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Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no dia 26 de abril de 2012 em mesa redonda no Seminário
“Leituras de Fronteira”, promovido pelo PPGEdu e PPGH/UFGD na cidade de Dourados. Observo aos leitores que,
embora eu tenha procurado aqui expor as ideias de Martins tão fielmente quanto me foi possível, uma ampla e
aprofundada compreensão das referidas ideias não pode prescindir da leitura das obras originais.
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Doutor em História; Professor Associado da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
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No presente trabalho, todas as citações desse texto referem-se a essa versão de 1975. Vale notar que, na
Introdução da referida coletânea, o autor informa que todos os textos nela publicados “foram revistos sem, no
entanto, terem sido alterados na sua essência. Apenas modifiquei-os onde podia deixá-los mais claros” (p. XI-
XII).
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No presente trabalho, todas as citações desse texto referem-se à versão de 2009 – que, em relação à de 1997,
apresenta apenas pequenas diferenças, muito mais de forma que, propriamente, de conteúdo.
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alemão Leo Waibel5 (MARTINS, 1975, p. 43) e se refere também diversas vezes, nos dois
trabalhos aqui considerados, ao geógrafo francês Pierre Monbeig.
Por oportuno, reproduzo abaixo o trecho no qual Waibel define o seu conceito de zona
pioneira, isto é, precisamente o trecho que foi parcialmente citado por Martins:
[...] De uma zona pioneira, em geral, só falamos quando, subitamente, por uma
causa qualquer, a expansão da agricultura se acelera, quando uma espécie de febre
toma a população das imediações mais ou menos próximas e se inicia o afluxo de
uma forte corrente humana. Em outras palavras: quando a agricultura e o
povoamento provocam o que os americanos denominam na sua linguagem comercial
um boom ou rush. Então, os preços das terras elevam-se vertiginosamente, as matas
são derrubadas, casas e ruas são construídas, povoados e cidades saltam da terra
quase da noite para o dia, e um espírito de arrojo e de otimismo invade toda a
população (WAIBEL, 1979, p. 282).
O conceito de frente de expansão, por sua vez, foi definido, principalmente a partir
dos anos 1950, pelos antropólogos – tendo sido originalmente formulado por Darcy Ribeiro,
“autor do mais importante estudo sobre essas frentes” e para quem elas constituíam as
“fronteiras da civilização” (MARTINS, 2009, p. 134).
Da discussão substantiva efetuada por Martins acerca dessas questões, destaco a seguir
alguns pontos que considero os mais importantes para os objetivos do presente texto.
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Martins admite que a distinção entre frente de expansão e frente pioneira tem uma
inegável dimensão espacial.
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O texto de Leo Waibel, intitulado As zonas pioneiras do Brasil, foi um dos resultados da permanência desse
autor no Brasil, entre 1946 e 1950. Sua redação foi iniciada ainda no Brasil para ser mais tarde revista e
completada na Alemanha – o que, todavia, não aconteceu, já que o autor morreu repentinamente em setembro de
1951 (cf. Curriculum vitae e Nota da redação, in Waibel, 1979, p. 8 e p. 279). Os conceitos de fronteira, de
frontiersman e de zona pioneira, aplicados por Waibel ao caso brasileiro, já haviam sido por ele trabalhados a
partir de sua experiência de docência e pesquisa nos Estados Unidos. Desse modo, o autor efetua diversas
comparações entre os casos estadunidense e brasileiro, lançando mão, inclusive, dos conceitos clássicos de
Turner.
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De fato, Martins acolhe a noção de Hehl Neiva, aliás também acolhida por Waibel,
acerca da existência concomitante, no Brasil, de duas “fronteiras”: a demográfica e a
econômica (MARTINS, 1975, p. 45). No segundo texto aqui considerado, Martins reafirma que
“era (e é) necessário distinguir, no interior das fronteiras políticas do país, a fronteira
demográfica e a fronteira econômica, esta nem sempre coincidindo com aquela, geralmente
aquém dela”:
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Não obstante, nosso autor submete a dura crítica qualquer tendência a privilegiar a
dimensão espacial na caracterização dessas duas “frentes”. Criticando especialmente o
conceito utilizado pelos geógrafos Waibel e Monbeig, o sociólogo Martins assinala que
faltava ao conceito geográfico uma dimensão mais propriamente social:
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Nesse ponto, com vistas a corroborar este entendimento, Martins cita Darcy Ribeiro: “São etapas sucessivas de
penetração civilizadora e, consequentemente, correspondem a graus diversos de intensidade de interação. Assim,
as frentes extrativas são frequentemente penetrações exploratórias e recentes a que se seguirá a ocupação
definitiva de base agrícola” (nota 18, p. 170).
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importa é descobrir quais são as relações sociais que tornam singular o sistema
social na zona pioneira (MARTINS, 1975, p. 44).
