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Liga Acadêmica de Neurologia - LANE

Apostila

N
Grandes Temas em

eurologia

Liga Acadêmica
1 de Neurologia
Liga Acadêmica de Neurologia - LANE

APRESENTAÇÃO
Distúrbios neurológicos são muito frequentes não apenas no consultório de Neurologia,
mas também em pacientes que procuram o Generalista, o Clínico Geral, e as mais diversas
especialidades médicas. Assim, em Medicina interna, Psiquiatria, Geriatria, Oftalmologia, Ortopedia,
entre outras, há necessidade frequente de estabelecer diagnósticos diferenciais com doenças
decorrentes de lesão no sistema nervoso.

Deste modo, todos os médicos e acadêmicos deveriam estar habituados a interpretar os


principais sintomas e sinais de disfunção neurológica. Mas, infelizmente, muitos ainda não estão. A
impressão equivocada de que o exame neurológico é muito demorado e complexo e a dificuldade de
interpretação dos sinais neurológicos leva muitos profissionais e estudantes de Medicina a sentirem-
se desestimulados a estudar Neurologia.

Nesse contexto, a Liga Acadêmica de Neurologia – LANE apresenta a “Apostila Grandes


Temas em Neurologia” como forma de levar conhecimento de forma simples e descomplicada, não
apenas aos membros e candidatos a ingressantes da Liga, mas também à toda a comunidade
acadêmica.

Não é objetivo da LANE criar especialistas em Neurologia, mas sim promover uma
introdução a esta área, fornecendo uma visão geral sobre os principais temas encontrados em
ambulatórios, enfermarias e centro cirúrgico frequentados pela Liga.

Bons estudos!

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Sumário
Capítulo I Semiologia Neurológica......................................................................................................................... 04

Capítulo II Cefaleias.................................................................................................................................................... 20

Capítulo III Acidente Vascular Encefálico............................................................................................................... 28

Capítulo IV Parkinson e Parkinsonismo.................................................................................................................. 50

Capítulo V Epilepsias e Crises Epiléticas............................................................................................................... 59

Capítulo VI Síndromes Demenciais.......................................................................................................................... 66

Capítulo VII Hipertensão Intracraniana................................................................................................................... 75

Capítulo VIII Distúrbios do sono.................................................................................................................................. 86

Referências ..................................................................................................................................................................... 93

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Capítulo I
Semiologia
neurológica

ANAMNESE
Evolução paroxística e recidivante diferem apenas na duração
dos sintomas. No primeiro tipo, os sinais/sintomas devem durar
A anamnese é mandatória. Mesmo nos casos em que há por minutos ou poucas horas (ex. crise epiléptica, enxaqueca)
alterações do nível de consciência ou da linguagem, um familiar enquanto no segundo tipo, os sinais/sintomas poderão durar
ou testemunha deve ser entrevistado, com o objetivo de fornecer meses (ex. Esclerose Múltipla) e depois regredir, total ou
informações detalhadas sobre o quadro. parcialmente. A evolução ondulante caracteriza algumas doenças
Muitas doenças neurológicas apresentam sintomas que sofrem influência de fatores internos, como a hipo ou
característicos sem alterações ao exame físico e neurológico, hiperglicemia, uremia, amonemia ou externos como o frio
sendo primordiais os dados de anamnese para a suspeita (afetando a circulação cerebral, por exemplo).
diagnóstica e condução do caso.
A qualidade da anamnese, portanto, depende das
capacidades de observação e de comunicação do paciente e,
principalmente, do conhecimento do médico sobre a doença em
questão.
A queixa principal e sua duração devem ser bem
investigadas, juntamente com a história da moléstia atual. É
fundamental investigar seu início (se súbito ou insidioso), sua
evolução (se estacionária, regressiva, progressiva, paroxística,
recidivante ou ondulante) e a existência de tratamentos
anteriores.
O início súbito deve ser comparado, para o paciente
entender bem, como sendo parecido com o estalar de um trovão
Realização de Anamnese.
e deve ser diferenciado, por exemplo, de um início rápido, mas
que dure alguns segundos ou poucos minutos. O primeiro caso
Alguns pontos devem ser ativamente questionados:
lembra a ruptura de um aneurisma cerebral, enquanto que o
segundo lembra a instalação de acidente vascular cerebral
a) Interrogatório sintomatológico: Cefaleias. Vômitos.
isquêmico. O início insidioso lembra lesão expansiva ou doenças,
Alterações visuais. Convulsões. Desmaios. Dor. Parestesias.
lentamente, progressivas como a Doença de Parkinson e a
Anestesias. Fraqueza muscular. Paralisias. Atrofias. Tremores.
Doença de Alzheimer.
Movimentos involuntários. Alteração de marcha. Fala. Escrita.
O tipo de evolução ajuda no raciocínio do diagnóstico
Distúrbios psíquicos. Alterações do apetite. Emagrecimento.
etiológico. A evolução estacionária indica uma doença que deixa
Alterações dos esfíncteres. Distúrbios sexuais.
sequela como, por exemplo, um trauma medular ou hemorragia
cerebral. Se no decorrer dos meses (dias), houver melhora dos
b) Antecedentes Pessoais: Condições de gestação: moléstias,
sinais/sintomas, a evolução é chamada de regressiva. A
febre, uso de medicamentos, traumas, exames radiológicos,
evolução progressiva lembra patologias que aumentam com o
tratamentos por radiações. Condições de nascimento e
tempo, como as doenças degenerativas e as lesões expansivas. A

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neonatais: tipo de parto, anoxia cerebral, choro, sucção, Escolaridade Pontuação normal
convulsões, icterícia, complicações cardio-respiratórias.
Analfabetos = 20
Desenvolvimento psicomotor. Rendimento escolar e no trabalho.
Traumatismos crânio-encefálicos. Moléstias infecciosas. Teníase. 1 a 4 anos = 25
Moléstias sexualmente transmissíveis. Condições de nutrição.
5 a 8 anos = 27
Etilismo. Tabagismo. Drogas e Tóxicos. Convulsões.
9 a 11 anos = 28
c) Antecedentes familiares: Antecedentes obstétricos
Maior que 11 anos = 29
maternos (número de gravidezes, abortos e filhos). Moléstias
semelhantes e neurológicas na família. Levantamento familiar. Pontos de corte do MEEM em função da escolaridade.
Consanguinidade dos pais. Verminoses.
A aplicação do MEEM não substitui uma avaliação
EXAME NEUROPSICOLÓGICO cognitiva completa, que poderá ser necessária em situações
particulares. Quando persistirem dúvidas, pode haver
necessidade de testes específicos, que são realizados por
Durante a anamnese, o examinador é capaz de avaliar o especialistas.
estado de consciência e o grau de atenção, além do humor, da
iniciativa, das capacidades de julgamento e de crítica, da 2. Atenção
concatenação de ideias, da memória para fatos recentes e
antigos, e da capacidade de comunicação verbal (expressão e A atenção deve sempre ser avaliada, uma vez que os
compreensão) de modo subjetivo. A presença de queixas de distúrbios de atenção prejudicam o desempenho em todas as
alterações mentais ou a suspeita pelo examinador dessas outras habilidades cognitivas testadas durante o exame. Os
alterações durante a anamnese demanda um exame aprofundado principais déficits de atenção são: déficits de vigília, déficits em
do estado mental. concentração com distratibilidade e flutuação da atenção, e
inatenção ou negligência unilateral. Testes facilmente aplicáveis
1. Avaliação Global pelo médico para avaliar diferentes déficits de atenção são:
extensão de dígitos, teste da letra A, e secção de linhas.
Alguns testes padronizados podem ser empregados para
avaliar o estado mental de forma geral. O Miniexame do Estado Tipo de déficit de
Correlação anatômica
Mental (MEEM) de Folstein et al. (1975) é um exame de atenção
rastreamento para quadros demenciais e um dos testes mais Sistema reticular ativador
Sonolência ascendente
utilizados na prática clínica por ser de fácil aplicabilidade e
Lesão hemisférica bilateral
interpretação.
Distratibilidade Lobo frontal
Os domínios cognitivos avaliados no MEEM são: orientação Sensitiva Tálamo, lobo parietal
temporal, orientação espacial, atenção, memória, cálculo, Motora Núcleo caudado, lobo frontal
linguagem e habilidade de copiar um desenho. O MEEM será Principais déficits de atenção e correlação topográfica.
descrito posteriormente nesta apostila. Sua pontuação máxima é
de 30 pontos, e pontuações inferiores a 24 pontos sugerem 3. Linguagem
comprometimento cognitivo em populações com escolaridade
média de 7 anos.
Como o desempenho em avaliações cognitivas é A avaliação da linguagem compreende a avaliação da fala
influenciado pela escolaridade, em nosso meio utilizamos espontânea, a compreensão oral, a repetição de palavras e
diferentes pontos de corte em função de diferentes graus de frases, a nomeação, a leitura e a escrita. Devemos lembrar que
escolaridade, definidos a partir de estudo em nossa população, déficits de acuidade auditiva poderão prejudicar a avaliação da
conforme detalhado na tabela a seguir. linguagem.

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Fala espontânea: fluência verbal, articulação de A memória remota pode ser avaliada durante a
fonemas, ocorrência de substituições ou de supressões de anamnese, com a recordação de eventos autobiográficos e pela
fonemas, sílabas ou palavras, e presença de dificuldades no arguição de conhecimentos comuns (datas históricas, por
encontro de palavras podem ser observados durante a exemplo).
anamnese pelo avaliador.
Compreensão oral: deve ser avaliada em níveis 5. Abstração
crescentes de dificuldade, fornecendo ordens ao paciente ou
A capacidade de abstração é avaliada pela capacidade de
formulando questões de resposta ‘sim’ ou ‘não’.
compreensão de provérbios populares ou por provas de
Repetição: a capacidade de repetir fonemas e palavras
semelhanças e diferenças. Por exemplo, pergunta-se ao paciente
permite avaliar se a discriminação auditiva e a articulação estão
qual é a semelhança entre uma laranja e uma maçã.
preservadas. A repetição de frases depende também da
capacidade de memorizar as palavras e de conservar a 6. Funções Executivas
estrutura gramatical. Pede-se ao paciente que repita palavras
curtas e longas inicialmente, e, posteriormente, frases curtas e Alguns testes de fácil aplicação podem avaliar as funções
longas. executivas: o teste de fluência verbal (pede-se ao paciente que
Nomeação: dificuldade na nomeação de objetos (anomia) diga o maior número de animais que puder em 1 minuto, por
é uma das alterações de linguagem mais frequentes. Para o exemplo), o teste “go-no-go”, e o teste do desenho do relógio.
exame, solicita-se ao paciente que dê nome a objetos comuns do
ambiente, partes do corpo e cores. É importante verificar se o EXAME SISTÊMICO
reconhecimento visual está íntegro e a dificuldade em nomear
não é secundária à agnosia visual. Na agnosia visual, um objeto O exame físico geral deve ser feito conforme
não reconhecido pela visão pode ser facilmente nomeado pelo propedêutica habitual. Sinais de insuficiência de órgãos ou
tato. sistemas são fundamentais para a correta interpretação dos
Leitura: solicita-se que o paciente obedeça a ordens sintomas neurológicos, que podem muitas vezes ser secundários
escritas como: “abra a boca”, “feche os olhos’’. A leitura de um a quadros metabólicos, como nos casos de encefalopatias tóxico-
texto em voz alta pode ser solicitada. metabólicas.
Escrita: o paciente deve escrever, em uma folha em Os dados da semiologia cardiovascular são muito
branco, seu nome, endereço e algumas frases, espontaneamente importantes em casos de acidentes vasculares encefálicos
e sob ditado. (AVEs), por exemplo. Também é comum o diagnóstico de doenças
Com base nessa avaliação da linguagem é possível previamente não conhecidas pelo paciente após o surgimento de
identificar afasias e separá-las das disfonias e das disartrias. quadro neurológico agudo, como no caso da hipertensão arterial
sistêmica diagnosticada após AVE lacunar.
4. Memória

A memória é dividida em memória imediata, memória


recente e memória remota. A avaliação da memória imediata é
feita no exame da atenção, sendo que esse tipo de memória
refere-se à memória de ultracurta duração.
A memória recente é a habilidade de aprender e evocar
novas informações, e pode ser avaliada com testes de evocação
(para memória verbal ou visual) e de orientação temporal e
espacial. Nos testes de evocação, é apresentada lista com
palavras ou figuras que devem ser memorizadas. A apresentação
do estímulo é repetida e, após alguns minutos, solicita-se ao
Exame físico geral.
indivíduo que evoque os estímulos apresentados previamente.

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EXAME DO EQUILÍBRIO E DA MARCHA As alterações do equilíbrio manifestam-se mais


nitidamente durante a marcha, especialmente quando o paciente
se vira para mudar de direção. Enquanto ele caminha pela sala,
O paciente deve ficar em pé, com os pés próximos,
indo e voltando, observa-se a postura, o balanço dos membros
paralelos, descalços e sem meias, com os braços pendentes ao
superiores e a presença de alterações como alargamento da
lado do corpo. Observa-se a postura, se há oscilações ou dança
base, irregularidade dos passos e desvios.
dos tendões. Leves empurrões para frente, para trás e para os
A manobra de caminhar encostando o calcanhar de um pé
lados permitem avaliar a capacidade de manter o equilíbrio. Na
nos artelhos do outro é particularmente sensível para detectar
doença de Parkinson, pela ocorrência de instabilidade postural,
distúrbios do equilíbrio. A marcha com olhos fechados, para
pequenos empurrões permitem verificar se existe tendência à
frente e para trás, pode tornar evidentes alterações mais sutis
queda para trás. O sinal de dança dos tendões, observação dos
do equilíbrio.
tendões de Aquiles e do tibial anterior que ressaltam de forma
A marcha em bloco caracteriza-se pela pobreza dos
irregular, é característico das ataxias cerebelares.
movimentos de balanço passivo associados dos membros
Em seguida, solicita-se ao indivíduo que feche os olhos. O
superiores. Está presente nas síndromes extrapiramidais
sinal de Romberg, caracterizado por oscilação ou queda ao
oligocinéticas, por exemplo, na paralisia supranuclear
fechar os olhos, indica comprometimento das vias de
progressiva e na doença de Parkinson.
sensibilidade proprioceptivas conscientes. Se houver latência e
Na marcha ebriosa, típica das lesões cerebelares,
lado preferencial para queda, estamos diante de lesão vestibular,
observamos as pernas afastadas, o andar titubeante, com
e denominamos o sinal de Romberg vestibular ou “pseudo-
passos irregulares, ora amplos, ora pequenos, impedindo a
Romberg”.
marcha em linha reta. A marcha talonante, em que as pernas
estão afastadas e os pés batem fortemente contra o chão, é
observada em lesões das vias sensitivas. A marcha escarvante
ocorre por déficit de flexão dorsal do pé e dos artelhos,
secundário a lesões dos nervos fibular, ciático ou da raiz de L5. O
paciente, com atitude de “pé caído”, tende a fletir a coxa
exageradamente, a fim de evitar que os artelhos esbarrem no
solo.
Nas lesões piramidais pode ocorrer a marcha ceifante,
em que se observa movimento em forma de arco realizado pelo
membro parético, semelhante ao movimento de uma foice.

EXAME DA MOTRICIDADE

Pode ser dividido em exame da força muscular, do tônus,


Verificação de sinal de Romberg. dos reflexos, da coordenação e dos movimentos involuntários
anormais.
Pede-se ao paciente que mantenha os braços estendidos
1. Exame da Força Muscular
para frente, com os indicadores apontando para os indicadores
do examinador, e que procure não se desviar dessa posição, com Para a avaliação da força muscular, solicita-se ao
os olhos fechados. Nas síndromes vestibulares, observa-se paciente que mostre a dificuldade que apresenta tentando
desvio lento de ambos os membros superiores para o mesmo realizar movimentos com os segmentos afetados. Em seguida, os
lado da lesão, enquanto na síndrome cerebelar unilateral, apenas movimentos devem ser realizados contra a resistência oposta
o membro superior ipsilateral à lesão cerebelar desvia para o pelo examinador (manobras de oposição). Caso haja déficit de
lado afetado.

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força ou dúvidas quanto à sua existência, utilizam-se manobras musculatura flexora da perna leva a oscilações ou à queda da
deficitárias. A força muscular é graduada de 0 a 5. perna parética.
A força grau 0 é denominada plegia. As demais alterações
recebem o nome de paresia. Denomina-se monoparesia (ou
plegia) o déficit restrito a um dos membros, adicionando o
adjetivo braquial ou crural, a depender do segmento acometido,
membro superior ou membro inferior, respectivamente. Os
déficits dimidiados são denominados hemiparesia (ou plegia). O
termo paraparesia é empregado para déficit nos membros
inferiores bilateralmente, e o termo tetraparesia, para déficits
nos quatro membros.

Grau Contração Característica do movimento


0 Nula Ausência de Contração muscular
1 Esboçada Esboço de Contração; ausência de
movimento
2 Fraca Movimento executado desde que não
haja ação da gravidade
3 Regular Movimento executado, mesmo contra a
ação da gravidade; não vence
resistência oposta pelo examinador
4 Boa Vence alguma resistência oposta pelo
examinador
5 Normal Vence o máximo de resistência oposta
pelo examinador
Graus de força muscular.

a) Membros inferiores

Em decúbito dorsal, o paciente deve executar movimentos


de flexão e extensão dos pés, pernas e coxas. Em seguida, o
examinador opõe resistência aos movimentos e compara a força
entre segmentos simétricos do paciente.
A manobra de Mingazzini é a manobra deficitária mais
utilizada nos membros inferiores. O indivíduo, em decúbito
dorsal, mantém as coxas fletidas, formando ângulo reto com o
tronco, as pernas fletidas sobre as coxas, horizontalmente,
formando ângulo reto com as coxas, e os pés formando ângulo
reto com as pernas na vertical. Normalmente, essa posição pode
ser mantida por 2 minutos. Em condições em que há déficit,
ocorrem oscilações ou quedas progressivas do pé, da perna ou
da coxa, combinadas ou isoladas; caracterizando déficits distais,
proximais ou combinados.
À manobra de Barré, o indivíduo, em decúbito ventral,
mantém as pernas fletidas sobre as coxas. O déficit da

Manobras de teste de força de membro inferior.

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b) Membros superiores Nas paresias leves, a redução da velocidade dos


movimentos pode ser mais evidente que o déficit de força
Sentado ou deitado, o paciente realiza movimentos de
muscular, mas a lentidão dos movimentos não é um sinal apenas
oposição entre o polegar e cada um dos dedos, de abrir e fechar
de síndrome piramidal, sendo característico em algumas lesões
as mãos, de flexão e extensão dos punhos e dos antebraços, de
extrapiramidais.
abdução e de adução dos braços e de elevação dos ombros. Em
À manobra dos braços estendidos, o paciente sentado ou
seguida, os movimentos são realizados contra a resistência
em pé mantém os membros superiores estendidos para frente
oposta pelo examinador.
no plano horizontal, com os dedos afastados entre si. Essa
Para detectar déficits pouco intensos, são mais úteis os
posição deve ser mantida por 2 minutos e permite constatar
testes de avaliação da força nos segmentos mais distais. Por
déficits distais, proximais ou globais.
exemplo, o paciente deve manter os dedos bem afastados um do
outro enquanto o examinador tenta aproximá-los, comparando a
c) Tronco e pescoço
resistência de cada uma das mãos.
Devem ser realizados movimentos de flexão, extensão,
inclinação lateral e rotação.

2. Exame do Tônus Muscular

O tônus muscular pode ser examinado pela inspeção,


palpação e movimentação passiva.
A inspeção revelará o estado do trofismo muscular e a
presença de atitudes anormais ou movimentos involuntários. As
atrofias musculares acompanham as lesões do neurônio motor
inferior, por exemplo.
A palpação dos músculos permite avaliar a consistência
muscular. Nas miosites, por exemplo, os músculos podem
apresentar consistência endurecida.
À movimentação passiva, o examinador realiza
movimentos das diferentes articulações, avaliando a resistência
oferecida. A amplitude do balanço passivo dos pés e das mãos,
quando as pernas ou os braços são movimentados pelo
examinador, mostra se há hipotonia (movimentos amplos) ou
hipertonia (movimentos curtos ou ausência de movimentos,
como se as partes estivessem soldadas). Também podemos
detectar a presença dos sinais da roda denteada e do canivete.
O sinal da roda denteada é observado na rigidez plástica
dos parkinsonianos e caracteriza-se por resistência ao
estiramento muscular, com interrupções, de modo semelhante
ao que se observa quando se movimenta uma engrenagem
defeituosa.
O sinal do canivete indica espasticidade, característico da
lesão piramidal. Caracteriza-se por grande resistência muscular
inicial ao estiramento, que cessa bruscamente, semelhante ao
que ocorre ao abrir ou fechar um canivete.

Manobras de teste de força de membro superior.

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3. Exame dos Reflexos


Reflexo patelar: estando o paciente sentado com as pernas
A avaliação dos reflexos é parte essencial da avaliação pendentes ou em decúbito dorsal, com os joelhos em semiflexão,
neurológica. Podemos, por exemplo, diferenciar o apoiados pelo examinador, é percutido o ligamento patelar (entre
comprometimento do sistema nervoso central do a patela e a epífise da tíbia), observando-se extensão da perna.
comprometimento do sistema nervoso periférico a partir da Nos casos de hipotonia, como na síndrome cerebelar, pode-se
análise dos reflexos. Esse tempo do exame neurológico é observar resposta pendular, quando a pesquisa é realizada com
bastante fidedigno, porque independe da participação do o paciente sentado. Em algumas situações, para evitar a
paciente. O exame dos reflexos divide-se em: exame dos reflexos supressão dos reflexos pelo paciente, utiliza-se a manobra de
profundos e exame dos reflexos superficiais. Jendrassik ou manobra de distração. Essa manobra, que tem por
finalidade distrair a atenção do paciente, pode ser feita
a) Reflexos profundos
solicitando-lhe que engate as duas mãos em forma de gancho e
O estímulo para avaliar os reflexos profundos deve ser puxe-as em direções opostas.
um estiramento rápido do músculo causado pela percussão do
tendão, realizada com o auxílio do martelo neurológico. O
paciente deve manter os músculos bem relaxados e o
examinador deve comparar as respostas entre os dois
hemicorpos.
Diz-se que há hiperreflexia, sinal característico das
lesões piramidais, quando a resposta esperada é obtida ao
percurtir-se um dos pontos de exaltação. A hiporreflexia ou
arreflexia é característica da síndrome do neurônio motor
Verificação do reflexo patelar.
inferior.
Os principais reflexos profundos a serem investigados
Reflexo estilo-radial: o antebraço semifletido é apoiado sobre a
são:
mão do examinador, com o punho em ligeira pronação. A
percussão do processo estiloide ou da extremidade distal do
Reflexo aquileu: estando o paciente em decúbito dorsal, uma
rádio provoca a contração do braquiorradial, produzindo flexão e
das pernas é colocada em ligeira flexão e rotação externa, e
ligeira pronação do antebraço.
cruzada sobre a outra. O examinador mantém o pé em ligeira
flexão dorsal e percute o tendão de Aquiles ou a região plantar,
observando como resposta a flexão plantar do pé.

Verificação do reflexo estilo-radial.

Reflexo adutor da coxa: a pesquisa deve ser realizada com o


paciente em decúbito dorsal com os membros inferiores
semifletidos, em ligeira adução, com os pés apoiados na cama ou
Verificação do reflexo aquiliano. sentado com as pernas pendentes. O examinador percute os

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tendões no côndilo medial do fêmur, com interposição de seu Reflexo oro-orbicular: após percussão do lábio superior, na
dedo, e observa adução da coxa ipsilateral ou bilateralmente. linha axial, observa-se a projeção dos lábios para frente, por
Contração dos músculos peribucais, principalmente do orbicular
Reflexo dos flexores dos dedos: com a mão apoiada, uma das
dos lábios.
maneiras de pesquisar esse reflexo é a percussão da superfície
palmar das falanges, com interposição dos segundo e terceiro Reflexo mandibular: há percussão do mento, com a boca
dedos do examinador. A resposta esperada é a flexão dos dedos. entreaberta, e com interposição do dedo do examinador.
Observa-se elevação da mandíbula secundariamente à contração
Reflexo bicipital: o antebraço deve estar semifletido e apoiado,
dos masseteres.
com a mão em supinação. A percussão do tendão distal do
bíceps, com intraposição do polegar do examinador, provoca A presença de clônus deve ser pesquisada, e é uma das
flexão e supinação do antebraço. características da lesão piramidal. O clônus do pé é pesquisado
com a flexão dorsal do pé, feita brusca e passivamente pelo
examinador, e manutenção do pé nessa posição. Ocorre
contração clônica e rítmica do músculo tríceps sural. Também
podemos pesquisar o clônus patelar.

Nível de Pontos de pesquisa


Reflexo Nervo
integração de exaltação
Flexores N.
dos mediano C7 aT1 Não há
dedos e N. ulnar
Estilo- Epicôndilo lateral do
N. radial C5 a T1
radial úmero
Verificação do reflexo bicipital. Clavícula, olécrano,
N. processos espinhosos
Bicipital músculo- C5 a C6 da coluna cérvico-
Reflexo tricipital: com braço em abdução, sustentado pela mão
cutâneo torácica, epicôndilo,
do examinador, de modo que o antebraço fique pendente em acrômio
semiflexão. A percussão do tendão distal do tríceps provoca
Tricipital N. radial C6 a C8 Não há
extensão do antebraço.
N.
Patelar L2 a L4 Tíbia
femoral
Margem anterior do
púbis, processos
Adutor N.
L2 a L4 espinhosos da coluna
da coxa obturador
torácica ou lombar,
côndilo medial da tíbia
Maléolos e face
Aquiliano N. tibial L5 a S2
anterior da tíbia
Pontos de exaltação dos reflexos profundos.

b) Reflexos superficiais

Nesta classe de reflexos, os estímulos são realizados


Verificação do reflexo tricipital.
sobre a pele ou mucosas e provocam contrações musculares,
Reflexo glabelar: é pesquisado por percussão da glabela e geralmente circunscritas aos grupos musculares da região
observação do fechamento das pálpebras. excitada.

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Reflexo cutâneo-plantar: a excitação da planta do pé, em sua Reflexo cremastérico: a estimulação do terço superior da face
margem interna preferencialmente, no sentido póstero-anterior, medial da coxa, estando o paciente em decúbito dorsal, com os
provoca flexão plantar do hálux e dos artelhos. Denomina-se o membros inferiores estendidos e em abdução, desencadeia
reflexo como cutâneo-plantar em flexão. A pesquisa deve ser contração do cremáster e elevação do testículo ipsilateral.
realizada estando o paciente deitado e relaxado ,utiliza-se uma
Reflexo anal: contração do esfíncter anal externo em resposta à
espátula ou um objeto de ponta romba. O sinal de Babinski, que
estimulação cutânea da região perianal.
consiste na extensão lenta do hálux, é mais facilmente obtido
quando se estimula a parte lateral da planta do pé e é indicativo Reflexo palmomentual: consiste de contração ipsilateral do
de lesão piramidal. músculo mentual e oro-orbicular após estímulo cutâneo na
eminência tenar. Pode estar presente no envelhecimento normal,
e há maior valor diagnóstico se é unilateral.

Reflexo córneo-palpebral: consiste na oclusão de ambas as


pálpebras quando uma das córneas é ligeiramente estimulada
com uma mecha fina de algodão. A via aferente do reflexo é o
nervo trigêmeo ipsilateral à córnea estimulada, e a via eferente é
o nervo facial bilateral. A integração ocorre na ponte.

4. Exame da coordenação
Verificação do reflexo cutâneo – plantar.
A coordenação entre tronco e membros é testada
Reflexos cutâneo-abdominais: a estimulação cutânea, rápida, durante o exame do equilíbrio, solicitando-se ao paciente que
da parede abdominal, no sentido látero-medial, provoca incline o corpo para frente, para os lados e para trás, e
contração dos músculos abdominais ipsilaterais, causando verificando-se se ocorrem as correções apropriadas. A
desvio da linha alba e da cicatriz umbilical para o lado capacidade de levantar-se da cama para sentar-se sem auxílio
estimulado. Distinguem-se os reflexos cutâneo-abdominais das mãos é outra manobra útil.
superior, médio e inferior, conforme a região estimulada (altura A coordenação apendicular é testada por meio das
das regiões epigástrica, umbilical e hipogástrica, provas index-nariz, index-index e calcanhar-joelho, realizadas
respectivamente). Esses reflexos são abolidos na síndrome com os olhos abertos e fechados. Na prova de index-nariz, o
piramidal aguda. Como a pesquisa é dificultada por obesidade, paciente deve tocar o indicador na ponta do nariz e estender o
cicatriz cirúrgica e flacidez, tem maior valor o encontro de braço, repetindo o movimento diversas vezes. Na prova index-
assimetrias. index, o alvo é o próprio dedo do examinador, que muda de
posição quando o indivíduo está levando seu dedo ao nariz. Na
prova do calcanhar-joelho, o paciente é orientado a tocar o
joelho de uma perna com o calcanhar contralateral e deslizar o
calcanhar pela tíbia até o pé. O movimento é repetido algumas
vezes. O movimento normal é harmonioso, e a presença de
decomposição do movimento, erros de medida ou de direção
sugere ataxia apendicular.
A diadococinesia, capacidade de realizar movimentos
alternados e sucessivos, é avaliada por meio de movimentos
alternados de pronação e de supinação das mãos ou de flexão e
extensão dos pés. A diadococinesia está alterada
Aferição do reflexo cutâneo – abdominal. (disdiadococinesia) nas síndromes cerebelares.

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EXAME DA SENSIBILIDADE

Deve-se questionar especificamente a presença de


parestesias, dores espontâneas ou perversões da sensibilidade.
O exame compreende a avaliação das sensibilidades superficial e
profunda e a pesquisa dos sinais de irritação meníngea e
radicular.
Os estímulos são aplicados das regiões distais para as
proximais, sempre com comparação entre os dois hemicorpos.
Os distúrbios são classificados em anestesia, hipoestesia ou
hiperestesia, respectivamente situações em que há supressão,
Exame da coordenação. diminuição e aumento da sensibilidade. A alodínea é o distúrbio
sensitivo em que há percepção de um estímulo não-doloroso
5. Exame dos movimentos involuntários como estímulo doloroso. As parestesias são sensações
espontâneas de formigamento, queimação, dor ou “agulhadas”,
Movimentos involuntários e posturas viciosas podem ser por exemplo.
percebidos ao longo da anamnese ou dos exames físico e
neurológico. 1. Sensibilidade Dolorosa
Movimentos coréicos e distônicos geralmente se tornam
mais evidentes durante o exame do equilíbrio e da marcha. Pesquisa-se preferencialmente com alfinetes
descartáveis. Não utilizar estiletes ou dispositivos com pontas
Movimentos coréicos: são rápidos, arrítmicos, bruscos, não descartáveis (como aqueles que vêm embutidos em martelos
irregulares, com tendência a comprometer diversas partes de de reflexos).
um segmento. Têm preferência para as articulações distais, face
e língua. 2. Sensibilidade Tátil

Balismos: são movimentos amplos e abruptos, rápidos e Pesquisa-se com uma mecha de algodão ou gaze secos.
ritmados, contínuos. Localizam-se predominantemente nas
articulações proximais dos membros.

Distonias: secundárias a contrações tônicas intensas,


caracterizam-se por serem lentas, amplas e arrítmicas,
geralmente afetando pescoço, tronco ou regiões proximais dos
membros, e conferindo posturas anômalas.
Exame da sensibilidade dolorosa e tátil.
Tremores: são rítmicos e resultantes da Contração alternada de
grupos musculares opostos. Podem acontecer no repouso ou
3. Sensibilidade Térmica
durante o movimento. O tremor parkinsoniano, por exemplo, é
caracteristicamente um tremor postural, com melhora à Pesquisa-se com dois tubos de ensaio, um com água
realização de movimentos voluntários. Já o tremor essencial gelada e outro com água morna. O paciente deve ser capaz de
piora em situações de movimentação ou posturas mantidas. identificar os tubos, nas diversas áreas do corpo.

Mioclonias: contrações súbitas, intensas, rápidas e bruscas, 4. Sensibilidade Profunda


comparáveis a descargas elétricas. Podem acontecer em um
grupo muscular, apenas um músculo ou alguns feixes Rotineiramente são pesquisadas as sensibilidades
musculares. cinético-postural, vibratória e localização e discriminação táteis.

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A pesquisa da sensibilidade cinético-postural visa SINAIS DE IRRITAÇÃO MENÍNGEA E RADICULAR


verificar se o paciente tem noção da posição dos segmentos em
relação ao próprio corpo. Parte da pesquisa é realizada durante 1. Irritação meníngea
os testes de coordenação. Solicita-se ao paciente que, de olhos
fechados, diga a posição assumida por segmentos deslocados Rigidez de nuca: resistência à flexão passiva do pescoço
passivamente pelo examinador. Por exemplo, segurando o hálux do paciente, que se encontra em decúbito dorsal.
pelas porções laterais, o examinador o movimenta lentamente Sinal de Brudzinski: ao se tentar fletir passivamente o
para baixo e para cima, devendo o paciente assinalar a posição pescoço, como na pesquisa de rigidez de nuca, ocorre ligeira
assumida ao fim do movimento. flexão das coxas e das pernas.
A sensibilidade vibratória ou palestesia é pesquisada com Sinal de Kernig: consiste na impossibilidade de permitir
o auxílio de um diapasão (ou de palestesímetro), que é colocado a extensão passiva das pernas quando o paciente está em
sobre saliências ósseas. decúbito dorsal, e as coxas são semifletidas, formando ângulo de
As capacidades de localização ou de discriminação 90 graus com o tronco.
tácteis podem ser avaliadas solicitando-se ao paciente que
indique o local exato do ponto estimulado ou pela pesquisa da
grafestesia (reconhecimento de letras ou números desenhados
na pele do paciente) ou da discriminação de dois pontos.
A capacidade de reconhecer objetos ou formas pelo tato
depende principalmente da sensibilidade profunda e, quando está
comprometida, pode haver impossibilidade de reconhecer uma
chave, por exemplo, ou qualquer outro objeto familiar pelo tato.
Nos casos de agnosia tátil, ocorre incapacidade de reconhecer
objetos pelo tato sem que existam distúrbios das sensibilidades
profunda e superficial.

Exame da sensibilidade profunda. Sinais de irritação meníngea.

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2. Irritação radicular EXAME DOS NERVOS CRANIANOS

Sinal de Lasègue: caracteriza-se por dor lombar


1. Nervo Olfatório (I par)
irradiada para a face posterior do membro inferior quando este
é elevado passivamente e em extensão pelo examinador, que, As anormalidades do primeiro nervo são inicialmente
com a outra mão, impede que o joelho seja fletido. investigadas durante a anamnese. Se houver queixa ou suspeita
de que possa existir comprometimento do I nervo ou na base da
fossa anterior do crânio, é realizado o exame alternado de cada
narina com odores variados (café, perfume, chocolate).
A causa neurológica mais comum de anosmia (diminuição
ou perda do olfato) é o trauma de crânio. Quadros de anosmia
também pode ser observados em pacientes com doença de
Alzheimer e doença de Parkinson, podendo ser um sintoma inicial
desses quadros degenerativos. As crises epilépticas localizadas
no uncus do hipocampo (crises uncinadas) são caracterizadas
por sensação de odor fétido que ocorrem de forma paroxística, o
que é denominado de cacosmia.

Sinal de Lasègue.

EXAME DAS FUNÇÕES NEUROVEGETATIVAS

Alterações das funções neurovegetativas e distúrbios


tróficos são comuns em lesões do sistema nervoso central ou
periférico.
Deve-se interrogar especialmente sobre a presença de
distúrbios vasomotores das extremidades, hipotensão postural,
modificações da salivação e transpiração, alterações do controle
esfincteriano e da potência sexual. Exame do N. Olfatório.
Durante a inspeção, o examinador deve observar o
estado nutricional, a presença de deformidades osteoarticulares, 2. Nervo Óptico (II par)
o ritmo respiratório, o aspecto da pele e anexos, e o trofismo
O exame de nervo óptico inclui a avaliação da acuidade
muscular.
visual, do campo visual e do fundo de olho.
Quando há queixa ou suspeita de hipotensão postural,
No exame da acuidade visual podem ser empregados
esta deve ser confirmada com a aferição de pressão arterial e
mapas como o de Snellen, que é colocado a 20 pés (cerca de seis
pulso do paciente em decúbito horizontal, sentado e em pé, com
metros) do paciente. Cada olho é examinado separadamente,
intervalo de pelo menos 2 minutos após mudança de posição.
com o uso de óculos para corrigir eventuais déficits
Alguns distúrbios e funções do sistema nervoso
oftalmológicos preexistentes. Os resultados são expressos em
neurovegetativo, como a síndrome de Claude Bernard-Horner
frações comparativas com o normal. O indivíduo com visão
(miose, semiptose, e enoftalmo) e o reflexo fotomotor, são
20/40 consegue ver à distância de 20 pés o que um indivíduo
avaliados durante o exame dos nervos cranianos.
normal vê a 40 pés.
Os reflexos anal e bulbocavernoso (contração do músculo
A visão para perto é avaliada com cartões específicos (de
bulbocavernoso após percussão ou pressão da glande) são
Jaeger ou de Rosembaum), mantidos à distância de 35 cm do
essenciais na avaliação dos distúrbios do controle esfincteriano.
globo ocular.

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Na ausência de mapas ou de cartões, pode-se avaliar campos estiver acometido. As lesões responsáveis pelas
grosseiramente a acuidade visual solicitando-se que o paciente hemianopsias heterônimas situam-se no quiasma óptico. As
leia algum texto colocado à distância de 35 cm. lesões responsáveis pelas hemianopsias homônimas localizam-
se nas vias retroquiasmáticas. Determina-se quadrantanopsia o
defeito de campo visual que atinge um quadrante.
O exame do fundo de olho pode revelar atrofia de papila,
edema de papila ou papilite, além de alterações retinianas
pertinentes (por exemplo, a presença de sinais de hipertensão no
contexto clínico de AVC).

Exame do nervo óptico. 3. Nervos Óculo-motor (III par), Troclear (IV par) e
Abducente (VI par)
Quando existe déficit intenso de acuidade visual, pode-se
Os nervos motores oculares são examinados
verificar se o paciente consegue contar dedos mostrados pelo
conjuntamente na avaliação da motricidade ocular intrínseca
examinador a três metros, aproximando-os, se necessário, até
(respostas pupilares) e extrínseca (movimentação ocular).
que seja possível contá-los. Quando o déficit é mais intenso, é
O nervo óculo-motor inerva os músculos oblíquo inferior,
possível perceber apenas o movimento da mão do examinador, e,
reto medial, reto superior, reto inferior e elevador das
quando ainda mais grave, apenas a presença de luz.
pálpebras. Inerva também o esfíncter pupilar, sendo responsável
O campo visual é avaliado pelo exame de confrontação. O
pela contração pupilar. O nervo troclear inerva o músculo
examinador solicita que o paciente fique à sua frente, a 60 cm, e
oblíquo superior. O nervo abducente inerva o músculo reto
feche um dos olhos. O examinador fecha o olho oposto e explica
lateral. A tabela a seguir mostra as funções de cada músculo
ao paciente que ele deve olhar para seu nariz. O examinador
citado anteriormente.
estende seu braço para o lado, a meia distância entre ambos.
Movendo o indicador, a mão é lentamente aproximada, e o
Inervação Músculo Função
paciente deve perceber o movimento. Cada olho é testado
isoladamente, nos quatro quadrantes. nervo
Reto medial Adução
óculo-motor
O campo visual de pacientes confusos pode ser
nervo
examinado pela reação de piscar à ameaça. Aproxima-se Reto superior Elevação e inciclodução
óculo-motor
rapidamente o dedo, lateralmente em direção ao globo ocular, e nervo
Reto inferior Abaixamento e exciclodução
observa-se se há piscamento. As principais alterações de campo óculo-motor
visual serão descritas a seguir. nervo
Oblíquo inferior Elevação e exciclodução
Escotoma: falha parcial ou completa dentro do campo óculo-motor
nervo troclear Oblíquo superior Abaixamento e inciclodução
visual. Pode ter tamanho, forma e posição variável, e pode ou não
nervo
ser percebido pelo paciente. Os escotomas centrais estão Reto lateral Abdução
abducente
circunscritos à região da mácula e ao campo circunjacente. Músculos responsáveis pela motricidade ocular extrínseca.
Resultam de lesão da área macular da retina, do feixe papilo-
macular ou dos córtex visuais bilaterais. As pupilas devem ser observadas quanto à forma,
Contração: redução do campo visual periférico, da diâmetro, simetria e quanto à presença do reflexo fotomotor
periferia para o centro. Pode ocorrer em neurites retrobulbares, direto e consensual, e reflexo de acomodação.
atrofia ótica e degeneração pigmentar da retina. Solicitando-se que o paciente olhe para a direita, para a
Hemianopsia: Escotoma de metade do campo visual de esquerda, para cima e para baixo, observa-se se ocorre
cada olho. A qualificação é feita pela metade do campo visual que estrabismo, interroga-se sobre diplopia e pesquisam-se os
desaparece. Denomina-se heterônima se os lados diferentes dos movimentos voluntários sacádicos. Pedindo-lhe que olhe
campos são acometidos; e homônima se o mesmo lado dos alternadamente para os dedos indicadores do examinador

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colocados a cerca de 30 cm dos olhos do paciente e com observar que, quando o paciente morde com força um abaixador
distância de 30 cm entre si, examina-se a ocorrência de de língua, é muito mais fácil retirá-lo do lado parético do que do
dismetria e de oscilações ao final do movimento. lado não afetado. Ao abrir a boca, há desvio da mandíbula para o
Deslocando o indicador à frente dos olhos do paciente, o lado da lesão porque, em condições normais, os músculos
examinador observa os movimentos de seguimento horizontais, pterigóides externos de cada lado deslocam a mandíbula para
verticais e de convergência. frente e para o lado oposto.
O exame neuro-oftalmológico pode revelar alterações da
córnea, por exemplo, o anel de Kayser-Fleischer, que apresenta
coloração acinzentada ou castanha, situa-se no contorno do
limbo corneano, e é patognomônico da doença de Wilson.

