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Hospital colônia: a prova histórica de que houve um

Holocausto brasileiro.

Lorena Queiroz de Aquino

“Tudo que não pode acontecer no mundo, aconteceu em Minas Gerais”,


assim o fotógrafo Luís Alfredo define a barbárie ocorrida no Hospital “Psiquiátrico”
Colônia, localizado em Barbacena, e, que é tema do aclamado livro-reportagem,
composto de quatorze capítulos, Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex, uma das
mais relevantes jornalistas brasileiras, contemplada duas vezes com o prêmio
Jabuti. Aquela conseguiu trazer nas entrelinhas do seu escrito, o resgate da dor, o
olhar crítico e, os questionamentos que envolvem essa “brasa adormecida” na
história do país. Desta forma, cabe suscitar a análise pragmática, mediante a
escolha proposital dos fatos imprescindíveis apontados pela autora. Houve
realmente um massacre, no Colônia?

Por meio de relatos baseados na mais dura realidade deste inóspito local
disfarçado de hospital psiquiátrico, Daniela traz à tona uma questão maior, pois
só através da análise desta, será possível chegar a resposta da pergunta
anterior. Inicialmente, faz-se necessário falar que o estabelecimento foi criado
em 1903, e por cerca de oito décadas, recebeu mulheres, homens, crianças,
considerados fora dos padrões sociais, prostitutas, domésticas grávidas dos
seus patrões, homens afeminados, crianças com “defeitos de fábrica”, ali
também nasceram bebês, que viveram em sua maioria com a falta de respostas
sobre suas origens e sem saber dos sacrifícios feitos por suas genitoras para
que ficassem seguros no ventre e depois dele.

No início dos anos 60, ao voltar para a redação de O Cruzeiro


depois de conhecer a Colônia, o fotógrafo Luiz Alfredo desabafou com o
chefe: “Aquilo não é um acidente, mas um assassinato em massa”. Apesar
da denúncia estampada na revista de maior sucesso da época, a realidade
só começaria a mudar – lentamente – duas décadas mais tarde, a partir
dos anos 80, quando a reforma psiquiátrica ganhou força. Hoje, restam
menos de 200 sobreviventes. Parte deles morrerá internada, parte tenta
inventar um cotidiano em residências terapêuticas, com os farrapos de
delicadeza que lhe sobram. Como Sônia Maria da Costa, que às vezes
coloca dois vestidos porque passou a vida nua. Neste livro, Daniela Arbex
salvou do esquecimento um capítulo da história do Brasil. Agora, é preciso
lembrar. Porque a história não pode ser esquecida. Porque o holocausto
ainda não acabou. (BRUM, 2013, p.12)

Entrevistas intensas de ex-funcionários, pacientes, parentes, morados de


Barbacena, depoimentos reais e fotos, enriquecem o texto de Arbex, e leva o leitor
a um passado desconhecido para a maioria dos brasileiros, para estes,
holocausto, só foi o que o aconteceu na Alemanha nazista, em que Hitler
era o vilão. Aqui, os carrascos eram muitos e se disfarçavam de médicos,
enfermeiros, cuidadores alheios aquela misógina realidade presenciada. O
que se vê no decorrer das páginas, desse relato jornalístico carregado de
sentimentos, é algo ensurdecedor, e parodiando, por vezes pode nos levar
a uma loucura passageira.

Tratar e falar sobre doença mental, sempre foi assunto complicado


e evitado, imagina quando reunido à atos de violência corporal, sexual e
psicológica, e ainda agregado à casos que em nada tinham a ver com
“loucura”. E, a história desta não é algo tão doce de se estudar, pois a
discriminação e a arbitrariedade no tratamento destes considerados
diferentes e marginalizados pela sociedade, não teve seu marco no Brasil,
pelo contrário, esse apenas copiou o modelo comportamental europeu,
indo além pois transformou um manicômio, em campo de concentração
para os rejeitados pelo seio social.

