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JOSÉ DE SOUZA MARTINS E OS CONCEITOS DE

FRENTE DE EXPANSÃO E FRENTE PIONEIRA1

PAULO ROBERTO CIMÓ QUEIROZ2

José de Souza Martins desenvolveu esses conceitos em dois textos principais. O


primeiro é um trabalho hoje clássico, intitulado Frente pioneira: contribuição para uma
caracterização sociológica. Esse texto, originalmente apresentado na 23ª Reunião Anual da
SBPC, em 1971, foi publicado nesse mesmo ano na revista Estudos Históricos (Marília) e
republicado em 1975 como um capítulo da coletânea Capitalismo e tradicionalismo, do
mesmo autor3. O segundo trabalho, intitulado O tempo da fronteira: retorno à controvérsia
sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira, foi escrito em 1995 e
posteriormente publicado, com outros textos do autor, no livro Fronteira: a degradação do
Outro nos confins do humano (1ª ed. 1997, 2ª ed. 2009)4.
Para iniciar a discussão, destaco em primeiro lugar a “genealogia” desses conceitos,
efetuada por Martins nos dois trabalhos citados.
Martins vincula o conceito de frente pioneira aos estudos sobre fronteiras realizados
pelos geógrafos – quem, no Brasil, “desde os anos 1940, importaram a designação de zona
pioneira para nomeá-la [à fronteira], outras vezes referindo-se a ela como frente pioneira”
(MARTINS, 2009, p. 134; grifos do original). De fato, Martins inicia seu texto original de 1971
precisamente com a discussão do conceito de “zona pioneira” formulado pelo geógrafo

1
Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no dia 26 de abril de 2012 em mesa redonda no Seminário
“Leituras de Fronteira”, promovido pelo PPGEdu e PPGH/UFGD na cidade de Dourados. Observo aos leitores que,
embora eu tenha procurado aqui expor as ideias de Martins tão fielmente quanto me foi possível, uma ampla e
aprofundada compreensão das referidas ideias não pode prescindir da leitura das obras originais.
2
Doutor em História; Professor Associado da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
3
No presente trabalho, todas as citações desse texto referem-se a essa versão de 1975. Vale notar que, na
Introdução da referida coletânea, o autor informa que todos os textos nela publicados “foram revistos sem, no
entanto, terem sido alterados na sua essência. Apenas modifiquei-os onde podia deixá-los mais claros” (p. XI-
XII).
4
No presente trabalho, todas as citações desse texto referem-se à versão de 2009 – que, em relação à de 1997,
apresenta apenas pequenas diferenças, muito mais de forma que, propriamente, de conteúdo.
2

alemão Leo Waibel5 (MARTINS, 1975, p. 43) e se refere também diversas vezes, nos dois
trabalhos aqui considerados, ao geógrafo francês Pierre Monbeig.
Por oportuno, reproduzo abaixo o trecho no qual Waibel define o seu conceito de zona
pioneira, isto é, precisamente o trecho que foi parcialmente citado por Martins:

O conceito de pioneiro, para mim, significa mais do que o conceito de frontiersman,


isto é, do indivíduo que vive numa fronteira espacial. O pioneiro procura não só
expandir o povoamento espacialmente, mas também intensificá-lo e criar novos e
mais elevados padrões de vida (WAIBEL, 1979, p. 281-282).

[...] De uma zona pioneira, em geral, só falamos quando, subitamente, por uma
causa qualquer, a expansão da agricultura se acelera, quando uma espécie de febre
toma a população das imediações mais ou menos próximas e se inicia o afluxo de
uma forte corrente humana. Em outras palavras: quando a agricultura e o
povoamento provocam o que os americanos denominam na sua linguagem comercial
um boom ou rush. Então, os preços das terras elevam-se vertiginosamente, as matas
são derrubadas, casas e ruas são construídas, povoados e cidades saltam da terra
quase da noite para o dia, e um espírito de arrojo e de otimismo invade toda a
população (WAIBEL, 1979, p. 282).

