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Julia Sant’Anna
Pesquisadora do OPSA/IUPERJ
jsantanna@iuperj.br
Os seis meses que passaram desde a posse de Bachelet trouxeram à tona o que pode ser
considerada a questão social mais grave no país, que é citado como exemplo de sucesso na
aplicação de reformas de Estado e abertura econômica na América do Sul. Mesmo com
altos índices de crescimento econômico ao longo dos anos, o Chile não consegue livrar-se
daquilo que faz com que ainda seja como um país caracteristicamente latino-americano: o
alto índice de desigualdade social.
Este artigo pretende debater os principais temas sociais ao longo dos primeiros seis meses
do governo de Michelle Bachelet e tenta entender o que fez com que sua popularidade
caísse nada menos que 20 pontos percentuais em dois meses. A crise estudantil de maio –
provocada pela incapacidade de superação dos altos índices de desigualdade social
combinada com o alto grau de mobilização política da sociedade – foi a primeira grande
crise enfrentada pelo governo atual. Até agora a Concertação vem se mostrando incapaz de
transformar o alto crescimento econômico chileno em ganhos redistributivos para a
sociedade.
As “mudanças” do slogan “mudança com continuidade” ainda não foram vistas. Pode ser
ainda muito cedo para que elas aconteçam, mas é fundamental que o governo mostre-se
interessado em avançar nas discussões apresentadas, principalmente no campo da reforma
2
Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
Michelle Bachelet tomou posse em 11 de março deste ano, apresentando uma lista de 36
medidas prioritárias que, segundo ela, seriam cumpridas nos 100 primeiros dias de
mandato. Seu discurso e o fato de pela primeira vez a coalizão governista ter obtido maioria
tanto na Câmara quanto no Senado despertaram ainda mais confiança. A Concertação teria
mais capacidade política para colocar em prática as reformas que nos três primeiros
mandatos não foram tão fáceis de serem aprovadas.
A socialista divorciada e agnóstica, mãe de três filhos, que passou anos exilada na
Alemanha Oriental e teve o pai morto pela tortura do regime Pinochet 1 , foi ministra da
Saúde (2000) e da Defesa (2002) 2 durante o governo do também socialista Ricardo Lagos.
Bachelet foi eleita em 15 de janeiro, derrotando Sebastián Piñera (do partido de oposição ao
governo Renovação Nacional) e prometendo um governo com diálogo aberto com a
população, ouvindo mais os cidadãos e menos os grupos políticos 3 .
1
Alberto Bachelet, um general a Força Aérea a chilena com visões progressistas, foi detido por “traição à
pátria” e morreu por causa de um infarto em conseqüência das torturas que sofreu na prisão em 1974.
2
Em seu discurso de posse como ministra da Defesa, Bachelet foi aclamada ao declarar que seu pai sentiria
orgulho dela naquele momento.
3
The Economist, 2006.
3
Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
Lagos no mesmo período de seu governo, mas a grande diferença é que o país naquela
época não vivia tão boas condições econômicas 4 .
Gráfico 1
70% 62,1%
60% 54,5%
40% Aprovação
30% 37,8% 37,3% Rejeição
34,8%
20%
20,9%
10%
11,5%
0%
Abril Maio Junho Julho Agosto
Fonte: Adimark
4
Libertad y Desarrollo, 2006g.
4
Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
Se, por um lado o governo mostrou “uma gestão zigue-zagueante”5 para prever incidentes e
se antecipar à crise, os estudantes organizados num conselho deliberativo conseguiram
apresentar suas demandas de maneira clara e mobilizar as mais variadas correntes políticas
e sociais a seu favor 6 . Os chamados “pingüins” 7 exigiam de uma maneira geral a melhoria
das condições da educação secundária no Chile. Entre os pedidos principais estavam a
gratuidade do equivalente ao exame de vestibular, o passe livre nos transportes para
estudantes secundaristas e o aumento da capacidade de influência do governo sobre as
ementas escolares. Esta última demanda, a mais complexa de todas por envolver mudanças
na Constituição, prevê a retomada da capacidade do Estado de interferir na qualidade do
ensino, que vem mostrando piora principalmente nas escolas que abrigam estudantes de
menor poder aquisitivo.
O embate entre o Governo Bachelet e os estudantes foi encerrado como uma vitória política
para os “pingüins”, mas ainda é cedo para afirmar o que realmente foi conquistado por eles.