Exame do V par craniano.

5. Nervo Facial (VII par)


Exame dos pares cranianos III, IV e VI.
O nervo facial é responsável pela motricidade da mímica
4. Nervo Trigêmeo (V par) da face. Durante seu trajeto fora do tronco cerebral, agregam-se
O nervo trigêmeo é dividido em dois componentes: a ele algumas fibras que se situam entre o nervo facial e o
sensitivo e motor. A porção sensitiva é responsável pela vestíbulo-coclear, que constituem o nervo intermédio.
sensibilidade da face; a porção motora inerva os músculos O nervo intermédio é responsável pela sensibilidade
mastigatórios. gustativa dos dois terços anteriores da língua e pela inervação
A sensibilidade da face é examinada do mesmo modo que parassimpática da glândula lacrimal e das glândulas salivares
nos membros ou tronco, como apresentado anteriormente. A sublingual e submandibular.
sensibilidade profunda não é pesquisada rotineiramente. O Solicitamos ao paciente que realize movimentos como
reflexo córneopalpebral é importante em casos em que há dúvida franzir a testa, fechar os olhos com força contra a resistência
de comprometimento sensitivo objetivo na face. Quando há lesão do examinador, mostrar os dentes (como num sorriso forçado),
unilateral do trigêmeo, não há resposta ao se estimular a córnea e abrir a boca para que se avalie a simetria dos sulcos
do lado afetado, sem comprometimento do reflexo ao se nasogenianos.
estimular o outro lado. Na paralisia facial periférica unilateral, o Quando o exame revela presença de paralisa facial
olho do lado parético não se fecha qualquer que seja a córnea periférica, isto é, que afeta toda a hemiface (superior e inferior),
estimulada, enquanto as pálpebras do lado não paralisado há necessidade de pesquisar a sensibilidade gustativa dos dois
ocluem-se à estimulação de ambos os lados. terços anteriores da língua para verificar se o nervo intermédio
Os músculos da mastigação são avaliados solicitando-se também foi atingido. O comprometimento associado do
que o paciente feche a boca com força. A palpação dos músculos intermédio é muito sugestivo de que a lesão situe-se fora do
masseter e temporal durante o fechamento da boca pode revelar tronco cerebral. Quando há paralisia central, apenas a porção
assimetrias de massa muscular. Em lesões unilaterais, é possível inferior da face está comprometida do lado contralateral à lesão.

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Exame do VII par craniano. Exame do VIII par craniano.

6. Nervo Vestíbulo-coclear (VIII par) mastoide bilateralmente. A condução aérea é superior à


condução óssea, em situações normais.
A semiologia do nervo vestibular é realizada, em grande
parte, durante o exame do equilíbrio. Quando existe queixa de
7. Nervo Glossofaríngeo (IX par) e Nervo Vago (X par)
tontura, é necessário distinguir, mediante interrogatório
específico, os diferentes tipos de tontura. A sensação de Os nervos glossofaríngeo e vago participam da inervação
vertigem (de vertigine, redemoinho) está relacionada com motora e sensitiva da faringe e são avaliados em conjunto.
etiologia vestibular. Lesões desses nervos causam disfagia alta, cujo sintoma
A presença de nistagmo espontâneo é pesquisada comum é o refluxo nasal de alimentos. Lesão do vago
durante a avaliação da motricidade ocular extrínseca, pedindo-se acompanha-se de disfonia por paralisia de corda vocal, e lesão
ao paciente que mantenha a cabeça estática e que desvie o olhar do glossofaríngeo causa comprometimento da gustação do terço
30° para a direita, para a esquerda, para cima e para baixo. posterior da língua.
Desvios acima de 40° podem produzir nistagmo de pequena Observa-se o palato ao pedir que o paciente abra a boca
amplitude e alta frequência, sem valor patológico. e diga “ah” de forma sustentada. Nota-se se há simetria na
A queixa de vertigem ao mudar a posição da cabeça ou ao elevação do palato e se a rafe mediana da faringe se eleva. Em
deitar-se em determinada posição é muito frequente. Em tais lesões unilaterais, o palato do lado afetado não se eleva e a rafe
casos, a semiologia do equilíbrio e a pesquisa do nistagmo da faringe é desviada para o lado normal, lembrando o
espontâneo usualmente nada revelam, e é necessário pesquisar movimento de uma cortina puxada lateralmente (“sinal da
o nistagmo de posição. O paciente senta-se na beira do leito e cortina”).
deita-se transversalmente ao eixo maior do leito, de modo que
sua cabeça, sustentada pelo examinador, fique 45o abaixo da
horizontal. A cabeça é girada a 45o para um dos lados, com
manutenção nessa posição por 1 minuto para a observação de
nistagmo e de vertigem. Por vezes, a tontura e o nistagmo
ocorrem quando o paciente se levanta. A manobra deve ser
realizada para os dois lados.
A função auditiva é pesquisada interrogando o paciente
sobre surdez ou sobre a ocorrência de zumbidos. Com um
diapasão, compara-se a audição de ambos os ouvidos. A
condução óssea também deve ser avaliada e comparada com a
condução aérea. Coloca-se o cabo do diapasão no processo Exame do IX e X par craniano.

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Pesquisam-se também os reflexos palatino e faríngeo (ou O trapézio é examinado quando o paciente eleva os
nauseoso). O reflexo palatino consiste na elevação do palato ombros, inicialmente sem oposição do examinador, e,
mole e retração simultânea da úvula quando se toca esta ou o posteriormente, contra sua resistência. Na lesão do nervo
palato com uma espátula. No reflexo faríngeo, existem elevação e acessório, o ombro do lado afetado fica caído e nota-se atrofia
constrição da faringe, retração da língua e sensação de náusea, dos músculos envolvidos.
em resposta à excitação da parede posterior da faringe com
uma espátula. 9. Nervo Hipoglosso (XII par)

O nervo hipoglosso é responsável pela inervação dos


8. Nervo Acessório (XI par)
músculos intrínsecos e extrínsecos da língua. Seu exame
O nervo acessório é composto por duas porções: nervo consiste na observação da língua dentro da boca, verificando se
acessório bulbar e nervo acessório espinal. O nervo acessório há assimetria, atrofia ou fasciculações. Em seguida, solicita-se
bulbar inerva a laringe, e sua lesão está associada à alteração ao paciente que exteriorize a língua, movimento que depende dos
na fonação e na respiração. músculos genioglossos, que a exteriorizam, desviando-a para o
O nervo acessório espinal é essencialmente um nervo lado oposto.
motor, que inerva o músculo esternocleidomastóideo e a porção Em condições normais, a contração simultânea de ambos
superior do músculo trapézio. os genioglossos exterioriza a língua, para frente, sem desvios.
Pesquisa-se a força do esternocleidomastóideo Em lesão do nervo hipoglosso unilateral, há atrofia e
solicitando-se ao paciente que vire a cabeça livremente e contra fasciculações da hemilíngua ipsilateral à lesão.
a resistência. A força e a massa muscular de ambos os lados Dentro da boca, a língua desvia-se para o lado são, mas
devem ser comparadas. O esternocleidomastóideo flete a ao ser exteriorizada, há desvio da ponta da língua para o lado
cabeça, inclina-a para o mesmo lado, e gira a face para o lado afetado.
oposto.

Rotação resistida do pescoço. Exteriorização da língua.

Elevação resistida dos ombros. Lateralização da língua.

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Capítulo II
Cefaleias
PRIMÁRIAS

INTRODUÇÃO infecções sistêmicas, disfunções endócrinas, intoxicações, ou


ainda à hemorragia cerebral, às meningites, encefalites ou a
Inicialmente, devemos definir o que chamamos de lesões expansivas do SNC.
cefaleia. A “dor de cabeça”, dita cefaleia, é aquela que pode Há ainda um critério mais completo, elaborado pela
acometer desde os olhos até o final da implantação dos cabelos. International Headache Society (IHS). Atualmente, esta
Se a dor acomete abaixo dos olhos é chamada de dor facial, e se classificação é aceita pelos principais centros de estudo e serve
ela surge posteriormente, abaixo da implantação dos cabelos, como padrão nas publicações sobre o tema.
passa a se chamar dor cervical ou nucal.
A cefaleia é um sintoma extremamente frequente na 1. Migrânea
população geral, chegando a ser raro encontrar um indivíduo que 2. Cefaleia do tipo tensional
nunca tenha experimentado uma crise sequer de cefaleia em 3. Cefaleia em salvas e hemicrania paroxística crônica
toda sua vida. Segundo dados da Sociedade Internacional de 4. Cefaleias diversas, não associadas à lesão estrutural
Cefaleia, sua prevalência, ao longo da vida, chega a 93% nos 5. Cefaleia associada a traumatismo craniano
homens e 99% nas mulheres e cerca de 40% das pessoas têm 6. Cefaleia associada a distúrbios vasculares
7. Cefaleia associada a distúrbio intracraniano não vascular
cefaleia regularmente. No Brasil, as cefaleias são responsáveis
8. Cefaleia associada ao uso de substâncias ou a sua
por 9% das consultas por problemas agudos em atenção supressão
primária. 9. Cefaleia associada à infecção não cefálica
10. Cefaleia associada a distúrbio metabólico
CLASSIFICAÇÃO 11. Cefaleia ou dor facial, associada a distúrbio de crânio,
pescoço, olhos, ouvidos, nariz, seios da face, dentes, boca
ou a outras estruturas da face ou crânio.
Há diversos critérios para agrupar as cefaleias. O
12. Nevralgias cranianas, dor de tronco nervoso e dor na
principal seria quanto à etiologia, que divide as cefaleias em desaferentação.
primarias e secundarias. 13. Cefaleia não classificável
As cefaleias primárias são as que ocorrem sem etiologia Classificação das cefaleias.
demonstrável pelos exames clínicos ou laboratoriais usuais.
Nessa categoria se encaixam a migrânea (enxaqueca), a cefaleia AVALIAÇÃO INICIAL, ANAMNESE E DIAGNÓSTICO
tipo tensão, a cefaleia em salvas e outras. Desordens
neuroquímicas encefálicas têm sido demonstradas, envolvendo
Apenas 1% das cefaleias é ocasionado por doenças
desequilíbrio de neurotransmissores, principalmente para a
graves, que necessitam de atendimento imediato. Para a maioria
migrânea. Tais desordens seriam herdadas e, sobre tal
dos pacientes, mais importante do que um medicamento que
suscetibilidade endógena, atuariam fatores ambientais.
alivie os seus sintomas é saber a origem do seu problema.
Já as cefaleias secundárias são as provocadas por
Assim, o manejo das cefaleias, particularmente num cenário de
doenças demonstráveis pelos exames clínicos ou laboratoriais. A
atenção primária à saúde, inicia-se com informação clara e uma
dor é resultado de uma agressão orgânica, de ordem geral ou
adequada relação médico-paciente.
neurológica. Como exemplo, há as cefaleias associadas às

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Nesse contexto, a anamnese é, ainda hoje, insubstituível memória do médico que avalia tais pacientes, principalmente na
no diagnóstico das cefaleias, mesmo porque, para as ditas fase inicial de apresentação dos quadros de dor cefálica.
primárias, que são seguramente as mais comuns na prática
Sinais de alarme no diagnóstico de cefaleias
diária, não existe nenhum exame complementar capaz de
Cefaleia que se inicia após os 50 anos.
confirmar ou, ao contrário, de afastar o diagnóstico clinicamente
Cefaleia de início súbito.
elaborado. Diversos dados devem ser coletados, nenhum tendo
Cefaleia com características progressivas (intensidade,
valor absoluto, mas também nenhum sendo totalmente destituído frequência, duração...).
de valia; dito de outra maneira é o conjunto dos sintomas e sinais Cefaleia de início recente em paciente com neoplasia ou HIV.
que possibilitam a formulação do diagnóstico correto. Só a
Cefaleia com doença sistêmica (febre, rigidez de nuca, rash
anamnese permite diagnosticar a modalidade da cefaleia, cutâneo...).
detectar a coexistência de mais de um tipo de dor de cabeça, Cefaleia com sinais neurológicos focais (diplopia, hemiparesia,
identificar os possíveis fatores desencadeantes e verificar hemiparestesia, desvio da comissura labial, assimetria de
mudanças no padrão de uma cefaleia preexistente. reflexos profundos, alterações na fundoscopia).
Os aspectos principais a serem pesquisados são: sexo, Cefaleia associada a edema de papila
idade cronológica, idade de início, tempo de doença, profissão, Sinais de alerta no diagnóstico de cefaleias.
antecedentes pessoais, antecedentes hereditários, sintomas
premonitórios, sintomas iniciais, dor (modo de instalação, O diagnóstico das cefaleias deve incluir anamnese e
duração e distribuição cronológica, localização, caráter, avaliação clínica criteriosa, não sendo possível realizá-lo de
intensidade, fatores que pioram e que melhoram), sintomas e forma satisfatória em consultas de curta duração. Normas
sinais acompanhantes, sinais e sintomas pós-críticos e fatores gerais devem nortear a realização deste diagnóstico e como a
desencadeantes. maioria dos pacientes apresenta uma cefaleia primária, o
Embora grande parte dos pacientes que procuram ajuda diagnóstico pode e deve ser realizado clinicamente. A solicitação
médica apresentem algum tipo primário de dor, existem sinais de rotineira de exames complementares, como
alerta para que se suspeite da etiologia secundária de uma eletroencefalograma, raios X de crânio ou de seios paranasais,
cefaleia. Esses sinais sempre devem estar presentes na tomografia computadorizada de crânio e ressonância nuclear

Algoritmo da avaliação inicial das cefaleias.

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magnética, apenas por queixa de cefaleia e na presença de distúrbio visual constituído por pontos luminosos (escotomas),
exame clínico normal, é incorreta e desaconselhada. ziguezagues brilhantes e perda ou distorção de um dos
Devemos estar atentos aos seguintes dados do exame hemicampos visuais ou parte deles. Inicia-se na região central e
físico em todo paciente com cefaleia. vai caminhando para um dos lados até desaparecer no campo
temporal. Muitas vezes se associa aos sintomas visuais, ao
 Fundo de olho e sinais meníngeos (HIC ou Infecção?); mesmo tempo ou em sequência, sensações anormais num
 Otoscopia e percussão de mastoide (dor craniana hemicorpo e/ou dificuldade para falar. Quando se associa a
irradiada?); diminuição da força muscular de face/membros a enxaqueca é
 Percussão dos seios da face (sinusite aguda?); denominada de enxaqueca hemiplégica (familiar ou esporádica).
 Palpação do crânio (pontos dolorosos, musculatura cervical, Este subtipo parece estar ligado a mutações dos canais de cálcio
globos oculares e articulações temporomandibulares); e sódio/potássio.
 Temperatura (infecções encefálicas e não encefálicas);
 Pressão arterial (picos hipertensivos); 3ª Fase: A terceira fase é a de dor/cefaleia que é de forte
 Exame neurológico completo (busca de sinais de localização); intensidade, latejante/pulsátil, piorando com as atividades do
dia-a-dia, atrapalhando ou mesmo impedindo o prosseguimento
ENXAQUECA (MIGRÂNEA) das atividades, necessitando ir para cama, em lugar escuro e
silencioso, pois surge, ainda, náusea e/ou vômitos (87% dos
A prevalência populacional global da enxaqueca é casos), sensibilidade à luz e a sons (foto e fonofobia). A dor é
estimada em 11%, sendo mais frequente no sexo feminino. As unilateral em 2/3 das crises, geralmente mudando de lado, de
crises são mais frequentes, mais incapacitantes e mais uma crise para outra. Predomina nas regiões anteriores da
duradouras nas mulheres. O pico de prevalência se situa em cabeça (órbita ou região frontotemporal).
torno dos 30 aos 50 anos, sendo menor nas crianças e nos
idosos. Nas crianças a relação menino/menina é de 1:1. A 4ª Fase: A quarta fase, chamada de pósdromo, é o final da crise.
enxaqueca com aura é menos frequente que sem aura. Fase de exaustão. Os pacientes ficam horas ou até dias com uma
sensação de cansaço, fraqueza, depressão, dificuldade de
1. Caracterização concentração, necessitando de um período de repouso para seu
completo restabelecimento.
A enxaqueca é caracterizada por crises recorrentes
constituídas por até 4 fases. Nem sempre todas as fases estão
presentes em todas as crises e/ou em todos os pacientes. A Fatores
crise de enxaqueca pode ser constituída apenas por apenas uma deseancadeantes
dessas fases.
Crises de enxaqueca
1ª Fase: A primeira fase chamada de pródromos ou sintomas
premonitórios precede a cefaleia por horas ou até um dia. Nesta 3. Dor e
fase, o paciente fica mais irritadiço, com raciocínio e 1. Pródromo 2. Aura sintomas 4. Pósdromo
memorização mais lentos, desânimo, tem avidez por alguns tipos associados
de alimentos e o sono é agitado e com pesadelos. Ocorrem em
Esquematização da crise migrânea.
cerca de 60% das crises.

2ª Fase: A segunda fase chamada de aura ocorre em cerca de Portanto, a crise de enxaqueca, quando tem suas 4 fases,
20% das crises. São sintomas neurológicos atribuíveis ao córtex pode durar dois ou mais dias e, durante esse período, o paciente
ou tronco cerebral. Geralmente, desenvolve-se gradualmente em fica total ou parcialmente incapacitado para exercer suas
5 a 20 minutos e dura menos de 60 minutos. A aura típica é um atividades normais no trabalho, na família ou no lazer. As crises

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são recorrentes e complexas e a cefaleia é o sintoma Pode-se optar apenas pelo tratamento da crise quando elas
predominante. forem esporádicas. Mas, quando as crises são frequentes (três
Alguns fatores podem precipitar e outros aliviar uma ou mais por mês), incapacitantes e/ou muito prolongadas (dois a
crise. Os fatores mais frequentes relatados pelos pacientes que três dias de duração) o tratamento recomendado é o profilático.
podem desencadear uma crise são o estresse, período Se o paciente percebe a crise ainda na fase dos sintomas
menstrual, alguns alimentos, bebidas alcoólicas, luz forte, calor, premonitórios e/ou da aura, o tratamento da crise pode ser feito
viagens, odores, fome, alterações do ciclo vigília-sono e nessas fases, com isso pode-se evitar as fases seguintes, de dor
mudanças climáticas. As crises podem ser aliviadas com o e sintomas autonômicos, que são as mais incapacitantes.
repouso em local silencioso e de penumbra e resfriamento das
têmporas. a) Tratamento abortivo (crise)

2. Fisiopatologia Pode-se iniciar o tratamento das crises de enxaqueca


com analgésicos comuns, como a dipirona e o ácido
Os neurocientistas propõem que o encéfalo do paciente acetilsalicílico. Anti-inflamatórios não esteroidais também são
com enxaqueca é hiperexcitável, ou seja, sensível. Situações uma boa alternativa de manejo. Essas drogas, em geral, são
comuns do dia-dia (fatores desencadeantes citados acima) eficientes em crises leves a moderadas e devem ser usadas em
podem ocasionar uma cascata de eventos neuroquímicos que dose plena de forma precoce quando as crises se anunciam.
culminam com uma crise migrânea. A hiperexcitabilidade cortical Pacientes que não respondem a esses medicamentos
pode ser consequência da diminuição do íon magnésio encefálico, podem usar a associação de isometepteno com um analgésico
aumento de aminoácidos excitatórios (aspartato e glutamato) e (dipirona, paracetamol, ácido acetilsalicílico). Também há no país
alterações dos canais de cálcio voltagem-dependentes. a associação desse produto com cafeína e analgésicos. Sendo
produtos que muitos pacientes conhecem e utilizam, às vezes de
3. Diagnóstico modo inadequado, podem levar à cefaleia diária por uso crônico
de analgésicos. Esse tipo de formulação atende aos pacientes
O diagnóstico de enxaqueca é essencialmente clínico, já com crises leves, moderadas e ocasionalmente intensas.
que os sintomas da maioria dos pacientes não preenchem Outra alternativa, para pacientes que apresentam
critérios para solicitação de exames complementares (embora náuseas e vômitos nas crises de enxaqueca, é a utilização de
muitas vezes eles sejam pedidos, desnecessariamente). A antieméticos (como a domperidona ou a metoclopramida)
Internacional Headache Society define como critério diagnóstico associada a analgésicos. Pacientes com crises agudas podem
a ocorrência de pelo menos 5 episódios de cefaleia com duração apresentar boa resposta ao uso da dipirona injetável, associada
de 4 a 72h e que apresentem as seguintes características: ou não a metoclopramida e/ou antiespasmódicos.
Pacientes que apresentam crises moderadas a intensas
 Cefaleia com pelo menos duas das seguintes podem requerer o uso de triptanos. Os triptanos são os
características: unilateral, pulsátil, intensidade moderada a abortivos de crise migrânea mais utilizados em todo mundo por
severa e piora com atividade física diária;
serem mais eficazes e com menores efeitos colaterais. Estudos
 Presença de náusea, vômitos, fotofobia ou fonofobia controlados demonstram que todos os triptanos têm ação
(importante para diferenciar da cefaleia tensional); semelhante, desde que observadas as equivalências de dose.
 História e exame físico não sugestivos de outras Assim, a indicação depende da tolerância dos pacientes ao
doenças orgânicas que possam causar cefaleia (em resumo, sem medicamento, bem como dos efeitos colaterais que o paciente
os sinais de alarme mencionados no início do capítulo). venha a desenvolver. Os triptanos devem ser usados com cautela
em pacientes com cardiopatia, insuficiência renal e insuficiência
4. Tratamento hepática, pois podem desencadear descompensações graves e
mesmo levar à parada cardíaca.
O tratamento da enxaqueca se divide em: tratamento da Em pacientes com crises intensas, o uso de sumatriptano
crise e tratamento profilático e, em geral, os dois são prescritos.

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injetável, 6 mg, via subcutânea, é eficiente, oferecendo ação 30 minutos a 7 dias e pelo menos duas das seguintes
máxima de até 2h. Uma alternativa possível é o sumatriptano características:
inalatório, na dose de 20 mg intranasal.
 Localização quase sempre bilateral;
 Caráter opressivo, aperto, moinha;
b) Tratamento profilático
 Intensidade leve a moderada;
 Não agravada por atividade física de rotina, como caminhar
Pacientes que têm mais de quatro crises ao mês devem
ou subir escadas.
receber medicações preventivas, evitando com isto a
incapacidade inerente ao quadro, bem como evitando o Há ainda necessidade de ambos os seguintes critérios:
surgimento de cefaleia crônica diária induzida pelo uso de
analgésicos.  Ausência de náuseas e/ou vômitos (pode haver anorexia e
As alternativas para medicação profilática são os β- náuseas ligeiras na cefaleia tensional crônica);
bloqueadores (propranolol, metoprolol, timolol), o antidepressivo  Nenhum ou apenas um dos seguintes sintomas estão
tricíclico amitriptilina e o anticonvulsivante ácido valproico, presentes: fotofobia e fonofobia.
sendo que este último deve ser usado com cuidado em mulheres
Apesar de ser predominantemente bilateral, a dor pode
na idade fértil, uma vez que pode produzir malformação fetal.
ser unilateral em 10 a 20% dos doentes, sendo mais frequente na
Há alguma evidência de que a metisergida e o pizotifeno,
região frontal que na occipital. Há uma grande variabilidade intra
drogas antagonistas da serotonina, também possam ser usadas
e inter-pessoal. A intensidade tem tendência a aumentar com o
como drogas profiláticas em pacientes selecionados.
aumento da frequência e se houver uma variabilidade ao longo do
Alternativamente, para pacientes que aceitam a opção
dia há quase sempre um agravamento vespertino, sobretudo nas
terapêutica, pode ser usada a acupuntura como abordagem para
situações em que o stress, cansaço e os fatores psicológicos
a profilaxia da enxaqueca, havendo um conjunto de evidências de
têm um papel preponderante.
que há melhora na frequência e na intensidade das crises.
Uma das características que melhor distinguem a
Quando se opta pela profilaxia, a mesma deve ser usada
cefaleia tensional da migrânea é que a atividade física de rotina
na menor dose possível, ajustada de acordo com a resposta,
não a agrava. A fonofobia é mais frequente que a fotofobia nas
sendo os betabloqueadores as drogas de eleição para se iniciar,
cefaleias tensionais.
desde que não haja contraindicações.
Obtido o resultado desejado, após seis meses de
2. Fisiopatologia
profilaxia, o medicamento deve ser retirado e o caso reavaliado.
Muitas vezes, o efeito persiste e não há mais necessidade da
A fisiopatologia da cefaleia tensional é pouco
profilaxia.
compreendida, mas certamente atuam fatores centrais
(encefálicos – semelhantes à enxaqueca) e fatores periféricos
CEFALEIA TENSIONAL
de contração exagerada e sustentada dos músculos do pescoço,
couro cabeludo e face. Esta contração levaria à isquemia da
Esta é a cefaleia primária mais frequente, com uma fibra muscular e consequente dor.
prevalência estimada de 40-70% da população, sendo os
indivíduos com maior escolaridade os mais acometidos. O pico 3. Diagnóstico
ocorre na quarta década de vida e há um discreto predomínio no
sexo feminino (cerca de 1,2:1). O diagnóstico é clínico, e o paciente deve preencher os
requisitos descritos no tópico 1. Normalmente não há sintomas
1. Caracterização associados. Em alguns pacientes pode ser percebida, à palpação,
hiperestesia e hipertonia da musculatura pericraniana.
Para caracterizar-se a cefaleia do tipo tensional é Devem ser realizados exames de imagem em casos de
necessário que haja pelo menos 10 crises, que duram cerca de sinais de alarme.

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Segundo a Classificação Internacional de Cefaleias, a preconiza um aumento voluntário e progressivo da tensão em


cefaleia tensional pode ser dividida em 3 grupos de acordo com a grupos musculares com objetivo de induzir a diminuição
frequência das crises: espontânea da tensão muscular dos mesmos. São também
 Episódica infrequente (< 12 dias/ano); utilizados em certos centros os Estiramentos Musculares e a
 Episódica frequente (12 – 180 dias/ano); Indução de Relaxação por Imaginação (por exemplo, imaginar que
 Crônica (> 180 dias/ano). se está numa praia), por gravador (são gravadas frases pelo
psicoterapeuta em que se incita o doente a ficar calmo e
4. Tratamento descontraído) ou mesmo com ensino de frases que o doente
memoriza e relembra em situações de stress, e ainda por
A maioria dos pacientes com cefaleia tensional não
Respiração Abdominal que pode ser associada às anteriores.
procura auxílio médico. A dor é leve a moderada e, apesar de
atrapalhar, não impede as atividades habituais. É caracterizada
b) Tratamento farmacológico
pelos pacientes como “um sintoma normal ou comum”, levando à
automedicação. O uso de analgésicos comuns, banhos quentes e
O tratamento abortivo das crises deve ser realizado com
técnicas de relaxamento são medidas conhecidas e eficazes.
analgésicos comuns ou anti-inflamatórios não esteroidais
Comumente, o médico só é procurado quando a dor se torna
(AINES), via oral. O paracetamol associado à cafeína é uma
quase diária.
excelente opção terapêutica.
A terapêutica da crise é idêntica para qualquer um dos
Os medicamentos mais utilizados e suas respectivas
tipos de cefaleia tensional e a terapêutica preventiva é indicada
dosagens são:
nas cefaleias tipo tensão crônica e em cefaleias tipo tensão
episódica frequente.
 Paracetamol 650 a 1000mg com ou sem cafeína;
 Dipirona 500 a 1000mg;
a) Tratamento não Farmacológico
 Diclofenaco potássico 50-100mg;
 Ibuprofeno 200-800mg.
Na abordagem do doente com Cefaleia Tipo Tensional
frequente ou crônica o diálogo com o doente no sentido da
Quando a frequência de episódios de cefaleia tensional é
identificação e prevenção dos fatores desencadeantes das
muito elevada (> 180 dias/ano, ou seja, > 15 dias/mês) sugere-se
crises, tais como conflitos familiares, profissionais e sociais,
iniciar tratamento profilático com antidepressivos tricíclicos,
constitui o primeiro passo para o êxito terapêutico. Devem-se
como a trimiptilina. Deve-se iniciar uma dose baixa, que poderá
recomendar medidas higiênico-dietéticas, como a regularização
ser aumentada gradualmente, de acordo com a necessidade do
dos ritmos sono-vigília, alimentação regular, prática de exercício
paciente e sua tolerabilidade (ocorrência de efeitos adversos).
físico adequado e a programação de atividades para evitar o
Havendo melhora significativa (redução de mais de 80% na
stress como, por exemplo, tirar férias parceladas.
frequência das crises), a dose pode ser reduzida
Devido à pouca eficácia da terapêutica farmacológica em
progressivamente.
alguns casos, é possível recorrer à utilização de abordagem
Os efeitos colaterais mais comuns dessas drogas são a
Psicoterapêutica. A Terapêutica Cognitivo-Comportamental
sonolência, os efeitos anticolinérgicos (ressecamento oral e
ensina o doente a identificar e a modificar os pensamentos
vaginal e constipação intestinal) e aumento do apetite por
geradores de stress, monitorizando os pensamentos que surgem
carboidratos (com consequente aumento de peso).
em situações de stress e quando surgem cefaleias. Na
reestruturação cognitiva utilizam-se técnicas de “desvio da
CEFALEIA EM SALVAS
atenção por imagem”, “desvio da atenção por concentração” e a
“transformação da dor” (por sugestão, imaginando que esta se
A cefaleia em salvas (cluster headache) é uma das
torna cada vez menor).
representantes das cefaleias “trigemino-autonômicas”. Esse
Nas Técnicas de Manuseio da Dor utilizam-se o
Relaxamento Breve e o Relaxamento Muscular Progressivo, e se

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grupo de cefaleias primarias caracteriza-se por crises álgicas e com pouca luz. Alguns pacientes chegam a bater a cabeça na
de curta duração, unilaterais e muito intensas. parede ou ameaçar suicídio, devido à intensidade da dor.
Esse tipo de cefaleia é incomum, com prevalência
estimada em 0,1% da população. Afeta mais homens que
mulheres, numa relação de 2,5:1 a 3,7:1. Os sintomas tendem a
iniciar em média aos 30 anos.
O termo “em salvas” foi descrito em função da
apresentação típica desta doença: diversas crises de duração
quase diária, num intervalo de 1 a 3 meses, seguidas por um
longo período assintomático.
Também é chamada por alguns autores de cefaleia
histamínica, cefaleia histamínica de Horton e síndrome de
Raeder.
Caracterização de paciente com cefaleia em salvas.
1. Caracterização
Durante o primeiro episódio desta cefaleia, em virtude da
A cefaleia em salvas é caracterizada por dor de grande forte dor, é importante a realização de tomografia
intensidade, geralmente descritas como “facadas”, de curta computadorizada com e sem contraste e, caso este exame seja
duração (15-180min), unilateral, sendo predominantemente normal, punção lombar, para afastarmos outras hipóteses
retro-orbital ou temporal, associada a um ou mais dos seguintes diagnósticas como hemorragia subaracnóidea (5% dos casos
sinais autossômicos ipsilaterais à dor. tem TC normal) e infecção (meningite/encefalite).

 Hiperemia conjuntival;
2. Fisiopatologia
 Injeção conjuntival e lacrimejamento;
 Congestão nasal e/ou rinorreia;
Sua fisiopatologia parece envolver a ativação de vias
 Sudorese de fronte e face;
nociceptivas trigeminovasculares e a concomitante ativação
 Edema palpebral;
autonômica craniana reflexa, responsável pelos sintomas e
 Miose e/ou ptose.
sinais associados a esta cefaleia.
O paciente típico é um homem, de meia-idade (3ª a 4ª Já alguns estudos mais recentes com PET (tomografia
década de vida), comumente etilista ou tabagista. A história com emissão de pósitrons) sugerem que esta cefaleia pode se
familiar positiva é rara. O principal fator desencadeante da dor é originar também de um distúrbio dos neurônios hipotalâmicos.
a ingestão alcóolica, o que ocorre em 70% dos indivíduos.
Os episódios acontecem mais comumente à noite, 3. Diagnóstico
acordando o paciente dentro das suas primeiras horas de sono.
Estes episódios podem se repetir quase diariamente O diagnóstico é clínico, utilizando-se os critérios da IHS,
durante até 10 semanas, geralmente no mesmo horário, sendo embora 40% dos pacientes passem por procedimentos invasivos
seguidos por um longo período assintomático (até 1 ano) e o desnecessários.
posterior retorno das crises. Para o diagnóstico, é necessária a presença de pelo
Durante o período de atividade da cefaleia em salvas, menos cinco crises intensas de dor unilateral, orbitária,
ocorre uma crise por dia ou a cada dois dias, embora existam supraorbitária e/ou temporal, durando 15-180 min, com pelo
relatos de pacientes com até 8 crises/dia. menos um dos sinais autossômicos ipisilaterais anteriormente
Durantes as crises encontramos um paciente agitado, descritos. A frequência das crises deve variar de diárias ou em
andando de um lado para o outro, ao contrário do que ocorre na dias alternados até 8 crises por dia. A dor não pode ser
enxaqueca, quando o indivíduo se recolhe em um ambiente calmo atribuível a outra patologia.

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É um tipo de cefaleia que demora em ser diagnosticada, e corticoide para uma terapia mais prolongada em pacientes que
o paciente consulta de dois a três médicos gerais ao longo de têm crises frequentes ou em quem os episódios recorrem
três anos antes de obter um diagnóstico. Entre os fatores que persistentemente.
podem retardar o diagnóstico está a falta de lembrança no Casos que não respondam adequadamente à terapêutica
diagnóstico diferencial pelos médicos, idade jovem no início dos proposta devem ser encaminhados ao especialista focal para
sintomas, episódio de dor associada a fotofobia ou fonofobia e readequação do tratamento.
náusea (levando à confusão com a enxaqueca) e o padrão das
crises (unilateral, mas entre as salvas pode raramente mudar de
lado; e a duração entre as salvas). Principais recomendações no tratamento da cefaleia
Exames laboratoriais e eletrofisiológicos, incluindo o
exame do líquor, não auxiliam no diagnóstico das cefaleias, pois Enxaqueca
têm baixa sensibilidade para esta doença, assim como a • Identificar e afastar, dentro do possível, os fatores
tomografia computadorizada, a ressonância nuclear magnética, a desencadeantes;
angiografia, entre outros. Conforme discutido anteriormente,
• Entrar precocemente com o tratamento nos pródromos das
durante a primeira crise, pode-se utilizar-se destes métodos crises;
para excluir outras hipóteses diagnósticas.
Este tipo de cefaleia pode ser confundido com enxaqueca, • Crises leves a moderadas podem ser manejadas com
antieméticos, analgésicos e anti-inflamatórios não hormonais;
sinusite e odontalgia, devendo o médico estar atento para a
probabilidade desse diagnóstico. • Crises moderadas a intensas devem ser manejadas com
triptanos ou analgésicos potentes;
4. Tratamento
• Pacientes com crises frequentes podem receber profilaxia
com beta-bloqueadores, antidepressivos tricíclicos ou
O manejo da cefaleia em salva tem início com a anticonvulsivantes.
orientação dos pacientes sobre hábitos que desencadeiam as
crises. Recomenda-se, desde a primeira consulta, tanto a
Cefaleia tensional
abordagem da crise (abortiva) quanto a terapia profilática.
Algumas medidas gerais são eficientes para o manejo das • Entender a situação;
crises, como oxigênio a 100% (máscara; 10 a 12 l/min, durante 15 • Oferecer apoio emocional;
a 20 min, com o paciente sentado e inclinado para a frente),
sendo uma alternativa válida e eficiente, com praticamente • Restringir o uso de ansiolíticos aos casos estritamente
nenhum efeito colateral. necessários;
As drogas utilizadas para o manejo da crise de cefaleia • Analgésicos e anti-inflamatórios não hormonais.
em salvas são a ergotamina, 1 mg, endovenosa, intramuscular ou
subcutânea até 3 mg ao dia, e os triptanos – sumatriptano, 6 mg,
Cefaleia em salvas
via subcutânea, ou 20 mg intranasal, que devem ser usados em
doses plenas para o controle das crises. • Identificar e afastar desencadeantes;
Quando a cefaleia em salvas é muito frequente, ou pode
• Oxigenoterapia, se disponível;
ser definida como crônica, o uso de corticoide, equivalente a
prednisona 40mg, oferece alívio e pode ser mantido nesta dose, • Ergotamina ou triptanos para tratamento das crises;
iniciando-se a retirada após três dias de tratamento, num ritmo • Em crises muito frequentes, ou persistentes, profilaxia com
de 5 mg ao dia. corticoides e bloqueadores de canal de cálcio.
Bloqueadores de canais de cálcio também são uma
alternativa importante. O uso de verapamil, em doses de 240 a Recomendações para manejo das cefaleias.
320 mg ao dia, mostra-se eficiente e pode ser associado ao

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Capítulo III
ACIDENTE VASCULAR
ENCEFÁLICO

INTRODUÇÃO

Alguns termos utilizados para se referir ao Acidente


Vascular Encefálico (AVE) vêm sendo reavaliados. Uma das
designações mais habituais é Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Neste caso, é necessário ressaltar que ao nos referirmos a
“cérebro” não estamos incluindo o cerebelo e o tronco
encefálico e, portanto, estaremos excluindo cerca de 20% dos
casos que comprometem o tronco e/ou cerebelo. Outro termo
que deve ser repensado é “derrame”, comumente usado para
dar informações a pacientes e familiares, pois este termo
significa extravasamento e seria aplicável às hemorragias; se
utilizado genericamente, estaríamos excluindo cerca de 85% dos A perda de tempo para a abordagem destes pacientes
casos de AVE, que são de natureza isquêmica. Apesar destas significa uma pior evolução. O AVE, portanto, é uma emergência
diferenciações, o termo Acidente Vascular Cerebral- AVC ainda é médica e deve ser conduzido prontamente por equipe médica
a terminologia, no meio médico, mais empregada, difundida, bem coordenada por neurologista clínico. Recomenda-se o
aceita e de fácil entendimento. desenvolvimento de “Unidades de AVE” em todos os centros
hospitalares habituados ao manejo da doença, onde estes
EPIDEMIOLOGIA pacientes deverão ser internados.

Em diversas estatísticas do DATASUS, o acidente vascular FATORES DE RISCO


encefálico aparece como causa mais comum de óbito no Brasil.
Nos EUA, é a terceira causa de morte (perdendo apenas para o A maior parte dos conhecimentos atuais sobre fatores de
IAM e o câncer) e está entre as condições médicas mais risco para AVE é oriunda do Estudo Framingham, um dos maiores
frequentes, apresentando uma incidência de 500.000 casos/ano. estudos epidemiológicos já conduzidos. Podemos definir dois
Além do fator mortalidade, o AVE é fortemente associado a altas grupos de fatores de riscos, sendo eles modificáveis ou não.
taxas de morbidade, uma vez que costuma deixar sequelas nos Entre os fatores não modificáveis o principal deles é a
pacientes que sobrevivem. Tal condição acarreta grande perda idade, havendo clara relação do envelhecimento com o risco de
funcional, surgimento de dependência parcial ou completa e, AVE. Este risco começa a se elevar por volta dos 60 anos e dobra
consequentemente, elevados custos diretos e indiretos. É a a cada década. Outros fatores não modificáveis são a
principal causa de incapacidade em pessoas idosas. Estimam-se hereditariedade, o sexo e a raça, sendo que o sexo masculino e a
gastos em torno de 20 bilhões de dólares/ano nos EUA. raça negra apresentam maior incidência de AVE isquêmico.
Os AVE’s podem ser isquêmicos ou hemorrágicos, sendo Entre os fatores de risco modificáveis, a hipertensão
os isquêmicos bem mais comuns (85%) que os hemorrágicos arterial é o principal deles, acarretando um aumento superior a
(15%). A HAS, principalmente a sistólica, e a fibrilação atrial são três vezes na incidência de AVE. Há ainda, clara relação direta
os dois principais fatores de risco para o AVEI.

