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Analógos XI 43

SOBRE A ONTOLOGIA DO PRESENTE


E A AUFKLÄRUNG

Bruno Lorenzatto Parreira da Cruz


Mestrando em Filosofia pela PUC-Rio

Resumo: Foucault elaborou sua prática filosófica com base no que ele
mesmo chamou de ontologia do presente. Partindo dessa hipótese será preciso
pensar a inesperada vinculação de Foucault a tradição da Aufklärung e o sentido
deste vínculo para a tarefa filosófica de problematizar o presente. Com isso,
coloca-se a questão da natureza de uma relação específica entre história, filosofia
e atualidade.

A crítica é certamente a análise dos limites e a reflexão sobre eles. Mas se


a questão kantiana era saber a que limites o conhecimento deve renunciar a
transpor, parece-me que, atualmente, a questão crítica deve ser revertida em
uma questão positiva: no que nos é apresentado como universal, necessário,
obrigatório, qual é a parte do que é singular, contingente e fruto das imposições
arbitrárias. Trata-se em suma, de transformar a crítica exercida sob a forma
de limitação necessária em uma crítica prática sob forma de ultrapassagem
possível 1.

Há todo um esforço da filosofia contemporânea de compreender e pensar


criticamente o presente. De Nietzsche a Hannah Arendt, de Benjamin a Sartre,
passando por Foucault e Deleuze, encontramos uma miríade de reflexões que
vão da política à problematização histórica. Esses e muitos outros filósofos se
depararam com as questões mais violentas e desconcertantes que a modernidade
nos legou, entre elas, o peso dos dogmatismos e despotismos. Deleuze afirma que
a filosofia é inseparável de uma cólera contra a época. Talvez no pensamento
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crítico desde o iluminismo essa cólera tenha se insinuado filosoficamente quando


não de maneira explicita, ao menos de forma sub-reptícia.
Foucault chamou de ontologias do presente esse tipo de reflexão na
modernidade em que está em jogo o vínculo entre filosofia, história e atualidade;
isto é uma prática histórico-filosófica. Nesse sentido, é fundamental perceber que
esta prática histórico-filosófica não se trata de uma filosofia da história, nem de
história da filosofia: isso quer dizer que o “domínio da experiência ao qual se refere
esse trabalho filosófico não exclui dele nenhum outro absolutamente” 2. Trata-se,
afirma Foucault, de “fabricar como por ficção a história que seria atravessada pela
questão das relações entre as estruturas de racionalidade que articulam o discurso
verdadeiro e os mecanismos de assujeitamento que a eles são ligados” 3.
É conhecida a alusão que Foucault faz a Kant, vinculando sua própria
trajetória filosófica a tradição kantiana e ao iluminismo. O lugar que encontramos
essa referência explícita e mais desenvolvida é no artigo O que é o iluminismo?,
publicado em 1984 nos Estados Unidos. Nesse texto Foucault elabora uma análise
sobre a Aufklärung centrando parte de sua reflexão em um texto menor de Kant de
1784 que é a resposta para um jornal de Berlim que colocava justamente a questão
Que é o iluminismo?. Outro texto não menos importante é uma conferência
realizada em 1978 na França que ficou conhecida como Crítica e Iluminismo.
Segundo Foucault, nessa conferência de 1978, a tradição iluminista da crítica teria
como herdeiros duas vertentes do pensamento contemporâneo que seguiram por
caminhos distintos, não obstante que se complementam. Na Alemanha os pós-
hegelianos e a escola de Frankfurt que desenvolveram fortemente uma reflexão
política, e por outro lado, na França onde de Comte a Bachelard o foco girou em
torno da história das ciências e das problematizações epistemológicas.
A questão que aqui nos interessa é como Foucault faz uma leitura do
iluminismo para pensar a sua ontologia do presente como herdeira também da
tradição crítica. Como se refere Katia Muricy, ao prefácio escrito por Foucault do
livro de Canguilhem, O normal e o patológico a “Aufklärung é um questionamento
da razão como despotismo e como luz; ela está presente em nossa atualidade como
indagação constante do Ocidente sobre as suas possibilidades hoje e sobre as
liberdades que lhe são possíveis” 4.
Na questão proposta a Kant ele deve falar filosoficamente de seu presente,
precisa refletir o que é a sua atualidade. Foucault ressalta então o modo peculiar
como Kant apresenta sua reflexão. Ora, não é a primeira vez que a filosofia pensa
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o seu próprio presente. Se pensarmos em Agostinho, ou em Platão encontramos