O conceito de frente de expansão, por sua vez, foi definido, principalmente a partir
dos anos 1950, pelos antropólogos – tendo sido originalmente formulado por Darcy Ribeiro,
“autor do mais importante estudo sobre essas frentes” e para quem elas constituíam as
“fronteiras da civilização” (MARTINS, 2009, p. 134).
Da discussão substantiva efetuada por Martins acerca dessas questões, destaco a seguir
alguns pontos que considero os mais importantes para os objetivos do presente texto.

1
Martins admite que a distinção entre frente de expansão e frente pioneira tem uma
inegável dimensão espacial.

5
O texto de Leo Waibel, intitulado As zonas pioneiras do Brasil, foi um dos resultados da permanência desse
autor no Brasil, entre 1946 e 1950. Sua redação foi iniciada ainda no Brasil para ser mais tarde revista e
completada na Alemanha – o que, todavia, não aconteceu, já que o autor morreu repentinamente em setembro de
1951 (cf. Curriculum vitae e Nota da redação, in Waibel, 1979, p. 8 e p. 279). Os conceitos de fronteira, de
frontiersman e de zona pioneira, aplicados por Waibel ao caso brasileiro, já haviam sido por ele trabalhados a
partir de sua experiência de docência e pesquisa nos Estados Unidos. Desse modo, o autor efetua diversas
comparações entre os casos estadunidense e brasileiro, lançando mão, inclusive, dos conceitos clássicos de
Turner.
3

De fato, Martins acolhe a noção de Hehl Neiva, aliás também acolhida por Waibel,
acerca da existência concomitante, no Brasil, de duas “fronteiras”: a demográfica e a
econômica (MARTINS, 1975, p. 45). No segundo texto aqui considerado, Martins reafirma que
“era (e é) necessário distinguir, no interior das fronteiras políticas do país, a fronteira
demográfica e a fronteira econômica, esta nem sempre coincidindo com aquela, geralmente
aquém dela”:

Isto é, a linha de povoamento avança antes da linha de efetiva ocupação econômica


do território. Quando os geógrafos falam de frente pioneira, estão falando dessa
fronteira econômica. Quando os antropólogos falam de frente de expansão, estão
geralmente falando da fronteira demográfica. Isso nos põe, portanto, diante de uma
primeira distinção essencial: entre a fronteira demográfica e a fronteira econômica
há uma zona de ocupação pelos agentes da “civilização”, que não são ainda os
agentes característicos da produção capitalista, do moderno, da inovação, do
racional, do urbano, das instituições políticas e jurídicas etc. (2009, p. 137-138).6

[... ] adiante da fronteira demográfica, da fronteira da “civilização”, estão as


populações indígenas, sobre cujos territórios avança a frente de expansão. Entre a
fronteira demográfica e a fronteira econômica está a frente de expansão, isto é, a
frente da população não incluída na fronteira econômica. Atrás da linha da fronteira
econômica está a frente pioneira, dominada não só pelos agentes da civilização, mas,
nela, pelos agentes da modernização, sobretudo econômica, agentes da economia
capitalista (mais do que simplesmente agentes da economia de mercado), da
mentalidade inovadora, urbana e empreendedora (id., p. 138).

2
Não obstante, nosso autor submete a dura crítica qualquer tendência a privilegiar a
dimensão espacial na caracterização dessas duas “frentes”. Criticando especialmente o
conceito utilizado pelos geógrafos Waibel e Monbeig, o sociólogo Martins assinala que
faltava ao conceito geográfico uma dimensão mais propriamente social:

Se, quanto à geografia, o fato fundamental e significativo da zona pioneira é a


cidade e a modernização que através dela se implanta, no que respeita à sociologia
esse não é necessariamente o fenômeno mais importante. Sociologicamente, o que

6
Nesse ponto, com vistas a corroborar este entendimento, Martins cita Darcy Ribeiro: “São etapas sucessivas de
penetração civilizadora e, consequentemente, correspondem a graus diversos de intensidade de interação. Assim,
as frentes extrativas são frequentemente penetrações exploratórias e recentes a que se seguirá a ocupação
definitiva de base agrícola” (nota 18, p. 170).
4

importa é descobrir quais são as relações sociais que tornam singular o sistema
social na zona pioneira (MARTINS, 1975, p. 44).