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entre os níveis tensionais e a elevação da incidência do AVE e menor calibre), mas também pode ser aterotrombótico (trombo
tanto a elevação dos níveis sistólicos como diastólicos formado sobre a placa de ateroma na própria artéria ocluída).
representa aumento de risco. Por outro lado, o controle Vale ressaltar que a Hipertensão Arterial Sistêmica
pressórico diminui em 42% o risco de AVE, com rápido benefício, (HAS), incluindo a hipertensão arterial sistólica isolada do idoso,
cerca de 1 ano após início do tratamento. Estima-se que para é o principal fator de risco para o AVEI, não só por ser um fator
maior eficácia desta redução, os níveis tensionais devam ser na gênese da aterosclerose das artérias extra e intracranianas,
normalizados ao invés de apenas reduzidos. mas também por predispor à fibrilação atrial, IAM e cardiopatia
As patologias cardíacas, principalmente arritmias dilatada (causas mais comuns de AVEI cardioembólicos,
potencialmente emboligênicas, entre elas a fibrilação atrial, são conforme veremos mais à frente).
um fator de risco importante. Diabetes é também um fator de
risco claramente definido, apresentando uma relação direta com 2. AVEI cardioembólicos
o controle glicêmico. Tabagismo é outro fator de risco definido,
aumentando o risco relativo em 50%. A interrupção de tal hábito A fonte do êmbolo é o coração, sendo a condição
reverte o risco para o de uma pessoa não fumante em 2-4 anos. associada mais frequente a fibrilação atrial. (trombo de AE),
Sedentarismo, estresse, obesidade, uso de anticoncepcional oral seguida pelo IAM de parede anterior (trombo no VE ou no AE). A
são também fatores identificados. A dislipidemia é um fator de presença de ICC, aumento de átrio esquerdo, hipertensão
risco mais discutível em relação ao AVE. Sabe-se que a arterial, diabetes, disfunção de VE, cardioembolia prévia, doença
dislipidemia é um fator de risco para doença coronariana e mitral reumática, embolia paradoxal, endocardite infecciosa,
obstrução de carótidas, no entanto, estatisticamente não se endocardite de Libman-Sacks (lúpus), endocardite marântica
pôde, pelo menos de forma generalizada, até o momento, (carcinomas), mixoma atrial e valva cardíaca protética
considerá-la um fator de risco. Alguns estudos, inclusive, (especialmente as metálicas) também são fatores de risco.
evidenciaram que a redução dos níveis de colesterol pode levar a
Aprofundando o conhecimento
um o aumento da frequência de AVE hemorrágico, provavelmente
por interferir na resistência da parede vascular. Embolia paradoxal é a embolia arterial cuja fonte
Níveis de homocisteína, distúrbios hematológicos como a emboliogênica é a veia. Em geral, quando ocorre
drepanocitose, deficiência de proteína S, proteína C e deslocamento de um êmbolo a partir de uma trombose
antitrombina III, além de outros, são fatores de risco mais venosa profunda, este migra e se aloja na circulação arterial
raramente presentes, devendo ser considerados na análise pulmonar (Tromboembolismo Pulmonar – TEP). Contudo,
individual de cada caso, principalmente nos pacientes jovens. esse êmbolo pode seguir outro rumo, passando do átrio
Vale ainda salientar o risco potencial de AVC em procedimentos direito para o esquerdo por um forame oval patente ou por
hemodinâmicos e cirurgias cardiológicas. uma Comunicação Interatrial (CIA). Uma vez no átrio
esquerdo, pode migrar para a circulação encefálica e
AVE ISQUÊMICO produzir um AVEI. O curioso é que 15% da população adulta
tem forame oval patente, embora a embolia paradoxal
1. Conceito e etiopatogenia nesses pacientes seja raríssima. A presença de pressão
elevada no átrio direito parece necessária para a ocorrência
AVE isquêmico é a súbita instalação de um déficit
do fenômeno.
neurológico focal persistente, como consequência a uma
isquemia seguida de um infarto no parênquima encefálico
Fenômenos cardioembólicos decorrem da formação de
(telencéfalo, diencéfalo, tronco ou cerebelo). É decorrente da
oclusão de uma artéria de médio ou pequeno calibre, sendo esta trombos murais no átrio ou ventrículo esquerdo, em
oclusão na maioria das vezes embólica (trombo proveniente de consequência à estase atrial. A embolia relacionada à fibrilação
um sítio distante - que pode ser o coração ou uma artéria atrial ocorre espontaneamente ou é precipitada pela
extracraniana, como a carótida, a vertebral ou a aorta - que cardioversão, que causa instabilidade do trombo. É importante
caminha pela circulação arterial até impactar em uma artéria de ressaltar ainda que alguns episódios de AVEI ocorrem dias ou

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semanas após a reversão para o ritmo sinusal, pelo fenômeno do lacunar é decorrente da obstrução de pequenas artérias
“miocárdio atordoado”. O flutter atrial também se associa a penetrantes comprometidas pela aterosclerose e leva a uma
fenômenos tromboembólicos. isquemia pouco extensa, de até 2cm de diâmetro. O processo
O IAM de parede anterior ocasiona formação de trombo patológico envolvido pode ser aterotrombose ou lipo-hialinose
mural de VE na presença de uma área de acinesia ou discinesias (depósito de material lipídico hialino na parede destas artérias).
apical. Nestes casos, o AVEI costuma ocorrer dentro dos Quase sempre o AVEI lacunar ocorre em pacientes hipertensos.
primeiros três meses após o infarto. As regiões acometidas geralmente são: no cérebro, a cápsula
Clinicamente, os AVEIs cardioembólicos geralmente interna, o tálamo e os gânglios da base; no tronco encefálico, a
provocam um déficit neurológico súbito em segundos ou minutos, base da ponte.
que persiste estável, sem piorar nas próximas horas ou dias. A Muitos AVEIs lacunares são assintomáticos,
artéria mais acometida é a cerebral média e seus ramos. AVEIs especialmente os localizados nos gânglios da base (putamen e
cardioembólicos compreendem 20% a 30% dos AVEIs em países globo pálido) e alguns talâmicos, sendo identificados como
de primeiro mundo. No Brasil não temos estatísticas a respeito. achados casuais em exames de neuroimagem. Contudo, muitas
vezes o AVE lacunar se manifesta com déficit neurológico
3. AVEI arterioembólico importante, especialmente quando acomete a cápsula interna,
É o AVC isquêmico típico dos pacientes hipertensos. por onde desce o feixe piramidal, causando hemiplegia
Geralmente o trombo vem de uma placa aterosclerótica instável contralateral.
na carótida comum ou bifurcação carotídea ou na artéria AVEI Lacunar
vertebral. O trombo segue o fluxo sanguíneo até se alojar em um Mais importantes: cápsula interna, tálamo e base da ponte
ramo arterial, como a cerebral média. 1. Hemiparesia pura (cápsula dorsal ou base da ponte)
- AVE lacunar mais comum;
4. AVEI aterotrombótico
- hemiparesia ou plegia fasciobraquicrural contralateral,
sem déficit sensitivo ou afasia (diferenciando-o do AVE de
O AVEI aterotrombótico de grandes ou médias artérias é
cerebral média);
quase exclusivo de indivíduos acima de 50 anos com fatores de - pode evoluir de forma subaguda em 2-3 dias (face,
risco para aterosclerose: HAS, diabetes, dislipidemia, tabagismo, braço e depois perna).
síndrome metabólica, entre outros.
A artéria mais incriminada no AVEI aterotrombótico é a 2. Hemianestesia pura (núcleo ventrolateral do tálamo)
carótida interna (logo após a bifurcação da carótida comum) e, - é a síndrome de Dejerine-Roussy sem a dor talâmica
em segundo lugar, o sifão carotídeo. Em seguida, em termos de (hemianestesia faciobraquicrural contralateral sem déficit
frequência, vem a artéria vertebral, no seu segmento distal ou na motor)
sua junção com a artéria basilar. Em terceiro lugar estão as
3. Hemiparesia atáxica (cápsula interna ventral ou base da
artérias intracranianas, como a origem da artéria cerebral ponte)
média, artéria basilar e, bem menos frequente, a origem das - hemiparesia contralateral com ataxia cerebelar (pelo
cerebrais posterior e anterior. acometimento das fibras frontopontinas na cápsula interna
Grande parte dos AVEIs aterotrombóticos de grandes e ou ponto-cerebelares na base da ponte).
médias artérias é precedida por episódios de Ataque Isquêmico
4. Síndrome da disartria-apraxia da mão (base da ponte
Transitório (AIT).
ou joelho da cápsula interna)
Diferentemente do AVEI cardioembólicos, o - “Mão desajeitada”
aterotrombótico costuma evoluir de forma progressiva, com o - Disartria e dificuldade de realizar tarefas com a mão
déficit neurológico se instalando ao longo de horas ou até 1-2 contralateral (“clumsy hand syndrome”).
dias. Pode piorar em “saltos” (AVEI em evolução). O território
mais acometido é o da artéria cerebral média. 5. Síndrome do hemibalismo (núcleo subtalâmico)
O AVEI aterotrombótico de pequenas artérias (ou AVEI - Movimentos involuntários contralaterais de arremesso
do braço.
lacunar) representa 15-20% dos AVEIs sintomáticos. O AVEI

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5. Quadro clínico a) AVEI de Artéria Cerebral Média

Devido à circulação colateral, a área afetada pela Seu ramo superior irriga uma grande porção
redução do fluxo sanguíneo não tem lesões uniformes em frontoparietal, na qual se localizam o giro pré-central (córtex
intensidade. Em geral, o centro da lesão sofre maior redução de motor piramidal) e o giro pós-central (córtex sensorial
fluxo, sendo circundada por uma área em que essa redução é primário), áreas frontais pré-motoras, o centro voluntário do
insuficiente para comprometer a viabilidade celular, mas olhar conjugado e, somente no hemisfério esquerdo (dominante),
suficiente para comprometer sua função. A essa área dá-se o a área de Broca, responsável pela expressão e fluência da fala.
nome de zona de penumbra. Dessa forma, o quadro clínico O AVEI de ramo superior de artéria cerebral média é
observado em um determinado momento é a somatória de áreas mais comum que o de ramo inferior. O déficit motor e sensitivo
de necrose e de outras ainda viáveis que, caso se restabeleça o contralateral é o achado mais importante. Neste caso o pé é
fluxo sanguíneo, poderão recuperar sua função. poupado, mas a perna é afetada, pelo acometimento de fibras
Didaticamente, os déficits neurológicos focais do AVEI provenientes do córtex motor e sensorial para a perna. A
podem ser divididos em três grandes grupos, conforme a paralisia facial piramidal é do tipo central contralateral à lesão,
territorialização da irrigação encefálica que você aprendeu no ou seja, do mesmo lado da hemiplegia. Ocorre desvio da
capítulo 1. comissura labial para o lado oposto e a hemiface superior é
poupada (o paciente consegue fechar o olho e franzir a testa). A
Território Carotídeo disartria piramidal é leve e a língua desvia para o lado da
hemiplegia. O desvio do olhar conjugado é sempre contra a
A carótida que nos interessa na gênese do AVEI é a hemiplegia. A afasia motora ou de Broca só ocorre nos AVEs do
carótida interna, que penetra o crânio e logo após tomar uma hemisfério dominante ou “hemisfério da linguagem”. A Área de
forma sinuosa (sifão carotídeo), ao lado do seio cavernoso, onde Broca responde pelos “programas motores” da fala e é
emite o primeiro ramo: a artéria oftálmica, que vasculariza a unilateral, estando localizada no lobo frontal esquerdo em até
retina. Em seguida, bifurca-se nas artérias cerebral média e 90% das pessoas. É importante frisar que na afasia de Broca o
cerebral anterior (a cerebral posterior pertence ao território paciente perde a fluência da fala (sons ininteligíveis,
vertebrobasilar). A figura a seguir esquematiza essa monossílabos), embora consiga entender absolutamente tudo
vascularização. que falem a ele.

Esquematização da vascularização encefálica.

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o examinador. Nesse tipo de Afasia, as fibras que conectam a


Aprofundando o conhecimento
área de Wernick à área de Broca estão lesadas (opérculo
É importante diferenciar a afasia motora da disartria. parietal). Embora compreenda tudo o que as pessoas falam ou
Disartria indica a dificuldade de articular cada palavra, ou perguntam e também tenha fluência perfeita da fala, o paciente
seja, há um defeito na emissão do som – a fala do paciente é não consegue repetir palavras e fala outra coisa.
fluente e geralmente intelegível, embora ele tenha a “fala Na anomia (tipo mais comum de afasia na prática
enrolada”. O prognóstico da disartria é melhor que o da neurológica), a linguagem é preservada, exceto pelo nome de
afasia. A disfasia é semelhante à afasia, mas é caracterizada pessoas ou objetos.
por déficit parcial da capacidade de linguagem, também de Astereognosia (ou estereognosia) indica a incapacidade
causa neurológica central. Outros termos que podem gerar de o paciente de reconhecer de olhos fechados um objeto com a
confusão são a disfonia e a dislalia, que nada tem a ver com mão pelo tato, embora tenha a sensibilidade preservada. O
o AVE. A disfonia é a rouquidão consequente ao prejuízo da paciente com lesão parietal não reconhece objetos apresentados
produção da voz nas cordas vocais. Já a dislalia é a má à sua mão contralateral, mas o faz com a mão do lado do
pronúncia das palavras, acrescentando ou trocando letras hemisfério lesado. A estereognosia é decorrente da lesão do
ou sílabas. Pode ocorrer devido a alterações da cavidade córtex somatossensorial associativo, área parietal responsável
oral. As crianças são as mais acometidas: o personagem pelo reconhecimento dos estímulos. É nesta área que estão
“Cebolinha” é um exemplo clássico. armazenadas as diversas experiências táteis, dolorosas,
térmicas, proprioceptivas, etc, que o indivíduo já teve. A
astereognosia geralmente é detectada com exame neurológico
No AVEI frontal ocorre ainda a apraxia do membro
específico, passando muitas vezes despercebida pelo
superior contralateral. Apraxia significa algum tipo de dificuldade
examinador.
motora, embora a força muscular e a função cerebelar
A apraxia ideomotora é definida com a incapacidade de
(harmonia do movimento) estejam preservados. É como se o
realizar gestos imaginários como, por exemplo, imitar o
paciente desaprendesse o movimento, que se torna totalmente
movimento de escovar os dentes ou pentear os cabelos. O
“desajeitado”. Mesmo após recuperar a força muscular
paciente não consegue sequer iniciar tais movimentos. Porém, se
(piramidal), o paciente ainda permanece com o braço e a mão
ele tiver uma escova ou pente à mão, poderá realizar tais
“desajeitados”. Não consegue, por exemplo, digitar o número de
tarefas.
telefone no celular, embora a força nas mãos e dedos tenha
Outro conjunto de achados de difícil diagnóstico é a
voltado. A apraxia deve-se à lesão do córtex pré-motor, área
Síndrome de Gerstmann, composta por 4 itens: desorientação
localizada à frente do córtex motor piramidal, que contém
direita-esquerda, alexia (incapacidade de ler), agrafia
“programas motores” que regulam a execução dos movimentos
(incapacidade de escrever), acalculia (incapacidade para realizar
do dimídio (= hemicorpo) contralateral.
cálculos simples) e agnosia dos dedos (não sabe reconhecer qual
O AVEI do ramo inferior da artéria cerebral média é o
o dedo indicado pelo examinador). Essa síndrome é decorrente
AVE do lobo parietal ou parietotemporal. Como não há áreas com
da lesão do córtex associativo geral, área nobre encarregada de
função motora nesses lobos, o déficit neurológico
processar todas as informações sensoriais (somáticas,
frequentemente passa despercebido pelo médico.
cinestáticas, visuais e auditivas), comparando com experiências
A Afasia de Wernick ou sensorial é o principal sintoma
anteriores lá armazenadas.
desse tipo de AVE. A área de Wernick é a responsável pela
Quando a lesão ocorre no lobo parietal direito, a
compreensão da fala. Para o médico “desavisado”, a impressão é
manifestação se dá pela síndrome de Heminegligência e
de que o paciente está desorientado e “não fala coisa com
Anosognosia. Nesta última, o paciente não reconhece que seu
coisa”... Você tenta conversar com ele, e ele te dá uma resposta
lado esquerdo está paralisado. Na heminegligência, o paciente
completamente sem nexo, pois não compreende nada que lhe é
simplesmente não reconhece mais o lado esquerdo do corpo e
falado ou que ele mesmo fala. Sua fala é fluente, porém ele
nada que se localiza em seu lado esquerdo. Assim, por exemplo,
inventa palavras (parafasia) e expressões novas (jargonofasia).
este paciente ignora se o examinador estiver à sua esquerda,
A afasia de condução é outra condição possível e pode confundir

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não consegue responder se lhe perguntam a respeito de seu AVE de Artéria Cerebral Anterior
braço esquerdo e, ao pedir-lhe que desenhe algo, tudo no papel
- Monoplegia/paresia e apraxia da perna e pé contralaterais
tende para o lado direito. Outras alterações deste lobo dizem
(pode se estender para o braço, mas não para a mão e face);
respeito à apraxia construcional (incapacidade de desenhar ou
montar figuras geométricas) e a apraxia de se vestir - Monoanestesia/parestesia da perna e pé contralaterais;
(incapacidade de se vestir, conforme sugere o próprio nome). A - Reflexo de preensão e paratonia contralateral;
amusia (incapacidade de reconhecer músicas ou melodias)
decorre da lesão do córtex auditivo associativo. - Lesão bilateral (rara): síndrome do lobo frontal abúlica
(mutismo acinético), reflexos primitivos bilaterais (preensão,
sucção, palmomentoniano), descontrole esfincteriano,
paraparesia com sinal de Babinski bilateral e apraxia da
marcha.
Características clínicas do AVE de A. Cerebral Anterior.

Território vertebrobasilar

As artérias vertebrais irrigam o bulbo. Seus ramos


paramedianos nutrem a porção medial do bulbo e a PICA (Artéria
Cerebelar Póstero-Inferior) nutre o bulbo lateral (além de nutrir
também a face inferior do cerebelo).
A artéria basilar é única e ascende anteriormente à ponte
até se bifurcar na junção ponto-mesencefálica, gerando as
artérias cerebrais posteriores. A artéria basilar irriga a ponte e
o cerebelo. Envia ramos paramedianos (porção medial da ponte),
ramos circunferenciais curtos (porção lateral da ponte) e duas
Esquematização da vascularização das artérias cerebrais. artérias para o cerebelo: a AICA (Artéria Cerebelar Ântero-
Inferior), que nutre a porção inferior lateral da ponte e uma
b) AVEI da Artéria Cerebral Anterior parte do cerebelo, e a Artéria Cerebelar Superior, nutrindo a
porção lateral superior da ponte e a maior parte do cerebelo.
A artéria cerebral anterior emite ramos penetrantes A artéria cerebelar posterior (ACP) irriga o mesencéfalo
para a porção anterior da cápsula interna (fibras e parte do tálamo por ramos penetrantes que saem do segmento
extrapiramidais frontopontinas) e cabeça do núcleo caudado. proximal da artéria. Após emitir a comunicante posterior do
Esse pequeno segmento da cerebral anterior é, antes da artéria Polígono de Willis (principal via colateral entre as circulações
comunicante anterior do polígono de Willis, importante vaso carotídea e vertebrobasilar), segue posteriormente para irrigar
colateral que ligas duas cerebrais anteriores, sendo a principal os lobos occipitais e temporais (porção medial). A artéria
via colateral entre as circulações carotídeas esquerda e direita. cerebral posterior irriga o mesencéfalo, parte do tálamo, os
Após o ponto de ligação da comunicante anterior, a artéria segue lobos occipitais e o lobo temporal medial.
para a porção medial do lobo frontal. Nesse local, encontram-se O AVE do sistema vértebro-basilar pode apresentar
a porção medial dos giros pré-central e pós-central (córtex sintomas vestíbulo-cerebelares (vertigem, ataxia, nistagmo,
motor piramidal e córtex sensorial para a perna e pé), uma área náuseas e vômitos), reflexos tendinosos pendulares, hipotonia,
para o controle esfincteriano e áreas cognitivas superiores, sinais de comprometimento dos nervos cranianos, disartria,
responsáveis pela volição (vontade, iniciativa), planejamento, anormalidades na movimentação ocular (diplopia), e déficit
julgamento, raciocínio e comportamento social. O quadro clínico motor e/ou sensitivo unilateral ou bilateral, além das alterações
gerado pela obstrução da artéria cerebral anterior (pouco visuais, como hemianopsia, ilusões ou alucinações visuais,
comum) está descrito no quadro a seguir. cegueira cortical.

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6. Neuroimagem no AVEI

Geralmente o AVEI demora de 24 a 72 horas para


aparecer na TC. A exceção é a presença de um grande AVEI no
território carotídeo, que pode aparecer desde o primeiro dia.
Apesar disso, o exame de neuroimagem mais realizado na fase
aguda do AVE é a TC de crânio não contrastada, pela sua
altíssima sensibilidade em diagnosticar (e com isso fazer
diagnóstico diferencial) o AVEH, além de ser de rápida execução
e mais disponível que os demais exames de imagem para o AVE.
Como não se pode observar o AVEI na primeira TC
Regiões de abastecimento por parte do segmento posterior do círculo (realizada na admissão), está sempre indicado repetir a TC de
de Willis, vista lateral: (1) artéria cerebral posterior, (2) artéria crânio no segundo ou terceiro dia do AVE, quando então
cerebelar superior; (3) artéria basilar e artéria cerebelar superior; (4) aparecerá o infarto cerebral como uma área hipodensa (cinza),
artéria cerebelar inferior posterior, (5) artéria vertebral (artéria com discreto edema. Após cerca de 10 dias, a área infartada
cerebelar inferior posterior, anterior vertebral artéria, artéria
vertebral posterior). aparece ainda mais hipodensa (preta), sem edema, com
retração, podendo repuxar algum ventrículo (hidrocefalia
localizada ex-vacuum). Os AVEs de tronco encefálico e os AVEs
Aprofundando o conhecimento
lacunares são difíceis de detectar na TC, mesmo após 3 dias,
A oclusão da artéria basilar é uma síndrome isquêmica pelo tamanho e, no caso do tronco, também pela interferência da
grave e potencialmente fatal. Trata-se de uma das mais substância óssea.
graves síndromes de AVEI. A oclusão da basilar pode ser de
dois tipos.
1. Embolia do topo basilar:
- quadro de instalação súbita
- estado de sonolência, torpor ou coma
- diplopia, estrabismo
- desvio do olhar conjugado para baixo
- pupilas médio-fixas, pouco ou não reagentes à luz
- quando o paciente acorda: cegueira ou quase cegueira
cortical, alucinações visuais.
- síndrome de Anton: cegueira cortical não reconhecida. Infarto isquêmico maciço de hemisfério cerebral esquerdo,
2. Trombose da basilar: principalmente na distribuição da divisão superior da artéria cerebral
média. TC realizado 24 h (à esquerda) e 72 h (à direita) após o início
- Quadro de instalação subaguda, em “saltos” (AVE em dos sintomas neurológicos. A segunda verificação demonstra marcado
evolução) inchaço do tecido infartado e deslocamento das estruturas centrais.
- Diversas manifestações de AVE pontino
- Episódios de AIT prévios do território vértebro-basila A Ressonância Magnética de crânio convencional é
(diplopia, vertigem, nistagmo, hemi ou paraparesia, melhor que a TC para detectar: 1) AVEI nas primeiras 24-72h
dormência no corpo) (46% x 10%); 2) AVEI de tronco, cerebelo e lacunar (em qualquer
- Trombose de toda a basilar: Síndrome “Locked-in” tempo). A eficácia para detecção de hemorragia é semelhante
(enclausuramento): tetraplegia e diplegia facial, anestesia do entre a TC e a RNM.
corpo e face, mexe apenas os olhos e somente para baixo, A angio-TC e a angio-RM são técnicas não invasivas que
com desvio do olhar conjugado para baixo, manutenção da tem o objetivo de avaliar a vasculatura extra e intracraniana com
lucidez. razoável precisão. Um destes métodos está indicado, se

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disponível, para investigar a aterotrombose carotídea, condições em que estes níveis de hipertensão possam ser
vertebrobasilar e intracraniana, no caso de o Duplex-scan e o excessivos, como em casos de insuficiência cardíaca, infarto do
Doppler transcraniano (TCD) trazerem resultados inconclusivos. miocárdio e aneurisma de aorta.
Atualmente, a angiografia convencional (invasiva) só está Contudo, a PA não pode se elevar demais, pelo risco de
indicada quando o paciente irá se submeter a um procedimento degeneração hemorrágica do AVE, encefalopatia hipertensiva e
terapêutico local, como a trombólise intra-arterial. Alguns outras emergências hipertensivas.
neurocirurgiões ainda confiam mais na angiografia convencional Vejamos algumas considerações quanto ao manejo clínico
para guiar a cirurgia de endarterectomia. No entanto, sabemos do AVEI:
que o duplex-scan, a angio-TC e a angio-RNM são confiáveis, sem
ser invasivos. Aprofundando o conhecimento

1. Não usar anti-hipertensivo nos primeiros três dias de


7. Tratamento
AVEI, a não ser quando:
 PA ≥ 220/120mmHg (em todos os pacientes);
O manejo do AVEI costuma ser iniciado com tomografia
 PA ≥ 185/110mmHg nos candidatos a trombólise
computadorizada (TC) do crânio para o diagnóstico diferencial
venosa com rtPA;
entre AVEI e AVEH. A avaliação laboratorial básica inclui
 Nos casos de hipertensão associada a condições
hemograma, plaquetas, tempos de protrombina (TAP) e
como encefalopatia, IAM, angina instável, dissecção
tromboplastina (TTPa), VHS, glicemia, ureia, creatinina,
de aorta, edema agudo de pulmão (EAP) e eclampsia,
lipidograma, reações para sífilis e para doença de Chagas.
estamos diante de emergência hipertensiva e
Podem ser realizados ainda: eletrocardiograma, Rx de tórax,
também devemos reduzir a PA imediatamente.
ultrassom dos vasos cervicais, pesquisa de hipercoagubilidade,
2. O tratamento da hipertensão em níveis ≥ 220/120mmHg
da hiper-homocisteínemia, ecocardiograma transtorácico e
visa baixar a PA em 15% nas primeiras 24h, alcançando
transesofágico, estudos de angiografia cerebral por tomografia
PA em torno de 160/100mmHg ao longo dos próximos 3
computadorizada ou ressonância magnética, conforme
dias;
necessidade clínica.
3. O tratamento com rtPA exige PA≤ 185/110mmHg nas 24h
A conduta no AVEI inicia com os cuidados de fase aguda. A
seguintes ao uso do trombolítico.
estabilização clínica e metabólica do paciente na fase aguda do
AVEI é importantíssima! É fundamental o controle da pressão
arterial, da glicemia, da temperatura e a manutenção das Devem-se evitar hipotensores de ação curta e intensa,
melhores condições respiratórias. Portanto, estes cuidados como a nifedipina sublingual. Quando indicados, a medicação
variam de acordo com a gravidade de cada caso, os mais graves preferencial são os inibidores da ECA e betabloqueadores, por
serão admitidos em unidade de terapia intensiva. via oral e, se necessário, por infusão venosa. O anti-hipertensivo
A hipotensão arterial, quando presente, deve ser tratada de escolha é o labetalol venoso. O nitroprussiato de sódio passa
agressivamente, com reposição volêmica, mantendo-se a ser o escolhido quando a PA diastólica ≥ 140mmHg. Como não
idealmente uma PA levemente elevada em torno de há labetalol venoso na grande maioria dos nossos hospitais,
160/100mmHg. Estes níveis devem ser respeitados porque a recomendamos o nitroprussiato para todos os casos de
elevação da pressão pode ser um efeito benéfico para aumentar emergência hipertensiva no AVEI. O nitroprussiato de sódio, em
o fluxo sanguíneo cerebral; nestas circunstâncias, a redução da infusão contínua, é uma droga de efeito rápido e facilmente
PA pode ser prejudicial. A penumbra isquêmica é nutrida por titulável.
vasos colaterais que necessitam de “pressão extra” para Edema cerebral após a isquemia é uma causa importante
receberem fluxo de sangue, ou seja, quanto maior a pressão, e potencialmente tratável de deterioração neurológica e
maior será a profusão da penumbra. Entretanto, se houver mortalidade e é visto principalmente em grandes infartos
indicação para emprego de agentes trombolíticos os níveis hemisféricos e cerebelares. Soluções hipertônicas são
deverão ser menores. É importante atentar-se para algumas amplamente utilizadas por causa de sua ação diurética e
habilidade para diminuir a pressão intracraniana (PIC)

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transitoriamente após o infarto cerebral, mas os resultados uma complicação temível, e às vezes fatal, que é o sangramento
ainda necessitam ser mais detalhadamente estudados. Medidas no leito isquemiado (transformação hemorrágica). Para isso, é
gerais seguidas incluem o tratamento de febre, dor e agitação, e necessário, entre outros fatos, que o trombolítico seja
mantendo a cabeça elevada a 30 °. Regimes de medicação mais administrado nas primeiras horas da instalação do AVEI. O
comumente utilizados são solução salina hipertônica e manitol quadro a seguir mostra os critérios de inclusão e os de exclusão
em concentrações de 3%, 10% e 23,4%. para o tratamento trombolítico.
A hipertermia é comum após o AVEI e é sinal de mau
prognóstico, devendo ser combatida por meios físicos e/ou Critérios para uso de rtPA no AVE isquêmico agudo
medicação adequada. Identificar e tratar a febre em pacientes
1. Diagnóstico clínico de AVE com delta-T de até 4 horas e
pós AVEI é recomendado por todas as diretrizes. A ESO
meia;
(European Stroke Organization) recomenda tratamento com 2. TC de crânio excluindo hemorragia e sem edema superior
Acetaminofeno quando a temperatura exceder 37,5°C. a 1/3 do território da cerebral média (hemisfério);
Hipotermia leve a moderada tem sido preconizada como
3. Idade ≥ 18 anos
elemento protetor contra a isquemia cerebral, mas o seu
emprego na prática ainda não está padronizado. 4. Consentimento pelo paciente ou seu representante;
A hiperglicemia, que também pode ser um aumento 5. Ausência de contraindicações clínico-laboratoriais:
transitório na fase aguda do AVE, é comprovadamente prejudicial  AVE hemorrágico em qualquer época;
e deve ser mantida abaixo de 160 mg%, podendo-se recorrer à  AVE isquêmico, TCE ou IAM nos últimos 3 meses;
utilização de insulina. Esse valor varia conforme as diretrizes  Hemorragia digestiva nas últimas 3 semanas;
 Grande cirurgia nas últimas 2 semanas;
adotadas. Assim, o tratamento com insulina é recomendável
 “Extremos”: déficit neurológico muito leve ou que
quando os níveis de glicose no sangue são "elevados" (CSS), e esteja melhorando rapidamente, ou então muito
para valores "possivelmente maiores do que 140-185 mg/dL" grave com estupor/coma (pouco benefício da droga);
(ASA), 180 mg/dL (ESO) e 200 mg/dL (NICE). Essas diretrizes não  PA > 185/110mmHg;
fazem distinção entre pacientes com e sem diabetes mellitus.  Plaquetas < 100.000/mm3;
Cuidados respiratórios são fundamentais, com o objetivo  Anemia com Ht < 25%
 Glicose < 50 ou > 400mg/dl
de manter as melhores condições de ventilação e suprimento de
 Uso de heparina nas últimas 48h, com alargamento
oxigênio para o sistema nervoso central. A intubação e suporte de PTT
respiratório podem ser necessários e devem ser indicados com  Aumento do INR.
critérios bem definidos. A taxa de saturação de O2 percutânea
deve ser monitorizada de rotina. Agentes antiplaquetários que atuam na redução da
Monitorização e vigilância cardiovascular são desejáveis adesão e agregação das plaquetas têm sido utilizados
em todos os pacientes, mesmo aqueles com quadro clínico largamente, tanto na prevenção primária como na secundária e
aparentemente discreto. também, mas ainda sem comprovação definida, na fase aguda do
Profilaxia de trombose venosa profunda, com AVEI. Aspirina em doses baixas, de 75 a 325 mg/dia, o
heparinoides de baixo peso molecular, deve fazer parte da rotina clopidogrel 75 mg/dia, a ticlopidina 500 mg/dia, são as drogas
nos pacientes com AVE, e obrigatória naqueles acamados e com mais empregadas.
déficit motor mais severo. Fazem parte do atendimento do AVE, de qualquer tipo e
Medidas específicas para o manuseio da isquemia em qualquer fase, a enfermagem especializada, a fisioterapia, a
cerebral compreendem a utilização de drogas trombolíticas na fonoaudiologia, a psicologia hospitalar e outras especialidades
fase aguda do AVEI. Estas drogas podem desobstruir a luz da que possam integrar uma equipe multidisciplinar, o que tem se
artéria, restabelecendo o fluxo sanguíneo. O trombolítico que comprovado ser de grande utilidade para a melhor evolução dos
demonstrou benefício (estudo NINDS) é o rtPA (alteplase). Com casos de AVE.
comprovação de eficácia bem definida universalmente, a Pacientes com AVE de cerebelo e importante edema com
trombólise deve obedecer a um rigoroso protocolo para evitar efeito de massa devem ser submetidos de imediato à

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neurocirurgia descompressiva da fossa posterior, pois o edema sensibilidade álgica com agulha; 9- linguagem (afasias); 10-
cerebelar pode levar à herniação da amígdala cerebelar pelo articulação da palavra (disartria); 11- heminegligência.
forame magno, comprimindo o bulbo e causando apneia. A Em geral, os melhores resultados de rtPA no AVEI são
neurocirurgia descompressiva também tem sido realizada nos obtidos em pacientes com NIHSS entre 4 e 22. Num NIHSS abaixo
AVEs de cerebral média ou hemisféricos com grande edema e de 4, o déficit neurológico geralmente é pequeno e não justifica
desvio de linha média, como tentativa de impedir uma herniação os riscos de terapia antitrombótica, enquanto no NIHSS acima de
transtentorial. 22 (considerado AVE grave) o prognóstico é ruim na grande
maioria dos casos, usando ou não antitrombolítico, embora tenha
se verificado pequeno benefício dos pacientes submetidos a
Aprofundando o conhecimento
trombólise.
Talvez você tenha lido em fontes mais antigas que o O NIHSS é muito utilizado para avaliar a resposta ao
uso de rtPA era indicado até 3h após o início dos sintomas. trombolítico, considerada positiva quando há redução de 8
Foi publicado pela AHA/ASA, em maio de 2009, um conselho pontos na escala (melhora parcial) ou quando o paciente
científico estendendo o uso da rtPA de 3 horas para até 4 apresenta NIHSS ≤ 1 (melhora completa). No estudo NINDS, o uso
horas e meia após o início dos sintomas. Essa recomendação de rtPA levou à melhora completa do déficit em 38% dos
partiu dos resultados do estudo ECASS III, excluindo, além pacientes versus 21% do grupo placebo.
das contraindicações que já estudamos, os seguintes
pacientes: ATAQUE ISQUEMICO TRANSITÓRIO (AIT)
- Idade > 80anos;
- Escala de NIHSS > 25 pontos (escala usada para graduar o
déficit neurológico no AVEI, que estudaremos a seguir); 1. Definição
- Usuários de anticoagulantes (independente do INR);
O Ataque Isquêmico Transitório (AIT), ou TIA (do inglês
- diabéticos com história de AVEI prévio.
Transient Ischemic Attack) é um evento agudo de isquemia
Ou seja, pela American Stroke Association a
encefálica não associado a infarto cerebral.
recomendação de trombólise no AVEI passou de 3 horas para
Durante muito tempo o AIT foi definido pela presença de
até 4 horas e meia após o início dos sintomas, excluindo os
déficit neurológico reversível em menos de 24h (a maioria, na
listados acima, para os quais o delta-t teoricamente continua
prática, durava menos de 15 minutos). Contudo, essa definição
3h.
sempre foi criticada devido ao conceito de que pode haver
Lembrando: se o paciente acorda com os sintomas de
infarto cerebral mesmo em isquemia breves (< 1 hora), o que foi
AVE, definimos como momento do início dos sintomas o
definitivamente comprovado com o advento das técnicas mais
horário em que ele foi dormir.
modernas de neuroimagem, como a RNM por difusão (DWI).
Assim, teríamos muitos AVEs isquêmicos com pouca ou nenhuma
Para finalizar nosso breve estudo de AVEI, falemos sobre sequela clínica que estariam sendo diagnosticados como AIT a
mais um importante método de avaliação de isquemia cerebral. partir dos antigos critérios clínicos – estima-se que 1/3 dos AITs
Há uma escala para graduar o déficit neurológico no AVEI, diagnosticados pelo critério antigo (déficit neurológico reversível
chamada NIHSS (National Institute of Health Stroke Scale ), que em < 24h) evoluíam com infarto cerebral, ou seja, dano
pontua o paciente de 0 a 42 (0= ausência de déficit e 42= pior irreversível, e não transitório.
déficit). A escala contém 11 itens (para cada um é dada uma A partir dos guidelines de AIT da AHA/ASA publicados em
pontuação de 0 a 2, 0 a 3 ou 0 a 4, na dependência do item). Os 2009, a ausência de infarto cerebral e não mais a duração do
itens da escala são: 1- nível de consciência, orientação (idade, déficit neurológico passou a ser a definição aceita para
mês, ano) e resposta a comandos simples; 2- olhar conjugado; 3- caracterizar um AIT. Da mesma forma, o AVE isquêmico passou a
distúrbio visual; 4- paralisia facial; 5- força muscular do braço; ser definido pela presença de infarto cerebral. Também foi
6- força muscular da perna; 7- ataxia cerebelar de membro; 8- sugerido o termo síndrome neurovascular aguda para
caracterizar o paciente que apresenta déficit neurológico focal

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ainda sem exame complementar que permita avaliar a presença - 6 ou 7 pontos: Alto risco (8,1%);
de infarto. - 4 ou 5 pontos: Moderado risco (4,1%);
- 0 a 3 pontos: Baixo risco (1%).
2. Diagnóstico

O diagnóstico de AIT não é mais clínico, como no passado. Todos os pacientes com escore ≥ 3 pontos que se
Para termos certeza de que não houve infarto cerebral, ou seja, apresentem até 72h após o evento devem ser hospitalizados
que não estamos diante de um AVEI, é necessário um exame de para monitorização, controle dos fatores de risco e início do
neuroimagem, que deve ser feito nas primeiras 24h após o início tratamento.
dos sintomas. A RNM de difusão (DWI) é o exame preferido, pois O tratamento baseia-se na prevenção do AVEI, através de
pode diagnosticar um AVEI apenas 30min após o início dos medicamentos e/ou conduta intervencionista (sem tratamento, o
sintomas. A TC de crânio sem contraste fica em segundo plano risco de AVEI é de 10% em 3 meses, metade desses casos nas
uma vez que o AVEI só aparece neste exame após 24-72h. primeiras 48h). Vejamos as estratégias terapêuticas do AIT, que
Assim como no AVEI, é fundamental diagnosticar o são basicamente as mesmas do pós AVE isquêmico:
mecanismo do AIT. Há vários exames que podem ser solicitados, - AIT cardioembólicos: cumarínicos (warfarin);
sendo sempre recomendados: - AIT aterotrombótico: AAS + dipiridamol de liberação lenta ou
- Avaliação do risco cardioembólico, através de ECG e clopidogrel, nos alérgicos ou com intolerância gástrica ao AAS;
ecocardiograma transtorácico; - AIT aterotrombótico carotídeo: endarterectomia carotídea (em
- Avaliação não invasiva dos vasos mais implicados nos caso de estenose entre 70-99% da carótida envolvida com o
fenômenos arterioembólicos (por exemplo, um Duplex-scan, déficit neurológico, para pacientes com expectativa de vida > 5
angio-RNM ou angio-TC de carótidas e vertebrais); anos). Uma alternativa à cirurgia é a angioplastia carotídea com
- Considerar, nos pacientes sem alterações nos exames stent.
anteriores, avaliação dos vasos intracranianos (doppler
transcraniano, angio-RNM, ou angio-TC); AVE HEMORRÁGICO
- Laboratório: hemograma, bioquímica básica, lipidograma,
coagulograma. Avaliar rastreio de trombofilias em jovens sem
fatores de risco para AIT. O Acidente Vascular Encefálico Hemorrágico (AVEH) é
definido como um sangramento espontâneo resultante da
3. Prognóstico e tratamento ruptura de artérias encefálicas. O AVEH corresponde a 10-15% de
todos os acidentes vasculares cerebrais, representando, nos
O risco de AVEI subsequente está aumentado nas vítimas
Estados Unidos da América, cerca de 50.000 novos casos por
de AIT, e pode ser avaliado de acordo com o escore ABCD2, que
ano.
varia de 0 a 7 pontos. O risco de AVEI nas 48h subsequentes ao
AIT são, de acordo com o ABCD2: A mortalidade dessa doença é de cerca de 35 a 56% ao
final de 30 dias e somente 20% dos sobreviventes estarão
Age (idade) ≥ 60 anos 1 ponto independentes em 6 meses. Nesses pacientes, o volume do
Blood Pressure (PA) sistólica ≥ 140mmHg hematoma intracerebral é um importante preditor de morbidade
1 ponto
ou diastólica ≥ 90mmHg e mortalidade.
Hematomas com volume maior que 30 cm se associam
Paresia ou paralisia 2 pontos
Clínica Apenas distúrbio da fala 1 ponto com prognósticos desfavoráveis e aqueles com volume maior
Outros déficits neurológicos 0 ponto que 60 cm geralmente são fatais. Sabe-se que em até 1/3 dos
casos, os hematomas podem aumentar seu volume após o evento
Duração ≥ 60min 2 pontos
inicial, especialmente nas primeiras três a seis horas,
Entre 10-59min 1 ponto
< 10min 0 ponto ocasionando deterioração neurológica progressiva.
Diabetes 1 ponto

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Discutiremos a seguir a Hemorragia Subaracnóidea e a progressos terapêuticos, ainda assim há quase 60% de
Hemorragia Intraparenquimatosa. mortalidade no caso de HSA aneurismática, que adicionados aos
dados de danos cognitivos crônicos deve encorajar-nos a
estudar e avançar na gestão da doença.
1. Hemorragia Subaracnóidea (HSA)