Entre os resultados concretos obtidos está o comprometimento do governo em isentar 155
mil alunos do pagamento da taxa para a prova de admissão às universidades (benefício que
os estudantes pediam que fosse para todos), a concessão do passe escolar gratuito sem
limitações de uso, o aumento em 500 mil refeições escolares e a criação do Conselho
Assessor de Educação. O órgão, anunciado para debater a reforma das leis que precisam de
aprovação no Congresso, conta com 74 membros, sendo 12 deles representantes dos
estudantes. Já em meados de junho, no entanto, eram muitas as críticas internas sobre o seu
funcionamento.
A apenas três meses do prazo estipulado pelo governo para entrega do relatório final
contendo as propostas acordadas por seus membros, são poucos os avanços e muitas as
desmobilizações a respeito de seus objetivos iniciais. Entre as principais ausências
observadas nas reuniões do conselho está a do encarregado de Educação da Associação
5
Libertad y Desarrollo, 2006f.
6
Até mesmo dentro do movimento estudantil, porta-vozes filiados à direitista União Democrática
Independente e ao Partido Comunista mostravam unidade política em relação às demandas estudantis.
7
Como são apelidados os estudantes secundaristas, numa alusão ao uniforme branco e azul escuro.
5
Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
Chilena de Municipalidades, o prefeito Pablo Zalaquett, que faltou alguns dos encontros
porque visitava a Alemanha com uma delegação de futebol do Real Madrid de La Florida 8 .
Má distribuição de renda
Mas se, por um lado, para seus vizinhos da América do Sul, as manifestações no Chile que
fizeram despencar a popularidade de Bachelet surpreenderam, por outro, os riscos de que
isso acontecesse não eram novidade para os observadores mais atentos. Não é de hoje que
se fala da qualidade da Educação e das diferenças no acesso a ela como um dos reflexos
mais claros daquele que é o problema que Santiago ainda compartilha com seus parceiros
mais próximos. O alto índice de desigualdade social talvez seja o que o Chile mais tem em
comum com seus vizinhos sul-americanos. O gráfico 2 mostra que a diferença relativa à
freqüência escolar entre os 20% mais pobres e os 20% mais ricos da população cresce
largamente da educação primária para a secundária. A diferença, que era de apenas 0,4
ponto percentual entre as crianças de 7 a 12 anos, salta para 12,7 pontos percentuais na
faixa etária de 13 a 19 anos.
Gráfico 2
75,0
70,0
Quintil 1 Quintil 3 Quintil 5
8
El Mercurio, 10/07/2006.
6
Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
Um ano antes das manifestações estudantis, a revista The Economist já listava os principais
desafios da “provável sucessora de Lagos”: “diversificar a pauta de exportações, melhorar o
sistema educacional e estreitar as diferenças de renda entre os mais ricos e os mais pobres
9
no país”. Num artigo de 1999, o professor de economia da Universidade do Chile, Dante
Contreras, mostrava como a educação no Chile “é uma das variáveis que mais explicam a
desigualdade e suas mudanças” na demanda de trabalho qualificado, sugerindo políticas
voltadas para a melhoria da educação fornecida às classes mais baixas da população 10 . José
Joaquín Brunner, diretor do Programa de Educação da Fundação Chile e membro do
Conselho Diretor do Instituto Internacional para Planejamento da Educação da Unesco,
elogia as políticas educacionais focalizadas do Chile, mas diz que ainda são muito
insuficientes 11 .
O gráfico 3 mostra a posição do Chile em relação ao país mais desigual da América do Sul,
o Brasil, e ao que apresenta a melhor distribuição de renda, o Uruguai. Na questão da
distribuição de renda, o Chile está mais bem colocado apenas que o Brasil e a Colômbia,
tendo o terceiro coeficiente de Gini 12 mais elevado da região mais desigual do planeta. A
Coréia do Sul – país que costuma ser comparado ao Chile por sua industrialização tardia
voltada para exportação e com alto crescimento econômico – tem um coeficiente de Gini de
0,32, enquanto o Chile tem quase o dobro disso.
9
Economist, 2005.
10
Contreras, 1999.
11
Villaroel, 2006.
12
Índice que mede concentração de renda onde “0” (zero) representaria todos os indivíduos de um país tendo
renda idêntica e “1” a concentração total da renda de um país nas mãos de apenas um indivíduo.
