Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
DO VOCABULÁRIO
Por Dulce Pereira
Linguista, investigadora
do CELGA/ILTEC
1 INTRODUÇÃO
2 O VOCABULÁRIO
4 o que é saber uma palavra?
5 VOCABULÁRIO ativo e passivo
6 Quantas palavras sabemos ou devemos saber?
8 que palavras ensinar?
10 a importância do desenvolvimento do vocabulário na escola
12 Como desenvolver o vocabulário
O DESENVOLVIMENTO DO VOCABULÁRIO
O DESENVOLVIMENTO DO VOCABULÁRIO
INTRODUÇÃO
É vulgar ouvirmos nas nossas escolas que os alunos têm muito pouco
vocabulário ou um vocabulário muito pobre. E isso não acontece só nos primeiros
anos de escolaridade. É queixume corrente nas conversas entre professores
universitários. Antes mesmo da pergunta, há sempre uma resposta: «Vêm muito
mal preparados.» No 1.º Ciclo, são os encarregados de educação e as suas condições
sociais que arcam com as culpas. Depois, são os próprios professores do 1.º Ciclo
o alvo privilegiado das críticas. Subjacente, está sempre a ideia de que a ignorância
do aluno já não tem remédio e que, portanto, já não há nada a fazer. E há. Há muito
a fazer, sempre, e ao longo da vida, mas não apenas por parte das famílias e dos
professores, mesmo os universitários, que tantas vezes se demitem do seu papel de
educadores: também pelos alunos, que não são meros objetos, ou vítimas, do meio
familiar e das metodologias de ensino.
Antes de mais, é preciso dar às queixas um rumo de mudança. Mas, para
isso, temos de começar pelas perguntas, antes das respostas. Porque é que consi-
deramos negativo que o aluno tenha pouco vocabulário? O que é um vocabulário
pobre? E o que é ter muito vocabulário?
E depois: é possível adquirir vocabulário, mesmo em fases mais tardias da
escolaridade e da vida? Como fazer com que o aluno adquira vocabulário? É possível
ensinar vocabulário? O aluno pode aprender a adquirir e a memorizar vocabulário?
Sabemos, de antemão, que as respostas a muitas destas questões são posi-
tivas. Mas vale a pena procurar responder-lhes, em busca de caminhos, pois as
nossas intuições e as nossas certezas nem sempre bastam.
Partamos, ainda assim, de um princípio muito geral: o vocabulário é funda-
mental para o desenvolvimento linguístico e cultural e para o sucesso escolar.
É com este princípio em mente que nos propomos aqui apoiar os professores, e em
particular os professores do 1.º Ciclo de escolaridade, na tarefa nem sempre fácil,
mas muito compensadora, de desenvolver o vocabulário dos seus alunos.
O VOCABULÁRIO
O vocabulário de um indivíduo é o conjunto finito mas aberto de unidades
lexicais que este domina num dado momento e que está armazenado na sua
memória lexical.
Dizemos que é aberto porque está em constante mudança, sujeito a ganhos
e a perdas e a transformações de vária ordem. Assim, não só aprendemos unidades
lexicais ao longo da vida, como por vezes as esquecemos. Noutros casos, passamos
a conhecer melhor as que já dominávamos, descobrindo, por exemplo, novas
aceções. Isto é, o nosso vocabulário não só pode mudar de dimensão, como pode ser
mais ou menos aprofundado e mais ou menos adequado às situações de comunicação.
Em vez de «unidade lexical» podíamos ter usado um termo mais comum:
«palavra». No entanto, para tal, há que definir com clareza o que entendemos por
palavra, uma vez que, embora seja um conceito intuitivo, cabem nele muitas
realidades diferentes.
Sabemos que, numa palavra, se estabelece uma relação estreita e relativamente
estável entre um conjunto organizado de sons e um dado significado. Consideremos
algumas expressões de tipos diferentes que mostram essa relação:
a. de, para, com, quando1
b. cão, melancia, velho, passear, gordo
c. guarda-chuva, arco-da-velha, guarda-fatos
d. leite de coco, casa de banho, pé de vento
e. de cor, por baixo de
f. morrer por (desejar); acabar por
g. garoto (miúdo), garoto (café com leite)
h. azedo (v. limão azedo, homem azedo)
i. ateliê, futebol
j. e-mail, Internet, scanner, iPad, workshop
k. ter um parafuso a menos, estar nas lonas, estar com os bofes de fora, estar
preso por uma unha negra.