Etiologia
A Hemorragia Subaracnóidea (HSA) é um relevante
problema de saúde, com uma incidência aproximada de 9 por 100 A causa mais comum de HS, especialmente na faixa etária
mil e uma taxa de mortalidade de cerca de 60% em 6 meses. O entre 30-65 anos, é a rotura de um aneurisma sacular.
prognóstico é influenciado por múltiplos fatores não modificáveis Os aneurismas saculares são dilatações segmentares de
e por fatores que podem ser influenciados por intervenções uma artéria intracraniana, a grande maioria localizada no
terapêuticas e procedimentos de gestão. polígono de Willis ou na origem das artérias cerebelares. O local
Ocorre quando o espaço subaracnóideo é inundado por mais comum de sangramento é a artéria comunicante anterior,
sangue, frequentemente resultante da ruptura de um aneurisma. seguido pela comunicante posterior (na junção com a carótida
interna) e pela bifurcação do tronco da cerebral média, ou seja, a
Fatores de risco maioria dos aneurismas “culpados” pela HSA está na circulação
do território carotídeo (anterior).
Os aneurismas saculares são encontrados em até 5% da
Os principais fatores de risco modificáveis continuam
população americana e têm sua origem controversa – embora
sendo a hipertensão, que dobra o risco quando a pressão arterial
durante muito tempo tenha se achado que eram congênitos.
sistólica (PAS) é maior que 130 mmHg e triplica quando PAS> 170
Estudos têm mostrado que eles se formam na vida adulta e
mmHg, o tabaco e o álcool. Outros fatores de risco, tais como
muitos rompem logo após a sua formação. São comumente
exercício extenuante, são descritos na série australiana ACROSS.
assintomáticos antes da ruptura, exceto os gigantes (>2,5cm),
Por outro lado, a diabetes mellitus está associada apenas ao
que podem causar compressão de estruturas subjacentes. São
subtipo perimesencefálico. Os principais fatores de risco não
encontrados múltiplos aneurismas em 20% dos portadores. O
modificáveis são história familiar de primeiro grau, o que
risco de rotura é proporcional ao tamanho, sendo baixo com
aumenta em até quatro vezes a incidência, e doenças do tecido
menos de 10mm e alto com mais de 10mm. Porém, 70% dos
conjuntivo: doença renal policística, síndrome de Ehlers-Danlos
casos de HSA se devem a aneurismas pequenos (<7mm), já que
tipo IV, telangiectasia hemorrágica hereditária, pseudoxantoma
estes são bem mais frequentes.
elástico, neoplasia endócrina múltipla tipo 1 e neurofibromatose
Não existe, até o momento, benefício em submeter a
tipo 1.
população assintomática a screening para detecção de
A correção dos fatores de risco modificáveis é
aneurismas intracranianos. Uma vez que nos sobreviventes de
necessária para todas as pessoas, especialmente nos pacientes
uma HSA encontramos uma taxa anual de formação de novos
com HSA, não só pela relação causal anteriormente descrita,
aneurismas em torno de 1 a 2%, alguns autores consideram
mas também pela maior incidência de doença vascular presente
submeter essa população a screening periódico. Embora ângio-
após o diagnóstico de HSA, que é praticamente duplicada em
TC e ângio-RNM sejam considerados métodos satisfatórios pela
relação à população normal. O uso de anticoagulantes orais está
maioria dos especialistas, a angiografia cerebral continua sendo
associado ao aumento de ressangramento.
o padrão-ouro, especialmente para aneurismas < 5mm.
Quanto ao uso de ácido acetilsalicílico (AAS), um estudo
Os fatores de risco para HSA por rotura de aneurisma
recente parece mostrar que os pacientes com aneurisma
sacular são: idade entre 30-65 anos; tabagismo; alcoolismo;
cerebral que tomam AAS regularmente têm um risco menor de
hipertensão; história familiar positiva; síndromes genéticas
rotura em comparação àqueles que não usam.
(Ehler-Danlos, Rins policísticos).
Embora haja uma tendência para a melhoria no
prognóstico desta doença nos últimos 30 anos, graças aos

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Etiologia da HSA Manifestações clínicas

Malformações vasculares:
Aneurismas cerebrais (80%)
A apresentação mais comum da HSA é a cefaleia.
Aneurismas ateroscleróticos Geralmente se trata de uma cefaleia severa, de início súbito, que
Aneurismas fusiformes atinge o seu clímax em segundos ou minutos. Em um terço dos
Aneurismas micóticos casos, é a única manifestação. Nesses casos o diagnóstico pode
Malformações arteriovenosas:
ser negligenciado. Podem estar associados sintomas como perda
Fístulas arteriovenosas durais
Cavernomas de consciência, náuseas ou vômitos, sinais neurológicos focais
Telangiectasias capilares de aneurisma ou convulsões. A síncope (50% dos casos) é
Malformações vasculares espinhais causada pelo aumento súbito da pressão intracraniana devido ao
HSA perimesencefálica e idiopáticas inundamento do espaço subaracnóideo pelo sangue arterial sob
Alterações hemodinâmicas cerebrais:
Trombose venosa cerebral alta pressão. Além disso, a hipertensão intracraniana pode levar
Síndrome de Moya-moya ao coma.
Síndrome de hiperperfusão
Síndrome de encefalopatia posterior Aprofundando o conhecimento
Síndrome de vasoconstrição cerebral
Estenose crítica carotídea Na maioria das vezes, o déficit focal da HSA se instala
Estenose crítica da artéria cerebral média tardiamente, entre o 3º e 14º dia, devido ao vasoespasmo
Anemia de células falciformes cerebral. Porém, existem casos que se apresentam já com
Vasculopatias: déficit focal:
Angiopatia amiloide
Dissecção de artérias cervicais e craniais - Rotura de aneurisma de comunicante posterior (junção
Displasia fibromuscular com a carótida interna): o nervo oculomotor (III par) passa
Vasculites adjacente a este e aneurisma. o paciente, portanto,
Colagenopatias
geralmente se apresenta com a síndrome do III par (ptose,
Enfermidade de Rendu-Osler-Weber
Traumatismo crânio-encefálico midríase paralítica, estrabismo divergente e diplopia) do
Discrasias sanguíneas: mesmo lado do aneurisma;
Coagulopatias congênitas - Rotura de aneurisma na comunicante anterior: pode
Coagulopatias adquiridas (tratamento com anticoagulantes, ocorrer hemiparesia e abulia (mutismo acinético) quando o
fibrinolíticos)
jato de sangue forma um grande hematoma parenquimatoso
Coagulação intravascular disseminada
Leucemia no lobo medial.
Trombocitopenia
Infecções: Nem todas as cefaleias súbitas (cefaleias thunderclap ou
Sepse em "trovoadas") são HSA; tampouco toda cefaleia por HSA tem
Meningoencefalite
Endocardite bacteriana as características descritas, mais especificamente
Parasitas correspondentes à HSA aneurismática; estas constituem cerca
Tóxicos: de 85% dos casos. Algumas vezes, pequenas roturas
Drogas ilícitas (cocaína, anfetamina) tamponadas causam pequenas HSA, manifestadas como cefaleias
Fármacos (fenilefrina, sildenafilo)
súbitas (“cefaleias sentinelas”), menos intensas que a cefaleia de
Neoplasias cerebrais:
Gliomas rotura maior.
Metástases Alguns tipos de HSA, como as corticais puras, podem ter
Apoplexia hipofisária uma apresentação mais indolente, com cefaleia maçante,
Hemangioblastomas
convulsões ou sintomas neurológicos focais, relacionados à
Intervenções neurcirúrgicas:
Cirurgia cranial localização. O exame pode ser completamente normal, ou
Cirurgia espinhal apresentar rigidez de nuca, ausente no início do quadro
(geralmente aparece após 12-24h) e em casos leves ou quando

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há coma. Outro sinal, além dos focais, presente eventualmente, é


Aprofundando o conhecimento
a hemorragia de fundo de olho (hemorragia sub-hialoide): sangue
entre o vítreo e a retina extravasado da papila óptica. Esse Tratamento do vasoespasmo: a terapia do triplo H
achado é denominado síndrome de Terson e geralmente indica (hipertensão, hipervolemia e hemodiluição) consiste em
prognóstico desfavorável. prescrever hidratação venosa objetivando aumentar a PA para
próximo de 160x100mmHg. Se necessário, pode acrescentar
Complicações vasopressores (noradrenalina). A clipagem ou embolização
precoce do aneurisma traz segurança ao intensivista para
A HSA é muito imprevisível. Mesmo quando o paciente realizar esta estratégia. Nos casos refratários, pode-se lançar
chega lúcido ao hospital e tem um bom prognóstico, as mão de medidas alternativas: angiografia com injeção de
complicações podem agravar o quadro neurológico, modificando papaverina intra-arterial, angioplastia percutânea ou
o prognóstico e pode levar a óbito, se não forem tratadas. nitruprussiato intratecal.
As principais complicações da HSA estão descritas
abaixo. risco de vasoespasmo. A nimodipina não diminui a ocorrência do
vasoespasmo, porém age protegendo os neurônios contra a
Ressangramento (nova ruptura): É a mais temida das injúria isquêmica, reduzindo sequelas. O diagnóstico do
complicações, relatada em 30% dos casos não operados vasoespasmo pode ser confirmado ou feito na fase subclínica
precocemente. Geralmente ocorre nos primeiros 7 dias, por meio do Doppler transcraniano, que deve ser realizado
principalmente nas primeiras 24-48h. A estratégia de diariamente no período de risco para o vasoespasmo.
intervenção precoce reduz drasticamente este percentual. Na
impossibilidade do procedimento, indica-se controlar a PA do Hidrocefalia hiperbárica: Ocorre em 15% dos casos, devido à
paciente, já que a hipertensão arterial está associada a um obstrução do sangue (ação da fibrina) do fluxo de líquor
maior risco de ressangramento. Trata-se de uma complicação intraventricular (hidrocefalia obstrutiva) ou das granulações
grave (60% de mortalidade). aracnoides de drenagem liquórica (hidrocefalia não obstrutiva).
A conduta é a derivação ventricular externa (DVE) em todo
Vasoespasmo cerebral: ocorrem isquemia e infarto cerebral paciente sintomático ou quando a hidrocefalia não reverte em
sintomáticos em cerca de 30% dos pacientes (embora até 70% 24h. A DVE deve ser trocada a cada 4 dias para evitar a infecção.
tenham sinais de vasoespasmo à arteriografia), sendo este o Um segundo tipo de hidrocefalia pode ocorrer – a hidrocefalia
grande responsável pelo mau prognóstico neurológico da HSA. O normobárica (síndrome de Rakin-Adams): é do tipo não
sangue (e seus produtos de lise), em contato com as artérias do obstrutiva e manifesta-se como sequela tardia da HSA. A
polígono de Willis, pode provocar vasoespasmo arterial, síndrome clínica é a tríade demência, apraxia da marcha e
acarretando isquemia e, algumas vezes, infarto (AVE isquêmico). descontrole esfincteriano. É tratada com derivação
As artérias que se originam no polígono de Willis são calibrosas e ventriculoperitoneal (DVP).
de importância significativa, como a cerebral média e a cerebral
anterior. O vasoespasmo se instala entre 0 3º e o 14º dia (mais Hiponatremia: Distúrbio eletrolítico muito comum nas primeiras
comumente em torno do 7ºdia), manifestando-se com déficit 2 semanas da HSA. Existem duas causas diferentes (embora
neurológico flutuante ou persistente. A isquemia no território da possam vir associadas) de hiponatremia na HSA: 1) SIAD, pelo
cerebral média promove hemiparesia, hemianopsia, afasia, entre aumento excessivo do ADH e retenção de água livre; 2)
outros sintomas. Nos casos mais graves, a TC e a RNM cerebropatia perdedora de sal, pela liberação de peptídeos
demonstram grande infarto cerebral com edema. Para natriuréticos (BNP, ANP) – esta síndrome é diferenciada da SIAD
prevenção do vasoespasmo, é indicado manter o paciente pela presença de hipovolemia (a SIAD é euvolêmica). O
hidratado, e evitar a hipotensão arterial. Se o aneurisma estiver tratamento da cerebropatia perdedora de sal é a reposição de
clipado ou embolizado é possível deixar a pressão arterial se soro fisiológico (a restrição hídrica é proscrita, por agravar o
elevar (ex.: 160x100mmHg) – isso reduz pronunciadamente o

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déficit volêmico e a isquemia), enquanto a terapia da SIAD produto da degradação da hemoglobina liberada. Um líquor
normalmente necessita de reposição salina hipertônica a 3%. sanguinolento pode ser indicativo de acidente de punção ou HSA
– uma maneira de diferenciar as duas situações é a contagem de
Diagnóstico hemácias em tubos diferentes de coleta (redução significativa no
último tubo).
O número de erros de diagnóstico da HSA é alto, Passadas 3 a 4 semanas, tanto a TC quanto a punção
chegando a mais de 30% em alguns estudos, e é essencialmente lombar tendem a ser normais.
devido à ausência de solicitação de TC para investigação de Feito o diagnóstico de HSA, é indicado submeter o
cefaleia interpretada como "benigna", ou porque os sintomas são paciente à neuroimagem para identificar a fonte do
mascarados por perturbação inicial de consciência, ou própria sangramento. Neste caso o exame de eleição é a RNM. Nos casos
confusão do paciente. O largo espectro de apresentação clínica de suspeita de aneurisma, o padrão-ouro é a Angiografia
da HSA também colabora para o subdiagnóstico, gerando graves convencional de 4 vasos (duas carótidas e duas vertebrais). Em
repercussões. caso de suspeita de fístula ou má formação arteriovenosa (MAV)
Precisamos, portanto, de um bom conhecimento de suas se recomenda incluir o estudo das carótidas externas. A ângio-
formas de apresentação e um alto nível de suspeição clínica TC e a ângio-RNM são opções razoáveis à angiografia
diante de qualquer dor de cabeça de início súbito, com ou sem convencional, sendo que a ângio-TC pode ser feita imediatamente
outros sintomas. após a TC sem contraste, sem necessidade de transporte do
Diante da suspeita clínica de HSA, o paciente deve ser paciente, o que, sem dúvida, é uma vantagem importante, já que
imediatamente encaminhado a um centro especializado e na maioria dos casos de HSA estamos lidando com um paciente
adequadamente equipado. grave. A ângio-TC e a ângio-RNM são muito sensíveis para
O estudo diagnóstico de escolha é a TC sem contraste. O aneurismas de vasos do Polígono de Willis maiores que 5mm de
rendimento diminui com a passagem do tempo, de modo que a diâmetro. Se um primeiro estudo angiográfico for negativo, se
sensibilidade é de 95% até 72h do evento, caindo para 60% no recomenda repeti-lo em duas semanas, exceto na HSA
quinto dia. O exame demonstra presença de sangue no espaço perimesencefálica.
subaracnóideo. Os estudos sonográficos são úteis para o diagnóstico e
seguimento do vasoespasmo.
Se recomenda o rastreio em pessoas com ao menos dois
familiares com aneurismas, dos 18 aos 80 anos, com uma ângio-
RNM a cada 7 anos.

Prognóstico

A letalidade é de 45% no primeiro mês, sendo que 10%


dos pacientes morrem antes de chegar ao hospital. Metade dos
sobreviventes apresenta déficit neurológico irreversível.
HSA, com presença de conteúdo hemático (hiperdenso) nos sulcos O prognóstico é bastante dependente dos critérios
corticais temporais (1), cisterna sylviana (2) e tenda do cerebelo (3). clínicos á admissão.
A graduação de Hunt-Hess, obtida na admissão permite
Se a TC for negativa e a suspeita clínica persistir está quantificar a gravidade da condição clínica e é a mais usada.
indicada a punção lombar – teste padrão ouro para a HSA. O Outro escore prognóstico, proposto pela World
achado mais sugestivo é a xantocromia (cor amarelada) do Federation of Neurosurgical Societies (WFNS), também é
sobrenadante do líquor centrifugado, que pode ser observada já amplamente utilizado na prática médica. As graduações são
nas primeiras 12 horas da HSA, permanecendo por até 1 a 4 parecidas com o Hunt-Hess.
semanas. O aspecto xantocrômico é proveniente da bilirrubina – A quantidade de sangue subaracnóideo é um importante

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fator prognóstico, principalmente por indicar o risco de Tratamento


vasoespasmo, e pode ser estimada na TC de crânio não
contrastada, através da escala de Fisher. O principal objetivo do tratamento da HSA é colocar o
paciente nas melhores condições clínicas possíveis para que se
Escala de Hunt-Hess possa proceder a exclusão da circulação do aneurisma roto com
as máximas garantias. Assim, nestes casos, e naqueles em que
Ausência de sintomas, cefaleia leve ou rigidez de não existe qualquer etiologia do aneurisma, o objetivo é evitar o
Grau I
nuca leve.
aparecimento de duas das suas principais complicações
Cefaleia moderada a severa, rigidez de nuca, neurológicas: ressangramento e vasoespasmo, além de
Grau II
paralisia de pares cranianos. combater o próprio vasoespasmo, caso este já esteja instalado.
Grau III Obnubilação, confusão, déficit motor leve. Da mesma forma, o tratamento também se baseia em
estratégias para lidar com outros problemas associados a esta
Grau IV Torpor, déficit focal importante. doença, como cefaleia, edema cerebral e surgimento potencial
de convulsões e manifestações de natureza sistêmica, tais como
Grau V Coma, postura de descerebração. distúrbios iônicos (hiponatremia por síndrome da perda de sal ou
por síndrome da secreção inadequada de hormônio antidiurético
e hipernatremia por diabetes insipidus), complicações cardíacas
(arritmias, infarto do miocárdio ou síndrome de Tako-Tsubo),
gastrointestinais (hemorragia digestiva) ou respiratórias
Escala da WFNS (síndrome da angústia respiratória, edema pulmonar
Grau I Glasgow 15; sem déficit motor. neurogênico ou tromboembolia pulmonar).
Diante de suspeita clínica de HAS, o paciente deve ser
Grau II Glasgow 13-14; sem déficit motor. encaminhado imediatamente a um centro especializado para uma
melhor gestão e tratamento. Todos os pacientes com HAS devem
Grau III Glasgow 13-14; com déficit motor. ser assistidos preferencialmente em hospitais que disponham de
neurologista, neurocirurgião, intervencionista neurovascular, TC,
Grau IV Glasgow 7-12; com ou sem déficit motor. RNM, angiografia digital, unidade de AVE e UTI. Aqueles hospitais
que tratam um baixo volume de pacientes (por exemplo, <10
Grau V Glasgow 3-6; com ou sem déficit motor.
casos HAS aneurismáticos por ano) devem considerar
encaminhamento precoce de pacientes para centros que
atendem um volume mais elevado (por exemplo, > 35 casos de
HSA aneurismáticos por ano). Recomenda-se exclusão precoce
Escala de Fisher da circulação do aneurisma pela técnica endovascular ou
cirúrgica para evitar ressangramentos e melhorar a gestão de
Ausência de sangramento cisternal; diagnóstico
Grau I potenciais complicações. Trabalhos recentes recomendam
pela punção lombar.
realizar a exclusão da circulação do aneurisma nas primeiras 24
Sangramento difuso fino, < 1mm em cisternas
Grau II horas.
verticais.
O ressangramento é uma complicação muito séria que
Coágulo cisternal espesso, > 1mm em cisternas
Grau III corresponde a uma taxa de mortalidade de 50-70%, sendo
verticais.
fundamental em um paciente que se apresente com HSA, uma vez
Hematoma intraparenquimatoso, hemorragia estabilizado, evitar a possibilidade de ressangramentos da
Grau IV
intraventricular, sangramento ± difuso. ruptura do aneurisma. O período de maior risco de
ressangramento é nas primeiras 24 horas após o episódio e
ocorre em 4% dos pacientes. Nos 14 dias seguintes o risco

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cumulativo de sangramentos permanece em torno de 15-25%, o entre 10 e 20 casos por 100.000 habitantes. Além de mais
que subsequentemente diminuiu para 0,5% / dia para os dias 15 incidente em idosos e indivíduos do gênero masculino, é também
a 30. Quanto mais precoce o tratamento do aneurisma, menos influenciada por fatores raciais, sendo mais frequente em
riscos o paciente irá correr, e a administração de outras afrodescendentes, hispânicos, latinos e asiáticos, quando
complicações pode ser feita com maior intervalo de confiança comparados à população caucasiana. Em registros japoneses, a
(como no caso do tratamento de vasoespasmo ou incidência anual de HIC chega a 55 por 100.000 habitantes. Em
hipotensão). Os fatores de risco ressangramento são: o atraso geral, a mortalidade em 30 dias dos pacientes com HIC varia
na admissão e no início do tratamento, PAS> 160 mmHg (porém, entre 30 e 45,4 % e a mortalidade em 1 ano é de até 63,6%.
está mais relacionado a alterações na pressão arterial, do que a
um valor determinado) e precário estado neurológico na Fatores de Risco
admissão. Se recomenda a monitorização do paciente e
utilização de terapia anti-hipertensiva de meia-vida curta, tais Os fatores de risco não modificáveis mais conhecidos
como labetalol em casos de elevação tensional. Deve-se evitar para HIC são: idade avançada, raça negra, orientais e gênero
uma situação de hipotensão que favoreça complicações masculino.
isquêmicas, que podem ser promovidas pela presença de Os fatores de risco modificáveis são:
vasoespasmo. Hipertensão arterial - A hipertensão arterial sistêmica
A exclusão do aneurisma da circulação cerebral pode ser (HAS) é o principal fator de risco para HIC, estando presente em
feita, quer por tratamento endovascular ou por tratamento 70 a 80% dos pacientes com este tipo de AVC. O tratamento
cirúrgico. No International Subarachnoid Aneurysm Trial (ISAT), anti-hipertensivo é capaz de levar a uma redução de
se comparam o tratamento cirúrgico e o endovascular para o aproximadamente 41% do risco relativo de AVC (incluindo HIC)
tratamento de aneurisma roto. Os seguintes dados foram para uma redução de apenas 10 mmHg da pressão arterial
observados sobre o tratamento cirúrgico frente ao sistólica ou 5 mmHg da diastólica.
endovascular: mortalidade 8,1 vs 10,1% ; deficiência 15,6 em Angiopatia amiloide - A angiopatia amiloide cerebral se
comparação com 21,6% ; morbidade 23,5 vs 30,9% ; maiores deve ao depósito de proteína beta-amiloide na parede das
taxas de ressangramento e menores taxas de oclusão completa artérias cerebrais de pequeno e médio calibre, localizadas,
no grupo endovascular, e maior taxa de epilepsia no grupo sobretudo, na superfície cortical e leptomeníngea. Sua incidência
cirúrgico. Atualmente se considera a terapia endovascular como aumenta com a idade e está presente em 80 a 98% das
primeira escolha, se o aneurisma for abordável por esta necropsias de indivíduos com doença de Alzheimer. A angiopatia
técnica. Caso contrário, é possível optar pela clipagem do amiloide é um fator de risco para HIC lobar, sobretudo nos lobos
aneurisma, ou o uso de terapias combinadas. Em pacientes que parietal e occipital, particularmente nos pacientes com idade
sofreram embolização, se realizam controles angiográficos superior a setenta anos.
periódicos (com 6 meses, um ano e 2 anos) para re-embolização Tabagismo - O risco de AVC, incluindo HIC, é
nos casos em que tenha havido uma reabertura do colo do aproximadamente duas e meia vezes maior em tabagistas do que
aneurisma. em indivíduos que não fumam.
É indicado que o paciente fique acomodado em um ambiente Álcool - Diversos estudos indicam que o consumo de
tranquilo e com a cabeça a 30◦ para facilitar a drenagem álcool é um dos principais fatores de risco para HIC. Um episódio
venosa. É importante evitar a produção de esforços que causem de sangramento intracraniano espontâneo também parece ser
aumento na pressão intracraniana (tratamento sintomático de precipitado pelo consumo de quantidades moderadas ou grandes
tosse, náuseas, vômitos e prisão de ventre). de álcool nas 24 horas que antecedem ao ictus.
Coagulopatias - Diversas coagulopatias primárias e
2. Hemorragia Intracerebral Intraparenquimatosa secundárias aumentam o risco de HIC. Com a necessidade
crescente do uso de antiagregantes e anticoagulantes orais para
A HIP é uma doença comum, responsável por 10-20% dos prevenção de eventos aterotrombóticos e tromboembólicos, tem
acidentes vasculares encefálicos. A incidência média anual varia sido observado um aumento dos casos de HIC secundárias a

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estas medicações. O uso de anticoagulantes orais aumenta o


risco de HIP cerca de 8 a 10 vezes em relação a pacientes de
mesma idade não submetidos à anticoagulação. Adicionalmente, o
uso prévio de drogas antiplaquetárias também está associado,
de forma independente, ao aumento do risco de HIP e ao
crescimento do hematoma intracerebral, medido na tomografia
controle no segundo dia de hospitalização. O uso de trombolíticos
para o tratamento de AVC isquêmico agudo ou infarto agudo do
miocárdio (IAM) também está associado a um aumento do risco
de HIP.
Simpaticomiméticos - O uso de fármacos ou drogas
com atividade simpaticomimética, tais como fenilpropanolamina,
cocaína, anfetaminas ou efedrina, também aumenta o risco de
HIP.
Outros - Outros fatores, menos estabelecidos, também
foram apontados como relevantes para o risco de HIP. Dentre
estes, são citados: obesidade, perfil lipídico e fatores genéticos,
tais como a mutação no gene que codifica a subunidade α do
fator XIII da coagulação. O real efeito do perfil lipídico sérico
sobre o risco de HIP ainda é controverso e necessita de melhor
avaliação por meio de estudos com desenho mais apropriado.

Etiologia

De acordo com a etiologia do sangramento, a HIP pode


ser classificada como primária (80-85% dos casos) ou
secundária (15-25% dos casos). Denomina-se HIP primária
quando esta resulta da ruptura de pequenos vasos cronicamente
danificados pela HAS, ou está associada à angiopatia amiloide.
Em contrapartida, a HIP é considerada secundária quando está
relacionada à ruptura de aneurismas ou malformações
arteriovenosas cerebrais, à anticoagulação oral, drogas
antiplaquetárias, coagulopatias, cirrose hepática, neoplasias,
vasculites, trauma, doença de Moya-Moya, trombose venosa
cerebral, eclampsia, entre outras causas.

Manifestações Clínicas

O sangramento dentro do parênquima cerebral é indolor.


Portanto, a HIP usualmente se apresenta como surgimento
rápido de um déficit neurológico focal (hemiparesia, hipoestesia
unilateral, hemianopsia, afasia, etc.) de início brusco e que
progride nos minutos a horas seguintes. Os sintomas dependem
da região cerebral acometida. Embora frequente, cefaleia não é Etiologia da HIP.
um sintoma presente em todos os casos e costuma estar

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presente quando a HIP se acompanha de irritação meníngea por em T2 ou T2.


hemorragia subaracnóidea associada, ou por aumento da Pacientes com HIP de localização atípica ou com idade
pressão intracraniana. Vômito é um sintoma típico de HIP, abaixo de 45 anos (independentemente da presença de HAS)
geralmente relacionado ao aumento da pressão intracraniana ou devem ser submetidos ao estudo angiográfico para investigação
distorção de estruturas cerebrais. Apesar das diversas de causas secundárias como MAV, aneurismas, fístulas,
tentativas de diferenciar clinicamente hemorragia supratentorial trombose de seio venoso e vasculites. A angiografia por cateter
de AVE isquêmico, esta distinção não é confiável e um exame de é o método de escolha para identificação de malformações
neuroimagem é fundamental para a confirmação do diagnóstico. arteriais de alto fluxo, quando o hematoma pode atrapalhar a
Idealmente os pacientes com HIP devem ser avaliados através de identificação pela angiografia por TC. Angiografia por TC ou RM
escalas clínicas padronizadas como a escala de coma de Glasgow com uso de gadolínio são alternativas menos invasivas com boa
e a escala de AVC do National Institutes of Heath (NIH). sensibilidade quando comparadas à angiografia convencional.
Estas técnicas são usualmente escolhidas para investigação de
Neuroimagem trombose de seio venoso como causa de HIP.

A confirmação do diagnóstico é geralmente obtida pela


tomografia computadorizada (TC) de crânio, cuja elevada
sensibilidade para o diagnóstico de HIP já foi demonstrada em
diversos estudos.
Em linhas gerais, a TC de crânio permite a diferenciação
entre três grandes grupos de HIP: lobares, profundas e de fossa
posterior. Alguns achados tomográficos podem sugerir a
etiologia do sangramento. Por exemplo, hematoma hipertensivo é
o diagnóstico mais provável quando a hemorragia está localizada
nos núcleos da base; suspeita-se de angiopatia amiloide quando
existe um ou mais hematomas lobares associados à
leucoaraiose; ruptura de aneurisma é sugerida pela presença de
sangue no espaço subaracnóideo; uma HIP por coagulopatia pode
se acompanhar de níveis de fluidos dentro do hematoma e, nas
hemorragias traumáticas, costumam-se encontrar contusões e
fraturas ósseas associadas.
A ressonância magnética (RM) tem sensibilidade e Hematoma intraparenquimatoso profundo, com sangramento no tálamo
especificidade comparáveis às da TC para o diagnóstico de HIP esquerdo, havendo drenagem para o sistema ventricular, associado a
na fase aguda, porém, devido ao custo mais elevado, é hidrocefalia.
geralmente reservada para acompanhamento dos pacientes, ou
realizada quando há suspeita de etiologia não hipertensiva
(cavernomas, angiopatia amiloide, neoplasias). Evolução e Prognóstico
O aspecto do sangramento na RM depende de diversas
variáveis técnicas e biológicas, tais como: intensidade do campo Deterioração neurológica é frequente em pacientes com
magnético, sequências utilizadas (T1, T2, e T2* eco-gradiente) e HIP. Em estudo que avaliou 98 pacientes com HIP, Moon et al.
idade do hematoma. Como regra geral, o hematoma hiperagudo é observaram que 22% dos pacientes apresentaram piora média
isointenso em T1, hiperintenso em T2 e hipointenso em T2*. Após de seis pontos na escala de coma de Glasgow, ainda durante o
o sétimo dia, ocorre degradação de hemoglobina em atendimento pré-hospitalar. Deterioração neurológica intra-
metahemoglobina que aparece hiperintensa em T1 e T2. Na fase hospitalar ocorre em até um terço dos pacientes com HIP que
crônica, o sinal baixo da hemossiderina é mais bem visualizado não estão comatosos no momento da admissão.

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Apesar dos avanços diagnósticos e terapêuticos Tratamento


alcançados nas últimas décadas em relação às doenças
cerebrovasculares, o prognóstico da HIP continua sendo Não existe ainda um tratamento específico para HIP. A
dramático, com elevadas taxas de mortalidade e incapacidade. abordagem pré-hospitalar e na sala de emergência de um
De fato, estima-se que 35 a 52% dos pacientes com HIP evoluam paciente com AVE hemorrágico não difere daquela dispensada ao
para o óbito ao final do primeiro mês, sobretudo nos primeiros paciente com AVE isquêmico e deve ser direcionada para:
dias. avaliação das vias aéreas, dos parâmetros respiratórios e
Os fatores que mais reconhecidamente conferem hemodinâmicos, temperatura e detecção de sinais neurológicos
prognóstico ruim para os pacientes com HIP são: volume inicial focais. Deve-se atentar para sinais externos de trauma e suas
da hemorragia maior que 30 cm3, rebaixamento do nível de complicações, além da verificação da glicemia capilar.
consciência à admissão, sangramento intraventricular, idade Idealmente, após a realização do exame de neuroimagem,
avançada e localização primariamente infratentorial. O os pacientes com HIP devem ser rapidamente encaminhados
crescimento precoce do hematoma também se associa de forma para leitos monitorizados em uma unidade de AVE ou em leitos de
independente a uma maior mortalidade e pior prognóstico terapia intensiva pela gravidade e instabilidade desta condição,
funcional. Não obstante, ainda é controverso se o uso prévio de elevada frequência de hipertensão intracraniana, emergências
fármacos antitrombóticos pode estar associado a um maior hipertensivas e necessidade de suporte ventilatório invasivo. Um
crescimento do hematoma e maior mortalidade. estudo observacional recente sugere que a admissão de
Dentre as diversas escalas criadas para estimar o pacientes com HIP em unidades de terapia intensiva neurológicas
prognóstico precoce dos pacientes com hemorragia cerebral, o está associada a uma menor letalidade da doença quando
escore de HIP é a mais utilizada, devido a sua grande praticidade comparadas a unidades convencionais. O estado neurológico do
e fácil aplicação. Esta escala estratifica o risco de mortalidade paciente deve ser seguido e reavaliado em intervalos curtos
em 30 dias com uma pontuação que se situa entre zero e seis. utilizando escalas neurológicas padronizadas, como a escala de
No estudo original, a mortalidade em 30 dias do grupo que AVC do NIH (NIHSS, do inglês National Institutes of Heath Stroke
recebeu escore zero foi de 0%, e aumentou progressivamente Scale), a escala de coma de Glasgow e escore de HIP.
com o número de pontos. Pacientes com pontuação maior ou
igual a quatro apresentaram praticamente 100% de mortalidade Pressão arterial. HAS é comum na fase aguda de HIP e
em 30 dias. está associada com alto risco de piora clínica, morte ou
Em estudo realizado na cidade de São Paulo, Valiente et incapacidade. PA elevada após HIP é comum e pode ser um
al. encontraram uma correlação entre o prognóstico a curto marcador de hipertensão arterial basal. Também pode refletir
prazo e o intervalo entre o início dos sintomas e a admissão na dor ou agitação associada, ou servir como uma resposta
emergência. Neste estudo, pacientes admitidos nas primeiras 3 compensatória ao dano ou efeito de massa associada.
horas do início dos sintomas, apresentaram níveis pressóricos Hipertensão persistente suscita preocupações em termos de
mais elevados na admissão, maior pontuação na escala do NIH e extensão da hemorragia, enquanto que a redução PA levanta
no escore de HIP, menor pontuação na escala de coma de preocupações de deterioração neurológica de hipoperfusão
Glasgow e maior mortalidade em comparação com pacientes perilesional. A monitorização da pressão arterial (PA) pode ser
admitidos após 3 horas do início dos sintomas. realizada de forma não invasiva e intermitente com um
A mortalidade da HIP alcança 60 a 80% dos casos em até dispositivo de insuflação automática. Entretanto, a monitorização
dois anos após o evento e somente 20% dos pacientes invasiva intra-arterial é sugerida quando a infusão contínua de
recuperam a independência funcional em seis meses. Os medicações anti-hipertensivas for necessária. Em linhas gerais,
principais fatores preditivos de mortalidade passados os o tratamento da HAS deve ser mais agressivo do que no AVE
primeiros dias são: rebaixamento do nível de consciência na isquêmico e deve ser instituído tão logo que possível, com o
admissão, gravidade do déficit neurológico, idade avançada, objetivo teórico de evitar a expansão do sangramento.
localização e volume do sangramento. Entretanto, a redução excessiva dos níveis pressóricos pode
acarretar diminuição da pressão de perfusão cerebral (PPC).
Portanto, o tratamento da HAS deve ser implementado de acordo

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com características individuais de cada paciente, considerando a HIC, a administração de rFVIIa, nas primeiras quatro horas do
presença de antecedente de HAS crônica, aumento da PIC, idade, início dos sintomas, na dose de 80 μg/kg, diminuiu a expansão do
causa provável da hemorragia e intervalo de tempo decorrido hematoma cerebral em 3,8 mL quando comparado ao placebo
desde início dos sintomas. (11% versus 26%). Entretanto, a evolução clínica dos pacientes
Ensaios clínicos randomizados com o objetivo de avaliar foi discretamente pior no grupo tratado, achados que foram
se o tratamento com redução mais agressiva da PA (ou seja, atribuídos, entre outros motivos, à maior presença de
objetivando manter a PA média abaixo de 110 mmHg ou a PA hemorragia intraventricular no grupo tratado do que no grupo
sistólica abaixo de 140 mmHg) traz benefício ao paciente na fase placebo. Apesar deste resultado negativo, é provável que outros
aguda de HIC estão em andamento. Até que estas evidências estudos sejam elaborados nos próximos anos com o objetivo de
estejam disponíveis, sugere-se que o tratamento para valores de explorar o efeito hemostático do rFVIIa.
PA sistólica acima de 180 e PA média (PAM) acima de 130 mmHg,
visando a atingir uma PA próxima de 160/90 mmHg (ou PAM Reversão da anticoagulação oral. A terapia
inferior a 110 mmHg). Nos pacientes com hipertensão anticoagulante com antagonistas da vitamina K (warfarina)
intracraniana, a PA sistólica deve ser mantida acima de 90 aumenta em 5 a 10 vezes o risco de HIP. De fato,
mmHg e, idealmente, deve-se utilizar a monitorização da PIC aproximadamente 15% das HIP estão associadas com o uso de
para manter a PPC (PPC=PAM-PIC) acima de 60-80 mmHg. anticoagulantes. Pacientes com HIP em uso de warfarina devem
Algumas medicações comumente usadas para o receber imediatamente plasma fresco congelado (PFC) ou
tratamento anti-hipertensivo na fase aguda de HIP são concentrado de complexo protrombínico (CCP) e vitamina K, para
metoprolol, diltiazen ou esmolol, já que o labetalol e nicardipina normalização do tempo de protrombina aferido por meio da
não são disponíveis para uso no Brasil. Para casos mais graves razão normatizada internacional ou INR (do inglês, International
ou refratários, pode-se utilizar a infusão intravenosa de Normalized Ratio) para valores menores que 1,4. Este tratamento
nitroprussiato de sódio, com atenção para um potencial aumento não deve ser adiado até a chegada dos resultados dos testes
da PIC por esta medicação. Os medicamentos anti-hipertensivos laboratoriais da coagulação. O CCP é um concentrado de fatores
por via oral devem ser instituídos e titulados assim que possível. da coagulação vitamina K-dependentes (II, VII, IX e X), que parece
normalizar o INR mais rapidamente do que o PFC e pode ser
Hipertensão intracraniana. A frequência exata de utilizado em menores volumes. O rFVIIa pode ser usado para
aumento sintomático da PIC em pacientes com HIP é reverter a anticoagulação com warfarina em pacientes com HIP,
desconhecida. Pacientes com hemorragias pequenas antes de procedimento cirúrgico, já que uma única dose desta
provavelmente não necessitam de medidas específicas para medicação parece ser capaz de normalizar rapidamente o INR.
controle da PIC. Por outro lado, pacientes comatosos com sinais
de hipertensão intracraniana podem se beneficiar de medidas, Drogas antiepilépticas. Cerca de 8% dos pacientes com
como elevação da cabeceira a 30 graus, analgesia, sedação, HIP apresentam crises epilépticas nos primeiros 30 dias do
doses moderadas de manitol a 20%, solução salina hipertônica e ictus; são principalmente casos com hematomas lobares. Estado
hiperventilação para atingir PaCO2 entre 28 e 32 mmHg. de mal epiléptico acontece em 1 a 2% dos casos de HIP. Dentre
Entretanto, não há evidências definitivas sobre o benefício do uso os pacientes torporosos e comatosos, até 28% apresentam
destas terapias para pacientes com HIP até o momento. Um crises subclínicas ou estado de mal epiléptico não-convulsivo na
estudo que avaliou o uso de corticosteróides (dexametasona) em monitorização eletroencefalográfica contínua; de fato, esta
pacientes com HIP não mostrou benefícios e revelou um aumento atividade ictal está associada com deterioração neurológica 93. O
no risco de infecções. tratamento de crises epilépticas ou estado de mal epiléptico por
HIP deve ser prontamente instituído com medicações
Terapia hemostática. O fator VII ativado recombinante intravenosas, de forma semelhante à do estado de mal epiléptico
(rFVIIa) é um potente ativador da cascata da coagulação que tem por outras etiologias.
sido utilizado em pacientes com hemofilia grave resistentes à A despeito da falta de evidência por estudos
terapia com fator VIII. Em um estudo de fase III, randomizado, randomizados, recomenda-se o tratamento profilático com
duplo-cego e placebo-controlado, que incluiu 841 pacientes com anticonvulsivantes em pacientes torporosos e comatosos, em

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pacientes com hemorragias lobares e naqueles em que existam quadro neurológico. Pacientes jovens com pontuação na escala
sinais de hipertensão intracraniana. As drogas mais de coma de Glasgow entre nove e doze, com hematomas lobares
recomendadas para este fim são fenitoína e fenobarbital, que volumosos e em até 1 cm da superfície do córtex cerebral, são
devem ser mantidas em níveis séricos terapêuticos durante um aparentemente mais beneficiados por uma intervenção cirúrgica
mês e, posteriormente, retiradas de forma gradual. precoce. Ademais, em pacientes com hemorragia cerebelar de
volume superior a 3 cm, que apresentem deterioração
Controle da temperatura. A temperatura corporal deve neurológica, sinais de herniação, compressão do tronco
ser mantida em níveis normais. Febre é comum em pacientes encefálico ou hidrocefalia, a craniectomia descompressiva de
com HIP, principalmente quando há hemorragia intraventricular, fossa posterior e drenagem do hematoma devem ser realizadas
e deve ser investigada e tratada agressivamente. Embora não o mais brevemente possível.
existam estudos randomizados que avaliaram especificamente o Além do efeito de massa pelo hematoma, a presença de
controle da temperatura em pacientes com HIP, sugere-se hidrocefalia pode contribuir substancialmente para o aumento da
usualmente a utilização de acetaminofeno ou dipirona. Em casos PIC em pacientes com AVE hemorrágico. Assim, uma derivação
mais refratários, pode ser necessária a associação de ventricular externa pode ser necessária durante o período
antiinflamatórios não esteroidais, métodos físicos externos e crítico de elevação da PIC, não devendo esta exceder sete dias
resfriamento ativo interno (cateteres intravasculares de devido ao risco de infecção. Não existem, entretanto, estudos que
resfriamento), embora tais métodos ainda não tenham sido comparem diferentes tipos de drenagem entre si, ou com o
investigados adequadamente quanto a sua eficácia e segurança tratamento conservador para a hidrocefalia relacionada a HIP.
nesta condição clínica. Outros procedimentos clínicos e cirúrgicos para HIP
estão sendo atualmente testados em estudos multicêntricos, tais
Profilaxia de trombose venosa profunda. Pacientes
como: craniectomia descompressiva e hipotermia (HyDeH trial),
com AVE hemorrágico estão sob elevado risco de trombose
cirurgia minimamente invasiva (MISTIE Trial), drenagem precoce
venosa profunda (TVP) e tromboembolismo pulmonar.
de hematoma lobar (STICH II trial), drenagem da hemorragia
Idealmente, dispositivos de compressão pneumática de membros
intraventricular por infusão contínua de TPA (CLEARIVH trial),
inferiores devem ser utilizados desde a admissão. O uso da
entre outros. É provável que nos próximos anos, com o
heparina não fracionada subcutânea profilática (5000 unidades
desenvolvimento das técnicas neurocirúrgicas e com a
três vezes ao dia) parece ser seguro após 48 horas do evento
possibilidade de intervenção cirúrgica ainda mais precoce, a
vascular cerebral em um pequeno estudo prospectivo. A
aplicabilidade do tratamento neurocirúrgico seja revista.
enoxaparina na dose de 40 mg/dia parece uma alternativa
comparável, mas ainda não estudada. A decisão de manter a
terapia antitrombótica profilática prolongada deve ser pesada
em relação ao risco de novo sangramento e individualizada de
acordo com a idade do paciente, causa da hemorragia
(angiopatia amiloide tem maiores taxas de recorrência precoce),
controle da hipertensão arterial e condições associadas (por
exemplo, fibrilação atrial).