Martins, de fato, critica a ênfase que, no conceito geográfico, era colocada nos
aspectos espaciais, condenando “a centralização das reflexões na ocupação pioneira do
terreno” bem como no “modelamento da paisagem” (MARTINS, 1975, p. 44). Ademais, para
Martins, a perspectiva dos geógrafos supunha, na verdade, uma concepção “dualista”7:

A caracterização geográfica da “zona pioneira” supõe uma concepção dualista: zona


pioneira/zona antiga. Esta última, entendida como o extremo oposto daquela,
apresenta-se como tendo o terreno empobrecido, transformado em pastagens e
marcada, devido à emigração para a zona pioneira, pela perda dos tipos humanos
mais empreendedores (MARTINS, 1975, p. 44).

O problema, para Martins, residia em que a referida ênfase nos aspectos espaciais “não
acentua devidamente que, independentemente do espaço geográfico, as relações sociais e
singulares que articulam a vida social na zona pioneira não são, por seu turno, ‘pioneiras’”:

Em outros termos, as relações sociais que definem a sociedade na zona pioneira não
constituem resultado do aparecimento da zona pioneira, mas são as relações sociais
necessárias à sua implantação. É essa a única relação possível, no caso, entre o
geográfico e o social, isto é, essas relações sociais têm como primeira característica
o fato de que articulam a vida social deslocando-se geograficamente, mas
preservando-se enquanto modalidade de relacionamento entre as pessoas. O “novo”,
que é uma das dimensões do conceito de zona pioneira, é novo apenas na ocupação
do espaço geográfico e não na estrutura social (MARTINS, 1975, p. 44-45;
destaques meus).

Assim, com base nestas e em outras considerações que serão adiante expostas, Martins
afirma que “a significação sociológica do conceito de frente pioneira não se propõe
corretamente enquanto polo privilegiado da dicotomia tradicional-moderno” (MARTINS, 1975,
p. 50).

7
Referindo-se, no caso, à velha polêmica sobre os dois Brasis, o arcaico e o moderno, formando a “dicotomia
moderno/tradicional” (cf. MARTINS, 1975, p. 44).
5

Para Martins, portanto, os dois conceitos – frente de expansão e frente pioneira – só


podem ser corretamente utilizados com a condição de superarem a mera dimensão espacial, e
mais: com a condição de serem trabalhados como uma unidade.
Pelo que se pode compreender dos textos de Martins, o que sobretudo unifica as duas
frentes é o fato de se situarem ambas, ainda que de distintos modos, no interior da “economia
de mercado”. Desse modo, as duas frentes se articulam de um modo dialeticamente complexo,
formando uma totalidade.
Para o autor, a frente pioneira “exprime um movimento social cujo resultado imediato
é a incorporação de novas regiões pela economia de mercado. Ela se apresenta como fronteira
econômica” (MARTINS, 1975, p. 45). Entretanto, como já foi apontado, no Brasil “a fronteira
econômica não coincide, necessariamente, com a fronteira demográfica”, do que deriva a
constatação da existência de uma “faixa” entre essas duas fronteiras – faixa essa conceituada
como “frente de expansão” e que, “embora sendo povoada (ainda que com baixos índices de
densidade demográfica)”, “não constitui uma frente pioneira [...] basicamente porque sua vida
econômica não está estruturada primordialmente a partir de relações com o mercado”
(MARTINS, 1975, p. 45; destaques meus).
Na frente de expansão, portanto, as “relações sociais fundamentais não são
determinadas pela produção de mercadorias”: nela, “as condições de vida são reguladas pelo
grau de fartura e não pelo grau de riqueza”, e “a apropriação das condições de trabalho, isto
é, da terra, não se faz como empreendimento econômico”. Não se instaura ali a propriedade
privada da terra mas tão somente “o uso privado das terras comuns” ou a “posse, por
ocupação, das terras devolutas”; em outras palavras, as terras não assumem a condição de
mercadoria – de modo que, na frente de expansão, a “figura central” é o “ocupante ou
posseiro” (MARTINS, 1975, p. 46; destaques meus).
De modo totalmente diverso, a frente pioneira, por sua parte, caracteriza-se
precisamente pelo fato de instaurar-se como “empreendimento econômico”, “resultado direto
da necessidade de reprodução” da sociedade capitalista:
6

empresas imobiliárias, ferroviárias, comerciais, bancárias etc., loteiam terras,


transportam mercadorias, compram e vendem, financiam a produção e o comércio.
Passa-se, assim, da produção do excedente para a produção da mercadoria. A frente
pioneira surge não como consequência “rebarbativa”8 da sociedade capitalista, mas
como resultado direto da necessidade de reprodução desta (MARTINS, 1975, p. 47).

