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CIENTIFICA1
(ian-sb2@hotmail.com)
RESUMO
Este trabalho objetiva apresentar a concepção sistêmica de ciência de Mario Bunge e
aproximar seu aspecto ético da epistemologia das virtudes de Linda Zagzebski, bem como
evidenciar que essa forma de conhecimento é majoritariamente social. Como preludio ao
tema, o desafio cético e o problema de Gettier são abordados. Consideramos o segundo uma
instância do primeiro, que se dirige especialmente a forma de conhecimento individual e
cotidiana de que tratam as teorias contemporâneas que buscam reabilitar a definição tripartida
de conhecimento.
INTRODUÇÃO
1 Artigo apresentado para nota na disciplina de Teoria do Conhecimento IV, ministrada pelo professor
Dr. José Renato Salatiel no curso de Filosofia – Bacharelado, na Universidade Federal do Espírito
Santo.
2 ZAGZEBSKI, Linda. “O que é conhecimento?”. In: Compêndio de Epistemologia. São Paulo:
Loyola, 2008, p. 153-189 e “The Inescapability of Gettier Problems”. In: The Philosophical
Quarterly. 1994, p. 65-73.
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virtudes intelectuais à pesquisa científica. Para isso, serão usados aspectos da epistemologia
das virtudes de Zagzebski, e da concepção de ciência de Mario Bunge 3. Por fim, essa última
será melhor descrita e será mostrado seu aspecto sistêmico e social.
Enquanto o dogmatismo é tido como reprovável, até mesmo por aqueles que o
adotam e praticam, o ceticismo é, em diversos aspectos, recomendável. Contudo, caso o
ceticismo radical não se justifique, então determinadas formas de ceticismo e de atitudes
céticas são tão errôneas e reprováveis quanto a credulidade e o dogmatismo.
A ênfase excessiva a crítica pura pode ser improdutiva e relegar a busca por
conhecimento a ser uma discussão sem ponto de acordo e sem progresso. Nos limitando à
formulação de proposições negativas e a rejeição de hipóteses que tentem ir além.
(b) Eu não sei que não “sou um cérebro sendo estimulado artificialmente”
(c) Se não sei que não “sou um cérebro sendo estimulado artificialmente”, então não sei que
“possuo duas mãos”.
3BUNGE, Mario. Ciência e desenvolvimento. São Paulo: editora da Universidade de São Paulo,
1980 e Philosophy in crisis: the need for reconstruction. New York: Prometheus Books,
2001.
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Onde a preposição (a) pode ser qualquer proposição empírica, como “existem
outras mentes” ou mesmo as proposições das ciências factuais. A proposição (b) é algum
cenário cético, que, caso fosse verdadeiro, tornaria (a) falso. como por exemplo: “estou sendo
enganado por um gênio maligno” ou “estou sofrendo alucinações”.
Esse princípio, ainda que seja uma forma de infalibilismo e que possa ser aceito
como verdadeiro, não favorece a posição cética. Pois não afirma a impossibilidade de
conhecer proposições contingentes, empíricas ou falíveis. Afirma apenas que o conhecimento
tem como objeto proposições verdadeiras;
existo, ou de que tenho uma crença, é verdadeira sempre que é pensada, ainda que seja
contingente.
Essa terceira forma da tese, ao afirmar que apenas crenças infalíveis são objeto de
conhecimento, se aproxima mais do ceticismo que o princípio de verdade e que o princípio de
necessidade. Enquanto a segunda forma permite apenas o conhecimento de verdades
tautológicas, a terceira permite somente crenças infalíveis, o que inclui o conhecimento de
crenças contingentes auto-justificatórias, mas rejeita até o conhecimento matemático como
incerto e passível de engano. Entretanto, assim como o princípio de necessidade, princípio de
infalibilidade não parece estar justificado, ou servir como fundamento para o ceticismo.
Antes, ambos apenas tomam como dado o ceticismo e reafirmam a posição cética. Sem nada
argumentar a respeito do porque proposições empíricas não podem ser objeto de
conhecimento. Será que Hume se encaixa no perfil da posição cética postuladora da infalibilidade?
Como propomos, ceticismo para que não seja puramente destrutivo deve ser
parcial. Deve somar a formulação de teorias e hipóteses à empiria. O ceticismo radical, por
outro lado, impossibilita a criação de conjecturas, já que não pode definir claramente um
problema, os meios de abordá-lo ou prever os possíveis resultados. Se expõe, portanto, à
fantasia e a superstição tanto quanto o dogmatismo e é tão condenável quanto a credulidade,
pois a suspensão absoluta do juízo e a rejeição completa de qualquer corpo de conhecimento
ou de proposições assertivas faz com que o cético seja incapaz de produzir argumentos
sólidos contra qualquer ideia ou fato concebível, por mais implausível que seja.