Tratamento cirúrgico. As indicações de tratamento


cirúrgico para drenagem do hematoma intracerebral ainda são
divergentes entre vários centros de referência. Recentemente,
um estudo multicêntrico randomizado que incluiu 1033 pacientes
com HIP não mostrou benefício no tratamento cirúrgico nas
primeiras 72 horas, em relação ao tratamento clínico. Em sua
maioria, estes pacientes devem ser tratados clinicamente e
encaminhados à cirurgia, caso apresentem deterioração do

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Capítulo IV
PARKINSON E
PARKINSONISMO

INTRODUÇÃO etiopatogênicos como: fatores genéticos, neurotoxinas


ambientais, estresse oxidativo, anormalidades mitocondriais e
A Doença de Parkinson (DP) foi descrita, pela primeira
excitotoxicidade.
vez, em 1817, pelo médico inglês James Parkinson, em sua
A DP tem caráter degenerativo e é caracterizada pela
principal obra “Um Ensaio sobre a Paralisia Agitante”, no qual
perda progressiva de neurônios da parte compacta da
descreveu os principais sintomas de uma doença que
substância negra, situada no mesencéfalo. A degeneração nesses
futuramente viria a ser chamada pelo seu nome. Sua origem
neurônios é irreversível e resulta na diminuição da produção de
neuroquímica foi descoberta nos anos 60 por Hornykiewicz, que
dopamina, que é um neurotransmissor essencial no controle dos
mostrou que o conteúdo de dopamina da substância nigra e do
movimentos.
corpo estriado (via nigroestriatal, responsável por cerca de 75%
A deficiência dopaminérgica leva a alterações funcionais
da dopamina cerebral), em cérebros post mortem de pacientes
no circuito dos núcleos da base (estruturas localizadas
com DP, era extremamente baixo (geralmente menos de 10% do
profundamente no cérebro e envolvidas no controle dos
normal). Infelizmente, os sintomas da DP aparecem somente
movimentos), provocando o aparecimento dos principais sinais e
quando o conteúdo de dopamina do corpo estriado diminuiu ao
sintomas da doença.
redor de 80% do normal.
Atualmente, é possível dividir os fatores etiopatogênicos
A DP é a segunda doença neurodegenerativa mais
da DP em:
frequente em todo o mundo, sendo apenas superada pela Doença
de Alzheimer, mas a sua epidemiologia exata não tem sido fácil
1. Ações de neurotoxinas ambientais
de determinar, uma vez que os estudos publicados apresentam
grande heterogeneidade metodológica.
Esta ação foi considerada após a ocorrência fortuita de
Já está claro o vínculo entre envelhecimento e maior
parkinsonismo na década de 70 em usuários norte-americanos
risco de desenvolver Parkinson. Para se ter uma ideia, quando
de certa amostra contaminada de heroína injetável com MPTP.
consideramos indivíduos com mais de 60 anos de idade a
Tal substância, após oxidação, destrói seletivamente os
prevalência de DP é cerca de 7 vezes maior. A DP raramente
neurônios produtores de dopamina da substância negra
inicia antes dos 30 anos de idade e, em tais casos, há associação
mesencefálica, em sua porção celular compacta (pars compacta
com formas herdadas geneticamente, cada vez mais bem
da substância negra – SNpc). Além disso, alguns estudos caso-
descritas nos últimos anos em relação às mutações e aos
controle têm encontrado uma maior ocorrência da doença em
padrões de herança. A DP que se inicia antes dos 40 anos de
indivíduos expostos a pesticidas em lavouras. Atualmente, sabe-
idade é chamada de DP de início precoce e, quando iniciada antes
se que uma variedade de agentes tóxicos são reconhecidos como
dos 21 anos, DP Juvenil. Existe discreto predomínio no sexo
causadores de síndromes parkinsonianas, porém suas
masculino (3:2).
características clínicas e patológicas são muito diferentes da DP
clássica. As lesões produzidas por compostos, tais como
FISIOPATOGENIA
dissulfeto de carbono, manganês e solventes orgânicos, a nível
de SNC, são mais amplamente distribuídas do que o dano
A etiologia da doença ainda é obscura e controversa,
encontrado na DP. As características clínicas de rigidez, tremor,
contudo supõe-se que há participação de vários mecanismos

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bradicinesia e instabilidade postural podem estar presentes em ou não são suficientes para compensar os mecanismos
graus variados de gravidade e de combinações, porém outros oxidantes, ocorre dano celular, como destruição de sistemas
achados neurológicos ocorrem concomitantemente e enzimáticos, peroxidação de membranas lipídicas ou alteração
diferenciam essas formas de Parkinsonismo secundário da DP da estrutura do DNA. Radicais livres causam dano celular
idiopática ou parkinsonismo primário. Por exemplo, na através de diversos mecanismos, dos quais a peroxidação de
intoxicação por dissulfeto de carbono, sinais cerebelares, membranas é o mais importante. Injúria oxidativa foi implicada
córtico-espinhais e neuropatia periférica estão presentes. A na patogênese de diversas desordens neurodegenerativa, tais
lesão no parkinsonismo secundário é usualmente distribuída de como a DP.
forma mais difusa e, frequentemente, a lesão responsável pelo A substância negra é rica em dopamina, a qual é oxidada
parkinsonismo está localizada no estriado ou globo pálido, em vez através da ação da monogamia-oxidase para produzir os radicais
de estar restrita à substância negra. Além disso, os corpúsculos livres ânion superóxido e radical hidroxil. Pacientes com DP
de Lewy são raramente encontrados nas formas de teriam sua capacidade redutiva diminuída ou estariam sujeitos a
Parkinsonismo secundário. Uma possível exceção é o MPTP, que um maior estresse oxidativo. Níveis aumentados dos
produz uma síndrome parkinsoniana com seletiva degeneração componentes iniciais da cadeia da peroxidação foram
de neurônios dopaminérgicos da substância negra, e inclusões encontrados na substância negra na DP.
similares aos corpúsculos de Lewy são demonstrados em alguns O ferro está aumentado e a ferritina está diminuída na DO
modelos animais. e, além disso, a neuromelanina, um produto da auto-oxidação da
dopamina, é capaz de formar um complexo com o ferro,
Principal forma de potencializador da geração de radicais livres.
Tóxico Localização da lesão
exposição De qualquer maneira, até o presente momento, não se
Globo pálido, putâmen, sabe se a presença de tais radicais desencadeia o processo de
Cianeto Tentativa de suicídio
núcleo subtalâmico degeneração oxidativa dos neurônios dopaminérgicos da pars
Manganês Mineradores Globo pálido compacta da substância negra ou se estão presentes
Globo pálido e
Dissulfeto Indústria têxtil e de secundariamente à ocorrência de algum outro mecanismo.
substância negra pars
de carbono celofanes Supõe-se que o estresse oxidativo deve atuar na morte celular
reticular
Monóxido Tentativa de suicídio da substância negra; estudos anatomopatológicos confirmam tal
Putâmen teoria, apresentando níveis aumentados de ferro e reduzidos de
de carbono Exposição acidental
Metanol Ingestão intencional Putâmen glutationa. Outro mecanismo da injúria celular oxidativa é a
Ingestão acidental nitração de proteínas, mediada pela peroxidonitrato. Foi
Caudado, substância
n-hexano Exposição no demonstrada a presença de nitrotirosina nos corpúsculos de
negra pars compacta
trabalho Lewy através de imuno-histoquímica, corroborando tal fato.
Principal forma de exposição ambiental e local mais marcante de lesão.
Embora existam evidências consideráveis de que o
estresse oxidativo está presente na DP, não é possível ainda
2. Produção de radicais livres
afirmar se esse evento é causador de todo o processo
patogênico ou se é uma de suas consequências.
O oxigênio desempenha um importante papel nos
processos biológicos devido às suas propriedades oxidativas.
3. Alterações mitocondriais
Entretanto, o oxigênio pode, às vezes, tornar-se um vilão,
causando danos irreparáveis às estruturas celulares através da
A mitocôndria é uma organela celular muito importante
produção de compostos instáveis, o que chamamos de estresse
na produção de energia na forma de ATP. A disfunção
oxidativo. Os efeitos deletérios desses radicais livres são
mitocondrial tem sido implicada na patogênese da DP desde há
compensados pela ação de mecanismos antioxidantes, através
muito tempo. De fato, vários grupos de investigação reportaram
de agentes redutores, como o ácido ascórbico, o tocoferol e a
uma diminuição da atividade do complexo I da cadeia respiratória
glutationa, ou por enzimas removedoras de produtos da
mitocondrial da substância nigra, musculoesquelético, plaquetas
degradação. Quando os mecanismos protetores estão diminuídos

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e linfoblastos de pacientes com DP. No entanto, ainda permanece celular por apoptose. O MPP+ decresce igualmente os níveis de
por provar que esta deficiência no complexo I tem uma relação dopamina no estriado, levando ao aparecimento dos sintomas
de causa-efeito com a perda seletiva de neurônios característicos da DP.
dopaminérgicos, característica desta doença. Um outro potente inibidor específico do complexo I – a
O complexo I é o maior dos macrocomplexos da cadeia rotenona (usado anteriormente como um pesticida) – tem sido
respiratória mitocondrial, e é constituído por 46 subunidades, amplamente estudado, pois é também responsável pela morte
sete das quais são codificadas pelo DNA mitocondrial. As celular dopaminérgica.
restantes 39 subunidades são codificadas por genes nucleares,
importadas para dentro da mitocôndria e conjugadas com as 4. Predisposição genética
restantes subunidades codificadas pelo DNA mitocondrial. Assim,
a atividade do complexo I pode estar disfuncional devido a Foi postulado que a morte dos neurônios da substância
defeitos genéticos no DNA mitocondrial e/ou DNA nuclear ou negra é promovida por uma predisposição genética, ou que esta
ainda por fatores que impeçam ou danifiquem a união das seria responsável por uma maior suscetibilidade a fatores
subunidades que fazem parte do complexo. Foi inclusivamente ambientais ou neurotoxinas endógenas.
reportada a perda de uma subunidade de 8 kDa do complexo I Esta predisposição ocorreria por alterações
mitocondrial em cérebros humanos de doentes de Parkinson. geneticamente herdadas que determinariam a falência do
Esta disfunção pode levar à auto-oxidação das subunidades sistema de degradação proteica ubiquitina-proteossomal, com
catalíticas, conduzindo à disfunção do complexo I, e a uma perda consequente acúmulo de toxinas endógenas.
da função bioenergética da mitocôndria. A contribuição dos fatores genéticos para a patogênese
As primeiras evidências de disfunção mitocondrial da DP é sugerida pela alta concordância em gêmeos
apareceram após observação de um grupo de toxicodependentes monozigóticos, aumento dos riscos entre parentes de pacientes
expostos acidentalmente ao MPTP. Uma vez no cérebro, o MPTP é com DP em estudos de caso e estudos de famílias e pela
metabolizado em 1-metil-4-fenil-2,3-dihidropiridínio (MPDP+) pela existência de casos de DP familiar e parkinsonismo baseados em
monoamina oxidase B (MAO B), que está localizada na membrana mutações genéticas simples.
externa da mitocôndria. Admite-se que 20-25% dos pacientes tenham pelo menos
O MPDP+ é depois espontaneamente oxidado em 1-metil- um parente de primeiro grau com DP e/ou tremor essencial. Em
4-fenilpiridínio (MPP+), a neurotoxina ativa. O MPP+ é algumas dessas famílias, o padrão de herança observado é
internalizado pelos neurônios dopaminérgicos nigroestriatais compatível com transmissão autossômica dominante e
através dos transportadores da dopamina (para os quais o MPP+ penetrância incompleta, mas, na maioria dos casos familiares,
tem uma grande afinidade), localizados nos terminais nervosos não tem sido possível o estabelecimento de padrão reconhecível
do estriado. O MPP+ também se acumula na mitocôndria através de transmissão genética. Entretanto, após análise dos vários
de um mecanismo que envolve o potencial transmembranar estudos de famílias com forte predisposição para parkinsonismo,
mitocondrial, inibindo o complexo I (NADH-quinona ficou claro que a maioria desenvolve um parkinsonismo atípico,
oxidoredutase) e, deste modo, interrompendo o transporte de de início mais precoce que o usual, com rápido desenvolvimento
elétrons. Este processo tem várias consequências prejudiciais dos sintomas, havendo alguns achados incomuns na maioria dos
para a célula, nomeadamente: um aumento da produção de pacientes com Parkinson sem história familiar.
espécies reativas de oxigênio, levando ao estresse oxidativo; um
decréscimo da produção de ATP; um aumento intracelular da 5. Envelhecimento cerebral
concentração de cálcio; excitotoxicidade e danos celulares
relacionados com o aumento de óxido nítrico. A inibição do A SNpc sofre progressiva perda de seus neurônios com o
complexo I da cadeia mitocondrial também resulta na abertura envelhecimento, de magnitude superior a outras regiões
do poro de transição permeável mitocondrial, havendo a encefálicas.
possibilidade de ocorrer libertação de citocromo c, que vai Assim, o envelhecimento é o fator mais consistentemente
desencadear as vias de sinalização que conduzem à morte implicado com um aumento do risco de desenvolvimento da DP. A

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incidência e a prevalência da DP aumentam com a idade. Apesar existência de uma alfa- sinucleína “mutante” (estrutura terciária
disso, é atualmente claro que a doença não é simplesmente modificada) acarretariam o disparo de mecanismos
resultado do envelhecimento: menos de 20% das células neurotóxicos. Assim, têm-se incluído a DP no grupo das
dopaminérgicas morrem com o envelhecimento, ao passo que, na “sinucleinopatias”.
DP, mais de 60% dessas células morrem antes que a doença se Os corpúsculos de Lewy são encontrados em análise post
torne clinicamente evidente. Além disso, existem marcantes mortem em diversas regiões do encéfalo, com especial
diferenças no padrão de morte celular que ocorre na DP e no concentração na substância negra (pars compacta), que, a olho
envelhecimento. O que pode haver é uma maior vulnerabilidade nu, perde sua coloração habitual e se torna pálida.
neuronal com a idade. Outros fatores dependentes do tempo, tais
como duração de exposição a um tóxico ou acúmulo de defeitos QUADRO CLÍNICO
geneticamente determinados não podem ser excluídos.
A DP é a causa mais frequente de “parkinsonismo”. Esta
Tóxicos ambientais Toxinas endógenas designação é fenomenológica e sindrômica, podendo surgir em
Tóxico várias patologias. O parkinsonismo caracteriza-se por:
Metabolismo
ambiental
da Dopamina
comum Acinesia/ bradicinesia: Pobreza de movimentos e lentidão na
iniciação e execução de atos motores voluntários e automáticos,
na ausência de paralisia. Sob esse termo também estão incluídas
Predisposição
a incapacidade de sustentar atos motores repetitivos, a
genética
fatigabilidade anormal e a dificuldade em realizar atos motores
simultâneos. Observa-se pedindo ao doente para fazer
movimentos alternados e repetidos, o mais rápido e amplamente
Metabolismo Metabolismo possível (e.g. bater o polegar e o indicador, bater com o
alterado alterado calcanhar no chão). A acinesia pode culminar numa interrupção
completa do movimento (bloqueios motores, ou freezing). Outras
manifestações de acinesia são as alterações encontradas na
Tóxico Degeneração de
neurônios marcha (marcha em bloco, festinante, realizada em pequenos
Ambiental
raro dopaminérgicos passos, com perda de balanço normalmente associado dos
braços), a hipomimia (face inexpressiva ou imóvel), a hipofonese
Modelo teórico da fisiopatogenia de Parkinson
(voz com menor volume e com perda da inflexão, tornando-se
monótona) e a micrografia (caligrafia pequena, por vezes
Seja qual for o mecanismo etiopatogênico, genético ou imperceptível), além daquelas observadas durante a realização
ambiental, a característica neurodegenerativa central da Doença de atos motores complexos, como se vestir, por exemplo.
de Parkinson é a agregação da alfa-sinucleína vista nos
corpúsculos de Lewy. Os corpúsculos de Lewy são inclusões Rigidez: Sensação de resistência na movimentação passiva de
citoplasmáticas eosinofílicas que apresentam uma região central um membro, ao longo de todo o movimento, na flexão e na
mais densa e um halo periférico pálido, constituídos por extensão (fenômeno da roda denteada). Não é alterada pela
proteínas neurofilamentares hiperfosforiladas, lipídios, ferro, velocidade da movimentação e aumenta com a movimentação
ubiquitina e alfa-sinucleína. A alfa-sinucleína é uma proteína ativa simultânea de outro membro (manobra “de ativação” ou de
distribuída por todo o cérebro, mas com função ainda pouco Froment). A rigidez é também responsável pela postura típica
conhecida. Em cultura de tecidos, quando muito expressa, a alfa- adotada pelo paciente com DP, caracterizada por ântero-flexão
sinucleína ocasiona a degeneração de neurônios dopaminérgicos de tronco e semiflexão de membros.
cultivados e aumenta a vulnerabilidade desses mesmos
Tremor de repouso: Tremor que ocorre com os membros
neurônios a outras toxinas. Uma provável deficiência no sistema
relaxados e apoiados numa superfície, sem a ação da gravidade.
natural de remoção (ubiquitina - proteossomal), bem como a

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Ocorre principalmente nas mãos, em frequência de 4 a 6 ciclos Quanto ao estadiamento da doença, uma maneira prática
por segundo. Esse tremor exacerba-se com a marcha e e rápida de avaliar em que estágio clínico o paciente se encontra
situações de estresse emocional e atenua-se com a realização consiste na utilização da escala de Hoehn e Yahr, cuja adaptação
de atos motores voluntários e sono. O mais típico da DP, porém apresentamos a seguir:
nem sempre presente em todos os doentes, é o “tremor de
contar moedas” (pill-rolling), caracterizado por movimentos Estágio 1 Apresentação unilateral da doença.
simultâneos de adução-abdução do polegar e flexão-extensão Estágio Apresentação unilateral + acometimento axial
dos restantes dedos. Pode haver tremor semelhante ao de 1,5 (pescoço e tronco).
repouso uns segundos após o doente esticar os braços (“re- Apresentação bilateral sem acometimento dos
Estágio 2
emergente”), que tem o mesmo valor clínico do primeiro. Por reflexos posturais.
vezes há tremor de repouso isolado, em flexão-extensão, do Apresentação bilateral, com alteração dos
Estágio
polegar. Pode haver também um tremor postural de frequência reflexos posturais, mas com recuperação do
2,5
equilíbrio sem auxílio, quando desestabilizado.
mais rápida que o de repouso (sem valor para o diagnóstico, ao
Apresentação bilateral, com alteração nos
contrário do de repouso), bem como tremor da língua ou do Estágio 3 reflexos posturais e já com lentidão na execução
mento; o tremor da cabeça é excepcionalmente raro na DP e de tarefas do dia-a-dia.
deve colocar o diagnóstico em dúvida. Manifestações clínicas alterando a independência
Estágio 4 do paciente, com necessidade de auxílio na maior
Instabilidade Postural: Ocorre em virtude da perda dos reflexos parte de suas atividades.
de readaptação postural e geralmente não acontece nas fases Estágio 5 Paciente confinado ao leito ou à cadeira de rodas.
iniciais da DP e, quando precocemente detectada, deve fazer o
Escala adaptada de Hoehn e Yahr.
médico suspeitar de outro diagnóstico. Nas fases tardias da DP a
instabilidade postural é responsável pela dificuldade de
Em relação às manifestações não-motoras da DP, cabe
mudanças bruscas de direção ao caminhar, bem como a
dizer que são muito frequentes e bastante debilitantes. Estes
ocorrência mais comum de quedas nessa fase da doença. A
sintomas estão relacionados com os processos patológicos da
postura torna-se fletida, por vezes de forma muito acentuada,
doença, integram o quadro clínico da mesma e alguns podem
mas se retifica em decúbito, o que a distingue das deformidades
surgir anos antes dos sintomas motores (a chamada “fase pré-
ósteo-articulares da coluna vertebral (ex.: cifose).
motora” da DP). Alguns dos sintomas não motores (SNM) mais
importantes na DP são:

Disautonomias: Constipação intestinal, urgência urinária com ou


sem incontinência, disfunção erétil, hipotensão postural e
alterações da sudorese, entre outras.

Cognitivas: Diminuição da atenção e concentração, perda da


capacidade de planejamento, entre outras.

Do humor: Depressão e distúrbios ansiosos, principalmente.

Do sono: movimentos periódicos dos membros, pernas inquietas,


apneia, pesadelos, distúrbio comportamental do sono REM.

DIAGNÓSTICO CLÍNICO

O diagnóstico é essencialmente clínico e cabe aqui a


diferenciação entre Parkinsonismo e Doença de Parkinson
Perfil clássico do paciente com Parkinson.
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(DP). Diante de um paciente que apresenta pelo menos duas das (demência por corpúsculos de Lewy, doença de Huntington,
quatro manifestações cardinais (acinesia, rigidez, tremor e doença de Wilson e outras).
instabilidade postural), dizemos que se trata de um Há uma série razoavelmente extensa de sinais clínicos
Parkinsonismo. Associado a estes sintomas, no parkinsonismo que servem de alerta para a possibilidade de o paciente não ter
pode-se encontrar sinais piramidais, alterações da motilidade DP e, sim, uma das enfermidades já apontadas como outras
ocular extrínseca, sinais cerebelares, de disfunção autonômica, causas de Parkinsonismo. Com o objetivo de ajudar o profissional
de neuropatia periférica e de disfunção cognitiva. Os termos a fazer essa diferenciação, tem-se os sinais de alerta (red
síndrome parkinsoniana e síndrome rígido-acinética também são flags), descritos a seguir:
usados para descrever o mesmo quadro.
Dentre os diversos tipos de Parkinsonismo, está a Doença Sinais de alerta no diagnóstico de DP (Red flags)
de Parkinson (DP) (80% dos casos), que é o Parkinsonismo
 Bradicinesia e rigidez simétricas
clássico. A DP tem apresentação típica: tremor de repouso de
 Ausência de tremor
início assimétrico, rigidez e acinesia; presença de significativa  Ausência de resposta a levodopa
melhora com o uso de L-dopa e ausência de outra causa  Mioclonias proeminentes
conhecida de parkinsonismo.  Apraxia
Os demais pacientes que possuírem Parkinsonismo, mas  Fenômeno da mão alienígena (mão estrangeira)
 Dificuldade no olhar conjugado para baixo
não se enquadrarem na Doença de Parkinson devem ter seu
 Distonia facial
diagnóstico etiológico investigado, podendo-se mencionar a
 Perda precoce dos reflexos posturais
classificação a seguir.  Disfagia precoce
 Espasticidade
a) Parkinsonismo Secundário (adquirido ou sintomático):  Demência ou alucinações precoces
Provocado por uso de algumas medicações (como butirofenonas,  Disautonômica precoce e acentuada
fenotiazídicos, cinarizina, flunarizina, lítio, etc.), intoxicações Sinais de Alerta (Red flags) no diagnóstico de DP.
exógenas (manganês, monóxido de carbono, organofosforados,
etc.), pós-infecções (encefalites virais, Lúpus Eritematoso
a) Quedas precoces: na DP clássica, os pacientes costumam
Sistêmico, etc.), traumatismo crânio-encefálico, hematoma
ter facilidade de cair, sobretudo quando já apresentam
subdural, processos expansivos, alterações metabólicas
distúrbios do equilíbrio postural e da marcha. No entanto, isso
(hipoparatireoidismo, principalmente) ou múltiplos infartos
ocorre em fases já avançadas, a partir do estágio 3 da escala de
subcorticais (parkinsonismo vascular). Em nosso meio, deve ser
Hoehn e Yahr. Quando as quedas são frequentes e precoces,
lembrado como diagnóstico diferencial, especialmente com a
sugerem outro quadro, como a paralisia supranuclear
doença de Parkinson de início precoce.
progressiva. O mesmo ocorre com os pacientes que apresentam
distúrbios do olhar conjugado, principalmente do olhar vertical
b) Parkinsonismo Plus (Atípico): Corresponde a um grupo de
para baixo, não encontrado na DP.
doenças que, afora as manifestações parkinsonianas, exibem
também anormalidades neurológicas adicionais. Assim, na
b) Progressão muito rápida: De maneira geral, a DP evolui
paralisia supranuclear progressiva (doença de Steele-
lentamente, ao longo de muitos anos, em particular nos
Richardson- Olszewski) há, caracteristicamente, anormalidades
pacientes mais jovens. Nestes, embora as complicações pelo uso
oculares; na síndrome de Shy-Drager, há disautonomia; na
de levodopa sejam muito precoces, a evolução da doença
atrofia olivopontina (forma esporádica), ataxia; na doença de
propriamente dita se faz em um prazo muito longo. Os pacientes
Alzheimer com parkinsonismo, demência.
que mostram uma rápida deterioração têm maior possibilidade
de sofrer de outras enfermidades.
c) Parkinsonismo Heredodegenerativo: É uma condição
incomum. Abrange outras doenças neurológicas cujo c) “Parkinsonismo da Metade Inferior”: Essa denominação
parkinsonismo não é a característica clínica dominante
tem sido atribuída a pacientes que apresentem uma típica

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marcha parkinsoniana, a pequenos passos, com festinação (o h) Demência: Não há um padrão clássico de demência
paciente não consegue iniciar o movimento de promover o associado à DP. Devido à faixa etária mais frequente da DP ser
primeiro passo, titubeando, finalmente dando passadas curtas e coincidente com a de maior incidência de demências, não é
rápidas, quase sem sair do lugar para, progressivamente, ir infrequente a sobreposição das duas condições. Mas deve-se
aumentando a amplitude dos passos e iniciar a marcha) e ressaltar que, sempre que há demência, impõe-se procurar
bloqueios, porém, completamente isentos de qualquer outro sinal detalhadamente um diagnóstico alternativo à DP, sobretudo se a
parkinsoniano. Excetuando-se a marcha, que é muito evolução for rápida ou com outras manifestações neurológicas
característica, todo o restante é normal. Não se trata, (Doença de Alzheimer, degeneração córtico-basal, doença de
obviamente, de DP, e não há resposta satisfatória à levodopa. Creutzfeldt-Jakob, entre outras).
Trata-se do comprometimento de estruturas profundas próximas
aos núcleos da base, ou até os incluindo, devido a lesões Por fim, é importante ainda frisar a necessidade de
vasculares lacunares, hidrocefalia ou, mesmo, enfermidades diagnóstico diferencial da DP, não apenas com as outras
como a encefalopatia arteriosclerótica subcortical de síndromes parkinsonianas, mas também com outras doenças,
Binswanger. conforme esquematizado a seguir.

d) Desfalecimentos seguindo a Hipotensão Postural: Podem


- Tremor essencial
ocorrer no curso da DP, porém costuma ser consequência da
I- Condições - Tremor senil
medicação. Sua ocorrência precoce, principalmente quando - Tremor rubral
Não - Parkinsonianas
acompanhada de outros sinais disautonômicos sugere uma - Depressão
degeneração do SNA, como a que ocorre na síndrome de Shy- - Artropatias
Drager.
- Doença de Parkinson
e) Sinais piramidais ou cerebelares: Não são encontrados na - Parkinsonismo
II- Categorias de secundário
DP, a não ser em casos de uma lesão paralela de outra origem,
Parkinsonismo - Parkinsonismo
como distúrbios vasculares encefálicos. A atrofia
heredodegenerativo
olivopontinocerebelar, isolada ou familiar, é o quadro que deve
- Parkinsonismo plus
ser lembrado de imediato frente a sinais cerebelares com
parkinsonismo. Pacientes muito jovens, abaixo de 30 anos, com Principais diagnósticos diferenciais da DP.
sinais piramidais e parkinsonianos, devem ser suspeitos de
apresentar uma degeneração pálido-piramidal. TRATAMENTO

A descoberta da existência de baixos níveis de dopamina


f) Incontinência emocional: O choro imotivado ou
no cérebro de indivíduos com DP e os subsequentes trabalhos
desproporcional aos estímulos emocionais e, menos
mostrando melhora considerável destes pacientes após
frequentemente, o riso imotivado são manifestações de
administração de levodopa por via oral estabeleceram a base do
comprometimento bilateral das conexões aferentes supra-
tratamento da DP nos últimos anos.
segmentares do tronco cerebral, de natureza vascular na
Os seguintes grupos de fármacos estão disponíveis para
maioria das vezes. Pode significar um parkinsonismo secundário
o tratamento sintomático da DP:
a lesões vasculares múltiplas.
1. Anticolinérgicos
g) Palilalia: esse peculiar distúrbio da fala, caracterizado pela
tendência de repetir palavras, frases ou partes de frases ao Primeiras drogas utilizadas no tratamento da DP, há mais
longo da conversação, como se fosse um eco de si mesmo, é de um século. Seu uso está baseado no equilíbrio existente entre
muito infrequente na DP. Costuma ocorrer em outras formas de as quantidades de acetilcolina (aumentada) e dopamina
degeneração, como na degeneração estriadonigral. (diminuída) no striatum. Apresentam algum benefício em reduzir

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o tremor e a rigidez, mas sem nenhum efeito sobre a acinesia. matinal por dessensibilizar os receptores dopaminérgicos. É
Seus principais efeitos colaterais, associados à diminuição da muito comum os pacientes apresentarem piora dos sintomas,
disponibilidade de acetilcolina no sistema nervoso são: boca especialmente do tremor, quando sob estresse emocional ou
seca, visão borrada, constipação intestinal, retenção urinária, fadiga.
alucinações visuais e confusão mental. Tais efeitos são mais
comuns em pacientes idosos, tornando essa droga a) Deterioração de fim de dose (wearing-off): É o tipo mais
contraindicada em indivíduos com mais de 65 anos de idade ou comum de flutuação associada à levodopa e, frequentemente,
com alterações cognitivas proeminentes. dos primeiros a aparecer. Caracteriza-se, basicamente, por um
encurtamento do efeito da levodopa. A mesma dose de levodopa,
2. Amantadina que antes proporcionava um efeito homogêneo ao longo do dia,
passa a ter uma duração cada vez menor, de cerca de 3 ou 4 h e,
Inicialmente utilizada como medicação antiviral, seu com o tempo, chega a durar apenas 1 ou 2h. Ocorre
mecanismo de ação é ainda pouco entendido, mas pode envolver gradualmente um desgaste do efeito e o paciente, muitas vezes,
a estimulação da liberação dos estoques de dopamina ou aumenta progressivamente, por conta própria, a frequência das
bloqueio da receptação sináptica desse neurotransmissor, além doses. Esse tipo de complicação pode começar no primeiro ano
de ação anticolinérgica modesta. Seu efeito é transitório sobre de tratamento, porém o mais comum é após 3 ou 4 anos de
os sintomas, com duração entre 6 meses a 1 ano. Pode melhorar levodopa.
as discinesias induzidas por levodopa. Os efeitos colaterais estão
associados ao efeito anticolinérgico, além da ocorrência bem b) Fenômeno on-off: É também conhecido como flutuações
comum de livedo reticular nos membros inferiores. randômicas ou efeito iô-iô. Nessa situação, o paciente passa
bruscamente de períodos de completa imobilidade (períodos off)
3. Levodopa para um estado de mobilidade, muito frequentemente
Utilizada desde 1967, atualmente sempre é formulada acompanhado de discinesias (período on). Não há,
com benserazida (Prolopa) ou carbidopa (Sinemet), que são aparentemente, uma reação com as tomadas ndividuais de
inibidores periféricos da enzima dopa-descarboxilase, que levodopa. Os períodos off tendem a predominar ao longo do dia.
transforma a levodopa em dopamina. Caso contrário, a presença c) Discinesias: As discinesias secundárias ao tratamento da DP
de dopamina na circulação periférica determinaria a ocorrência podem manifestar-se com qualquer tipo de movimentos
de efeitos colaterais intensos, além da diminuição da anormais, como coreia, atetose, distonia, discinesias orofacial,
disponibilidade de dopamina no SNC, apresenta eficácia mioclonias e tiques. No paciente com esse tipo de complicação,
antiparkinsoniana global tão acentuada, que a presença de muitas vezes observamos que nem todas as tomadas da
resposta terapêutica a levodopa reforça o diagnóstico de doença levodopa são acompanhadas de movimentos involuntários.
de Parkinson. Os principais efeitos colaterais são náuseas,
sedação, confusão mental e alucinações. d) Discinesia de pico de dose: Caracteriza-se por movimentos
O tratamento com Levodopa pode induzir complicações coreico-atetoicos acometendo as extremidades com maior
que irão modificar o padrão de manifestação clínica do paciente. intensidade, e a região axial e face um pouco menos
Ao principais tipos de complicações do tratamento com levodopa intensamente. Muitas vezes, diferencia-se de outros quadros
são as flutuações do rendimento terapêutico e as discinesias. coreicos por apresentar uma certa estereotipia, com os
Nem todas as flutuações motoras, entretanto, estão movimentos assumindo determinado padrão, com pronação –
relacionadas ao tratamento da DP. Um exemplo é a chamada supinação das mãos em movimentos sucessivos ou movimentos
cinesia paradoxal, ou seja, situações em que o parkinsoniano de lateralização dos pés de um lado a outro. Os movimentos
consegue executar atos motores, habitualmente impossíveis, involuntários do tipo distônico podem juntar-se aos coreicos,
associados a uma motivação muito forte. Também, muitos mas tendem a predominar na região axial, particularmente
pacientes informam oscilações no decorrer do dia, pescoço (torcicolo). Como o próprio nome diz, a discinesia
particularmente com períodos melhores pela manhã e piores na ocorre no meio do período útil de ação da droga e pode durar
parte da tarde. Sugere-se que o sono pode induzir uma melhora poucos minutos a cerca de 1-2h.

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e) Discinesia bifásica: São movimentos involuntários, 6. Agonistas dopaminérgicos


principalmente distônicos, que ocorrem no início e no final da
ação da levodopa. As distonias podem afetar as extremidades, São drogas excelentes no controle dos sintomas
mas principalmente a região do tronco e cervical. Podem estar cardinais, com a vantagem de, em longo prazo, contribuírem
associadas a dor nos locais acometidos. Parece que a oscilação menos frequentemente para a ocorrência de discinesias. Assim,
no nível plasmático da levodopa é o determinante para o quando se opta por iniciar o tratamento sintomático do paciente
aparecimento desse tipo de discinesia. com DP, principalmente em pacientes jovens, são drogas de
primeira escolha. Além disso, alguns estudos têm mostrado um
f) Discinesia em onda quadrada ou discinesia contínua: Os possível efeito protetor dessas drogas sobre neurônios
movimentos involuntários acontecem assim que se inicia a ação dopaminérgicos. Os efeitos colaterais são semelhantes aos
da levodopa e dura todo o tempo do efeito. Podem ser observados com o levodopa, exceto pela ocorrência mais comum
movimentos coreico-atetoicos, mioclônicos, distônicos, tiques ou de náuseas, hipotensão e sedação, melhor manejados com o
a combinação deles. início em baixas doses. Um efeito colateral exclusivo desses
agentes agonistas, embora raro, é a ocorrência dos chamados
g) Discinesias de período Off: Geralmente são movimentos do
“ataques de sono” em que, de forma súbita e inexplicada, o
tipo distônico predominando nas extremidades, particularmente
paciente adormece (“sleep attacks” ).
nos pés, e ocorrem nas quedas de nível plasmático de levodopa.
Ocorrem no final do efeito da levodopa e no período matinal, 7. Combinação de fármacos
muitas vezes despertando o paciente do sono.
Na DP, frequentemente é necessária a combinação de
h) Discinesias inclassificáveis: Muitos pacientes apresentam fármacos de diferentes classes para melhor controle dos
movimentos involuntários de difícil classificação dentro das sintomas. As combinações mais utilizadas são:
formas anteriormente descritas. Alguns pacientes podem, em um
mesmo dia, apresentar vários tipos de discinesia. • Associação de anticolinérgicos – presença de tremor
refratário a levodopa e/ou a agonistas dopaminérgicos em
4. IMAO indivíduos sem contraindicações para o uso dos mesmos;
• Associação de agonistas dopaminérgicos à levodopa –
Este grupo é representado pela Selegilina, droga inibidora
no momento em que começam a ocorrer as flutuações motoras,
da MAO-B, enzima que degrada a dopamina no SNC. Apresenta
a associação de um agonista dopaminérgico (medicamentos com
efeito muito modesto em potencializar o efeito da levodopa.
meia-vida superior à de levodopa) pode auxiliar no controle das
Também utilizada como neuroprotetor no início da doença,
flutuações;
principalmente em pacientes jovens, embora ainda seja assunto
• Associação de inibidores da COMT à levodopa – os
controverso. Seu efeito colateral mais comum é alucinação.
inibidores da COMT sempre devem ser utilizados com esta
5. Inibidores da COMT associação, pois não possuem efeito antiparkinsoniano se usados
sem levodopa;
Agem impedindo a degradação da Levodopa no sangue • Associação de agonistas dopaminérgicos à levodopa
periférico e da dopamina no SNC, aumentando os níveis com inibidores da COMT – pacientes com flutuações motoras
plasmáticos da levodopa e garantindo estimulação mais graves não controladas com nenhum dos regimes acima;
prolongada da dopamina no SNC. Existem duas formulações no • Associação de amantadina à levodopa – a
mercado: tolcapone e entacapone. Os principais efeitos amantadina, além da possibilidade de uso em monoterapia na
colaterais associados ao uso do tolcapone são hepatotoxicidade fase inicial da doença, é utilizada em pacientes com flutuações
(com relatos de hepatite fulminante e óbito) requerendo a motoras e discinesias por melhorar as discinesias;
monitorização das enzimas hepáticas durante o tratamento; • Associação de inibidores da MAO (selegelina) à
piora das discinesias e alucinações. O entocapone não apresenta levodopa – também utilizada para aumentar a biodisponibilidade
hepatotoxicidade, mas pode piorar as discinesias e provocar da levodopa na presença de flutuações motoras.
alucinações, diarreia e descoloração da urina (urina alaranjada).

