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além disso, enxergar pontos que vão além da nalístico, deve ser construído a partir de um
edição e finalização dos materiais jornalísti- conhecimento amplo sobre o assunto. O sim-
cos. Compreender o pensar sobre a notícia e ples relato pode ilustrar um fato, mas não
a formulação de teses e motivos para que um consegue desenvolver um conhecimento so-
assunto seja notícia está acima da produção e bre o assunto. Conhecer sobre as relações
recepção, pois delimita como o assunto será sociais, o desenvolvimento da sociedade, de-
abordado e as maneiras como os consumi- senvolver uma análise construída em bases
dores a receberão. estatísticas, em explicações de especialistas
Pretendemos analisar teoricamente a ação e utilizar a figura do personagem para que a
inicial do jornalista, da pesquisa do profis- identificação pessoal possa trazer ao mundo
sional de comunicação que constrói o co- do espectador aquele fato, para que ele possa
nhecimento para que a produção noticiosa e ser analisado e forme um indivíduo capaz de
informativa possa ser de qualidade (e aqui discutir e dissertar sobre o ocorrido, é uma
nos referimos a qualidade como abrangência das bases do jornalismo.
de fatos e perspectivas interessantes para que
os espectadores recebam uma informação
1 Ética: Absoluta ou
com uma gama significativa de dados) e que
crie uma base forte para um conhecimento Responsável?
desenvolvido de maneira consistente para in- A sociedade tem um funcionamento mar-
formar e formar o indivíduo que consome a cado por diversos preconceitos e construções
notícia, uma base para que ele possa dissertar históricas, fundadas em bases patriarcais,
e discutir um assunto. capitalistas e fálicas que sinalizam um co-
Um fato ambiciona a condição de nhecimento pré-concebido em bases morais
relato – pois só o relato dará a que não contribuem para ações éticas de res-
ele, mero fato, um sentido narra- ponsabilidade social. O preconceito acaba
tivo. Não há, portanto, fato jor- criando uma ética de verdade absoluta, como
nalístico sem relato jornalístico. O diferenciada por Max Weber, que formula
que pretendemos dizer, enfim, é paradigmas que sem o aprofundamento do
que o relato jornalístico ordena e, conhecimento e a falta de esclarecimento
por definição, constitui a realidade pode comprometer o discernimento e a com-
que ele mesmo apresenta como preensão da vida dos indivíduos da so-
sendo a realidade feita de fatos. A ciedade. Lage (2004) salienta que
notícia acontece como elo do dis-
Preconceitos e pressupostos aju-
curso. A notícia acontece como e-
dam pouco e atrapalham muito em
lemento discursivo, tendendo para
jornalismo [...] A essência do jor-
um lado ou para o outro, tanto
nalismo, pelo contrário, é a partir
faz, mas como elemento discursivo
da observação da realidade (do que
(GOMES, 2003, p. 10).
ela tem de singular), esteja ou não
A partir dessa afirmação, percebemos a conforme alguma teoria. Poucas
importância de como a notícia, o relato jor- matérias jornalísticas originam-se
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para a promoção das garantias in- jovem/velho etc. Muitas das fal-
dividuais e coletivas, em espe- tas cometidas vêm do fato de
cial as das crianças, adolescentes, se ignorar a própria natureza e
mulheres, idosos, negros e mi- suas limitações. A deontolo-
norias; [...] XIV – combater gia, em certa medida, poderia
a prática de perseguição ou dis- reduzir-se a uma conscientização
criminação por motivos sociais, (BERTRAND, 1999, p. 107)
econômicos, políticos, religiosos,
de gênero, raciais, de orientação Ao tratarmos de conceitos éticos é impor-
sexual, condição física ou men- tante que possamos discernir a diferença en-
tal, ou de qualquer outra natureza. tre ética, moral e deontologia. A primeira
(FENAJ, 2008, p. 2) trata do que limita e norteia uma ação.
Enquanto a segunda é um conhecimento
Percebemos que cabe ao jornalista pau- baseado em senso comum e religioso que de-
tar, escrever e editar, de maneira consciente fine o que é bem visto e o que é julgado como
ao desenvolvimento de uma sociedade capaz ruim perante a sociedade, enquanto a terceira
de respeitar as diferenças e conhecer sobre é a ação de refletir a ética e a moral a fim
as diversidades e as diferenças da sociedade de compreender de que modo é construída a
brasileira. Assim, é inconcebível pensar em ação profissional ou pessoal de uma pessoa
um profissional desta área que atue movido ou instituição.
pelo preconceito de qualquer âmbito, em sua A ética é o nosso foco neste espaço de
construção e transmissão noticiosa. desenvolvimento teórico. Não buscaremos
aqui julgar o que uma “divindade” e o
2 Jornalista Eticamente “povo” pensariam das ações executadas por
um profissional desta área, e sim, em como
Responsável: Crises e é construída a ética, elemento norteador, que
Superações da Profissão é importante na convivência social e na real
Bertrand (1999), ao tratar sobre o jornalista, formação da sociedade.
