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História e Cinema
Mercadoria visual, historiador-consumidor e o sujeito-historiador.
por
Gledson Ribeiro de Oliveira, prof. Ms. do Departamento de História – UECE

A objetiva de uma câmera é como o bisturi de um


cirurgião. Esquadrinha no interior de nosso ser e põe a
nu nossas fraquezas. Descobre-se que uma parte do
público se sente mais à vontade na doença.
(Jean Renoir, 1962)

Dentre as artes visuais nenhuma se realizou com tanta magnitude como o cinema. Como
um tipo de gênero visual, o cinema continua sendo o mais forte mediador entre o indivíduo
coletivo e o fantástico, o indizível e o inimaginável. De um “espetáculo de parias”, mais propenso
aos desocupados e iletrados (FERRO, 1992: p. 83), o cinema se confirmaria nos anos gloriosos
do capitalismo pós-grande guerra como um espetacular espetáculo capaz de movimentar
sentimentos, desejos e capital por todo o mundo.
Do mero desejo de ver a imagem fotográfica mover-se à arte cinematográfica, houve um
salto estético profundo, principalmente quando se percebe que um filme não é apenas captação e
projeção de imagens como trabalhavam os Lumières e Georges Méiliès, mas a construção de
imagens por meio de várias linguagens. Afinal, cinema não é só imagem, é também ruído,
montagem, planos, enquadramento, cores, representação verbal e corpórea dos atores, música...
Cada uma dessas é uma linguagem aglutinada à imagem que, uma vez em sincronia, cria o
produto final: o texto visual (filme).
O desenvolvimento do audiovisual a partir da arte cinematográfica e seus vários usos
sociais e políticos alcançou níveis tão impressionantes no tempo presente que as inquietações
diante de seu poder de encanto e mobilização massificada prescreveram o desafio de estudá-lo
como agente histórico criador de ideologia política associada à moderna indústria cultural e como
uma nova estética a ser estudada pela Sociologia e Filosofia da Arte. Entre as ciências sociais,
parece-nos terem sido estes os eixos de pesquisa sobre o cinema durante seus anos de
amadurecimento. No caso particular da historiografia, os historiadores empreenderam o estudo e
registro da História do cinema juntamente com a reflexão estética. Contudo, nas três últimas
décadas, ao se colocar a imagem como problema central da investigação histórica – em vez do
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registro e análise da sucessão de escolas e estilos – o historiador tardiamente penetrou as


estruturas íntimas do mundo imagético fílmico1, criando abordagens fora da tradicional História
do Cinema. Cristiane Nova, no artigo “História” diante dos desafios imagéticos, lista pelo menos
seis possíveis abordagens historiográficas no estudo das imagens, incluído aí o filme.2
Não obstante, se existem incertezas sobre os caminhos de investigação, isso se deve
menos às várias possibilidades de abordagem do imagético do que pelo vir-a-ser de uma crítica
sistemática das imagens de que fala Peter Burke; de uma crítica exaustiva às fontes imagéticas
como as existentes nas fontes escritas (Folha de São Paulo, 04.02.2001). Tratando-se de um
objeto recentemente redescoberto pelos historiadores, problemas como: a imagem pode ou não
gerir um saber novo ou é apenas espelho da realidade em que é produzida; a carga de
representação social sobre o passado na imagem fílmica; a imagem como discurso narrativo; a
não-diferenciação entre linguagem escrita e visual por alguns estudiosos; se o cineasta é um
historiador ao produzir um filme histórico; como trabalhar verdade e ficção nos diversos
discursos históricos sobre o passado; o uso de filmes no ensino de história (cf., NOVA, 2000, p.
141-162); ou mesmo a defesa da historiofotia, ou seja, a escrita da história por meio da realização
de filmes - como propõe o historiador americano Robert Rosenstone - (cf. BURKE, Folha de São
Paulo, 04.02.2001) são questões que antes de embaraçar o ofício historiográfico abrem um leque
indescritível nos caminhos de investigação e na epistemologia da história.
Na verdade, todas as múltiplas abordagens historiográficas são imperativas para a reflexão
historiográfica de um filme e, ao mesmo tempo, insuficientes. Dentre essas abordagens, a que
tem cativado os historiadores parece ser aquela que trata o filme como uma modalidade de
discurso sobre o passado, ou seja, como discurso histórico sobre algum fenômeno pretérito.
Importa menos o que o filme pode nos dizer sobre a época em que foi feito e mais o como se
discursa por meio das imagens sobre o fenômeno histórico-social apresentado (NOVA, 2000, p.