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Capítulo V
VII
Crises epiléticas e
epilepsia

INTRODUÇÃO últimos anos, com a maior sobrevida média da população,


também tende a ocorrer cada vez mais em idosos, nos quais
Uma crise epiléptica (do latim sacire, “ser invadido’’, “ser pode ter algumas características especiais.
possuído”) é um evento paroxístico devido às descargas
anormais, excessivas e hipersincrônicas de um agregado de Aprofundando o conhecimento
neurônios do sistema nervoso central (SNC).
A epilepsia é uma condição neurológica caracterizada por Um erro bastante comum é a confusão entre os
crises (ou ataques) recorrentes, que leva a alterações na termos “convulsão” e “epilepsia”. É importante que o médico
percepção, na consciência, no controle motor ou no saiba diferenciá-los. A convulsão é um tipo de crise epilética
comportamento. É decorrente de um distúrbio elétrico no caracterizada por ser tônico-clônica generalizada. Nem todo
cérebro. Qualquer lesão no cérebro pode provocar epilepsia, paciente que apresenta uma convulsão é portador de
incluindo sequela de infecções, trauma no crânio, anóxia, epilepsia: pode ter sido apenas uma convulsão febril isolada,
tumores, distúrbios vasculares e distúrbios da formação do por exemplo. A epilepsia, como vimos há pouco, é uma
cérebro. Em alguns casos, a epilepsia tem causa genética, sendo patologia que se apresenta como crises epiléticas, desde que
herdada. estas ocorram sem condições tóxicas, metabólicas ou febris.
O significado de termo crise epiléptica tem de ser Nem toda crise epilética é uma convulsão: a crise pode ser
cuidadosamente diferenciado daquele de epilepsia. Epilepsia de ausência, mioclonia, etc.
descreve uma afecção na qual uma pessoa apresenta crises
epilépticas recorrentes desencadeadas por um processo
subjacente crônico. Esta definição subentende que uma pessoa CLASSIFICAÇÃO DAS CRISES EPILÉPTICAS
com uma única crise ou com crises epilépticas recorrentes
secundárias a circunstâncias corrigíveis ou evitáveis não As crises podem ser parciais (sinônimo de focais) ou
necessariamente tem epilepsia. Epilepsia diz respeito a um generalizadas. As crises parciais são aquelas em que a atividade
fenômeno clínico mais do que a uma entidade patológica única, epiléptica se limita a áreas restritas do córtex cerebral. As
pois existem muitas formas e causas da doença. Não obstante, crises generalizadas envolvem regiões difusas do cérebro
entre as muitas causas de epilepsia figuram várias síndromes simultaneamente. As crises parciais geralmente estão
epilépticas, cujas características clínicas e patológicas são associadas a anormalidades estruturais do cérebro. As crises
distintas e sugerem uma etiologia subjacente específica. generalizadas, ao contrário, podem decorrer de anormalidades
A epilepsia é uma condição comum que chega a atingir celulares, bioquímicas ou estruturais que têm distribuição mais
2% da população em países em desenvolvimento. Os dados de disseminada.
países desenvolvidos sugerem uma prevalência de 0,5%. As crises parciais ocorrem em regiões delimitadas do
Provavelmente essa diferença deve-se às piores condições de cérebro. Quando há preservação plena da consciência durante a
infra-estrutura sanitária e de assistência materno-infantil, à crise, as manifestações clínicas são consideradas relativamente
maior quantidade de doenças infecciosas nos países mais simples e a crise é denominada crise parcial simples. Se a
pobres, entre outros fatores. Apesar de a epilepsia ocorrer em consciência for comprometida, a sintomatologia é mais complexa
qualquer idade, apresenta sua maior incidência na infância. Nos e a crise denomina-se crise parcial complexa. Outro subgrupo

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importante compreende as crises que começam como parciais, e  Crises tônicas: estas crises se caracterizam por contração
em seguida, disseminam-se difusamente por todo o córtex, ou lenta dos músculos, em alguns casos pode haver extensão dos
seja, crises parciais com generalização secundária. membros superiores. Um grito costuma preceder o período em
que o paciente pára de respirar, os olhos ficam parados,
1-Crises parciais ingurgitados e podem se desviar junto com a cabeça para um
a. Crises parciais simples dos lados, os lábios ficam azulados. O paciente costuma cair e
b. Crises parciais complexas com frequência se machuca, pois cai rígido ao solo sem se
c. Crises parciais com generalização secundária proteger.
2-Crises primariamente generalizadas
 Crises mioclônicas: são abalos musculares que podem
a. Ausência (pequeno mal)
afetar desde segmentos de um músculo até os quatro membros
b. Tônico-clônicas (grande mal)
c. Atônicas e a face. A mais comum ocorre na chamada epilepsia mioclônica
d. Tônicas juvenil e caracteriza-se por movimentos bruscos, como um
e. Mioclônicas choque em que o paciente pode derrubar objetos das mãos.
3-Crises não-classificadas Tendem a ocorrer mais após o despertar. A Epilepsia mioclônica
a. Crises neonatais juvenil inicia suas manifestações na segunda década da vida.
b. Espasmos infantis Frequentemente os indivíduos apresentam também crises
Classificação das crises epiléticas.
convulsivas e, eventualmente, crises de ausências;
 Crises atônicas: esta crise inicia com perda súbita do tônus
 Crises parciais simples: Causam sintomas motores,
de todos os músculos do corpo levando a imediata queda do
sensoriais, autônomos ou psíquicos sem alteração óbvia da
paciente ao solo. Ao contrário da queda associada às crises
consciência;
tônicas, nesta crise o paciente cai flácido aumentando as
 Crises parciais complexas: Caracterizam-se por atividade
chances de bater com o rosto na mesa ou mesmo no chão.
motora focal, acompanhada de comprometimento transitório da
Alguns pacientes que apresentam este tipo de crise com
capacidade do paciente de manter contato normal com o
frequência usam capacetes para evitar ferimentos graves.
ambiente;
 Crises parciais com generalização secundária: A
Aprofundando o conhecimento
generalização secundária é observada com frequência após
crises parciais simples, especialmente naquelas com um foco no Que tal conhecer mais algumas nomenclaturas úteis
lobo frontal, mas também pode associar-se a crises parciais que no estudo das epilepsias?
ocorrem em outras áreas do cérebro;  Paralisia de Todd: paresia localizada durante
 Crises de ausência: são desligamentos por alguns alguns minutos a muitas horas na região acometida durante
segundos; geralmente de 5 a 20 segundos. O paciente permanece a crise epilética;
com o olhar vago para o infinito e pode apresentar movimentos  Marcha Jacksoniana: representa a extensão da
involuntários chamados de automatismos como movimentos atividade epilética para uma região progressivamente maior
labiais, de deglutição ou piscamentos rítmicos das pálpebras. As do córtex motor. Ocorre, por exemplo, quando a crise inicia-
crises podem ser desencadeadas por hiperventilação, estresse e se nos dedos e evolui para acometer todo o membro.
hipoglicemia;
 Crises convulsivas tônico-clônicas (antigamente
denominadas de "grande mal") é o ataque epiléptico mais ETIOLOGIA
conhecido. Caracteriza-se por queda ao solo, rigidez do corpo ou
de parte dele, movimentos em forma de tremor ou abalos No eixo etiológico, as epilepsias são divididas em
musculares e podem ser acompanhadas de salivação excessiva, idiopáticas (sem lesão estrutural subjacente), sintomáticas (com
mordedura de língua e incontinência esfincteriana (perda de lesão) ou criptogênicas (presumivelmente sintomáticas, mas
urina, por exemplo). Após a crise, a pessoa pode ficar confusa, sem uma lesão aos exames de imagem disponíveis no momento).
sonolenta e queixar-se de dor de cabeça e náusea; As causas lesionais mais frequentes das epilepsias focais

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sintomáticas são esclerose temporal mesial, neoplasias Características clássicas da convulsão febril
cerebrais primárias, anomalias vasculares e malformações do
Criança entre 6 meses e 5 anos
desenvolvimento corticocerebral.
Na infância, situações relativamente benignas, como Febre alta e/ou que aumenta rapidamente
epilepsia rolândica benigna da infância e convulsões febris Duração menor que 15min
simples, podem ocorrer. Encefalopatias epilépticas, tais como as Convulsão generalizada, principalmente tônico-clônica ou
síndromes de West e de Lennox-Gastaut, estão comumente apenas clônica
associadas a alguma doença de base (são, portanto, sintomáticas Período pós-ictal marcado por alteração do nível de
na sua maioria) e geralmente apresentam mau prognóstico tanto consciência
do ponto de vista do controle medicamentoso de crises como no Características Clássicas da crise febril.
tocante ao desenvolvimento neuropsicomotor. Características atípicas da convulsão febril
Duram mais de 15min
A epilepsia rolândica benigna da infância geralmente tem
Crises do tipo focal
início na pré-adolescência (7 a 10 anos de idade), predomina em
Ocorrem repetidamente
meninos (numa proporção de 1,5:1) e apresenta alta prevalência Permanecem déficits neurológicos focais no período pós-ictal
(15% das epilepsias da infância). As crises caracterizam-se por Crises atípicas de convulsão febril.
sintomas motores ou sensoriais faciais unilaterais,
manifestações orofaríngeas, paralisia da fala e hipersalivação. É Sinais de alarme para o desenvolvimento futuro de
uma epilepsia geneticamente determinada, com evidências de epilepsia
ligação com o cromossoma 15q14. Sua herança é autossômica Anormalidade do desenvolvimento neurológico
Crise focal complexa
dominante, com penetrância idade-dependente. Apesar de
História familiar de Epilepsia
clinicamente as crianças terem aspecto muito próximo do
Febre com duração < 1 hora antes da convulsão febril
normal, o eletroencefalograma mostra-se desproporcional e Manifestação atípica do episódio convulsivo (vide quadro
gravemente alterado, com atividade epileptogênica localizada em anterior)
uma ou em ambas as regiões centrais, sobretudo durante o Convulsões febris recorrentes
sono. O prognóstico é excelente: o risco de desenvolver crises Sinais de risco para epilepsia futura.
generalizadas infrequentes na idade adulta é inferior a 2%. A
remissão das crises ocorre 2-4 anos após o início do quadro e idade, resultante de múltiplas causas. Ela é caracterizada por um
sempre antes dos 16 anos de idade. A maioria dos pacientes tipo específico de crise epiléptica, denominada “espasmos
apresenta menos de 10 crises ao longo do tratamento. epilépticos”, e anormalidades grosseiras ao eletrocardiograma
Convulsões febris devem-se a uma suscetibilidade (o chamado padrão hipsarrítmico ou hipsarritmia). O
aumentada a crises epilépticas, são idade-dependente (6 meses desenvolvimento psicomotor é invariavelmente prejudicado.
- 5 anos) e geneticamente determinadas. As crises são Cerca de 60% das crianças desenvolvem outros tipos de crises,
precipitadas por febre, sem evidência de infecção do sistema evoluindo para síndrome de Lennox-Gastaut.
nervoso central (SNC) ou outra causa. Há uma leve Lennox-Gastaut é uma síndrome da infância
predominância do sexo masculino (60%). A prevalência é de caracterizada pela tríade: crises epilépticas polimorfas
cerca de 3% das crianças. As crises duram menos de 15 intratáveis (em geral, tônicas, atônicas ou de ausência atípica),
minutos, são generalizadas e não se acompanham de déficits anormalidades cognitivas e comportamentais e EEG com
neurológicos. Não há necessidade de medicamentos paroxismos de atividade rápida e descargas generalizadas de
anticonvulsivantes preventivos. Cerca de 3% das crianças que complexos onda aguda-onda lenta a 2,5 Hz. Manifesta-se antes
tiveram crises febris desenvolvem algum tipo de epilepsia na dos 11 anos de idade, e as crises geralmente resultam em quedas.
idade adulta. Em geral, o prognóstico é bom, com A exemplo da de West, esta síndrome também apresenta uma
desenvolvimentos cognitivo e comportamental adequados. vasta lista de possíveis etiologias. O prognóstico é ruim, com 5%
A síndrome de West é uma encefalopatia epiléptica de mortalidade. Cerca de 80%-90% dos pacientes continuam a
relacionada especificamente a crianças com menos de 1 ano de apresentar crises epilépticas na vida adulta.

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DIAGNÓSTICO obrigatórios para confirmação diagnóstica de


epilepsia(diagnóstico diferencial com crises não epilépticas),
1. Clínico para detecção de sinais de intoxicação medicamentosa e como
auxílio à definição da síndrome epiléptica. Entretanto, resultado
Na maioria dos casos, o diagnóstico de uma crise normal do exame não exclui o paciente do protocolo. Em geral
epiléptica pode ser feito clinicamente através da obtenção de (90% dos pacientes com epilepsia), a repetição do exame é
uma história detalhada e de um exame físico geral, com ênfase suficiente para detectar a alteração. A EEG em sono é importante
nas áreas neurológica e psiquiátrica. Muitas vezes, o auxílio de tanto pela ativação que este estado fisiológico exerce sobre as
uma testemunha ocular é importante para que a crise seja descargas epileptiformes (que podem ser ocultadas em exames
descrita em detalhes. A existência de aura bem como as de vigília), quanto para uma confirmação de ausência de
condições que possam ter precipitado a crise devem ser anormalidades nos casos de suspeita de crises não epilépticas
registradas. Idade de início, frequência de ocorrência e ou de potencial suspensão do tratamento.
intervalos mais curtos e mais longos entre as crises devem ser Em casos de pacientes refratários a tratamentos
caracterizados, muitas vezes com o auxílio de um diário de medicamentosos (persistência de crises epilépticas apesar do
crises. A história deve cobrir a existência de eventos pré e uso de dois fármacos anticonvulsivantes de primeira linha, em
perinatais, crises no período neonatal, crises febris, qualquer doses adequadas), os seguintes procedimentos são auxiliares na
crise não provocada e história de epilepsia na família. Trauma investigação e condução dos casos:
craniano, infecção ou intoxicações prévias também devem ser a) RM do encéfalo obrigatória para pacientes com
investigados. epilepsias focais refratárias, para os quais a presença de uma
É fundamental um diagnóstico diferencial correto com lesão cerebral é forte preditor de refratariedade a tratamento
outros distúrbios paroxísticos da consciência, como síncopes e medicamentoso em monoterapia;
crises não epilépticas psicogênicas. b) diário de registro de crises, importante para a
determinação de refratariedade;
2. Complementar
c) relatório médico, com descrição dos medicamentos e
Os exames complementares devem ser orientados pelos doses máximas previamente empregadas no tratamento;
achados da história e do exame físico. O principal exame é a d) teste psicométrico para casos de efeitos cognitivos
eletroencefalografia (EEG), cujo papel é auxiliar o médico a negativos provocados pelo uso de medicamentos convencionais.
estabelecer um diagnóstico acurado. O EEG é capaz de responder
a três importantes questões diagnósticas nos pacientes com TRATAMENTO
suspeita de epilepsia:
O objetivo do tratamento da epilepsia é propiciar a
a) o paciente tem epilepsia?
melhor qualidade de vida possível para o paciente, pelo alcance
b) onde está localizada a zona epileptogênica?
de um adequado controle de crises, com um mínimo de efeitos
c) o tratamento está sendo adequado?
adversos.
Exames de imagem tais como ressonância magnética
A determinação do tipo específico de crise e da síndrome
(RM) do encéfalo e tomografia computadorizada (TC) de crânio
epiléptica do paciente é importante, uma vez que os mecanismos
devem ser solicitados na suspeita de causas estruturais (lesões
de geração e propagação de crise diferem para cada situação, e
cerebrais, como tumores, malformações vasculares ou
os fármacos anticonvulsivantes agem por diferentes
esclerose hipocampal), que estão presentes na maioria dos
mecanismos que podem ou não ser favoráveis ao tratamento. Os
pacientes com epilepsia focal. O diagnóstico de uma causa
fármacos anticonvulsivantes atuam através de um ou de vários
estrutural subjacente tem implicações terapêuticas, as quais
dos seguintes mecanismos: bloqueio de canais de sódio, aumento
podem embasar a indicação de tratamento cirúrgico da epilepsia;
da inibição gabaérgica, bloqueio de canais de cálcio ou ligação à
e prognósticas, definindo mais precocemente uma
proteína SV2A da vesícula sináptica.
refratariedade ao tratamento medicamentoso.
A decisão de iniciar um tratamento anticonvulsivante
Exames de eletroencefalografia em vigília e em sono são
baseia-se fundamentalmente em três critérios: risco de

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recorrência de crises; consequências da continuação de crises imprevisível. Há duas situações em que ele pode ser
para o paciente; e eficácia e efeitos adversos do fármaco interrompido: por falha do tratamento ou por remissão completa
escolhido para o tratamento. O risco de recorrência de crises das crises. O período de reavaliação é de 3 meses. Na
varia de acordo com o tipo de crise e com a síndrome epiléptica reavaliação, o médico verificará eficácia e segurança do
do paciente, e é maior naqueles com descargas epileptiformes tratamento.
ao EEG, defeitos neurológicos congênitos, crises sintomáticas A resposta ao tratamento deve ser avaliada com base na
agudas prévias e lesões cerebrais e em pacientes com paralisia redução do número de crises - diário de crises -, bem como na
de Todd. Incidência de novas crises epilépticas são inaceitáveis tolerabilidade, levando em consideração os efeitos adversos,
para pacientes que necessitam dirigir, continuar empregados ou especialmente os cognitivos e comportamentais. Sugere-se
ser responsáveis por familiares vulneráveis. A decisão de iniciar elaboração de um diário de crises contendo doses do
tratamento fica bem mais fortalecida após a ocorrência de 2 ou medicamento em uso, descrição das crises e efeitos colaterais.
mais crises epilépticas não provocadas com mais de 24 horas de Os principais efeitos adversos relatados são:
intervalo. a) Fenitoína: ataxia, sonolência, letargia, sedação e
Até o momento, foram publicados quatro guias oficiais de encefalopatia (dose-dependentes), hiperplasia gengival,
recomendações (guidelines), baseados em evidências, para o hirsutismo e dismorfismo facial (uso crônico);
tratamento da epilepsia. Várias discrepâncias significativas b) Fenobarbital: tontura, sedação, depressão,
entre eles foram constatadas. Por exemplo, a Academia transtornos comportamentais, prejuízo cognitivo e da
Americana de Neurologia (AAN) recomenda tanto fármacos concentração, hiperatividade em crianças;
estabelecidos (carbamazepina, fenitoína, ácido valproico) como c) Clobazam: sonolência, efeitos cognitivos e
novos anticonvulsivantes (lamotrigina, topiramato) para o comportamentais, desenvolvimento de tolerância;
tratamento de crises focais com ou sem generalizações d) Primidona: semelhantes aos do fenobarbital;
secundárias, enquanto o guia NICE (National Institute for Clinical e) Carbamazepina: sedação, cefaleia, diplopia, visão
Excellence), do Reino Unido, propõe que novos fármacos sejam turva, rash cutâneo, transtornos gastrointestinais, ataxia,
usados neste tipo de crise somente quando o paciente não tremor, impotência, hiponatremia e neutropenia;
responder adequadamente aos já estabelecidos. O guia SIGN f) Topiramato: sonolência, anorexia, fadiga, nervosismo,
(Scottish Intercollegiate Guidelines Network) apresenta pensamento lento, dificuldade de encontrar palavras, dificuldade
recomendações intermediárias, selecionando dois fármacos da de concentração, perda de peso, parestesias, dores abdominais,
antiga geração e dois novos como monoterapia de primeira linha. acidose metabólica, nefrolitíase, miopia e glaucoma de ângulo
Entretanto, a revisão sistemática da ILAE (International League fechado;
Against Epilepsy) concluiu que a melhor evidência disponível não g) Gabapentina: aumento do apetite, ganho de peso,
foi suficiente para ser utilizada em recomendações para tontura, ataxia, nistagmo, cefaleia, tremor, fadiga, diplopia,
diagnóstico, monitorização e tratamento de pacientes com náusea e comportamento agressivo em crianças;
epilepsia. h) Lamotrigina: rash cutâneo, cefaleia, diplopia, náusea,
As recomendações da ILAE, baseadas apenas em tontura, ataxia, tremor, astenia e ansiedade;
evidências de eficácia e efetividade, para escolha de fármacos i) Etossuximida: transtornos gastrointestinais,
anticonvulsivantes são as seguintes: sonolência, perda de peso, fotofobia, euforia, soluços, cefaleia e
transtornos comportamentais (menos frequente);
a) adultos com epilepsia focal - carbamazepina, fenitoína
j) Ácido valproico: sonolência, fadiga, tremor
e ácido valproico;
(relacionados ao SNC), insuficiência hepática, pancreatite
b) crianças com epilepsia focal - carbamazepina;
hemorrágica aguda, encefalopatia hiperamonêmica,
c) idosos com epilepsia focal - lamotrigina e gabapentina
trombocitopenia, ganho de peso, alopecia (sistêmicos);
1. Monitorização k) Vigabatrina: defeitos no campo visual, sedação,
cefaleia, tontura, ataxia, transtornos de memória e
O tempo de tratamento da epilepsia é, em geral, comportamentais, parestesias, ganho de peso e tremor.

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2. Fármacos e esquemas de administração de 6 horas, sendo fortemente ligada às proteínas plasmáticas


(mais de 85%), com uma meia-vida de eliminação em torno de
a) Carbamazepina. A Carbamazepina é um iminodibenzil 20 horas. Está contraindicada nas crises de ausência e
que inibe os disparos neuronais corticais repetitivos, mioclônicas, podendo ser efetiva nas crises tônicas (próprias da
sustentados e de alta frequência através do bloqueio dos canais síndrome de Lennox-Gastaut).
de sódio voltagem- dependente. Também possui uma discreta Suas principais desvantagens são efeitos adversos a
ação anticolinérgica. Suas indicações são: curto e longo prazos, limitações para uso crônico em mulheres
- Monoterapia ou terapia adjuvante de crises focais, com (efeitos estéticos e propriedades teratogênicas) e janela
ou sem generalização secundária. terapêutica restrita e muito próxima dos níveis tóxicos,
- Crises TCG em pacientes com mais de 1 ano de idade. necessitando de frequentes monitorações dos níveis séricos.
b) Clobazam. O principal sítio de ação dos Devido à sua farmacocinética peculiar, após atingir dosagens em
benzodiazepínicos é um receptor pós-sináptico do ácido gama- torno de 300 mg/dia, pequenos incrementos de dose podem
aminobutírico (GABA), o principal neurotransmissor inibitório do gerar aumentos desproporcionais dos níveis séricos, o que exige
SNC. Ao ligar-se aos receptores GABAA, o clobazam, como todos cautela em sua administração. Suas indicações são:
os benzodiazepínicos, aumenta a frequência de aberturas destes - Tratamento de crises TCG, focais complexas, ou
receptores, aumentando, assim, o índice de correntes inibitórias combinação de ambas, em crianças, adolescentes e adultos.
no cérebro. - Prevenção e tratamento de crises epilépticas durante
O clobazam é rapidamente absorvido pelo trato digestivo, ou após procedimento neurocirúrgico.
atingindo picos de concentração máximos no sangue em cerca e) Fenobarbital. Este fármaco possui largo espectro de
de 90 minutos. A meia-vida é longa (em torno de 20 horas). Este ação com efetividade similar à de outros fármacos
fármaco é fortemente ligado às proteínas séricas (cerca de 85% anticonvulsivantes. É seguro e disponível em apresentações
das moléculas). Suas principais vantagens são a alta eficácia, o orais e parenterais. Seu principal mecanismo de ação é o
rápido início de ação e a boa tolerabilidade. Possíveis prolongamento da abertura dos canais de cloro, dos receptores
desvantagens são o desenvolvimento de tolerância em 40% dos GABAA e consequente hiperpolarização da membrana pós-
casos e potenciais problemas relacionados à sua retirada sináptica. O fenobarbital também pode bloquear os canais de
(abstinência). Suas indicações são: sódio e potássio, reduzir o influxo de cálcio pré-sináptico e,
- Terapia adjuvante para crises parciais e generalizadas provavelmente, reduzir as correntes mediadas pelo glutamato.
refratárias. Apresenta rápida absorção por via oral, porém uma
c) Etossuximida. Este fármaco apresenta um espectro meia-vida de eliminação longa (2-7 dias), apesar de ser
de ação anticonvulsivante bastante restrito, exclusivo para crise fracamente ligado às proteínas (20%-50%). As principais
de ausência. Seu principal mecanismo de ação é o bloqueio dos desvantagens são seus efeitos colaterais, principalmente na
canais de cálcio, com consequente inibição do circuito tálamo- área cognitiva, o que limita seu uso tanto em crianças quanto em
cortical, que está intimamente relacionado à geração das crises idosos. Não é adequado tentar a substituição de fenobarbital em
de ausência. pacientes bem controlados, a menos que seu uso esteja
A etossuximida é útil no tratamento em monoterapia das associado a efeitos adversos inaceitáveis. A retirada deve ser
crises de ausência típicas e como adjuvante nas mioclonias feita em dosagens muito pequenas e por longo período de tempo
negativas, crises atônicas e mioclonias. Suas indicações são: devido ao risco de crises por abstinência. Doses elevadas devem
- Tratamento de crises de ausência em pacientes com 3 ser evitadas (em adultos, dose máxima de 300 mg/dia).
anos de idade ou mais; O fenobarbital ainda é largamente utilizado na prática
- Tratamento adjuvante de mioclonias negativas, crises clínica, por apresentar eficácia equivalente à da fenitoína no
astáticas e certos tipos de epilepsias mioclônicas. tratamento em monoterapia tanto de crises focais como nas
d) Fenitoína. Seu principal mecanismo de ação é o generalizadas. É indicado para:
bloqueio dos canais de sódio voltagem-dependentes, o que lhe - Tratamento de crises focais e generalizadas de
confere grande eficácia contra crises epilépticas de início focal. pacientes de qualquer idade, inclusive recém-nascidos.
Após ingestão, a fenitoína atinge picos de concentração em cerca

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f) Gabapentina. A gabapentina apresenta estrutura elétricos pós-sinápticos. Não parece ter efeito GABAérgico e não
semelhante à do GABA, no entanto não tem nenhuma interação tem semelhança química com os anticonvulsivantes indutores
com os receptores GABAA ou GABAB. Seu sítio de ligação é a enzimáticos (fenobarbital, fenitoína, carbamazepina) .
proteína alfa2-gama, uma subunidade dos canais de cálcio Uma atualização dos parâmetros práticos recomendados pela
voltagem-dependentes, embora ainda não haja uma compreensão ILAE no tratamento da epilepsia em mulheres, com foco na
completa do exato mecanismo anticonvulsivante deste fármaco. gestação, realizou uma revisão sistemática de artigos publicados
A gabapentina apresenta uma absorção saturável, entre 1985 e 2007. Conclui-se que é altamente provável que a
dependente de dose, ou seja, em doses maiores pode haver exposição intrauterina a ácido valproico, no primeiro trimestre
menor absorção no duodeno, levando a uma menor eficácia. A da gestação, tenha maior risco para malformações congênitas
absorção varia de pessoa para pessoa. Por não ser ligada a importantes em relação a carbamazepina.
proteínas plasmáticas, é eliminada pelos rins, não interferindo
com o metabolismo de outros fármacos, o que a torna ideal para j) Vigabatrina. A vigabatrina é um análogo estrutural
idosos e para pacientes com doença crônica que geralmente do ácido gama-aminobutírico (GABA) que inibe irreversivelmente
usam outros medicamentos. É indicada para: a GABA-transaminase (GABA-T), aumentando os níveis sinápticos
- Terapia adjunta para crises focais com ou sem de GABA no cérebro.
generalização secundária em pacientes com mais de 3 anos de As duas maiores indicações clínicas deste fármaco são o
idade. tratamento de crises do tipo espasmos infantis e de crises focais
refratárias. Seu uso em adultos restringe-se a pacientes com
g) Primidona. A primidona, com base em sua estrutura epilepsia grave que não respondem a outros medicamentos
química, não pode ser considerada um barbitúrico; no entanto, anticonvulsivantes devido a seus potenciais graves efeitos
parte do seu efeito clínico pode ser atribuído à biotransformação adversos. No entanto, comparada a carbamazepina, sua eficácia
hepática de suas moléculas em fenobarbital. É utilizada no: é inferior em pacientes com epilepsia recentemente
- Tratamento de crises focais e generalizadas em diagnosticada. Ela também agrava mioclonias. Em crianças, no
pacientes refratários ou intolerantes aos fármacos de primeira entanto, a vigabatrina é altamente efetiva na síndrome de West,
linha. especialmente quando associada a esclerose tuberosa .

h) Topiramato. Este fármaco é bem absorvido e k) Precursores do íon valproato: ácido valproico e
minimamente ligado às proteínas plasmáticas. É parcialmente valproato de sódio. Valproato é o íon circulante no sangue
metabolizado no fígado, e cerca de 60% da dose é excretada responsável pelo efeito anticonvulsivante das diferentes
inalterada na urina. Seu metabolismo sofre a influência de formulações farmacêuticas. Foi inicialmente comercializado sob
fármacos indutores de enzimas hepáticas, tendo a meia-vida a forma ácida e depois na de sal (de sódio ou de magnésio) e de
diminuída com o uso concomitante destes fármacos. amido. Mais recentemente, foi desenvolvida a molécula de
O topiramato apresenta um largo espectro de eficácia, e divalproato de sódio. Não há na literatura ECR que tenha
sua estrutura é distinta da dos outros anticonvulsivantes, tendo demonstrado superioridade em eficácia anticonvulsivante entre
sido implicado em vários mecanismos de ação, incluindo bloqueio as diferentes formulações.
dos canais de sódio dependentes de voltagem, modulação O ácido valproico é um dos principais anticonvulsivantes
negativa dos canais de cálcio tipo-L, ativação da condutância do utilizados, com eficácia estabelecida para múltiplos tipos de
potássio, potencialização da ação inibitória GABAérgica, além de crises. Picos máximos de concentração são atingidos 2 horas
antagonismo a receptores glutamatérgicos e inibição da após a ingestão oral. É altamente ligado às proteínas (90%), e a
anidrase carbônica. meia-vida de eliminação é de cerca de 15 horas.

i) Lamotrigina. O principal mecanismo de ação da


lamotrigina parece envolver a inibição dos canais de sódio
voltagem-dependentes, resultando em inibição dos potenciais

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Capítulo Vi
SÍNDROMES
DEMENCIAIS

INTRODUÇÃO básicas, ou instrumentais, podem ser avaliadas por escalas ou


questionários aplicados ao familiar, parente ou cuidador.
Demência é definida como a deterioração adquirida das
capacidades cognitivas que prejudica o desempenho das ETIOLOGIA
atividades cotidianas. A memória é a capacidade cognitiva mais
comumente perdida devido à demência, 10% das pessoas com A demência é uma síndrome que possui muitas causas. A
mais de 70 anos e 20 a 40% das que têm mais de 85 anos demência de Alzheimer é a causa mais comum de demência nos
apresentam perda de memória clinicamente detectável. Além da países ocidentais, representando mais de 50% dos pacientes
memória, outras habilidades mentais também podem ser dementes. A doença vascular é a segunda causa de demência nos
afetadas na demência, como a: linguagem, capacidade EUA, perfazendo 10 a 20 % dos casos. Em seguida vem a
visoespacial, cálculo, discernimento, soluções de problemas, demência com corpos de Lewy (DCL) e a Demência
comportamento (agitação, insônia, choro fácil, atitudes Frontotemporal.
inadequadas) e habilidades adquiridas (dirigir, vestir a roupa, As demências são classificadas em primarias e
cozinhar, andar na rua) e capacidades funcionais e sociais. secundárias. As primárias são decorrentes de atrofia cortical,
As diferentes causas de demência podem estar sendo o exemplo mais comum a de Alzheimer e as secundárias
relacionadas não apenas a quadros neurológicos primários, mas são decorrentes de outras doenças, como hipotireoidismo, AIDS,
também a condição médica sistêmica, a efeitos persistentes de consumo excessivo de álcool, deficiência de vitamina B12, sífilis,
abuso de substâncias, ou a combinação desses fatores. Devemos entre outras.
lembrar que o diagnóstico de demência não deve ser feito na As demências também podem ser classificadas em:
vigência de delirium (situação clínica em que há agudamente um reversíveis e não reversíveis; estruturais e não estruturais;
déficit global da atenção, geralmente causado por doenças corticais e subcorticais.
clínicas). Os déficits neuropsiquiátricos e sociais surgem em
Aprofundando o conhecimento
muitas síndromes demências, resultando em depressão,
retraimento, alucinações, delírios, agitação, insônia e Existem doenças tratáveis que têm a demência como
desinibição. As formas comuns de demência são progressivas, um de seus sintomas, demência essa que pode ser revertida
mas algumas doenças demências são estáticas ou flutuam com o tratamento apropriado, são elas: Hipotireoidismo,
intensamente de um dia para o outro. A maioria dos diagnósticos deficiência de vitamina B12, neurosífilis, demência
requer alguma forma de déficit de memória, embora existam relacionada ao HIV, hidrocefalia de pressão normal
muitas demências, como a demência frontotemporal, nas quais a (normobárica), tumores cerebrais, hematoma subdural
perda de memória não é manifestação da apresentação. crônico e intoxicações crônicas (álcool, anticolinérgicos,
É fundamental uma detalhada história clínica do paciente, psicotrópicos, hipnóticos...).
confirmada por algum parente, amigo ou cuidador. O diagnóstico
também está baseado em uma avaliação objetiva do Alguns pacientes com depressão grave podem ser
funcionamento cognitivo e das atividades de vida diárias. Há erroneamente diagnosticados com Demência. Por isso, fazem
testes mais extensos e detalhados. As atividades de vida diária parte da abordagem diagnóstica ao paciente com indícios de

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demência: dosagem de TSH, B12 sérica (ou ácido metilmalônico +


homocisteína), VDRL, Anti-HIV e TC de crânio sem e com Alterações cognitivas: diminuição de memória, dificuldade
contraste (ou RNM de crânio). Estes e outros exames em compreender comunicação escrita ou verbal, dificuldade
complementares serão discutidos a seguir. em encontrar as palavras, esquecimento de fatos de
conhecimento comum (por exemplo, nome do presidente).
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO
Sintomas psiquiátricos: apatia, depressão, ansiedade,
Devemos suspeitar de quadro demencial quando o insônia, desconfiança, delírios, paranoia, alucinações.
paciente apresentar alterações cognitivas (principalmente perda
de memória), sintomas psiquiátricos, alterações de Alterações de personalidade: comportamentos
personalidade, mudanças no comportamento ou diminuição na inapropriados, desinteresse, isolamento social, ataques
explosivos, frustração excessiva.
capacidade de realizar atividades da vida diária.
No quadro ao lado encontram-se descritos os principais Mudanças no comportamento: agitação, inquietude,
sinais e sintomas que podem indicar a necessidade de avaliação deambulação durante a noite.
para quadro demencial.
Na prática clínica, o teste mais utilizado é o Miniexame do Diminuição de capacidade de realizar atividades da vida
Estado Mental (Mini-mental), demonstrado na página seguinte. diária: dificuldade em dirigir, se perder constantemente,
É fundamental pesquisar com os familiares o tempo de dificuldade em cozinhar, cuidado pessoal ruim, problemas
com compras e no trabalho.
evolução do declínio cognitivo, assim como sintomas associados,
doenças clínicas ou neurológicas concomitantes e medicações
utilizadas (muitas podem comprometer as funções cognitivas). A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), sorologia
Da mesma forma, o exame clínico e neurológico deve ser para HIV e eletroencefalograma (EEG) são solicitados em casos
completos, em busca da etiologia do quadro demencial e de de síndrome demencial em idade pré-senil ou com evolução
causas tratáveis. Déficit neurológico focal associado a quadro atípica (por exemplo, demência rapidamente progressiva).
demencial, por exemplo, pode sugerir Demência Vascular. Em casos em que o déficit cognitivo instalou-se de forma
No Brasil, os exames necessários para investigação de aguda, devemos pensar primeiramente em delirium (situação
síndrome demencial em faixa etária senil são hemograma, função clínica em que há agudamente um déficit global da atenção,
renal (dosagem de eletrólitos, ureia e creatinina), hepática e geralmente causado por doenças clínicas) e realizar exames
tiroidiana, dosagem sérica de vitamina B12 e ácido fólico, para afastar problemas clínicos como infecção urinária (ou
sorologia para sífilis, glicemia de jejum e exame de neuroimagem outras infecções), desidratação, isquemia miocárdica, hipóxia,
(Tomografia Computadorizada [TC] de crânio ou ressonância distúrbios hidroeletrolíticos ou outros problemas clínicos, pois
magnética [RM] de encéfalo). geralmente a alteração cognitiva é revertida com o tratamento
adequado.

Esquema de abordagem diagnóstica de demências.


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ÁREA COGNITIVA AVALIADA COMANDOS DE AVALIAÇÃO ESCORE

Orientação temporal Perguntar qual o(a): ANO – ESTAÇÃO – MÊS – DIA – DIA DA SEMANA. (um ponto para cada) 0a5

Orientação espacial Perguntar qual o(a): ESTADO – RUA – CIDADE – LOCAL – ANDAR. (um ponto para cada) 0a5

O examinador nomeia 3 palavras comuns (por exemplo, carro, vaso, bola). Em seguida, pede-se que
Registro o paciente repita as 3 palavras. O paciente receberá um ponto por cada acerto. Permita 5 tentativas 0a3
até o paciente aprender as 3 palavras, mas pontuar apenas a primeira

Peça para subtrair 7 de 100 sucessivamente (5 vezes):


100 – 93 – 86 – 79 – 72 - 65
Dar um ponto para cada acerto.
Atenção e cálculo Se não atingir o escore máximo, peça para que soletre a palavra MUNDO. Corrija os erros de 0a5
soletração e então peça para que soletre a palavra MUNDO de trás para frente.
Dar um ponto para cada letra na posição correta.
Considerar o maior resultado obtido no cálculo ou na soletração da palavra

Memória de evocação Peça para o paciente repetir as 3 palavras aprendidas anteriormente. (um ponto para cada acerto) 0a3

Apontar para o lápis e perguntar o que é. Fazer o mesmo com o relógio. (um ponto para cada
1o teste 0a2
acerto)

2 o teste Pedir para repetir a seguinte frase: NEM AQUI, NEM ALÍ NEM LÁ. (um ponto se acertar) 0a1

Peça para que execute a seguinte tarefa:


o PEGUE ESTE PAPEL COM A MÃO DIREITA (pausa), COM AS DUAS MÃOS, DOBRE-O AO MEIO UMA VEZ
3 teste 0a3
(pausa) E EM SEGUIDA JOGUE-O NO CHÃO.
Dar um ponto para o acerto em cada comando
Linguagem

Escrever em uma folha de papel o seguinte comando: FECHE OS OLHOS.


4o teste 0a1
Peça para o paciente ler e obedecer ao comando. (um ponto se acertar)
Peça para o paciente escrever uma frase completa.
5o teste 0a1
(um ponto se conseguir)
Peça para que copie o seguinte desenho:
6o teste 0a1
Dar um ponto se acertar

ESCORE Total de 0 a 30. Considerado normal se acima de 23

Mini exame de estado mental (MINIMENTAL).

68
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DOENÇAS DE ALZHEIMER (DA) As alterações mais precoces ocorrem em estruturas do


sistema límbico, como hipocampo, córtex entorrinal e
O Mal de Alzheimer é uma doença degenerativa, transentorrinal, núcleo basal de Meynert, amígdala e o córtex
progressiva, que compromete o cérebro causando diminuição da têmporo-polar. Posteriormente há acometimento dos córtex
memória, dificuldade no raciocínio, pensamento e alterações associativos parietal e frontal, e, no estágios avançados da
comportamentais. doença, comprometimento de áreas sensitivo-motoras
Foi descrita, pela primeira vez, em 1906, pelo psiquiatra primárias.
alemão Alois Alzheimer, de quem herdou o nome. É a principal
causa de demência em pessoas com mais de 60 anos no Brasil,
sendo mais de duas vezes mais comum que a demência vascular,
sendo que em 15% dos casos ocorrem simultaneamente. Atinge
1% dos idosos entre 65 e 70 anos, mas sua prevalência aumenta
consideravelmente com os anos sendo de 6% aos 70, 30% aos
80 anos e mais de 60% depois dos 90 anos.
Em cerca de 5% dos casos, a doença tem herança
autossômica dominante, sendo na maioria das vezes de
ocorrência esporádica. Além da idade, outros fatores de risco
para a DA são sexo feminino, história familiar de DA em parentes
de primeiro grau, história de traumatismo cranioencefálico e Secção transversal de cérebro normal e com DA.
presença do alelo E4 da apolipoproteína E.
Ocorre perda de neurônios colinérgicos do núcleo basal
1. Etiologia e Fisiopatologia de Meynert precocemente na DA, que é responsável pela perda
de inervação colinérgica cortical. Esse é um dos mecanismos
A DA é uma doença degenerativa, sem fator etiológico fisiopatológicos da doença, e o principal alvo terapêutico até o
determinado. Os principais achados anatomopatológicos são as momento. Outros mecanismos fisiopatológicos envolvidos na DA
placas amiloides, depósitos insolúveis de proteína beta-amiloide, são inflamação e estresse oxidativo.
e os emaranhados neurofibrilares, constituídos por proteína tau
fosforilada. O diagnóstico post-mortem é determinado pela 2. Achados Clínicos
distribuição e densidade desses achados. Outras características
patológicas são perda neuronal, diminuição da densidade A DA ocorre de forma insidiosa e com progressão lenta
sináptica e gliose. dos sintomas. A sobrevida de doença pode chegar a 20 anos,
mas é em média de oito anos. A principal e mais precoce
característica clínica da DA é o déficit de memória. O paciente
tem dificuldade em memorizar novas informações, experiências
e eventos recentes. Dificuldade em nomear é comum e o
paciente torna-se repetitivo. Os sintomas podem flutuar em
intensidade, e a presença de anosognosia (incapacidade de
reconhecimento) é comum. No início do quadro, como o déficit de
memória é leve, as atividades do dia-a-dia ainda podem ser
realizadas com relativa independência. O paciente realiza
atividades como dirigir, cuidar da casa, fazer compras e
participar de eventos sociais, porém de forma mais ineficiente e
com menos interesse.
Achados anatomopatológicos na DA. Nos estágios intermediários, associam-se ao déficit de

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memória déficits mais intensos nos outros domínios cognitivos, não são solicitados rotineiramente para o diagnóstico de DA,
como linguagem, praxia, atenção, funções executivas e estando seu uso restrito a casos em que há dúvida diagnóstica
orientação espacial. A afasia na DA geralmente é fluente. O após a investigação inicial. Nos casos de DA, a alteração mais
paciente torna-se mais dependente para suas atividades, frequentemente encontrada é o hipometabolismo ou hipofluxo em
necessitando de ajuda para dirigir, cuidar da casa, pagar contas, região têmporo-parietal bilateral.
e pode apresentar também dificuldade nas atividades de cuidado A figura a seguir demonstra um aumento marcado do
pessoal. Nesta fase, as alterações do ciclo sono-vigília são sistema ventricular e dos sulcos. A fissura de Sylvius e os polos
comuns, podendo haver piora dos sintomas cognitivos e temporais dos ventrículos laterais são os mais severamente
comportamentais ao entardecer (fenômeno do pôr-do-sol). Os afetados.
sintomas psiquiátricos são comuns, e é frequente a presença de
delírios. Os mais comuns são delírios de ciúmes (do cônjuge) e
de roubo (ao tentar encontrar objeto guardado em local não
usual). O paciente também pode apresentar alucinações,
agitação, apatia e sintomas depressivos. A necessidade de
cuidados de terceiros é crescente.
No estágio final da doença, o indivíduo é totalmente
dependente. Há incontinência vesical e fecal, incapacidade de
reconhecer os familiares, dificuldade em alimentar-se e
locomover-se. Todas as funções cognitivas e comportamentais
são afetadas com a evolução da doença. Mais tardiamente, há TC de paciente com Doença de Alzheimer.
comprometimento extrapiramidal, com ocorrência de mioclonias,
rigidez, e instabilidade à marcha. Progressivamente, o indivíduo As dosagens de proteína tau fosforilada e de proteína
perde a capacidade de andar e fica restrito ao leito nas fases beta-amiloide no LCR têm sido estudadas para o diagnóstico de
mais avançadas. A morte ocorre por complicações DA e podem ter utilidade clínica para o diagnóstico de DA inicial
cardiopulmonares ou por infecção. no futuro.
O exame neurológico é normal no início da doença; pode
haver apraxia leve (perda da habilidade para executar 4. Tratamento
movimentos e gestos precisos). Com a evolução do quadro,
A DA não tem tratamento específico. Os sintomas
sinais extrapiramidais podem ser encontrados e o quadro
cognitivos são tratados com inibidores da acetilcolinesterase e
apráxico se intensifica.
memantina. Os inibidores da acetilcolinesterase (donepezil,
galantamina e rivastigmina) constituem o tratamento inicial da
3. Exames Complementares
doença. Representam a primeira linha terapêutica nos casos
leves e moderados da doença. Nos casos moderados, a
O diagnóstico da DA é feito a partir de história clínica e
memantina deve ser associada ao tratamento inicial, e nos casos
exame neurológico sugestivos. O diagnóstico clínico tem acurácia
graves deve ser utilizada como monoterapia, embora estudos
de 90%. Exames complementares devem ser solicitados
recentes apontem para a continuidade do uso dos inibidores da
conforme sugerido previamente, de forma a afastar causas de
acetilcolinesterase nessa fase.
demência secundária a outras doenças clínicas ou neurológicas.
Os sintomas neuropsiquiátricos são tratados inicialmente
Os exames de neuroimagem estrutural (TC e RM)
com medidas não farmacológicas. As medicações utilizadas para
frequentemente são normais em estágios iniciais da doença. A
o tratamento desses sintomas são inibidores da
atrofia hipocampal evidente ao exame de RM pode estar presente
acetilcolinesterase, antidepressivos, estabilizadores de humor ou
já em fase inicial. Com a evolução da doença, a atrofia
neurolépticos, a depender da qualidade e gravidade. Todos os
hipocampal torna-se mais evidente, e associa-se atrofia cortical
estudos publicados até o momento mostram eficácia mínima ou
com a evolução do quadro. Os exames funcionais (SPECT e PET)
duvidosa para o tratamento desses sintomas.