A plausibilidade de uma ideia só pode ser avaliada ao checar sua coerência com o
conhecimento científico relevante. Não há plausibilidade absoluta, fora de qualquer contexto,
visto que este conceito só é aplicável em relação a algum conhecimento já obtido. Um fato
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concebível conflitante com os princípios de uma teoria bem estabelecida pode ser descartado
sem maior investigação, enquanto um fato que conflita com determinada teoria, mas não com
seus princípios pode ser investigado e vir a causar modificações e melhorias na teoria. Assim,
o conhecimento das ciências naturais pode sempre ser aprimorado ou substituído caso se
mostre inadequado frente a novas evidências e dados obtidos, ou seja, é falível, mas também
corrigível.
o debate; (e) adota o falibilismo, isto é, a noção de que o erro e a correção são parte do
processo de obtenção de conhecimento.
Nos casos de Gettier, os três aspectos da definição são satisfeitos, mas é o acaso
(ou sorte), que torna a crença verdadeira. A definição tradicional se mostra insuficiente para a
obtenção de conhecimento. Não se pode considerar a crença, verdadeira e justificada em
questão uma instância de conhecimento. Considerando que obter a verdade é justamente o
objetivo do sujeito, é a sorte que realiza tal objetivo, o que o torna incompatível com o valor
do conhecimento. Este que, sendo um bem, assim como a felicidade, não deve ser deixado ao
acaso: “Os escritores, quando falam de Gettier, normalmente não dizem que o que pensam
está em desconformidade com o acaso, mas Aristóteles sim, quando diz que ‘deixar ao acaso
o que há de melhor e mais nobre dificilmente seria correto’” (ZAGZEBSKI, 2008, p.168)
Para Zagzebski (2008, p.164), uma definição de conhecimento, para que seja não
só exata, mas também informativa, deve satisfazer os seguintes critérios: não ser circular, ou
seja, não usar o conceito a ser definido como parte da definição; não ser negativa, ou seja,
não dizer apenas o que o conhecimento não é, sem nada dizer a respeito do que ele é; não ser
obscura, ou seja, que os conceitos usados na definição não sejam, eles próprios, pouco claros
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e carentes de definição; não ser ad hoc, ou seja, não ter como finalidade apenas se esquivar
das críticas que podem ser feitas, ou que já o foram.
Entretanto, podem haver outros métodos, por meio dos quais se chega a diferentes
definições de conhecimento, que abordam diferentes aspectos do mesmo. Tais métodos e
definições podem não ser concorrentes entre si, ou sequer antagônicos. Dessa forma,
definições naturalistas, e definições normativas, por exemplo, podem não ser
autoexcludentes, mas simplesmente abordar diferentes aspectos do conhecimento.
Deve-se considerar que talvez não seja possível subsumir toda forma de
conhecimento a uma mesma definição. Diferentes abordagens ao conhecimento podem diferir
não apenas quanto ao método, objetivo e definição, mas também quanto ao objeto.
Não basta que se defina conhecimento como uma crença verdadeira não-
acidental, por exemplo, já que tal definição seria desprovida de valor teórico ou prático, e não
contribuiria em nada para nossa compreensão de o que é conhecimento, e como obtê-lo. A
não-acidentalidade não é uma definição positiva ou informativa de conhecimento, é suficiente
apenas para discriminá-lo do não-conhecimento.
5Familiaridade.
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As proposições que são objeto de conhecimento são aquelas que possuem valor
de verdade positivo. Neste caso, há uma relação apropriada entre proposição e realidade, e,
por conseguinte, entre o sujeito que conhece tal proposição e a realidade. A epistemologia
aborda a questão sobre o que é o estado de conhecimento e quais são suas propriedades, ou
seja, o que torna conhecimento a relação cognitiva entre sujeito e mundo. Existem tipos de
conhecimento, como a percepção e a memória, cujo bom ou mal funcionamento e
confiabilidade em nada dependem do sujeito, ou de qualquer aspecto normativo e tampouco
moral. Estes são, usualmente, os tipos de conhecimento abordados pela epistemologia
contemporânea.