essa questão formulada metafisicamente. Entretanto, dessa vez, e talvez a despeito
do próprio Kant, não é através da filosofia da história, ou da teleologia do tempo
histórico que ele aborda o iluminismo: “No texto sobre a Aufklärung, a questão
se refere à pura atualidade. Ele não busca compreender o presente a partir de uma
totalidade ou de uma realização futura” 5.
No texto dedicado a Kant de 1984 não é a primeira vez que Foucault fala
da modernidade menos como uma época do que como uma atitude ou ainda um
ethos. “Para a atitude de modernidade , o alto valor do presente é indissociável
da obstinação de imaginar, imaginá-lo de modo diferente do que ele não é,
e transformá-lo não o destruindo, mas captando-o no que ele é”. Atitude de
modernidade, diz ele em 1984, ou se quisermos atitude crítica como na conferência
de 1978. Essa atitude se caracteriza como

um modo de relação que concerne à atualidade; uma escolha voluntária que


é feita por alguns; enfim uma maneira de pensar e de sentir, uma maneira
também de agir e de se conduzir que, tudo ao mesmo tempo, marca uma
pertinência e se apresenta como uma tarefa 6.

É preciso entender, exatamente nesse ponto, a natureza da relação entre a


ontologia do presente proposta por Foucault e a Aufklärung, pois não se trata de
uma “fidelidade aos elementos de doutrina, mas antes, a reativação permanente
de uma atitude; ou seja um êthos filosófico que seria possível caracterizar como
crítica permanente de nosso ser histórico” 7. Importante notar, ainda, é que não se
trata de ser a favor ou contra a Aufklarung, mas antes “de tentar fazer a análise de
nós mesmos como seres históricos determinados, até certo ponto, pela Aufklärung”
8
. Nesse sentido, Foucault indica que de Max Weber a Habermas (e podemos dizer
que nele também) permanece a questão: “o que ocorreu na história da razão, no
predomínio da razão e nas diferentes formas pelas quais se exerce esse domínio
da razão?” 9.
A modernidade pode ser entendida como a época que a história pensa a
si mesma historicamente. Na verdade, todo o problema nasce da radicalização
do questionamento do que implica essa consciência histórica adquirida no saber
moderno. A abertura de caminhos para pensar esta questão é levada ao paroxismo
pelo trabalho de Foucault a partir do momento em que ele não só investiga as
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condições históricas de possibilidade (ou o a priori histórico 10) desses saberes,


mas também estabelece um modo crítico de pensar o presente. Esta crítica, por
sua vez, reintroduz o vínculo entre história e filosofia através de uma relação com
o tempo, que é entendido a partir de um princípio de não linearidade, o tempo
como descontinuidade (que será sempre constituído de diversas temporalidades),
conjurando todo discurso teleológico dessas disciplinas.
Como já indiquei a ontologia do presente compreende uma prática histórico-
filosófica. No caso da ontologia do presente foucaultiana ela se efetiva em suas
investigações arqueológicas e genealógicas. Assim, enquanto a arqueologia
investiga as condições de possibilidade de existência de um determinado saber,
sua aplicação na sociedade e seus efeitos partir de pontos singulares; a genealogia
complementa a análise buscando captar a emergência dos discursos e das práticas
não discursivas que se tornam legítimas a partir de relações de poder que engendram
domínios onde a verdade pode ser dita. Seria ainda preciso, quando pensamos nos
procedimentos de análise aos quais recorre Foucault, entender a importância do
acontecimento, ou a acontecimentalização como categoria central de análise. O que
quer dizer isso? “de início, tomar conjuntos de elementos onde se pode perceber
em primeira aproximação, portanto, de modo absolutamente empírico e provisório,
conexões entre mecanismos de coerção e conteúdos de conhecimento” 11.

Não era tão evidente assim...