Desde o início do século XX, a falta de critério médico para as


internações era rotina no lugar onde se padronizava tudo, inclusive os
diagnósticos. Maria de Jesus, brasileira de apenas vinte e três anos, teve o
Colônia como destino, em 1911, porque apresentava tristeza como sintoma.
Assim como ela, a estimativa é que 70% dos atendidos não sofressem de
doença mental. Apenas eram diferentes ou ameaçavam a ordem pública.
Por isso, o Colônia tornou–se destino de desafetos, homossexuais,
militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, negros, pobres,
pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive os
chamados insanos. A teoria eugenista, que sustentava a ideia de limpeza
social, fortalecia o hospital e justificava seus abusos. Livrar a sociedade da
escória, desfazendo-se dela, de preferência em local que a vista não
pudesse alcançar. Em 1930, com a superlotação da unidade, uma história
de extermínio começou a ser desenhada. Trinta anos depois, existiam 5 mil
pacientes em lugar projetado inicialmente para 200. (ARBEX, 2013, p.21)

Pensar algo dessa natureza na realidade psiquiátrica de hoje, pode


até ser surreal, mas naquela época era natural. Ali, no Colônia, todos,
independentemente da cor da pele, da idade, da posição social, tinham
tratamentos iguais, diga-se de passagem, estes eram os piores que se
possa imaginar, desde comer ratos, passando por longas sessões de eletro
choque e finalizando com camas de capim, ou pior, em cemitérios, onde
aqueles corpos destituídos de cidadania, enfim, encontravam o merecido
descanso.

E, onde estavam as autoridades, que por algum motivo,


permaneciam alheias a todo esse massacre? A verdade é que sempre
houve, durante os cerca de 80 anos em que o Colônia funcionou,
conivência, negligencia, pouco caso. Os poucos que tentavam fazer
alguma coisa, ou mudar aquela realidade, eram anulados, porque para a
sociedade patriarcal, preconceituosa, criadora de estereótipos pré
estabelecidos, aquelas pessoas eram invisíveis, ou haviam se tornado
fantasmas em uma realidade em que ser diferente ou não seguir regras,
gera punição, culpa, holocausto.

Os deserdados sociais chegavam a Barbacena de vários cantos


do Brasil. Eles abarrotavam os vagões de carga de maneira idêntica aos
judeus levados, durante a Segunda Guerra Mundial, para os campos de
concentração nazistas de Auschwitz. A expressão “trem de doido” surgiu
ali. Criada pelo escritor Guimarães Rosa, ela foi incorporada ao
vocabulário dos mineiros para definir algo positivo, mas, à época, marcava
o início de uma viagem sem volta ao inferno. (ARBEX, 2013, p.24)

Por conseguinte, no hospital de Barbacena, até a morte trazia lucro.


A autora no decorrer da sua narrativa relata sobre os registros de venda de
cerca de 1.853 corpos em um período de mais ou menos dez anos, para
dezessete instituições de ensino superior em tinham em sua grade o curso
de Medicina. Passavam a ter o valor que não tinham vivos e a dar lucro,
pois cada custava em média cinquenta cruzeiros. Mas, o pior ainda estava
por vir, quando deixaram de ser úteis para o mercado, os corpos passaram
a ser decompostos com ácido em pleno pátio do Colônia, pois a mercadoria
da vez eram as ossadas.

Esse caos vivido ali, só foi descoberto em 1961, em uma reportagem


de José Franco e Luiz Alfredo, que denunciou o caos, o sofrimento, a
diminuição do ser e gerou comoção, choque e indignação em torno do
caso, embora as condições tenham permanecido inalteradas. Promessas
foram descumpridas, o dinheiro para investir nas necessidades mais
urgentes nunca chegou, os contratos também nunca saíram do papel, e
tudo continuou como antes. A sociedade se calou diante de um crime tão
bárbaro e de uma violação tão ferrenha dos direitos humanos Ninguém
interviu, intercedeu, socorreu, libertou aquela população das amarras
ligadas ao preconceito institucionalizado. Ai, deixaram de ser invisíveis,
para ser ignorados.