7
Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
Gráfico 3
Distribuição de Renda
Índice de Gini
0,70
0,65
0,60 Brasil
0,554 0,559 0,552
0,55 Chile
0,50 Uruguai
0,45
0,40
1990 1999-2001 2002-2003
Reforma da previdência
Talvez o ponto que esteja mais perto de influenciar os resultados em longo prazo é a
questão previdenciária. Em julho, a comissão encarregada em desenvolver um conjunto de
propostas para a reforma do sistema previdenciário entregou a Bachelet um relatório no
13
Barlocci, 2006.
14
Libertad Y Desarrollo, 2006d.
8
Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
qual sustenta cinco pontos-chave de mudança. O documento, cuja produção foi coordenada
pelo economista Mario Marcel, é o primeiro estágio na redação do projeto de lei que será
apresentado ao Congresso ainda este ano. São cinco as principais mudanças estruturais
propostas. A primeira é a criação de uma Pensão Básica Universal (PBU) de no mínimo
75.000 pesos mensais (US$140) aos que não têm outra fonte de financiamento. Com isso, o
Chile busca chegar aos níveis de pensões de países desenvolvidos. A segunda proposta
sugere igualar em 65 anos a idade de aposentadoria das mulheres às dos homens,
acrescentado uma redução em um ano por filho nascido vivo às mulheres que fizerem parte
dos 60% mais pobres. O terceiro ponto diz respeito às administradoras de fundos de pensão
(ou AFPs), aceitando a incorporação de novos afiliados para estimular a competitividade e
melhorar as condições de investimento, rentabilidade e diminuir os custos. A quarta das
principais propostas sugere a obrigatoriedade da inclusão num prazo de cinco anos de
trabalhadores independentes (ou terceirizados) no sistema de pensão, provendo eqüidade
em relação à aposentadoria por velhice, invalidez ou acidentes de trabalho sob as mesmas
condições de trabalhadores contratados. O quinto ponto é a forma de financiamento de tais
reformas. A comissão não propõe nenhum aumento tributário para saldar o fortalecimento
de tais aportes estatais.
15
EIU, 2006.
9
Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
Fatos adicionais que merecem menção nesta análise sobre as condições sociais destes
primeiros seis meses de governo Bachelet dizem respeito principalmente à alta do índice de
desemprego no país. O primeiro trimestre do ano apresentou a segunda cifra mais alta para
o período desde 1986, chegando a 8,7%. Aliadas a ela estão as preocupações sobre a
desaceleração do PIB, que cresceu 4,9% no primeiro semestre de 2006. Segundo analistas,
o baixo nível de crescimento econômico (para padrões chilenos) deveu-se principalmente
aos problemas de abastecimento de gás natural proveniente da Argentina. Economistas
ligados ao mercado, no entanto, disseram que os resultados não necessariamente trarão
grandes perdas à economia.
16
Jeffries, 2006.
10
Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
Conclusão
Seis meses pode ser pouco tempo para avaliar um governo, mas pode ser o suficiente para
investigar suas intenções. Este artigo procurou traçar um paralelo entre as fragilidades do
Chile em questões de política social e principalmente chamar atenção à pressão da
sociedade sobre a coalizão governista a respeito das reformas estruturais necessárias. A
queda da popularidade do Governo Bachelet poderia indicar uma queda também nos níveis
de tolerância da sociedade em relação às urgências relativas às reformas no campo social.
Bachelet foi eleita com a promessa de “mudança com continuidade”. Falta entender o que
há de mudança e o que há de continuidade em seu governo.
Nos próximos seis meses, os olhos dos que baixaram a tolerância sobre os índices de
desigualdade no país sul-americano que mais cresceu mas que não distribuiu a riqueza
deverão estar voltados basicamente para dois pontos: a reforma da previdência e as
negociações a respeito do projeto de lei da reforma da educação. Daí virão as conclusões
sobre as mudanças e continuidades relativas à política social na gestão Bachelet. Daí
poderão surgir as soluções para que o Chile possa realmente ser considerado um milagre
sul-americano. Caso contrário, voltarão às ruas aqueles que lembraram ao mundo que o
Chile continua sim um país desigual. Apesar de tudo.
11
Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
Referências Bibliográficas
Contreras, Dante (1999). “Distribución del ingreso en Chile. Nueve hechos y algunos
mitos”. Perspectivas. v.2. n.2. p. 311-332. Disponível em
http://www.dii.uchile.cl/~revista/revista/vol2/n2/07.pdf.