explica que o mesmo deve conhecer seus Algumas delimitações éticas são desen-
potenciais e suas limitações no desenvolvi- volvidas em forma de códigos de ética, que
mento de um conteúdo noticioso capaz de não abrangem completamente o real sen-
contribuir para o desenvolvimento do indi- tido da ação discutida. Como ressaltado
víduo, para a melhoria em suas relações so- por Bertrand (1999) “os códigos proscrevem
ciais e no aumento da capacidade de discern- muito e prescrevem pouco – sem dúvida
imento e dissertação sobre assuntos e con- porque é mais fácil pôr-se de acordo so-
ceitos que permeiam nossas relações. bre as faltas a evitar do que sobre as vir-
tudes a praticar. Mas uma moral negativa
Conhecer a si e a seus limites – não é suficiente” (BERTRAND, 1999, p.
O jornalista deve ter consciência 107). Pois o código de ética dos jornalistas,
do que ele é e do que ele não mesmo salientando as ações de responsabi-
é: homem/mulher, branco/negro, lidade do jornalista, não garante ao mesmo
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subsídio para a efetivação de atos a favor da não é uma ação pautada na responsabilidade
sociedade. social do ato de informar.
A construção de uma tábua de leis, que Bertrand (1999) ainda coloca a conheci-
deve ser seguida a risca, não é um obje- mento que esse tipo de jornalista pautado
tivo ético, e sim uma visão catequizadora, pela dita verdade antes de tudo trabalha em
que por meio de preconceito ou necessidade um veículo que não abre espaço para uma in-
de padronização social foi pré-concebida por vestigação aprofundada e espera que o jor-
aqueles que desenvolvem o mesmo, baseado nalista não incomode um modelo de pro-
em uma verdade absoluta e que não pensam dução totalmente acomodado. Assim, o au-
em um caráter analítico no profissional que tor mostra-nos que, infelizmente,
deve se respaldar nos conceitos. Esse tipo de
código apenas divide em boas e más pessoas, [...] os meios de comunicação a-
em um pré-julgamento. presentam notícias policiais e notí-
É simples informar? Podemos nos pren- cias políticas que, em grande
der a diversos pontos, que Bertrand (1999) medida, lhe são fornecidas por
define como: serviços oficiais. Eles evocam
os assuntos que suscitam con-
Os usos e costumes jornalísticos senso ou oposição reconhecida. E
constituem um obstáculo consi- ocultam assuntos marginais, ou
derável à deontologia. Preguiça, ridicularizam-nos: foi o que se viu
insensibilidade burocrática, falta quando do renascimento do movi-
de imaginação geram a rotina: mento feminista, nos anos 60 e
cobrem-se os mesmos setores; 70. A mídia deveria visar dar um
seguem-se os mesmos fenômenos; panorama completo da atualidade
publicam-se os comunicados; local, nacional e mundial, que a-
consultam-se os mesmos supos- liás frequentemente consiste mais
tos especialistas. Consultam-se em problemas a resolver do que em
poucas fontes excelentes, mas ações e acidentes (BERTRAND
obscuras: revistas especializadas, 1999, p. 113)
peritos discretos (p. 110).
A silenciamento também acontece nas
salas de redação. Há diversas situações que
O autor demonstra como a ética da ver-
emudecem o jornalista. Entretanto, Bertrand
dade absoluta mantém-se de maneira sim-
(1999) aponta que
ples e não é necessário buscar pesquisas,
conhecer dados, procurar bons especialistas, A omissão é o pior pecado da
fontes sólidas e um personagem completo mídia. A causa pode ser a na-
e pouco estereotipado. Esse tipo de ética tureza do meio de comunicação,
permite acomodar-se. Ser jornalista apenas ou a falta de recursos, ou a re-
dentro de uma redação, protegido pelos sig- cusa dos proprietários de fazer a
nos de uma profissão capaz de desmoralizar despesa necessária. Mas a omis-
e diminuir qualquer pessoa que a contrarie, são pode ter outras causas. Certos
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tereotipagem de um indivíduo ou grupo so- das todos os dias. Entre aqueles que a so-
cial. ciedade acredita ter vencido barreiras, ainda
Segundo Bertrand (1999) há muitas pessoas que não conseguem con-
viver com o silêncio que foi pedido em troca
A mídia pode fazer muito pelos de um convívio que lhe é de direito.