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geralmente associados à doença tromboembólica, hipertensão


Anamnese, exame
físico e minimental arterial sistêmica e evidência de doença aterosclerótica.
A demência isquêmica subcortical está associada à
doença de pequenos vasos cerebrais em pacientes com
Não
Não é demência hipertensão arterial de longa data, podendo haver alguns
Declínio cognitivo infartos lacunares, porém sem evidência clínica de lesão
e das funções da vascular na maioria das vezes. Raramente ocorre
vida diária Testes secundariamente a doenças tromboembólicas. O estado lacunar
Dúvida neuropsicológicos e a encefalopatia de Binswanger são os tipos de demência
Sim isquêmica subcortical.
A demência por infarto estratégico é caracterizada pela
Alterados presença de lesão vascular única em região cerebral específica,
Demência
resultando em demência. Não estão contemplados nessa
nomenclatura lesões extensas em hemisfério dominante.

2. Achados Clínicos
Exames
laboratoriais, Etiologia É Demência por múltiplos infartos: o quadro clínico
imagem e estabelecida reversível?
líquor depende do número e da quantidade de lesões, podendo haver
características clínicas corticais e subcorticais, geralmente com
Sim
Não predomínio dessas últimas. A evolução característica é dita em
degraus, ocorrendo platôs entre os eventos clínicos. No entanto,
Tratar a essa característica nem sempre está presente. Alterações de
Sintomáticos
etiologia marcha e incontinência urinária podem ocorrer em fases iniciais
Algoritmo diagnóstico de demência. da doença. Sinais e sintomas de paralisia pseudobulbar (disfagia,
disartria e labilidade emocional) também são característicos.
DEMÊNCIA VASCULAR (DV)
Flutuações cognitivas e piora noturna são comuns. Os pacientes
também podem apresentar labilidade emocional, apatia e
A DV é a segunda causa de demência na população acentuação da personalidade pré-mórbida.
idosa. Os principais fatores de risco são hipertensão arterial
Demência isquêmica subcortical: o quadro clínico
sistêmica, diabetes e a presença do alelo E4 da apolipoproteína E.
caracteriza-se por instalação insidiosa dos sintomas cognitivos,
Em algumas populações orientais, a DV é a principal causa de
associados a sinais e sintomas motores, com características
demência.
piramidais e extrapiramidais. O sinal mais comum ao exame é a
Seus principais fatores de risco são HAS doenças
apraxia de marcha. Os pacientes apresentam alterações em
cardíacas (em especial a fibrilação atrial), DM,
funções executivas, e lentificação da velocidade de pensamento,
hipercolesterolemia, tabagismo e alcoolismo.
atribuídas ao maior comprometimento de circuitos frontais
cortico-subcorticais. Alterações de humor e outros sintomas
1. Etiologia e Fisiopatologia
neuropsiquiátricos são comuns.
A DV ocorre secundariamente a insultos vasculares ao
Demência por infarto estratégico:
sistema nervoso central e pode ser dividida em demência por
múltiplos infartos, demência isquêmica subcortical e demência a) infarto talâmico medial: confusão mental ou coma
por infarto estratégico. de instalação aguda, e subsequente amnésia. Pode haver apatia.
A demência por múltiplos infartos está associada à Em alguns casos pode haver paralisia do olhar vertical e apraxia
recorrência clínica de acidentes vasculares encefálicos, de pálpebra;

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b) infarto de cápsula interna-tálamo lateral: Escala de Hachinscki


flutuação do alerta, inatenção, apatia e alentecimento psicomotor Início abrupto 2
na fase aguda, e posterior déficit de memória na fase crônica; Deterioração em degraus 1
Curso oscilante 2
c) infarto em globo pálido e núcleo caudado: infartos
Confusão noturna 1
bilaterais dos núcleos da base podem resultar em abulia, apatia e
Conservação relativa da personalidade 1
depressão, ou ainda em quadro de hiperatividade, desinibição e Depressão 1
inatenção; Queixas somáticas 1
d) infarto em artéria cerebral posterior: a oclusão da Incontinência emocional 1
artéria cerebral posterior pode decorrer em 1) infarto do lobo Hipertensão arterial 1
AVE anterior 2
occipital medial, levando à hemianopsia homônima; 2) da
Evidência de aterosclerose 1
hipocampal, levando a déficit de memória, que pode ser grave se
Sintomas neurológicos focais 2
infarto bilateral; 3) da porção posterior do corpo caloso,
Sinais neurológicos focais 2
podendo levar à alexia sem agrafia, em casos de infartos do lado
Escala de Hachinscki.
esquerdo; e 4) infartos do lobo temporal inferior, podendo levar à
agnosia para objetos, cores ou faces, a depender da extensão e 4. Tratamento
lado da lesão;
A heterogeneidade clínica dos casos de DV limita a
e) síndrome de Gerstmann: o infarto do giro angular generalização dos achados dos estudos clínicos. Esses estudos
esquerdo por oclusão do ramo posterior da artéria cerebral mostram que tanto os inibidores da acetilcolinesterase quanto a
média esquerda pode levar ao quadro clínico denominado de memantina pouco têm benefício para a cognição em pacientes
síndrome de Gerstmann, com acalculia, agrafia, desorientação com DV. Os casos devem ser estudados individualmente para a
esquerda-direita e agnosia digital. O mais comum é a ocorrência escolha terapêutica. A prevenção secundária de novos eventos
de alguns elementos da síndrome associados a afasia ou déficit vasculares deve ser realizada, como nos casos de acidente
de atenção. vascular encefálico.
f) infarto do mesencéfalo basal: pode resultar de
DEMÊNCIA COM CORPOS DE LEWY (DCL)
complicação cirúrgica para correção de aneurisma da artéria
comunicante anterior, com lesão dos vasos perfurantes da
região. O infarto da região interrompe as vias colinérgicas que 1. Etiologia e Fisiopatologia
conectam a região ao hipocampo, levando a um quadro
A DCL tem etiologia desconhecida. Sua característica
amnéstico. Infarto bilateral da artéria cerebral anterior pode
anatomopatológica é a presença de corpos de Lewy com
levar a quadro de abulia intensa.
Algumas características clínicas favorecem o diagnóstico distribuição cortical predominante, podendo haver
de DV e foram agrupadas na chamada escala de Hachinscki. concomitância de alterações patológicas da DA. Os corpos de
Lewy também são encontrados na substância negra, porém em
Pontuação acima de 6 indica maior probabilidade de DV. Esta
menor intensidade do que na doença de Parkinson.
escala está descrita no quadro da coluna ao lado.

3. Exames Complementares 2. Achados Clínicos

A investigação do quadro demencial deve ser realizada da A DCL é caracterizada por quadro demencial progressivo,
mesma forma que na DA. Nos quadros vasculares, a RM de com déficits atencionais, visoespaciais, e de funções executivas,
encéfalo fornece informação melhor em relação à localização e à e a presença de duas das seguintes características: 1) flutuação
extensão das lesões. A etiologia das lesões vasculares deve ser dos sintomas cognitivos com variação intensa na atenção e
pesquisada, da mesma forma que em outros casos de acidente alerta; 2) alucinações visuais recorrentes, geralmente
vascular cerebral. detalhadas e vívidas; 3) parkinsonismo. Outras características

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clínicas comuns são quedas repetidas, síncope, delírios, 1. Etiologia e Fisiopatologia


alucinações não visuais, depressão, distúrbio do sono REM, e
sensibilidade ao neuroléptico. É uma doença degenerativa, geneticamente
determinada na minoria dos casos. Não existe um fator etiológico
3. Exames Complementares determinado nos casos esporádicos da doença. Os achados
anatomopatológicos são divididos em três grupos principais:
A investigação deve ser feita como nos casos de DA. O
inclusões ubiquitinas positivas, inclusões tau positivas e ausência
exame de imagem estrutural pode ser normal no início do
de alterações específicas.
quadro. A atrofia hipocampal é menos importante do que na DA. O
SPECT mostra redução do fluxo sanguíneo nos lobos occipitais. 2. Achados Clínicos
4. Tratamento
O quadro clínico da DFT caracteriza-se por curso
Não há tratamento específico para a DCL. Os insidioso de alteração do comportamento ou da personalidade,
neurolépticos devem ser evitados, pela alta chance de por exemplo, desinibição, impulsividade, apatia, perda do insight,
impregnação. Os inibidores da acetilcolinesterase são utilizados desinteresse, afastamento social. Há dificuldade em
e podem melhorar os sintomas cognitivos, além de reduzir os planejamento e na capacidade de julgamento. As alterações do
sintomas psicóticos. comportamento podem ser divididas em desinibidas, apáticas ou
estereotípicas. Alterações de humor, ansiedade e depressão são
DEMÊNCIA LOBAR FRONTOTEMPORAL frequentes. O paciente pode apresentar comportamento
psicopático. São comuns sintomas de hiperoralidade,
A demência frontotemporal (DFT) é uma das síndromes hipersexualidade e comportamentos estereotipados. Distúrbios
clínicas que compõem os quadros de degeneração lobar de linguagem podem acompanhar o quadro clínico. A idade de
frontotemporal, juntamente com a afasia progressiva primária e início é em geral na quinta ou sexta década, e a duração da
a demência semântica. Discutiremos os aspectos clínicos da DFT doença de aproximadamente oito anos.
apenas, por ser a mais frequente entre as três entidades. O exame neurológico é geralmente normal nas fases

CAUSA INDÍCIOS CLÍNICOS TESTES CONFIRMATÓRIOS


Doença de Alzheimer Ausência de outros sinais neurológicos CT de crânio
A CT de crânio pode demonstrar infartos
Demência por infartos múltiplos Paralisia pseudobulbar; pioras episódicas
lacunares
História de uso de medicamentos; fala arrastada, ataxia,
Drogas (tranquilizantes, agentes
letargia; sintomas de abstinência ou melhora durante a Pesquisas toxicológicas
antiparkinsonianos)
internação
História de alcoolismo, tratamento anticoagulante, letargia,
Hematoma subdural crônico CT de crânio, tomografia cerebral
cefaleia
HC, nível de B12 teste de Schilling
Deficiência de B12 Ataxia, sinais da coluna posterior

Hidrocefalia Incontinência, distúrbio da marcha CT de crânio, cisternografia com isótopos

Hipotireoidismo Voz rouca, rigidez muscular, reflexos retardados Estudos tireoidianos

Sífilis Tremor lingual, pupilas mióticas VDRL, FTA


Meningite crônica (fungos,
Outros sinais de doença sistêmica PL para pesquisa de células, glicose, citologia
tumor, tuberculose)
Doença de Huntington HF de transtorno mental; inquietação CT de crânio - atrofia caudal
Doença de Creutzfeldt-Jakob Progressão durante meses; mioclonia EEG: ondas trifásicas apiculadas
Diagnóstico diferencial das demências.

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iniciais da doença. Alguns casos apresentam sinais


DEGENERATIVAS
extrapiramidais (DFT associada a parkinsonismo – cromossomo
17) e podem estar associados a doença do neurônio motor. Sinais
 Alzheimer
de frontalização, como reflexo de sucção, preensão palmar, e
snouting, podem estar presentes.  Doença de Lewy
 Doença de Pick
3. Exames Complementares
 Parkinson
A investigação deve ser feita como nos casos de DA. O  Doença de Huntington
exame de imagem estrutural pode ser normal no início do
 Paralisia Supranuclear progressiva
quadro, porém a presença de atrofia dos lobos frontais e
temporais, com preservação relativa dos hipocampos, sugere o
PSIQUIÁTRICAS
diagnóstico de DFT. O SPECT mostra redução do fluxo sanguíneo
frontal e temporal, com relativa preservação das regiões
 Depressão
posteriores.
 Esquizofrenia
4. Tratamento

Não há tratamento específico para a DFT. Os sintomáticos METABÓLICAS


mais utilizados são os antidepressivos e os neurolépticos.
 Doença de Wilson
OUTRAS CAUSAS DE DEMÊNCIA  Hipotireoidismo
 Síndrome de Cushing
1. Os distúrbios priônicos, como a doença de Creutzfeld-  Uremia
Jakob (DCJ), são doenças raras que produzem demência. A DCJ
 Insuficiência hepática
é uma doença rapidamente progressiva associada a demência,
sinais focais, rigidez e mioclonia, causando a morte em menos de
1 ano desde o primeiros sintomas. A rapidez da progressão NUTRICIONAL
verificada na DCJ é incomum na DA, de modo que a distinção
entre os dois distúrbios é possível;  Deficiência de vitamina B12,
 Deficiência de niacina (B3)
2. A doença de Huntington (DH) é uma doença cerebral
degenerativa autossômica dominante. As marcas clinicas da DH  Deficiência de tiamina (B1)
são a coreia, alterações comportamentais e um distúrbio frontal
da função executiva; OUTRAS

3. Deficiência de Tiamina (Vitamina B1) causa a encefalopatia  Vascular


de Wernicke. A apresentação clínica é a de um individuo
 Neoplasias
desnutrido (em muitos casos alcoolista) com confusão, ataxia e
diplopia por oftalmoplegia. A deficiência de tiamina lesiona o  Hidrocefalia de pressão normal
tálamo, corpos mamilares linha média do cerebelo, substância  Trauma
cinzenta periaquedutal do mesencéfalo e nervos periféricos.
 Infecções
Para finalizar este capítulo, vale a pena ressaltar as  Álcool, drogas, metais pesados.
principais causas de demências. Principais causas de demência

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Capítulo Vii
HIPERTENSÃO
INTRACRANIANA

.
líquido através do epêndima. Uma vez produzido, o LCR dos
INTRODUÇÃO
ventrículos laterais circula através dos forames de Monro para o
terceiro ventrículo e daí para o quarto ventrículo, através do
O cérebro ocupa posição singular no corpo humano,
aqueduto cerebral. Do quarto ventrículo, o LCR sai pelos forames
porque está contido dentro de uma caixa óssea, que é fechada no
de Luschka e Magendie e alcança as cisternas basais. Por via
adulto, juntamente com o líquido cefalorraquidiano (LCR)
anterior, através das cisternas anteriores do tronco cerebral,
(também chamado fluido cerebroespinhal ou líquor) e com o
alcança a convexidade do cérebro, após passar pela base dos
sangue circulante. Pressão intracraniana (PIC) é aquela
lobos frontais e temporais. Por via posterior, o LCR que sai do
encontrada no interior da caixa craniana, tendo como referência
quarto ventrículo circula pela cisterna magna, cisternas
a pressão atmosférica. A PIC , em condições normais, varia de
supracerebelares, cisternas ambientes e cisternas do corpo
50 a 200 mmH2O ou de 10 a 15 mmHg em adultos, 3 a 7 mmHg em
caloso, atingindo também a convexidade cerebral. Além disso, o
crianças e 1,5 a 6 mmHg em recém nascidos. Ela reflete a
LCR circula ao redor da medula no canal raquidiano, em um
relação entre o conteúdo da caixa craniana (cérebro, líquido
movimento de entrada e saída na caixa craniana. A propagação
cefalorraquidiano e sangue) e o volume do crânio, que pode ser
da corrente liquórica é atribuída ao efeito exercido pelas
considerado constante (Doutrina de Monroe-Kellie). A alteração
pulsações cardíacas nas artérias do plexo corioide, o qual
do volume de um desses conteúdos pode causar a hipertensão
provoca uma onda de pressão.
intracraniana (HIC).
A reabsorção liquórica ocorre, em grande parte, nas
vilosidades aracnoideas, ao longo do seio sagital, através de um
FISIOPATOLOGIA
mecanismo passivo do tipo valvular unidirecional. Quando a
pressão liquórica atinge 5mm/Hg.
Basicamente, as doenças que provocam hipertensão
Os mecanismos valvulares nos canalículos que unem o
intracraniana o fazem por um ou mais dos seguintes
espaço subaracnóideo às veias que drenam para o seio sagital
mecanismos: 1- crescimento de lesões que ocupam espaço na
superior abrem-se e permitem o escoamento do LCR, para
caixa craniana; 2- obstrução da circulação liquórica
dentro do sistema venoso.
(hidrocefalia); 3- aumento de líquido nos espaços intersticial
As alterações liquóricas que levam à HIC, geralmente, são
e/ou intracelular encéfalo (edema cerebral) e 4- ingurgitamento
aquelas que causam obstrução da circulação liquórica em
da microcirculação (aumento do volume sanguíneo
qualquer ponto de sua via e as que causam dificuldade na
intracraniano).
reabsorção do LCR. O volume total de sangue intracraniano é,
O líquor constitui 10% do volume intracraniano e seu
aproximadamente, 4-4,5 ml/100 g de tecido cerebral, que,
volume, em todo o sistema nervoso, é de aproximadamente 150
normalmente, está distribuído em 60% no lado venoso e 40% no
ml, dos quais 20-30 ml estão no interior dos ventrículos e o
lado arterial. Clinicamente, o sistema venoso pode ser
restante nos espaços subaracnóideos intracraniano e
considerado incompressível e os vasos do sistema venoso não
raquidiano.
sofrem alterações dos seus diâmetros, portanto toda a resposta
O LCR é produzido em torno de 0,3 a 4,0 ml/min,
vascular cerebral está do lado arterial, que representa menos de
principalmente nos plexos corioides dos ventrículos laterais
cérebro adulto.
(70% da produção), e, em menor quantidade, por transudação de

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Representação esquemática dos mecanismos de hipertensão intracraniana. A.Condições normais. Caixa craniana representada pelo quadrado externo,
cérebro representado pelo espaço cinza, espaço subaracnóideo e ventrículos representados pelo espaço com linhas onduladas e sistema vascular
representado pelo espaço tracejado; B.Processo expansivo intracraniano (pontilhado) e redução dos espaços liquóricos e do volume sanguíneo
intracraniano;C.Edema cerebral - cérebro aumentado de volume e redução dos espaços liquóricos e do volume sanguíneo intracraniano;
D.Ingurgitamento da microcirculação - aumento do volume sanguíneo intracraniano e redução do espaço liquórico; E.Hidrocefalia - aumento do espaço
liquórico e redução do volume sanguíneo intracraniano.

O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é diretamente pressórica). A autorregulação funciona adequadamente na faixa
proporcional à pressão de perfusão cerebral (PPC) e de variação da PAM, de 50 a 160 mmHg, o que significa que,
inversamente proporcional à resistência vascular cerebral conforme a PAM diminui, os vasos de resistência dilatam até que
(RVC). A PPC é igual a pressão arterial média (PAM) menos a atinjam um ponto máximo em resposta à redução da pressão. A
pressão venosa. Como, no homem, a pressão nos seios venosos partir de 50 mmHg,o FSC reduz abruptamente com quedas
é difícil de ser medida e ela corre paralela à PIC, considera-se a adicionais da PAM. O resultado dessa intensa vasodilatação é um
PPC igual à diferença entre a PAM e a PIC. Portanto, o FSC pode quadro de vasoplegia capilar, que provoca ingurgitamento da
ser expresso na seguinte equação: microcirculação. Essa vasoplegia pode ser irreversível e, com o
aumento progressivo, a PIC pode igualar-se à PAM,
FSC = PPC = PAM-PV(PIC)
interrompendo o FSC.
RVC RVC
Com o aumento da PAM, os vasos contraem-se até que a
A autorregulação do FSC pode ser definida como a PAM atinja 160 mmHg, nível em que a pressão quebra a
capacidade de aumento do FSC devido ao aumento da resistência da vasoconstrição, causando dilatação passiva e um
necessidade metabólica do cérebro e diminuição do fluxo com aumento no FSC. A teoria mais aceita para a regulação do FSC é
redução da demanda (autorregulação metabólica) ou como a a metabólica, que se baseia na premissa de que os músculos das
capacidade de manutenção do fluxo apesar do aumento ou da paredes vasculares são influenciados por metabólitos
redução da pressão arterial sistêmica (autorregulação vasodilatadores, produzidos nos tecidos vizinhos. O CO2 tem um

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acentuado efeito relaxante na musculatura dos vasos cerebrais considerada no estudo da etiologia da HIC, doenças
e, consequentemente, suas alterações têm um grande efeito intracranianas (fístulas arteriovenosas) e extracranianas
sobre a resistência vascular, sobre o FSC e sobre o volume (obesidade mórbida, trombose traumática de veias jugulares)
sanguíneo cerebral. Entretanto seu efeito não é direto sobre o podem causar seu aumento e, secundariamente, HIC.
diâmetro das arteríolas e, sim, age mediado pela alteração que O parênquima cerebral contribui com 85% do volume
provoca no pH do líquido extracelular. intracraniano (1000 a 1250 ml), sendo constituído por substância
Em resumo, o acúmulo de CO2 no espaço intersticial leva branca, onde há predomínio de axônios e mielina, e por
à acidose tecidual, que ocasiona o relaxamento da musculatura substância cinzenta, onde há predomínio de corpos celulares. A
lisa da microcirculação e reduz a RVC. O contrário ocorre parte sólida representa 25% do parênquima e os 75% restantes
quando o CO2 é eliminado e o pH tecidual aumenta. Embora com a são constituídos por água, distribuída nos espaços extra e
autorregularão o FSC permaneça constante, o fluxo sanguíneo intracelulares.
regional varia de acordo com as necessidades metabólicas O aumento do volume cerebral pode se dar pelo
regionais, havendo uma relação direta entre o fluxo e a atividade crescimento anormal de um tecido (tumores), pelo aparecimento
metabólica das áreas do córtex cerebral. de uma resposta inflamatória em resposta a um agente
Uma extensão do conceito de autorregularão cerebral é o infeccioso (abscesso ou granulomas) ou pelo acúmulo de líquido
de acoplamento, que é a relação ideal do FSC com o metabolismo nos espaços intersticial e/ou intracelular. O acúmulo é chamado
tissular. A condição patológica é chamada de desacoplamento, de edema cerebral, e resulta do funcionamento inadequado dos
quando pode ocorrer excesso de FSC para um tecido que não mecanismos de transporte da água e de eletrólitos entre os
está consumindo toda a oferta oferecida (hiperemia) ou um FSC capilares e espaços extra e intracelular. De acordo com o
menor que as necessidades do tecido (oliguemia); tais situações mecanismo de formação, pode ser dividido em vasogênico,
têm sido descritas no traumatismo craniencefálico (TCE). Uma citotóxico e intersticial ou hidrostático.
forma de avaliar esse acoplamento é o de medir a diferença da O edema vasogênico, forma mais comum na prática
saturação arteriovenosa (jugular) de O2 e inferir se o tecido clinica, resulta da quebra da barreira hematoencefálica, o que
cerebral está extraindo muito oxigênio (déficit de fluxo) ou se provoca aumento da permeabilidade do endotélio capilar e
existe oxigênio em excesso no sangue venoso (excesso de fluxo). permite o extravasamento de componentes do plasma (água e
A pressão venosa intracraniana também deve ser proteínas), para o espaço intersticial. A partir do local da lesão, o

Esquema da autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral em situação normal e patológica.


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líquido do edema espalha-se pela substância branca adjacente, mas, a partir de um volume injetado, o acréscimo de pequenos
por gradiente de pressão. A composição do líquido do edema é volumes de líquidos determina grandes aumentos na PIC e vice-
intermediária entre o plasma e o líquido extracelular e varia versa. Esse fato acontece devido aos mecanismos tampões
desde a sua formação até a sua resolução. existentes no interior do crânio, ou seja, a saída de líquido
Os principais efeitos prejudiciais do edema vasogênico cefalorraquidiano para dentro do saco dural ou sua reabsorção
são: alteração na perfusão tissular por dificuldade de fluxo nos (70% da capacidade de compensação intracraniana) e a redução
capilares, aumento do volume tissular, dificultando a difusão do volume sanguíneo por compressão do leito vascular e ejeção
adequada de substratos metabólicos e catabólitos entre os do sangue para fora da caixa craniana (30% da capacidade de
compartimentos tissular e vascular, desmielinização ou compensação espacial). Esta relação está representada na
interrupção do fluxo axoplasmático secundários à pressão sobre figura abaixo e as principais causas de HIC estão representadas
os axônios, e alterações na excitabilidade da membrana nervosa no quadro subsequente.
pelos componentes do líquido do edema.
O edema citotóxico, ou celular, é o acúmulo de líquido no
espaço intracelular, caracterizado por um aumento do volume
intracelular e redução do volume extracelular. O mecanismo
ultraestrutural do edema celular é a alteração da membrana
celular. A situação clínica em que ele ocorre com maior
frequência é a isquemia, por alteração no suporte energético das
trocas iônicas ao nível da membrana, tanto no neurônio como
Curva da relação Pressão/Volume da Pressão Intracraniana.
nas células da glia. Segundos após a falência da bomba de Na+ e
K+, verifica-se o acúmulo de água e Na+ dentro da célula e de K+
no líquido extracelular, cujo grau depende da duração e CAUSAS DE HIPERTENSÃO INTRACRANIANA
intensidade da isquemia. Nessa fase, não há quebra da barreira Aumento do volume tecidual cerebral
hematoencefálica. Entretanto, durante a evolução do edema Edema generalizado (trauma, toxinas, distúrbios metabólicos,
hipóxia, infecções)
celular por isquemia, ocorre a sua transformação em Edema focal (trauma localizado, edema perilesional)
vasogênico. A reversão do edema intracelular pode ocorrer
quando os mecanismos de troca iônica ativa, na membrana Aumento do volume sanguíneo cerebral
celular são restabelecidos. Obstrução ao retorno venoso (trombose, postura inadequada da
cabeça)
Além desses dois tipos, são ainda descritos o edema Hipercapnia, hipóxia
hidrostático, que ocorre no espaço intersticial por aumento da Hipertensão arterial
pressão venosa (edema passivo), e o denominado edema Falha na autorregulação (trauma, tumor, isquemia,
intersticial, que se verifica nas regiões periventriculares, pela hipertensão,hipotensão)
Anestésicos (halotano)
transudação transependimária de LCR, em pacientes com Hiperemia (swelling)
hidrocefalia e HIC.
O edema pode levar a um aumento da PIC com Disfunção na dinâmica do líquor
consequente redução do FSC, o que, por sua vez, leva à hipóxia, Hidrocefalia comunicante, obstrução da circulação liquórica fora
do sistema ventricular
que contribui para o aumento do edema, fechando um círculo Obstrução da circulação liquórica dentro do sistema ventricular
vicioso. O círculo vicioso, se não for impedido pelos mecanismos Anomalias do plexo coróide
normais de reabsorção ou por medidas terapêuticas, leva à Redução na absorção de liquor (pseudotumor cerebral)
interrupção do FSC, que é o principal parâmetro clínico para a
Efeito de massa
determinação da morte cerebral. Abscesso
A relação do volume intracraniano com a PIC não se faz Tumor
de forma linear, mas, sim, exponencial. A injeção de pequenos Hemorragia
volumes de líquido no interior do crânio, de início, praticamente Principais causas de HIC.

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MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As tonturas parecem ser causadas por edema do


labirinto e as alterações da marcha, geralmente alargamento da
As manifestações clássicas da HIC nos adulto e nas base e instabilidade, são causadas por distensão do verme
crianças maiores são a cefaleia, as alteraçõesvisuais e as cerebelar por dilatação do quarto ventrículo.
náuseas e vômitos, também conhecidos como Tríade clinica Sinais e sintomas observados nas compressões
classica: Cefaléia, vômitos e edema de papila. ocasionadas por herniações do parênquima encefálico
Além disso, podem ocorrer tonturas e alterações Local da Estrutura
Sintomatologia
discretas da marcha. Compressão Herniada
Nos recém-nascidos e lactentes, devido à não soldadura Giro do
Pouco Frequentes
A.Cerebral Cíngulo sob a
das suturas, estes sinais não são observados e as manifestações (Monoparesia ou Diplegia
Anterior Foice
clínicas apresentadas são o abaulamento da fontanela, Crural, Hemianestesia)
Cerebral
irritabilidade e outras alterações, como choro fácil e recusa da Região
alimentação, além de macrocrania. Póstero-
A.Cerebral Hemianopsia
A cefaleia decorre da distensão de estruturas com Medial do
Posterior Amaurose
inervação sensitiva (dura-máter, nervos cranianos e vasos). Lobo
Geralmente a dor é holocraniana ou bifrontal e surge com Temporal
Alteração do Nível de
frequência pela manhã, provavelmente devido ao aumento do
Consciência; Pupilas
volume sanguíneo que ocorre pela retenção normal de CO2 Pequenas
durante a fase do sono de movimentos rápidos dos olhos e ao Regiões
Reagentes; Hemiparesia
Ântero-
aumento da pressão venosa intracraniana por dificuldade de Diencéfalo Ipsolateral ou Tetraparesia;
Mediais do
retorno venoso durante o decúbito. A cefaleia costuma melhorar Atitude de Decorticação;
Lobo Occipital
após o paciente levantar-se ou após episódios de vômitos. Esse Sinal de Babinski Contra ou
ultimo possivelmente pela hiperventilação após episódio de Bilateral; Respiração de
Cheyne-Stokes
vômito.
Dilatação Pupilar Ipsolateral
Classicamente, os vômitos na HIC são referidos como ou Bilateral (tardia); (Pupilas
“em jato”, 20% dos casos, ou seja, não precedidos de náuseas. do Médio Fixas - Teto do
Entretanto, na prática clínica, com frequência observam-se Mesencéfalo); Alteração do
náuseas precedendo-os. Os vômitos são mais comuns pela Nível de Consciência;
manhã, decorrentes do acúmulo de CO2 durante o sono, por Paralisia Oculomotora
Externa, Ipsilateral (Tardia); Uncus do Lobo
alterações centro-especificas, por alterações centro- Mesencéfalo
Hemiparesia Contralateral Temporal
específicas, por estiramento ou distorção do assoalho do quarto
ou Tetraparesia (Tardia);
ventrículo. Atitude de Descerebração
As alterações visuais são referidas pelos pacientes como Contra ou Bilateral (Tardia);
embaçamento da visão, diminuição da acuidade visual ou diplopia. Sinal de Babinski
O embaçamento é decorrente do edema de papila que Contralateral;
progressivamente evolui para a atrofia da papila e cegueira O Hiperventilação
Alteração do Nível de
edema de papila é causado provavelmente pela transmissão da
Consciência; Respiração
PIC aumentada para o nervo óptico, o que dificulta o retorno de Lenta/Atáxica Lenta/
sangue pela veia central da retina, que corre parcialmente no Tonsilas
Bulbo Apneia; Redução do Ritmo
interior do nervo óptico. Adiplopia decorre de lesão inespecífica Cerebelares
Cardíaco e da Pressão
do sexto nervo craniano, que, devido ao seu longo trajeto desde a Arterial; Parada
emergência no tronco até o seio cavernoso, facilmente é Cárdiorrespiratória
comprometido por alterações da dinâmica dos componentes Sinais e sintomas relacionados às herniações.
intracranianos.

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A HIC pode determinar outros sinais e sintomas que vasos que cursam nesse mesmo sentido, ocasionando,
resultam das herniações do tecido cerebral e do deslocamento hemorragias na linha média do mesencefalo, chamadas,
cefalocaudal do tronco cerebral, geralmente causados por hemorragias de Duret. Estas propagam-se à ponte e ao
lesões expansivas supratentoriais. Esta sintomatologia diencefalo e são sempre fatais.
caracteriza o quadro de descompensação da HIC. A artéria cerebral posterior pode ser comprimida pela
A herniação subfálcica ocorre quando há o crescimento hérnia lateral o que pode causar infarto occipital (calcarino -
de lesão expansiva em um dos hemisférios cerebrais, deslocando por incluir a àrea visual primária- area de de Brodmam, na
o giro do cíngulo por sob a borda livre da foice do cérebro. O fissura calcarina occipital.) e alterações do campo visual, que
corpo caloso é comprimido para baixo e pode haver o geralmente são difíceis de serem detectadas na fase aguda. A
comprometimento de uma ou de ambas as artérias pericalosas, progressão da lesão leva ao sofrimento mesencefálico bilateral,
com infarto em seus territórios, resultando em paresia de um ou com a consequente extensão do quadro clínico.
de ambos os membros inferiores.
As lesões supratentoriais hemisféricas, como edema
difuso ou localizado, tendem a deslocar o tronco cerebral no
sentido cefalocaudal e causar distorções e isquemias no
diencéfalo, cujas manifestações clínicas caracterizam a
denominada herniação do tipo central.
O sofrimento do diencéfalo traduz-se inicialmente por
alteração da capacidade de concentração e da memória recente
e posteriormente por alterações do nível de consciência (lesão
da substância reticular ativadora ascendente), por aparecimento
de pupilas pequenas (1 a 3 mm de diâmetro), e com reação à luz
fraca e rápida, além de manifestações de lesão do trato
piramidal, geralmente do tipo reação de decorticação.
Outras manifestações são desvio conjugado rápido do Alguns tipos de hérnias intracranianas. Notam-se também um
olhar aos movimentos passivos de rotação da cabeça e hematoma extradural e um tumor cerebelar, causas frequentes de HIC.
alterações respiratórias caracterizadas por inspirações
As lesões expansivas frontais e occipitais provocam a
profundas com pausas ocasionais; muitos pacientes
herniação da porção posterior do uncus do lobo temporal na
apresentamrespiração do tipo Cheyne-Stokes.
porção posterior da incisura, comprimindo diretamente o teto do
Quando a compressão é ocasionada por herniação do
mesencéfalo. Os sinais clínicos que caracterizam a herniação
uncus do lobo temporal, mais dramática e comum das
posterior são a síndrome de Parinaud, com ptose palpebral
herniações, lateralmente através da incisura, o sofrimento do
bilateral, e a flexão da cabeça, além de alterações do nível de
nervo oculomomotor manifesta-se pela dilatação da pupila
consciência.
homolateral, que também perde a reatividade à luz, seguida pela
As lesões pontinas apresentam-se com o aparecimento
paralisia da musculatura intrínseca do globo ocular.
de pupilas mióticas, às vezes puntiformes, e quando o bulbo é
A compressão do pedúnculo cerebral (mesencéfalo)
atingido aparecem as alterações dos sinais vitais. Porém, nas
caracteriza-se por manifestações de lesão do trato piramidal do
herniações transtentoriais não se observam as pupilas
tipo reação de descerebração, evidenciada do lado oposto à
puntiformes nas lesões pontinas e sim pupilas médio-fixas ou
midríase. Observa-se também alteração do nível de consciência
midriáticas porque ocorre lesão concomitante das fibras
por mecanismo semelhante ao referido na herniação central.
parassimpáticas pupiloconstritoras. O comprometimento do
Este quadro caracteriza a herniação do tipo lateral que é
bulbo pode ocorrer por lesões isquêmicas causadas por
causada por lesões expansivas temporais e parietais. A
distorção do tronco cerebral, ou por compressão direta causada
distorção do mesencefalo no sentido látero-lateral, com
por herniação das amígdalas cerebelares. Outra herniação
alongamento do eixo ântero-posterior, pode haver a ruptura de

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conhecida trata-se da Hérnia transcalvariana, que ocorre por plexos corioides). Após a introdução da Tomografia
fora do crânio, geralmente através de orifício de craniotomia. Computadorizada, sua utilidade foi muito reduzida.
A resposta de Cushing, caracterizada por um aumento
reflexo da pressão arterial, por bradicardia e por alterações do 2. Tomografia Axial Computadorizada (TC)
ritmo respiratório na vigência de HIC, é fenômeno inconstante e
parece relacionar-se com a gravidade da HIC. Ela surge em fases A TC não permite predizer o valor da PIC, mas fornece
avançadas da descompensação da hipertensão e constitui uma dados indiretos muito importantes para a sua avaliação. Entre os
situação muito grave, com evolução para a morte, a não ser que sinais estão: presença de uma lesão expansiva, geralmente com
a PIC seja rapidamente reduzida com medidas terapêuticas efeito de massa (desvio de estruturas normais de sua posição
apropriadas. original), desvio da linha média, desaparecimento dos ventrículos
Este fenômeno é atribuído a um aumento da resistência laterais e do terceiro ventrículo, dilatação do sistema
vascular sistêmica e a um aumento do débito cardíaco causados ventricular, principalmente se acompanhado de hipodensidade ao
por influxos autonômicos provenientes do tronco cerebral redor (transudato periventricular), desaparecimento das
isquemiado ou comprimido, ou causados pela liberação de cisternas perimesencefálicas e visualização de herniações
substâncias simpaticomiméticas a partir de centros intracranianas.
vasopressores do tronco cerebral. A TC é o exame ideal para pacientes com HIC aguda. É
A ocorrência de edema pulmonar em pacientes com TCE realizada em uma fase chamada simples e noutra posterior à
grave é conhecida desde há muito tempo e procura-se relacionar injeção de contraste iodado endovenoso. A fase contrastada
este fenômeno ao aumento da PIC. Uma explicação para o fato é contribui muito no esclarecimento diagnóstico de doenças em
que na vigência de HIC ocorrem influxos autonômicos desde o que há quebra da barreira hematoencefálica. A partir desses
bulbo para os vasos pulmonares, resultam do em edema, que é dados, pode-se determinar o mecanismo fisiopatológico e o
de origem primariamente neurogênica. Outra explicação é que a diagnóstico da causa da hipertensão.
HIC produz uma sobrecarga no ventrículo esquerdo, que começa
a falhar, e a elevação da pressão no átrio esquerdo causa 3. Ressonância Nuclear Magnética (RNM)
aumento da pressão hidrostática na microcirculação pulmonar,
com transudação de líquido desde o leito capilar para os A RNM demonstra a anatomia intracraniana de forma
alvéolos. mais detalhada que a TC e pode fornecer melhores dados.
Entretanto é um exame de alto custo e não é adequado para ser
EXAMES RADIOLÓGICOS realizado em paciente em estado grave e na fase aguda (mais
demorado e uso de aparelhos especiais não magnéticos para
1. Radiografias Simples do Crânio ventilação controlada).

