eu acho que desde essa época as mudanças que estão acontecendo
sempre são para melhor. Não vejo o contrário. (MARIA DA GUIA DANTAS).
Eu sou da era industrial, mas vivo na era digital. Então isso fez com a
transformação social exigisse também da Escola uma nova visão, que o “Ensina
Quem Faz”, não é suficiente. Eu tenho que ir além do “Ensina Quem Faz”. Eu
tenho que ir além desse menino, que ele também seja um agente de transformação
social. Essa é a ideia do “Quem Faz Transforma”. A ideia de que a gente vai
formar um cidadão, que além de um profissional tecnicamente competente, ele
tenha uma preocupação com a ética de inovar, de transformar a sociedade em algo
melhor. Isto faz parte desse momento que a gente vive. (FLÁVIA FLAMÍNIO).
A interação do novo slogan, que aponta agora para a responsabilidade do aluno diante
da sociedade (Quem Faz Transforma), e não mais para a característica do corpo docente ser
do mercado (Ensina Quem Faz), com a proposta da Escola em ser parceira no
128
Passeio, Centro do Rio, hoje transformado em um moderno teatro, rebatizado Teatro Riachuelo47.
Se houve uma gestão que caminhou para uma postura mais independente da matriz, no
período 2000-2008, com a gestão atual há um esforço de consolidação da imagem da
instituição, como mencionado acima pelo pró-reitor. A trajetória de construção da Escola
apresentou um cenário de disputas, com seus diferentes agentes tendo que lidar com diretrizes
internas, regulações federais e concorrência mercadológica. Em suas diferentes estratégias de
domínio deste campo há relatos e interpretações diversas para a sequência de acontecimentos
apresentados. Desde uma leitura de influência crescente da matriz paulista sobre a Escola do
Rio, até a percepção que a instituição deve assimilar as diretrizes e orientações de São Paulo,
47
Com a intenção de manter o antigo Cine Palácio como um centro cultural, o Banco Opportunity firmou uma
parceria com a Aventura Teatros, que arrendou o local por 20 anos para a viabilização do espaço como um
teatro. Todo o processo de revitalização e construção do teatro e do empreendimento tem orçamento de R$42
milhões, investidos pelo Opportunity e pela Aventura Teatros. A Riachuelo entra para garantir a manutenção e a
operação do espaço e seus conteúdos. O empreendimento, que será integrado ao Teatro Riachuelo Rio, possui
estacionamento próprio, praça de alimentação, heliponto e centro comercial. Toda a estrutura moderna do novo
complexo garantirá pleno conforto e praticidade ao público do teatro. [...] O Teatro Riachuelo Rio terá convênios
com universidades da cidade para a criação de conteúdos relacionados à história e cultura local. A ESPM Rio já
tem convênio firmado com o teatro com atuação do Núcleo de Economia Criativa. (REVISTA MUSEU, 2016).
130
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
48
ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING RIO: um caso de sucesso. In: PRÊMIO TOP
EDUCACIONAL PROFESSOR MÁRIO PALMÉRIO, 1997. Rio de Janeiro, 1997.
133
geopolítico denominado “política de boa vizinhança”, dos anos 1940, onde a produção
industrial norte americana busca novos mercados, em sua demanda por mais capital e domínio
cultural.
O início deste expansionismo no campo publicitário se localiza em 1929, com a
entrada da primeira grande agência de publicidade internacional, a J. Walter Thompson49.
Atrás destes conglomerados de comunicação seguem seus respectivos clientes, dinamizando o
setor e exigindo um aporte de mão de obra ainda não formada no território brasileiro.
A resposta dada a este ambiente efervescente foi a organização do campo publicitário
em busca de mecanismo de institucionalização que lhe garantiriam, além de identidade, um
território suficientemente estável para desenvolver seus negócios. O domínio de um campo de
ensino se insere nesta busca por reconhecimento e estabilidade. A Escola surge como agente
central neste processo pois, além de expandir o número de instituições dentro do campo, o
orienta e contextualiza, na medida em que sua prática naturalmente se oferece como arena de
debate sobre o presente e o futuro da profissão.
