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FOTO: ACERVO GRACILIANO RAMOS/REPRODUÇÃO DO LIVRO VIVENTES DAS ALAGOAS

REPORTAGEM (HTTPS://WWW.NEXOJORNAL.COM.BR/REPORTAGEM/)

O prefeito Graciliano Ramos e seus


relatórios de gestão
Marcus Lopes 12 Mar 2016 (atualizado 02/Mai 12h52)

Um comerciante que é eleito com velhas práticas, adota políticas


administrativas inovadoras, chama a atenção pela qualidade literária de suas
prestações de contas e acaba desistindo do cargo. Se tornaria, tempos depois,
um dos maiores escritores brasileiros

O Brasil realiza eleições municipais neste 2016, quando a população vai escolher novos prefeitos e vereadores
em 5.570 cidades. Por ocasião da disputa, o Nexo resgata a história abaixo. Seu personagem principal reúne
alguns elementos inusitados: um comerciante que é eleito com velhas práticas, adota políticas administrativas
inovadoras, chama a atenção pela qualidade literária de seus relatórios de gestão e acaba desistindo do cargo.
Se tornaria, tempos depois, um dos maiores escritores brasileiros.

Um candidato em meio a um banho de sangue


Em outubro de 1927, a população da pequena Palmeira dos Índios, em Alagoas, elegeu um prefeito sem muito
jeito para a coisa, que não participou da própria campanha nem fazia questão de ganhar. Mas ganhou e fez
bonito na administração pública. Tempos depois ganharia projeção nacional não como político, mas como
escritor. Seu nome era Graciliano Ramos.

Candidato único, um dos mais célebres nomes da literatura brasileira foi eleito prefeito de Palmeira dos
Índios pelo extinto Partido Democrata. Sua gestão ficou conhecida pelas realizações na pequena cidade do
agreste alagoano e, principalmente, pelo zelo com o dinheiro público. Conhecido pela sisudez, sua
candidatura foi resultado de uma articulação política envolvendo os chefes locais.

FOTO: ACERVO GRACILIANO RAMOS/REPRODUÇÃO DO LIVRO MESTRE GRACILIANO


 GRACILIANO RAMOS (DIREITA) EM UM GRUPO DE AMIGOS NOS TEMPOS EM QUE MORAVA EM PALMEIRA DOS ÍNDIOS

Palmeira vivia um período atribulado: o prefeito anterior, Lauro de Almeida Lima, fora assassinado a tiros um
ano antes, após desentender-se com um fiscal de tributos. Este, por sua vez, foi fuzilado em seguida pelo
delegado de polícia local. O banho de sangue traumatizou a população da cidade.

O vice-prefeito Manuel Sampaio Luz cumpriu o resto do mandato e, com a proximidade das eleições, os
políticos começaram a se articular para escolher o sucessor e tentar dissipar o clima sombrio. Naquele
ambiente típico da República Velha, os partidos interferiam pouco nas eleições locais, o que valia mesmo era
o peso da botina dos caciques políticos, geralmente fazendeiros poderosos. Em Palmeira dos Índios, a cena
política havia quatro décadas era dominada pela família Cavalcanti, aliados do governador alagoano Costa
Rego, todos eles do Partido Democrata.

Após uma rodada de negociações, a cúpula se fixou no nome de Graciliano, um respeitado comerciante local
que beirava os 35 anos, com fama de honesto, culto, austero e, principalmente, amigo dos caciques do partido.
Aliado ao bom trânsito político, havia sido bem sucedido como presidente da Junta Escolar na gestão
anterior, uma espécie de secretário municipal da educação. Chamado para uma reunião, Graciliano reagiu ao
tomar conhecimento do projeto de torná-lo prefeito:

“Só se Palmeira do Índios estivesse com urucubaca.”

Após muita resistência, topou o desafio, movido mais pelos brios do que pela sede de poder. Os Cavalcanti,
como bons coronéis, cuidaram para que tudo desse certo de acordo com o jeito de fazer eleição na época,
conforme atestou o próprio prefeito eleito:
“Assassinaram meu antecessor. Escolheram-me por acaso. Fui eleito naquele
velho sistema de atas falsas, os defuntos votando.”

A eleição ocorreu com velhas práticas. A administração de Graciliano, porém, inovou. Ao assumir, em janeiro
de 1928, o novo prefeito cortou gastos, elaborou projetos, abriu estradas, construiu escolas, cuidou da limpeza
pública e vetou apadrinhamentos políticos.

Enfrentou o trabalho com punho forte, mas não escondeu um certo desânimo diante do caos administrativo
encontrado na prefeitura pouco tempo depois de assumir o cargo, conforme escreveu em carta à futura
esposa, Heloísa, que nessa época ainda morava em Maceió:

“Para os cargos de administração municipal escolhem de preferência os


imbecis e os gatunos. Eu, que não sou gatuno, que tenho na cabeça uns
parafusos de menos, mas não sou imbecil, não dou para o ofício e qualquer
dia renuncio.”

Não renunciou naquele momento. E levou adiante seus projetos. Criou um Código de Postura Municipal, em
agosto de 1928, que estabelecia uma série de normas dos cidadãos para dar fim à sujeira e aos caos urbano.
Com 82 artigos, quase tudo era proibido: mendigar, vender remédio sem receita, jogar lixo em terrenos,
deixar animais soltos nas ruas etc. Numa dessas, multou o próprio pai, Sebastião Ramos, que costumava criar
porcos e cabras soltos em via pública. Ao reclamar, o filho foi direto:

“Prefeito não tem pai. Eu posso pagar a sua multa. Mas terei de apreender
seus animais toda vez que o senhor os deixar na rua.”