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Segundo Marc Ferro: “Chegando tarde ao discurso do historiador, a imagem desempenha aí um papel comparável
àquele do neurótico na ordem médica. Em vez de reportar-se aos conceitos e às categorias que a ordem histórica
construiu, a imagem reporta-se, igualmente, a outras imagens: ela formula assim, um tipo autônomo de discurso.
Nesse sentido, seja ela fotografia ou filme, reportagem ou ficção, a imagem coloca ao mesmo tempo em questão o
dispositivo e o conteúdo do discurso histórico. Dupla impertinência.” Apud Anne Marie Granet-Abisset “O
historiador e a fotografia”. In: Projeto História. SP: EDUC, nº 24, p. 09-26, jun/2002.
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São elas: a História da imagem (História do cinema, História da pintura, História da televisão...); a imagem como
agente da história (relação indústria cultural e poder ideológico e político das imagens); a imagem como documento
do presente (revela aspectos sobre o período histórico em que foi produzido); como modalidade do discurso sobre o
passado; o discurso audiovisual como meio de expressão dos saberes do historiador; e o uso das imagens no ensino
de história (NOVA, 2000, p. 145-146).
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145). Entretanto, mesmo supervalorizando o discurso histórico do texto visual, é insuficiente –


em nosso ponto de vista – qualquer pesquisa que podendo transitar entre as várias abordagens
não o faça.
Destarte, a grande lição que se pode tirar das múltiplas abordagens na relação filme-
história é que as variadas representações do social e histórico nas películas contribuem no ofício
do historiador ao “pontuar as dificuldades constitutivas da operação historiográfica” (LAGNY,
1995, p. 35). As dificuldades na interpretação, por exemplo, de um filme histórico que explora “o
potencial imaginativo e poético” criando mitos em vez de decompô-los, ajuda os historiadores a
interrogarem-se sobre seus saberes e escrita (Idem, p.32-35). Aquilo que Michèle Lagny chamou
de freqüentes “imposturas reveladas” nos roteiros de filmes históricos e que acometem as
produções hollywoodianas, mesmo quando criam mythogeneses (Idem, p. 35) podem por meio
da investigação historiográfica ser interrogadas e interpretadas empiricamente, como ser tratadas
como um reflexo complexo das representações sociais sobre o presente e o passado.3 Lembremos,
por exemplo, a megaprodução de Mel Gibson sobre o rebelde escocês William Wallace em
Coração Valente (EUA, 1995), uma boa produção se falarmos em termos das diversas linguagens
que compõem o visual e dá-lhe sentido. Contudo, a reconstrução histórica da Idade Média
Central escocesa deixa a desejar por propositais imprecisões que vão desde as motivações do
rebelde escocês para iniciar as lutas de independência na Escócia durante o reinado de Eduardo I
da Inglaterra, até o período histórico da primeira derrota militar de uma cavalaria inglesa por uma
infantaria (que só aconteceria durante o reinado de seu filho, Eduardo II, em 1314, em
Bannockburn, nove anos após a execução de William Wallace, cuja figura, interpretada por
Gibson, aparece liderando a batalha no filme).
As “imposturas reveladas” em películas como Coração Valente não exigem o imperativo
de revisão - antes de sua exibição - dos filmes históricos por um “historiador de reconhecimento”,
como sugere Louis Gottschalk (apud NOVA, 2000, p. 150). O historiador é que deve encarar o
filme como desafio aos seus saberes e métodos de investigação, propondo novas abordagens que
acompanhem o mundo imagético. Mesmo porque, se não nos falha a memória, está por ser
construído um filme histórico que receba uma crítica positiva de historiadores.