Martins, de fato, critica a ênfase que, no conceito geográfico, era colocada nos
aspectos espaciais, condenando “a centralização das reflexões na ocupação pioneira do
terreno” bem como no “modelamento da paisagem” (MARTINS, 1975, p. 44). Ademais, para
Martins, a perspectiva dos geógrafos supunha, na verdade, uma concepção “dualista”7:
O problema, para Martins, residia em que a referida ênfase nos aspectos espaciais “não
acentua devidamente que, independentemente do espaço geográfico, as relações sociais e
singulares que articulam a vida social na zona pioneira não são, por seu turno, ‘pioneiras’”:
Em outros termos, as relações sociais que definem a sociedade na zona pioneira não
constituem resultado do aparecimento da zona pioneira, mas são as relações sociais
necessárias à sua implantação. É essa a única relação possível, no caso, entre o
geográfico e o social, isto é, essas relações sociais têm como primeira característica
o fato de que articulam a vida social deslocando-se geograficamente, mas
preservando-se enquanto modalidade de relacionamento entre as pessoas. O “novo”,
que é uma das dimensões do conceito de zona pioneira, é novo apenas na ocupação
do espaço geográfico e não na estrutura social (MARTINS, 1975, p. 44-45;
destaques meus).
Assim, com base nestas e em outras considerações que serão adiante expostas, Martins
afirma que “a significação sociológica do conceito de frente pioneira não se propõe
corretamente enquanto polo privilegiado da dicotomia tradicional-moderno” (MARTINS, 1975,
p. 50).
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Referindo-se, no caso, à velha polêmica sobre os dois Brasis, o arcaico e o moderno, formando a “dicotomia
moderno/tradicional” (cf. MARTINS, 1975, p. 44).
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Isto é, segundo o dicionário Aurélio, de modo a causar estranheza ou desagrado, por destoar do normal.
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oportunidades de ganhar a vida’” (MARTINS, 1975, p. 46). Também por essa via, portanto, a
frente de expansão se apresenta “integrada na formação capitalista”:
Para o autor, contudo, os vínculos entre as duas frentes vão ainda além: num sentido
inverso ao anterior, se assim podemos dizer, a frente pioneira “reinstaura, continuamente, as
condições para aparecimento do estado de insuficiência econômica” (MARTINS, 1975, p. 50;
destaque meu) – recriando portanto, a cada momento, os impulsos geradores das frentes de
expansão.
Parece possível dizer que essa consideração dos dois conceitos como uma unidade
representa, na verdade, o essencial da contribuição de Martins. O próprio autor, de fato, no
segundo texto aqui considerado, assim se refere a suas reflexões originais:
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Para Martins, contudo, a superação da simples dimensão espacial, no que se refere aos
conceitos aqui discutidos, nos leva ainda mais longe.
De fato, o autor recusa a utilização desses conceitos como se fossem “tipologias” de
fronteira, conforme a interpretação esquemática adotada por muitos pesquisadores –
interpretação essa que, conforme assinala, buscava legitimidade no “marxismo estruturalista
de inspiração althusseriana” (2009, p. 140):
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Para o autor, ao contrário, a distinção entre essas duas frentes “é, na melhor das
hipóteses, um instrumento auxiliar na descrição e compreensão dos fatos e acontecimentos da
fronteira” (2009, p. 139; destaque meu), “um instrumento útil quando as duas concepções são
trabalhadas na sua unidade”. Ele insiste: tal instrumento só pode ser útil quando, destacando
“a temporalidade própria da situação de cada grupo social da fronteira”, ele permite o estudo
da diversidade histórica desses grupos “não só como diversidade estrutural de categorias
sociais, mas também como diversidade social relativa aos diferentes modos e tempos de sua
participação na história” (2009, p. 139; destaques meus).
Assim, referindo-se a um trecho aliás já citado neste texto9, Martins enfatiza que está
realizando aí, na verdade, uma operação de “datação histórica”, e isso porque “cada uma
dessas faixas está ocupada por populações que ou estão no limite da história, como é o caso
das populações indígenas, ou estão inseridas diversamente na história, como é o caso dos
não-índios, sejam eles camponeses, peões ou empresários” (2009, p. 138; itálicos do original,
negritos meus).
Vale notar que, segundo esclarece o autor, ao falar de diferentes tempos históricos ele
não está referindo-se a simples “etapas” de desenvolvimento econômico, nem tampouco a
“atraso”:
Cada uma dessas realidades tem o seu próprio tempo histórico, se considerarmos
que a referência à inserção ou não na fronteira econômica indica também diferentes
níveis de desenvolvimento econômico que, associados a níveis e modalidades de
desenvolvimento do modo de vida, sugerem datas históricas distintas e
desencontradas no desenvolvimento da sociedade, ainda que contemporâneas. E não
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Trata-se do seguinte trecho: “adiante da fronteira demográfica, da fronteira da ‘civilização’, estão as
populações indígenas, sobre cujos territórios avança a frente de expansão. Entre a fronteira demográfica e a
fronteira econômica está a frente de expansão, isto é, a frente da população não incluída na fronteira econômica.