consumidores/cidadãos. Mas exis- Peruzzo (2004) explica a união de grupos
te uma diferença lamentável que minoritários que buscam o título de cidadãos
poucos códigos evocam: como e os direitos garantidos a todos que convivem
dizia La Fonteine; “Conforme se- neste planeta. A pesquisadora ressalta que
jais poderosos ou miseráveis...” A
liberdade de imprensa e de palavra Movimentos populares são mani-
não deveria ser nem o privilé- festações e organizações constituí-
gio de uma elite nem o da maio- das com objetivos explícitos de
ria. Devem ouvir-se também promover a conscientização, a or-
os marginais, os excêntricos, os ganização e a ação de segmen-
“desmancha-prazeres dos corrup- tos das classes subalternas visando
tos”. Pois às vezes eles têm razão. satisfazer seus interesses e neces-
Ora, quando o governo quer fazer sidades, como os de melhorar o
calar contestadores, os grandes nível de vida, através do acesso às
meios de comunicação tendem a condições de produção e de con-
colocar-se discretamente do lado sumo de bens de uso coletivo e in-
do mais forte (BERTRAND, 1999, dividual; promover o desenvolvi-
p. 128-129). mento educativo-cultural da pes-
soa; contribuir para a preservação
Pela penetração, pela explicação clara, ou recuperação do meio ambiente;
concisa e rica em detalhes os discursos da assegurar a garantia de poder e-
comunicação têm poder para desenvolver no xercitar os direitos de participação
indivíduo o interesse por conhecer outras política na sociedade e assim por
realidades. Desse modo, o silêncio opres- diante. Em última instância, pre-
sor que é forçado a muitos dos excluídos e tendem ampliar a conquista de di-
marginalizados é deixado de lado para que reitos de cidadania, não somente
eles possam partilhar de suas experiências e para pessoas individualmente, mas
mostrar que o conhecimento do estereótipo para o conjunto de segmentos ex-
não garante que o indivíduo conheça a reali- cluídos da população (PERUZZO,
dade do marginalizado. 2004, p. 2)
A sociedade atual, capitalista, cristã, pa-
triarcal, fálica, branca, de maioria heteros- Não há, por exemplo, uma segregação
sexual, não tem o costume de conviver entre o masculino e o feminino, mas não
com negros, homossexuais, mulheres fe- há uma interação social completa. Sempre
ministas, candomblecistas, indígenas, entre há o julgamento do estereótipo, que, se for
outros grupos ou pessoas que são silencia- mais abordado, começaremos a perceber que
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ainda veem a mulher como corpo para ser o- forma, e, colaborar para que a informação
lhado e posse do macho mais próximo. E transmitida ao público seja abrangente.
essa visão, dita vencida por muitos, ainda Além de informar, a comunicação deve ser
não é um direito de ação à mulher, que ainda educativa para que o indivíduo possa ter
deve seu corpo à Santa Igreja e sua virgin- consciência de uma sociedade plural. São os
dade ao marido. espectadores que fazem com que, por meio
E assim como o feminismo luta pela mu- do seu direito de ser informado, o jornalista
dança dessas visões preconceituosas, muitos tenha o dever de cumprir a pauta. Ser so-
grupos lutam pela liberdade de expressão, cialmente responsável é garantir que a plu-
pela valorização das diferenças e do direito ralidade seja parte do produto e tirar muitas
de pertencer à sociedade. Peruzzo (2004) mordaças de uma sociedade de normas.
aborda a criação e o fortalecimento da comu- Ouvir os movimentos sociais é uma
nicação comunitária, popular e alternativa, maneira de a mídia produzir um material
que valoriza esses grupos. Mas, não pode- plural e significativo. E que esses produ-
mos descartar qualquer cidadão de um as- tos, notícias e reportagens poderão colabo-
sunto que está em pauta por não fazer parte rar para as novas formações educativas e cul-
das regras e normas impostas. Todo cidadão turais da sociedade que, hoje, precisa com-
tem direito a informar e ser informado. É preender a construção social transdisciplinar
uma prerrogativa constitucional. e multifacetada que a informação e a popu-
lação têm.
Ao dar uma entrevista para um
A sociedade ainda vê com maus olhos o
jornal, participa-se. Se sua ima-
direito dos outros indivíduos, entretanto, a
gem é “roubada” por um fotógrafo
cada momento que se volta ao assunto e que
ou cinegrafista e depois é exibida
se pretende esclarecer, a cada reportagem e
na mídia, você está participando
notícia que visa mostrar a realidade, menos
do conteúdo do meio de comuni-
pessoas mantêm essa visão fechada e opres-
cação. Se você atende a um tele-
siva, que foi construída de maneira pre-
fonema de algum funcionário da
conceituosa e pouco elaborada, mas que,
revista, da qual é assinante, e dá
como permaneceu regra para se viver em so-
sugestões de pauta, você está par-
ciedade, é o que o indivíduo tem como real.
ticipando. Se você realizou algo
E se o jornalista mostra-se disposto a atuar
importante ou cometeu um delito
numa responsabilidade social, a capacidade
e mereceu uma nota ou uma re-
do mesmo em apresentar outras realidades,
portagem na imprensa, está parti-
mostrar outras vidas e dar outros exemplos é
cipando, e assim por diante. Os
tão grande e variada, que o indivíduo poderá
tipos de participação mencionados
reverter esse silêncio e expressar-se. O medo
são comuns e importantes na mí-
da exclusão pode diminuir em favor de uma
dia tradicional (PERUZZO, 2004,
sociedade capaz de colaborar para o cresci-
p. 19).
mento da sociedade.
Essa visibilidade é dada pelo jornalista
a todos que possam valorizar, de alguma
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