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Um exemplo brasileiro citado por Michèle Lagny é o de Glauber Rocha que extrai o potencial poético e mítico de
alguns fenômenos históricos nacionais (1995, p. 33). Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe são bons
exemplos daquilo que Ismail Xavier chama de “movimento do mundo em metáforas capazes de fornecer a imagem
simultânea, global, unificadora da experiência social.” cf. Glauber Rocha: o desejo da História. In: O Cinema
Brasileiro Moderno. RJ: Paz e Terra, 2001. p. 127-155, (Coleção Leitura).
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É preciso estar de atalaia ao uso do filme como fonte, ou mesmo como apoio didático. Os
historiadores menos avisados ainda podem fazer das imagens um representante ideal do
fenômeno histórico, sendo induzidos “a se posicionar pelo olho da câmara” (SAMUEL, 2000, p.
33). Quando Raphael Samuel escreve essa afirmativa, ele usa a palavra espectador e não
historiador. Mas o historiador também é um espectador! E para além de espectador é um
consumidor de um tipo especial de mercadoria: a mercadoria visual, que , em verdade, é objeto
de estudos do historiador e possui o poder de seduzir quem a vê, de propor uma nova realidade e
sensações fantásticas, de nos por nus perante a tela. Ao desenvolver a categoria escopofilia em
sua reflexão sobre a imagem fotográfica, Raphael Samuel considera o imagético um instrumento
capaz de criar sensações fantásticas em quem vê. Destarte, ao tornar-se compulsivo o ato de ver,
podemos explicar e interpretar a onda cinéfila e o voyeurismo imagético, por exemplo, dos reality
shows, como algo inerente a todos os gêneros visuais (SAMUEL, 2000, p. 33).
As imagens pressionam gostos, atitudes, prazeres e comportamentos que, por mais
efêmeros que sejam, são produtos de sua força social. As imagens com seu poder de criação e
satisfação de necessidades, além de serem carregadas de representações sociais, são mercadorias
visuais que medeiam as trocas entre os indivíduos. Parecer ou sonhar por meio das imagens é um
dos resultados do capitalismo tardio. No mundo reificado, o indivíduo singular ou o indivíduo
coletivo acaba sendo reificado no interior das relações de produção e sociais sendo na alquimia
social que as mercadorias visuais (e em geral) aparecem dotadas de autonomia, passando a
governar as relações sociais de acordo com as leis do mundo das coisas. Desaparecem as relações
sociais e surgem as relações entre coisas. Desta forma, e como lembra Guy Debord, no mundo
coisificado as imagens se tornam motivações, e induzem a comportamentos hipnóticos em seus
consumidores (1997, p. 18), pois a sociedade do espetáculo ou de mercado “não é um conjunto de
imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens” (1997, p. 14) que, em
última instância, são mercadorias visuais. Isso sugere que por meio das mercadorias visuais mais
vale a representação social comunicada que a mercadoria em si. Mais vale o espírito de beleza e
juventude nas imagens de refrigerante que a própria mercadoria. Com efeito, e para Fredric
Jameson, mais vale consumir a idéia abstrata oferecida pela mercadoria visual que sua
materialidade (1995, p. 12). Invertendo a lógica comercial de um determinado refrigerante:
Imagem é tudo, sede é nada., na sociedade do espetáculo.
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Ora, as artes visuais fazem parte de um universo simbólico, um instrumento de


conhecimento e de construção do mundo dos objetos estando na esfera do indizível e da
sensibilidade. Um filme, por exemplo, possui o poder de confirmar/transformar a visão do mundo
e conseqüentemente a ação sobre ele, pois em seu interior há uma luta simbólica entre as classes
para impor a definição do mundo social segundo seus interesses, cumprindo uma função política
de imposição ou legitimação da dominação (BOURDIEU, 1989, p. 7-15). Na construção da
imagem fílmica, diretores e roteiristas criam representações sociais do imagético que fazem parte
das lutas sociais experienciadas em sociedade. Sua função primária é cativar o consumidor da
mercadoria através da comunicação visual dando a ele satisfação mercantil que, ao nosso ver, se
realiza naquilo que a Comunicação chama de identificação projetiva. A identificação projetiva é
o momento em que o consumidor do filme é abstraído para o mundo da tela de cinema tornando-
se parte da trama, sentindo desejos, medos e sentimentos das personagens. É um momento de
catarse em que por meio da película se vive situações que se gostaria de experimentar, ou mesmo,
que o indivíduo desaprova (MERTEN, 1995, p. 08). O historiador, que é um consumidor, está
sujeito aos fetiches do texto visual. Como lembra mais uma vez Raphael Samuel, a alquimia
sedutora da relação filme-consumidor pode levar o historiador a estabelecer uma relação com o
passado ou o presente que nunca existiu, mas que gostaria que tivesse existido (2000, p. 35).
Portanto, o historiador assemelha-se ao flâneur de Walter Benjamin, que “entrou em
relação de empatia com a alma da mercadoria” (apud ROUANET, 1987, p. 65). Como
mercadorias visuais, o filme possui significações decididas à revelia de quem as consome
,criando um tipo de flâneur que não olha vitrines nas Passagens de Walter Benjamin, mas está
sentado observando na tela a “alma da mercadoria” que pode ser, empaticamente, sua alma.
Nesse sentido, o desejo de enxergar o mundo através da câmera, motivado pela empatia de
mercadoria, deve nortear as preocupações metodológicas do historiador-consumidor. Que método
se pode propor para romper a relação empática do historiador-consumidor com as mercadorias
visuais? Uma qualificada contribuição vem de Massimo Canevacci e seu estudo na área da
Antropologia da comunicação visual. Analisando as mercadorias visuais, Canevacci lembra que
estas possuem propriedades fantasmáticas capazes de transformar as relações humanas em
relações entre coisas.
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Para captar os códigos das novas fantasmagorias é necessário