Compartilhar o sofrimento de Conceição Machado, Sueli


Rezende, Silvio Savat, Sônia Maria da Costa, Luiz Pereira de Melo, Elza
Maria do Carmo, Antônio Gomes da Silva e outros tantos brasileiros que
resistiram ao nosso holocausto é uma maneira de manter o passado vivo.
Tragédias como a do Colônia nos colocam frente a frente com a
intolerância social que continua a produzir massacres: Carandiru,
Candelária, Vigário Geral, Favela da Chatuba são apenas novos nomes
para velhas formas de extermínio. Ontem foram os judeus e os loucos,
hoje os indesejáveis são os pobres, os negros, os dependentes químicos,
e, com eles, temos o retorno das internações compulsórias temporárias.
Será a reedição dos abusos sob a forma de política de saúde pública? O
país está novamente dividido. Os parentes dos pacientes também. Pouco
instrumentalizadas para lidar com as mazelas impostas pelas drogas e
pelo avanço do crack, as famílias continuam se sentido abandonadas pelo
Poder Público, reproduzindo, muitas vezes involuntariamente, a exclusão
que as atinge. (ARBEX, 2013, p.229)

Sendo assim, e baseado em tudo que foi colocado nesse breve


apanhado, talvez já se possa responder a pergunta inicial: Houve
massacre? A resposta, sem titubear, é sim, houve! Um extermínio de
milhares de brasileiros, que não se encaixavam, e que hoje estão
transmutados nas realidades faveladas do morador de rua, do depente
químico, do homossexual, da prostituta, porque essa é a natureza humana,
para triunfar precisa quase sempre criar cenários de horror, sofrimento,
tortura e morte, permeando capítulos triste e decepcionantes da sua
história. A verdade, é que não há insanidade pior que aquela instituída
pelos denominados “normais”.

No Colônia mais de sessenta mil vidas foram ceifadas por causa da


ignorância humana e da sua vaidade. Essa história atravessou o século, e
como denominou Arbex, talvez seja uma das encarnações mais cruéis, na
história do país, em relação a banalização do mal. No prefácio encantador
de Eliane Brum, destaca-se um trecho que revela o mérito da repórter
Arbex ao levar ao leitor uma parte podre da História do país, em um relato
não preciso, que comove e causa repudio:

O repórter luta contra o esquecimento. Transforma em palavra o


que era silêncio. Faz memória. Neste livro, Daniela Arbex devolve nome,
história e identidade àqueles que, até então, eram registrados como
“Ignorados de tal”. Eram um não ser. Pela narrativa, eles retornam, como
Maria de Jesus, internada porque se sentia triste, Antônio da Silva, porque
era epilético. Ou ainda Antônio Gomes da Silva, sem diagnóstico, que
ficou vinte e um dos trinta e quatro anos de internação mudo porque
ninguém se lembrou de perguntar se ele falava. São sobreviventes de um
holocausto que atravessou a maior parte do século XX, vivido no Colônia,
como é chamado o maior hospício do Brasil, na cidade mineira de
Barbacena. Como pessoas, não mais como corpos sem palavras, eles,
que foram chamados de “doidos”, denunciam a loucura dos “normais”.
(BRUM, 2013, p. 12)

Daniela, foi magistral, uma jornalista se destacando cumprindo seu


papel diante de um fato tão inescrupuloso e repudiante. Desta forma, ler e
conhecer a história do Holocausto brasileiro é mais que fundamental, se
torna obrigação e uma forma de disseminar essa triste página, para que
locais como esse jamais voltem a existir e a destruir vidas, sonhos,
realidades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. São Paulo: Geração Editorial, 2013.

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 2007.

MIRANDA, Maria Bernadete. Direitos e Garantias fundamentais. Disponível


em:<http://www.direitobrasil.adv.br/arquivospdf/revista/revistav71/palestras/be1.pd
f >. Acesso em: 27 ago. 2018.

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