Os sinais de HIC, que são observados nas radiografias 4. Angiografia Cerebral


simples do crânio, são a macrocefalia e a desproporção
craniofacial em lactentes, a diástase de suturas em crianças e, A angiografia cerebral pode ser utilizada na
às vezes, em adultos jovens, o aumento das impressões demonstração de doenças vasculares que podem causar HIC,
digitiformes e as erosões na sela turca. As duas últimas como as fístulas durais arteriovenosas e obstruções das veias
dependem respectivamente da pulsação acentuada dos giros jugulares, além de poder ser utilizada na desobstrução de seios e
corticais contra a tábua interna do crânio e da pulsação do veias como terapia endovascular.
terceiro ventrículo dilatado sobre a sela, causando
desmineralização óssea. Essas alterações não aparecem nos 5. Doppler Transcraniano
quadros agudos de HIC. Ocasionalmente, a radiografia simples
revela calcificações patológicas (neoplasias e lesões Variações na pressão de perfusão cerebral causam
inflamatórias) e desvio das calcificações fisiológicas (pineal e mudanças na velocidade do fluxo sanguíneo cerebral, medida

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pelo Doppler transcraniano, a partir dos valores das ondas tendo-se sempre em mente, desde o início, a importância de
depressão sistólica e diastólica. Os valores da pressão de evitarem-se manobras que possam aumentar a pressão
perfusão cerebral por este método apresentam uma diferença intracraniana. Esta primeira fase pode ser resumida pelo
de 10 mmHg em relação à medida real, um valor aceitável para algoritmo apresentado na tabela ao lado.
determinar-se a pressão de perfusão cerebral, mas elevado, Na segunda avaliação, já com o paciente com as funções
quando se trata de PIC. Esse método pode ser utilizado no vitais estabilizadas, deve-se realizar um exame físico minucioso,
seguimento de pacientes em unidades de tratamento intensivo, colher uma história o mais completa possível, colher os exames
pois medidas seriadas podem fornecer dados mais confiáveis. laboratoriais iniciais e solicitar os exames de imagem
pertinentes (tomografia computadorizada, ressonância nuclear
MANEJO magnética, doppler transcraniano) para avaliar-se a abrangência
das lesões, decidindo-se, a seguir, a necessidade de correções
A adequada monitorização do paciente com hipertensão cirúrgicas imediatas, ou a continuidade do tratamento na UTI.
intracraniana permite uma contínua avaliação e manutenção dos
sinais vitais, com particular atenção ao desenvolvimento de 2. Controle da pressão intracraniana
hipotensão, hipóxia, edema cerebral, hemorragias, herniações e
alterações da hemodinâmica e do hemometabolismo cerebrais. Os pacientes com hipertensão intracraniana grave apresentam
Recomenda-se: (1) monitorização básica: ECG, oximetria de pulso, elevado risco de desenvolver síndromes herniativas
pressão arterial não invasiva, pressão venosa central (PVC), potencialmente fatais, que precisam ser reconhecidas
temperatura e débito urinário e, idealmente, pressão arterial rapidamente, e necessitam de esforços imediatos para reduzir a
invasiva, capnografia e pressão capilar pulmonar; (2) PIC e mantê-la em níveis aceitáveis. Não se conhece
monitorização metabólica: gasometria e eletrólitos séricos, precisamente estes “níveis aceitáveis”, sobretudo em crianças,
glicemia, osmolaridade sérica e densidade urinária; e, mas acredita-se que níveis de 20 a 25 mmHg devem ser
particularmente nos casos de hipertensão endocraniana considerados como o limite superior, acima do qual medidas
decorrente de trauma (3) monitorização cerebral: pressão adicionais de redução da PIC devem ser implementadas.
intracraniana, pressão de perfusão cerebral, oximetria de bulbo Durante muito tempo, o controle exclusivo da PIC foi
da jugular (SvjO2), extração cerebral de oxigênio (ECerO2) e, considerado a base sobre a qual deveria se assentar todo o
muitas vezes, EEG contínuo. manejo clínico dos pacientes com hipertensão intracraniana. No
entanto, nos últimos anos vem-se dando ênfase a outros
1. Abordagem tradicional parâmetros importantes, particularmente a manutenção de uma
pressão de perfusão cerebral otimizada e a atenção à
A prioridade máxima deve ser sempre a identificação e hemodinâmica e ao metabolismo cerebral e todo modo, a
correção de condições ameaçadoras da vida, antes de se manutenção da PIC em níveis seguros, a garantia de uma PPC
prosseguir com o restante da investigação neurológica, deste minimamente adequada e o respeito a parâmetros básicos da
modo, prevenindo-se também lesões cerebrais secundárias. A hemodinâmica e metabolismo cerebrais norteiam a maioria dos
esta avaliação inicial dá-se o nome de primeira avaliação. A protocolos. Os pontos principais a serem seguidos são
seguir, com o paciente já estabilizado, pode-se passar à segunda apresentados a seguir.
avaliação, que tem por finalidade uma investigação completa,
a) Postura no leito
com o objetivo de identificar todas as lesões possíveis e
Manter a cabeça em posição neutra (sem
direcionar o tratamento.
lateralizações), com a cabeceira do leito elevada a 30 graus, de
A primeira avaliação e os esforços de ressuscitação
modo a facilitar a drenagem venosa através das veias jugulares,
iniciais devem ocorrer simultaneamente, em geral, nos primeiros
minimizando assim a influência sobre a PIC.
5 a 10 minutos. Os sinais vitais devem ser continuamente
Elevações acima de 30 graus podem, para um mesmo
reavaliados a cada 5 minutos, durante a primeira avaliação, e de
nível de PAM, terminar por reduzir a PPC.
15/15 minutos a seguir, até a completa estabilização do quadro,

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b) Postura no leito na PAM, possibilitando correção e controle adequados. Por outro


Manter a cabeça em posição neutra (sem lateralizações), lado, a monitorização invasiva da PAM permite identificar de
com a cabeceira do leito elevada a 30 graus, de modo a facilitar imediato episódios hipotensivos. A hipotensão, em qualquer fase
a drenagem venosa através das veias jugulares, minimizando do tratamento, tem sido considerada como um dos principais
assim a influência sobre a PIC. Elevações acima de 30 graus fatores que efetivamente influenciam no prognóstico, agravando-
podem, para um mesmo nível de PAM, terminar por reduzir a
PPC.
ATENDIMENTO INICIAL DE PACIENTES COM HIC

c) Ventilação mecânica
P – Pescoço Considerar possibilidade de trauma cervical. Não
Deve-se procurar manter uma oxigenação adequada manipular o pescoço antes de afastar trauma nos casos
(SaO2> 95%), podendo-se utilizar PEEP entre 3 e 5cmH2O, sem suspeitos;
que isso contribua para aumento significativo da PIC. Os estados
A – Vias aéreas Proteger vias aéreas. Intubar se necessário;
anêmicos devem ser corrigidos através da transfusão de
concentrado de hemácias, mantendo-se a hemoglobina em torno B – Ventilação Evitar hipoxemia Manter PaCO2 normal;
de 10 g/dl, pois níveis mais elevados aumentam
C – Circulação Evitar e tratar hipotensão agressivamente;
exponencialmente a viscosidade sanguínea e diminuem o FSC. A
PaCO2 deve ser mantida entre 30 e 40mmHg, sendo de grande D – Drogas Considerar intoxicação exógena. Avaliar antídotos
utilidade o uso da capnografia para melhor controle dos níveis da disponíveis;
PCO2. E – Epilepsia História e fatores de risco para convulsões.
A hiperventilação empírica deve ser evitada, Sinais: mordedura da língua e escoriações;
principalmente nos casos de TCE, nos primeiros 5 dias e,
F – Febre Sinais de infecção do SNC: meningismo, rash,
particularmente, nas primeiras 24 horas.A hiperventilação
petéquias;
empírica só tem lugar diante de sinais clínicos de herniação
cerebral (anisocoria ou midríase súbitas), quando realizada G - Glasgow Aplicar escala de coma de Glasgow;
manualmente através do uso de uma bolsa de ventilação pode
H – Herniação Verificar sinais de herniação. Se estiverem
reduzir rapidamente a PICe impedir uma herniação. presentes:
Enquanto houver sinais ou risco de hipertensão – hiperventilação com ambu: manter PaCO2entre 25-30 mmHg
intracraniana, as aspirações do tubo traqueal devem ser – manitol 1 g/kg
precedidas (30 segundos antes) da administração endovenosa – dexametasona
delidocaína a 1% (1 mg/kg), de modo a suprimir-se o reflexo da Medidas cirúrgicas específicas:
tosse, que pode causar aumento significativo da PIC, podendo-se – drenagem de hematomas
– craniotomia descompressiva
utilizar também sedação suplementar com um barbitúrico de
– derivação ventricular
ação curta, como o tiopental (3-5 mg/kg/dose) ou um
bloqueador neuromuscular não despolarizante (vecurônio ou I - Investigação- Diagnóstico diferencial: buscar a causa para o
rocurônio), desde que o paciente esteja adequadamente sedado e quadro o mais rapidamente possível.
sob analgesia.
o. Estudos têm demonstrado que o registro de um único episódio
d) Equilíbrio hemodinâmico, hidroeletrolítico e de hipotensão está associado com o dobro da mortalidade e um
metabólico significativo aumento da morbidade no trauma de crânio grave.
Já foi devidamente ressaltada a importância de se A hipertensão, por outro lado, normalmente é
instituir a ressuscitação volumétrica e o combate ao choque de considerada uma resposta ao aumento da pressão intracraniana
modo a se evitar lesões secundárias por hipotensão e hipóxia. A e, portanto, essencial à manutenção da PPC. Não deve ser
monitorização da PVC nestes pacientes permite a detecção corrigida, enquanto sua causa não estiver completamente
precoce de estados de hipovolemia, antes mesmo de alterações esclarecida, mas se for decidido pela sua correção, deve-se

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utilizar bloqueadores de canais de cálcio ou beta-bloqueadores g) Controle e prevenção de episódios convulsivos


em vez de vasodilatadores (como o nitroprussiato de sódio), de A ocorrência de convulsões pode influenciar
modo a evitar-se hipotensão arterial súbita e vasodilatação negativamente o prognóstico, face ao aumento ainda maior da
cerebral (aumento da PIC), o que acarretaria uma redução pressão intracraniana, aumento da demanda metabólica
drástica da PPC.

A hidratação de manutenção deve contemplar uma certa


restrição hídrica (geralmente 2/3 das necessidades
diárias),procurando-se manter um débito urinário > 1
ml/kg/hora. Nas primeiras 24 a 72 horas utiliza-se soro
fisiológico com40 mEq/l de KCl, evitando-se, assim, soluções
hipotônicas. Deve-se monitorizar a glicemia, os eletrólitos e a
osmolaridade sérica pelo menos de 6/6 horas, procurando-se
manter níveis normais de glicose (80-120 mg/dl), se necessário,
através da infusão paralela de solução de glicose a 50%,
iniciando-se com 0,5 ml/kg/hora (TIG de 4 mg/kg/min). A
glicose é um substrato essencial ao metabolismo cerebral,
devendo-se evitar a hipoglicemia, no entanto o seu excesso, em
condições de anaerobiose, como pode ocorrer em certas áreas
encefálicas mal perfundidas, pode originar níveis elevados de
lactato, contribuindo para o agravamento da lesão neuronal. O
sódio sérico deve ser mantido entre 140 e 150 mEq/L. Em caso
Na < 140mEq/L, corrigir com solução de NaCl a 3%, 3 ml/kg em 1
hora e, a seguir, 0,5 ml/kg/hora, até os níveis retornarem à
faixa desejada.

e) Temperatura corporal
A meta quanto à temperatura é a manutenção do paciente
normotérmico, evitando agressivamente a hipertermia,pois esta
pode aumentar o metabolismo cerebral. Já a hipotermia
prolongada pode diminuir os leucócitos, aumentando o risco de
infecção, além de não melhorar a morbimortalidade em vários
insultos neurológicos. Ainda pode causar distúrbios na condução
ventricular e na cascata da coagulação.
Atendimento inicial ao paciente com Neurotrauma
f) Sedação, analgesia e bloqueio neuromuscular
A manutenção do paciente devidamente sedado e cerebral, hipóxia e hipoventilação associadas. Por este motivo,
sobanalgesia efetiva permite maior tolerância aos recomenda-se a profilaxia de crises convulsivas até
procedimentos, diminui a agitação psicomotora e o aumento da estabilização do quadro, principalmente nos casos de TCE e o
atividade muscular, que podem, em última análise, contribuir tratamento imediato de possíveis crises.
para o aumento da PIC. Além disso, seu uso contribui para a
h) Tratamento específico da hipertensão intracraniana
redução do consumo metabólico cerebral de oxigênio. Deve-se
A hipertensão intracraniana significativa (PIC > 20-
prezar por uma sedação que possibilite a avaliação neurológica,
24mmHg por 30 minutos; 25-29 mmHg por 10 minutos ou> 30
não mascarando possíveis quadros neurológicos subjacentes.

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mmHg por 1 minuto) pode ser abordada através de diversas Brain Trauma Foundation (2000), são: pacientes com TCE grave e
medidas, sumarizadas a seguir. tomografia computadorizada (TC) de crânio com anormalidades.
- Hiperventilação; TCE grave é definido como um escore na escala de Glasgow de
- Manitol e furosemida; três a oito após ressuscitação cardiopulmonar, e anormalidades
- Drenagem liquórica; na TC, que incluem hematomas, contusões, edema ou cisternas
- Descartar lesões de massa; basais comprimidas.
- Barbitúricos; Em adultos, a monitorização da PIC também está indicada
- Aumento da pressão arterial média; na presença de TC de crânio normal, quando dois dos seguintes
- Corticóides. fatores forem encontrados: idade acima de 40anos, pressão
Como a hipertensão intracraniana resulta, em última arterial sistólica <90 mmHg e postura motora anormal
análise, da interação de diversos mecanismos fisiopatológicos (descerebração ou decorticação). Para crianças, não há
que atuam por isquemia, cascatas neurotóxicas, edema ou recomendações específicas no caso de TCE grave com TC de
inflamação, várias medidas terapêuticas voltadas para o controle crânio normal.
destes eventos vêm sendo estudadas em ensaios clínicos. Existem recomendações para escolha do sistema
Listamos a seguir as principais novidades nessa área. Para monitorização da pressão intracraniana. O aparato de
- Dexanabinol;
- Soluções salinas hipertônicas;
- Hipotermia moderada;
- Craniotomia descompressiva;
- Otimização da PPC;
.

MONITORIZAÇÃO INVASIVA DA PIC

A monitorização permite uma avaliação correta da PIC e


da pressão de perfusão cerebral, permitindo uma
individualização da terapia. Isto é feito através da inserção de
cateter intraventricular, que permite a monitorização e
drenagem de líquor (quando se fizer necessária). A PPC deve ser
mantida na faixa normal, garantindo adequada oferta de oxigênio
ao cérebro.
A sobrevida observada é de 94% no TCE grave,quando a
PIC é mantida abaixo de 20 mmHg. A monitorização da PIC está
mais amplamente estudada e tem sua indicação mais
estabelecida nos pacientes com traumatismo craniencefálico Tipos de monitorização da PIC.
grave. Há uma redução importante da mortalidade, de 50% para
monitorização ideal é aquele que seja confiável, preciso, de baixo
36%, devido à utilização de protocolos de tratamento intensivo,
custo e que cause mínima morbidade ao paciente. Os monitores
incluindo a monitorização da PIC. No entanto, a monitorização da
atualmente disponíveis permitem o registro da pressão através
PIC pode ser útil em outras situações, embora não existam
de dreno ventricular acoplado a um transdutor externo (ex.
indicações padronizadas, como, por exemplo, nos pós-
qualquer monitor de pressão invasiva), transdutor na ponta de
operatórios de hematomas espontâneos e tumores e em
pacientes com encefalites e acidentes vasculares isquêmicos. um eletrodo (ex. Codman®), ou por tecnologia de fibra óptica (ex.
Camino®).
As indicações de monitorização da PIC no paciente com
traumatismo craniencefálico, segundo as recomendações da Drenos (cateteres) ventriculares acoplados a um
transdutor de pressão externo são transdutores de pressão

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invasiva acoplados na drenagem ventricular externa em contato


com a coluna de líquido (liquor). Podem ser recalibrados a
qualquer momento. A obstrução do dreno impossibilita ou torna o
registro impreciso. O transdutor externo deve ser mantido num
ponto de referência fixo, em relação à cabeça do paciente, para
não ocorrer erros de medida.
Eletrodo com transdutor ou cateter de fibra óptica.
Na ponta há o transdutor posicionado internamente no
crânio.São calibrados previamente à inserção e não podem ser
recalibrados (sem cateter ventricular associado).
Consequentemente, há um risco para a ocorrência de erros de
medição (drift), especialmente se a monitorização for feita por
diversos dias. Os dois sistemas podem apresentar desvios de
medição, no entanto, parece que o eletrodo com transdutor na
ponta teria uma menor chance deste problema no período de
cinco dias. A precisão das aferições pode ser checada
colocando-se o eletrodo transdutor e o cateter de fibra óptica
associado ao dreno ventricular.
Complicações da monitorização. Infecção intracraniana
clinicamente significativa, associada com sistemas de
monitorização da PIC, é rara. A colonização do sistema aumenta
significativamente após cinco dias de implantação e, quando
detectada, está indicada a retirada do sistema. A irrigação de
sistemas acoplados a colunas líquidas aumenta o risco de
infecção (6% para 19%). A redução dos índices de infecção tem
sido relatada em estudos observacionais, com modificação da
técnica de inserção, ou com o uso de antibióticos profiláticos.
Hemorragias ocorrem em torno de 1,4% dos casos, sendo
que apenas 0,5% necessitam de cirurgia, para drenagem do
hematoma.
A recolocação de cateteres ventriculares por mau
funcionamento ou obstrução ocorre em apenas 3% dos casos.
Em vigência de PIC >50 mmHg, há aumento no risco de obstrução
e perda do sinal. Em relação ao cateter de fibra óptica em
posição ventricular ou intraparenquimatosa, a necessidade de
recolocação por mau funcionamento varia de 9% a 40%.

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Capítulo VIII
Distúrbios do sono

SONO NORMAL determinadas doenças. Mas normalmente o sono NREM


concentra-se na primeira parte da noite, enquanto o sono REM
O sono é um estado transitório e reversível, que se predomina na segunda parte.
alterna com a vigília (estado desperto). Trata-se de um processo
Características gerais do sono NREM
ativo envolvendo múltiplos e complexos mecanismos fisiológicos
e comportamentais em vários sistemas e regiões do sistema Relaxamento muscular com manutenção de tônus;
nervoso central. São identificados no sono dois estados distintos: Progressiva redução de movimentos corporais;
o sono mais lento, ou sono não REM (NREM), e o sono com Aumento progressivo de ondas lentas no EEG;
atividade cerebral mais rápida, ou sono REM (do inglês, Rapid Eye Ausência de movimentos oculares rápidos;
Movements ou movimentos rápidos dos olhos). O sono NREM é Respiração e Eletrocardiograma normais;
composto por 4 etapas em grau crescente de profundidade. Características gerais do sono REM
Fase 1: É o período de sonolência. No EEG observa-se Hipotonia ou atonia muscular;
baixa voltagem. Não há movimentos rápidos dos olhos, mas sim Movimentos fásicos e mioclonias multifocais / emissão de
sons;
rotação ocular lenta. Há alguma atividade da musculatura
Movimentos oculares rápidos;
esquelética. É o período de sono leve. No EEG observamos ondas
EEG com predomínio de ritmos rápidos e de baixa voltagem;
Fase 2: É o período de sono leve. No EEG observamos
Respiração e Eletrocardiograma irregulares;
ondas chamadas fusos e complexos bifásicos de onda, os
Sonhos.
complexos K.
Características gerais do sono NREM e REM.
Fases 3 e 4: São as fases de sono profundo. Em humanos
são chamadas de fases de ondas lentas. Na fase 4 já podem Como em outros ciclos do corpo, o ciclo sono-vigília
ocorrer episódios de sonhos. obedece a uma periodicidade circadiana. No ser humano o
No sono NREM, há relaxamento muscular principal marca-passo circadiano é o núcleo supra-quiasmático
comparativamente à vigília, porém, mantém-se sempre alguma do hipotálamo. Este núcleo recebe informações de certos
tonicidade basal. Já o sono REM caracteriza-se pela atividade estímulos ambientais dentre os quais os estímulos luminosos
cerebral de baixa amplitude e mais rápida, por episódios de (pelo trato retino-hipotalâmico), que servem como um ajuste do
movimentos oculares rápidos e de relaxamento muscular ritmo ao meio externo e permitindo sua adaptação quando
máximo. Além disso, este estágio também se caracteriza por ser necessário (por exemplo, após viagens transcontinentais).
a fase onde ocorrem os sonhos. A tabela da coluna ao lado Várias funções são atribuídas ao sono. A hipótese mais
descreve estes dois estados do sono. simples é a de que o sono se destina à recuperação pelo
Em um indivíduo normal, o sono não REM e o sono REM organismo de um possível débito energético estabelecido
alternam-se ciclicamente ao longo da noite. O sono não REM e o durante a vigília. Além dessa hipótese, outras funções são
sono REM repetem-se a cada 70 a 110 minutos, com 4 a 6 ciclos atribuídas, especialmente ao sono REM, tais como: manutenção
por noite. A distribuição dos estágios de sono durante a noite do equilíbrio geral do organismo, das substâncias químicas no
pode ser alterada por vários fatores, como: idade, ritmo cérebro que regulam o ciclo vigília-sono, consolidação da
circadiano, temperatura ambiente, ingestão de drogas ou por memória, regulação da temperatura corporal, entre outras.

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Os transtornos primários do sono se subdividem em 2. Consequências e Comorbidades


dissonias (caracterizadas por produzir sonolência diurna
excessiva ou dificuldade para iniciar e/ou manter o sono) e em A frequência de consequências e comorbidades depende
parassonias (caracterizadas pela presença de condutas principalmente do tempo de duração da insônia, do transtorno ou
anormais associadas ao sono, tal como é o caso do doença associados e do subtipo diagnosticado. De maneira geral,
sonambulismo e sonilóquia). nas insônias crônicas, sintomas cognitivos e alteração do humor
Os distúrbios do sono podem também ser classificados secundária são observados, mas geralmente não preenchem os
em 8 grandes grupos, conforme citados no quadro abaixo. As critérios para depressão maior. Irritabilidade, redução do
insônias e os distúrbios respiratórios do sono são os mais desempenho, alteração da concentração, queixas de memória e
frequentes no consultório médico, seguidos pelas fadiga são comuns. Ainda não foi demonstrado claramente que
hipersonolências, devidas à má higiene do sono ou a doenças esses déficits cognitivos são totalmente revertidos após o
médicas, e pelas parassonias. Estas últimas, especialmente o tratamento. A ocorrência de insatisfação global com o sono,
sonambulismo, o terror noturno e a eunurese noturna, são mais sonolência diurna e fadiga intensa sugerem a concomitância de
vistas pelo pediatra, enquanto o distúrbio comportamental do um diagnóstico clínico ou psiquiátrico. Há relatos de que insones
sono REM é quadro mais comum nos idosos. Já o bruxismo, hoje também têm tendência a apresentar abuso de drogas. De fato, o
incluído entre os distúrbios do movimento no sono, ocorre em consumo de álcool com a finalidade promotora do sono é mais
qualquer grupo etário e costuma levar à procura do médico ou comum nesses indivíduos.
do dentista. 3. Classificação

Classificação internacional dos distúrbios do sono A insônia isoladamente como sintoma, à exceção da
insônia primária e da má percepção do sono, nunca é um
1. Insônias
diagnóstico. Sua presença, ao contrário, faz supor a existência
2. Distúrbios Respiratórios do Sono
3. Distúrbios do Ciclo Circadiano de uma causa, que pode ser uma doença do sono em geral, um
4. Hiperssonias de origem central (não explicadas por transtorno mental, a inadaptação circadiana, o efeito d e
distúrbios respiratórios do sono, distúrbios do ciclo substâncias, ou ainda, a exposição a determinados fatores
circadiano, medicamentos, ou distúrbios situados em ambientais.
outros pontos da classificação) As principais classificações utilizadas são o manual
5. Parassonias
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais e a
6. Distúrbios do Movimento relacionados ao Sono
7. Sintomas isolados, aparentemente, variantes normais e Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono. A principal
questões não resolvidas. diferença entre elas é que na ICSD a insônia psicofisiológica
8. Outros distúrbios do sono corresponde à insônia primária do DSM-IV; além disso, é mais
Classificação dos distúrbios do sono. completa na descrição das insônias. Os principais tipos são:

INSÔNIA Insônia Psicofisiológica. É responsável por aproximadamente


15% das causas de insônia e habitualmente tem início na idade
1. Conceito adulta. É uma insônia crônica que resulta de um condicionamento
que associa estímulos habitualmente relacionados ao sono a um
A insônia pode ser definida como dificuldade em iniciar ou estado de hiperalerta, que impede que o indivíduo durma. Esses
manter o sono e/ou presença de sono não reparador, ou seja, estímulos podem ser: deitar na própria cama, escovar os dentes,
insuficiente para manter uma boa qualidade de alerta e bem apagar a luz, dormir em horário não desejado, etc. Isso se deve a
estar físico e mental durante o dia, com comprometimento uma tentativa inconsciente do indivíduo em minimizar a
consequente do desempenho nas atividades diurnas. A insônia é importância de algum fator precipitante presente à custa da
um sintoma que pode constituir por si só um distúrbio do sono ou supervalorização da insônia. Eles dormem melhor em ambientes
pode ser decorrente de condições ambientais ou clínicas. estranhos, onde não existam os estímulos condicionadores, por

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isso, podem dormir bem no laboratório de sono. a hábitos que prejudicam o início do sono, como ingestão
excessiva de cafeinados e álcool, fumar ao final da tarde, realizar
Má percepção do estado de sono. Ocorre em até 55% dos atividade mental e exercícios físicos intensos próximo ao deitar,
casos. É caracterizada pela discrepância entre a percepção da manter um horário de sono irregular, cochilar durante o dia e
qualidade e quantidade do sono, descritas como ruins pelo permanecer na cama sem vontade de dormir.
paciente, e os valores normais encontrados na polissonografia,
sem psicopatologia ou simulação. Em geral, os insones tendem a Insônia associada a doenças do sono. Quaisquer distúrbios
subestimar a duração do sono e superestimar a latência para o intrínsecos ou extrínsecos do sono que levem à fragmentação do
início do sono. mesmo, a despertares durante a noite ou ao medo de dormir
podem causar insônia, sejam eles de origem respiratória,
Insônia idiopática. É uma causa rara de insônia, com início na distúrbios de movimento, parassonias, etc.
infância. Sua origem é desconhecida, porém um desequilíbrio
neuroquímico do sistema de controle sono-vigília tem sido Insônia associada a distúrbios do ritmo circadiano. Na
sugerido. Existe uma predisposição familiar em alguns casos síndrome do atraso de fase e do avanço de fase, o ciclo de sono
descritos. Seu diagnóstico é feito após a exclusão de outras está postergado e adiantado, respectivamente, em relação ao
causas de insônia na infância, principalmente transtornos horário de sono desejado. Na primeira situação, o paciente se
mentais, má higiene do sono, falta de limites e sono curto. queixa de dificuldade par iniciar o sono. Enquanto na segunda,
refere despertar precoce. Em ambas, a arquitetura do sono é
Insônia associada com transtornos psiquiátricos. É comum a normal à polissonografia. Os pacientes melhoram durante
insônia preceder ou ocorrer simultaneamente a transtornos feriados e finais de semana, quando estão livres das obrigações
psiquiátricos. Em 35% por insones, algum tipo de doença profissionais. São responsáveis por 5 a 10% das insônias.
psiquiátrica é caracterizado. Com exceção de fobia simples, a
insônia pode estar associada a quase todas as condições 4. Tratamento não farmacológico
ansiosas, especialmente ao transtorno de ansiedade
generalizada (TAG). O objetivo dos tratamentos não-farmacológicos da
insônia são principalmente modificar os hábitos inadequados
Insônia associada a outras condições médicas. Qualquer com relação ao sono, reduzir o despertar autonômico e
condição que produza desconforto ou dor pode fragmentar o cognitivo, alterar crenças e atitudes sobre o sono e educar os
sono. Dor crônica muscular esquelética, lesões cerebrais e pacientes sobre práticas saudáveis para o sono. Assim,
doença de Alzheimer são exemplos de condições associadas a instruções de higiene do sono, controle de estímulos e
insônia. encurtamento do tempo na cama ao tempo total de sono que o
paciente estima ter efetivamente por noite são medidas úteis. A
Insônia associada ao uso de substâncias. Etanol, psicoterapia também pode ser indicada.
benzodiazepínicos, beta-bloqueadores, broncodilatadores,
diuréticos, esteróides e hormônio tireoidiano são alguns 5. Tratamento Farmacológico
exemplos. No caso dos benzodiazepínicos, o uso crônico induz
insônia pior que a original, secundária ao desenvolvimento de Evidentemente, antes de tratar sintomaticamente a
tolerância ou durante a retirada rápida da droga. insônia, deve-se tratar a causa, sempre que possível.
Muitas substâncias têm sido usadas para promover o sono no
Insônia associada a fatores ambientais. Luz, barulho, calor, último século, muitas delas foram abandonadas devido aos seus
frio e movimento do companheiro são alguns exemplos de efeitos colaterais e/ou potencial de produzir dependência
fatores físicos que atrapalham o sono. química. Desse modo, alguns fitoterápicos têm sido muito
populares, desde o início/meio do século, principalmente na
Insônia associada com higiene do sono inadequada. Refere-se Europa, como a valeriana. Os principais fármacos utilizados no

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tratamento da insônia são: parcial das vias aéreas superiores, mais frequentemente em
nível da oro ou hipofaringe, durante o sono, com manutenção do
Benzodiazepínicos (BZDs): Os benzodiazepínicos (BZDs) têm esforço respiratório tóraco-abdominal. Estas obstruções levam
sido muito utilizados para promover o sono, apesar de não a hipóxia e hipercapnia, provocando despertares frequentes e
serem a primeira indicação em alguns casos. Eles podem fragmentação do sono. Picos hipertensivos e arritmias cardíacas
apresentar efeitos sedativo, hipnótico, amnésico, também acompanham estes eventos apneicos, que têm duração
anticonvulsivante e miorrelaxante. Esses efeitos ocorrem em superior a 10 segundos.
maior ou menor grau, dependendo do tipo de composto BZD ou
das diferenças em afinidade e ligação aos diferentes receptores Distúrbios respiratórios do sono
GABA—a BZD, onde atuam.
SÍNDROMES COM APNEIA CENTRAL
Antidepressivos (ADs). Muito explorados no tratamento da  Apneia Central Primária
insônia, particularmente em pacientes que apresentam sintomas  Apneia Central devida a padrão respiratório de Cheyne-
de depressão associados. É importante notar que por vezes o Stokes
efeito sedativo pode ocorrer em doses muito menores do que as  Apneia Central devida a Respiração Periódica das Altitudes
necessárias para o efeito antidepressivo ótimo. Desse moto, tem  Apneia Central devida a Condições Médicas – não Cheyne-
Stokes
sido prática comum entre alguns especialistas a prescrição de
 Apneia Central por efeito de Drogas ou Substâncias
doses subterapêuticas, com relação à depressão, para tratar o  Apneia Primária da Infância (anteriormente, “Apneia
distúrbio do sono. Primária do Recém-nascido”)
SÍNDROME DA APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO (SAOS)
Neurolépticos. Diversas drogas antipsicóticas têm sido
utilizadas para produzir sedação. O efeito sedativo é encontrado  SAOS do Adulto
em alguns neurolépticos e tem particular interesse para tratar  SAOS da Criança
pacientes esquizofrênicos que podem apresentar insônia aguda
SÍNDROMES DE HIPOVENTILAÇÃO/HIPOXEMIA RELACIONADAS AO
ou para tratar comportamentos de agitação, principalmente SONO
noturna. Os neurolépticos mais sedativos são alquilamino
fenotiazina e dibenzodiazepina clozapina.  Hipoventilação Alveolar Não-Obstrutiva do Sono, Idiopática
 Síndrome da Hipoventilação Alveolar Central Congênita
Anti-histaminérgicos. Os antagonistas do receptor H1 SÍNDROMES DE HIPOVENTILAÇÃO/HIPOXEMIA DEVIDAS A
apresentam efeito sedativo. Medicações anti-histaminérgicas CONDIÇÕES MÉDICAS
podem induzir sonolência não apenas pelo bloqueio H1, mas
também pela ação anticolinérgica e pelo antagonismo de  Devidas a Patologia Pulmonar Parenquimatosa ou Vascular
receptores alfa-adrenérgicos. Exemplo desses agentes inclui a  Devida a Obstrução de Vias Aéreas Inferiores
prometazina em doses geralmente maiores do que 25 mg, à noite  Devida a Doenças Neuromusculares ou Desordens da
Parede Torácica
(frequentemente usada para produzir sedação). Os agentes que
não atravessam a barreira hematoencefálica produzem menos OUTROS DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO SONO
sedação. Do mesmo modo, não são drogas de primeira escolha
para o tratamento da insônia primária. Classificação dos distúrbios respiratórios do sono.

DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO SONO Os sintomas mais comuns da SAOS são ronco, nictúria,
sonolência diurna excessiva, cefaleia matinal, cansaço,
Dentre os distúrbios respiratórios do sono, a Síndrome depressão, distúrbios de comportamento, deficiência de
da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é o mais frequente na memória, atenção e aprendizado, rebaixamento cognitivo,
população geral (5%). Caracteriza-se pela obstrução total ou disfunção erétil e redução da libido, comprometimento de

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desempenho motor, acidentes automobilísticos e no trabalho, O início mais tardio é descrito na 5ª década. É considerada um
dentre os mais importantes. Os sinais mais comuns são transtorno dos mecanismos envolvidos na gênese do Sono REM.
obesidade e aumento da circunferência do pescoço, em parte A síndrome narcoléptica típica se caracteriza por 4
dos casos, hipertensão arterial, fascies de cansaço, coloração componentes sintomáticos:
pletórica da face, arritmias cardíacas, todos na dependência da
gravidade da síndrome. a) Narcolepsia (ou Ataque Narcoléptico): ataque de sono
Na infância, os sinais-sintomas mais comuns são incontrolável, que pode levar o indivíduo a iniciar o sono em
hiperatividade e déficit de atenção, respiração bucal, ronco, qualquer ambiente, ou mesmo em postura ereta. Pode ocorrer
hipertrofia de tonsilas e adenoides. Indivíduos magros, ainda intensa sonolência mais ou menos controlável, requerendo
especialmente quando apresentem alterações no crescimento grande esforço do paciente para não cair em sono. Nos ataques
dos ossos da face (retro-micrognatia ou retro-maxila), podem narcolépticos, o sono é caracterizado pela fase REM, o que pode
apresentar SAOS de qualquer gravidade. ser observado no paciente, ou determinado pelo estudo
A SAOS se associa a aumento do risco de síndrome poligráfico do Sono. Os ataques narcolépticos se intensificam a
metabólica, infarto agudo do miocárdio, arritmias cardíacas e partir do final da manhã e podem ocorrer desde algumas a
acidentes vasculares encefálicos, além de morte por acidentes várias vezes ao dia, com duração variável do período de sono (5
em geral. a 30 minutos, em geral).
O tratamento da SAOS inclui a correção dos processos
obstrutivos das vias aéreas superiores (adeno-tonsilectomia, b) Cataplexia: consiste em manifestação súbita de fraqueza
mais eficaz na infância; extração de pólipos, correção de septo geral e hipotonia, ou atonia da musculatura esquelética, levando
nasal), perda de peso, condicionamento postural, evitando frequentemente à queda do paciente, ou queda do pescoço sobre
decúbito dorsal durante o sono, e o uso de aparelhos de pressão o tronco, impossibilidade de movimentação dos membros, etc... O
positiva nas vias aéreas superiores (CPAP, BiPAP ou Auto-PAP), paciente se mantém consciente e vai recuperando a força ao
que são o padrão-ouro no tratamento. final de poucos minutos. Tal fenômeno pode acompanhar os
episódios de sonolência diurna, ou as francas crises
narcolépticas e pode ainda surgir como sintoma inicial da
síndrome, obrigando o médico ao diagnóstico diferencial com
outros quadros neurológicos, como as crises epilépticas.

c) Alucinações Hipnagógicas: são manifestações semelhantes


a sonho, porém com o paciente num estado de vigília parcial, ou
de sonolência, sendo descritas alucinações visuais, auditivas ou
somestésicas (ex.: sensação de estar flutuando). Tais fenômenos
podem acompanhar o início do sono noturno, ou de qualquer
ataque narcoléptico diurno e, embora comuns na Síndrome
Aparelho de pressão positiva de vias aéreas superiores. Narcoléptica, também podem ocorrer em pessoas privadas de
sono, ou sob uso de certas drogas.

NARCOLEPSIA
d) Paralisia do Sono: sensação incômoda de impossibilidade
total de movimentação do corpo e dos membros, preservando-se
Está incluída no grupo das hiper-sonolências de origem
os movimentos automáticos, como a respiração. Tem curta
central não devidas a distúrbios respiratórios do sono, a
duração, revertendo-se após segundos ou poucos minutos e
distúrbios do ciclo circadiano, ou a qualquer outro distúrbio
sendo mais comum no despertar matinal. Tal sintoma não é
previsto em outro grupo da classificação. Os sintomas se iniciam
igualmente exclusivo da Narcolepsia, podendo ser citado
tipicamente durante a segunda década da vida, porém
ocasionalmente em pessoas normais, sendo entretanto muito
manifestações incompletas já podem surgir na pré-adolescência.
mais frequente naquela síndrome.

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Além dos dados clínicos e evolutivos que são mandatórios quando muito frequente e intenso (benzodiazepínicos ou
para o diagnóstico, os exames subsidiários importantes para o tricíclicos). É fundamental descartar a possibilidade de SAOS,
diagnóstico da Narcolepsia são: O Teste das Latências Múltiplas que pode provocar despertares forçados a partir do sono delta
do Sono, a Polissonografia e a pesquisa do antígeno HLA-DR2 (N3) e contribuindo para a gênese destas parassonias.
(Dqw 1-Dqw 2), que tem alta prevalência na população de O distúrbio do comportamento do sono REM (DCR)
narcolépticos, embora não possa ser considerado exclusivo consiste na ausência de atonia fisiológica do REM, levando a
desta síndrome. comportamento violento e movimentação ativa durante sonhos,
Sendo a Narcolepsia uma síndrome de base genética, não com riscos de ferimentos ao paciente ou a terceiros. Mais
há cura, mas apenas tratamento sintomático. Os ataques comum em associação com a doença de Parkinson e outras
narcolépticos são bem controlados com o uso de estimulantes do degenerativas do sistema nervoso central envolvendo o sistema
SNC, como o Pemoline, a Ritalina (Metilfenidato), as Anfetaminas dopaminérgico (sinucleinopatias), demanda pesquisa destas
e alguns Tricíclicos estimulantes, como Nortriptilina. A Cataplexia entidades, apesar de poder ser idiopático, ou provocado por
costuma melhorar ao longo da vida e é geralmente bem diversas drogas. O tratamento é feito com clonazepam, podendo
controlada com o uso de Imipramina, Amitriptilina, Nortriptilina também responder a melatonina e agonistas dopaminérgicos.
ou Fluoxetina, que também agem sobre as Alucinações
Hipnagógicas. A Paralisia do Sono não requer tratamento uma
Parassonias
vez que é um quadro benigno e em geral infrequente, sendo
necessário apenas o esclarecimente do paciente. DESORDENS DO DESPERTAR (A partir do Sono NREM)

PARASSONIAS Despertar Confusional


Sonambulismo (Sleep Walking)
São manifestações comportamentais e alterações Terror Noturno
autonômicas que acompanham o sono, gerando, por vezes,
PARASSONIAS USUALMENTE ASSOCIADAS COM O SONO REM
devido a sua alta frequência e/ou intensidade, transtornos
físicos, psicológicos ou de relacionamento com a família e Distúrbio do Comportamento do Sono REM
podendo, ainda, suscitar a necessidade de diagnóstico diferencial Paralisia do Sono Recorrente
com outros quadros clínicos (epilepsia, alterações urológicas, Pesadelo
distúrbios do comportamento). OUTRAS PARASSONIAS
As parassonias são em geral quadros de evolução
Estados Dissociados do Sono
benigna que não afetam a vida do indivíduo e que, ao contrário,
Enurese Noturna
fazem parte do sono normal de diversas pessoas, ou Gemido relacionado com o sono (Catathrenia)
representam manifestações mais comuns do processo de Exploding Head Syndrome
amadurecimento do sono na infância. O quadro ao lado destaca Alucinações Hipnagógicas
as parassonias, segundo a classificação internacional. Desordem Alimentar do Sono
O terror noturno, o sonambulismo e o despertar Parassonias Não-Especificadas
confusional consistem em estados intermediários, com intrusão Parassonias devidas a Drogas ou Substâncias
Parassonias devidas a Condições Médicas
de vigília em meio ao sono delta, gerando comportamentos
automáticos, como a marcha, mais típica do primeiro, e o choro
Principais tipos de Parassonias.
com ativação simpática intensa no terror noturno. Ocorrem
principalmente da primeira à segunda hora de sono, na transição
Assim como o DCR, o pesadelo é parassonia do sono REM
para o sono REM, com intrusão de componente da vigília, sendo,
e ocorre mais na segunda metade da noite, quando o sono REM
por isto, chamados de parassonias do despertar. Mais comuns
aumenta em proporção e é mais prolongado. Ocorre em qualquer
em crianças, requerem orientação da família para prevenção de
idade, citado a partir dos 3 anos, levando geralmente ao
acidentes, estímulo a um cochilo à tarde e uso de medicamentos,
despertar com vívida noção de um sono com conteúdo

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angustiante ou aterrador. É mais comum em períodos de classicamente pelo termo latino Jactatio Capitis Nocturnus. É
transtornos emocionais e quadros clínicos febris, ou supressão comum na primeira infância e, por vezes, leva à infundada
abrupta de benzodiazepínicos. suspeita de transtorno neurológico, clínico ou psiquiátrico.
Há diversas outras parassonias, conforme se observa
no quadro anterior, cuja especificação foge ao escopo desta Distúrbios dos movimentos no sono
apostila. Síndrome das pernas inquietas;
Desordem com movimentos periódicos do sono;
DISTÚRBIOS DO MOVIMENTO NO SONO Câimbras de pernas relacionadas com o sono;
Bruxismo do sono;
Desordem com movimentos rítmicos do sono (jactatio capitis
Os diversos distúrbios do movimento previstos na nocturnus);
classificação internacional do distúrbio do sono estão listados no Distúrbios não especificados do movimento relacionados com o
quadro ao lado. Destaca-se neste grupo a síndrome das pernas sono;
inquietas (SPI), com prevalência entre 3% e 10% da população, Distúrbios do movimento relacionados com o sono devidos a
segundo diferentes etnias, que consiste no desconforto, drogas ou substâncias;
sensação disestésica ou álgica, nos membros inferiores, Distúrbios do movimento do sono devidos a condições médicas.
Tipos de distúrbios dos movimentos no sono.
podendo acometer os superiores, gerando imperiosa
necessidade de movimentá-los, sendo aliviada com a Bruxismo do sono é um distúrbio do sono caracterizado
movimentação ou massagem dos mesmos. É causa importante de pelo apertar e ranger dos dentes, de forma involuntária, com
insônia inicial, podendo ser idiopática, ou de etiologia secundária, aplicação de forças excessivas sobre a musculatura
ligada à redução de depósitos de ferro no sistema nervoso mastigatória. É diferente do bruxismo diurno, caracterizado por
central (anemia ferropriva), à gestação ou à insuficiência renal uma atividade semi-voluntária da mandíbula, de apertar os
em fase dialítica. dentes enquanto o indivíduo se encontra acordado, onde
É mal diagnosticada e confundida com alterações geralmente não ocorre o ranger de dentes, e está relacionado a
vasculares, neuropáticas ou psiquiátricas. Sua fisiopatologia um tique ou hábito. O bruxismo do sono é uma atividade
ainda não está bem esclarecida, acreditando-se que decorra de inconsciente, com produção de sons, enquanto o indivíduo
um transtorno na interação entre o sistema nervoso periférico encontra-se dormindo.
(sensorial) e os centros superiores de percepção somato- O bruxismo do sono é um problema que afeta sobretudo
sensorial, particularmente, o tálamo, mediado provavelmente por as crianças podendo também afetar os adultos. O ranger
uma disfunção dopaminérgica. Tem nítida influência do ciclo provoca um desgaste nos dentes que pode afetar a integridade
circadiano, sendo pior no período noturno, mas ocorrendo dos mesmos e comprometer a saúde bucal. Também
também durante o dia, em períodos de imobilidade (por exemplo, sobrecarrega e cria tensões ao nível das articulações
ao assistir uma aula), ou de baixo alerta. temporomandibulares (ATM) que pode causar desgastes e
O tratamento pode ser feito com diversos tipos de distúrbios nessa articulação.
medicamentos, especialmente, levodopa, agonistas O ruído característico do ranger dos dentes, desgaste
dopaminérgicos, gabapentina, carbamazepina, valproato de sódio dentário, hipertrofia dos músculos mastigatórios e temporais,
e clonazepam. dores de cabeça, disfunção da articulação temporomandibular,
A SPI é comumente associada ao transtorno dos má qualidade de sono e sonolência diurna estão entre suas
movimentos periódicos dos membros durante o sono, mas principais manifestações clínicas.
ambos podem ocorrer de forma independente. Este último leva a O diagnóstico é feito pela observação de um desgaste
mioclonias de pés, pernas ou braços que causam despertares, dentário anormal, ruídos de ranger de dentes durante o sono e
fragmentando o sono e causando sonolência diurna excessiva. desconforto muscular mandibular. A polissonografia registra os
Também responde a drogas usadas para tratar a SPI. episódios de ranger dos dentes, permitindo identificar alterações
Outro distúrbio que merece citação é o dos movimentos do sono e microdespertares. As alterações predominam no
rítmicos no sono que predominam na cabeça, conhecido estágio 2 do sono não REM e nas transições entre os estágios.

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