recomeçar pelo conceito de fetichismo e adaptá-lo aos novos níveis da
mercantilização. Então os fetiches visuais, que proliferam na
comunicação de alta tecnologia, são de tal forma incorporada pelas
novas mercadorias que o próprio método de observação deve levar isso
em conta. Este se redefine como observação observadora, porque
coloca toda a globalidade cognitiva do ser espectador dentro do frame
da observação e, ao mesmo tempo, todo do lado de fora. Este saltar do
observador ao observar-se – essa metaobservação – é a abordagem
adequada (ou conforme) à decodificação dissoluta da comunicação
visual (2001, p. 13-14).

Além de colocar a comunicação como mediador entre o visual e o antropológico,


Canevacci toma esta como parte endógena das mercadorias visuais. A comunicação visual se
apresenta em três núcleos, ao mesmo tempo singulares, simultaneamente interdependentes,
formados: pelo autor (cineasta, diretor), pelo informante (ator profissional, figurantes) e pelo
espectador (observador/consumidor). Através das diversas linguagens adequadas à produção de
um filme ocorre uma negociação do significado do texto visual entre o autor, informante e
espectador onde todos são sujeitos do processo de comunicação.4 O espectador-consumidor,
mesmo não participando da confecção do filme, também é agente, passando a intervir na
construção de sentidos do visual. Aliás a construção de imagens é sempre uma negociação de
significados visuais através das muitas linguagens inerentes ao visual, estendo-se desde as
tomadas no set, passando pela interpretação dos atores, montagem, até o espectador, que negocia
subjetivamente os significados do que vê, ouve e sente (CANEVACCI, 2001, p. 9).
Ao propor uma observação observadora, Canevacci situa o espectador-consumidor ao
mesmo tempo dentro e fora da ação do frame da observação, ou seja, como intérpretes que
negociam significados do texto visual (2001, p, 8). É através da observação observadora que

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Para Cannevacci o sistema da comunicação “não se situa na tradição mecanicista do século XIX (um emissor que
remete uma mensagem a um destinatário) e talvez nem na tradição cibernética (na qual através do feedback ou
retroatividade – o sistema se torna complexo e circular). O texto visual deve ser visto como o resultado de um
contexto inquieto que envolve sempre esses três participantes, cada qual com seus papéis duplos de observados e
observadores: autor, informante e espectador são atores do processo comunicativo” (2001 p. 08).
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acontece à transmutação do fazer ver para o fazer-se ver, desnudando a mercadoria visual de
seus fetiches imagéticos. “Fazer-se ver significa desafiar a fantasmagoria das mercadorias
visuais, tornando-se ‘coisa’ vidente, fetiche em visão e ‘da’ visão” (p. 15). Desnudar o texto
visual de um filme é ao mesmo tempo, transformar a deformação social de seu audiovisual,
penetrando suas estruturas íntimas de composição, na sua biografia cultural. 6
Para Canevacci, o consumidor de imagens deve transmutar-se em sujeito-pesquisador, no
caso, em sujeito-historiador, rompendo com o binômio historiador-consumidor, transformando-
se em “coisa-que-vê e que-se-vê”. Treinar a auto-observação enquanto observa um filme é
descoisificar o social do texto visual a partir do processo comunicativo. Afinal, se o “visual é
essencialmente pornográfico” (JAMESON, 1995, p. 01), observar-se enquanto se observa
(metaobservação) é romper com a empatia da mercadoria visual, tornando-a estranha ao sujeito-
historiador. Nesse momento as mercadorias visuais desnudam seus códigos, tornando aquilo que
era familiar estranho a quem se observa ao observar.

Ao tornar estrangeiras as mercadorias visuais, é preciso representá-


las como se fossem vistas pela primeira vez: com a mesma
curiosidade exótica ou ingenuidade infantil. Se o fetichismo da
mercadoria é a coisa mais familiar na fase da comunicação visual,
deve “fazer-se ver” como a coisa mais estranha. (...) No processo
dissolvente de transformação das mercadorias visuais, de
familiaridades a estrangeiras, pode realizar-se a sua (e a nossa)
desreificação (CANNEVACI, 2001, p. 33).

