Ciéncia na Televisado: mito, ritual
e espetaculo!
DENISE DA COSTA OLIVEIRA ee
MISE DA COSTA OLIVER
jiversit
Resumo
Este estudo enfoca a veiculagao da Tnformacao Cientifica e suas
representagées pela televisio. Em um contexto pés-moderno, enquanto
reforgam-se discursos e argumentos cientificos, paradoxalmente observa-se
a retomada de estruturas como mito e rito. Assim, sao feitas consideragées
sobre os meios de comunicagao de massa em um quadro que reforca a
divulgacao da ciéncia amparada em espeticulo, mitos e rituais.
Palavras-chave: comunicagio, ciéncia, televisdo, mito, ritual.
Resumen
EI estudio enfoca la transmision de la informacion cientifica y sus
representaciones por la televisi6n. En un contexto pos-moderno, en cuanto
refuerzanse discursos y argumentos cientificos, paradojalmente observanse
la retomada de estructuras como mito y rito. Asi, son hechas consideraciones
acerca de los medios de comunicacién de masa en un contexto que refuerza
la divulgaci6n de la ciencia amparada en espetdculo, mitos y rituales.
ras-clave: comunicacién, ciencia, television, mito, ritual.
Abstract
This study emphasizes the vehiculation of scientific information and
its representations by the television. In a post-modern context, while scientifc
speeches and arguments are strengthen, paradoxally it can be observed the
return of structures as myth and ritual. Therefore, considerations about the
mass media are done in a context that strenghen the science divulgation
based in spectacle, myths and rituals.
rds: communication, science, television, myth, ritual.
1 ORIGINAL RECEBIDO PELO CONSELHO EDITORIAL NO DIA 05/01/1998.
2Vencedora do Prémio INTERCOM 97, na categoria Mestrado, com o trabalho aqui apresentado,
autora é Doutoranda em Comunicagio na Escola de Comunicagao e Artes da Universidade
de Sao Paulo (ECA/USP); Mestre em Ciéncia da Informago pela Escola de Comunicagao da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFR)); Especialista em Sociologia Urbana pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Jomnalista ¢ Relagdes Publicas (UERD;
Professora assistente da Faculdade de Comunicagao da UERJ; Colaboradora do caderno cultural
Tribuna Bis, da Tribuna da Imprensa, no Rio de Janeiro - RJ.
Rev. Bras, de Cién. da Com., S. Paulo, Vol. XXI, n° 2, jul/dez. 1998, pég. 57-69 57Introdugao
Por sua capacidade de adaptar-se as distintas narrativas, discursos e
Ppraticas comunicacionais, os mitos € os rituais sao freqitentemente
empregados pelos meios de comunica¢4o de massa. A eles se recorre para
explicar 0 novo, para aproximar o espectador de uma mensagem. Na
televisio, em especial, a programa¢gao emprega a narragio mitica como
forma discursiva. Mas, nesse mesmo meio, além da fic¢do, séo transmitidos
programas jornalisticos e neles, matérias e conteidos abordando temas
relacionados com ciéncia e tecnologia. A partir desta reflex4o, formularam-
se algumas quest6es que encaminharam a pesquisa: Que tipos de discursos
sao utilizados na veiculagdo das informagées sobre ciéncia pela televisao?
Que idéia de Ciéncia um programa de variedades adota? Essa idéia é
mitificada e ritualizada?
A investigacdo sobre as representagdes da ciéncia veiculadas pela
televisio foi realizada a partir de matérias transmitidas pelo programa
Fantastico, da Rede Globo, uma telerrevista de variedades, tipo de programa
que tem em sua proposta a mistura de jornalismo com espetaculo. Lider de
audiéncia no hordrio nobre da noite de domingo, o programa leva suas
interpretag6es de ciéncia a um ptblico muito maior que os programas
especificos de divulgacio cientifica.
Em tese, o género das telerrevistas nao seria adequado para anilise
de dados cientificos. Todavia, além de atingir um ptiblico de grandes
Propor¢gées, o Fantastico é um fenédmeno em termos de anos que se mantém
no ar. Sua escolha como objeto empirico da pesquisa se justifica ainda por
ter sido um dos primeiros programas produzidos pela televisao brasileira a
divulgar ciéncia, ainda na década de 70.