Atrás da linha da fronteira econômica está a frente pioneira” (MARTINS, 2009, p. 138).
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Aqui reside portanto, a meu ver, o aspecto central das reflexões de Martins sobre esses
temas: os espaços ocupados por essas frentes podem ser, na verdade, os mesmos; o que é
preciso considerar é que, com a presença de uma grande diversidade de atores, tem-se
também uma enorme diversidade de tempos históricos:
Eles viram a partir do vínculo que tinham com a fronteira na pesquisa científica.
Viram, portanto, o que a fronteira lhes mostrava e o que estavam profissionalmente
dispostos a ver. O desencontro de perspectivas é, nesse caso, essencialmente
expressão da contraditória diversidade da fronteira, mais do que produto da
diversidade de pontos de vista sobre a fronteira. Diversidade que é, sobretudo,
diversidade de relações sociais marcadas por tempos históricos diversos e, ao
mesmo tempo, contemporâneos (MARTINS, 2009, p. 137; grifos do original).
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Vale notar que Martins constata também, ao longo das últimas décadas, um certo
“desvirtuamento”, se assim podemos dizer, do conceito de frente de expansão, bem como uma
“diluição” do conceito de frente pioneira. Para o autor, de fato, as realidades substantivas a
que se referem ambas as concepções “não foram definidas por aqueles que as empregaram”:
até, como expansão do modo capitalista de produção”10 – sendo que, “Originalmente, era
expansão da fronteira da civilização”. Martins então conclui: “Obviamente não há qualquer
relacionamento imediato entre essas diferentes definições” (2009, p. 136).
A concepção de frente pioneira, por sua vez, acrescenta o autor, “desaparece aos
poucos, diluída na de frente de expansão, na medida sobretudo que a frente de expansão passa
a ser entendida, predominantemente, como uma frente econômica” (2009, p. 136).
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Para concluir, gostaria apenas de destacar a validade desses conceitos para a
interpretação dos processos históricos ocorridos na região de Dourados a partir da
implantação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), nos anos 1940. Tenho
sempre insistido, com meus alunos e orientandos, na afirmação de que a Marcha para Oeste e
a CAND “inauguram”, em nossa região, a presença das frentes pioneiras – interpretação essa
apoiada, por exemplo, na análise de Joe Foweraker (1982). Ao mesmo tempo, tenho
igualmente insistido, apoiado nas idéias de Martins (2009), que é preciso considerar a
diversidade de tempos históricos nesta fronteira – observando que os colonos, por exemplo,
manifestavam claramente uma mentalidade típica da frente de expansão.
Entretanto, e aproveitando a feliz ocasião deste Seminário, que nos obrigou a todos a
dedicar um pouco mais de tempo às reflexões teóricas, penso que convém redobrarmos nossos
esforços para evitar utilizar aqueles dois conceitos como meras “tipologias”, e também para
verificar até que ponto podemos estar agindo como aqueles pesquisadores mencionados por
Martins, os quais “viram a partir do vínculo que tinham com a fronteira na pesquisa
científica”, isto é, viram apenas “o que a fronteira lhes mostrava e o que estavam
profissionalmente dispostos a ver”.
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Convém observar que, neste ponto da discussão, Martins insere, em nota de rodapé, interessante ressalva
com relação ao uso da expressão capitalismo: “Embora eu mesmo, neste texto, use o conceito de capitalismo
várias vezes, faço-o, porém, sabendo que [ele] introduz uma distorção na concepção marxista de capital e de
modo capitalista de produção. O conceito de capitalismo, que Marx não usou, sugere um sistema, ideia muito
distante do que o próprio Marx pensava, pois sua referência era o processo do capital, o movimento do capital,
sua reprodução ampliada” (2009, nota 12, p. 169; grifos do original).
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OBRAS CITADAS
FOWERAKER, Joe [1982]. A luta pela terra: a economia política da fronteira pioneira no Brasil de 1930 aos
dias atuais. Trad. Maria Júlia Goldwasser. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 315 p.
MARTINS, José de Souza [1971]. Frente pioneira: contribuição para uma caracterização sociológica. Estudos
Históricos, Marília, n. 10, p. 33-41, 1971.
MARTINS, José de Souza [1975]. Frente pioneira: contribuição para uma caracterização sociológica. In:
________. Capitalismo e tradicionalismo no Brasil: estudos sobre as contradições da sociedade agrária no
Brasil. São Paulo: Ed. Pioneira, 1975. cap. 3, p. 43-50.
MARTINS, José de Souza [1997]. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente
de expansão e da frente pioneira. In: ________. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano.
São Paulo: Hucitec: FFLCH/USP, 1997. p. 145-203.
MARTINS, José de Souza [2009]. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente
de expansão e da frente pioneira. In: ________. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. 2.
ed. rev. e atualizada. São Paulo: Contexto, 2009. p. 131-179.
WAIBEL, Leo [1979]. Capítulos de geografia tropical e do Brasil. 2. ed. anotada. Rio de Janeiro: IBGE, 1979.