O conhecimento pode, dessa maneira, ser bom em um sentido moral, ser uma
característica que é elogiável e, quando ausente, censurável. Mas, segundo Zagzebski, por
outro lado:
“[. . .] é comum pensar que eu sei que estou olhando para um narciso amarelo em
circunstâncias normais em que eu esteja olhando para um narciso amarelo e
formar a crença de que o estou fazendo[. . .]. Seria um exagero dizer que existe
algo de louvável neste fato por ser algo tão comum, e certamente a falta de
conhecimento perceptivo em tais circunstâncias devida a uma anormalidade
visual é mais digna de pena do que de críticas.” (2008, p. 158)
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A sua epistemologia usa como base a ética das virtudes, de Aristóteles, para
definir o conceito de conhecimento. Seu objetivo é aproximar o conceito de conhecimento a
uma estrutura bem definida de conceitos normativo. O conceito de virtude é uma conjunção
de um estado interior bom (admirável), e o êxito exterior obtido. Adaptado à epistemologia,
esse conceito pode ser usado como o terceiro componente da definição de conhecimento.
As virtudes são propriedades do sujeito, não da crença. Possuir uma virtude é ter
uma disposição a ser motivado e agir de certa maneira em contextos relevantes, tendo êxito
em alcançar o fim da motivação virtuosa. Atos ou crenças podem ter valor positivo ainda que
não sejam efeito de um motivo virtuoso, mas por serem o que pessoas virtuosas fariam
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naquele contexto. Por outro lado, atos e crenças que possuem motivações virtuosas têm valor
positivo, ainda que tais motivações não impliquem em atos e crenças corretas.
2-O processo de conhecimento consiste em lidar com problemas, que podem ser insolúveis,
mas não misteriosos.
4-Observação, medição e experimentação são formas de operações empíricas, por meio das
quais se adquire conhecimento factual. Essas operações devem ser formuladas e controladas,
não meramente casuais ou espontâneas.
9-A finalidade da pesquisa científica é descobrir as leis da natureza. De modo que possa usá-
las para explicar, predizer ou relatar fatos.
Listamos algumas das motivações intelectuais e morais que devem ser parte do
comportamento do investigador:
1-Culto à busca contínua pela verdade. Devemos não apenas nos satisfazer com as verdades
já conhecidas, mas buscá-las continuamente;
2-Preocupação com a comprovação. A verdade factual não pode ser apenas estipulada, ou
recorrer a autoridade ou à experiência comum, deve também ser testada;
3-Independência de Opinião. A ciência investiga problemas não resolvidos, por isso depende
da criatividade e da originalidade do investigador, ou da equipe de investigadores;
4-Disposição à corrigibilidade. As ideias devem ser discutidas e postas a prova, por meio de
operações empíricas e do escrutínio dos pares. Não se pode, na ciência, ter um apego
excessivo à teoria, que não permita que a busca por conhecimento prevaleça como objetivo;
3. O CONHECIMENTO CIENTÍFICO
1-A base filosófica ou visão geral G: composta por uma ontologia, uma epistemologia e uma
ética. Nas ciências factuais deve tratar de objetos mutáveis em sua ontologia, enquanto sua
epistemologia deve ser realista e crítica, e sua ética, por fim, deve priorizar a livre busca pela
verdade;
2-A base formal F: o conjunto de teorias lógicas e matemáticas empregadas. Não pode ser um
conjunto vazio ou ser composto de teorias formais desatualizadas e obsoletas;
3-A base específica E: o conjunto de teorias, hipóteses e dados de outros campos de pesquisa.
Sejam eles mais básicos, como é o caso da física em relação à química, ou laterais, como é o
caso de diferentes subáreas de um mesmo campo. Deve ser um conjunto de teorias, hipóteses
e dados atuais de ciências relevantes.
Algumas condições culturais listadas por Bunge (1980, p. 52) que possibilitam a
investigação científica são:
a) Secularismo e naturalismo (ou ao menos tolerância por ambos), para que se valorize e
investigue o mundo natural, em busca de explicações naturais;
b) A curiosidade intelectual e a ambição construtiva, que são importantes para que se explore
a natureza ativamente; e para que se tenha uma motivação altruísta para colaborar na
construção do conhecimento e alcançar um fim para o bem coletivo;
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
BUNGE, Mario. Ciência e desenvolvimento. Trad. Cláudia Regis Junqueira. São Paulo:
editora da Universidade de São Paulo, 1980.
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__________. Philosophy in crisis: the need for reconstruction. New York: Prometheus
Books, 2001.
GETTIER, Edmund. “Is Justified True Belief Knowledge?”. In: Analysis, n. 23. 1963, p. 121-
123.
__________. “The Inescapability of Gettier Problems”. In: The Philosophical Quarterly, Vol.
44, n. 174 (Jan., 1994), p. 65-73. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2220147, acesso
em 02 de novembro de 2017, às 14:30.