Díaz, Francisco Javier e Joignant, Alfredo (2006). “Hacia una nueva era de reformas
democráticas”. Expansiva: Em foco. n. 70. Disponível em
http://www.expansiva.cl/agenda/actividades/papers_actividades/07102005185842.pdf.
The Economist (2005). “Chile: Writing the next chapter in a Latin American success
story”. v. 375 (Abril 2 2005), p. 32-3.
The Economist (2006). “Chile's new president: Bachelet's citizens' democracy”. v. 378
(Março 11 2006), p. 33.
EIU (2006). “Chile politics: Bachelet's priorities list. New York. Economist Intelligence
Unit”. EIU ViewsWire (21/04/2006).
Jeffries, Craig (2006). Michelle Bachelet: Hurtling Toward 100 Days. Washington. Council
On Hemispheric Affairs (07/06/2006).
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Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
Villaroel, Gilberto (2006) “Chile/desigualdad: el gran escollo”. BBC Mundo. (29/03/ 2006).
Disponível em
http://news.bbc.co.uk/hi/spanish/specials/2006/educacion/newsid_4832000/4832724.stm.
Vogler, Justin (2005). “The capital sinner set to be president”. New Statesman
(12/12/2005).
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Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
Maurício Santoro
Doutorando em Ciência Política pelo IUPERJ
Introdução
O trabalho começa com a descrição da história e dos objetivos do Comitê e com a análise
dos pontos mais relevantes de sua atuação. Neste artigo, serão abordadas, sobretudo, as
questões da participação no Mercosul, mas o Comitê também lida com outros assuntos,
como o sistema ONU e a Corte Interamericana de Justiça.
Em seguida, são examinados aspectos das relações entre Estado, sociedade e política
externa no Brasil, ressaltando as transformações que ocorrem desde a redemocratização,
como maior número de grupos interessados em questões diplomáticas e a abertura de
setores governamentais à participação social na formulação de políticas públicas. Em
contraste, a posição do Ministério das Relações Exteriores é bem mais restrita nesse
sentido.
14
Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
O texto divulgado no lançamento do Comitê expõe como missão desta iniciativa “promover
a prevalência dos direitos humanos na política externa brasileira e fortalecer a participação
cidadã e o controle social“ Em seguida, são listados quatro pontos principais de atuação:
1
Disponível em http://www2.camara.gov.br/comissoes/cdhm/ComBrasDirHumPolExt/Comite.html/view.
15
Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
A maior parte das organizações dedicadas à proteção dos direitos humanos no Brasil surgiu
durante a ditadura militar, com o objetivo de denunciar os abusos de autoridade, prisões
ilegais e torturas cometidas durante o período. Uma das prioridades era a denúncia desses
crimes no exterior, particularmente na Europa e nos Estados Unidos, para constranger o
regime autoritário e forçá-lo a concessões e negociações. Tratava-se do clássico
“movimento bumerangue” descrito por Keck e Sikkink em seu clássico Activists Beyond
Borders 2 . A ajuda da Igreja Católica foi fundamental no processo de formação dessas redes
internacionais.
Os laços com o exterior são importantes como fonte de apoio político e financeiro e como
maneira de acessar informações e análises. A Igreja continua a ser um ator de destaque
2
Ithaca: Cornell University Press, 1998.
16
Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
nessas articulações, mas surgiram muitos outros participantes importantes, como fundações
e agências de financiamento da Europa, do Canadá e dos EUA.
Embora esse modelo possa ser útil para explicar a ação das redes de direitos humanos na
época das ditaduras militares, a redemocratização modificou esse cenário. Em vinte anos,
diversos setores das políticas públicas brasileiras tornaram-se mais abertos à participação
social, por meio de Conselhos que reúnem funcionários governamentais e representantes da
sociedade civil e de conferências periódicas para debates dos principais temas do setor. O
caso da saúde é o mais conhecido, com forte influência cidadã na formação do Sistema
Único de Saúde e na criação do Programa de combate à AIDS e às doenças sexualmente
transmissíveis. Em muitos casos, setores governamentais podem agir em parceria com a
3
´Full-spectrum´ human rights: Amnesty International rethinks, www.opendemocracy.net, Acesso em
03/06/2005.
4
“The Socialization of International Human Rights Norms Into Domestic Pratices”. In: T. Ries, K. Sikkink e
S. Ropp (orgs) The Power of Human Rights (Cambridge, Cambridge University Press, 1999).
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Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
sociedade, para pressionar outros órgãos públicos, mais relutantes e com posições
contrárias.
A participação social exerce várias funções no que diz respeito às políticas públicas.