É claro que as medidas moralizadoras desagradaram a muitos cidadãos, em especial os das classes mais altas.
O prefeito descontentava os poderosos, inclusive os correligionários, mas a arraia miúda o adorava, pois
colocou fim aos privilégios. Além de obras como a construção de estradas que ligavam a cidade ao distrito de
Palmeira de Fora e à cidade de Santana do Ipanema, reformou escolas, cuidou da saúde pública e melhorou o
salário dos professores.

“Em dois anos ele conseguiu avançar Palmeira dos Índios em uma velocidade impensável naquele contexto de
República Velha e de um município pequeno no interior do Nordeste”, diz o escritor Dênis de Moraes, autor
de “O Velho Graça - Uma biografia de Graciliano Ramos” (Boitempo Editorial). “Além do novo Código de
Postura estabelecer novos parâmetros para a conservação da cidade, ele revisou todo o sistema tributário e
fechou as brechas para sonegação. Colocou o serviço público a bem do público”, completa Moraes.

Relatórios eram tão bons que chamaram a atenção de jornais

FOTO: ACERVO GRACILIANO RAMOS/REPRODUÇÃO DO LIVRO VIVENTES DAS ALAGOAS


 CAPA DE UM RELATÓRIO DE GRACILIANO RAMOS AO GOVERNADOR DE ALAGOAS

Naquele tempo, os prefeitos prestavam contas de suas administrações diretamente aos governadores dos
Estados. O jovem prefeito de Palmeira dos Índios transformou o que seria um relatório burocrático recheado
de números em peça literária. Foram dois relatórios anuais enviados ao governador de Alagoas – 1929 e 1930
– relatando de uma maneira especial o exercício do mandato. No primeiro, explica como encontrou a
prefeitura:

“Havia em Palmeira inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos, o


Comandante do Destacamento, os soldados, outros que desejassem
administrar. Cada pedaço do município tinha a sua administração particular,
com prefeitos coronéis e prefeitos inspetores de quarteirões. Os fiscais, esses,
resolviam questões de polícia e advogavam.”

Em seguida, afirma que realizou uma reforma administrativa que resultou em uma verdadeira limpeza dos
quadros do funcionalismo e fim dos cabides de emprego:

“Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restam poucos:


saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais
não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e,
sobretudo, não se enganam em contas.”
No texto, o autor usa e abusa de uma ironia fina para criticar questões como o nepotismo e os contratos
públicos suspeitos.

“Convenho que o dinheiro do povo poderia ser mais útil e estivesse nas mãos,
ou nos bolsos, de outro menos incompetente do que eu. Em todo o caso,
transformando-o em pedra, cal, cimento, etc, sempre procedo melhor que se
o distribuísse com os meus parentes, que necessitam, coitados.”

No segundo relatório, de 1930, o prefeito levanta suspeitas em contratos firmados pelos seus antecessores ao
citar o gasto com iluminação pública.

“A Prefeitura foi intrujada quando, em 1920, aqui se firmou um contrato para


fornecimento de luz. Apesar de ser um negócio referente à claridade, julgo
que assinaram aquilo às escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos
dá.”

Os textos escritos por um prefeito sertanejo tiveram grande repercussão. Foram publicados em diversos
jornais de Alagoas e ecoaram até no Rio de Janeiro, com trechos destacados pelo “Jornal do Brasil”. Por
ironia do destino, os textos, que por vezes se transformam em um verdadeiro desabafo diante das dificuldades
administrativas, alavancaram sua carreira literária. “Graciliano passou a ter uma visibilidade intelectual a
partir dos relatórios”, afirma o cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Mackenzie.

Escritores e poder
Estudioso das relações dos intelectuais com o poder público, Prando explica que, geralmente, os intelectuais
criticam ou participam do poder. “Graciliano está numa terceira categoria, mais rara, a dos que exerceram o
poder”, diz Prando, que em sua tese de doutorado estudou o lado intelectual do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso.

“Apesar da cultura patrimonialista da época, exercida pelos coronéis, Graciliano Ramos exerceu a política de
uma maneira ética e sem se envolver com atos ilícitos”, diz o cientista político, lembrando que estamos em um
ano de eleições municipais. “É o momento de trazer a experiência de Palmeira dos Índios para os dias atuais”,
completa.

Uma renúncia após ‘empobrecer’


Graciliano não chegou a cumprir o seu mandato. Cansado das pressões políticas contra seu trabalho na
prefeitura e com dificuldades financeiras privadas decorrentes agravadas pela crise de 1929, que afetou os
negócios da família, renunciou ao mandato dois anos após assumir e entregou o cargo ao vice-prefeito. “As
dificuldades financeiras acumulavam-se na medida em que ele ganhava subsídios simbólicos como prefeito e
não se locupletava com a corrupção. Empobrecera em dois anos de mandato”, explica o biógrafo do escritor.
Mas esse foi o começo de uma nova carreira para Graciliano. Além de receber um convite do governador para
dirigir a Imprensa Oficial de Alagoas, em Maceió, os relatórios chamaram a atenção do editor Augusto
Frederico Schmidt, no Rio de Janeiro. Ele queria saber se aquele prefeito que escrevia balanços burocráticos
daquela maneira tinha algum livro guardado na gaveta. Acertou na mosca: “Caetés”, seu primeiro romance,
foi publicado pela editora Schmidt, em 1933.

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