O “ponto-chave da implantação da frente pioneira”, prossegue o autor, “é a


propriedade privada da terra”: “Na frente pioneira a terra não é ocupada, é comprada. [...] A
terra passa a ser equivalente de capital e é através da mercadoria que o sujeito trava as suas
relações sociais. Essas relações não se esgotam mais no âmbito do contato pessoal. O
funcionamento do mercado é que passa a ser o regulador da riqueza e da pobreza” (id., p. 47).
Tais diferenças, contudo, não comprometem a unidade dessas duas realidades (a frente
de expansão e a frente pioneira) – unidade essa que é dada, conforme já mencionado, pelo
fato de se situarem ambas no interior de uma economia de mercado.
De fato, Martins observa por exemplo que, a despeito de tudo o que já foi dito, não é
possível classificar a economia da frente de expansão como uma “economia natural”, e isso
porque “dela saem produtos que assumem valor de troca na economia de mercado”: ela é,
sim, uma “economia do excedente, cujos participantes dedicam-se principalmente à própria
subsistência e secundariamente à troca do produto que pode ser obtido com os fatores que
excedem às suas necessidades” (MARTINS, 1975, p. 45; grifos do original). Desse modo, o
“empreendimento capitalista” manifesta também aí sua presença, ainda que à distância: “O
empreendimento capitalista se situa ‘fora’ dos componentes da estrutura social da frente de
expansão”, absorvendo “a renda potencialmente gerada pela terra” (id., p. 46-47).
Prosseguindo na demonstração dos estreitos vínculos, vale dizer, da unidade entre a
“fronteira econômica” (isto é, a frente pioneira) e a frente de expansão, Martins esclarece, na
verdade, que esta última constitui (pelo menos em parte) um produto da primeira: a frente de
expansão surge “em decorrência da instauração de um ‘estado de insuficiência econômica’
que se realiza, na fronteira econômica, ‘pelo incremento demográfico, sem correspondente
expansão dos meios de ganhar a vida’ ou ‘pela retração do nível ou montante das ‘adequadas’

8
Isto é, segundo o dicionário Aurélio, de modo a causar estranheza ou desagrado, por destoar do normal.
7

oportunidades de ganhar a vida’” (MARTINS, 1975, p. 46). Também por essa via, portanto, a
frente de expansão se apresenta “integrada na formação capitalista”:

a frente de expansão se integra na economia de mercado de dois modos: pela


absorção do excedente demográfico que não pode ser contido dentro da fronteira
econômica e pela produção de excedentes que se realizam como mercadoria na
economia de mercado (MARTINS, 1975, p. 46).

Para o autor, contudo, os vínculos entre as duas frentes vão ainda além: num sentido
inverso ao anterior, se assim podemos dizer, a frente pioneira “reinstaura, continuamente, as
condições para aparecimento do estado de insuficiência econômica” (MARTINS, 1975, p. 50;
destaque meu) – recriando portanto, a cada momento, os impulsos geradores das frentes de
expansão.
Parece possível dizer que essa consideração dos dois conceitos como uma unidade
representa, na verdade, o essencial da contribuição de Martins. O próprio autor, de fato, no
segundo texto aqui considerado, assim se refere a suas reflexões originais:

A junção e o confronto das duas concepções – frente de expansão e frente pioneira


–, como momentos históricos distintos e combinados de diferentes modalidades da
expansão territorial do capital, foi feita pela primeira vez numa pequena
comunicação que apresentei, em julho de 1971, na Reunião Anual da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência, em Curitiba (PR). [...] Nessa perspectiva, teve
ampla repercussão entre os estudiosos do tema e é hoje referência corrente em
muitos estudos sobre a fronteira. Especialmente os trabalhos sobre temas históricos
destacaram o acerto de tratar as duas concepções como expressões de um mesmo
processo (MARTINS, 2009, nota 20, p. 170; destaques meus).

