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4, de 2006
1806-4280/06/35 - 04/16
Arquivos Catarinenses de Medicina
ARTIGO ORIGINAIS
Resumo Abstract
Caracteriza a pediatria e a saúde da criança dentro Characterizes pediatrics and child health within the
do Modelo Biomédico e aponta para a construção de Biomedical Model and points out to the construction of a
uma nova pediatria baseada na Reforma Sanitária. Aponta new pediatrics based on Sanitary Reform. Indicates the
as incongruências do núcleo formador e o núcleo de contradictions between the former core and assistance
assistência. core.
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complexidade pode ser reduzido a reformismos e não a existiu uma aproximação que não repercutiu
mudanças de fato5, 6. Por uma questão de recorte, que imediatamente. A representação estatal do Ministério da
se justifica pelo meu “olhar de professor”, invisto minhas Educação foi de 8%19. O relatório final sugere que o
inferências na importância da formação nos processos Ministério da Saúde se comprometa com a formação
de mudança. Apóio-me em Testa15 que, ao discorrer sobre dos profissionais de saúde10. A Constituição Federal traz
as determinações deste campo argumenta que a [...] em seu corpo a responsabilidade do SUS na ordenação
de formação dos profissionais de saúde20 e a lei Orgânica
[...] determinação do ensino pela prática é uma da saúde regulamenta esta responsabilidade12.
determinação forte, o que quer dizer que é difícil de ser Embora as tentativas de superação das contradições
superada a partir da modificação das formas de ensino; entre a Integralidade da Reforma Sanitária e a
seria necessária a modificação prioritária da prática que fragmentação da Educação Médica, estivessem em
o determina. Continuando por este caminho, pode-se pauta, elas não estavam em curso. Foi somente em 2001,
chegar à conclusão de que não vale a pena dedicar com a formulação das Diretrizes Curriculares dos Cursos
algum esforço a não ser nas primeiras determinações de Medicina, que o Ministério da Educação,
(prática médica e os marcos de referência dos países definitivamente, “entrou no jogo”. Categorias da reforma
centrais) de todos os fenômenos sociais, pois a sanitária são amplamente explicitadas no documento:
modificação em qualquer nível inferior estaria integralidade, ações integrais, trabalho em equipe e
condenada ao fracasso. Nossa proposta é que a interdisciplinaridade, comunidade, concepção bio-psico-
observação anterior... não leva em conta o contexto em social, SUS, etc. Tudo isto é colocado de forma natural
que esta afirmativa poderia ter validade,... É uma e associado às competências de ordem clínica.
afirmativa fora do contexto, porque ignora o fato de O Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares
que aquilo que tem valor em nossas circunstâncias é a para as Escolas Médicas (Promed) vem ao encontro
tentativa de realizar mudanças em âmbitos das diretrizes, proporcionando os meios operacionais
significativos da vida social, embora seja difícil alcançar financiados para a execução do projeto conjunto MEC e
todos os propósitos que motivam a ação15. MS 21. Em 2003 são criados os Pólos de Educação
Permanente, outra iniciativa que atende aos princípios
Em dois estudos realizados, um pelo olhar do da Reforma Sanitária22, 23.
professor5 e outro pelo olhar do aluno16, pode-se perceber
a presença forte e dominante de concepções estritamente A educação pediátrica e a graduação médica
biologicistas nas práticas curriculares médicas na UFSC. Parece claro que não existe uma Educação Pediátrica
Os estudos foram realizados com sujeitos não submetidos fora do contexto de uma Educação Médica. Os princípios
às mudanças curriculares agora presentes. e os marcos conceituais são os mesmos. Extensa
Poderíamos afirmar que, até as elaboração das literatura pode ser encontrada sobre educação médica e
Diretrizes Nacionais Curriculares para os curso de não pretendo me alongar. Gostaria, de fato, de me
medicina em 200117, as políticas públicas de formação debruçar sobre o que a Educação Pediátrica pode ter de
médica não tinham um alinhamento claro com as políticas particular e, por outro lado, promover aproximações sobre
de saúde. Ou seja, enquanto a Reforma Sanitária a responsabilidade no desenvolvimento de competências
Brasileira já tinha consolidado o discurso da Integralidade, em saúde da criança, que possam atender aos princípios
a formação médica continuava filiada ao modelo gerais da Educação Médica.
flexneriano, fragmentado. Para se ter uma idéia sobre a importância da pediatria
A Organização Pan-americana de Saúde, em duas para Flexner e seu relatório24, não se pode encontrar no
avaliações realizadas em 1970 e 1974 das escolas índice remissivo qualquer referência direta ao termo, ou
médicas da América Latina, concluiu que havia um hiato qualquer palavra e expressão que se aproxime (saúde
entre as políticas públicas de saúde e as políticas públicas da criança ou criança, por exemplo). No meio do texto,
de formação de recursos humanos para a saúde. O de forma despretensiosa, pude encontrar uma referência
documento sugere, ainda, que o planejamento contemple a pouco animadora quando ele relata as quatro áreas do
articulação entre o núcleo formador e núcleo de ciclo clínico:
serviço18.