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Toda imagem traz em si o germe do exibicionismo. Para Guy Debord, o espetáculo é a necessidade do fazer ver por
meio das imagens, e o fazer ver é a ausência do diálogo entre quem vê e o que se vê (1997, p. 18).
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É fundamental nesse processo o que Canevacci chama de biografia cultural das mercadorias visuais, ou seja, que
as mercadorias não são apenas coisas, mas “como os homens, têm ciclos de vida, problemas de identidade, modelos
classificatórios” (p. 27). Possuem uma biografia como os seres humanos e são influenciadas em sua feitura e
consumo por estes. Deixam nela uma marca do trabalho e indivíduo coletivo. Isso nos leva a penetrar o reino da
valorização das mercadorias visuais (ou em geral) não a partir da quantidade de trabalho abstrato indiferente
socialmente necessário para produzi-las, mas do trabalho imaterial, ou seja, da comunicação e ciência como forças
de organização produtiva e de produção de valor das mercadorias. Esse é um debate de profunda e longa envergadura
iniciado pela corrente neomarxista italiana conhecida como operaismo; o limite de espaço não nos permite aqui
desenvolver suas reflexões. Para uma boa introdução à categoria Cf. LAZZARATO, Maurizio, NEGRI, Antonio.
Trabalho imaterial: as formas de vida e produção de subjetividade. Trad. Mônica Jesus. RJ: DP&A, 2001.
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Uma vez desnudadas, o ato de ver se torna menos sedutor e mais estranho, e as imagens
podem emergir em sua forma ontológica: como espaços para disputas sociais. Se o caminho para
a empatia da mercadoria visual é o da construção de fetiches por meio de códigos negociados
entre autor, informante e espectador; ler o texto visual das mercadorias é penetrar em seu mundo,
é desconstruir sua empatia e fetiches que reforçam a reificação social.
Destarte, o sujeito-historiador, ao manusear o objeto de pesquisa fílmico, deve se
perguntar tanto pelo texto visual como por si mesmo. Portanto, transmutar-se em coisa-que-vê e
que-se-vê aponta a ruptura nas qualidades de encantamento e empatia das mercadorias visuais
criando o diálogo adequado entre sujeito-historiador e suas fontes visuais.
Finalizamos lembrando uma afirmação do cineasta Jean-Marie Straub sobre a possível
função da mercadoria visual fílmica: a função do filme “é abrir os olhos e ouvidos das pessoas” e
“surpreende-las no sentido em que não vejam as coisas com óculos”. 7 Certamente não se trata
disso. Politizar um filme ou tornar seu conteúdo engajado do ponto de vista revolucionário não
faz com que esse deixe de ser mercadoria visual dotada de qualidades de sedução e
representações sociais; nem os priva de imposturas interpretativas do real. Os óculos
permanecem. O processo de enxergar o mundo sob novo prisma por meio do imagético só é
possível ao desconstruirmos seus fetiches visuais. Só depois dessa nova alquimia é que o
historiador pode finalmente retirar seus óculos.

Bibliografia

BOURDIEU, Pierre. Sobre o Poder Simbólico. In: O Poder Simbólico. Trad. Fernando Tomaz,
Lisboa: Bertrand Brasil. 1989, p. 11. (Coleção Memória e Sociedade).
BURKE, Peter. Como confiar em fotografias. In: Jornal Folha de São Paulo, Caderno Mais!. SP,
04.02.2001.
CANEVACCI, Massimo. Antropologia da Comunicação Visual. Trad. Alba Olmi, RJ: DP&A,
2001.
DEBORD, Guy A Sociedade do Espetáculo.Trad. Estela dos Santos Abreu. RJ: Contraponto,
1997.

7
Apud CIRNE, Moacy. Quadrinhos, sedução e paixão. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 139, 167.
9

DUTRA, Roger Andrade. Da historicidade da imagem à historicidade do Cinema. In: Projeto


História. SP: EDUC, nº 21, p. 121-140, Nov. 2000.
FERRO, Marc. Cinema e História. Trad. Flávia Nascimento. RJ: Paz e Terra, 1992.
JAMESON, Fredric. Reificação e utopia na cultura de massa. In: As Marcas do Visível. RJ:
Graal, 1995, p. 09-35.
LAGNY, Michèle. Escrita Fílmica e leitura histórica. Cadernos de Antropologia e Imagem. RJ:,
Nº 10 (1), p. 19-37,2000.
MERTEN, Luiz Carlos. Cinema: um zapping de Lumière a Tarantino. RS: Artes e ofícios, 1995.
NOVA, Cristiane. A “História” diante dos desafios imagéticos. In: Projeto História. op. cit, p.
141-162.
ROUANET, Sergio Paulo. As Passagens de Paris. In: As Razões do Iluminismo.SP: Cia. das
Letras, 1987, p. 37-109.
SAMUEL, Raphael. Escopofilia. In: Projeto História. op. cit. p. 25-37.

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