Metodologia e descrigdo da pesquisa
A pesquisa realizada tem cunho qualitativo, exploratério ¢
interdisciplinar, fundamentando-se em Comunica¢ao, Ciéncia da Informagao
e em um suporte sdécio-antropoldgico. Para andlise do objeto de estudo
foram gravados dez programas Fantdstico por amostragem, de abril a
dezembro de 1995, em um total de cerca de 22 horas e 30 minutos de
gravacao. A amostra composta - que constitui 20% dos programas veiculados
durante um ano - permitiu fazer um diagndstico do que foi oferecido aos
espectadores e construir uma visio das op¢ées informativas veiculadas a
médio prazo.
Foram selecionadas e€ transcritas as matérias que continham elementos
relativos 4 ciéncia e tecnologia. Seguiu-se a andlise em duas abordagens:
do material transcrito (os textos) e das imagens referentes aqueles textos.
Programas anteriormente gravados (um piloto de maio a novembro de
1994, sem seqiiéncia) serviram como apoio a eventuais diividas. Esta etapa
permitiu observar aspectos que se mostraram recorrentes e que permitiram
organizar o material coletado em categorias: misticismo, satide, novidades,
58 Rev. Bras. de Cién. da Com., S. Paulo, Vol. XXi, n° 2, jul./dez. 1998, pag. 57-89ecologia e evolugao. Outras duas categorias, menos recorrentes, mas
consideradas relevantes, também foram acrescentadas a anilise: engajamento
e servico.
A ciéncia pela televisdo: discursos e imagens
O estudo do Fantastico implicou na andlise dos campos das imagens
e dos discursos. Torna-se relevante colocar que esses territ6rios se
completam, mas mantém caracteristicas distintas, e que tanto as falas quanto
as imagens est&o inseridas em um contexto: no programa, no meio de
comunica¢4o, na sociedade. Como colocou Bakhtin, “estudar o discurso
em si mesmo, ignorar a sua orienta¢ao externa, é algo tao absurdo como
estudar 0 softimento psiquico fora da realidade a que est4 dirigido e pela
qual ele é determinado" (Bakhtin,1993, p.99)
Buscando a orientagdo externa a qual referiu-se Bakhtin,
consideraram-se as nogées de sociedade da informacao e de pds-
modemidade. Na pés-modernidade, com a valorizacao da ciéncia pelos
meios de comunicagao, o discurso cientifico, seus argumentos e justificativas
sao empregados largamente para explicar os mais diversos fenGmenos. Os
meios de comunicagao de massa, em sua tentativa de explicar 0 mundo,
também recorrem a esse expediente, mesclando contetidos de ciéncia a
espetaculo. Na televisdo, essa estratégia - que visa a aglutinar a miltipla
audiéncia - atingiu os diversos formatos de programa, inclusive os
telejornalisticos.
A influéncia do formato do meio na mensagem veiculada mostra
que mais do que assumir o papel de um mediador, a televiséo interfere na
informagao recebida de cientistas e transmitida ao ptiblico. O paradoxo
que se estabelece, ent&o, €: a mediacio dos meios de massa promove a
aproxima¢ao do grande publico com a ciéncia, todavia, o faz adotando 0
formato de espetaculo, diminuindo a credibilidade do conhecimento
divulgado.
Ao pensar a ciéncia como um aspecto cultural, e refletir sobre os
programas telejornalisticos, entende-se que a tarefa das matérias veiculadas,
desses fragmentos discursivos, talvez seja familiarizar, ou como coloca
Bourdieu, criar “habitus”? , que “auxiliem” o individuo a se aproximar, €
em Ultima instancia, usar e consumir novas tecnologias e produtos.
O espectador, nesse contexto, nao € considerado um possivel produtor
de mensagens. No entanto, a audiéncia nao absorve ou adota todas as
mensagens veiculadas. Isso acontece porque o processo de comunicagao é
“uma articulagao de praticas de significagéo num campo de forgas sociais”
(Lopes, 1993, p.81). Assim, a construgdo do receptor se dé através dos
miltiplos discursos, das miltiplas vozes a que ele se expde e € exposto
3 Habitus, conceito recuperado por Bourdieu em anilises sobre a cultura, a sociedade e a
escola: uma categoria capaz de operat a intermediacio estrutura e ator social.
Rey. Bras. de Cién. da Com., S. Paulo, Vol. XXI, n° 2, jul./dez. 1998, pég. 57-69 59