4
Para Martins, contudo, a superação da simples dimensão espacial, no que se refere aos
conceitos aqui discutidos, nos leva ainda mais longe.
De fato, o autor recusa a utilização desses conceitos como se fossem “tipologias” de
fronteira, conforme a interpretação esquemática adotada por muitos pesquisadores –
interpretação essa que, conforme assinala, buscava legitimidade no “marxismo estruturalista
de inspiração althusseriana” (2009, p. 140):
8

diferentes pesquisadores [...] interpretaram [a distinção entre frente pioneira e frente


de expansão] como uma tipologia da fronteira e a ela se referiram e a reduziram ao
esquematismo classificatório da controvérsia latino-americana dos anos 1960 e 1970
sobre o desenvolvimento do capitalismo no campo, sobre a natureza histórica das
mudanças (e das lutas sociais) que estavam ocorrendo no campo: eram
transformações no capitalismo ou era transição de pré-capitalismo (e, para alguns,
até feudalismo) para o capitalismo? (2009, p. 139; destaques do original).

Para o autor, ao contrário, a distinção entre essas duas frentes “é, na melhor das
hipóteses, um instrumento auxiliar na descrição e compreensão dos fatos e acontecimentos da
fronteira” (2009, p. 139; destaque meu), “um instrumento útil quando as duas concepções são
trabalhadas na sua unidade”. Ele insiste: tal instrumento só pode ser útil quando, destacando
“a temporalidade própria da situação de cada grupo social da fronteira”, ele permite o estudo
da diversidade histórica desses grupos “não só como diversidade estrutural de categorias
sociais, mas também como diversidade social relativa aos diferentes modos e tempos de sua
participação na história” (2009, p. 139; destaques meus).
Assim, referindo-se a um trecho aliás já citado neste texto9, Martins enfatiza que está
realizando aí, na verdade, uma operação de “datação histórica”, e isso porque “cada uma
dessas faixas está ocupada por populações que ou estão no limite da história, como é o caso
das populações indígenas, ou estão inseridas diversamente na história, como é o caso dos
não-índios, sejam eles camponeses, peões ou empresários” (2009, p. 138; itálicos do original,
negritos meus).
Vale notar que, segundo esclarece o autor, ao falar de diferentes tempos históricos ele
não está referindo-se a simples “etapas” de desenvolvimento econômico, nem tampouco a
“atraso”:

Cada uma dessas realidades tem o seu próprio tempo histórico, se considerarmos
que a referência à inserção ou não na fronteira econômica indica também diferentes
níveis de desenvolvimento econômico que, associados a níveis e modalidades de
desenvolvimento do modo de vida, sugerem datas históricas distintas e
desencontradas no desenvolvimento da sociedade, ainda que contemporâneas. E não

9
Trata-se do seguinte trecho: “adiante da fronteira demográfica, da fronteira da ‘civilização’, estão as
populações indígenas, sobre cujos territórios avança a frente de expansão. Entre a fronteira demográfica e a
fronteira econômica está a frente de expansão, isto é, a frente da população não incluída na fronteira econômica.
Atrás da linha da fronteira econômica está a frente pioneira” (MARTINS, 2009, p. 138).
9

me refiro apenas à inserção em diferentes etapas coexistentes do desenvolvimento


econômico. Refiro-me sobretudo às mentalidades, aos vários arcaísmos de
pensamento e conduta que igualmente coexistem com o que é atual. E não estou
falando de atraso social e econômico. Estou falando da contemporaneidade da
diversidade. Estou falando das diferenças que definem seja a individualidade das
pessoas, seja a identidade dos grupos (2009, p. 138-139).

Aqui reside portanto, a meu ver, o aspecto central das reflexões de Martins sobre esses
temas: os espaços ocupados por essas frentes podem ser, na verdade, os mesmos; o que é
preciso considerar é que, com a presença de uma grande diversidade de atores, tem-se
também uma enorme diversidade de tempos históricos:

o tempo histórico de um camponês dedicado a uma agricultura de excedentes é um.