Primeiro, monitora a ação governamental, exercendo papel de fiscal e crítica das decisões
oficiais. Segundo, pauta a agenda política, colocando temas em discussão para a sociedade,
por meio de manifestações, protestos e presença nos meios de comunicação (artigos,
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Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
Há muitas críticas à atuação do Ministério das Relações Exteriores, tanto por parte dos
ativistas de direitos humanos quanto por empresários. Na ausência de mecanismos formais
de participação social, o acesso aos dados mais relevantes depende muitas vezes de relações
pessoais e articulações políticas. Cria-se um círculo vicioso: os diplomatas queixam-se da
falta de qualificação técnica dos atores sociais para discutir relações internacionais, ao
mesmo tempo os obstáculos burocráticos dificultam a obtenção de conhecimento para
melhorar essa ação. A secretária executiva do Comitê, Lúcia Nader, coloca a questão pela
perspectiva da democracia:
A política externa tem que ser encarada como a política pública do Ministério das Relações
Exteriores, e não mais ser vista como fechada e hermética, como ocorre atualmente. Ou
seja, tem que haver participação popular, controle social, debates e difusão de informações
sobre ela. 5
A iniciativa Nin@ Sur (o sinal de arroba serve para indicar simultaneamente os gêneros
masculino e feminino) é uma campanha contra a exploração sexual de crianças e
adolescentes, que será lançada em novembro de 2006 e abarcará os países sul-americanos,
com concentração nas cidades de fronteira, onde este crime é mais comum. A iniciativa
também abordará em fase posterior as questões do trabalho infantil e da justiça penal contra
menores de idade.
5
“Política externa: Comitê quer garantir a prevalência de direitos humanos na questão”. Agência Carta
Maior, 02 de junho de 2006.
6
Para um resumo oficial das principais discussões, ver a ata da V Reunião de Altas Autoridades em Direitos
Humanos do Mercosul. Disponível em http://www.mj.gov.br/sedh/mercosul/docs_definitivos.htm.
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Observador On-Line, vol. 1, no 7, set. 2006
No que toca ao combate à exploração sexual, a Nin@ Sur irá realizar estudos comparativos
da legislação sobre o tema nos diversos países do bloco, além de promover encontros dos
parlamentares engajados em proteção às crianças e adolescentes. O objetivo das duas ações
é formular uma agenda de políticas conjuntas.
O direito à verdade, justiça e memória histórica foi proposto pela Argentina, no contexto de
revisão das leis de anistia às violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura
militar de 1976-1983, e da criação do Museu da Memória na Escola de Mecânica da
Armada, o mais conhecido centro de torturas do período. Entre as reivindicações, está o
acesso às informações sobre onde estão enterrados os mortos pelos regimes autoritários.
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instituição pode ser uma excelente oportunidade para o trabalho conjunto entre autoridades
oficiais, acadêmicos e ativistas de movimentos sociais e ONGs.
Dois alertas foram feitos no seminário com relação aos direitos humanos no Mercosul: (1) o
risco de duplicar a agenda de organizações multilaterais como a ONU e a Organização dos
Estados Americanos; (2) a necessidade de melhor articulação política entre os movimentos
sociais e organizações da sociedade civil do bloco.
Varsky afirmou que a participação é um tema estrutural do Mercosul que se quer construir,
pois é inviável discutir temas de produção econômica sem ouvir os atores desse processo,
como pequenas e médias empresas e cooperativas de agricultura familiar. Ele disse que os
diplomatas também estão aprendendo a reconsiderar vários aspectos do bloco, ao ter que
explicar os termos técnicos de modo a que movimentos como os dos cartoneros (catadores
de papel e de sucata) possam compreender.
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Conclusão
Os modelos clássicos de atuação da sociedade civil em prol dos direitos humanos, como os
de Keck/Sikkink e Risse/Sikkink são baseados na lógica vigente durante as ditaduras
militares. Sua ênfase é no conflito entre Estado e cidadãos e na formação de redes
transnacionais que buscam apoio na opinião pública internacional (sobretudo EUA e
Europa) como maneira de constranger o governo e forçar concessões. Muitos elementos
dessas abordagens persistem, mas o contexto da redemocratização alterou vários aspectos.
Iniciativas como a do Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa mostram
que há espaço para ação conjunta entre governo e sociedade, sem ignorar pontos de tensão
entre ambos os lados, principalmente no que toca à questão essencial do acesso à
informação.
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