O que marca a originalidade de um livro como História da loucura,


seguindo a análise de Paul Veyne, e acredito que isto se aplique a outros trabalhos
de Foucault, é uma questão que está intimamente ligada ao tema da verdade.
Que a loucura seja percebida de diferentes maneiras, de acordo com as épocas
históricas não é uma grande novidade. Entretanto, tornou-se evidente, evidência
de uma verdade científica, que o louco é um doente mental, quando a ciência
moderna assim o classificou – eis um grande questionamento – se a loucura existe
(Foucault nunca disse o contrário), ela existe apenas como um nome que designa
uma infinidade de experiências que são irredutíveis a uma verdade. Assim, se
explica também o nominalismo de Foucault. Dizer que

não era tão evidente que os loucos fossem reconhecidos como doentes
mentais; não era tão evidente que a única coisa que se podia fazer com um
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delinqüente era trancafiá-lo. Não era tão evidente que as causas da doença
devessem ser buscadas no exame individual do corpo 12,

implica no movimento incessante que a filosofia de Foucault opera – isto é


– o de questionar a atualidade criando “ficções” que conduzem a estranha história
de nossas verdades, nossas instituições, nossas crenças, enfim, nossas práticas.
Mostrando a fragilidade daquilo que é Foucault quer mostrar que o presente não
pertence, absolutamente, à ordem do necessário.
Longe de tentar restaurar ou definir uma identidade a ontologia do
presente opera esfacelando o sujeito, opondo-o contra si mesmo e interrogando
as múltiplas facetas históricas de que é formado. Nesse sentido, há uma passagem
em Deleuze que diz: “A história, segundo Foucault, nos cerca e nos delimita; não
diz o que somos, mas aquilo de que estamos em vias de diferir; não estabelece
nossa identidade, mas a dissipa em proveito do outro que somos” 13.
Em suma a ontologia do presente como projeto histórico-filosófico assumi
a tarefa de “desubjetivar a questão filosófica pelo recurso ao conteúdo histórico,
libertar os conteúdos históricos pela interrogação sobre os efeitos de poder cuja
verdade – essa que eles pressupõem e marcam – os afeta” 14.

Notas

1
FOUCAULT, M. O que são as luzez? In: FOUCAULT, M. Ditos e escritos II Arqueologia das
ciências e história dos sistemas de pensamento. Trad. Elisa Monteiro. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2005. p. 347.
2
FOUCAULT, M. Crítica e Aufklärung. http://vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/critica.pdf -
Trad. Gabriela Lafetá Borges. 1978. p. 8.
3
FOUCAULT, M. Crítica e Aufklärung. p. 11.
4
MURICY, K. O heroísmo do presente. In: Tempo Social. Rev. Sociol., USP, 7 (1-2): outubro de
1995. S. Paulo: Edusp, 1995. p. 33.
5
FOUCAULT, M. O que são as luzes?, p. 337.
6
FOUCAULT, M. O que são as luzes?, p. 341-342.
7
FOUCAULT, M. O que são as luzes?, p. 345.
8
FOUCAULT, M. O que são as luzes?, p. 345.
9
FOUCAULT, M. Estruturalismo e pós-estrturalismo. In: FOUCAULT, M. Ditos e escritos II
Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Trad. Elisa Monteiro. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 347.
10
O a priori histórico é como uma espécie de condição histórica para a própria história.
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11
FOUCAULT, M. Estruturalismo e pós-estruturalismo. p. 348.
12
VEYNE, P. Foucault seu pensamento, sua pessoa. Trad. Marcelo Jacques de Morais. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 46.
13
DELEUZE, G. Conversações. Trad. Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1992. p. 119.
14
FOUCAULT, M. Crítica e Aufklärung. p. 12.

Referências

DELEUZE, G. Conversações. Trad. Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1992

FOUCAULT, M. O que são as luzez? IN: FOUCAULT, M. Ditos e escritos II


Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas de Pensamento. Trad. Elisa
Monteiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

_____. Crítica e Aufklärung. http://vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/critica.pdf -


Trad. Gabriela Lafetá Borges. 1978.

_____. Estruturalismo e pós-estrturalismo. IN: FOUCAULT, M. Ditos e escritos II


Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Trad. Elisa
Monteiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

MURICY, K. O heroísmo do presente. In: Tempo Social. Rev. Sociol., USP, 7 (1-2):
outubro de 1995. S. Paulo, Edusp, 1995. pp. 31-44.

VEYNE, P. Foucault seu pensamento, sua pessoa. Trad. Marcelo Jacques de Morais.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

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