Já o tempo histórico do pequeno agricultor próspero, cuja produção é mediada pelo
capital, é outro. E é ainda outro o tempo histórico do grande empresário rural. Como
é outro o tempo histórico do índio integrado, mas não assimilado, que vive e se
concebe no limite entre o mundo do mito e o mundo da história. Como ainda é
inteiramente outro o tempo histórico do pistoleiro que mata índios e camponeses a
mando do patrão e grande proprietário de terra: seu tempo é o do poder pessoal da
ordem política patrimonial, e não o de uma sociedade moderna, igualitária e
democrática que atribui à instituição neutra da justiça a decisão sobre os litígios
entre seus membros. A bala de seu tiro não só atravessa o espaço entre ele e a
vítima. Atravessa a distância histórica entre seus mundos, que é o que os separa.
Estão juntos na complexidade de um tempo histórico composto pela mediação do
capital, que junta sem destruir inteiramente essa diversidade de situações (MARTINS,
2009, p. 139).

É importante observar que, no texto aqui considerado, Martins relaciona a percepção


da diversidade da fronteira também aos “lugares sociais” dos observadores. Nesses dois
conceitos (frente de expansão e frente pioneira), escreve ele, o que se tem “é, antes de tudo,
modos de ver a fronteira, diferentes entre si porque são diferentes, nos dois casos, os lugares
sociais a partir dos quais a realidade é observada: o do chamado pioneiro empreendedor e o
do antropólogo preocupado com o impacto da expansão branca sobre as populações
indígenas” (2009, p. 135; grifos do original):

[a frente de expansão] expressa a concepção de ocupação do espaço de quem tem


como referência as populações indígenas, enquanto a concepção de frente pioneira
não leva em conta os índios e tem como referência o empresário, o fazendeiro, o
comerciante e o pequeno agricultor moderno e empreendedor (2009, p. 134).
10

Em reforço a tal afirmação, o autor registra: “Quando difundiram no Brasil o conceito


de frente pioneira, os geógrafos mal viam os índios no cenário construído por seu olhar
dirigido” – tanto que, em Monbeig, “os índios alcançados (e massacrados) pela frente pioneira
no oeste de São Paulo” são vistos “como precursores dessa mesma frente, como se
estivessem ali transitoriamente, à espera da civilização que acabaria com eles” (2009, p. 135;
grifo do original).
Entretanto, ainda referindo-se ao “desencontro entre o que foi visto originalmente pelo
geógrafo e o que foi visto pelo antropólogo”, o mesmo autor observa que seus distintos
lugares sociais “correspondem à própria realidade da fronteira”:

Eles viram a partir do vínculo que tinham com a fronteira na pesquisa científica.
Viram, portanto, o que a fronteira lhes mostrava e o que estavam profissionalmente
dispostos a ver. O desencontro de perspectivas é, nesse caso, essencialmente
expressão da contraditória diversidade da fronteira, mais do que produto da
diversidade de pontos de vista sobre a fronteira. Diversidade que é, sobretudo,
diversidade de relações sociais marcadas por tempos históricos diversos e, ao
mesmo tempo, contemporâneos (MARTINS, 2009, p. 137; grifos do original).

5
Vale notar que Martins constata também, ao longo das últimas décadas, um certo
“desvirtuamento”, se assim podemos dizer, do conceito de frente de expansão, bem como uma
“diluição” do conceito de frente pioneira. Para o autor, de fato, as realidades substantivas a
que se referem ambas as concepções “não foram definidas por aqueles que as empregaram”:

Os antropólogos, quando falam de frente de expansão, fazem-no basicamente para


poupar palavras na definição daquilo com que se defronta o índio. Não estão
dizendo nada de específico e definido. Estão dizendo que sobre os territórios tribais
se move a fronteira populacional e cultural dos brancos (2009, p. 136).