No capítulo 3 começamos a tratar especificamente da unidade carioca da Escola.
Acreditamos que com a fundação da ESPM no Rio, repete-se o processo de fundação de um
novo campo de ensino publicitário efetivamente articulado com o mercado, processo
explicado ainda no segundo capítulo, mesmo já existindo no período instituições de nível
superior que ofereciam graduação na área.
Tal proposição se fundamenta no grau de relação e identidade que a instituição
paulista estabeleceu com os agentes econômicos do mercado publicitário. Não encontramos
relato de nenhuma outra instituição que tenha construído no campo da propaganda tal grau de
identificação. Ao migrar para o Rio, esta característica é trazida na bagagem, na medida em
que muito das companhias e empresários paulistas e cariocas trafegavam entre as duas
cidades, com relativa frequência.
Foi mostrado que o Rio de Janeiro de 1974 era uma cidade que enfrentava um quadro
econômico não muito favorável. No plano nacional, o país lidava com a desaceleração
econômica do fim do período do “milagre econômico”, além de um confuso e politizado
processo de fusão do então estado da Guanabara com o do Rio de Janeiro que, como foi
demonstrado, significou, no médio prazo, uma queda da participação da economia da cidade
no PIB brasileiro. Tal cenário não favorece este novo início da ESPM, mesmo a instituição
não sendo impactada por um quadro de concorrência muito acirrado, na medida em que os
49
Em 1929, a J.Walter Thompson foi a primeira agência internacional de publicidade a instalar-se no Brasil.
Funciona até hoje no país.
134
principais cursos de nível superior na área de comunicação social oferecidos eram da Escola
de Comunicação da UFRJ e da Pontifícia Universidade Católica, ambos não apresentando
nenhuma relação identitária com o mercado publicitário, estando muito mais relacionados ao
circuito acadêmico e ao ensino do jornalismo.
A trajetória da Escola de 1974 até sua titulação em 1996 é, na verdade, a história do
desenvolvimento desta relação com as instituições do campo publicitário. A noção de
identidade com este setor é reforçada em parcerias mais visíveis que as desenvolvidas no
período de escola livre ainda em São Paulo. Não seria exagero dizer que a ESPM nunca foi
tão associada ao campo publicitário quanto em seu período inicial no Rio de Janeiro. A
sucessão de grandes eventos, a economia de trocas institucionalizada com diversas empresas
e, finalmente, a renovada chancela de qualidade de ensino, com a abertura da primeira pós-
graduação em marketing na cidade, não deixavam espaço para que outra escola livre
desenvolvesse trabalho semelhante.
A abertura da citada pós-graduação em marketing inaugura uma nova etapa de
reconhecimento da instituição, mas sem que fosse ainda perceptível, também inicia o processo
de influência crescente da administração da matriz paulista com a unidade carioca. Como foi
explicado no capítulo, esta pós-graduação era, na verdade, situada em São Paulo. Uma brecha
na lei permitia oferecer o curso fora de sua sede original. O aporte de recursos advindos desta
manobra garantiu a sobrevivência da Escola na cidade, que mesmo com o apoio do
empresariado local, padecia das grandes flutuações de receita, comuns em cursos livres.
Este foi o centro do debate no 4º capítulo. A ESPM, até então, pode ser classificada
como um agente do campo publicitário. Era uma das instituições que garantiam identidade a
este campo, e dele também tirava sentido. Em resumo: a escola do mercado. Ao adentrar o
território das instituições de ensino superior vai gravitar em um universo que, como define o
então diretor de graduação, Carlos Alberto Messeder, em trecho gravado para esta pesquisa,
“é sempre controlado pela lógica das federais”.
A mudança de cenário obriga a adaptação da instituição ao novo universo regulatório
a ser enfrentado. A série de iniciativas que garantiam uma relação de identidade com o campo
publicitário sofre um recuo. A operação da Escola cresce em complexidade e receita, além de
estar submetida a um agente a qual possui pouco diálogo, o Ministério da Educação.