Em 1986 na VIII Conferência Nacional da Saúde 1. medicina*, onde pediatria e doenças infecciosas
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Mais uma vez, foi discutida a necessidade de Concordo que é necessária a criação de mecanismos
diversidade de ambiente de aprendizado. Ressaltou-se a que otimizem as relações de referência e contra-
necessidade de uma articulação operacional entre os referência. É um problema nacional, a comunicação não
diferentes níveis de atenção com uma comunicação mais ocorre nem mesmo dentro de uma mesma instituição de
eficiente entre a referência e a contra-referência. ensino/saúde, quanto mais entre duas instituições. Quando
· Tema IV Inserção do aluno na rede básica há avanços na comunicação, esta se dá geralmente
Reiterou-se a inclusão precoce do aluno na rede sob dentro de uma visão pluridisciplinar, com pouca
supervisão docente e um trabalho específico com os freqüência na relação interdisciplinar.
profissionais que formam a rede de trabalhadores do Em relação ao tema IV, inserção precoce do aluno
sistema. Além disso, foi sugerido que a atividade de ensino na rede pública, lembro que é uma recomendação não
ganhe contornos transdepartamentais, envolvendo Saúde exclusiva da pediatria e tem sido apoiada por extensa
Pública, Tocoginecologia, Medicina Interna, etc. literatura no campo da Educação Médica. O que está
Gostaria de fazer alguns comentários a respeito de em pauta ainda, e não se tem consenso é: por quem
alguns aspectos discutidos no relatório. Em relação ao estes alunos serão orientados? Seriam os profissionais
tema “modelo criança”, concordo que a criança, de uma em serviço ou professores? Há diferenças de opiniões.
maneira geral, tem sido subestimada nos currículos. O Ministério da Educação aponta em seu discurso para
Burgio28 afirma que a criança tem especificidades em a supervisão docente. O Ministério da Saúde se aproxima
relação à anatomia, fisiologia, saúde mental e reação à da visão de que é de responsabilidade da universidade o
doença que precisam ser contempladas nos conteúdos desenvolvimento de competências técnicas (inclusive
curriculares. Tradicionalmente, os modelos de estudo têm com protocolos e rotinas de atendimento) e pedagógicas
sido adultos, o que não justifica um modelo criança. O para o profissional da rede que receberá o aluno. Caberia
modelo do homem em seu ciclo vital, contextualizado no ao professor a organização, planejamento e supervisão
campo psicológico, familiar e social deve ser o eixo de destas atividades. Não estou usando qualquer referência
práticas curriculares. bibliográfica para fundamentar estes argumentos porque
A semiologia pediátrica, como bem definida, deve tenho apenas a impressão de que existe uma certa
proporcionar ao aluno uma variedade de situações que incongruência nos discurso dos dois ministérios, não
permita otimizar seu aprendizado. Seria muito importante acredito que seja uma política clara; é mais, uma
que a valorização da semiologia se desse de forma inferência minha. Na França há um programa específico
transversal. Ou seja, a semiologia poderia estar explícita de formação dos médicos da rede de saúde para receber
em todas atividades dos conteúdos clínicos. Resta, ainda os alunos34. O que se argumenta é que é diferente ser
ressaltar o ensino (através do modelo docente) da profissional de saúde da rede pública recebendo aluno e
“humanização” do ato semiológico desde a anamnese e ser profissional sem receber aluno. Há de se ter um
a relação com o familiar informante, passando pelo preparo técnico compatível com a literatura atualizada,
respeito à criança durante seu exame físico, até a tanto quanto um preparo pedagógico para se fazer a
racionalidade na solicitação de exames complementares. transposição didática* destes conhecimentos.
Tudo isso é semiologia. Acolher e “humanizar” implica, Um importante documento sobre educação pediátrica
também ensinar que a mãe da criança é uma cidadã, na graduação foi publicado pela OPAS35. O documento
com nome (não é mãezinha), direitos e deveres, com relata um estudo realizado nas faculdades de medicina
expectativas em relação à doença do filho. na América Latina sobre a oferta de um currículo
O Internato em Pediatria deve, de fato, permitir pediátrico. Entre os anos de 1994 e 1995 realizaram um
ambientação variada do aluno atendendo os diversos estudo piloto que demonstrou de forma surpreendente a
níveis de atenção. Aliás, o princípio da Integralidade do desproporção entre como se ensina e como se encontra
SUS, nos dá ferramentas teóricas para rompermos com a realidade das práticas. O hospital correspondeu a 70%
o conceito de “nível de atenção”. Talvez, do ponto de do tempo destinado ao ensino de pediatria e os egressos
vista de planejamento, ou sob o aspecto meramente trabalhavam em 10%. As práticas pediátricas
didático, este conceito se justifica. Tenho preferido falar ambulatoriais de ensino corresponderam a 10% do tempo
em Rede de Atenção. Nível de atenção lembra
verticalização e hierarquia, enquanto que rede de atenção *
Transposição didática: Tradução do saber científico em aprendizado
lembra horizontalização e integralidade da atenção. aplicável usando metodologias pedagógicas.
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