1
Estas palavras, que chamamos gramaticais, embora não se refiram a nada em particular, e, por isso, não sejam
referenciais, como as palavras cão ou passear, têm na verdade significado. De outro modo, não seriam palavras.
Pense-se, por exemplo, no significado temporal de quando ou no contraste de significado entre com e sem.
Estas últimas expressões mostram bem como o vocabulário é uma janela para
a cultura que lhe está subjacente. Na verdade, palavra puxa palavra, e atrás das
palavras vem não só toda a língua como uma forma de pensar e o reflexo de vivências
às vezes passadas, outras bem presentes.
Cada palavra é uma história. Cabe ao professor contá-la e, calhando, tirar a
moral. Uma coisa é certa, se bem contada, a palavra fica na memória da criança, com
prazer, e sempre pronta a saltar para o que der e vier, que há de ser boa conversa,
boa leitura e boa escrita.
2
Embora o adjetivo passivo, referindo-se ao vocabulário, não seja o mais adequado, é muito usual na literatura
sobre a matéria. Também encontramos, em alternativa, a designação vocabulário recetivo.
Em suma
O desenvolvimento do vocabulário do aluno implica:
• a exposição recorrente a um vocabulário diversificado e o estímulo ao seu
uso frequente, tanto em termos de compreensão como de produção;
• a aprendizagem de palavras novas: não só de palavras simples, mas de
todos os tipos de expressões lexicais referidos atrás;
• o aprofundamento do saber sobre as palavras que o aluno já conhece;
• a ativação de redes de relações de ordem fónica, morfológica e semântica
entre as unidades lexicais;
• o recurso, sempre que necessário, ao ensino explícito e orientado para a
memorização;
• a exploração, sempre que oportuno, dos conhecimentos sobre os mundos
a que as palavras se referem.
Alguns estudos relativos à língua inglesa apontam para uma média de 3000
palavras-base (em que não se contam as formas flexionadas, nem as palavras
derivadas) que as crianças são capazes de produzir no final dos cinco anos de
idade. No entanto, por essa altura já há grandes diferenças, chegando algumas
crianças a saber menos 1000 palavras que a média, o que leva a que precisem de
adquirir mais 400 vocábulos do que as outras, em cada ano escolar, para evitar que
se «atrasem» ainda mais.
A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO
DO VOCABULÁRIO NA ESCOLA
Se a educação e a instrução são importantes para desenvolver o vocabulário,
o inverso não é menos verdadeiro.
Vários estudos têm provado haver uma forte correlação entre o vocabulário
e outras vertentes da língua com grande impacto no sucesso escolar, em todas
as disciplinas, pelo seu efeito na compreensão e na produção linguísticas, tanto na
oralidade como na escrita.
A leitura e a sua fluência são das áreas que mais beneficiam de um vocabulário
desenvolvido.
3
Este saber interessa mais às crianças do que muitas vezes se imagina. Veja-se o exemplo de uma criança de seis anos
que dizia, preocupada, abandonando por momentos a televisão: Eu não percebo muito bem é essas palavras com -ada,
-ado, saudade, essas assim… Era uma criança cuja curiosidade ainda não fora inibida pelo medo de falhar e para quem
uma palavra diferente não era uma palavra difícil, mas tão-somente uma apetecível palavra nova.
A leitura desses textos, feita pelos professores ou pelos próprios alunos, é, pois
uma fonte potencial de enriquecimento e aprofundamento vocabular. Para tal, não
basta assinalar ou explicar um conjunto mais ou menos aleatório de palavras difíceis.
É importante, antes de mais, ter uma imagem clara das palavras e expressões com
que a criança contacta e dos seus diferentes tipos, para melhor poder controlar o
processo de aprendizagem, através, nomeadamente, da criação de glossários e de
atividades de desenvolvimento vocabular adequadas.
Nesse sentido, fizemos um levantamento de todas as formas de palavras que
ocorrem nos textos em causa. Essa informação, que pensamos ser preciosa para os
professores, serviu de base à elaboração das propostas de atividades e dos glossá-
rios acima referidos, numa aplicação multimédia — À Descoberta das Palavras —
para uso dos alunos e dos professores, dirigida, em particular, ao 2.º ano de esco-
laridade.