A dificuldade neste relacionamento com o MEC é expressa nos diversos depoimentos
colhidos para esta pesquisa. Há uma relação respeitosa, não conflitante, mas ainda assim
limitadora, na medida em que a Escola não possuía o trânsito necessário para contornar
135
acadêmica, com a procura por titulações, produção de artigos, realização de pesquisa, não
encontra tempo na dinâmica acelerada do trabalho publicitário. Até hoje situação semelhante
se repete, o que cria uma preocupação a mais na administração em instituições afinadas com a
lógica do mercado, na medida em que o MEC vem aumentando o nível de exigência por
titulação do corpo docente.
Em um exercício de hipótese alternativa, gostaríamos de citar a escola internacional de
publicidade Miami Ad School, que apresentamos no capítulo 4. Esta Escola estabeleceu uma
parceria com a ESPM nacional, desde 2002. Usa as instalações da Escola, e transfere em troca
um ambiente de internacionalização e proximidade com o mercado criativo global de
publicidade, em função da Escola atuar em 15 países. A Miami Ad School essencialmente
reproduz numa escala internacional o modelo de ensino da ESPM de São Paulo em 1951,
obviamente com um currículo atualizado. Até a duração do curso (cerca de 2 anos) se
aproxima da matriz paulista. Da mesma forma, são oferecidos cursos diretamente apontados
para as demandas imediatas de um mercado publicitário agora claramente globalizado. Tais
demandas são supridas pelos profissionais de maior destaque, tanto no Brasil quanto nas
demais sedes pelo mundo. O aluno pode ainda optar por realizar módulos do curso em outros
países, onde o tema escolhido possui profissionais mais reconhecidos mundialmente. Este
modelo de negócio, talvez, não garantiria à ESPM uma relação identitária mais coerente com
o campo que lhe deu origem e sentido?
Não é objetivo desta pesquisa, aprofundar tal possibilidade, mas ela nos serve na
construção da percepção que muitas das disputas e rupturas encontradas no desenvolvimento
da unidade do Rio de Janeiro se encontram fundadas nesse movimento de seus agentes em
direção ao campo acadêmico, que parece muitas vezes estruturado em um habitus por vezes
conflitante com a noção inicial de identidade da instituição.
Em suma, o esforço aqui apresentado trabalhou no sentido de delimitar um campo
ampliado de sentido para os diversos movimentos da Escola em torno de sua construção
institucional. Do relato construído oficialmente de forma dual, relacionando a história da
ESPM unicamente com os movimentos do mercado publicitário, procuramos criar uma rede
de relações com demais campos, com o objetivo de provocar nexos renovados da instituição
com seu passado, presente e futuro
137
FONTES PRIMÁRIAS
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do Departamento de Criação e Técnicas da ESPM Rio, (Entrevista em: 14 dez. 2016).
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LIMA, Toninho (Antônio Gomes Pádua Vianna de). Supervisor Criação Artplan. (Entrevista
em: 12 dez. 2016).
IWATA NETO, Tatsuo. Pró-Reitor Acadêmico da ESPM. (Entrevista em: 1 nov. 2016).
PÁDUA, Elza. Ex-Diretora de Graduação da ESPM Rio. (Entrevista em: 1 nov. 2016).
PENTEADO FILHO, José Roberto W. Ex-presidente da ESPM. (Entrevista em: 7 jun. 2016).
PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. Ex-Diretor de Graduação da ESPM Rio. (Entrevista em:
22 out. 2016).
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obedecerá, de preferência, ao sistema universitário, podendo ainda ser ministrado em
institutos isolados, e que a organização técnica e administrativa das universidades é instituída
139
BRASIL. Lei n. 452, de 5 de julho de 1937. Organiza a Universidade do Brasil. Brasília, DF,
1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1930-1949/L0452.htm>.
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