Desse modo, prossegue, a noção de frente de expansão “se apoia essencialmente em


subentendidos”, os quais “afloraram nas duas últimas décadas, nos trabalhos dos autores que
fizeram pesquisa na região amazônica”: “Para uns, a frente de expansão aparece como sendo
expansão da sociedade nacional; para outros, como expansão do capitalismo e para outros,
11

até, como expansão do modo capitalista de produção”10 – sendo que, “Originalmente, era
expansão da fronteira da civilização”. Martins então conclui: “Obviamente não há qualquer
relacionamento imediato entre essas diferentes definições” (2009, p. 136).
A concepção de frente pioneira, por sua vez, acrescenta o autor, “desaparece aos
poucos, diluída na de frente de expansão, na medida sobretudo que a frente de expansão passa
a ser entendida, predominantemente, como uma frente econômica” (2009, p. 136).

6
Para concluir, gostaria apenas de destacar a validade desses conceitos para a
interpretação dos processos históricos ocorridos na região de Dourados a partir da
implantação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), nos anos 1940. Tenho
sempre insistido, com meus alunos e orientandos, na afirmação de que a Marcha para Oeste e
a CAND “inauguram”, em nossa região, a presença das frentes pioneiras – interpretação essa
apoiada, por exemplo, na análise de Joe Foweraker (1982). Ao mesmo tempo, tenho
igualmente insistido, apoiado nas idéias de Martins (2009), que é preciso considerar a
diversidade de tempos históricos nesta fronteira – observando que os colonos, por exemplo,
manifestavam claramente uma mentalidade típica da frente de expansão.
Entretanto, e aproveitando a feliz ocasião deste Seminário, que nos obrigou a todos a
dedicar um pouco mais de tempo às reflexões teóricas, penso que convém redobrarmos nossos
esforços para evitar utilizar aqueles dois conceitos como meras “tipologias”, e também para
verificar até que ponto podemos estar agindo como aqueles pesquisadores mencionados por
Martins, os quais “viram a partir do vínculo que tinham com a fronteira na pesquisa
científica”, isto é, viram apenas “o que a fronteira lhes mostrava e o que estavam
profissionalmente dispostos a ver”.

1010
Convém observar que, neste ponto da discussão, Martins insere, em nota de rodapé, interessante ressalva
com relação ao uso da expressão capitalismo: “Embora eu mesmo, neste texto, use o conceito de capitalismo
várias vezes, faço-o, porém, sabendo que [ele] introduz uma distorção na concepção marxista de capital e de
modo capitalista de produção. O conceito de capitalismo, que Marx não usou, sugere um sistema, ideia muito
distante do que o próprio Marx pensava, pois sua referência era o processo do capital, o movimento do capital,
sua reprodução ampliada” (2009, nota 12, p. 169; grifos do original).
12

Em outras palavras, coloco para debate, de modo evidentemente muito simplificado,


as seguintes questões: até que ponto, sobretudo no que se refere à primeira década de
existência da CAND, estamos vendo “frente pioneira” demais e “frente de expansão” de
menos? Por quanto tempo predominou efetivamente na CAND uma economia do excedente,
tal como conceituada por Martins? Finalmente, estamos suficientemente atentos à diversidade
de tempos históricos nesta fronteira?

OBRAS CITADAS

FOWERAKER, Joe [1982]. A luta pela terra: a economia política da fronteira pioneira no Brasil de 1930 aos
dias atuais. Trad. Maria Júlia Goldwasser. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 315 p.
MARTINS, José de Souza [1971]. Frente pioneira: contribuição para uma caracterização sociológica. Estudos
Históricos, Marília, n. 10, p. 33-41, 1971.
MARTINS, José de Souza [1975]. Frente pioneira: contribuição para uma caracterização sociológica. In:
________. Capitalismo e tradicionalismo no Brasil: estudos sobre as contradições da sociedade agrária no
Brasil. São Paulo: Ed. Pioneira, 1975. cap. 3, p. 43-50.
MARTINS, José de Souza [1997]. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente
de expansão e da frente pioneira. In: ________. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano.
São Paulo: Hucitec: FFLCH/USP, 1997. p. 145-203.
MARTINS, José de Souza [2009]. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente
de expansão e da frente pioneira. In: ________. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. 2.
ed. rev. e atualizada. São Paulo: Contexto, 2009. p. 131-179.
WAIBEL, Leo [1979]. Capítulos de geografia tropical e do Brasil. 2. ed. anotada. Rio de Janeiro: IBGE, 1979.

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